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de 28 de outubro a 3 de novembro de 2010 4 brasil A candidata do PT, Dilma Rousseff, participa de ato em defesa do meio ambiente Marcello Casal Jr./ABr Eduardo Sales de Lima da Redação GROSSO MODO, a disputa en- tre petistas e tucanos represen- ta, para alguns analistas, o an- tagonismo entre dois projetos de nação. Para outros, são du- as faces de uma mesma moe- da. O posicionamento das for- ças de esquerda, nesse segundo turno, reflete um pouco dessas diferentes visões. A Via Cam- pesina optou por encampar a candidatura de Dilma. O Psol – Partido Socialismo e Liberda- de – defendeu um “não à Ser- ra”. O PCB – Partido Comunis- ta Brasileiro – se definiu pelo apoio crítico à Dilma. O PSTU – Partido Socialista dos Traba- lhadores Unificado – posicio- nou-se pelo voto nulo. A Via Campesina Brasil, que inclui organizações como o Movimento dos Trabalhado- res Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), declara- ram, mais que o voto a Dilma no segundo turno, o apoio de sua militância no corpo a corpo com a população. “Serra repre- senta, em nível latino-america- no, um aliado do imperialismo e um inimigo de todas as for- ças populares”, afirma o inte- grante da coordenação nacio- nal do Movimento dos Atingi- dos por Barragens (MAB), Luiz Dalla Costa. “Sabemos que Dilma não vai defender a implantação do so- cialismo no Brasil e nem acha- mos que o socialismo vai ser implantado já. Nessa circuns- tância, agora, vamos votar e ajudar a eleger a Dilma”, de- fende Dalla Costa. Apesar do apoio eventual, o coordenador do MAB ressalta que, após o pleito presidencial, a luta dos movimentos sociais continu- ará na defesa dos trabalhado- res urbanos, dos atingidos por barragens e dos sem-terra, in- dependente do governo. Somando o apoio à Dilma, João Batista Lemos, secretá- rio sindical nacional do Parti- do Comunista do Brasil (PC do B), acredita que o “voto nulo da esquerda é o que a direita gos- ta” e que uma derrota petista, neste segundo turno, mesmo com todas as contradições que acompanharam o governo Lu- la, representaria um retrocesso “Derrotar a direita”, eis o consenso ELEIÇÕES Forças da esquerda brasileira divergem quanto ao apoio explícito à candidatura de Dilma Rousseff (PT) no segundo turno nos avanços democráticos e so- ciais muito grande. Para Marcelo Freixo (Psol), deputado estadual reeleito no Rio de Janeiro, o voto crítico à Dilma Roussef significa um vo- to específico de segundo turno. “O segundo turno não é o seu projeto [do Psol] que está em pauta; no segundo turno você vota num projeto menos preju- dicial à sociedade que o outro e, depois, é fazer oposição ao vencedor”, explica Freixo. “Iguais” Diferentemente, pensa o PS- TU, que defende o voto nulo no segundo turno. “Não existe um ‘mal menor’ nesse segundo turno. Votar em Dilma ou Ser- ra vai fortalecer um deles para atacar com mais força os direi- tos dos trabalhadores”, pontua o texto de Eduardo Almeida Neto da Direção Nacional do PSTU e editor do jornal Opi- nião Socialista. Segundo ele, “cada voto dado em Dilma ou Serra é uma força a mais que eles terão para aplicar uma no- va reforma da Previdência”. “Não acho que Dilma e Serra sejam iguais. Limão e lima não são iguais, mas ambas são fru- tas ácidas”, pontua o membro da direção nacional do PSTU, doutor em história social pe- la USP, Valério Arcary, que sa- lienta categoricamente que não votará em nenhum dos dois. Ele vai além. Para Arcary, é necessário que a esquerda, “que se denomina anticapita- lista”, afirme sua posição de que não vai participar de um possível governo Dilma e não deve, “por razões óbvias, nem teóricas”, fazer parte de um go- verno que quer manter o ca- pitalismo. “Não há nenhuma perspectiva de que seja um go- verno com alguma postura an- ticapitalista, mas sim um go- verno de gestão do capitalis- mo”, afirma. Criticando posturas como a do PSTU, em entrevista recen- te ao site IHU – Instituto Hu- manitas Unisinos –, o analista político Wladimir Pomar apon- tou para o fato de que “há mui- to tempo a esquerda e setores progressistas brasileiros so- frem da síndrome de confundir inimigos e amigos” e que, com o passar dos anos de governo petista, os entendimentos po- líticos tendem a se tornar mais complexos. al reeleito no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (Psol). Para ele, a atitude de Marina Silva foi “equivocada”. “Acho que ela, como figura pública, tinha que se posicionar. Não exis- te a tecla independência. A pessoa que é pública não po- de não se posicionar; eu acho ruim”, critica. Para João Batista Lemos, do PC do B, a atitude da can- didata derrotada à presidên- cia da república contribuiu para o que chama de “diver- sionismo” dentro do contexto eleitoral. Segundo ele, tanto no primeiro quanto no segun- do turno, a atuação da candi- data de Marina tem confun- dido a luta política no país. “Primeiro, ela serviu à ofensi- va midiática, porque teve sua candidatura insuflada pela di- reita para Serra ir ao segundo turno. Agora, no segundo tur- no, sua neutralidade se inse- re nesse processo pessoal de- la; porque seria muito mais coerente ela indicar o voto na Dilma”, defende. Marina em meio ao “jogo verde” Neutralidade, no segundo turno, tem sido apenas superficial Tucanos verdes? O comportamento dos “ver- des” no segundo turno desvela um entrave programático para o próprio partido e para Mari- na Silva no futuro. Isso porque a neutralidade oficial de Mari- na e do partido não foram se- guida por seus quadros, uma mistura de tendências ideoló- gicas representada tanto por um punhado de figuras mais progressistas, como o próprio Pedro Ivo Batista, ex-militan- te petista e coordenador da Rede Ecossocialista, como por um considerável contingente de quadros próximos a gover- nos do PSDB, como Fernan- do Gabeira, apoiador públi- co à candidatura de José Ser- ra no Rio de Janeiro. “O PV se aliou ao PSDB em vários esta- dos. Agora, se o PV vai nego- ciar cargos, caso ganhe ou Jo- sé Serra ou Dilma, isso o tem- po vai dizer”, lembra deputado estadual fluminense Marcelo Freixo (Psol) “A Marina, que tem a ilusão de construir um outro projeto político, manteve a indepen- dência; mas não é o caso do partido. Na grande maioria, os quadros do PV, nos Esta- dos, estão aderindo à candida- tura Serra. O PV real, que está nos governos estaduais, se po- siciona majoritariamente a fa- vor de Serra”, destaca Valério Arcary. Roberto Malvezzi, da co- ordenação nacional da CPT, acredita que o PV “não é um partido com cara definida”. “Conheço pessoas muito bo- as que estão ali pela causa am- biental há muitos anos. Mas sei também que há ali um jo- go de vaidades muito grande”, afirma Malvezzi. Segundo ele, o partido de Marina pode ter medido a questão do apoio no segun- do turno “do ponto de vis- ta eleitoreiro e de acumulação de força política”, mas Mari- na não.“Com todos seus pa- radoxos, que eu mesmo co- mento sempre, tem uma ética, tem valores, dignidade, e quer ver triunfar, nesse país, o bom senso e um novo paradigma de civilização”, elogia. Ao mesmo tempo, Malvezzi é reticente em relação aos possíveis objetivos de Marina: “Não sei se vai con- seguir, às vezes ela está muito fechada em um pequeno grupo de assessores”. (ESL) Marina apoiar a candidatu- ra de Dilma Rousseff. “O PT, por enquanto, de forma cor- reta, procurou e tem buscado fazer uma conversa mais pro- gramática. Isso é positivo”, de- clarou à Radioagência Notí- cias do Planalto. Mas o apoio não ocorreu. Marina e seu partido declara- ram “independência” e libera- ram seus militantes. “Imagi- no que os conflitos dentro do governo Lula enfrentados por Marina foram monstruosos. Ela não teria saído dali por ra- zões desimportantes. Então, há que se considerar a deci- são dela numa perspectiva de história, não só agora, no se- gundo turno. Ela tem consci- ência de que trouxe ao Bra- sil uma variante que outros jamais trariam. Marina sabe que o futuro passa por essa dimensão (ambiental) e quer preservar sua independência para cobrar de quem quer que chegue ao poder”, afirma Ro- berto Malvezzi. Mas não é as- sim que vê o deputado estadu- da Redação Marina Silva se disse neu- tra, assim como o Partido Ver- de (PV), para o segundo tur- no. Tal consonância, à pri- meira vista, pode esconder o que algumas personalidades políticas compreendem como um abismo programático en- tre a ex-candidata à presidên- cia e a maioria dos quadros do partido. A ex-candidata à presidên- cia da república pelo PV cres- ceu surpreendentemente dias antes das eleições no primei- ro turno, obtendo voto de 19,6 milhões de eleitores por todo o Brasil. Para Roberto Mal- vezzi, assessor da CPT, mui- ta gente, seja à direita ou à esquerda, subestimou os vo- tos concedidos a Marina, atri- buindo seu crescimento a vo- tos conservadores e evangé- licos. O voto em Marina, se- gundo Malvezzi, refletiu mais que isso; representou o des- contentamento de muitos brasileiros em relação ao des- respeito ao meio ambiente, sobretudo no que se refere a grandes obras como a Trans- posição do Rio São Francis- co e o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Be- lo Monte no rio Xingu. “O go- verno Lula avalia mal a ques- tão ambiental. Serra, então, nem sei se avalia”, afirma. Pois bem. Marina conquis- tou maior legitimidade, com os 19,33% dos votos válidos no primeiro turno, e seu apoio se tornou objeto de desejo, tanto do lado petista quanto dos tu- canos. Poucos dias após a realiza- ção do primeiro turno, um de seus principais assessores, Pe- dro Ivo Batista, acenou forte- mente com a possibilidade de “Não acho que Dilma e Serra sejam iguais. Limão e lima não são iguais, mas ambas são frutas ácidas” “Serra representa, em nível latino- americano, um aliado do imperialismo e um inimigo de todas as forças populares”

Mesmo com críticas, maioria da esquerda opta por Dilma

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"Derrotar a direita", eis o consenso

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Page 1: Mesmo com críticas, maioria da esquerda opta por Dilma

de 28 de outubro a 3 de novembro de 20104

brasil

A candidata do PT, Dilma Rousseff, participa de ato em defesa do meio ambiente

Marcello Casal Jr./ABr

Eduardo Sales de Lima da Redação

GROSSO MODO, a disputa en-tre petistas e tucanos represen-ta, para alguns analistas, o an-tagonismo entre dois projetos de nação. Para outros, são du-as faces de uma mesma moe-da. O posicionamento das for-ças de esquerda, nesse segundo turno, refl ete um pouco dessas diferentes visões. A Via Cam-pesina optou por encampar a candidatura de Dilma. O Psol – Partido Socialismo e Liberda-de – defendeu um “não à Ser-ra”. O PCB – Partido Comunis-ta Brasileiro – se defi niu pelo apoio crítico à Dilma. O PSTU – Partido Socialista dos Traba-lhadores Unifi cado – posicio-nou-se pelo voto nulo.

A Via Campesina Brasil, que inclui organizações como o Movimento dos Trabalhado-res Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), declara-ram, mais que o voto a Dilma no segundo turno, o apoio de sua militância no corpo a corpo com a população. “Serra repre-senta, em nível latino-america-no, um aliado do imperialismo e um inimigo de todas as for-ças populares”, afi rma o inte-grante da coordenação nacio-nal do Movimento dos Atingi-dos por Barragens (MAB), Luiz Dalla Costa.

“Sabemos que Dilma não vai defender a implantação do so-cialismo no Brasil e nem acha-mos que o socialismo vai ser implantado já. Nessa circuns-tância, agora, vamos votar e ajudar a eleger a Dilma”, de-fende Dalla Costa. Apesar do apoio eventual, o coordenador do MAB ressalta que, após o pleito presidencial, a luta dos movimentos sociais continu-ará na defesa dos trabalhado-res urbanos, dos atingidos por barragens e dos sem-terra, in-dependente do governo.

Somando o apoio à Dilma, João Batista Lemos, secretá-rio sindical nacional do Parti-do Comunista do Brasil (PC do B), acredita que o “voto nulo da esquerda é o que a direita gos-ta” e que uma derrota petista, neste segundo turno, mesmo com todas as contradições que acompanharam o governo Lu-la, representaria um retrocesso

“Derrotar a direita”, eis o consenso ELEIÇÕES Forças da esquerda brasileira divergem quanto ao apoio explícito à candidatura de Dilma Rousseff (PT) no segundo turno

nos avanços democráticos e so-ciais muito grande.

Para Marcelo Freixo (Psol), deputado estadual reeleito no Rio de Janeiro, o voto crítico à Dilma Roussef signifi ca um vo-to específi co de segundo turno. “O segundo turno não é o seu projeto [do Psol] que está em pauta; no segundo turno você vota num projeto menos preju-dicial à sociedade que o outro e, depois, é fazer oposição ao vencedor”, explica Freixo.

“Iguais”Diferentemente, pensa o PS-

TU, que defende o voto nulo no segundo turno. “Não existe um ‘mal menor’ nesse segundo turno. Votar em Dilma ou Ser-ra vai fortalecer um deles para atacar com mais força os direi-tos dos trabalhadores”, pontua o texto de Eduardo Almeida Neto da Direção Nacional do PSTU e editor do jornal Opi-nião Socialista. Segundo ele, “cada voto dado em Dilma ou Serra é uma força a mais que eles terão para aplicar uma no-va reforma da Previdência”.

“Não acho que Dilma e Serra sejam iguais. Limão e lima não são iguais, mas ambas são fru-tas ácidas”, pontua o membro da direção nacional do PSTU, doutor em história social pe-la USP, Valério Arcary, que sa-lienta categoricamente que não votará em nenhum dos dois.

Ele vai além. Para Arcary, é necessário que a esquerda, “que se denomina anticapita-lista”, afi rme sua posição de que não vai participar de um possível governo Dilma e não deve, “por razões óbvias, nem teóricas”, fazer parte de um go-verno que quer manter o ca-pitalismo. “Não há nenhuma perspectiva de que seja um go-verno com alguma postura an-ticapitalista, mas sim um go-verno de gestão do capitalis-mo”, afi rma.

Criticando posturas como a do PSTU, em entrevista recen-te ao site IHU – Instituto Hu-manitas Unisinos –, o analista político Wladimir Pomar apon-tou para o fato de que “há mui-to tempo a esquerda e setores progressistas brasileiros so-frem da síndrome de confundir inimigos e amigos” e que, com o passar dos anos de governo petista, os entendimentos po-líticos tendem a se tornar mais complexos.

al reeleito no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (Psol). Para ele, a atitude de Marina Silva foi “equivocada”. “Acho que ela, como fi gura pública, tinha que se posicionar. Não exis-te a tecla independência. A pessoa que é pública não po-de não se posicionar; eu acho ruim”, critica.

Para João Batista Lemos, do PC do B, a atitude da can-didata derrotada à presidên-cia da república contribuiu para o que chama de “diver-sionismo” dentro do contexto eleitoral. Segundo ele, tanto no primeiro quanto no segun-do turno, a atuação da candi-data de Marina tem confun-dido a luta política no país. “Primeiro, ela serviu à ofensi-va midiática, porque teve sua candidatura insufl ada pela di-reita para Serra ir ao segundo turno. Agora, no segundo tur-no, sua neutralidade se inse-re nesse processo pessoal de-la; porque seria muito mais coerente ela indicar o voto na Dilma”, defende.

Marina em meio ao “jogo verde”Neutralidade, no segundo turno, tem sido apenas superfi cial

Tucanos verdes?O comportamento dos “ver-

des” no segundo turno desvela um entrave programático para o próprio partido e para Mari-na Silva no futuro. Isso porque a neutralidade ofi cial de Mari-na e do partido não foram se-guida por seus quadros, uma mistura de tendências ideoló-gicas representada tanto por um punhado de fi guras mais progressistas, como o próprio Pedro Ivo Batista, ex-militan-te petista e coordenador da Rede Ecossocialista, como por um considerável contingente de quadros próximos a gover-nos do PSDB, como Fernan-do Gabeira, apoiador públi-co à candidatura de José Ser-ra no Rio de Janeiro. “O PV se aliou ao PSDB em vários esta-dos. Agora, se o PV vai nego-ciar cargos, caso ganhe ou Jo-sé Serra ou Dilma, isso o tem-po vai dizer”, lembra deputado estadual fl uminense Marcelo Freixo (Psol)

“A Marina, que tem a ilusão de construir um outro projeto político, manteve a indepen-dência; mas não é o caso do partido. Na grande maioria, os quadros do PV, nos Esta-

dos, estão aderindo à candida-tura Serra. O PV real, que está nos governos estaduais, se po-siciona majoritariamente a fa-vor de Serra”, destaca Valério Arcary.

Roberto Malvezzi, da co-ordenação nacional da CPT, acredita que o PV “não é um partido com cara defi nida”. “Conheço pessoas muito bo-as que estão ali pela causa am-biental há muitos anos. Mas sei também que há ali um jo-go de vaidades muito grande”, afi rma Malvezzi.

Segundo ele, o partido de Marina pode ter medido a questão do apoio no segun-do turno “do ponto de vis-ta eleitoreiro e de acumulação de força política”, mas Mari-na não.“Com todos seus pa-radoxos, que eu mesmo co-mento sempre, tem uma ética, tem valores, dignidade, e quer ver triunfar, nesse país, o bom senso e um novo paradigma de civilização”, elogia. Ao mesmo tempo, Malvezzi é reticente em relação aos possíveis objetivos de Marina: “Não sei se vai con-seguir, às vezes ela está muito fechada em um pequeno grupo de assessores”. (ESL)

Marina apoiar a candidatu-ra de Dilma Rousseff. “O PT, por enquanto, de forma cor-reta, procurou e tem buscado fazer uma conversa mais pro-gramática. Isso é positivo”, de-clarou à Radioagência Notí-cias do Planalto.

Mas o apoio não ocorreu. Marina e seu partido declara-ram “independência” e libera-ram seus militantes. “Imagi-no que os confl itos dentro do governo Lula enfrentados por Marina foram monstruosos. Ela não teria saído dali por ra-zões desimportantes. Então, há que se considerar a deci-são dela numa perspectiva de história, não só agora, no se-gundo turno. Ela tem consci-ência de que trouxe ao Bra-sil uma variante que outros jamais trariam. Marina sabe que o futuro passa por essa dimensão (ambiental) e quer preservar sua independência para cobrar de quem quer que chegue ao poder”, afi rma Ro-berto Malvezzi. Mas não é as-sim que vê o deputado estadu-

da Redação

Marina Silva se disse neu-tra, assim como o Partido Ver-de (PV), para o segundo tur-no. Tal consonância, à pri-meira vista, pode esconder o que algumas personalidades políticas compreendem como um abismo programático en-tre a ex-candidata à presidên-cia e a maioria dos quadros do partido.

A ex-candidata à presidên-cia da república pelo PV cres-ceu surpreendentemente dias antes das eleições no primei-ro turno, obtendo voto de 19,6 milhões de eleitores por todo o Brasil. Para Roberto Mal-vezzi, assessor da CPT, mui-ta gente, seja à direita ou à

esquerda, subestimou os vo-tos concedidos a Marina, atri-buindo seu crescimento a vo-tos conservadores e evangé-licos. O voto em Marina, se-gundo Malvezzi, refl etiu mais que isso; representou o des-contentamento de muitos brasileiros em relação ao des-respeito ao meio ambiente, sobretudo no que se refere a grandes obras como a Trans-posição do Rio São Francis-co e o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Be-lo Monte no rio Xingu. “O go-verno Lula avalia mal a ques-tão ambiental. Serra, então, nem sei se avalia”, afi rma.

Pois bem. Marina conquis-tou maior legitimidade, com os 19,33% dos votos válidos no primeiro turno, e seu apoio se tornou objeto de desejo, tanto do lado petista quanto dos tu-canos.

Poucos dias após a realiza-ção do primeiro turno, um de seus principais assessores, Pe-dro Ivo Batista, acenou forte-mente com a possibilidade de

“Não acho que Dilma e Serra sejam iguais. Limão e lima não são iguais, mas ambas são frutas ácidas”

“Serra representa, em nível latino-americano, um aliado do imperialismo e um inimigo de todas as forças populares”

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de 28 de outubro a 3 de novembro de 2010 5

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Dilma Rousseff, Celso Freitas e José Serra durante debate realizado pela Rede Record no dia 26 de outubro

Jorge Araújo/Folhapress

Renato Godoy de Toledo da Redação

AS ELEIÇÕES de 2010 foram marcadas pela forte presença do presidente Luiz Inácio Lu-la da Silva, o primeiro man-datário a fazer campanha pa-ra seu sucessor, vista sua al-ta popularidade. Mas a pre-sença de Lula não foi a única marca dessa campanha: a su-cessão de denúncias e escân-dalos também deu a tônica do debate.

Em conluio com a grande imprensa, os escândalos do governo Lula foram martela-dos diariamente na campa-nha de José Serra. Analistas apontam que esse fator, alia-do ao crescimento de Mari-na Silva, foram fundamentais para levar a disputa para o se-gundo turno.

Quando se imaginava que o reinício da campanha pudesse colocar em voga as diferenças políticas entre as duas can-didaturas, a nova etapa ini-ciou-se com temas retrógra-dos, pondo em dúvida a reli-giosidade de Dilma e a ques-tão do aborto.

No primeiro debate, na Re-de Bandeirantes, a candida-ta petista começou a bater em uma tecla que trouxe um pouco de politização aos de-bates, as privatizações da era Fernando Henrique Cardoso. Serra logo sentiu a investida da campanha petista e passou a desmentir as afi rmações de

que iria privatizar o pré-sal e a Petrobras. Falou até em “rees-tatizar” empresas que hoje es-tariam sobre controle privado de aliados do governo.

Em um segundo debate, na Rede TV!, os escândalos apa-receram apenas nas perguntas dos jornalistas. Os candidatos se concentraram nos temas em que tinham desempenho mais bem avaliado pelas pes-quisas qualitativas dos seus marqueteiros. Dilma fazia as

comparações entre os gover-nos Lula e FHC, enquanto Serra exaltava sua experiência e tentava colar na petista o ró-tulo de “antipaulista”. Aborto e religiosidade saíram de ce-na, exceto nos “graças a Deus” proferidos por ambos.

Bolinha de papelNo entanto, a melhora do

nível da campanha não se consolidou. O “escândalo” da bolinha de papel arremessada

em Serra ocupou o espaço dos programas eleitorais do PT e do PSDB. O Jornal Nacio-nal consultou o perito Ricar-do Molina, da Unicamp, para negar a versão do PT – de que o tucano fora atingido ape-nas por uma bolinha de pa-pel. Serra também foi atingi-do por algo semelhante a um rolo de fi ta, teria desvendado o perito.

Para o sociólogo Rudá Ric-ci, o pleito de 2010 fi cará mar-cado como o de pior nível po-lítico, desde a redemocratiza-ção do país. “Foi, de longe, a pior campanha presidencial desde o fi m do regime mili-tar. Uma campanha rebaixa-da, personalizada, despoliti-zada. O resumo da ópera é a falta de programas de gover-no, pela primeira vez na his-tória dessa disputa. A causa é

a falência do sistema partidá-rio brasileiro: ele não conse-gue mais representar os an-seios da população. Represen-tam os anseios dos fi nancia-dores que, muitas vezes, cho-cam-se com os desejos popu-lares. O que faz uma campa-nha fi car totalmente à mercê dos malabarismos de marque-teiros”, analisa.

Como se não bastasse o re-baixamento do debate polí-tico, a campanha ainda será lembrada por ter reintrodu-zido temas do “submundo” da política no debate eleito-ral, como a criminalização do aborto e a fé religiosa dos can-didatos como pré-requisito para governar o país.

“Para piorar, os temas do ultraconservadorismo, que emergiram no fi nal do pri-meiro turno, abalaram ainda

mais a luta pelos direitos civis em nosso país. Os candidatos se rebaixaram ainda mais pa-ra conquistar lideranças fun-damentalistas. Não abriram o debate. Apenas recuaram”, aponta Rudá.

Fator LulaDesde a redemocratização

do país, um governo termi-nar o mandato na casa dos 80% de aprovação é um fa-to inédito. Lula foi o princi-pal cabo eleitoral da candida-ta do PT e recebeu críticas de adversários e multas da Justi-ça por isso. As últimas pesqui-sas, anteriores ao fechamento desta edição, em 26 de outu-bro, apontavam que Lula con-seguia transferir seus votos a Dilma. Porém, entre aqueles que consideravam seu gover-no como “bom”, os votos eram divididos entre os dois candi-datos.

Para o sociólogo Rudá Ric-ci, essa situação é refl exo da má formação política do Esta-do brasileiro – assunto, aliás, que não foi discutido duran-te o certame. “Sempre hou-ve [“presidente cabo-eleito-ral”], mas não tão declarada-mente. A alta popularidade e o poder cada vez mais centra-lizado no governo federal aca-bam propiciando essa distor-ção”, explica.

Nem segundo turno politizou o debateELEIÇÕES Segundo analista, campanha foi a de nível mais baixo desde fi m da ditadura

“Para piorar, os temas do ultraconservadorismo, que emergiram no fi nal do primeiro turno, abalaram ainda mais a luta pelos direitos civis em nosso país”

O “escândalo” da bolinha de papel arremessada em Serra ocupou o espaço dos programas eleitorais do PT e do PSDB