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1 Mercados e feiras em Felgueiras. Presença secular para o desenvolvimento local Joaquim Costa Resumo Estes novos tempos do virtual disponibilizam várias formas de comunicar e informar mas, também, de comprar. Qualquer cidadão pode, comodamente a partir de casa, adquirir os produtos que necessita, sem necessidade de se deslocar a espaços físicos. A par deste conceito, temos ainda os centros comerciais e hipermercados que, durante a última década, surgiram de forma abundante no território nacional. Perante estes canais modernos de aquisição de produtos, uma pergunta impõem-se: - Qual é o papel dos mercados e das feiras na atualidade, locais onde, ainda há pouco tempo os nossos avós e pais compravam os bens necessários para o dia-a-dia? Para encontrar uma resposta a esta questão, abordaremos a história dos mercados e feiras até aos dias de hoje, usando como exemplo o concelho de Felgueiras. Procuraremos concluir sobre a sua relevância para o desenvolvimento local, ao longo dos tempos, nomeadamente ao nível social e cultural e, mais recentemente, em termos turísticos. Palavras-chave: Mercado Interno; Mercados; Feiras; Felgueiras Evolução histórica dos mercados e feiras Mercado e Feira são conceitos que durante muito tempo se confundiram. No século XIX, Ferreira Borges (1856:167) definia mercado como "feiras menores" de venda e troca de produtos. Por sua vez, feira era caracterizada, pelo autor, como sendo "um mercado grande" e público, onde se vendia todo o tipo de produtos, em determinado dia e uma ou mais vezes num ano (Borges, 1856:167). Apesar da descrição das características gerais de cada um deles, os dois conceitos acabam por se interligar em virtude do uso do termo "feira" definir mercado e vice-versa. Mais chegados aos nossos dias, as noções encontram-se mais circunscritas sendo que Virgínia Rau considera que os mercados são espaços destinados a prover a alimentação corrente da população da localidade onde esse tem lugar tendo, por conseguinte, uma esfera de influência limitada a nível territorial e restrito à venda e à compra a retalho (Rau, 1983:56). Já Borges de Macedo (1999:990) define as feiras como eventos

Mercados e feiras em Felgueiras. Presença secular para o ...E7%F5es/Costa.pdf · feiras, porque sabiam dos seus benefícios para a igreja ou mosteiro (Moniz, 1990:201). A par da

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1

Mercados e feiras em Felgueiras.

Presença secular para o desenvolvimento local

Joaquim Costa

Resumo

Estes novos tempos do virtual disponibilizam várias formas de comunicar e informar

mas, também, de comprar. Qualquer cidadão pode, comodamente a partir de casa,

adquirir os produtos que necessita, sem necessidade de se deslocar a espaços físicos. A

par deste conceito, temos ainda os centros comerciais e hipermercados que, durante a

última década, surgiram de forma abundante no território nacional. Perante estes canais

modernos de aquisição de produtos, uma pergunta impõem-se: - Qual é o papel dos

mercados e das feiras na atualidade, locais onde, ainda há pouco tempo os nossos avós

e pais compravam os bens necessários para o dia-a-dia? Para encontrar uma resposta a

esta questão, abordaremos a história dos mercados e feiras até aos dias de hoje, usando

como exemplo o concelho de Felgueiras. Procuraremos concluir sobre a sua relevância

para o desenvolvimento local, ao longo dos tempos, nomeadamente ao nível social e

cultural e, mais recentemente, em termos turísticos.

Palavras-chave: Mercado Interno; Mercados; Feiras; Felgueiras

Evolução histórica dos mercados e feiras

Mercado e Feira são conceitos que durante muito tempo se confundiram. No século

XIX, Ferreira Borges (1856:167) definia mercado como "feiras menores" de venda e

troca de produtos. Por sua vez, feira era caracterizada, pelo autor, como sendo "um

mercado grande" e público, onde se vendia todo o tipo de produtos, em determinado dia

e uma ou mais vezes num ano (Borges, 1856:167). Apesar da descrição das

características gerais de cada um deles, os dois conceitos acabam por se interligar em

virtude do uso do termo "feira" definir mercado e vice-versa.

Mais chegados aos nossos dias, as noções encontram-se mais circunscritas sendo que

Virgínia Rau considera que os mercados são espaços destinados a prover a alimentação

corrente da população da localidade onde esse tem lugar tendo, por conseguinte, uma

esfera de influência limitada a nível territorial e restrito à venda e à compra a retalho

(Rau, 1983:56). Já Borges de Macedo (1999:990) define as feiras como eventos

2

económico-sociais, de reunião periódica de negociantes profissionais, para a troca,

monetária ou não, de mercadorias realizada num lugar específico e em datas

previamente fixadas e divulgadas.

A história destas duas formas de fornecimento de géneros alimentares e outros produtos

ou serviços às populações é bastante antiga.

Embora se reconheça a sua antiguidade, as referências documentais consistentes sobre

os mercados remontam unicamente ao século IX. Estes, durante a Idade Média

funcionaram como um sítio central de abastecimento da população local, onde se

poderia comprar os bens de primeira necessidade (Carvalho, 1989:58). Por norma,

decorria sempre no mesmo lugar, onde camponeses e vendedores eram desse território e

sempre os mesmos, o que gerava confiança nos que a ele acediam para comprar. Ou

seja, constituía-se num espaço circunscrito, vocacionado para a venda de pequenas

quantidades de produtos - digamos caseiros como galinhas, ovos e outros géneros

alimentícios (Rau, 1983:58) - e cuja quantidade não ultrapassava o valor de alguns

dinheiros.

Um fator relevante para a existência de mercados será o tipo de povoação no nosso

território. Se atendermos ao Mapa 1 elaborado por David Justino (1988:301) sobre os

mercados semanais no ano de 1851, notámos que à medida que descemos para sul o seu

número diminui. Isto é, a sua realização vem ao encontro das diferentes densidades

populacionais ou formas de povoamento do país: no noroeste, zona de forte densidade e

dispersão populacional, encontramos mais mercados do que no sul, onde a baixa

densidade populacional e um povoamento mais concentrado provoca a necessidade de

menos mercados.

Mapa 1 - Representação dos 83 mercados semanais em Portugal no ano de 1851 (Adaptado de: Justino, 1988:301)

3

Paralelamente ao mercado temos a feira.

Sob o ponto de vista histórico, podemos buscar as suas origens à remota antiguidade,

existindo registos da sua concretização nas civilizações grega e romana. A primeira

feira pós-Império Romano, a Ocidente, e da qual existem registos foi a de Saint-Denis,

fundada por Dagoberto I (604-639), por volta dos anos de 634 ou 635, e posteriormente

transferida para Paris, por volta do ano de 710 (Macedo, 1999:990).

Ocorre que estes eventos tornaram-se, a partir do século XI, essenciais para a

estruturação da sociedade. Aliás, Virgínia Rau foi da opinião que as feiras

transformaram-se num dos aspetos mais valorizados da economia medieval porque,

nascidas da necessidade de promover a troca de produtos entre o homem do campo e o

da cidade, representavam o ponto de contacto entre o produtor e o consumidor.

Simultaneamente, e segundo a mesma autora, as feiras concentravam a vida mercantil

de uma época onde a circulação de pessoas e bens era dificultada pela falta de

comunicações, de segurança e excesso de portagens ou peagens a pagar (Rau, 1983:33).

Não obstante serem um local singular de troca de produtos e de comunicação entre

povos, o grande impulso para o progresso das feiras foi dado pela religião1. As

romarias, as peregrinações e demais festividades de índole sagrada chamavam

peregrinos vindos de longe e, como este era não só um potencial comprador mas,

também muitas vezes um mercador, essas festividades estavam destinadas a

transformarem-se em centros de comércio (Rau, 1983:33). Não admira assim que, na

Idade Média, a maior parte das cartas de autorização de feiras fossem concedidas por

altura de festas religiosas, como a Páscoa, o Corpo de Deus, dia de São Pedro ou da

Natividade. Exemplo característico é o facto de, um pouco por toda a Europa, os

cabidos das catedrais e vários mosteiros de ordens religiosas incentivarem a criação de

feiras, porque sabiam dos seus benefícios para a igreja ou mosteiro (Moniz, 1990:201).

A par da religião, o estabelecimento da paz de feira no local de realização contribuía

largamente para a expansão deste tipo de comércio. Durante o período de vigência da

“paz”, era proibido nesse espaço disputas, vinganças ou atos de hostilidade. Os

mercadores estavam protegidos no local da feira mas também na viagem de ida e de

volta, bem como tinham a garantia de não serem presos ou perseguidos durante a dita

"paz" (Rau, 1983:42).

1 Sintomático deste impulso, Guy Fourquin considera que o termo feira, provém de feria, ou seja, festa a

um santo (1990:268).

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A estes privilégios devemos juntar os certames que isentavam os feirantes do

pagamento de direitos fiscais, como as portagens e as costumagens. A estas feiras deu-

se a designação de francas. Em Portugal, foi a partir do reinado de D. João I (1385-

1433) que se generalizou a sua outorga (Rau, 1990:540).

Para além destas vantagens, estes eventos desempenharam um papel proeminente ao

nível social e cultural. Socialmente, os monarcas aproveitavam-se delas para fomentar o

povoamento que, por sua vez, queriam honrar e favorecer (Moniz, 1990:204). Ao

mesmo tempo, elas permitiam que as populações que viviam da terra pudessem

socializar com pessoas da sua região, do país ou mesmo do estrangeiro.

Sob o ponto de vista cultural, elas possibilitavam que os comerciantes vindos de longe

narrassem as suas histórias maravilhosas ou terrificantes pelas regiões ou países por

onde passavam (Rau, 1983:53). Transportavam igualmente, os cantares da sua terra, a

poesia popular ou as suas preocupações promovendo a permuta cultural entre regiões.

Muitos governantes, vendo a sua utilidade, foram criando vias de comunicação,

reparando estradas danificadas ou modificando o aspeto das vilas (Rau, 1983:54) a fim

de favorecer este tipo de comércio.

Com estes privilégios e isenções não é de estranhar que, durante a Idade Média, este

tipo de comércio florescesse. Em Portugal, a primeira referência completa surge no foral

de Ponte de Lima, de 1125, onde se estabeleceu uma multa a quem levantasse

dificuldades no acesso à feira. No final do século XIII, existiam sensivelmente 25 feiras

dispersas por todo o país (Macedo, 1999:992).

Entretanto, o final do século XV foi considerado como um período de enfraquecimento

das feiras em Portugal, em virtude de terem deixado de ser os locais mais importantes

de negócio. Com o desenvolvimento económico começaram, nas cidades e vilas, a

surgir outras formas de troca e venda de produtos que serviam adequadamente os

interesses dos cidadãos, como foi o caso de ruas especializadas em determinado tipo de

produtos (dos ferreiros, dos sapateiros...). No século seguinte e apresentando-se

Portugal como potência marítima, o comércio concentrou-se nas cidades à beira-mar,

retirando influência e grandeza às feiras (Rau, 1990:542). Chegados ao reinado de D.

Manuel (1495-1521), a tendência para a decadência continuava.

Todavia a situação inverteu-se nos séculos XVIII e XIX com a criação de feiras um

pouco por todo o país. Nos reinados de D. João V (1707-1750), D. José (1750-1777) e

D. Maria I (1777-1816) são numerosas as autorizações para a sua realização,

normalmente requeridas por assembleias de “fidalgos e povo” de uma vila alegando a

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necessidade de abastecimento e venda de produtos à população (Macedo, 1999:993). De

referir que, neste período, as vantagens adicionais para a sua realização já eram exíguas.

Apesar disso, e segundo Borges de Macedo, nesta época efetuavam-se em Portugal

cerca de 400 feiras semestrais e 140 anuais, sendo predominantemente entre os meses

de julho a novembro (Macedo, 1999:993). Nos restantes meses, o número era mais

escasso devido ao inverno rígido que tornava os caminhos intransitáveis e à falta de

colheitas (Serrão, 1990:230).

Embora estes números traduzam o sucesso deste comércio, os economistas dos finais do

século XVIII e inícios do século XIX davam especial relevância ao seu lado mais

negativo. Em primeiro lugar apontava-se o consumismo. As feiras representavam o luxo

de comprar o que não era necessário, o supérfluo. Expunham também as implicações a

nível laboral, em que a população, com o desejo de as frequentar, perdia dias de

trabalho, acrescentando-se os excessos de vida (consumo excessivo de álcool, por

exemplo) cometidos durante a sua participação. Simultaneamente, os economistas

argumentavam que as feiras eram locais para um outro sem fim de intenções. Era

comum, segundo estes, as pessoas usarem-nas para mostrar os seus melhores fatos e

apetrechos, procurando promoverem-se socialmente e que os jovens usavam-nas como

veículo de emancipação, através da criação de bandos de rapazes ou através de

conflitos. Ainda, havia agricultores que as frequentavam não para vender o gado que

criavam, mas para o mostrar com a única intenção de o avaliar (Alves, 2005:156).

Paralelamente, eram aproveitadas para fins políticos, como sucedeu durante o

liberalismo, onde os partidos ocorriam a elas para passar a propaganda partidária

(Alves, 2005:157).

A violência e atividades marginais eram também comuns: malfeitores, prostitutas,

ladrões e mendigos afluíam às feiras para furtar, criar desordens, pedir esmolas ou para

“entreter” os que a ela concorriam (Justino, 1988:275).

Embora se notem diversos fatores negativos relacionados com as feiras, outros há que

são francamente positivos. Este era um espaço, por excelência, para os pequenos

produtores ou comerciantes apresentarem os seus produtos, quando não conseguiam ou

não tinham dimensão para os colocar em outras redes de negócio (Alves, 2005:157).

Outro dado a realçar é o seu proeminente significado concelhio: os jornais locais davam

especial destaque ao antes e ao depois das feiras, o que revela a importância que este

tipo de acontecimento tinha para a localidade onde se realizava.

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Chegados aos séculos XIX e XX, a função económica das feiras permanecia válida,

todavia com novos motivos. O primeiro motivo encontra-se interligado com a

sobrevivência do feirante. Este não podia frequentar unicamente uma feira, pelo que era

necessário alargar a sua área de vendas e obrigar-se a estar presente em diversas para

garantir a sua subsistência económica. Por exemplo, era comum encontrar-se

comerciantes de Felgueiras a venderem panos de linho na feira da primeira terça-feira

de abril (Capela, 2009:92) na cidade do Porto.

Um outro motivo esclarecedor das mudanças verificadas em torno das feiras prende-se

com o aumento demográfico das cidades e vilas, pois impunha a necessidade de um

abastecimento mais regular. Associado a este, os comerciantes souberam interpretar as

carências das populações e promoveram feiras tendencialmente especializadas, como

por exemplo ao nível dos têxteis e do gado. Exemplo concreto foi a feira de Penafiel,

em novembro de 1854, em que 74% dos produtos transacionados foram cavalos e

bovinos (Justino, 1988:303).

Perante a importância que tinham para as localidades, a partir de 1890, as câmaras

municipais começaram a criar espaços específicos para a sua concretização (Serrão,

1989: 410) e incentivaram a sua efetivação periódica. Por último, mais uma vez, as

festas religiosas intensificaram o desenvolvimento das feiras em torno de santos ou

padroeiros de antiga ou recente celebração. Neste aspeto, a I República não se opôs, isto

porque desenvolvia o localismo e revigorava o comércio e a agricultura (Serrão,

1989:262).

Nos dias atuais, e não obstante a existência de novos canais físicos (hipermercados,

shoppings...) e virtuais de compras (lojas online), as feiras, quer realizadas no mundo

rural ou no citadino, continuam a ser indispensáveis demonstrando grande resistência e

notável capacidade de adaptação às profundas mudanças demográficas, políticas,

culturais, económicas e sociais que a humanidade atravessa. Tal facto não só se deve à

sua função comercial mas, cumulativamente, ao seu caráter social e cultural, mantendo

até aos dias de hoje práticas e tradições ancestrais:

No meio rural, a feira continua a apresentar-se como um ativo relevante no

abastecimento das populações e na subsistência de mercadores ou feirantes. Ao

mesmo tempo, ocupa lugar proeminente a nível social e recreativo porque

afigura-se, muitas vezes, como o único local de reunião e convívio das

populações (NF, 2012:4-5);

7

No meio urbano, e embora exista uma maior oferta comercial, a feira tem

subsistido devido à alternativa de bens que oferece e a preços mais convidativos

(NF, 2012:4-5).

Sintomático do mencionado, de apontar que, atualmente, realizam-se 145 feiras no norte

de Portugal, com periodicidades que variam entre semanais a datas específicas, sendo

estas recomendadas pela Associação de Feirantes do Distrito do Porto, Douro e Minho

(AFDP).

Dia da Semana Nº Feiras

Segunda-feira 19

Terça-feira 13

Quarta-feira 13

Quinta-feira 13

Sexta-feira 10

Sábado 30

Domingo 15

Por datas 32

Pelos os dados apresentados notamos diferenças consideráveis entre mercado e feira. A

primeira diferença encontra-se na forma. O mercado cinge-se a um espaço mais restrito,

enquanto que a feira apresenta-se extensiva a mais localidades. O mesmo acontece com

a população alvo. Ao mercado acedia a população local e, à feira, deslocavam-se as

populações locais e visitantes das províncias vizinhas. Conquanto, para que isto

acontecesse a oferta de produtos e, em complemento, o programa cultural ou religioso

tinha de ser bastante chamativo. Percebe-se assim que estes factos tinham

consequências no tipo de vendedores que lá se encontravam: enquanto o mercado era

frequentado por pequenos vendedores locais ou regionais (Rau, 1983:57), o mesmo não

acontecia na feira que aliciava negociantes nacionais e, em certos casos, mesmo

internacionais. Ou seja, o mercado apresentava-se com uma esfera de influência mais

restrita a uma localidade, enquanto a feira tinha um âmbito mais regional, nacional e,

em alguns casos, internacional.

Uma outra distinção entre mercado e feira reside nos privilégios. Como tivemos

oportunidade de expor, a feira, se comparada com o mercado, tinha uma organização

mais perfeita e obtinha mais privilégios (Rau, 1983:57).

A diferença também se nota na amplitude das transações efetuadas em cada uma delas,

pois enquanto no mercado temos um comércio mais direto, com produtos de primeira

Periodicidade Nº Feiras

Semanal 97

Quinzenal 10

Mensal 5

Datas específicas 33

Quadro 1: Feiras no norte de Portugal.

Fonte: AFDP, 2012

Quadro 2: Feiras no norte de Portugal, por

periodicidade

Fonte: AFDP, 2012

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necessidade, na feira a esfera de atuação era mais ampla podendo-se encontrar uma

maior diversificação de produtos que doutra forma não se encontraria no mercado.

Outra discrepância residia na qualidade dos produtos à venda. No mercado havia uma

maior confiança na compra dos produtos porque a qualidade era garantida pelos

próprios produtores. O mesmo não sucedia na feira porque, vindos de várias regiões, os

comerciantes não garantiam muitas vezes de boa-fé a qualidade do que vendiam.

Estas diferenças também se notam no pensamento económico e social português do

século XIX onde se observam duas posições opostas entre os que defendem o mercado

em detrimento da feira como Villa-Nova Portugal, José Silvestre Ribeiro e Alexandre

Herculano e os que advogam a criação de feiras como José Ferreira Borges. Villa-Nova

Portugal critica as feiras considerando-as um luxo, alegando que estas só serviam para o

entretimento e, defendendo assim os mercados em virtude de promoverem a venda de

bens de primeira necessidade (Portugal apud Justino, 1988:273). Por sua vez, José

Silvestre Ribeiro, considerou a criação de feiras como um erro económico e um

anacronismo histórico (Ribeiro apud Justino, 1988:274). Já Alexandre Herculano chega

a designar as feiras como algo de obsoleto (Herculano apud Justino, 1988:274).

Opinião diferente tem Ferreira Borges pois considera as feiras relevantes para o

desenvolvimento económico porquanto vivendo-se num país atrasado, em que as

populações estão muito fechadas – como “ilhas não-communicaveis” -, elas

apresentavam-se como um meio de abrir estradas e comunicações para as localidades e

de suprir as necessidades e aumentar a riqueza dos povos (Borges, 1856:167).

Após esta análise geral, a descrição dos mercados e feiras dum território concreto torna-

se útil pois permite, na prática, avaliar o que foi teoricamente escrito. Para o efeito,

usaremos o exemplo do concelho de Felgueiras.

Mercados e feiras no concelho de Felgueiras

Para o concelho de Felgueiras, as menções históricas sobre os mercados para os tempos

mais recuados são inexistentes. Todavia, convém salientar que na Idade Média e

Moderna teria, com relativa certeza, existido mercados. Se tivermos em conta os dados

fornecidos pelo foral concedido pelo rei D. Manuel (1469-1521) a Felgueiras, nos

inícios de quinhentos, onde é referido que as principais atividades económicas eram a

lavoura (com grande produção de trigo e milho) e a pastorícia, concluímos que teria de

haver uma forma de vender e escoar esses produtos.

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Chegados à Idade Contemporânea, encontramos mais dados sobre este comércio.

Primitivamente, o mercado na sede do concelho realizava-se de frente aos paços

concelhios onde, hoje em dia, temos o jardim da Praça da República. Neste, vendia-se

todo o tipo de produtos desde os agrícolas passando pelo comércio de aves e gado.

Contudo, com intuito de se garantir melhores condições a todos que a ele acediam quer

para vender quer para comprar, em meados do século XX, construiu-se um edifício de

raiz, tendo a obra ficado a cargo do arquiteto portuense Januário Godinho. Este novo

espaço não ficou muito longe do antigo lugar onde se realizava, ficando situado num

largo2 paralelo aos paços do concelho. Devemos notar, por curiosidade, que este não foi

o espaço primeiramente escolhido, tendo na altura a preferência recaído num terreno

junto da Igreja Matriz e da rua da Lomba. Mas, por questões de ordem política e

urbanística, optou-se pelo local já indicado.

Atualmente, o mercado está muito longe das características que tinha no início do

século XX, efetuando-se agora de terça a sábado, com tendência para a especialização:

às terças e sábados comercializa-se peixe; às quartas, quintas e sextas a prioridade é

dada às frutas, legumes e carnes. Devemos aludir que o mercado encontra-se de certa

forma "secundarizado" devido à realização, neste mesmo espaço, da feira semanal à

segunda-feira e à concorrência das superfícies comerciais que existem em seu redor.

Possivelmente, a sua especialização será uma forma de contornar a concorrência.

Para além deste mercado, devemos referir mais dois. Na Lixa, opera-se à terça e sexta-

feira, sendo que às terças cumpre-se simultaneamente com a feira semanal. Como

acontece com o de Felgueiras, verificamos a tendência para a venda de produtos

específicos, nomeadamente o peixe e os legumes.

Temos ainda notícias de que na década de 40 do século passado, havia mercado em

Jugueiros sendo, contudo, realizado no mesmo dia da feira, ou seja, na última sexta-

feira de cada mês (Sampaio, 1941:452).

Se para este tipo de atividade as referências históricas são poucas, o mesmo não sucede

para as feiras, embora continuem a persistir constrangimentos informativos para a Idade

Média. Virgínia Rau em Feiras medievais portuguesas, onde elenca este tipo de

comércio, entre 1125 e 1467, não menciona a existência de alguma para o concelho de

Felgueiras. No entanto, se examinarmos as chancelarias régias, verificamos a outorga

2 Hoje tem a designação de Largo Arquiteto Januário Godinho.

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deste privilégio a Unhão, dada por D. João I, em Évora, no dia 29 de fevereiro de 14293.

Esta era franqueada realizando-se de três em três semanas e na condição de não haver

outra feira na mesma comarca que pudesse ficar prejudicada.

"feira Franqueada em hunham

Dom Joham etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que nos querendo fazer

graça e mercee a joham gomez da silua nosso uasallo por muito serujço que delle

Recebemos e entendemos de receber por seer ma/is nobre ho seu lugar dhunham

que he em terra de sousa Teemos por bem e mandamos que no dicto seu lugar d hunham

se faça e possa fazer daquj en diante de tres em tres somanas hũa feira franqueada

que dure huũ dia e mais nom comtanto que se faça em tal dia que se nom faça outra

algũa feira na comarca d arredor a que esta possa fazer perjujzo. E Porem mandamos a

todollos corregedores e meyrinhos e jujzes e justiças e a todollos outros

officiaães e pesoas quaãesquer a que esto perteencer ou ouuerem de ueer que leixem

fazer a dicta feira no dicto lugar d hunham de tres em tres somanas como dicto he

sem embargo nemhuũ que a ello ponham. a qual feira mandamos que aia e lhe seiam

guardados todollos priujllegios e franquezas que a feira de lanhoso. E em testimunho

desto lhe mandamos dar esta nossa carta dante na cidade d euora xxvj dias de feuereiro

el rrey o mandou aluaro gonçalluez a fez era de mil iiijc xxix annos".

Se as informações são parcas para a Idade Média, o mesmo não acontece para a Idade

Moderna e Contemporânea onde a documentação permite identificar diversas feiras,

com periodicidade variada, por todo este território.

No século XVIII existiam nove feiras nestas terras, sendo uma quinzenal, cinco mensais

e três anuais. Em Unhão, e ao contrário do período medieval, existiam duas: com

duração de um dia cada, tínhamos uma quinzenal aos dias 17 e 28 de cada mês e uma

anual, no dia 22 de setembro. A quinzenal, conhecida também como feira de Santo

Eusébio (Gomes, 1996:164), realizava-se no lugar da Sargaça, pagando sisa ao Rei. Por

seu turno, a feira anual acontecia em terras do conde de Unhão (Capela, 2009:841).

Em Margaride, a feira realizava-se na primeira terça-feira de cada mês. Decorre que a

realização desta tinha implicações com a que se efetuava na Lixa, também mensal, na

primeira segunda-feira: quando o primeiro dia do mês fosse à terça-feira, a da Lixa seria

na segunda-feira anterior, mas caso esse primeiro dia fosse dia santo, a feira na Lixa

passava para terça e a de Margaride para o dia seguinte, ou seja, para quarta (Capela,

2009:841). Analisando em mais pormenor a da Lixa, esta era parcialmente franca na

parte deste concelho e considerada uma “das maiores feiras do mês que há no reino”

(Capela, 2009:841), sendo bastante popular (Fernandes, 1989:122). Para além dos mais

3 Ou seja, dia 26 de fevereiro de 1391, em virtude de estar na Era de César.

11

variados géneros de produtos à venda, a preponderância era dada ao comércio de pano,

linho, pão, gado, tendeiros, ourives e chapeleiros (Capela, 2009:841).

Ainda neste século XVIII, temos a ocorrência de mais cinco outras feiras nas freguesias

de Barrosas, Pombeiro e Várzea. A primeira, em Barrosas, de caráter cativa4, efetuava-

se no dia 23 de cada mês, durando um dia (Capela, 2009:841). Existiam depois duas em

Pombeiro: uma aos dias 7 de cada mês e uma anual no dia seguinte à comemoração do

São Bartolomeu5, sendo esta última vocacionada para a venda de gado (Dias, 2011:4).

Por seu turno, a realizada em Várzea, e conhecida por Feira de São Jorge, resultou da

extinção da feira mensal de Pombeiro. O rei D. José, no ano de 1765, suprime a de

Pombeiro e cria a de São Jorge no lugar do Souto. A razão apontada era a falta de

condições espaciais em Pombeiro. Esta nova feira começou a realizar-se no dia 15 de

cada mês, sendo vocacionada para a venda de gado, bestas, pães e outros géneros. Mas

nesta freguesia de Várzea existia uma outra conhecida por Feira dos 23 de Abril ou dos

Folares. Esta era franca e anual, decorria no dia de São Jorge, padroeiro da freguesia e

atraía a população de freguesias vizinhas:

"A vinte e três de Abril de cada anno, que hé dia de Sam Jorge, orago desta freguezia,

concorre muita gente de romaria, aonde vêm clamores de muitas freguezias a esta igreja.

Por cuja razam se faz na dita lameda ou deveza feira nesse dia de algumas couzas mais

percizas " (Capela, 2009:258).

Nesta realizavam-se corridas de cavalos e venda de alfaias agrícolas, gado, linho e

linhaça. Também havia sável pescado no rio Tâmega e posteriormente trazido de

Amarante para aqui se vender. Como se efetuava em dia do santo padroeiro, o cariz

religioso desta feira fazia-se sentir: ao amanhecer, os lavradores levavam o gado à igreja

dando uma volta em seu redor para que São Jorge, padroeiro do gado, os ajudasse a

fazer um bom negócio (Gomes, 1996:166).

Convém acentuar que a extinção, criação de feiras ou transferências de datas não se

ficou por esta centúria, continuando nas seguintes.

Por exemplo, a mencionada Feira de São Jorge, em meados do século XIX, já se

realizava ao dia 14 de cada mês, no lugar da Deveza tendo sida transferida, em 1854,

para a vila de Margaride, sede do concelho. Como acontecia com a extinta, esta nova

4"Cativa" porque os comerciantes locais estavam isentos de pagamentos de sisa ou portagem, não

acontecendo com os restantes comerciantes que ficavam sujeitos aos impostos devidos (Capela, 2009:92).

5 Como este Santo é comemorado a 24 de agosto, a feira realizar-se-ia no dia 25.

12

seria no dia 14 de cada mês, salvo se o dia coincidisse com domingo ou dia santo,

passando para o dia seguinte.

Se tivermos em conta a existência de mais que uma feira num mesmo concelho e se

juntarmos a rivalidade entre freguesias, estavam reunidas as condições para mal-estares

entre populações vizinhas. Não foi assim de estranhar que a transferência da Feira de

São Jorge para Margaride causasse incómodo na freguesia que a perdia. Com intuito de

salvaguardar os interesses da povoação, a Câmara Municipal de Felgueiras através de

requerimento dirigido ao Governo Civil do Porto, solicitou que a população de Várzea

pudesse continuar a "reunir-se" nesse mesmo dia para exporem "à venda quaesquer

objetos ou mercadorias". Ou seja, não havia feira mas, em compensação, a população

local poderia reunir-se para vender os produtos que cultivava ou produzia. Sucede que

os problemas não ficaram só por esta freguesia. Os lixenses também se sentiram

ameaçados e mostraram o descontentamento: aquando da publicação dos editais na Lixa

sobre a transferência da feira para Margaride, a população arrancou os editais em modo

de protesto.

Voltando à feira de Margaride, ainda neste século ela passou de mensal para quinzenal,

sendo efetuada no dia 14, como até então, e no dia 29 de cada mês.

Como qualquer evento efetuado ao ar livre, as feiras acabam por estar sujeitas às

condições climatéricas do dia e com repercussões na afluência de público e nas vendas.

Sobre este assunto, de recordar que a feira de Margaride do dia 14 de abril de 1898 foi

transferida para a semana seguinte, para o dia 18, em virtude do mau tempo ter

impedido a sua realização. Quando não eram as condições climatéricas, a falta de

produtos para vender era motivo para uma feira fraca: a falta de gado para se vender na

de 18 de julho de 1899, em Margaride, resultou que a feira nesse dia fosse pouco

movimentada.

Todavia, se uma ou outra não decorria como desejado para os feirantes e população, a

que antecedia a época natalícia – conhecida por Feira de Natal – era mais animada,

chamando sempre muita população à sede do concelho, com intuito de se preparar a

consoada.

No que concerne à da Lixa, por volta de 1813, ela era realizada num largo pertencente à

casa do Terreiro com a autorização do proprietário. Todavia, devido aos muitos

mercadores e compradores, este espaço tornou-se exíguo, tendo mudado de local, para o

largo da Cruz (CFV, 2000:69). Mas, como a oferta e a procura continuava a crescer,

passou a realizar-se no largo das Carvalheiras (CFV, 2001:11).

13

De fazer nota que, chegados ao final deste século em análise, a designação adotada na

Lixa era de feirões e realizava-se duas vezes por mês.

Como exposto na primeira parte deste artigo, os políticos souberam aproveitar estes

ajuntamentos para passarem as suas mensagens políticas, especialmente em tempos de

eleições. Sobre esta matéria, lembramos a polémica que envolveu o feirão ocorrido no

dia 3 de abril de 1854: chegaram boatos aos Governo Civil que nesse evento ter-se-ia

realizado uma manifestação de apoio aos absolutistas. Perante este facto, a Câmara

Municipal teve de vir a público desmentir tal manifestação referindo, em defesa da

população lixense, que era costume nesse local haver trocas comerciais e que não teria

sido possível essa manifestação porque os moradores "na sua maior parte são do partido

liberal".

Continuando a descrever o século XIX, devemos apontar a feira semanal do Sambeito,

na atual vila da Longra cujas origens, segundo Armando Pinto, remontam à criação do

concelho de Barrosas, entre 1837 e 1852. Esta feira terá sido abolida após a extinção do

concelho mencionado (Pinto, 2003:31). Porém, antes da sua extinção, esta efetuava-se

aos sábados e não se iniciava sem a presença da Banda de Música do Aniceto que criava

uma atmosfera de boa disposição (Pinto, 2003:69).

Armando Pinto (2003:31) expõe ainda que, na mesma época da criação da feira do

Sambeito, terá sido criada uma outra no concelho vizinho de Barrosas. Não obstante

esta indicação, devemos recordar o assinalado anteriormente quando foi mencionado

que nesta localidade, no século XVIII, já existia feira. Ou seja, esta exposta pelo

referido autor poderá ser a continuação da que se realizava na centúria de setecentos.

Instrumento útil para se saber mais sobre a organização e as condições destes eventos

foi o aparecimento da imprensa local no concelho de Felgueiras, em finais do século

XIX. Citemos o Semana de Felgueiras que reproduzia regularmente os ecos destes

eventos escrevendo sobre tudo o que com elas se relacionava. Por exemplo, era vulgar

notícias sobre os preços praticados nos géneros alimentícios. A este nível e fazendo uma

breve comparação entre feiras, de notar que os preços praticados na de Margaride eram

ligeiramente mais baixos que os praticados na da Lixa.

Outros factos passados para o papel, eram as cenas de violência ou polémicas na sua

organização. Modelo de evento pouco pacífico era a Feira dos 23 de Abril, não obstante

o seu pendor religioso. Desordens públicas eram frequentes. Por exemplo, a realizada

no ano de 1902 fora notícia de jornal devido às escaramuças ocorridas entre populares

devido ao destino a dar-se às esmolas que os peregrinos ofertavam na ocasião.

14

Entrados no século XX, novas mudanças se verificaram, especialmente na feira da Lixa

e de Margaride e que permaneceram até aos dias de hoje.

Em março de 1900, um grupo de comerciantes lixenses, descontentes com os feirões

realizados na freguesia, apresentaram um pedido para a extinção deste tipo de comércio

e a sua substituição por feira semanal às terças-feiras. Esta solicitação foi atendida pela

autarquia que, a 24 de março de 1900, suprimiu os feirões substituindo-os por uma feira

semanal no dia pretendido, mas com condicionantes: quando a data coincidisse com dia

santo ou com a Feira dos 23 de Abril, em Várzea, a da Lixa realizar-se-ia no dia

anterior, ou seja, à segunda-feira. O certo é que esta mudança ressuscitou rivalidades

antigas. Comerciantes de Margaride, liderados por Silva & Irmão, solicitavam, por sua

vez, à Câmara Municipal a supressão da feira quinzenal e a sua passagem a semanal e

efetuada às segundas-feiras. Diante tais indícios, um conjunto de comerciantes lixenses,

encabeçados por Vicente da Silva Cunha, solicitavam à edilidade que não aprovasse a

solicitação dos negociantes felgueirenses, pois tinham o receio que uma feira realizada

às segundas-feiras prejudicasse a da Lixa, às terças.

No entanto, este pedido não foi atendido, apesar da autarquia tomar "em consideração o

representado pelos signatários ".

Apesar dos medos demonstrados, a feira semanal da Lixa nas primeiras décadas do

século XX, obteve grande prosperidade especialmente após a inauguração, em setembro

de 1914, do troço ferroviário que ligava Penafiel, Lousada, Felgueiras e Lixa devido à

facilidade de transporte de mercadorias e passageiros entre concelhos vizinhos (CFV,

2001:17).

Uma das imagens de marca da Lixa foi e é as suas feiras. A esta acabada de descrever,

outras três de caráter anual, se juntaram e ainda hoje persistem: a Feira das Oitavas, na

segunda-feira de Páscoa, não sendo por isso realizada num dia fixo; a Feira das Uvas

ou das Cebolas, na primeira segunda-feira de setembro e a Feira Franca, no domingo

anterior ao Natal. Sem menosprezar nenhuma delas, devemos destacar a primeira feira

citada porquanto seria das mais animadas, pois decorriam corridas de cavalos,

concursos de gado bovino e cavalar e prémios para os melhores cantadores e cantadeiras

que variavam entre os 50$00 e os 25$00 consoante as categorias (CFV, 2001:17).

Concomitante a estas feiras praticadas nas duas principais povoações de Felgueiras, este

século XX será profícuo em outras efetuadas um pouco por todo o concelho. Em

Varziela, havia uma que se concretizava às quintas-feiras (Gomes,1996:168). Na

freguesia de Jugueiros, tínhamos feira mensal criada em março de 1853. Inicialmente

15

realizada no dia 5 de cada mês, passou mais tarde, para a última sexta-feira. Atualmente

já não se realiza. A esta juntamos uma outra, de periodicidade anual, na última sexta-

feira de agosto, que ainda hoje se concretiza. É conhecida por Feira de Santa Águeda,

sendo vocacionada para o comércio de gado bovino. Reconhecendo a sua importância,

no ano de 1985, a Câmara Municipal chega a atribuir um subsídio de 15.000$00 para a

sua concretização.

Por fim, de destacar feira surgida em finais da última década do século XX: a Feira

Popular e Tradicional da Vila da Longra. Organizada pela Associação da Casa do Povo

da Longra e pelas juntas de freguesia de Rande, Pedreira e Sernande e com uma

periodicidade trimestral (na segunda semana de março, junho, setembro e dezembro),

pretende restaurar a antiga feira que existira entre os séculos XIX e princípios do XX.

Com o evoluir dos tempos e na necessidade de se promover a história, cultura e o

turismo, as autarquias viram nas feiras uma outra forma de promover a terra. Não foi de

admirar assim que, em Felgueiras, a centenária Feira de Maio em vez da primordial

função de abastecimento da população começasse, nos tempos mais chegados aos

nossos dias, a ser usada para os três fins citados.

Criada por deliberação camarária em março de 1901 e, sendo também denominada por

Feira Franca, esta devia realizar-se todos os anos no primeiro dia do mês de maio. Ela

foi criada após solicitação de alguns comerciantes do concelho proporem que a então

feira anual de gado cavalar, que se realizava a 28 de junho, fosse substituída por uma

outra no dia citado. O espaço inicialmente escolhido para a sua realização foi o jardim

frontal aos antigos paços do concelho. Seria uma feira para se vender gado cavalar,

muar, asinino e bovino, bem como ser um mercado geral de produtos. Ao mesmo

tempo, decorreriam concursos para o gado em exposição, com atribuição de prémios

monetários para melhor cavalo (12$000), para a melhor junta de bois (12$000) e junta

de touros (5$000). Na primeira edição, em 1901, o júri era composto por personalidades

importantes do concelho, como o Dr. Eduardo de Freitas, Dr. Abílio M. da Costa Santos

ou Joaquim Ferreira de Paiva Sampaio. O sucesso conseguido foi tal que, no ano

seguinte, diversas personalidades felgueirenses decidiram criar um prémio suplementar

de 5$000 reis para o melhor par de cantores de desafio da feira. Como acontecia com a

que se realizava na Longra, era presença assídua a Banda do Aniceto para a abrilhantar.

O certo é que, nos seus primeiros anos de existência foi uma feira muito divulgada e

com elevado sucesso. Por exemplo, a ela acorriam grande número de vendedores de

Trás-os-Montes e das Beiras. Mas com o tempo foi caindo no esquecimento e nas

16

polémicas: a feira de 1991 já era pouco animada e a de 1995 levantou controvérsia ao

nível da localização, em que o lugar escolhido – na atual Praça Dr. Machado de Matos –

não agradava aos moradores das proximidades devido ao barulho criado. Acabou por

ser suspensa.

No entanto, como as feiras se encontram enraizadas na memória coletiva concelhia, em

2006, uma nova Feira de Maio surgia, porém com outras finalidades, nomeadamente ao

nível da promoção da história, cultura e turismo do concelho. Possui muita animação,

produtos tradicionais, exposições e conferências associadas.

O mesmo se pode considerar da Feira das Tradições. Sem ter uma feira concreta que a

preceda historicamente com intuito de se buscar as suas origens, e realizada desde 1997,

este evento pretende recriar o ambiente das feiras dos finais do século XIX e inícios do

XX. Promovida pela edilidade felgueirense, a feira conta com a presença de vendedores

de produtos regionais (doçaria, brinquedos em madeira, artigos de cestaria e produtos

hortícolas), trajados a rigor. Durante anos feita no monte de Santa Quitéria, em 2013,

passou a efetuar-se na Praça da República, zona histórica por excelência das feiras

realizadas neste concelho.

Por último, devemos guardar algumas palavras para uma curiosidade. Aquando da festa

em honra de Nossa Senhora do Alívio, na freguesia de Santão, entre os dias 15 e 17 de

junho de 1945, estava prevista uma "Grande Feira Franca Anual". Acontece que a festa

e a feira acabaram adiadas sine die, em virtude de terem sido organizadas sem o

consentimento do Bispo do Porto. Desnecessário será dizer que esta situação causou

incómodo e embaraço a todos os envolvidos, sendo mesmo necessário um

esclarecimento público por parte do pároco de então, José Pereira dos Santos.

Como forma de esquematizar o historiado, apresentamos o Quadro 1 que enumera os

mercados e feiras em Felgueiras ao longo dos tempos.

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Quadro 1 – Mercados e feiras em Felgueiras por freguesia e séculos

Freguesia Designação ≤ Séc.XV Séc.XVI Séc.XVII Séc.XVIII Séc.XIX Séc.XX Séc.XXI

Barrosas

Feira Cativa

Feira

Jugueiros

Mercado

Feira mensal

Feira Sta Águeda

Longra

Feira de Sambeito

Feira tradicional

Lixa

Feira mensal

Feirão

Feira semanal

Mercado

Feiras das Oitavas

Feira das Uvas

Feira franca

Margaride

Feira ou mercado

Feira mensal

Feira quinzenal

Feira semanal

Feira de Natal

Mercado

Feira de Maio

Feira das Tradições

Pombeiro

Feira mensal

Feira S. Bartolomeu

Santão Grande Feira

Unhão

Feira franca

Feira S. Eusébio

Feira anual

Várzea

Feira dos 23 Abril

Feira de São Jorge

"Reunião"

Varziela Feira semanal

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Conclusão

A inventariação dos mercados e feiras em Felgueiras, para além de ajudar a fazer a

história deste concelho, possibilita extrair ilações gerais para a história do mercado

interno nacional.

Para além das designações, muitas vezes confundíveis entre mercado e feira

encontramos o uso de outras denominações como feirão, na Lixa, ou reunião, em

Várzea, para classificar o encontro das gentes locais para a venda de produtos.

Fica claro que Felgueiras foi e é um território fértil em feiras e que estas fazem parte do

quotidiano das suas gentes. O mesmo não sucede com os mercados, onde o seu número

é infinitivamente menor que as primeiras. Os dados apresentados permitem reconhecer

que quase um terço das 32 freguesias deste concelho tiveram ou têm mercado ou feira,

perfazendo um total de 32 eventos ao longo destes séculos. Deste conjunto, ainda

persistem nos dias de hoje, dez feiras ativas (duas semanais, uma trimestral e sete

anuais) e dois mercados quase diários.

Esta análise permitiu, inclusive, percecionar que as autoridades locais ao longo dos

séculos souberam interpretar o papel social e económico dos mercados e feiras para o

desenvolvimento local e por isso sempre apoiaram a sua criação ou realização por

exemplo, através da construção de edifícios de raiz para os acolher, na atribuição de

subsídios ou na mudança de locais e datas para ir ao encontro das necessidades das

populações a servir.

Relacionado com este último fator, de mencionar o caráter bairrista das mesmas. As

lutas das freguesias para impedir a realização das feiras noutras localidades para não

prejudicar a efetuada no seu limite territorial é uma realidade. que demonstra a

importância que este comércio tinha para as populações.

Notamos igualmente uma ligação forte à religiosidade, em que cerca de 30% das feiras

em Felgueiras estão relacionados com o culto a santos ou a outras festas católicas.

Ao mesmo tempo, para além de possibilitarem o abastecimento das populações, a sua

concretização ajuda a conservar ou mesmo restaurar a cultura e valores locais ao mesmo

tempo que promovem o turismo. O caso da Feira de Maio e das Tradições são

exemplos do novo uso que se dá a este tipo de eventos. Simultaneamente permite

verificar a importância social que este tipo de comércio tinha e ainda tem para o

território.

Como conclusão final podemos considerar que os mercados e mais especificamente as

feiras, são realidades indissociáveis do nosso comércio interno, contribuindo para a

19

venda e escoamento local de produtos, ao mesmo tempo que promovem cultural e

turisticamente o município.

Fontes e Bibliografia

Fontes

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1888-1903- Livro de registo de editais, nº 132

1851-1855 - Livro para o registo de correspondência recebida, nº 144

1854 - Livro de correspondência recebida, nº 261

1914-1915 - Livro copiador de ofícios para diversas autoridades, nº1465

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O Sovela. (07 Mai. 1991) p.3.

Semana de Felgueiras. Ano 2, nº61 (29 ago. 1897) p.4; nº94 (17 abr. 1898) p.3; nº95

(24 abr. 1898) p.3; Ano 3, nº147 (23 abr. 1899) p.3; Ano 4, nº160 (23 jul. 1899) p.2;

nº162 (06 ago. 1899) p.2; nº173 (22 out. 1899) p.2; nº182 (24 dez. 1899) p.2; nº195 (23

mar. 1900) p.2; nº198 (15 abr. 1900) p.2; Ano 5, nº249 (07 abr. 1901) p.2; nº252 (28

abr. 1901) p.2; nº304 (27 abr. 1902) p.2; nº305 (04 mai. 1902) p.2; nº315 (13 jun. 1902)

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20

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