Mercados Futuros e Opções Agropecuárias

Embed Size (px)

Citation preview

1

2

MERCADOS FUTUROS E DE OPES AGROPECURIAS

Marques, P.V.; P. C. de Mello & J.G. Martines Fo. Mercados Futuros e de Opes Agropecurias. Piracicaba, S.P., Departamento de Economia, Administrao e Sociologia da Esalq/USP, 2006, Srie Didtica n D-129.

3

OBJETIVOS GERAIS DO LIVRO Este livro tem como objetivo principal mostrar o funcionamento dos mercados futuros e de opes agropecurios e as estratgias que podem ser utilizadas para a administrao de riscos de preos. Especificamente, pretende-se: Mostrar de forma terica e prtica e funcionamento dos mercados futuros e de opes agropecurias. Desenvolver a habilidade de acessar informaes e interpret-las. Discutir estratgias atuais e potenciais com futuros e outros derivativos. Apresentar aos leitores as principais bolsas de interesse do agronegcio brasileira bem como mostrar os princpios bsicos de operacionalizao nestes mercados

4 ndice

1. PRINCCIOS ECONMICOS DA FORMAO DE PREOS 1.1 Panorama Econmico do Agronegcio na Economia Internacional 1.2 - Algumas caractersticas da produo agropecuria 1.3 - Algumas questes importantes na comercializao de produtos agropecurios 1.4 - O papel dos preos nas cadeias agroindustriais 1.5 - Demanda de produtos agropecurios 1.6 - Oferta de produtos agropecurios 1.7 - O modelo terico de preo de mercado 1.8 - Causalidade e formao de preos 1.9 - Negociao de preos 1.10 - Preos observados 1.10.1 - Tendncia, ciclo e sazonalidade 1.11 - Tipos de mercados 1.12 - Agronegcio e Cadeia de Produo 1.13. A realidade do crdito rural e o surgimento dos novos instrumentos de financiamento Exerccios 2 PRINCPIOS BSICOS DOS MERCADOS FUTUROS AGROPECURIOS 2.1 . Contratos Futuros 2.2. Mercado de Futuros 2.3. Negociao de contratos futuros 2.4 - Funcionamento bsico dos mercados futuros 2.5. Operaes bsicas nas bolsas 2.6 - Exemplo de hedge de venda 2.7 - Simulao de uma operao em prego 2.8 - Explorando as informaes 2.9 Custos de operao 2.10 - Margens de garantia 2.11 Formas de encerramento das operaes 2.12 - Operando soja em Chicago (CBOT) 2.13- Base 2.13.1. Hedge perfeito 2.13.2. Conceito e Importncia da Base 2.13.3. Definio e clculo da base 2.13.4. Comportamento da base e influncia sobre a operao de hedge 2.14 - Nvel timo de hedge 2.15 - Cross-hedge 2.17. Arbitragem 2.18 - Especulao

5 2.19 Concluses Exerccios

3. FUNDAMENTOS DE OPES SOBRE FUTUROS AGROPECURIOS 3.1. Definies 3.2. O contrato de opes 3.3. Primeiro exerccio bsico 3.4. Entendendo opes na cbot 3.5. Precificao de opes 3.5.1 - especificao de opes 3.5.2. - lanadores (vendedores) de opes 3.5.3 - variveis bsicas na determinao do prmio das opes 3.5.4 - terminologia 3.5.5 - fatores afetando o prmio 3.5.5.1 - influncia do preo futuro (s) e preo de exerccio (k) sobre o prmio das opes. 3.5.5.2. Influncia do tempo sobre o prmio das opes. 3.5.5.3. Influncia da taxa de juros (i) sobre o prmio das opes 3.5.5.4. Influncia da volatilidade sobre o prmio das opes 3.7. Clculo do prmio das opes 3.7.1. Modelo de Black & Schole 3.7.2. Valor negociado das opes 3.8. Anlise grfica das opes 3.8.1. Resultado para o comprador da call 3.8.2. Resultado para o comprador da put 3.8.3. Lanamento de puts e calls descobertas 4.9. Concluses Exerccios

4. ESTRATGIAS AVANADAS COM MERCADOS FUTUROS E DERIVATIVOS AGROPECURIOS 4.1. Cdula de Produto Rural (CPR) 4.1.1. Utilizao de CPR Fsica 4.1.2. Utilizao de CPR Financeira 4.2. Cash and Carry 4.3. Liquidao por Indicador de Preos 4.4. Contrato a Termo com Preo a Fixar na BM&F EX PIT 4.5. Estudo de caso na rea de originao (compra de soja) 4.6. Arbitragem 4.7. O processo de formao de preo da soja brasileira 4.8. Operaes ex-pit 4.8.1. Fixao por comprador e vendedor

6 4.9. Captao de recursos com taxas pr-fixadas Exerccios

5. ANLISE DE PREOS DE MERCADOS FUTUROS 5.1. Introduo 5.2. Nvel de Informaes e Previso dos Preos 5.3. Anlise fundamentalista 5.4. Anlise Tcnica ou Grafista 5.4.1. Teorias e Conceitos 5.4.2. Grficos mais comumente utilizados 5.5. Concluses Exerccios 6. OPERACIONALIZAO DE CONTRATOS FUTUROS AGROPECURIOS 6.1 Histria dos Mercados e Bolsas 6.2 Fundamentos do Funcionamento das Bolsas de Futuros 6.3. A Regulao de mercados futuros 6.4. Funes e caractersticas dos mercados futuros 6.5. O que uma Bolsa de Mercadorias 6.6 O Relacionamento Cliente e Corretora 6.7 Prego Eletrnico x Viva Voz 6.8 Principais Commodities e seus Mercados 6.9. Principais bolsas de derivativos do mundo 6.10 Os Acrnimos das Principais Bolsas do Mundo 6.11 O Rank das Principais Bolsas do Mundo 6.12. Histrico e navegao nas principais bolsas de interesse para o Brasil (CBOT, CSCE, BM&F, Rofex, Dalian e Zheng-zou) Exerccios

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

7

Apresentao Cada vez mais as pessoas tm se interessado em entender o funcionamento dos mercados futuros, seja para administrar riscos, ganho prprio, exercer poder regulatrio ou para implementar polticas pblicas. Grandes progressos tm sido feitos para se entender as ligaes entre polticas governamentais, taxas de juros, taxa de cmbio, blocos econmicos, barreiras ao livre comrcio e preos das mais diferentes commodities (agrcolas, energia, ouro, dlar, papis de curto e longo prazo, etc.). Os mercados futuros tm se expandido alm das tradicionais commodities agropecurias e metais para os mercados de carnes, subprodutos de madeira, petrleo, moedas, instrumentos financeiros, aes, ndices de preos e instrumentos de polticas ambientais (tais como o mercado de carbono). Periodicamente, novos contratos so lanados, outros encerrados, num ritmo impensvel alguns anos atrs. interessante notar que nas principais bolsas do mundo os contratos agropecurios ainda representam uma parcela pequena do total negociado. Entretanto, eles representam uma parcela importante da produo local e mundial e em algumas situaes, giram em termos de negcios muitas vezes mais do que produzido mundialmente. O pequeno volume relativamente ao total explicado entre outros fatos pela falta de conhecimento do uso de derivativos dentro do agronegcio; passado relativamente recente de intervenes governamentais no setor; descapitalizao do produtor que se v obrigado a vender sua produo antecipadamente. Este livro tem por finalidade apresentar, de forma prtica e objetiva, os principais conceitos, objetivos e utilizaes dos mercados futuros agropecurios. Trata-se de um livro prtico, com muitos exemplos, com a preocupao de apresentar detalhes de funcionamento dos mercados para o pblico em geral que participe direta ou indiretamente desses mercados. tambm um livro texto, direcionado para cursos de graduao e especializao, carentes de literatura em portugus. O livro tambm se preocupa em mostrar as fontes que podem ser consultadas para manter os alunos atualizados. Este livro foi organizado basicamente em seis sees: na primeira, mostra-se o processo terico de formao de preos e como os preos se transmitem dentro das cadeias agropecurias. Na segunda seo, apresenta-se os fundamentos tericos e prticos dos

8 mercados futuros com aplicaes, descrio de casos prticos e exerccios. Na terceira seo, desenvolvem-se as diversas estratgias avanadas com a utilizao de mercados futuros e derivativos agropecurios. Na quarta seo, apresentamm-se os fundamentos e prticas de opes sobre futuros agropecurios, tambm com aplicaes e exerccios. Na quinta seo, faz-se um breve apanhado da anlise fundamentalista e tcnica, sem entrar em muitos detalhes por no ser este o propsito do texto. Finalmente, na sexta e ltima seo, faz-se uma apresentao da parte operacional dos mercados futuros, principais bolsas e contratos. Os autores gostariam de agradecer o apoio da BM&F na edio do livro Mercados Futuros de Commodities Agropecurias exemplos e aplicaes aos mercados brasileiros, primeira experincia nossa em escrever sobre mercados futuros numa poca de muitas mudanas. Consideramos o livro atual uma evoluo do anterior resultante de nossa experincia ensinando mercados futuros agropecurios para alunos de graduao, ps, Especializaes e MBAs na Esalq e em vrias escolas deste Brasil imenso. Queremos agradecer tambm Bolsa pelo oferecimento do Prmio BM&F o qual o prof. Pedro Marques teve a honra de receber trs vezes nestas dez edies, aos projetos de cursos que nos permitiram viajar pelo Brasil e conhecer as principais regies produtoras de commodities. Agradecemos tambm aos alunos da Esalq e das vrias localidades que visitamos nestes quinze anos de cursos pelos questionamentos, dvidas, trabalhos desenvolvidos, exerccios, muitos dos quais esto apresentados neste texto. Dedicamos este livro ao Dorival Rodrigues Alves, amigo e visionrio, que acreditou nos mercados agrcolas e sempre apoiou nosso trabalho e o da Esalq.

9 1. PRINCCIOS ECONMICOS DA FORMAO DE PREOS

Justificativa de fundamental importncia entender as foras de mercado que do origem s formas diferentes de formao e transmisso de preos de produtos agropecurios. Para isto, necessrio conhecer as cadeias produtivas, suas inter-relaes contratuais, os determinantes da oferta e da demanda dos produtos e de seus substitutos e os demais elementos da estrutura do mercado que influenciam o comportamento dos preos. Estes conhecimentos compreendem o que se denominam fundamentos do mercado os quais, juntamente com o acompanhamento dos preos dos mercados futuros, fornecem as ferramentas bsicas para entender as mudanas de preos e assim, poder operar nos mercados agropecurios.

Objetivos: conceituar o agribusiness e discutir suas principais tendncias no Brasil. apresentar os conceitos de formao e transmisso de preos agropecurios nos mercados fsicos. fazer uma breve reviso dos contratos e instrumentos de financiamento utilizados no agronegcio.

10

1.1 Panorama Econmico do Agronegcio na Economia Internacional Principalmente a partir dos anos 70, os mercados futuros tm atrado ateno de uma imensa gama de novos interessados em todos os setores da economia: financeiro, agrcola, industrial, transportes, etc. Cada vez mais especuladores, administradores de fundos de investimentos, fundos de penso, etc, tm sido atrados para as bolsas devido s imensas possibilidades de ganhos nestes mercados. Assim tambm tem acontecido com todos aqueles interessados em montar operaes com derivativos que lhes possibilitem administrar seus riscos, tais como traders de produtos agropecurios, empresas do ramo de petrleo e derivados, compradores e vendedores de commodities em geral. O Brasil dotado por diversas vantagens geogrficas e de disponibilidade de recursos naturais, que permitem ao Pas seguir uma estratgia de desenvolvimento econmico com base nesses recursos naturais. Com efeito, o Brasil pode, potencialmente, se tornar um dos lderes mundiais dos negcios nas reas agrcolas, minerais, transportes, energia e meio-ambiente. Possuir vantagens comparativas num mundo com mercados globais, no entanto, no garante que essa potencialidade seja efetivada. Para garantir uma trajetria consistente de crescimento econmico, necessrio tambm que se criem vantagens competitivas na produo, comercializao e logstica de transportes. Um dos principais instrumentos para a aquisio dessas vantagens competitivas est em contar com um mercado de derivativos eficiente e abrangente.

1.2 - Algumas caractersticas da produo agropecuria

A formao de preos nos mercados agropecurios segue, basicamente, as mesmas leis de mercado dos demais bens e servios produzidos no restante da economia. Existem, entretanto, certas caractersticas dessa atividade produtiva que convm detalhar, dado sua importncia para um conhecimento mais abalizado de sua formao de preos:

11 1. Os produtos agropecurios geralmente so comercializados na forma no diferenciada, sendo ento denominados de commodities. Para conseguir melhores preos para seus produtos, alguns produtores rurais investem na embalagem, servios e outros elementos agregadores de valor. Isso diferencia o produto e permite estratgias de vendas baseadas na qualidade. 2. Os produtos agropecurios so produzidos na forma bruta, precisando ser processados antes de serem vendidos aos consumidores finais. 3. Os produtos agropecurios so geralmente perecveis, e alguns, muito rapidamente, o que diminui o tempo disponvel para sua comercializao. 4. A produo agropecuria sazonal; em funo disto, os produtos precisam ser armazenados em alguns meses durante o ano, garantindo assim um abastecimento adequado para o mercado tanto na safra como na entressafra. 5. Alm da produo estar distribuda em funo do clima, solos, tradies e outros fatores, ela extremamente atomizada em termos de localizao geogrfica e tamanho da unidade produtiva. 6. A produo agropecuria de difcil ajustamento s necessidades da demanda porque o planejamento da produo feito com meses ou anos de antecedncia entrega do produto, quando ento as condies de mercado podem ter se modificado. 7. As empresas do setor de produo agropecuria enfrentam um alto grau de concorrncia, aproximando-se da concorrncia perfeita. Entretanto, os produtores rurais defrontam-se com poucos vendedores de insumos e poucos compradores de seus produtos. Ou seja, confrontam uma estrutura de concorrncia com estruturas oligopolistas ou monopolistas. Para fazer frente a estas desigualdades de foras, normalmente os produtores procuram se organizar em Associaes ou Cooperativas. O agronegcio est em constante competio pelos recursos escassos da sociedade. Nesta situao, de fundamental importncia que se tenha uma clara viso do quadro conjuntural dos acontecimentos e das variveis macroeconmicas ao seu redor. Precisa-se saber a influncia de polticas econmicas sobre taxas de juros, renda, demanda e produo. Alm disso, precisa-se tambm conhecer os princpios econmicos bsicos que regem a

12 demanda e a oferta pelos produtos agrcolas, os quais tambm regem a alocao de recursos dentro da empresa.

1.3

-

Algumas

questes

importantes

na

comercializao

de

produtos

agropecurios O chamado "problema" da agropecuria geralmente est associado a preos baixos e relativamente instveis. Do ponto de vista da comercializao, o problema torna-se particularmente importante porque difcil para quem produz ajustar rapidamente sua produo s alteraes de mercado. Para complicar ainda mais esse problema, as mudanas climticas, pragas, doenas e outros fatores impedem que se faam estimativas precisas de produo e preos. O setor agropecurio, os consumidores e todos aqueles com envolvimento na atividade tm muito a ganhar caso a comercializao se d de forma tcnica e economicamente eficiente, sem sobressaltos e interrupes. Do ponto de vista do setor agropecurio, um sistema de comercializao ser eficiente se a venda da produo resultar no mximo possvel resultado financeiro aps deduzirem-se todos os custos de produo e comercializao. Existem algumas questes importantes que merecem ser discutidas para que a comercializao acompanhe os movimentos de mercado e ocorra de forma eficiente: O que produzir e quais cuidados tomar para obter o mximo de receita na venda? Quando e onde comprar e vender? Diferentes insumos e produtos possuem

diferentes curvas de distribuio de preos durante o ano; conhecer a curva de sazonalidade e os custos de armazenamento e transporte pode elevar os ganhos. mercado? Que tipo de contrato de mercados derivativos deve-se fazer? Como financiar a comercializao e reduzir os riscos de mercado? Que outras polticas podem ser implementadas para aumentar a eficincia da O que pode ser feito para diferenciar o produto e expandir e diversificar o

comercializao?

13

1.4 - O papel dos preos nas cadeias agroindustriais No sistema de livre mercado, os desejos dos consumidores so expressos diretamente no mercado e se tornam a base para a alocao dos recursos escassos pelos seus proprietrios. Os desejos dos consumidores se manifestam atravs de "votos" representados pelos seus gastos, "votando" ou gastando mais quando um produto desejado, "votando" ou gastando menos quando um produto deixa de lhes propiciar satisfao real ou psicolgica. No sistema de livre mercado, os empresrios esto constantemente acompanhando e tentando prever a direo da mudana nos padres de consumo de seus produtos em conseqncia de alteraes no nvel e na distribuio de renda, nos preos dos prprios produtos e nos de seus competidores e nas preferncias dos consumidores. Essa atividade de acompanhamento e previso fundamental para que se possa proceder a ajustes na produo. Os empresrios tambm esto cientes das limitaes de recursos e dos custos envolvidos na produo. Por isso, esto constantemente procurando adotar novas tecnologias, formas mais eficientes de produo e lanar novos produtos, de forma a atrair a preferncia e lucrar com os dispndios dos consumidores. O aspecto mais importante do sistema de livre mercado a orientao para atender aos desejos dos consumidores. Indo direto ao ponto, o consumidor quem manda. Assim, quando, por exemplo, os consumidores quiserem mais camaro do que existe no mercado, aqueles que dispuserem de mais "votos" ou estiverem mais dispostos a alocar recursos para consumir aquele produto podero usufruir dele. Conseqentemente, os donos de restaurante e os atacadistas elevaro os preos, encorajando assim, os navios pesqueiros a dedicarem mais horas na pesca daquele produto. Se aquela situao persistir por mais tempo e na ausncia de srios impedimentos, pescadores que se dedicam a outras atividades se deslocaro para a pesca de camaro, aumentando a oferta e fazendo com que o preo caia. A condio essencial para o perfeito funcionamento da "mo invisvel" imaginada pelo grande economista Adam Smith seria a competio perfeita, onde deveria existir um grande nmero de compradores e vendedores com participao reduzida no mercado, de modo que cada um, individualmente, no pudesse influenciar nos preos. De acordo com sua teoria,

14 quanto maior o nvel de competio, melhores seriam os resultados da "mo invisvel" na economia. O empresrio deve estar bem atento aos acontecimentos mundiais porque a demanda e a oferta por produtos agrcolas e as demais condies de mercado esto constantemente mudando e afetando seus lucros. Assim, uma nevasca que atinja a Flrida afeta a produo de laranja nos Estados Unidos, seus preos, e o preo da laranja no Brasil. De outro lado, a crescente conscientizao por produtos isentos de agrotxicos, est influenciando o consumo por produtos "limpos" a nveis nunca imaginados. Da mesma forma, polticas protecionistas ou liberalistas afetam o preo do que est sendo produzido.

1.5 - Demanda de produtos agropecurios Um alqueire de terra na fazenda no apresenta nenhuma utilidade para o consumidor tpico da cidade (a no ser para os amantes da beleza natural). Quando o agricultor junta terra, semente, adubo, arao, gradeao, colheita, secagem, e os intermedirios transformam o produto agrcola em algo capaz de proporcionar satisfao que os consumidores sentem-se dispostos a pagar algo em troca do prazer de usufruir o produto agrcola. Diz-se, ento, que existe uma demanda pelo produto agrcola, a qual definida como uma relao descrevendo quanto ser adquirido a cada nvel de preos, com renda, preos de outros produtos e condies scio-econmicas constantes. A funo de demanda definida no pargrafo anterior, tambm conhecida por demanda primria, tem suas origens nos anseios psicolgicos que caracterizam os seres humanos e algo abstrato, difcil de medir e por isso mesmo, apenas de interesse terico. O importante para todos que lidam com a comercializao reconhecer a relao entre a curva de demanda do consumidor e sua origem nos anseios e necessidades dos consumidores. Apesar de sua importncia, a demanda do consumidor no a nica curva de demanda que nos interessa. Temos de lembrar que o produto agropecurio o insumo que ser utilizado pela indstria transformadora na fabricao de seus produtos. Em funo de quanto imagina ir conseguir ao vender seu produto, o intermedirio em qualquer nvel decide quanto poder pagar ao seu fornecedor, originando, desta forma, uma curva de demanda ao nvel de

15 fornecedor de insumos. Esta curva de demanda, chamada de demanda derivada, a demanda normalmente defrontada pelo produtor rural. Esta inter-relao dever estar bem clara. Sem se discutir onde comeam, os preos movem-se na cadeia em resposta a movimentos que comeam no varejo, no produtor ou em qualquer outro segmento da cadeia. O ponto de partida na anlise da demanda assumir-se que o consumidor tem necessidades ilimitadas, as quais ele gostaria de satisfazer, porm impossibilitado devido limitao de renda. Assume-se tambm que os consumidores so racionais, isto , que utilizam a renda disponvel de forma a obter a mesma satisfao por unidade monetria gasta para todos os produtos consumidos. Matematicamente, tem-se que o consumidor procura maximizar sua funo de utilidade (a satisfao que obtm do consumo de diferentes produtos X1, X2, ..., Xn) expressa como: MaxU = f ( X 1 , X 2 ,..., X n ) Sujeitando-se restrio da renda disponvel: R = p1 X 1 + p 2 X 2 + L + p n X n Assumindo racionalidade do consumidor, obtm-se a chamada funo de demanda individual, a qual definida para cada produto, para um determinado espao de tempo e para um certo local ou rea geogrfica. Assume-se, tambm, que os seguintes fatores permanecem inalterados: renda disponvel do consumidor, preos dos produtos substitutos, preos dos produtos complementares, expectativas de preos e renda futuras, gostos e preferncias. De forma geral, a funo de demanda do consumidor pode ser escrita como (o smbolo "|" significa que os termos direita so mantidos constantes): qt = f ( pt | y t , pst , pct , Et ,Ot ) onde, para um produto qualquer: qt = quantidade demandada, pt = preo do prprio produto, yt = renda disponvel, pst = preo dos produtos substitutos, pct = preo dos produtos complementares,

16 Et = expectativas, Ot = outros fatores (gostos, preferncias, composio familiar e demais tens relevantes).

P

Q = a - bPP1

P2

D Q1 Q2

Q

Figura 1.1 - Curva de demanda do consumidor individual A curva de demanda geralmente negativamente inclinada, indicando, entre outras coisas, que a preos menores maior quantidade do mesmo produto ser consumida. Assim, como mostrado na Figura 1.1, se o preo cair de P1 para P2, a quantidade consumida dever aumentar de Q1 para Q2. O importante saber que variao em fatores como renda das pessoas, preos de outros produtos, gostos e preferncias, etc, causam deslocamento na curva da demanda. Na Figura 1.2, mostra-se o efeito do aumento da renda na demanda, deslocando a curva da demanda para a direita e elevando o consumo. De forma resumida, pode-se dizer que nesta nova situao de

17 demanda, as pessoas estaro dispostas a pagar mais caro como por exemplo mostrado na movimentao de P1 para P2 para consumir a mesma quantidade Q1 daquele bem ou servio.

P

P0 P2 P1 D1 D0 Q0

QQ1

Figura 1.2 - Mudanas na demanda Conhecer a demanda do consumidor individual de pouco ou nenhum interesse prtico. Seu objetivo terico, para que se possa analisar os fundamentos da demanda de mercado. A demanda de mercado o somatrio das curvas de demanda dos consumidores que atuam naquele mercado especfico. Normalmente, na prtica, trabalha-se com a demanda de todos os indivduos num mercado ou demanda do mercado. Para o conhecimento prtico dessa demanda de mercado, necessrio realizar estudos empricos, utilizando-se tcnicas estatsticas e economtricas. Algumas vezes estamos interessados em saber como variar o consumo de um produto quando seu preo variar. A teoria nos diz que, como regra geral, se o preo diminuir, a quantidade demandada aumenta (e vice versa). a chamada Lei da Demanda. Com base na Lei de Demanda, define-se a chamada elasticidade-preo da demanda EQ,P, a qual indica em quanto variar o consumo de um produto quando seu preo variar em

18 1%. A elasticidade-preo da demanda pode ser elstica (EQ,P < -1), inelstica (-1 < EQ,P < 0) ou unitria (EQ,P= -1). Observe que, como sabemos que devido a Lei da Demanda a quantidade e o preo se movem em direes opostas, o coeficiente de elasticidade da demanda tem sempre um sinal negativo. Para evitar inconvenincias de se trabalhar com valores negativos, convenciona-se expressar os coeficientes em valores absolutos, ignorando-se o sinal negativo. Assim, quando Eq,p = 1, a demanda preo-elstica, quando Eqp = 1 mostra elasticidade preo unitria, e quando Eqp = 1, a demanda inelstica. Por que o conhecimento da elasticidade-preo da demanda importante para a comercializao? Porque safras abundantes, com elevao da oferta, causam uma queda no preo proporcionalmente maior do que o correspondente aumento proporcional na quantidade consumida, fazendo com que a renda do setor agropecurio caia de uma forma geral. Isto porque a receita total da venda de um produto dada por RT = pq. Normalmente, diminuindose o preo de um produto agrcola, a quantidade consumida aumentar. No caso de demanda elstica, (EQ,P< -1), o aumento no consumo menos do que proporcional queda no preo. Como conseqncia, a receita total diminuir. A Tabela 1 apresenta um resumo do comportamento da receita diante de variaes nos preos em diferentes condies de elasticidade-preo da demanda. Tabela 1.1 - Variaes esperadas na receita total para diferentes elasticidades-preo da demanda.Elasticidade Preo-elstica Preo-inelstica Preo-unitria Efeito na Receita Total das empresas quando o preo de mercado Sobe Cai RT cai RT sobe RT inalterada RT sobe RT cai RT inalterada

No caso dos produtos agrcolas, volta-se a salientar que suas demandas geralmente so inelsticas em relao ao preo. Isso se deve principalmente essencialidade desses produtos e maior capacidade de saturao dos alimentos para o consumidor. Dessa forma, uma queda do preo dos produtos agrcolas deve provocar mais uma realocao na cesta de consumo dos

19 indivduos do que um aumento proporcional no consumo do alimento cujo preo caiu. Talvez, uma primeira concluso que se possa tirar disto que, em anos excepcionalmente bons em termos de produo, espera-se que a renda agregada dos produtores caia. Por outro lado, anos excepcionalmente ruins em termos de produo podem se mostrar extremamente vantajosos em termos de receita do produtor individual. Na Tabela 1.2, podemos verificar que apenas carne de porco e ovos apresentam demanda elstica no Brasil, enquanto os demais alimentos listados apresentam um coeficiente de elasticidade menor que um. Na segunda coluna da mesma Tabela, observamos que, tambm nos EUA, a demanda de produtos agrcolas tende a ser inelstica, enquanto que a demanda de outros produtos e servios (como moblia, eletricidade e refeies em restaurante) tendem a ser elsticas. Tabela 1.2 - Estimativas de elasticidades-preo da demanda nos Estados Unidos e no BrasilProdutos Produtos agrcolas Milho Algodo Trigo Batata Arroz Feijo Banana Acar Carne de boi Carne de porco Manteiga Leite Ovos Outros L para vesturio -1,32 -0,14 -1,20 -0,10 -0,16 -0,41 -0,13 -0,94 -2,21 -0,31 -0,50 -0,46 -0,70 -0,31 Brasil Elasticidade-preo EUA -0,77 -0,51 -0,03 -0,69

20Moblia Refeies em restaurantes Eletricidade -3,04 -2,27 -1,20

Fontes: Extrado e adaptado de Marques & Aguiar (1993). Tambm de interesse na comercializao saber o comportamento do consumo diante de variaes na renda do consumidor. Para isto, define-se a chamada elasticidade-renda EQ,y, que mede como o consumo vai se alterar quando a renda variar em 1%, com tudo o mais constante. Se EQ, y > 0, diz-se que o produto em anlise normal. Se E que o produto uma necessidade.. Os produtos agrcolas so, de uma maneira geral, bens normais. O principal fator determinante desse comportamento da demanda de produtos agrcolas a saturao a nvel baixo de consumo desses produtos. A Tabela 1.3 apresenta valores de elasticidades-renda da demanda para produtos agrcolas em So Paulo e para outros bens e servios nos EUA. Verifica-se nessa Tabela que, entre os produtos agrcolas, apenas frango teria demanda elstica em relao renda, enquanto que os bens e servios no agrcolas tendem a ter demandas elsticas. Pode-se observar ainda que arroz, feijo e banana seriam bens inferiores, provavelmente porque esses produtos estariam sendo consumidos em quantidade alm do desejvel, em funo de seus baixos preos. Tabela 1.3 - Estimativas de elasticidades-renda da demanda de alguns produtos na cidade de So Paulo e nos Estados Unidos.Produtos Caf Acar Carne bovina Cebola Elasticidade-Renda Brasil 0,45 0,04 0,99 0,54 EUAQ, y

< 0, diz-se ento,

que o produto inferior. Caso EQ, y > 1, diz-se que o produto de "luxo", e caso 0 Eqp 1, diz-se

21Frango Laranja Leite Mandioca Carne suna Bens de consumo durveis Vesturio Consumo em restaurantes 1,14 0,56 0,58 0,25 0,79 2,90 2,01 1,48

Fonte: Extrado e adaptado de Marques & Aguiar (1993). interessante tambm analisar o efeito da distribuio da renda sobre a demanda dos produtos agrcolas. A Tabela 1.4 mostra, com dados agregados, que alguns tipos de alimentos (frutas, carnes, pescado, ovos, leite e queijos) teriam demanda elstica em relao renda para a populao com renda familiar de at cinco salrios mnimos mensais, enquanto que todos os alimentos teriam demanda inelstica para consumidores com renda mensal familiar superior a 10 salrios mnimos. Dessa forma, fcil verificar que, alteraes na estrutura de renda que favoream a populao mais pobre, tendem a ter um impacto maior sobre a demanda de produtos agrcolas do que o simples crescimento (uniforme) da renda nacional. Tabela 1.4 - Elasticidade-renda da demanda, por produto e extrato de renda no Estado de So Paulo.Produtos Alimentao Cereais e derivados Tubrculos e razes Acares Leguminosas e oleaginosas Frutas Carnes e pescados Ovos, leite e queijos leos e gorduras Elasticidade-renda da demanda 0-5 SM 0,89 0,78 0,77 0,82 0,62 1,36 1,22 1,09 0,80 5-10 SM 0,45 0,05 0,28 0,18 0,27 0,89 0,46 0,44 0,11 > 10 SM 0,22 0,00 0,15 0,20 0,08 0,43 0,19 0,31 0,05

22 SM = salrios mnimos mensais (renda familiar). Fonte: Extrado e adaptado de Marques & Aguiar (1993) Alm dos efeitos do preo do bem e da renda dos consumidores, o consumo de um produto pode ainda variar quando o preo de outro se alterar. Define-se, assim, a elasticidadepreo cruzada da demanda EQj,Pi, que mede em quanto o consumo de um bem i varia quando o preo de outro bem j variar em 1%. Quando EQj,Pi > 0, diz-se que os produtos i e j so substitutos, isto , se aumentarmos o preo do produto i, a quantidade consumida do produto j aumentar. Um exemplo clssico, no Brasil, o relacionamento entre carnes bovina e suna. Quando o preo da carne de boi sobe, a quantidade consumida tende a diminuir. Parte do consumo ento se desloca para a carne de porco, que para muitos consumidores serve como um substituto para a carne de boi. Quando EQi,Pj < 0, dizemos que os bens i e j so complementares, isto , se, por exemplo, o preo do produto j aumentar, o consumo dele diminui, diminuindo tambm o consumo do produto i. Como exemplo, pode-se pensar no consumo de po e manteiga. Visto que esses dois produtos so, em geral, consumidos juntos (complementares), quando o preo do po sobe, a quantidade consumida desse tende a diminuir, o mesmo ocorrendo com o consumo de manteiga.

1.6 - Oferta de produtos agropecurios

J vimos os fundamentos bsicos da demanda do consumidor por produtos agrcolas. Precisamos agora conhecer os componentes bsicos da oferta para determinarmos a curva de demanda por insumos e, em seguida, verificarmos o processo de determinao de preo. O componente bsico da oferta de mercado a oferta ao nvel do produtor, tambm conhecida por oferta primria. A atividade de produo se caracteriza pelo processo de utilizar tecnologia para criar utilidade pela transformao de insumos. De modo geral, a transformao de insumos pode ser representada por uma funo de produo q representada genericamente por q = f(x1 , x2, ... , xn). Nesta, q representa as diferentes quantidades de produtos

23 tecnicamente possveis de se obter, enquanto xn representa a quantidade de um insumo qualquer n. A funo de oferta uma representao matemtica que mostra o mnimo preo que um produtor est disposto a colocar no mercado certa quantidade de mercadoria. Pode-se dizer, tambm, que ela representa quanto ser colocado no mercado a cada nvel de preos.

P

S P1

Q = a +bP

P0

Q0

Q1

Q

Figura 1.3 - Funo de oferta da firma individual

A funo de oferta da firma individual sempre positiva conforme mostrada na figura 1.3, indicando que a preos mais altos (P1 por exemplo), os produtores vo colocar mais produtos no mercado (Q1 por exemplo). O inverso tambm vlido, isto , quando os preos de mercado caem, os produtores produzem menos. A partir das curvas de ofertas individuais define-se a oferta agregada ou de mercado, que igual soma das ofertas individuais a cada nvel de preos. Uma forma de se medir a resposta das empresas s mudanas nos preos atravs da estimao da elasticidade-preo da oferta. Esta mostra como a quantidade ofertada variar quando o preo variar em 1%.

24

PS1 S2

P0

P1

D Q0 Figura 1.4 - Preo de mercado Acontecimentos como entrada de novas empresas no mercado, novas tecnologias, etc, podem fazer com que a curva de oferta se desloque para a direita (de S1 para S2) conforme mostrado na Figura 1.4, derrubando os preos (de P0 para P1). Finalmente, pode-se dizer que os preos de mercado so determinados pela interao entre as foras de demanda (mercado, o que os consumidores querem comprar) e os produtores (o que ou quanto esto dispostos a produzir a cada nvel de preo) conforme mostrado na Figura 5. Q1

Q

25

PS

P1

P0 D2

D1 Q0 Q1

Q

Figura 1.5 - Preo de mercado. Assim, dada uma certa situao de demanda por um produto (representada pela curva de demanda D1) e uma certa situao de oferta do produto (representada pela curva de oferta S), o preo de equilbrio, que satisfar produtores e consumidores, ser P0. Entretanto, se um fator novo (distribuio de renda, exportaes, novos usos do produto, etc), aumentar a demanda, ela se deslocar para a direita e dada a mesma capacidade de produo, o preo se elevar para P1. importante brevemente rever os elementos chamados concorrenciais como barreiras comerciais, legislao de proteo a mercados, qualidade mnima de produto, etc, ou seja, tudo que dificulte a adequao ou entrada de novos produtores no mercado. A persistncia destes fatores leva a que os preos se elevem porque os produtores existentes podem no ter interesse em aumentar a produo, pois preferem e tm condies de manter elevados os seus ganhos. A queda destas barreiras (diminuio ou eliminao de tarifas, divulgao das oportunidades existentes, eliminao de legislao que dificultem ou impeam a concorrncia), leva a entrada de novos ofertantes no mercado, deslocando a curva de oferta para a direita e causando a diminuio dos preos.

26 1.7 - O modelo terico de preo de mercado No modelo de concorrncia, as curvas de demanda e de oferta, ao se cruzarem, determinam o preo de equilbrio de mercado. A curva de demanda mostra, para cada quantidade, o preo mximo que o consumidor est disposto a pagar. A curva de oferta mostra o preo mnimo que o produtor aceita receber para oferecer aquela quantidade de produto. O preo que se forma no mercado, portanto, significa o nvel de equilbrio onde o mximo que os consumidores esto dispostos a pagar coincide com o mnimo que os produtores concordam em receber pela produo daquela quantidade de produto. Alcanar este ponto de equilbrio no algo to simples, por isso vale a pena se deter no exame das questes mais importantes desse processo. O sistema de decises de mercado o encontrado nas chamadas "economias abertas" ou "capitalistas". Basicamente, ele requer que cada consumidor e cada firma tomem suas decises baseadas nos seus prprios interesses, guiados por seus sinais. A pea fundamental neste sistema de mercado o desejo de cada firma de buscar independentemente a otimizao de algum tipo de funo objetivo, desejo esse que ir se refletir na otimizao do uso dos recursos da sociedade como um todo. Na tentativa de otimizao da funo objetivo, a firma v-se na contingncia de ter que se desenvolver tecnicamente, o que se reflete em maiores e melhores opes para o consumidor. Embora sujeito a crticas, no que diz respeito distribuio da produo entre os consumidores, o sistema de livre mercado tem proporcionado uma maior disponibilidade de bens materiais em resposta aos anseios de consumo da populao. Produtos que contam com o "apoio" do consumidor, em forma de melhores preos, so aperfeioados. Outros so desenvolvidos em resposta a necessidades de consumo. Outros so abandonados por no mais contarem com o "apoio" do consumidor.

27 1.8 - Causalidade e formao de preos importante que se tenha em mente que o produto agropecurio matria-prima no processo de transformao at que chegue ao consumidor final. Tecnicamente, diz-se que a demanda pelo produto agropecurio uma demanda derivada, que depende da demanda pelo produto ao nvel de varejo. Neste sentido, tambm interessante definir-se o sentido de causalidade, que a direo para onde caminham os movimentos de preos de origem, e a elasticidade de transmisso de preos, que a forma como os movimentos de preos se transmitem de um nvel de mercado para outro. Na Figura 1.6 procurou-se representar estes conceitos, assumindo-se a causalidade varejo-consumidor. Pode-se visualisar a interligao que existe entre os mercados de varejo, atacado e produtor. A diferena de preos entre estes mercados tecnicamente denominada Margem de Comercializao, a qual compreende Lucros e Custos Operacionais.

Preo Pv

Oferta varejo

Demanda varejo Oferta atacado Pa Demanda atacado Oferta produtor Pp Demanda produtor Quantidade consumida Figura 1.6 - Relaes de preos numa cadeia de produo Q/t

28 O importante visualisar que aumentos de preo ao nvel de produtor refletiro ao nvel de varejo e vice-versa. Elevao nos custos de comercializao podem ser transmitidos para o varejo, na forma de preos mais elevados; para o produtor, na forma de menores preos pela matria-prima, ou afetando ambos nveis, dependendo do poder de mercado das partes envolvidas. Certas mudanas nas condies de demanda como, por exemplo, um crescimento da renda nacional ou uma melhoria em sua distribuio, aumentam a demanda no varejo, causando elevao na procura por produtos agrcolas que so componentes fundamentais na fabricao de alimentos.

1.9 - Negociao de preos O modelo terico de determinao de preos apresentado anteriormente mostra o equilbrio dos preos de mercado sem, entretanto, entrar em detalhes sobre como ele se forma. Vrias so as formas para se chegar a este equilbrio, destacando-se: 1. Negociao individual entre comprador e vendedor. Na sua forma mais completa, envolvendo igualdade de informaes entre compradores e vendedores, um dos requisitos do modelo de competio perfeita. Basicamente, nesta forma de transao, o vendedor tenta conseguir o preo mais alto e o comprador, o preo mais baixo. Entretanto, medida que um dos participantes possui mais informao sobre condies atuais e futuras de mercado, ele est numa situao melhor para negociar. Pelas suas prprias condies de isolamento dos centros comerciais, e conseqente deficincia de informaes, o agricultor normalmente entra neste tipo de negociao numa situao desvantajosa. 2. Mercados organizados. O processo de negociao individual demasiadamente oneroso em termos de tempo. A tendncia natural dos mercados evoluir para uma situao onde haja normas e regras regulando a comercializao. As bolsas de mercadorias so exemplos tpicos desta evoluo. L, a comercializao feita seguindo-se regras especificadas e conhecidas de todos. Preos e volume de mercadoria transacionada so de conhecimento de todos. Os padres so bem conhecidos, de forma que simples referncias a padres de classificao dispensam a visita aos locais de armazenamento.

29 No modelo que denominamos de competio perfeita, todas as empresas so pequenas em relao ao total do mercado e os produtos so homogneos. Nestas condies, as empresas tm que aceitar o preo de mercado, uma vez que no h razo para cobrarem menos porque podem vender o que quiserem ao preo corrente. De outro lado, se cobrarem um centavo a mais, perdero todos os clientes porque estes preferiro comprar aos preos mais baixos no mercado. Nestas condies, a empresa vendedora uma "tomadora" de preos e o produto, uma "commodity", isto , um produto no diferenciado aos olhos dos consumidores. Esta uma situao muito incmoda e indesejvel para qualquer empresa. O que elas tentam fazer, ento, diferenciar seu produto pelo menos aos olhos dos consumidores, para adquirir algum poder de mercado e tornar sua curva de demanda menos preo-elstica. Adquirindo algum poder de mercado, elas, em seguida, tentam atrair consumidores de outros mercados ou de outras empresas concorrentes. claro que todo empresrio gostaria de possuir poder absoluto sobre o mercado representado como uma curva de demanda completamente preo-inelstica. Ainda comparando com o modelo de concorrncia perfeita, uma vez diferenciado o produto, o empresrio tenta deslocar a curva de demanda defrontada pela sua empresa para a direita, aumentando, assim, quantidade demandada e preo. O modelo de competio perfeita assume basicamente que existe elevado nmero de integrantes no mercado, perfeita fluidez de informaes, total liberdade para entrada e sada no mercado, perfeita mobilidade dos fatores de produo e homogeneidade do produto. Evidentemente que estas pr-condies so difceis, ou mesmo impossveis, de ocorrerem simultaneamente. Mesmo assim, o modelo de competio perfeita utilizado na anlise de preos de produtos agropecurios em vista da riqueza de concluses que permite, bem como pela simplicidade e qualidade dos resultados de anlise que possibilita. O mercado ideal aquele onde nem compradores e nem vendedores tm condies de, individualmente, influenciar preos de compra ou de venda. Esta definio assume um grande nmero de vendedores e compradores negociando produtos no diferenciados. Sabemos que esta condio impossvel de ocorrer na vida prtica, restando-nos contentar com situaes de concorrncia onde os quatro maiores compradores ou vendedores detm menos que 75% do mercado (C4 < 75%) e o poder esteja igualmente distribudo. Por outro

30 lado, situaes onde o mercado esteja concentrado nas mos de poucos vendedores ou de poucos compradores favorecem a unio dos mesmos para a imposio de preos de venda ou de compra, respectivamente, desvantajosos para os demais setores do mercado onde atuam. A condio de homogeneidade do produto e a pequena participao na produo total faz com que o produtor individual seja um tomador de preos, isto , ele aceita o preo que o mercado determina. a chamada commoditizao dos produtos agrcolas, condio muito comum e desvantajosa, pois, caso o produtor tentasse vender mais caro, no conseguiria, pois seu produto , por hiptese, igual ao dos demais e no haveria razo para algum consumidor pagar mais pelo seu produto.

1.10 - Preos observados Os preos dos produtos agropecurios esto sujeitos a grandes oscilaes e so de difcil previso, gerando, portanto, muitas dificuldades nas tomadas de deciso. Tanto o produtor rural como o empresrio que adquire matria prima agrcola freqentemente defronta-se com a necessidade de antecipar o comportamento futuro de preos para o problema de tentar prever oscilaes de preos de produtos agropecurios. O modelo de competio, conforme mencionado, muito til na prtica para o estudo emprico do comportamento dos preos. Esse modelo assume que o preo de equilbrio se estabelece atravs de alguma espcie de leilo. Suponhamos que os agentes (compradores e vendedores) estejam trabalhando com uma expectativa de preo de P2. quele preo, os consumidores s estariam dispostos a adquirir Q2 e os vendedores estariam dispostos a vender Q3. Haveria ento, formao de um excesso de oferta (Q2 - Q3). Para se verem livres deste excedente, os vendedores seriam obrigados a reduzir o preo at que, eventualmente, o que houvesse para ser vendido fosse exatamente igual ao que os consumidores queriam adquirir. Este o ponto P1,Q1 na Figura 7.

31

Demanda

Oferta

P2 P1

Q2

Q1

Q3

Figura 1.7 - Preo de equilbrio de mercado Vamos examinar agora as conseqncias das hipteses da concorrncia perfeita para o consumidor e para o produtor. Primeiramente, as condies de homogeneidade do produto e pequena participao na produo total fazem com que o produtor individual seja um tomador de preos, isto , ele aceita o preo que o mercado determina. Se tentasse vender mais caro, no conseguiria, pois seu produto por hiptese igual ao dos demais e no haveria razo para algum consumidor pagar mais pelo seu produto. Vender mais barato tambm no interessa, pois, ele, por hiptese, pode colocar tudo no mercado ao preo corrente sem afetar o equilbrio. Examinando-se sries histricas de preos observam-se pontos de equilbrio de mercado. Estes so preos nominais ou preos correntes no mercado e no podem ser comparados devido inflao. Para poder fazer comparaes entre esses pontos de equilbrio, necessrio deflacionar os preos. Preos reais ou deflacionados so aqueles de onde se descontou a inflao (deflacionamento), expressos em valores de um perodo escolhido e podem ser comparados no tempo. O deflacionamento pode ser feito com o uso de um ndice de

32 preos como, por exemplo, o ndice Geral de Preos da Fundao Getlio Vargas (IGP). Outra alternativa seria apresentar os valores numa moeda forte, tal como o dlar americano. As anlises de preos de mercado que desenvolveremos a seguir sero feitas com preos reais ou deflacionados. 1.10.1 - Tendncia, ciclo e sazonalidade Na vida real, dificilmente se observa o processo de formao de preos, mas sim, os preos finais. O comportamento dos preos dos produtos agropecurios exibe alguns movimentos caractersticos interessantes, denominados tendncia, ciclo e sazonalidade. A tendncia pode ser observada dispondo-se de uma srie histrica de preos reais, que permita observar a existncia de uma trajetria de alta, queda ou estabilizao dos preos. No havendo grandes mudanas nos fatores que agem sobre um determinado mercado, seria de se esperar que os preos mantivessem a tendncia indicada pela srie histrica. Alteraes na tendncia estariam basicamente ligadas a fatores tais como inovaes tecnolgicas, mudanas de hbitos e diferentes taxas de crescimento entre oferta e demanda. A Tabela 1.5 apresenta os preos deflacionados da saca de soja recebidos pelos produtores no Estado do Paran, para os anos de 1990 a 2006.

33 Tabela 1.5 - Preos mdios recebidos pelo produtor de soja no Estado do Paran em R$/ 60 kgJan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set 28,40 24,92 21,83 21,92 24,37 21,92 22,57 22,07 20,21 25,87 27,21 24,75 25,69 25,77 24,52 22,94 23,79 26,23 29,30 28,75 27,92 26,66 25,32 27,00 26,87 28,28 32,43 30,26 29,27 26,19 25,26 25,25 26,83 31,97 31,98 30,04 30,99 29,89 28,32 26,38 26,05 27,09 29,37 28,45 28,13 25,67 25,27 21,28 20,37 18,78 18,77 20,95 22,62 22,66 27,45 26,32 23,99 25,23 26,48 25,33 25,07 26,17 30,34 29,02 27,57 27,93 29,05 29,04 28,50 27,01 28,97 31,00 29,35 26,59 23,63 22,74 22,43 21,48 21,59 20,73 21,35 23,33 27,08 27,01 23,54 22,72 23,53 23,18 25,41 29,30 29,11 29,17 27,85 27,45 27,94 26,52 24,93 24,35 25,31 28,05 25,20 24,46 24,36 25,12 28,65 32,31 34,75 36,75 33,42 29,99 27,63 27,79 30,97 35,94 40,06 44,07 49,71 50,10 49,74 45,63 41,25 39,81 39,40 38,37 38,68 41,63 48,84 48,46 54,69 53,83 51,67 45,08 39,86 37,65 37,88 31,16 28,70 33,55 30,58 28,98 30,43 30,28 28,65 26,56 26,46 25,76 23,76 22,59 23,93 24,85 24,58 7,35 7,38 8,68 8,14 7,58 6,66 6,30 6,66 7,79 30,99 29,99 28,85 27,92 27,92 27,99 28,35 29,16 30,60 45,69 44,75 46,21 44,21 43,07 41,32 40,94 42,48 46,17 16,29 15,24 11,49 11,64 12,77 14,66 15,76 15,85 15,02 Deflacionado pelo IPCA (preos jul. 2006 = 1). Fonte: IPEADATA Out 22,05 31,41 31,64 30,39 26,77 23,61 30,57 31,55 21,93 30,46 26,13 37,78 55,69 47,90 33,82 25,31 9,07 31,69 49,83 13,54 Nov 23,58 27,83 31,06 30,03 25,86 25,03 30,49 31,31 22,89 30,81 26,69 38,14 54,93 51,11 31,99 24,75 9,22 31,66 50,09 13,23 Dez 26,29 26,22 31,55 30,76 25,76 25,83 30,52 31,95 23,12 29,49 29,11 35,37 55,55 49,20 31,07 25,74 8,72 31,72 49,17 14,28

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 DP Media Mximos Mnimos

A anlise grfica obtida a partir desses dados mostra uma tendncia histrica de subida dos preos reais ao nvel de produtor rural, conforme o grfico apresentado na Figura 8.

34

Preo mdio recebido pelo agricultor - Soja no estado do Paran60

50

40

R$/60 kg

30

20

10

019 01 90 19 07 91 19 01 91 19 07 92 19 01 92 19 07 93 19 01 93 19 07 94 19 01 94 19 07 95 19 01 95 19 07 96 19 01 96 19 07 97 19 01 97 19 07 98 19 01 98 19 07 99 19 01 99 20 07 00 20 01 00 20 07 01 20 01 01 20 07 02 20 01 02 20 07 03 20 01 03 20 07 04 20 01 04 20 07 05 20 01 05 20 07 06 20 01 06 07 90

Fonte: Dados da Tabela 5 Figura 1.8 - Tendncia do comportamento do preo mdio mensal da soja no Paran em R$/sc Os ciclos referem-se a flutuaes que ocorrem em perodos maiores que um ano, geralmente associadas ao comportamento do produtor diante do mercado e s variaes de oferta de seu produto conforme mostrados na Figura 1.9. Enquanto a tendncia um movimento de longo prazo, os ciclos so indicadores de curto prazo. Conhec-los pode permitir, por exemplo, investir num produto cujos preos vo comear a reagir brevemente ou, por outro lado, sair de uma posio que vai comear a se enfraquecer. A idia de ciclo de preos est associada a um fenmeno bem interessante e tpico da agricultura/pecuria; assim, por exemplo, quando os preos esto altos, mais produtores entram no mercado produzindo-se mais; com oferta mais alta, comea a sobrar produto e os preos caem em seguida (figura 9). Isto muito tpico da agricultura onde a entrada e a sada no mercado muito fcil e os

19

35 produtores respondem rapidamente porque em geral no existem nem barreiras e nem sunkcosts muito elevados.

Preo mdio recebido pelo agricultor - Soja no estado do Paran60

50

40

R$/60 kg

30

20

10

0

Fonte: Dados da Tabela 5 Figura 1.9 - Ciclos do preo da soja ao produtor, 2006-2006 em R$/ saca,

longo do ano devido safra e entressafra, estaes do ano, hbitos dos consumidores e outros fatores. Como conseqncia da sazonalidade, o produtor receber preos menores durante a safra e mais atraentes ao longo da entressafra, razo pela qual, em muitos casos, torna-se prefervel armazenar o produto e s comercializ-lo na entressafra.

19 01 90 19 07 91 19 01 91 19 07 92 19 01 92 19 07 93 19 01 93 19 07 94 19 01 94 19 07 95 19 01 95 19 07 96 19 01 96 19 07 97 19 01 97 19 07 98 19 01 98 19 07 99 19 01 99 20 07 00 20 01 00 20 07 01 20 01 01 20 07 02 20 01 02 20 07 03 20 01 03 20 07 04 20 01 04 20 07 05 20 01 05 20 07 06 20 01 06 07

19

90

Finalmente, tem-se a sazonalidade, caracterizada por um movimento de preos ao

36 Graficamente, a sazonalidade mdia, mnima e mxima dos preos da soja recebidos pelos produtores do Estado do Paran no perodo de 2000-2006 poderia ser representada como na Figura 1.10. O menor preo mdio histrico aconteceu em Outubro enquanto o maior aconteceu em Maio. O ms de Outubro, apesar de apresentar um dos maiores preos mdios (US$ 16,68/sc) tambm apresenta o menor valor (US$ 6,82/sc) com a mais alta volatilidade medida pelo desvio padro (US$ 4,93/sc). O ms de Agosto, apesar de no apresentar o maior preo mdio (US$ 14,87/sc), traz o menor risco mdio do perodo, com US$ 3,06/sc. A sazonalidade e a volatilidade associada a ela fazem com que o preo varie ao longo do ano conforme j visto. Se, por uma lado isto representa risco para o produtor, por outro pode permitir ganhos e representar atratividade para o especulador. A Figura 10 mostra a sazonalidade dos preos recebidos pelos produtores de soja no estado de So Paulo no perodo que compreende os anos de 1990 a 2006.

60,00

50,00

40,00

Preo R$/sc

30,00

20,00

10,00

0,00 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Meses Mdia Mdia +2DP Mdia - 2DP Jul Ago Set Out Nov Dez

37 Fonte: Dados da Tabela 1.5 Figura 1.10 - Sazonalidade do preo da soja recebido pelo produtor, 1990-2006, em R$/sc 60 kg. Finalmente, deve-se alertar para o risco existente na tentativa de prever preos futuros baseando-se nos acontecimentos passados. Para isto, deve-se assumir que as condies existentes se mantenham constantes, o que pode no ser e geralmente no necessariamente verdadeiro. A previso de preos um trabalho que pode se sofisticar e exigir muito treinamento, mas algumas ferramentas simples e um pouco de bom senso podem propiciar resultados satisfatrios para o produtor. Evidentemente que o especulador necessitar de um ferramental mais sofisticado como, por exemplo, a Anlise Fundamentalista e a Anlise Grfica, que sero apresentadas no captulo 6 deste texto.

1.11 - Tipos de mercados Os mercados podem ser classificados em quatro tipos bsicos, mostrados a seguir: 1. Mercado fsico ou disponvel: onde so negociados produtos em troca de recebimento de dinheiro. Por exemplo, o mercado de boi em Araatuba um mercado fsico, onde o produtor entrega seu produto e recebe pagamento por isto ( vista ou a prazo). 2. Mercado a termo: uma forma comum o produtor acertar um preo e efetuar a venda antes mesmo de dispor do produto. Este tipo de contrato normalmente referido como a termo e pode ou no envolver adiantamento de recursos por conta da venda antecipada da produo. O ponto fundamental que dever haver a entrega (e o recebimento) do produto ao preo combinado. O contrato a termo resolve o problema bsico de achar um comprador para um vendedor e vice-versa, mas no resolve o problema de variaes imprevisveis nos preos causadas por quebra de safras, armazenagem inadequada ou fatores econmicos adversos. Alm disso, os contratos so muito particulares e seus termos podem no satisfazer terceiros em caso de transferncia de titularidade, apresentam mais riscos e por esta razo, tendem a ser mais onerosos que os contratos futuros.

38 3. Mercado Futuro: os contratos futuros evoluram a partir dos contratos a termo e, por isto, possuem algumas condies semelhantes. Um contrato futuro uma obrigao, legalmente exigvel, de entregar ou receber uma determinada quantidade de uma mercadoria, de qualidade pr-estabelecida, pelo preo ajustado no prego. Desde sua origem nos sculo XIX, a negociao com futuros tem sofrido alteraes no que diz respeito aos objetivos dos agentes envolvidos. Os mercados futuros tal como existem hoje tiveram incio em 1848 com a criao da Chicago Board of Trade (CBOT). No Brasil, os mercados futuros se iniciaram em dezembro de 1977, com a deciso da Bolsa de Mercadorias de So Paulo (BMSP) de iniciarem operaes com futuros agropecurios. O mercado futuro brasileiro deu outro importante passo em julho de 1985 com a criao da Bolsa Mercantil & de Futuros (BM&F), que passou a se chamar Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), depois da incorporao da Bolsa de Mercadorias de So Paulo em maio de 1991. 4. Mercado de opes: onde se negociam contratos de opes. Nestes mercados, se paga um certo valor para se ter o direito, mas no a obrigao, de escolha de um determinado curso de ao no mercado (comprar um produto a um preo pr-determinado, por exemplo). 1.12 - Agronegcio e Cadeia de Produo Agronegcio o conjunto de atividades que vai desde o antes da porteira, envolvendo setor de insumos, mquinas, adubos, sementes, etc., at o entrando na porteira, onde o produtor utiliza sua capacidade empresarial para transformar os fatores de produo em caf, cana, soja, milho, etc. Depois de produzido, o produto comprado por um frigorfico, torrefadora, moageira e se transforma em algo capaz de proporcionar satisfao ao consumidor. Finalmente, este produto entregue num supermercado, fast-food, restaurante, ltimo elo da cadeia, onde adquirido e consumido pelo consumidor final. Estas etapas so apresentadas na Tabela 1.6.

39 Tabela 1.6 - Agronegcio e cadeia de produo. Insumos Mquinas, adubos, sementes, etc. Produo Agricultura, pecuria, etc. Processamento Frigorficos, agroindstria, usinas, etc. Varejo Supermercados, fast-food, etc.

importante lembrarmos que o agronegcio um dos setores que mais cresce na economia brasileira. O conceito do agronegcio nos permite algumas vises interessantes: 1. A agropecuria deixou de ser vista como algo isolado, tpica de economias menos desenvolvidas onde apenas o excedente era comercializado sem nenhuma preocupao com qualidade, mercado, etc. 2. O consumidor final, cliente do varejo, passa por uma transformao muito grande, exigindo cada vez mais qualidade (food quality) do que quantidade (food safety). As exigncias vo desde nveis de antibiticos na rao, passando por qualidade dos componentes da rao (ausncia de transgnicos, por exemplo), tamanho e cor do produto, at detalhes como os impostos por consumidores islmicos (animal deve morrer com a cabea virada para Meca, no poder haver mulher na sala de abate, etc). A no exigncia de alguma destas qualidades pode implicar na perda do cliente. 3. Finalmente, pode-se observar que os vrios membros do agronegcio tm necessidade de planejar com antecedncia suas aes. Produtores precisam comprar mquinas, empresas fornecedoras precisam programar suas linhas de produo, hotis, restaurantes e super-mercados tm que programar suas compras, ou seja, existem agentes preocupados com queda de preos, outros com subida de preos, etc. Assim sendo, h necessidade da existncia de contratos que disciplinem e coordenem as aes dentro das cadeias e indiquem o que, quanto e como produzir (Zylbersztajn, 2005). 4. Quanto estivermos falando de um produto, nos referiremos cadeia de alimentos. bom ressaltar que os preos movem-se dentro das cadeias dos insumos para o varejo ou vice-versa, ou originam-se a partir de setores especficos (produo, processamento). Podem-se perceber facilmente os riscos envolvidos numa operao dentro de uma cadeia. O produto pode no ser entregue, ou ser entregue em forma inapropriada, na poca errada. O preo pode cair e causar problemas para o produtor ou para a trading que realizou a

40 compra antecipada para garantir matria-prima; para a empresa que trocou mquinas por soja; ou o preo pode subir e causar problemas para o frigorfico, que acertou uma exportao e fixou o preo de venda, mas ainda no adquiriu a matria-prima (boi); ou para a torrefadora que assinou contrato de exportao de caf, mas, ainda no adquiriu matria-prima. Riscos so custos e custos podem significar a perda de clientes. Deixando-se de lado os riscos associados parte tcnica ou de produo (produto errado, perda de produo, impropriedade do produto s necessidades do cliente, etc), nos concentraremos nos riscos de preos, ou seja, aqueles associados queda ou subida de preos. Existem vrias formas de administrar-se riscos de preos, dentre as quais pode-se citar os Mercados a termo (forward markets) onde os preos so fixados antecipadamente, podendo haver ou no antecipao de recursos. Tem-se, como exemplo, a soja verde, a troca insumoproduto, a CPR, etc. Uma das caractersticas dos mercados a termo que os contratos no so padronizados, no h divulgao dos valores e no h um rgo garantidor dos contratos. 1 Os contratos a termo so negociados localmente (over the counter) ou em bolsas de fsico existentes no pas, as quais acham-se agrupadas na Associao Nacional das Bolsas de Mercadorias e Cereais (ANBM), que consiste em 18 bolsas agrupadas no Sistema Integrado de Bolsas Brasileiras (SIBB), na Bolsa Brasileira de Mercadorias, a qual o resultado da unio das Bolsas de Mercadorias de Gois, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paran, Rio Grande do Sul e Uberlndia, mais a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) 2. A Tabela 1.7 mostra o sistema integrado das bolsas Brasileiras (SIBB).

O leitor interessado em detalhes de contratos a termo pode consultar a Bolsa Brasileira de Mercadorias (BBM) www.bbmnet.com.br ou o site do Banco do Brasil www.bb.com.br ou a ANEC no site http://www.anec.com.br/contratosanec.htm 2 Para maiores detalhes, ver http://www.bbmnet.com.br/pages/PORTAL/index.asp htt

1

41 Tabela 1.7 - Sistema Integrado de Bolsas Brasileiras (SIBB) BCML BBO BBSB BCMCO BCMGU BCMM BCMMT BGARJ BHCP BIMU BMB BMCE BMCSC BML BMRE BMS BNM BCSP Fonte: http://www.sibb.com.br/anbm.asp 1.13. A realidade do crdito rural e o surgimento dos novos instrumentos de financiamento 3 Bolsa de Cereais e Mercadorias de Londrina Bolsa Brasil Oeste Bolsa de Mercadorias de Braslia Bolsa de Cerais e Mercadorias do Centro-Oeste Bolsa de Cereais e Mercadorias de Gurupi Bolsa de Cereias e Mercadorias de Maring Bolsa de Cereias e Mercadorias de Mato Grosso Bolsa de Gneros Alimentcios do Rio de Janeiro Bolsa de H. Cer. e Pro. Agro. do Estado de Pernambuco Bolsa Internacional de Mercadorias de Uruguaiana Bolsa de Mercadorias da Bahia Bolsa de Mercadorias do Cear Bolsa de Mercadorias e Cerais de Santa Catarina Bolsa de Mercadorias e Futuros de Londrina Bolsa Mercantil do Recife Bolsa de Mercadorias da Metade Sul Bolsa Nacional de Mercadorias Bolsa de Cerais de So Paulo

O crdito rural um dos principais instrumentos de assistncia agricultura brasileira. Um sistema especfico de crdito rural foi estabelecido no final de dcada de 60, quando o ento governo criou sistemas diferenciados de crdito para vrios setores da economia. O Sistema nacional de Crdito Rural (SNCR) incluiu os trs maiores bancos Banco do Brasil,

3

Extrado de Silva & Marques (2005)

42 Banco do Nordeste e o Banco da Amaznia e outros bancos estaduais e privados. Este sistema concedeu substanciais preferncias ao setor agrcola (OCDE, 2005, p. 90). Os governos, com maior ou menor intensidade, tm interferindo na agricultura brasileira. Essa forma de interveno tem se dado de diferentes maneiras. Nas dcadas de 1960 e 1970, ela foi feita por meio da destinao de volumes substanciais de crdito subsidiado para agropecuria. A partir dos anos 1980, a interveno mais visvel na Poltica de Garantia de Preos Mnimos (PGPM), inclusive como forma de compensar o esvaziamento da poltica de crdito rural subsidiado. Esse tipo de poltica estendia-se, ainda, a produtos especficos como o controle da comercializao do trigo, o monitoramento dos preos agrcolas e o contingenciamento das exportaes. Tal interveno demandava, no caso do crdito subsidiado e da PGPM, somas considerveis de recursos, que no puderam ser mantidas a partir das crises da dvida interna e da externa pelas quais passou a economia brasileira na dcada de 1980. Os sucessivos planos de estabilizao da economia, monitorados pelo Fundo Monetrio Internacional, introduziram o componente do ajuste fiscal que foi fatal para esse tipo de poltica, diante da necessidade de cortes de despesas. Por outro lado, havia um movimento, que iria se radicalizar na dcada de 1990, que foi o processo de abertura da economia brasileira. As mudanas que ocorrem a partir de ento foram feitas balizadas por duas condicionantes: limitao dos gastos governamentais e maior exposio da agricultura brasileira ao comrcio internacional (GASQUES ET ALI, 2004, p. 16). No final da dcada de 80, os preos mnimos definidos pelo governo, alm de cobrir os custos do produtor, garantiam uma remunerao para a atividade. Atualmente, os preos mnimos definidos pelo governo esto abaixo do custo de produo de determinadas lavouras, agravados pela falta de recursos oficiais para a manuteno da modalidade. Para Wedekin (2005) a poltica agrcola brasileira sustentada por dois pilares: 1) crdito e 2) garantia de renda aos produtores. O primeiro engloba o custeio da lavoura, os investimentos produtivos e a comercializao. J o segundo, representado principalmente pela Poltica de Garantia de Preos Mnimos (PGPM), envolve os instrumentos de apoio aos preos e garantias de renda. Como mostrado, h algum tempo o financiamento da agricultura brasileira vem se apresentando como um dos grandes problemas da alocao de recursos da economia. Para

43 Arajo e Almeida (1997), com a decadncia do SNCR, os agentes do setor esto se envolvendo mais no financiamento do setor, alocando mais eficientemente seus recursos e tambm procurando novas formas e fontes para financiar suas atividades. A prolongada crise que o Estado brasileiro vem sofrendo nos ltimos anos associada falta de uma poltica agrcola consistente e transio poltica-econmica por qual atravessa o pas, determinam condies favorveis para se tentar desenvolver um novo modelo onde o governo deixa de exercer o papel do principal financiador da agricultura (SOUSA, 1996, p.2). Schouchana e Perobelli (2000) afirmam que a crescente sada do governo como agente financiador da agricultura brasileira reflexo da dvida pblica, tanto externa, contrada ao longo da dcada de 70, como da interna, dos anos 80. Enfim, o governo esta assumindo uma funo de agente regulador e estimulador do que propriamente de financiador. Arajo et ali (2001) destacam que no atual estgio de desenvolvimento da agricultura brasileira torna-se fundamental a utilizao conjunta de recursos prprios (autofinanciamento) com recursos captados no mercado financeiro, cada vez mais se distanciando das fontes pblicas. Segundo estimativa extra-oficial do Ministrio da Agricultura 4, a agropecuria demandou em 2003 um total de R$ 110 bilhes na forma de crdito para suas atividades, sendo que o sistema oficial concedeu apenas 28% deste total, ou seja, R$ 31 bilhes. Os outros 72% foram fornecidos por financiadores nacionais e internacionais, de fontes privadas, nobancrias. De acordo com OCDE (2005), os 28% concedidos pelo sistema oficial foram subdivididos em: 1) crdito de comercializao 5%; 2) crdito de custeio 17%; e 3) crdito de investimento 6%. Segundo Almeida e Bacha (1995), o spread bancrio a taxa cobrada pelos bancos com o objetivo de cobrir os custos administrativos, os riscos associados aos emprstimos e ainda gerar um lucro bruto na operao. Para os mesmos autores, o custo de crdito poderia ser reduzido atravs de uma diminuio nos custos de captao e/ou no spread bancrio, sendo que o custo de captao depende da fonte onde so obtidos os recursos e da poltica monetria do Banco Central; por sua vez, a reduo do spread tambm depende da eficincia operacional dos bancos, ou seja, de eles conseguirem operar com custos baixos e reduzirem o volume das dvidas no pagas pelos prprios produtores rurais.4

Extrada do relatrio da OCDE, outubro de 2005, pginas 93-94.

44 interessante notar que nos ltimos anos a maior parte (70%) dos financiamentos rurais foi realizada pelo capital financeiro privado, prprio ou obtido junto ao mercado financeiro informal ou semiformal (PREOS AGRCOLAS, 2000). Para Gonalves et ali (2005), o mercado informal de crdito deve responder por expressiva quantidade de recursos e parcela do financiamento no perodo de transio, enquanto os novos instrumentos esto sendo desenvolvidos. O crdito informal ou semiformal pode ser definido como (ARAJO, 2000): 1. 2. 3. Emprstimo em dinheiro obtido de particulares ou firmas ligadas atividade agropecuria; Escambo do tipo insumo/produto ou insumo/servio (produzir), entre fornecedores e produtores rurais e entre cooperativas e produtores; Compras e vendas antecipadas de produto realizadas entre empresas, agroindustriais, comerciantes e produtores; 4. Poupana e crdito realizados por grupos ou associaes informais de agricultores. Os agentes do crdito informal surgem devido a um mercado financeiro nacional ineficiente. Vendedores de insumos, compradores de produtos, cooperativas, associaes de produtores, casa de penhor, agroindstrias, exportadores, corretores de emprstimos, parentes e agiotas podem ser classificados como agentes do mercado informal de crdito. Para Barros (1999) felizmente o setor privado est reagindo ativamente a essa necessidade e vem desenvolvendo e fortalecendo mecanismos de gerenciamento de risco (contratos a termos e de futuros, troca de insumos por produtos e etc.) e de financiamento, principalmente atravs de recursos externos. Para o autor, o emprego apropriado de instrumentos de seguro e do mercado financeiro pode gerar mecanismos capazes de reduzir significativamente os custos para produtores e demais agentes do agronegcio. J Schouchana (1999) complementa que na ausncia do crdito formal e da participao pblica como financiador ativo, as empresas fornecedoras de insumos e tradings, ou seja, as duas pontas dos produtores rurais, esto atuando atravs dos contratos de compra e venda de produtos agrcolas e de insumos, com o uso da produo futura como garantia nos contratos de pagamento a prazo. Vale ressaltar que nestes tipos de negociaes as

45 responsabilidades so divididas entre produtores rurais e demais agentes do agronegcio que acabam por realizar funes que no so seus objetivos, como fiscalizar e controlar a produo, analisar crdito, fornecer recursos e etc. (CAFFAGNI, 1998). Entretanto a alternativa que esta se desenvolvendo a participao do setor privado como financiador do agronegcio atravs dos ttulos de crditos destinados ao setor, um instrumento que dever captar recursos privados e reduzir a dependncia com relao aos recursos pblicos. Por outro lado, cada vez mais as bolsas de fsicos e de futuros esto se consolidando como mecanismos eficientes de controle de risco da atividade agropecuria brasileira. O aprofundamento das relaes entre a agropecuria e a indstria tem desenvolvido mecanismos de comercializao para a complementao do escasso crdito rural oficial no financiamento da atividade rural no pas. Segundo Gonalves (2005), a superao da inflao elevada na metade dos anos 90 permitiu a consolidao dos diversos mecanismos de venda antecipada e at mesmo o crescimento do mercado futuro.

46

20% 18% 17,2% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 6,1% 4% 2% 0% Arroz Algodo Trigo Milho Caf Soja Leite Carne bovina Cana-deacar Carne avcola Carne suna 3,0% 5,8%

12,3%

Mdia

2,4%

2,3%

1,9%

1,7%

1,2%

1,2%

Fonte: OCDE (2005). Nota 1: Percentagem da receita bruta da agricultura. Figura 1.11 Brasil: Estimativa de Apoio ao Produtor (PSE) por produto, mdia 2002-2004. A inviabilidade da disposio de crdito rural oficial como nos anos 70 convenceu os agentes econmicos que o novo padro de financiamento deveria no depender dos recursos pblicos e cada vez mais se financiar com recursos do agente privados. Com isso, o custeio da safra passa ser realizado em grande parte por contratos de entrega futura e aquisio de insumos entre produtores rurais e agroindstrias. So oferecidos s principais culturas um custo para captao de recursos de financiamento das atividades rurais mais baixos que as taxas normais do sistema bancrio. Existente desde a dcada de 60, a Nota Promissria Rural (NPR) e a Duplicata Rural (DR) so ttulos de crdito que lastreiam as transaes (operaes de compra ou venda de

47 produtos agropecurios) entre produtores rurais, comerciantes e agroindstrias. Enquanto que a NPR emitida pelas agroindstrias, beneficiadoras e empresas comerciais; a DR emitida por produtores, cooperativas e beneficiadoras de sementes (GONALVES ET ALI, 2005). Na realidade este mecanismo procura garantir a compra antecipada pelas agroindstrias, cooperativas e tradings para uma maior segurana no planejamento das suas operaes. No entanto, estes mecanismos so contratos entre as partes (produtores e agroindstrias), o que oferece um risco maior do que as operaes de mercado futuro que possuem a clearing como garantia da realizao dos compromissos. verdade que no mercado futuro quase que na totalidade das operaes no se efetiva a liquidao fsica da operao, mas garante-se o preo fixado. Marques e Mello (1999, pg. 10) definem a chamada operao de escambo, ou seja, troca de insumo por produto. Nesse tipo de financiamento, o comprador fornece insumos ao produtor por ocasio do plantio, recebendo como pagamento certa quantidade de produto na poca da colheita. H tambm a venda antecipada, onde ocorre o adiantamento de recursos financeiros em troca de recebimento da mercadoria na colheita. No primeiro caso, h o fornecimento antecipado de produtos, j no segundo caso, adiantamento monetrio. De acordo com Gonalves et ali (2005), o Adiantamento Sobre Contratos de Cmbio (ACC) foram os grandes responsveis na primeira metade da dcada de 90 no desenvolvimento desses contratos de venda antecipada, uma vez que os produtos com forte demanda internacional, como a soja, eram financiados com lastro nas operaes de ACC. A operao era regulamentada pelo artigo 75 da Lei Federal no 4.728 de 14 de julho de 1965 e dinamizados pela Circular BACEN no 2.539 de 25 de janeiro de 1995. Os fundos de commodities, a poupana rural e os recursos livres dos bancos comerciais tambm eram utilizados como fonte de recursos para essas operaes. A prpria indstria citrcola fornece crdito aos seus produtores atravs de dois mecanismos (MARQUES & MELLO, 1999): 1. Fomento, onde a indstria disponibiliza a muda e o fertilizante para o plantio e recebe uma quantidade de caixas de laranja pr-estabelecida;

48 2. Adiantamento, na qual ela fornece crdito monetrio e, geralmente, recebe caixas de laranja no valor correspondente mdia anual dos ndices praticados no mercado de suco ctrico da Bolsa de Nova Iorque. J a chamada integrao utilizada por frigorficos para garantir o seu insumo. Este fornece pintos, rao, assistncia tcnica e outros insumos aos produtores para, em troca, receberem o frango pronto para o abate (MARQUES; MELLO, 1999). O prprio mercado foi ajustando suas necessidades e desenvolvendo mecanismos para suas operaes. Todos esses mecanismos de comercializao discutidos complementaram a concesso do crdito rural oficial no financiamento das respectivas safras e foram sinalizando as necessidades de aprimoramento para a criao dos novos ttulos de crdito para financiamento do agronegcio. Uma outra medida que vem se consolidando como financiadora da agricultura atravs da participao do setor privado a Cdula de produto Rural (CPR) que foi regulamentada pela Lei no 8.929 de 22 de agosto de 1994 e alterada pela Lei no 10.200 de 2001, quando passou a ter a opo financeira de liquidao. Para Bacha e Silva (2005 a,b), com a CPR, o produtor poder antecipar a receita da sua produo, utilizando um instrumento regulamentado pelo governo e que pode ser avalizado pelo sistema bancrio, impulsionando os recursos privados para financiar a agropecuria. Arajo et ali (2001) definem as principais caractersticas da CPR como: 1. Ttulo lquido e certo, transfervel por endosso e exigvel pela qualidade e quantidade de produto nele previsto; 2. Preo livremente ajustado entre as partes; 3. 4. 5. Admite garantias ajustadas entre as partes, como hipoteca, penhor, alienao fiduciria e aval; Possibilita a incluso de clusulas estabelecidas pelas partes, no ato da emisso, alm de aditivos posteriores; Sujeita as normas do direito cambial;

49 6. Enquanto vincenda, um ativo financeiro, sem a incidncia de ICMS, podendo ser negociada em bolsas de mercadorias e de futuros ou em leilo eletrnico 5 realizado pelo Banco do Brasil; 7. Negcios com a CPR so registrados nas centrais de registro a fim de evitar duplicidade de venda. Enfim, a CPR um ttulo cambial emitido por produtores rurais (pessoa fsica ou jurdica) e suas cooperativas de produo; e podem ser adquiridos por qualquer pessoa fsica ou jurdica. Para Barros (2000), as CPRs podem ser consideradas um instrumento de grande potencial tanto para assegurar os preos antecipados como para adiantamento de recursos para custeio e comercializao ao produtor. A CPR uma forma de contrato entre as partes, que pode ser registrada em cartrio e ter como garantias a hipoteca, o aval e o penhor, dependendo do tipo de operao 6. Atualmente as instituies financeiras operam com este ttulo correndo o risco do produtor, adquirindo a cdula ou concedendo a aval. Gonzalez (2000) tambm afirma que a CPR alm de servir como instrumento de captao de recursos, tem o papel de servir como hedging de venda j que quando emitida, o preo travado e permanece protegido contra movimentos de baixa. O mesmo autor enfatiza que alm da CPR permitir o financiamento das necessidades de capital na explorao agropecuria, ela desempenha, de forma indireta, mais duas funes: 1) fixao de um nvel de lucro para a parcela comercializada (receitas e custos fixados); e 2) viabiliza o plantio e tratos culturais de que a lavoura necessita. Porm para Spolador (2001), apesar de a CPR ter se mostrado um eficiente instrumento de captao de recursos privados para a produo, ela ainda esta restrita a poucos

No leilo eletrnico, as operaes so realizadas por meio das bolsas de mercadorias, localizadas em vrios pontos do pas e conectadas via internet a uma Central de Leilo.6

5

Para maiores detalhes ver Wald (2005).

50 produtos e em volumes muito inferior ao necessrio para suprir o volume de recursos outrora advindos do setor pblico. Para o autor, so duas as limitaes associadas ao uso de CPR como instrumento de captao de recursos: 1. Uma boa parte da lavoura brasileira formada por produtos pouco contemplados no

mercado financeiro de forma que as aes de mercado no substituem por completo as aes governamentais; 2. O mercado futuro no Brasil, devido falta de um nmero suficiente de especuladores, O mesmo autor ainda conclui que o elevado custo do aval, as taxas de juros da economia e a falta de tomadores de risco no mercado financeiro brasileiro tambm so fatores limitadores ao mecanismo de venda de CPRs. No entanto, a CPR alm de captar recursos privados para o crdito rural, permite que esta captao seja em qualquer ms do ano. A concesso do crdito rural tradicional, altamente dependente das exigibilidades, acaba ocorrendo apenas em determinados meses do ano. A maior demanda pelo crdito rural ocorre no perodo de plantio (setembro-dezembro), quando os produtores necessitam de recursos para a nova safra. Como os recursos hoje so insuficientes para atender a demanda existente, os recursos disponveis se esgotam neste perodo, impossibilitando o fornecimento de crdito a taxas subsidiadas fora deste perodo. A nova concesso de crdito s ocorrer com o retorno deste capital investido, que pelo cronograma, ocorre aps a colheita (maio-agosto). Somente aps retorno dos recursos aplicados nesta safra que sero disponibilizados recursos para a safra seguinte, ou seja, retornando os recursos entre maio-agosto, os recursos estariam disponveis para a prxima safra a partir de setembro, formando um ciclo entre concesso e recebimentos. Este ciclo apresenta dois problemas: 1) falta de recursos disponveis para o produtor fora do perodo de plantio; e 2) neste perodo, pela alta demanda, os preos dos insumos agropecurios tendem a serem mais altos do que outros perodos. Agora, caso o produtor resolva aproveitar do perodo de insumos mais baratos e desejar adquiri-los antes de perodo de plantio, poder se financiar atravs das CPRs. A CPR, alm de oferecer a oportunidade ao produtor de se financiar fora do perodo de plantio, ao antecipar a comercializao para o produtor, aliviou os programas oficiais para possui pouca liquidez o que se torna um obstculo para seu desenvolvimento.

51 escoamento de produo e manuteno de renda do setor rural (AGF, EGF e PGPM), exigindo menos recursos para estes programas. Atualmente, as indstrias e as tradings esto recebendo altas taxa de juros (em torno de 25% 7) na intermediao financeira de capital para o setor agropecurio atravs da CPR, o que gera um retorno maior do que propriamente na operao com o produto agrcola. Na realidade, com o surgimento da CPR-financeira, o ttulo perdeu a verdadeira identidade do seu propsito que era um adiantamento da comercializao da safra e passou a ter um carter estritamente financeiro, onde se negocia literalmente taxas de juros para a concesso de recursos. Mas por outro lado, esta modalidade atraiu novos investidores ao segmento rural, que no estavam interessados no recebimento do produto fsico, aumentando a disponibilidade de recursos para o setor. Outra grande contribuio desta modalidade foi a incluso de novos produtos agropecurios na lista das CPRs. At 1999, quando s era permitida a emisso de CPR-fsica, apenas as grandes commodities (caf, boi, algodo, milho, soja e arroz) que se utilizavam da CPR como ferramenta de comercializao. Aps o ano de 2000, com a instituio da CPR-financeira, novos produtos passaram a se contemplar desta modalidade, inclusive produtos que tambm no participavam do crdito rural oficial (camaro, frutas, verduras, frango, madeira e etc.). Na Figura 12, nota-se a evoluo do volume financeiro emitido de CPR pelo Banco do Brasil nos ltimos anos, com destaque para o ano 2000 com a incluso das CPRs financeiras.

7

Desempenho das CPRs emitidas pelo Banco do Brasil durante o segundo semestre de 2004 e primeiro de 2005. Para maiores detalhes ver Bacha e Silva (2005b).

52

4.500.000

4.000.000

3.500.000

3.000.000

2.500.000

2.000.000

CPR financeira

1.500.000

1.000.000

500.000

0 N CPR Mil R$

1994 64 26.987

1995 661 62.166

1996 539 37.741

1997 777 53.881

1998 1.462 79.844

1999 2.363 146.412

2000 13.293 599.082

2001 18.543 845.937

2002 21.687

2003 29.358

2004 62.435

1.061.262 1.533.054 4.472.994

Fonte: Banco do Brasil Figura 1.12 Nmero e volume de CPRs emitidas pelo Banco do Brasil.

Bacha e Silva (2005 a,b) conluiem que com a criao da CPR financeira, o volume negociado com a CPR aumentou significativamente, pois o sistema bancrio passou a ser comprador de CPR, e no apenas o seu avalista, pois a CPR passou a ser mais atrativa aos investidores. No mercado, tanto na modalidade fsica ou financeira, esto disponveis trs tipos de CPRs: 1. 2. Registrada: so as CPRs que so registradas em cartrios, oferecendo maior segurana financeira; No registradas: no apresenta registros em cartrio, chamada em alguns mercados de CPR de gaveta;

53 3. Avalizada: possuem aval de instituio financeira, podendo ser registrada ou no, apresentando maior segurana ao investidor, porm tendo um custo mais elevado. Para Wedekin (2005), o uso da CPR de gaveta serve como um instrumento de garantia nas transaes comerciais entre produtores rurais e fornecedores de insumos, indstria de processamento e empresas de comrcio exterior. No caso de CPR avalizada, que pode ser tanto registrada ou no, por qualquer motivo que seja, caso o produtor no honre com o compromisso de liquidao do ttulo, o avalista se compromete a cumprir o vencimento, funcionando o aval como uma garantia. O custo do aval e at mesmo da CPR, dependem basicamente de dois fatores: 1) risco cliente; e 2) tempo de colheita. Como a grande maioria das CPRs emitidas atualmente ocorrem com o produto sem estar colhido, quanto mais prximo da colheita, menor o risco da operao, portanto, uma menor taxa ser inserida. O aval pode ser visto pelo investidor como um seguro rural, garantindo em qualquer situao a liquidao do ttulo. Enfim, a natureza da obrigao do avalista idntica do avalizado, podendo ser avalista qualquer pessoa fsica ou jurdica, mesmo que no seja vinculada a produo agropecuria. 8 De acordo ainda com Bacha e Silva (2005 a,b), foram negociados na safra 2004/2005 um volume entre R$ 20 e R$ 30 bilhes de CPR. Se comparado com os R$ 39,5 bilhes dos programas de emprstimo com taxa de juros controladas, a CPR esta assumindo um importante papel como financiadora. Antes da CPR, as compras antecipadas para entregas futuras de produtos rurais j eram praticadas pelos mercados, porm sem o instrumento jurdico (CPR), as operaes no ofereciam seguranas para os credores e, at mesmo devido a esta falta de garantia, eram operaes muito mais caras.

O aval instituto de direito cambirio, consistente na garantia do pagamento do ttulo de crdito. O avalista torna-se devedor solidrio, porm de maneira autnoma, passando a sua obrigao a independer da relao obrigacional garantida, entre o devedor- avalizado e o credor, cujas eventuais excees de pagamento no lhe dizem respeito e por ele no podem ser invocadas (WALD, 2005, p. 237).

8

54 De acordo com a prpria legislao da Cdula de Crdito Rural 9, a ferramenta pela qual se concretiza a concesso de crdito rural do SNCR, h certas restries quanto ao credor e ao montante de recursos aplicado, sendo Conselho Monetrio Nacional responsvel pela definio da taxa de juros das concesses e os limites mximo de emprstimos para cada categoria. J a CPR, tendo a mesma funo de concesso de crdito, no apresenta restries na sua legislao, dependendo das partes esta definio de limites e taxas de juros. Mas apesar de inserirem uma nova dinmica na concesso de crdito rural no Brasil, a CPR ainda apresenta um custo elevado para muitos produtores, principalmente devido aos riscos da produo agropecuria (seguro rural no ativo) e do custo do dinheiro no pas (taxa de juros bsica elevada). A CPR muitas vezes no fornece todo o crdito demandado ou at mesmo necessrio para o produtor, disponibilizando apenas uma parte dele. Com isso, este ttulo ainda no resolveu o problema de elevada demanda pelo crdito do setor, tendo muitos produtores ainda que inserirem recursos prprios na lavoura ou at mesmo recorrerem s fontes informais de crdito. No entanto, outros mecanismos foram propostos e no tiveram a mesma aceitao pelo mercado, seja do lado do produtor rural ou do lado do investidor institucional. Mas todos contriburam de alguma forma para o desenvolvimento dos novos instrumentos de financiamento do agronegcio. Procurando um maior envolvimento com o mercado financeiro, em 1994 surge o Certificado de Mercadoria com Emisso Garantida (CMG). Segundo Spolador (2001), a CMG era um ttulo mercantil de contrato de compra e venda nas modalidades entrega fsica futura garantida (CMF-G) ou entrega fsica disponvel garantida (CMD-G). O papel s poderia ser negociado nas bolsas de cereais ou de mercadorias conveniadas com a Central de Registro e era garantida por seguradora ou banco. J no final dos anos 90 surge uma nova proposta de financiamento da atividade rural denominada de Finagro 10. De acordo com Bertucci (1999, p. 31), o sistema tinha o objetivo de implantao, em todo o territrio nacional, de um mecanismo moderno de securatizao,9 10

Decreto Lei nmero 167 de 14 de fevereiro de 1967. Companhia de Administrao de Negcios Agrcolas do Brasil S/A.

55 financiamento e comercializao de produtos agrcolas. O financiamento da lavoura se daria pela venda antecipada de produtos atravs da CPR com garantia do Seguro Rural atrelado ao Seguro de Garantia de Obrigaes Contratuais e negociveis em Mercados Centralizados e Organizados (Bertucci, 1999). A confiabilidade do sistema estava na garantia fsica e quantitativa da existncia dos produtos nos armazns e da qualidade dos produtos depositados. Os ttulos deveriam ter garantias de aplices de seguro de armazenagem ou seguro de garantia de entrega contratual. A padronizao dos produtos e procedimentos de armazenagem seria atravs de centros de pesquisas das principais universidades brasileiras, com respaldo tcnico de empresas agrcolas de assistncia e extenso rural. Enfim, h, ainda, alguns fatores que esto limitando a ampliao e consolidao do modelo de financiamento baseado nos recursos privados. O primeiro seria o elevado custos dos recursos captados devido aos encargos financeiros, tributrio e contribuio sociais que limitam, de forma considervel, o recursos recebidos pelo beneficirio. Um segundo fator seria o ainda deficiente sistema de padronizao e classificao dos produtos agrcolas no pas. E, por ltimo, a falta de papis representativos de produtos agrcolas com credibilidade no mercado (GASQUES; VILLA VERDE, 1999). Baseados nos sucessos e fracassos destes ttulos discutidos anteriormente e na tentativa de consolidar o financiamento do agronegcio atravs de fontes de recursos privados que os novos instrumentos foram institudos. No entanto, preciso que estes apresentem segurana ao sistema, sejam atrativos para o produtor rural e agentes em geral e atendam as expectativas de rentabilidade do investidor institucional. A Lei no 11.076, de 30 de dezembro de 2004, oficializou cinco novos ttulos de crditos que podero ser utilizados pelos agentes do agronegcio para captarem recursos privados para o seu financiamento e aumentar o giro de capital dentro do prprio setor, alm de dar nova redao Lei no 9.973, de 29 de maio de 2000, que dispe sobre o sistema de armazenagem dos produtos agropecurios. Esta nova Lei sobre a armazenagem de produtos agropecurios foi fundamental para a elaborao de dois destes cinco novos ttulos do agronegcio: Certificado de Depsito Agropecurio (CDA) e do Warrant Agropecurio (WA).

56 Alm desses dois ttulos, a lei tambm oficializou o Certificado de Direitos Creditrios do Agronegcio (CDCA), Letra de Crdito do Agronegcio (LCA) e Certificado de Recebveis do Agronegcio (CRA) que possuem a mesma funo, porm o emissor diferenciado. Os trs ttulos de crdito vinculam-se aos direitos creditrios dos negcios realizados entre os agentes do agronegcio. Os ttulos apresentam duas grandes diferenas entre si no que diz respeito ao emissor e ao lastro. Com relao ao emissor, tem-se que: o CDA e o WA so de emisso exclusiva do agente que possui o produto agropecurio e o depositou no armazm apto a emitir o ttulo; o CDCA de emisso exclusiva de cooperativas de produtores rurais ou pessoas jurdicas que exeram a atividade de comercializao, beneficiamento ou industrializao de produtos e insumos agropecurios ou