112
0 Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras METÁFORA E METONÍMIA NAS CONSTRUÇÕES COM ‘PÉ’: UMA ABORDAGEM COGNITIVISTA Neide Higino da Silva Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves Coorientadora: Prof. Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida. Rio de Janeiro Agosto de 2011

METÁFORA E METONÍMIA

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: METÁFORA E METONÍMIA

0

Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras

METÁFORA E METONÍMIA NAS CONSTRUÇÕES COM ‘PÉ’: UMA ABORDAGEM COGNITIVISTA

Neide Higino da Silva

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves Coorientadora: Prof. Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida.

Rio de Janeiro

Agosto de 2011

Page 2: METÁFORA E METONÍMIA

1

Silva, Neide Higino da

Metáfora e Metonímia nas Construções com ‘Pé’: Uma abordagem cognitivista. /

Neide Higino da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2011.

x, f.: 101. il.: 31cm

Orientador: Carlos Alexandre Victorio Gonçalves.

Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas, 2011.

Referências Bibliográficas: f. 97-99.

1. Metáfora e Metonímia. 2. MCI, frame e esquema imagético – O processo de

construção do significado. 3. Forma e Conteúdo. I. Gonçalves, Carlos Alexandre

Victorio II Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa

de Pós-graduação de Letras Vernáculas. III. Título.

Page 3: METÁFORA E METONÍMIA

2

RESUMO METÁFORA E METONÍMIA NAS CONSTRUÇÕES COM ‘PÉ’: UMA ABORDAGEM

COGNITIVISTA

Neide Higino da Silva

Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Prof. Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida.

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Faculdades de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.

Esta dissertação analisa as diversas formações a partir do item lexical ‘pé’ no português do Brasil. Com base no arcabouço teórico da Linguística Cognitiva, principalmente, nas propostas de Lakoff (1987), Lakoff & Johnson (1980), Fillmore (1982) e Croft & Cruse (2004), examinamos os limites e intercessões entre metáfora e metonímia e a relevância dos construtos teóricos MCI, frame e esquemas imagéticos para a construção do significado. A partir dessa fundamentação teórica e das discussões propostas por Basílio (1987, 2000 e [2004] 2006), Mattoso Câmara ([1970] 1996 e [1977] 1981), Monteiro (1986), Rocha ([1998] 2008) e Sandmann ( [1988] 1989 e 1991),verificamos como a mobilidade entre as fronteiras categoriais atinge compostos (‘pé-de-chumbo’), grupos sintáticos (‘pé de meia’) e expressões idiomáticas (‘estar de pé’) e propomos um continuun entre essas formações.

Palavras-chave: Metáfora, Metonímia, Princípio da Invariância, MCI, Frame, Compostos, Grupo sintático, Expressões Idiomáticas.

Rio de Janeiro Agosto de 2011

Page 4: METÁFORA E METONÍMIA

3

ABSTRACT

METAPHOR AND METONYMY IN CONSTRUCTIONS WITH WORD ‘PÉ’: A

COGNITIVE ANALYSIS.

Neide Higino da Silva

Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves

Prof. Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida.

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Vernáculas, Faculdades de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.

This dissertation examines the various formations from the lexical item ‘pé’ in Brazilian Portuguese. Based on the theoretical framework of Cognitive Linguistics, particularly in the proposals of Lakoff (1987), Lakoff & Jonhson (1980), Filmore (1982) and Croft & Cruse (2004), we examined the boundaries and intersections between metaphor and metonymy and the relevance of theoretical constructs such as ICM, frame and image schemas for the construction of meaning. From this theoretical discussions and proposals by Basílio (1987, 2000 e [2004] 2006), Mattoso Câmara ( [1970] 1996 e [1977] 1981), Monteiro (1986), Rocha ([1998] 2008) e Sandmann ( [1988] 1989 e 1991), looked at how the mobility between categorial boundaries reaches compounds (‘pé-de-chumbo’), syntactic groups (‘pé de meia’) and idioms (‘estar de pé) and we propose a continuum among these formations. Keywords: Metaphor, Metonymy, Invariance Principle, ICM, Frame, Composite, Syntactic Group, Idioms.

Rio de Janeiro Agosto de 2011

Page 5: METÁFORA E METONÍMIA

4

SINOPSE Estudo de construções metafóricas

e metonímicas com a palavra ‘pé’.

Verificação de limites entre

categorias, segundo os princípios

da Linguística Cognitiva

Page 6: METÁFORA E METONÍMIA

5

À Alexandre Borges, um incentivador sem igual.

Page 7: METÁFORA E METONÍMIA

6

AGRADECIMENTOS A Deus por tudo. Ao meu marido Alexandre Borges por fazer-me acreditar que era hora de trilhar este novo caminho acadêmico e incentivar-me a todo momento. Aos meus pais pelo imenso amor e pelo suporte dado sempre que preciso. Aos meus familiares, de forma particular, aos meus irmãos, Antônio Carlos e Gilcimar, e também aos meus amigos por terem compreendido a minha ausência, em função da minha dedicação quase que religiosa a esta pesquisa. Ao meu orientador, professor Carlos Alexandre, pela gentileza, pelo acolhimento, pela paciência, pelas palavras animadoras e pela orientação impecável. À minha co-orientadora, professora Maria Lúcia, pela credibilidade depositada em mim quando eu ainda era apenas uma aluna especial do mestrado, pela paciência com que me apresentou a Linguística Cognitiva. Aos meus amigos integrantes do NEMP, sem exceção, os meus agradecimentos. À amiga Katia Emmerick Andrade pela afeição, pela generosidade em doar várias horas do seu tempo para escutar, para ler os meus textos, pela troca de ideias, pela solidariedade e pelas palavras de entusiasmo. Obrigada!

Page 8: METÁFORA E METONÍMIA

7

“O ser das significações verbais é seu

dizer e sua existência é seu dito.

Havemos, portanto, de interrogar as

formas para chegar ao sentido.”

(IRÈNE TAMBA-MECZ)

Page 9: METÁFORA E METONÍMIA

8

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 9

2. METÁFORA E METONÍMIA 12

2.1 Metonímia-Metáfora: Continuum 19

2.2 Mapeamento Central e Princípio da Invariância 29

2.3 Conclusão 31

3. MCI, FRAME E ESQUEMA IMAGÉTICO – O PROCESSO

DE CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO

33

4. FORMA E SIGNIFICADO 45

4.1 Palavra 45

4.2 Composição 48

4.3 Composição x Grupo Sintático 52

4.4 Estrutura dos Compostos 57

4.5 Modelo V + S 61

4.6 Modelo S + S 62

4.7 Os modelos S +de+S e S+A 63

4.8 Modelos Prototípicos e Periféricos 64

4.9 Grupos sintáticos x Expressões idiomáticas 65

4.10 Expressões idiomáticas 68

4.10.1 “Encoding idiom” x “decoding idiom” 68

4.10.2 “Grammatical” x “Extragrammatical” 70

4.10.3 “Substantive” x “Formal” 71

4.11 Composicionalidade 85

5. CONCLUSÃO 94

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 97

7. ANEXOS 100

Page 10: METÁFORA E METONÍMIA

9

1. INTRODUÇÃO

Com base no quadro teórico da Linguística Cognitiva (LAKOFF & JOHNSON,

1980; LAKOFF, 1987; FILMORE, 1982; CROFT & CRUSE, 2004), o presente trabalho

analisa as diversas formações a partir do item lexical ‘pé’ em português, a exemplo de ‘pé

de cabra’ (“tipo de ferramenta”), ‘meter o pé’ (“ir embora”) e ‘com os pés nas costas’

(“facilmente”), por meio desse corpus, observamos os limites entre construções

metafóricas e metonímicas, uma vez que o caráter difuso entre as categorias é defendido

por esse aporte teórico. Através desta investigação, pretende-se discutir se essa ausência de

limites precisos atinge as metáforas e as metonímias, a ponto de haver uma imbricação

entre ambas.

Considerando que a categorização é “um mecanismo de organização da informação

obtida a partir da apreensão da realidade, que é em si mesmo variada e multifacetada”

(CUENCA & HILFERT, 1999: 32-33) e que, segundo essa perspetiva, as categorias não

estão encerradas em compartimentos estanques1, diferenciadas precisamente, analisar-se-á

como a mobilidade entre as fronteiras categoriais atinge compostos (‘pé-de-chumbo’),

grupos sintáticos (‘pé de meia’) e expressões idiomáticas (‘estar de pé’). Especificamente,

serão examinadas formações com o item lexical ‘pé’, levando em consideração que

metáfora e metonímia são processos de construção e reconstrução do conhecimento. Nessa

perspectiva, a significação provém da relação entre falante e ouvinte, tornando a interação

possível porque ambos estão situados em um contexto social e cultural, relacionando-se

com o mundo através de sua experiência corpórea. Sob esse enfoque, define-se linguagem

como uma atividade comunicativa produzida e produtora da cultura e da sociedade.

1 Esta posição da Linguística Cognitiva é um questionamento ao modelo clássico, aristotélico, de categorização que julga elementos da mesma categoria somente aqueles que possuem propriedades comuns. (cf. LAKOFF, 1990: 6)

Page 11: METÁFORA E METONÍMIA

10

A pesquisa evidencia a dimensão onomasiológica dos estudos semânticos na

medida que, ao observar a categorização, busca-se a nomeação de entidades, neste caso por

meio de expressões formadas a partir do vocábulo ‘pé’, via processos onomasiológicos de

formação de palavras e expressões da língua.

O trabalho se estrutura da seguinte forma: no capítulo 2, são discutidos os conceitos

de metáfora e metonímia e as interações entre esses processos, que podem levar à

formação de um continuum metáfora – metonímia, aqui ratificado por meio da análise das

diversas construções com ‘pé’ examinadas. Em seguida, no capítulo 3, são apresentados e

discutidos três construtos teóricos da Linguística Cognitiva – MCI (modelos cognitivos

idealizados), frame e esquema imagético – diretamente relevantes para a construção do

significado das formações com base no item lexical ‘pé’. No capítulo 4, por fim, abordam-

se as questões que envolvem a relação forma e significado, no que tange à definição de

compostos, grupos sintáticos e expressões idiomáticas. Também nesse capítulo, discutem-

se as relações fronteiriças entre essas categorias e a proposição de um continuum para o

exame das construções a partir de ‘pé’.

O corpus analisado é constituído (a) de verbetes do Dicionário Eletrônico Houaiss e

do Novo Dicionário Eletrônico Aurélio da Língua Portuguesa, (b) informações recolhidas

através da internet, sobretudo o Google, e (c) palavras e expressões por nós ouvidas em

situações comunicativas variadas.

Inicialmente, todas as ocorrências registradas nos dicionários tomados como

referência foram examinadas, observando-se, a seguir, os seus usos reais no atual estágio

da língua. Além do conhecimento do analista sobre o português, uma das formas para

verificar o uso dos compostos e expressões consideradas incomuns, como ‘fazer pé de

alferes’, ‘petipé’, ‘bolapé’, ‘cangapé’, ‘chapa de pé’, ‘guarda-pé’, ‘pé-de-ouro’ e ‘a pé

quedo’, entre tantos outros, foi a pesquisa pela internet, apenas em páginas do Brasil, por

Page 12: METÁFORA E METONÍMIA

11

meio do Google. Desse modo, integram o corpus apenas expressões que possuem até 10

ocorrências diferentes, excluindo-se, para tanto, os registros de páginas de dicionários.

O Google também foi a ferramenta utilizada para recolher dados não encontrados

nos dicionários, a exemplo de ‘pé de página’, ‘nota de rodapé’, ‘meter o pé’ e ‘pé da meia’.

Após essa primeira filtragem, os dados foram divididos, numa perspectiva semântica, entre

os de construção metafórica, metonímica, metonímicas com origem metafórica e

metáforicas com origem metonímica. Na segunda organização, considerando a forma,

dividiram-se os dados, compostos e expressões idiomáticas, de acordo com suas estruturas

de formação. Com isso, pretendemos, a partir da descrição das construções com ‘pé’,

fornecer uma análise sobre as motivações semânticas para a criação de compostos (’pé

frio’, ‘pé direito’) e expressões fixas (‘lamber os pés’, ‘fazer pé firme’) e semiabertas

(‘com o pé direito’ e ‘ficar no pé de’), esperando, desse modo, contribuir para os estudos

desenvolvidos no âmbito do NEMP – Núcleo de Estudos Morfossemânticos do Português.

Page 13: METÁFORA E METONÍMIA

12

2. METÁFORA E METONÍMIA

A abordagem tradicional trata a metáfora e a metonímia como figuras de linguagem

ou como artifícios retóricos de embelezamento da linguagem. No entanto, a partir de

Lakoff & Jonhson (1980), ambas têm sido evidenciadas como processos cognitivos

geradores de conhecimento, por meio de experiências humanas: físicas, culturais e sociais.

O ser humano percebe e classifica a realidade e essa classificação é feita tendo as

semelhanças e as diferenças como referências. Consideram-se semelhantes os elementos

que possuem entre si algum atributo comum e, por isso mesmo, são arrolados na mesma

categoria; elementos diferentes, ou seja, os que perderam qualquer grau de interseção entre

si, são dispostos em categorias distintas. Elementos que possuem familiaridade,

semelhança pertencem ao mesmo domínio do conhecimento e aqueles que não possuem

nenhuma familiaridade, semelhança, a domínios de conhecimento diferentes. Como aponta

Lakoff,

“Categorização não é uma questão a ser tratada superficialmente. Não há nada mais básico do que a categorização de nosso pensamento, percepção, ação e discurso. Toda vez que vemos algo como um tipo de coisa, por exemplo, uma árvore, estamos categorizando. Sempre que raciocinamos sobre os tipos de coisas - as cadeiras, as nações, as doenças, as emoções, qualquer tipo de coisa - estamos empregando categorias”2 (LAKOFF, [1987] 1990: 5)

A metáfora e a metonímia vão funcionar de acordo com as relações estabelecidas

entre e dentro das categorias. Através da metáfora, busca-se correspondência, similitude,

2 “Categorization is not a matter to be taken lightly. There is nothing more basic than categorization to our thought, perception, action, and speech. Every time we see something as a kind of thing, for example, a tree, we are categorizing. Whenever we reason about kinds of things – chairs, nations, illnesses, emotions, any kind of thing at all – we are employing categories” (LAKOFF, 1990: 5)

Page 14: METÁFORA E METONÍMIA

13

entre elementos de domínios diferentes e pela metonímia, uma relação contígua entre

elementos do mesmo domínio.

Na organização do saber, o ser humano procura ancorar os novos conhecimentos

naqueles já adquiridos. Na metáfora, usa-se um pano de fundo diferente do original para

tornarem-se translúcidos os conceitos que não são familiares. Um domínio (domínio

origem, nos termos de LAKOFF, [1987] 1990: 288) empresta seus conceitos a outro domínio

(domínio destino, ainda nos termos de LAKOFF, [1987] 1990: 288), e sobre este se projetam

os conceitos do primeiro. Por exemplo, em um enunciado como “A eleição é um jogo”, os

conceitos de ‘jogo’ (domínio origem) são projetados sobre os de ‘eleição’ (domínio

destino). Isso se faz possível, graças às correspondências parciais (parcial, já que a total

trataria do mesmo elemento, constituindo uma tautologia) entre eles; por isso, é possível

tomar ‘eleição’ por ‘jogo’, uma vez que “a essência da metáfora é entender e experimentar

um tipo de coisa em termos de outra” (LAKOFF e JONHSON, [1980] 2007: 41).

A partir de exemplos retirados de páginas da internet, tendo como ferramenta de

referência o Google, analisar-se-á a conexão entre os domínios – acionados na construção

de sentido – de expressões como as que se seguem:

a. “Me disseram que comer pé de galinha bem cozidinho, repõe o

colágeno da pele, será que isso é verdade?”

(br.answers.yahoo.com/question/index?qid)

b. “Refogar o pé de porco, na panela de pressão, com metade da cebola e

o alho. Cubra com água e deixe cozinhar até soltar do osso.”

(http://receitas.maisvoce.globo.com)

Em “pé de galinha” e “pé de porco”, o domínio destino opera com o conceito de

“pata” que, de acordo com o Dicionário Eletrônico Houaiss, “é cada um dos apêndices

Page 15: METÁFORA E METONÍMIA

14

pares de um animal, especialmente vertebrado ou artrópode, usado para locomoção ou

apoio do corpo”. O ser humano, partindo de sua experiência corpórea, reconhece a

semelhança entre as extremidades dos membros inferiores dos animais e as suas, já que

aquelas estão na parte inferior do corpo, sendo responsáveis pela sustentação, locomoção,

equilíbrio e manutenção da verticalidade do corpo, assim como no seu. A projeção dessas

características do domínio origem sobre o domínio destino é que permite o conceito

metafórico. Observa-se que são projetadas as familiaridades entre os domínios e não o

conceito de pé de acordo com a anatomia: “Cada uma das duas extremidades inferiores,

uma em cada membro inferior, constituídas de tarso, metatarso, e falanges dos

pododáctilos, respectivas articulações, e partes moles que recobrem as ósseas” (Novo

Dicionário Aurélio eletrônico). Do contrário, tratar-se-ia de incoerência. Passemos à

descrição do exemplo em (c), a seguir:

c. “3 jul. 2010 ... Pra completar a minha mesa de vidro da sala veio com o

pé da mesa quebrado” (www.reclameaqui.com.br/.../nao-querem-

trocar-o-pe-da-mesa-de-vidro-que-veio-quebrado)

Em ‘pé da mesa’, suporte do objeto, o domínio origem projeta sobre o domínio

destino as ideias de parte inferior, equilíbrio, força e sustentação. No entanto, não cabem

aqui os conceitos de verticalidade e locomoção. Em ‘rodapé’, barra que se coloca ao longo

das paredes, é projetada a imagem de parte inferior, como se vê em (d), a seguir,.

d. “Qual é a altura ideal para o rodapé? Ele deve combinar com o piso, a

parede ... A vantagem, neste caso, é que o rodapé pode disfarçar os

pontos elétricos ...” (revistacasaejardim.globo.com/.../0,,emi72758-

16792,00-rodape+qual+e+a+altura+recomendada.html)

Page 16: METÁFORA E METONÍMIA

15

Em “pé de vento”, em (e) abaixo, o domínio origem projeta aspectos da locomoção,

da força e da rapidez, disponíveis em ‘pé’, sobre o domínio destino.

e. “14 set. 2010 ... Um pé de vento que mais parecia um furacão pegou a

gente no meio do caminho.”

(rodrigojacutinga.com.br/index.php?option=com)

O quadro a seguir ilustra o processo acima descrito.

Figura 1: Projeção entre domínios

O conceito de ‘pé’ possui diversos aspectos – suporte, verticalidade, força, locomoção,

parte inferior, rapidez e equilíbrio – que podem ser aferidos nas múltiplas experiências

Pé Cada uma das duas extremidades inferiores, uma em cada membro inferior (humano)

Domínio Origem

Apoios sobre os quais se sustenta o

tampo da mesa

Domínios Destinos

Suporte Verticalidade Força Locomoção Parte inferior Rapidez Equilíbrio

Pontos de contato

Vento repentino e veloz

Pata da galinha Pata do porco

Barra colocada na parte inferior das

paredes

Page 17: METÁFORA E METONÍMIA

16

corporais com o membro inferior. No gráfico acima, todas essas perspectivas estão

relacionadas em pontos de contato, que também podem ser compreendidos como

semelhanças, familiaridades entre os diferentes domínios destinos e o domínio origem. A

projeção dá-se da origem para o destino; contudo, o destino seleciona os pontos que são

pertinentes ao conceito que se deseja construir. Como assinalam Lakoff & Jonhson,

“A mesma sistematização que nos permite compreender um aspecto de um conceito em termos de outro (....) necessariamente há de ocultar outros aspectos do conceito em questão. (....) um conceito metafórico pode impedir que nos concentremos em outros aspectos do conceito que são inconsistentes com essa metáfora”. ( LAKOFF & JONHSON, [1980] 2007: 46)

Retornemos ao exemplo (e), apresentado mais acima. Em ‘pé de vento’, aspectos

como parte inferior, sustentação, equilíbrio e manutenção da verticalidade, presentes no

domínio origem, são ocultados, já que são incoerentes com o fenômeno natural e com a

característica que se deseja focar no domínio destino.

Essa correspondência entre os domínios origem e destino é assegurada pelo

Princípio da Invariância, que estabelece a conexão entre esses “conjuntos de

conhecimentos estruturados” (MARTELOTTA & PALOMANES, 2008: 184), através do

mapeamento direcionado, necessariamente, do domínio origem para o domínio destino,

conservando a estrutura cognitiva do domínio origem de forma consistente com a estrutura

inerente do domínio destino. A preservação da estrutura do domínio destino restringe

formações incoerentes.

Barcelona (2000) acredita que esse princípio vem elucidar duas fundamentais

características do mapeamento metafórico:

Page 18: METÁFORA E METONÍMIA

17

1. “O fato de que tem de haver um grau de correlação estrutural, em alguma dimensão semântica, entre a estrutura semântica da origem e a do destino, que permite que a primeira seja projetada sobre a segunda; esta correlação é descoberta ou criada com base na experiência.

2. O fato de que a estrutura semântica do domínio destino restringe o mapeamento.” 3 ( BARCELONA, [2000] 2003: 45).

Diferentes das construções metafóricas, as metonímicas surgem dentro do mesmo

domínio cognitivo, operando com elementos que pertencem à mesma categoria. Entre eles,

existe uma hierarquia, pois há elementos que possuem informações gerais, básicas e

específicas. As básicas são aquelas que facilitam a apreensão, já que respeitam o princípio

da economia linguística, pois são relevantes, informativas e ativam dados da mesma

categoria. Um conhecimento estende-se a outro que está no mesmo domínio do saber.

Parte-se de um ponto de referência para algum elemento a ele relacionado. No exemplo ‘O

Palácio do Planalto divulgou nota’, o ponto de referência é o local, Palácio do Planalto, e o

elemento relacionado, neste caso o agente, a quem, metonimicamente, é comum referir-se

como o porta-voz da presidência. O ponto de referência é a entidade explícita, básica, que é

focalizada, isto é, para a qual se dirige a atenção, por meio da qual se acessa, por uma

relação de contiguidade, a entidade implícita, a ele relacionada. De forma mais clara,

Lakoff e Jonhson ([1980] 2007:73) afirmam que “(...) utilizamos uma entidade para

referirmo-nos a outra que está relacionada a ela. Isto é o que denominamos metonímia”.

Os exemplos a seguir ilustram a relação de contiguidade entre o ponto de referência

“pé” – extremidade dos membros inferiores do corpo humano – e várias entidades

relacionadas a ele, de acordo com o elemento implícito acessado em cada composto. Em

‘arrasta-pé’, um tipo de dança, ativa-se o corpo, assim como em ‘pé de valsa’, atributo para

um exímio dançarino. Já em ‘pé da meia’, peça do vestuário, a entidade implícita é um dos

3 “ (1) The fact that there has to be a deg5ree of structural correlation, on some semantic dimension, between the semantic structure of the source and that of the target, which allows the former to be projected onto the latter; this correlation is either discovered or created on the basis of experience. (2) The fact that the semantic structure of the target domain constrains the mapping”.

Page 19: METÁFORA E METONÍMIA

18

pares dessa vestimenta. Em ‘pés’, é a medida. Esses e outros exemplos são arrolados no

quadro abaixo, que ratifica o processo metonímico. Nesse quadro são utilizadas as

abreviações EE, para entidade explícita, e EI, para entidade implícita.

A parte pelo todo

Pé pelo corpo

EE EI

Ø Pé inchado (ébrio)

Ø Pé frio

Ø Pé na lama

A parte do corpo pelo movimento

Pé pela característica do movimento

EE EI

Ø Pé na tábua

Ø Arrasta-pé

Ø Pé de valsa

O produtor pelo produto

Pé como referência para medida

EE EI

Ø Pés

O conteúdo pelo objeto

Pé e os objetos utilizados nele.

EE EI

Ø Pé da meia

Ø Pé de sapato

Quadro 1: Relações entre entidades explícitas e entidades implícitas

Page 20: METÁFORA E METONÍMIA

19

Essas características da metáfora e da metonímia são fundamentais para a

compreensão da proposta de continuum entre esses dois processos cognitivos, o que é

demonstrado na seção seguinte.

2.1 Metonímia-Metáfora: Continuum

Segundo Croft & Cruse ([2004] 2009:218), embora as abordagens lakoffianas

tenham feito a distinção entre metáfora e metonímia, elas evidenciam que a metonímia

pode ter uma função vital na origem das expressões metafóricas. Os autores (op.cit)

demonstram como ocorre a interação entre os dois processos através da análise da metáfora

RAIVA É CALOR. No centro dessa metáfora, está a relação metonímica entre o

sentimento da raiva e o aumento da temperatura corporal gerada pelo sentimento. Dessa

forma, pode-se referir à raiva por meio do calor. Surge, então, o conceito metafórico,

elaborando a raiva como um líquido, em um recipiente fechado, sob o efeito do fogo.

Outro exemplo é a metáfora MAIS É ACIMA, que tem como origem a metonímia

nascida do conhecimento factual de que o acúmulo de objetos na vertical os faz atingir

maior altura. A partir dessa imagem, a metáfora pode ser aplicada em casos como ‘preços

altos’ e ‘temperatura alta’. Assim, metáfora e metonímia contribuem na construção da

interpretação.

Nos casos apresentados, facilmente, distingue-se a colaboração dos dois processos;

porém, há outros em que ocorre indeterminação entre metáfora e metonímia. O exemplo

sugerido pelos autores, “O carro parou em frente à padaria”, apresenta três possibilidades

de interpretação. A primeira, mais básica, seria a seguinte: “o carro estando em uma

ladeira, em função de uma falha no freio, desloca-se indo parar em frente a uma padaria”.

Na segunda, de base metonímica, o carro é tomado para referir-se ao motorista. Na

terceira, metafórica, confere-se vida ao carro e esse locomove-se.

Page 21: METÁFORA E METONÍMIA

20

O mesmo pode ser observado em expressões idiomáticas envolvendo o item lexical

’pé’, como, por exemplo, ‘ficar no pé de (alguém)’, ‘pegar pelo pé’, ‘estar com o pé na

cova’ e ‘não arredar o pé’, que podem ter uma interpretação básica, metonímica e

metafórica.

A interpretação básica para “ficar no pé de (alguém)” seria a seguinte: algo está

posicionado sobre o pé de uma pessoa, incomodando-a; já a metonímica corresponderia à

seguinte leitura: algo/alguém permanece muito próximo do corpo de uma pessoa,

acionando a metonímia PARTE PELO TODO, em que ‘pé’ é a entidade explícita e o

corpo, a entidade implícita. Por fim, a interpretação metafórica, fundamentada na

experiência corpórea da locomoção, que requer liberdade dos pés para o movimento,

estaria relacionada a uma cena na qual algo/alguém se posiciona irregularmente nos pés de

uma pessoa, dificultando a locomoção; surge, então, a metáfora “molestar com pedidos

insistentes”.

Em ‘pegar pelo pé’, pode ser dada a seguinte interpretação básica: “segurar, agarrar

alguém pela extremidade dos seus membros inferiores”. Já a metonímica seria “atingir ou

alcançar uma pessoa”; e a metafórica, “surpreender, conter e criticar o adversário”. A

experiência corpórea indica que segurar alguém pelo pé é impedir sua locomoção e ainda

desequilibrar a base de sustentação – uma crítica pode tanto apanhar despreparado o

adversário, como desequilibrá-lo emocionalmente.

Em ‘estar com o pé na cova’ e ‘não arredar pé’, as interpretações básicas seriam,

para primeira, “estar ereto com os pés dentro ou acima de uma sepultura”; para segunda,

“não remover o pé do lugar”. As metonímicas corresponderiam, nessa ordem, a “estar com

todo o corpo debilitado” e “não deslocar o corpo”. Por fim, as metafóricas remeteriam,

respectivamente, a “estar à beira da morte” e “não mudar de opinião”.

Page 22: METÁFORA E METONÍMIA

21

Diante de tais exemplos, fica a questão: é possível, de fato, separar os processos

metafóricos e metonímicos?

Fundamentada em Goosens (2002) e Barcelona (2000), Zhuo Jing-Schimidt (2008:

242) afirma que, na conceptualização linguística, metáfora e metonímia são dificilmente

separadas e, em função, cada vez mais, da íntima relação entre os dois processos, são

considerados constituintes de um continuum, ao invés de uma distinção binária.

Barcelona (2000), remetendo-se à Kövecses (2000), mostra por que esses processos

podem ser entendidos como polos de um continuum. Kövecses ([2000] 2003:50) concebe a

metáfora como um “conhecimento central” advindo do domínio origem, isto é, um

conjunto de subdomínios, que participa principalmente na metáfora através de imposição

de um ou vários focos de significados sobre o domínio destino.

Entende-se por “conhecimento central” aquele que é convencional, genérico,

intrínseco e característico, tendo em conta a classe de entidades ou eventos designados por

uma expressão linguística particular (KÖVECSES, [2000] 2003: 82). Esse “conhecimento”

é acessado por meio da decomposição da metáfora genérica em metáforas específicas

(subdomínios). Esse procedimento é denominado de “mapeamento central”, uma vez que

mapeia o “conhecimento central” do domínio origem para o domínio destino. Pode-se,

então, comparar esse processo com a relação intradominial da metonímia, como afirma o

próprio autor em nota: “se o conhecimento formador da metáfora é central, isto é, um

conhecimento parcial, então tal conhecimento é um tipo de base metonímica para

metáfora”4.

Kövecses (op.cit) apresenta a metáfora genérica (metáfora conceptual, segundo

Lakoff & Johnson , 1980) SISTEMAS COMPLEXOS SÃO EDIFÍCIOS, que pode ser

decomposta em outras metáforas específicas: CRIAÇÃO É CONSTRUÇÃO, 4 “Incidentally, if the knowledge that primarily participates in metaphor is central, i.e., partial, knowledge, then we can see in this one kind of metonymic basis for metaphor.” (cf. KÖVECSES, [2000] 2003:91)

Page 23: METÁFORA E METONÍMIA

22

ESTRUTURA ABSTRATA É ESTRUTURA FÍSICA e ESTABILIDADE ABSTRATA É

FORÇA FÍSICA. Os conceitos do domínio origem, da metáfora SISTEMAS

COMPLEXOS SÃO EDIFÍCIOS, que foram projetados no domínio destino, seguem

abaixo:

Domínio Origem Domínio Destino a) edifícios sistema complexo b) construindo o edifício criando ou desenvolvendo o sistema c) a fundação do edíficio a base do sistema d) a construção do edifício a criação do sistema e) força da construção estabilidade do sistema f) estrutura física estrutura abstrata.

(cf. KÖVECSES, [2000] 2003: 83)

Das noções relacionadas, segundo o autor, o principal significado convencional do

conceito de edifício, do domínio origem, que será mapeado no domínio destino, é

construção de edifício forte. Os constituintes básicos desse mapeamento são os

apresentados acima. No entanto, há uma gradação entre eles, sendo uns mais importantes

que outros e, por isso, considerados “conhecimentos centrais”, devendo ser projetados no

domínio destino para a composição da metáfora genérica. São eles os representados pelas

letras (b), (e) e (f).

Kövecses (op.cit) salienta que a relação apresentada entre domínio origem e

domínio destino, que ele chama de “mapeamento central”, não deve ser confundida com o

Princípio da Invariância, pois este estabelece que a “estrutura imagem-esquemática5” da

origem, que é consistente com a “estrutura imagem-esquemática” do destino, seja

projetada no destino. Já o “mapeamento central” é a identificação do “conhecimento

5 A estrutura imagem - esquemática são “esquemas genéricos, configurações de natureza mais ampla, global, abstrata, e, portanto, mais flexíveis em suas aplicações” (MARTELOTTA E PALOMANES 2008: 186).

Page 24: METÁFORA E METONÍMIA

23

central”, isto é, do principal significado-foco do domínio origem a ser projetado sobre o

domínio destino.

Barcelona ([2000] 2003:51), citando Joseph Grady (1997), observa que a projeção

dá-se diante de uma motivação experiencial baseada em uma correlação experiencial, isto

é, as partes relevantes do domínio origem são escolhidas de acordo com a motivação

experiencial e a correlação entre os domínios baseia-se em algum elemento saliente na

estrutura abstrata: sua funcionalidade, ou seja, sua relevância em algum contexto. Segundo

Barcelona ([2000] 2003: 51), as correlações são uma espécie de operação metonímica, já

que elas implicam uma abstração da “estrutura imagem-esquemática” de ambos, domínios

origem e destino, para selecionar suas similaridades.

A partir dessa perspectiva de investigação, analisamos algumas estruturas lexicais e

expressões idiomáticas com a palavra ‘pé’, retiradas do quadro 3. Por exemplo, a expressão

metafórica ‘cair de pé’ origina-se da metonímia PARTE PELO TODO, nesse caso, o ‘pé’

pelo ‘corpo’. A metonímia surge da experiência corporal indicada pelo verbo ‘cair’. O

corpo, em virtude de um desequilíbrio, vai ao chão, o que, socialmente, pode ser

considerado uma situação vexatória; no entanto, sofrer um desequilíbrio e manter-se ereto

demonstra habilidade, podendo ser chamado de uma quase-queda. A expressão reúne,

portanto, duas ideias paradoxais: a de queda, expressa pelo verbo ‘cair’ e, por meio da

locução, ‘de pé’, a de verticalidade, informando que o corpo ainda está ereto, apesar de

quase derrubado.

Portanto, ‘cair de pé’ envolve a queda, mas exclui o vexame. Essa imagem evoca

duas metáforas conceptuais: MAL É PARA BAIXO, em função do verbo, e BEM É PARA

CIMA, relacionada à locução ‘de pé’. A locução tem um forte caráter modificador,

amenizando o sentido do verbo e centrando a informação da expressão no fato de ficar

ereto, o que leva à noção de dignidade.

Page 25: METÁFORA E METONÍMIA

24

‘Lamber os pés’ é uma expressão metafórica que também advém de uma metonímia

oriunda da associação física entre partes do corpo, a língua e o pé. O verbo ‘lamber’ indica

ação de passar a língua sobre algo. A língua é um órgão que contribui com a deglutição e

degustação, situado na boca, parte superior do corpo, com a qual se tem mais asseio e

higiene. Já o pé, parte mais inferior do corpo, no que tange às orientações espaciais, está

em contato direto com o solo e suas impurezas, sendo, consequentemente, menos limpo.

Portanto, tal gesto representa uma postura de completa submissão. A partir dessa

experiência corporal, é possível construir a imagem que remete à metáfora MENOS É

PARA BAIXO.

A expressão ‘um pé lá e outro cá’, assim como a expressão ‘cair de pé’, surge da

metonímia PARTE PELO TODO, isto é, o ‘pé’ pelo ‘corpo’, oriunda da experiência física

da impossibilidade de um corpo estar em dois lugares ao mesmo tempo. Essa incapacidade

humana pode ser minimizada através de um deslocamento muito rápido, em um tempo

muito curto, causando a impressão de se estar em dois locais ao mesmo tempo.

É possível realizar a mesma análise com os compostos ‘pé sujo’, ‘pé frio’ e ‘pé de

meia’ (economias). Nesses casos, remete-se ao sentido nuclear de ‘pé’, “extremidade do

membro inferior abaixo da articulação do tornozelo e terminada pelos artelhos, assentada

por completo no chão, e que permite a postura vertical e o andar” (Dicionário Houaiss

Eletrônico), e o segundo elemento, de cada expressão, modifica o seu sentido nuclear:

‘sujo’ indica impureza e, por extensão metafórica, sordidez e indignidade. Dessa forma,

‘pé sujo’ pode referir-se à pessoa muito pobre e a um botequim de baixa categoria. ‘Frio’

informa uma condição térmica corporal desconfortável, já que nessas circunstâncias a

temperatura corporal interna e a temperatura externa ao corpo não estão equilibradas.

Portanto o estado de frio está associado a falta de sorte, ao azar,. Logo a pessoa que possui

tal característica, ‘pé frio’, é azarado. Em ‘pé de meia’, inicialmente, tem-se a metonímia O

Page 26: METÁFORA E METONÍMIA

25

CONTINENTE PELO CONTEÚDO, em que a peça de roupa é tomada pela parte que

cobre; consequentemente, em função do hábito de guardar dinheiro nessa peça, essa prática

levou a designar economias como ‘pé de meia’, ainda que tal prática não se realize mais

essa é a motivação para o uso da expressão.

A sistematização do continuum parte do polo metonímico para o metafórico. Lakoff

& Jonhson ([1980] 2007:77-78) afirmam que metáfora e metonímia são, ambos, processos

cognitivos fundamentados na experiência humana. Contudo, ressaltam que os conceitos

metonímicos são mais translúcidos que os metafóricos, já que costumam conduzir a

associações físicas ou causais diretas, enquanto os sistemas conceptuais das culturas e das

religiões são de natureza metafórica. Portanto, o continuum parte de experiências físicas

até as culturais. Entre um polo e outro, surgem dois tipos de interações, segundo Barcelona

([2000] 2003:10):

(1) Metonímias motivadas conceptualmente por metáforas;

(2) Metáforas motivadas conceptualmente por metonímias.

No entanto, o autor afasta o primeiro caso, argumentando que é bastante

problemático e constitui um real desafio para a teoria da metáfora. A posição é ratificada

por Günter Radden ([2000] 2003:93), para quem metáforas elaboradas a partir de

processos metonímicos são mais básicas e naturais que metonímias com bases metafóricas.

Os quadros a seguir apresentam exemplos de construções lexicais e/ou expressões

idiomáticas genuinamente metonímicas, genuinamente metafóricas e metafóricas

motivadas conceptualmente por metonímias.

Metonímias Significados A pé Caminhando

Arrasta-pé Baile popular onde predominam músicas e ritmos como forró, o samba etc.; bate-

Page 27: METÁFORA E METONÍMIA

26

chinela; arrasta; arrastado.

Pé Unidade de comprimento do sistema anglo-saxão, correspondente a 12 polegadas e equivalente, no sistema métrico decimal, a 30, 48cm.

Pé da cama Parte do leito oposta à cabeceira.

Pé da Meia Um dos pares da peça de malha, ou algodão, ou lã feita para cobrir o pé.

Pé de chumbo

Pessoa que não progride na vida, apesar de tudo lhe ser favorável; zé-ninguém.

Pé de valsa Exímio dançarino.

Pé na tábua Expressa estímulo a que se dirija um veículo com maior velocidade.

Quadro 2: Construções genuinamente metonímicas

Metáfora Significados Encher o pé Chutar a bola com muita força

Pé Pata

Pé Parte inferior de um objeto por meio da qual ele se sustenta

Pé Segmento da folha que a prende ao ramo ou tronco.

Pé Altura da água (do mar, de rio, etc) em relação à altura de uma pessoa, de modo que o pé toque no chão e a cabeça fique de fora.

Pé Parte inferoposterior da cabeleira

Pé Parte inferior de página, livro, lombada, fôrma, tabela ou chapa tipográfica

Pé-d’água Chuva forte, repentina e de pouca duração; aguaceiro.

Pé da cama Base que sustentam a cama

Pé de cabra Alavanca de ferro cuja extremidade é fendida à semelhança de um pé de cabra.

Pé de galinha Conjunto de rugas no canto externo dos olhos.

Pé de ouvido Tapa num lado da cabeça.

Pé de página

Nota que se coloca abaixo da página e que é extensão (observação, informação bibliográfica, explicação etc.) de algo dito, geralmente, nessa mesma página

Pé de pato Calçado de borracha, em forma de pé de

Page 28: METÁFORA E METONÍMIA

27

Quadro 2: Construções genuinamente metafóricas

Metáforas motivadas por Metonímias

Expressões linguísticas

Significado

A pé Locomover-se em transporte coletivo

Apertar o pé Apressar o passo

Bater o pé Opor-se insistentemente

Botar o pé na forma. Treinar exaustivamente para adquirir precisão nos chutes e passes.

Botar o pé no mundo Fugir

Busca pé Peça de fogo de artifício composta de um canudinho cheio de pólvora lenta e vedado de um dos lados o qual, aceso, serpeia pelo chão, preso a uma delgada flecha de bambu ou madeira fina, como que atrás dos pés das pessoas, e que frequentemente contém um explosivo leve.

Cair de pé Manter-se combativo

Com (o) pé atrás = Dé pé atrás Desconfiadamente

Com o pé direito Com sorte

pato, que os nadadores e mergulhadores adaptam aos pés para se deslocarem com rapidez maior dentro da água.

Pé de vento Vento forte ou rajada de vento.

Pé direito Pilar ou muro sobre o qual assenta um arco, uma abóboda. Altura livre de um andar de edifício, medida do piso ao teto

Monopé Suporte portátil, com três escorra, para câmara fotográfica.

Rodapé Artigo inserido na margem inferior da página de jornal, revista ou livro, de um cartaz, anúncio, geralmente, com medidas e/ou corpo menores e separado por um fio horizontal

Sopé Parte inferior de encosta, muro, etc.

Tripé Suporte portátil, com três escorra, para câmara fotográfica.

Page 29: METÁFORA E METONÍMIA

28

Com o pé esquerdo Com azar

Com os pés nas costas- Com um pé nas costas

Com grande facilidade

Em pé de guerra Com os ânimos exaltados

Em pé de igualdade No mesmo nível

Estar com o pé na cova Estar à beira da morte

Está de pé Firme, irredutível

Fazer pé firme Insistir

Ficar no pé de (alguém) Molestar com pedidos insistentes

Finca-pé Estabelecer-se em algum lugar

Ir num pé Dirigir-se a algum lugar com toda rapidez

Ir num pé e vir no outro Ir num pé e voltar no outro Um pé lá, outro cá

Executar determinada tarefa ou missão com muita rapidez

Jurar de pés juntos Afirmar convincentemente

Lamber os pés Adular servilmente

Largar do pé Deixar de importunar

Meter os pés pelas mãos Atrapalhar-se, atordoar-se, confundir-se, na execução de uma tarefa, de uma atividade qualquer. Praticar inconveniências; cometer disparate ou gafe.

Não arredar pé Não mudar de opinião

Negar de pés juntos Insistir com firmeza na negativa

Pé de cana Ébrio

Pé de chinelo

Marginal pouco perigoso. Pobre, sem expressão

Pé de meia Economias

Pé frio Pessoa sem sorte, azarada

Pegar pelo pé Surpreender, conter e criticar o adversário

Pé no chão Caipira

Pé quente Pessoa que tem ou traz sorte

Pé rapado Pobre, pobretão

Page 30: METÁFORA E METONÍMIA

29

Pé sujo Indivíduo muito pobre. Botequim de baixa categoria

Pontapé Ato de ingratidão

Rapapé Ato de enaltecer ou lisonjear com exagero, visando à obtenção de favores, privilégios etc.; bajulação, adulação

Ter os pés no chão

Ter objetividade, ser realista

Tirar os pés da lama Sair de uma situação inferior

Tomar pé da situação Conhecer os fatos

Vai dar pé Ser exequível Quadro 3: Metáforas motivadas por metonímias

2.2. Mapeamento Central e Princípio da Invariância

Apesar de Kövecses (2000) fazer uma distinção entre “mapeamento central” e

“Princípio da Invariância” para argumentar em favor do mapeamento metonímico no

domínio origem, Barcelona ([2000] 2003: 45-46) utiliza o “Princípio da Invariância” para

mostrar como se dão as relações metonímicas dentro dos domínios origem e destino.

Por meio de uma releitura do Princípio da Invariância, o autor interpreta-o como

uma restrição metonímica sobre a metáfora. O princípio indica que há um pré-requisito

para o mapeamento metafórico: um mapeamento metonímico interno no domínio destino,

segundo o qual (parte de) a estrutura imagem-esquemática abstrata do destino é projetada

sobre si mesma. Desse modo, o destino é entendido como (parte de) sua estrutura imagem-

esquemática. Da mesma forma, o mapeamento metonímico também ocorre dentro do

domínio origem, em que parte de sua estrutura é projetada sobre si. No domínio origem,

isso acontece para checar seu grau de similaridade estrutural com o domínio destino. Só

após as projeções internas, há projeção do domínio origem para o domínio destino.

Barcelona apresenta o exemplo ‘cor berrante’ e, por meio dele, explica como se dá

esse mapeamento. O domínio destino (cor “desviante”) é metonimicamente entendido a

Page 31: METÁFORA E METONÍMIA

30

partir de sua estrutura imagem–esquemática. Há uma dada percepção com certas

características que violam a norma social e um apreensor6 sobre quem recaem certos

efeitos dessas características. Mas, nesse caso especial, a estrutura imagem-esquemática de

“cores desviantes” é compreendida metonimicamente, em si mesma, como um dos seus

subdomínios específicos: o efeito específico de atrair irresistivelmente a atenção do

apreensor. Em outras palavras, no exemplo ‘cor berrrante’ (exatamente como acontece em

‘música doce’), a motivação metonímica é dupla: além da abstração da sua estrutura

imagem-esquemática inerente, essa estrutura é, em si mesma, construída

metonimicamente.

O domínio origem (som “desviante”) é também metonimicamente entendido a

partir de sua estrutura imagem–esquemática. Novamente, temos uma percepção com certas

características, há um apreensor e efeitos dessas características sobre o apreensor, com

atenção sendo, dessa forma, metonimicamente destacada. Nem tudo que sabemos sobre o

desvio do som é considerado para o mapeamento. Por exemplo, o instrumento utilizado

para produzir o som não é considerado: *Era um pífano colorido (para significar uma cor

espalhafatosa). Somente aqueles subesquemas correlacionados com a imagem esquemática

inerente de cores berrantes são mapeados (BARCELONA, [2000] 2003:46).

O exemplo apresentado pelo autor para ilustrar o funcionamento do mapeamento

metonímico dentro dos domínios origem e destino é altamente contrastante e sinestésico.

No entanto, é possível perceber o processo em exemplos mais simples, como ‘pé de barro’

e ‘pé de chinelo’, como pode ser observado nos fragmentos (f) e (g) a seguir.

Em (f), tem-se o composto ‘pé de barro’:

f. “Marina diz que Brasil tem pé de barro na questão da gestão pública”

(http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2010/09/) 6 O autor utiliza “perceiver”, no entanto, não foi possível fazer tradução literal para o português.

Page 32: METÁFORA E METONÍMIA

31

Do domínio destino, ‘barro’, subfocaliza-se a estrutura imagem–esquemática de

substância mineral, sem valor e usada para fazer escultura. No mapeamento interno do

domínio destino, considera-se o caráter de fragilidade da substância, isto é, aquilo que é

feito ou construído com esse material está sujeito a pouca duração. Já no domínio origem,

‘pé’, definido acima, subfocaliza-se a estrutura imagem–esquemática de verticalidade,

força, locomoção, parte inferior e rapidez. Nesse caso, o subdomínio de ‘pé’ utilizado é de

equilíbrio ou suporte. Portanto, a metáfora construída a partir desses mapeamentos

considera que ter os ‘pés de barro’ é exibir um suporte ou equilíbrio frágil.

Em (g), observa-se uma ocorrência de ‘pé de chinelo’:

g. “ Ladrões pé de chinelo implacavelmente caçados”

(http://protogenescontraacorrupcao.ning.com/profiles/blogs).

Do domínio destino, ‘chinelo’, “calçado macio e confortável, com ou sem salto,

destinado a ser usado em casa” (Dicionário Houaiss Eletrônico) ou em situações informais,

geralmente feito de borracha, mapeia-se a informalidade. Entre os calçados, poder-se-ia

considerá-lo o menos nobre, em função do material de que é feito e pelo seu caráter

doméstico. No domínio origem, ‘pé’, mapeia-se a posição, parte inferior do corpo, o que

reforça a informação já contida em ‘chinelo’. Logo, a expressão metafórica ‘pé de chinelo’

significa “marginal pouco perigoso ou pobre, sem expressão” (Dicionário Houaiss

Eletrônico).

2.3 Conclusão

Ao longo do capítulo, metáfora e metonímia foram destacadas como processos

cognitivos importantíssimos na geração do conhecimento. Inicialmente, a partir de Lakoff

& Jonhson (1980), foram definidas como processos binários, funcionando separadamente.

Page 33: METÁFORA E METONÍMIA

32

Essas noções clássicas, como afirma Radden (2000), são fundamentais para definir as

categorias prototípicas do continuum metonímia-metáfora. Contudo, Croft & Cruse (2004)

apresentam uma nova perspectiva sobre esses processos, considerando-os como

constituintes de um continuum, em que há manifestações genuinamente metafóricas e

outras, genuinamente metonímicas; há momentos em que os processos interagem e ainda

outros em que não é possível identificar o processo.

Com abordagens distintas, Kövecses (2000) e Barcelona (2000) demonstram que as

inter-relações entre metáfora e metonímia são mais complexas do que o fato de uma

originar a outra. O primeiro indica um mapeamento dentro do domínio origem. Kövecses

define esse domínio como uma composição de subdomínios entre os quais são escolhidos

aqueles considerados mais relevantes. Esse processo pode ser comparado ao

comportamento intradominal da metonímia. No entanto, o mapeamento interno ocorre

apenas no domínio origem e essa filtragem impõe-se sobre o domínio destino.

Barcelona, por sua vez, propõe um processo mais interativo e de grande

complexidade. Ele aponta que o processo de construção da metáfora passa, antes de uma

correlação entre domínios cognitivos distintos, por um mapeamento metonímico dentro de

cada domínio – origem e destino – particularmente, o que equivale a dizer que o processo

mental é, antes de tudo, metonímico, corroborando o posicionamento de que metáfora e

metonímia são processos de significação indissociáveis.

Page 34: METÁFORA E METONÍMIA

33

3. MCI, FRAME E ESQUEMA IMAGÉTICO – O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO

Os exemplos, analisados no capítulo anterior, são interpretados a partir de uma

experiência comum entre os falantes de uma determinada comunidade linguística, nesse

caso os falantes de língua portuguesa do Brasil. A comunidade vale-se de uma moldura

comunicativa, ou seja, um enquadramento social e linguístico (frame) que permite a

compreensão de determinado significado. Esse enquadre parte da experiência cultural do

falante a respeito de determinadas condições de uso (MARCUSCHI, 2002: 52) de um

vocábulo.

Fillmore ([1982] 2006: 378) afirma que frame é a forma estruturada em que a cena

é apresentada ou lembrada.7 Para ilustrar o conceito, o autor apresenta alguns exemplos,

dos quais dois serão mencionados aqui. Fillmore utiliza os verbos blame, accuse, criticize

(respectivamente, ‘culpar’, ‘acusar’ e ‘criticar’), aos quais chama de Verbs of Judging

(“Verbos de Julgar”) e cria para eles uma “cena esquematizada” da qual participam um

juiz, um arguido e uma situação a ser julgada. Diante desse quadro, escolhe accuse como

verbo utilizado para afirmar que o juiz, pressupondo a maldade da situação, responsabiliza

o arguido. Emprega criticize para afirmar que o juiz apresenta argumentos que levam a crer

que a situação é de alguma forma condenável (blameworth). O autor destaca que as

palavras selecionadas não são verbetes desconexos, pois fazem parte de um domínio cujos

elementos de algum modo pressupõem uma esquematização do julgamento humano e

comportamentos que envolvem noções de valor, responsabilidade, juízo.

Outro exemplo fornecido pelo autor retrata uma cena comercial. Os elementos

dessa cena esquemática são um comprador, um vendedor, um bem e o dinheiro. O

comprador deseja trocar dinheiro por um bem e essa troca é intermediada pelo vendedor, 7 “Using the Word ‘frame’ for the structured way in which the scene is presented or remembered (...)” (FILLMORE, 2006: 378).

Page 35: METÁFORA E METONÍMIA

34

que o fará após receber o dinheiro. De acordo com Fillmore, os verbos que evocam essa

cena, entre outros, são ‘comprar’, ‘vender’ e ‘pagar’. Portanto, o entendimento do

significado dessas palavras, nesses domínios, passa pela compreensão das instituições

sociais ou das estruturas de experiência que elas pressupõem. A falta dessa informação

basilar não impossibilita a compreensão do interlocutor, mas a limita.

Segundo o autor ([1982] 2006: 378), pode-se dizer que o frame estrutura o

significado das palavras, assim como as palavras evocam o frame. Os significados são

construídos dentro de uma moldura e, depois, passam a evocá-la. Contudo, é importante

salientar que, por constituir-se através de uma atividade sociocognitiva, a estrutura é

dinâmica e está sempre em construção.

Fillmore ([1982] 2006: 378) aponta dois tipos de frame: a) aquele que independe de

uma situação real de fala e b) aquele ativado em situação real de fala. O primeiro enfoca

os domínios cognitivos motivadores que estão envolvidos na construção de um significado,

independente de uma situação real de comunicação. Já o segundo salienta as capacidades

do ser humano de atribuir esquematização aos elementos do mundo e de esquematizar a

situação em que a comunicação é produzida. O autor afirma que o ser humano é capaz de

realizar os dois processos: a) enquadramento independente de uma situação real de fala,

cognitive frames e b) enquadramento interacional, em situação real de comunicação,

interactional frames. Este último está relacionado com a forma de conceituar o que está

acontecendo entre o falante e o ouvinte, ou entre o autor e o leitor. Portanto, para

compreender a moldura comunicativa, é necessário conhecer os domínios cognitivos que a

motivam e haver um compartilhamento de frame entre os interlocutores.

Nos termos de Croft & Cruse ([2004] 2009: 14), um conceito é representado por

uma palavra pressuposta por um conhecimento ou uma estrutura conceptual (base). Assim,

Page 36: METÁFORA E METONÍMIA

35

‘pé’ é um profile (perfil) e o corpo humano, uma base8 . De acordo com Cuenca & Hilferty

(1999: 76-77), base é a matriz subjacente de domínios cognitivos relevantes evocados para

compreender uma expressão determinada e perfil, a subestrutura destacada sobre a base,

que a expressão em questão designa, conceptualmente.

No caso de ‘pé’, o conceito pertence ao domínio do corpo humano. ‘Pé’ é

classificado a partir de um Modelo Cognitivo Idealizado9 (doravante MCI), como

representação cognitiva de base cultural, uma versão idealizada do mundo que

simplesmente não inclui toda possibilidade de situações do mundo real. Contudo, quando o

MCI e as situações de uso não se coadunam, surge, segundo Lakoff ([1987], 1990: 71),

uma escala de gradiência conceitual, em que o membro mais saliente, prototípico10, carrega

a noção idealizada do conceito. Nessa escala, os membros mais periféricos, mesmo não

apresentando todas as características do prototípico, compartilham uma familiaridade com

este e, por isso mesmo, pertencem à mesma categoria. Desse modo, a motivação para a

construção das expressões linguísticas constituídas com ‘pé´ seria o conceito anatômico:

“Cada uma das duas extremidades inferiores, uma em cada membro inferior, constituídas

de tarso, metatarso, e falanges dos pododáctilos, respectivas articulações, e partes moles

que recobrem as ósseas” (Novo Dicionário Aurélio eletrônico). Todavia, se, em função de

uma deformidade, o ‘pé’ venha a não ter um dos dedos ou até mesmo todos eles, a

extremidade não deixará de ser um ‘pé’; apenas não será um membro prototípico dentro da

categoria.

8 “The terms frame (Fillmore), base (Langacker) and domain (Fillmore, Lakoff, Langacker) all appear to identify the same theoretical framework (…). Filmore describes this framework as frame semantics, and this term has entered into more general usage among cognitive semantics linguistics. However, the terms frame and domain continue to compete for usage, and base is also used among cognitive grammarians.” (CROFT & CRUSE, [2004] 2009: 17) 9 Para Fillmore ([1982] 2006:373), frame é um termo geral que abrange um conjunto de conceitos conhecidos: ‘schema’, ‘script’, ‘scenario’, ideational scaffolding’, ‘cognitive model’, or ‘folk theory’. Croft e Cruse ([2004] 2009:28) afirmam que Lakoff denomina frame de MCI. Nas palavras de Almeida et alii (2009: 21), o ponto- chave entre Frame e MCI parece ser a palavra “idealizado”. 10 Prototípico – “The idea that some members of a category may be ‘better examples’ of that category than others.” (LAKOFF, ([1987] 1990:12).

Page 37: METÁFORA E METONÍMIA

36

No entanto, em ‘pé de barro’ e em ‘pé de chinelo’ não são evocadas as

extremidades inferiores do ser humano, mas a imagem-esquemática deles e um dos seus

múltiplos aspectos. Isso é possível graças aos interactional frames, os enquadramentos

interacionais.

Para a construção desses significados metonímicos e metafóricos, parte-se de

categorias de nível básico e estrutura imagem esquemática cenestésica (Esquema

Imagético). Segundo Lakoff ([1987] 1990: 267), as categorias de nível básico são definidas

pela convergência (a) da percepção gestáltica11, (b) do movimento corporal e (c) da

capacidade de formar imagens mentais ricas/ complexas. Em contrapartida, os esquemas

imagéticos são estruturas relativamente simples decorrentes da experiência corpórea

cotidiana, reflexos de padrões espaciais e relações de força que identificamos em nossa

interação com o ambiente ao redor (ALMEIDA et alii, 2009: 21): contêiner, trajetória, elo,

força e equilíbrio; cima/baixo, frente/trás, parte/todo, centro/periferia.

Os conceitos teóricos até aqui apresentados iluminam a análise das metáforas

supracitadas, como será demonstrado a seguir. O falante parte do MCI de ‘pé’ e abstrai a

imagem esquemática (suporte, verticalidade, força, locomoção, parte inferior, rapidez e

equilíbrio), que pode ou não coincidir com os esquemas imagéticos propostos por Lakoff

([1987] 1990: 267). Amparados em Barcelona (2000), podemos afirmar que o domínio

origem ‘pé’ experimenta um mapeamento metonímico interno para então projetar-se sobre

o domínio destino ‘chinelo’, que, igualmente, passa por todos os processos pelos quais ‘pé’

passou.

11 Gestalt – “These construal operations represent the most basic level of constituting experience and giving it structure or a Gestalt. (…) For example, many of the principles of Gestalt psychology such as proximity, bounding and good continuation are analyses of how human minds construe a single complex object from seemingly fragmented perceptual sensations.” (CROFT & CRUSE, [2004] 2009: 63)

Page 38: METÁFORA E METONÍMIA

37

A complexidade configura-se ainda maior ao se constatar que outros domínios,

também diretamente relacionados com experiências humanas corporificadas, interagem na

formação da imagem esquemática de ‘pé’. Croft & Cruse ([2004] 2009: 24) enumeram

alguns desses domínios: ESPAÇO, MATERIAL, TEMPO, FORÇA e outros relacionados a

percepções e sensações corporais – COR, RIGIDEZ, SONORIDADE, FOME, DOR. A

análise seguinte, presente em Almeida et alii (2009: 193), apresenta os domínios

envolvidos na construção do domínio ’pé’.

“Para entendermos a importância de ‘pé’, visualizemos a estrutura física humana: ser ereto, que possui membros superiores, cujas extremidades finais são as mãos, e membros inferiores, cujas extremidades finais são os pés. O homem movimenta-se no espaço físico tendo como apoio os próprios pés e, eventualmente, utiliza-os como meio para determinados usos. Então, os pés são a sustentação do corpo, são os responsáveis pela locomoção e, como encontrado na primeira entrada do dicionário, é a extremidade do membro inferior humano. Mas, também, nos serve para deslocarmos coisas do lugar, e, nesse sentido, é elemento capaz de instituir força sobre objetos.

O diagrama em (01), a seguir, extraído de Almeida et alii (2009: 193), explicita a

construção dos domínios de ‘pé’:

(01) Pé – EI alto/baixo

Corpo deslocamento

Estrutura física

“lugar” de apoio, sustentação

ESPAÇO FORÇA TEMPO

Page 39: METÁFORA E METONÍMIA

38

Como já citado, Fillmore ([1982] 2006) afirma que frame é um termo abrangente

que inclui um conjunto de conceitos e, entre eles, o de modelo cognitivo. Croft & Cruise

(2004) observam que MCI e frame seriam nomenclaturas distintas para o mesmo fenômeno

e, nas palavras de Almeida et alii (2009: 21), “o ponto-chave entre Frame e MCI parece

ser a palavra ‘idealizado’” (cf. nota 8). Contudo, propõem-se aqui as definições

encontradas em Martelotta & Palomanes (2008: 185):

“Os modelos cognitivos idealizados são estruturas das quais nosso conhecimento se organiza. (....) Já as molduras comunicativas constituem estruturas de conhecimento relacionadas a formas organizadas de interação. Caracteriza-se por um conjunto de procedimentos que identifica um tipo de atividade social (....), atividades que implicam comportamentos estabelecidos em que cada participante possui um papel previamente determinado.” (MARTELOTTA &PALOMANES, 2008: 185)

Tanto MCI quanto frame são modelos cognitivos organizadores da estrutura

conceptual, fundamentados culturalmente. O primeiro é um conjunto de conhecimentos

sobre um determinado campo do saber, uma herança cultural, o conhecimento

enciclopédico, enquanto o segundo diz respeito aos conhecimentos compartilhados por

pessoas ou um subgrupo social. Retomemos o exemplo ’pé-de-barro’ a partir do seguinte

enunciado:

(02) “Robert terá que exonerar 208 delegados ‘pé de barro’ no Piauí

(....) A decisão vai obrigar o secretário a exonerar, no prazo de 15 dias, os 208 policiais

militares que estão desempenhando ilegalmente o cargo de delegado em 92% dos

municípios do Piauí.”

(http://ai5piaui.com/index.php/7600/robert-tera-que-exonerar-208-delegados-pe-de-barro-

no-piaui/.)

Page 40: METÁFORA E METONÍMIA

39

O MCI de ‘pé de barro’, em (02), é de fragilidade. O frame é o de ilegalidade, uma

vez que os enunciados referem-se à gestão pública no Brasil, país que, durante o século

XX, foi classificado como de terceiro mundo por diversos fatores, entre os quais a

corrupção nos órgãos governamentais. Hoje, o país está na categoria dos países em

desenvolvimento; no entanto, a corrupção é contínua entre seus órgãos. A candidata à

presidência da república do Brasil em 2010, Marina Silva, afirma que o país tem ‘pé de

barro’, em função de vazamento de dados sigilosos da Receita Federal, fato considerado

pela legislação brasileira como ilegal. Da mesma forma, a função de delegado exercida por

militares sem o preparo adequado (e sem ingresso por concurso público) também é

considerada uma situação ilícita. Vejamos, a seguir, em (03), o caso de ‘pé-de-chinelo’:

(03) “Rubinho Barrichelo ou Rubinho BORRIchelo Pé de Chinelo”

(desciclo.pedia.ws/wiki/Rubens_Barrichello)

O nome Rubinho Barrichelo aciona o MCI Fórmula 1 – esporte multimilionário

destinado às camadas mais abastadas da sociedade, em que os desportistas competem,

dentro de um carro de modelo único, em alta velocidade, pelo primeiro lugar, após um

número determinado de voltas, em um circuito fechado. Para a sociedade brasileira, o

nome Barrichelo ativa alguns frames: corredor da Fórmula 1; 1º brasileiro a destacar-se

nesse esporte depois da morte de Airton Senna; esportista que nunca conquistou um

campeonato; segundo piloto por muito tempo da equipe Ferrari, sendo por algumas vezes

segundo colocado no campeonato; integrante mais velho desse esporte no momento;

participante atualmente com uma participação pífia na Fórmula 1.

O MCI da expressão metafórica ‘pé de chinelo’ evoca inferioridade. O frame

ativado, nesse caso, é a imagem de um desportista sobre o qual se criou uma grande

Page 41: METÁFORA E METONÍMIA

40

expectativa após a morte prematura de Airton Senna, corredor brasileiro da Fórmula 1

considerado ídolo nacional. Barrichelo iniciou sua carreira como uma grande promessa,

mas nunca correspondeu às expectativas, sendo vice em dois campeonatos e o segundo

piloto a fazer maior número de pontos em um único campeonato da Fórmula 1; logo, ‘pé

de chinelo’ significa perdedor, tanto que, ao mencionar-se o esporte e citar-se ‘pé de

chinelo’, focaliza-se o automobilista.

Como se vê, para descrever como os significados são produzidos, além de se

observar os tipos de relação (processos metafóricos e metonímicos) entre as estruturas de

conhecimento relativamente estáveis (domínios conceptuais), torna-se indispensável pôr

em destaque as habilidades cognitivas relacionadas à ativação de frames e de MCIs. Os

exemplos (04) a (08) ratificam a importância do MCI e do frame na construção do

significado. Comecemos com a expressão ‘estar de pé’, utilizada no enunciado em (04),

logo abaixo:

(04) “E o encontrinho glorioso tá de pé!”

(http://oficinadeestilo.com.br/blog/2009/04/03/)

O MCI da expressão idiomática ‘estar de pé’, no enunciado com aférese do verbo

‘estar’, é de firmeza, estabilidade, segurança. Já o frame acionado é de certeza. Significa

dizer que o evento marcado não será alterado, havendo garantias de que irá, de fato,

ocorrer. Esse enquadramento distingue a expressão do grupo sintático ‘está de pé’. A

expressão é metafórica, já o grupo sintático possui significado básico e as condições de uso

são distintas, pois o grupo sintático remete à orientação espacial do corpo em oposição a

outros possíveis posicionamentos, como sentado ou deitado.

No exemplo em (05), a seguir, aparece a expressão ‘em pé de igualdade’:

Page 42: METÁFORA E METONÍMIA

41

(05) "(...) Tempo é custo. Temos equipamentos que muitos aeroportos grandes não têm.

Competimos em pé de igualdade com Campinas ou Galeão", orgulha-se o

administrador.

(http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110313/not_imp691196,0.php)

No exemplo em (05), o MCI ativado pela expressão ‘em pé de igualdade’ diz

respeito às condições em que algo pode ser realizado. O frame, por sua vez, remete ao

nível de funcionamento, à capacidade escalar que torna possível estarem no mesmo grau

um pequeno aeroporto e grandes aeroportos, destacando-se, nessa construção, a viabilidade

de ascensão do menor. Nos exemplos em (06) e (07), aparece uma mesma expressão: ‘pé

de dinheiro’. Observem-se os usos:

(06) “Um pé de dinheiro

Grupos rurais de geração de renda descobrem alternativas à roça e investem na produção de artesanato. Vendas ajudam a melhorar as condições de vida dos participantes”.

(http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=828465)

(07) “Pé de dinheiro A candidata a deputada estadual, Telma Chaves (PT), não é uma mulher de posses. Mas, ainda assim, de forma misteriosa, pelas centenas de carros com perfurados, centenas e centenas de placas nos bairros, faz uma das campanhas mais milionárias desta eleição. O mínimo que se pode imaginar é que no fundo do quintal de sua casa deve ter um pé de árvore que, em vez de frutos dá dinheiro. Ou quiçá essa árvore esteja no quintal do secretário de Planejamento do Governo, Gilberto Siqueira, padrinho e principal apoiador da sua candidatura”. (http://www.ac24horas.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=12813:pe-de-dinheiro&catid=21:blog-do-crica&Itemid=124)

Page 43: METÁFORA E METONÍMIA

42

Os enunciados (06) e (07) são diferentes, já que a construção ‘pé de’, presente em

tantas outras expressões, ativa um significado independente de qualquer outra palavra que

venha com ela constituir uma composição. Essa questão será melhor analisada no capítulo

4, destinado à construção formal, em que destacaremos a alta produtividade da construção

‘pé-de-X’ designando “árvore/arbusto que produz X”, sendo X o nome da fruta ou da flor.

O MCI em ‘pé de’ é, portanto, de plantação, cultivo, árvore. Em (06), noticia-se que os

agricultores e sua família, que antes passavam períodos sem uma renda para os seus gastos,

encontram na produção de artesanato uma nova forma de geração de renda para financiar

suas necessidades básicas. Portanto, o frame evocado por ‘pé de dinheiro’, nesse

enunciado, é cultivo de fruto incessante. Já em (07), o que fica ressaltado é a discrepância

entre as posses da candidata ao cargo de deputada estadual e os gastos exorbitantes feitos

em sua campanha. O frame, em (07), além de suscitar o significado de quantidade infinda,

provoca a ideia de excesso.

Vejamos, por fim, a expressão ‘pé na tábua’, em (08):

(08) “Foi minha estreia na modalidade Corridas de Montanha, agora sei que devo levar minha própria água e frutas, assim que terminar a prova, pegar a medalha e pé na tábua, sem prestigiar o evento.”

(http://corridasdemontanha.com.br/site/?p=771)

O MCI em ‘pé na tábua’ é de velocidade automobilística. O condutor, ao imprimir

maior pressão sobre o acelerador, denominado metonimicamente de ‘tábua’, por meio do

pé, aumenta a velocidade do carro. No comentário da participante do evento ‘Corridas de

Montanha’, o frame ativado é retirar-se de forma rápida, uma vez que, insatisfeita com a

organização do evento, ela não pretende comemorá-lo.

Page 44: METÁFORA E METONÍMIA

43

Os enunciados acima analisados, de acordo com os interactional frames

(enquadramentos interacionais), contribuem para asseverar que a construção do significado

se dá através da atividade comunicativa. Pressupõe-se que os envolvidos em dada

interação, uma vez inseridos em uma mesma sociedade, possuam conhecimentos comuns e

sejam capazes de compartilhar com seus membros os valores socioculturais, acessados por

meio das experiências corporais.

Nos aspectos culturais, sociais e corpóreos, os interlocutores buscam elementos

motivadores para categorizar o mundo ao seu redor e esquematizar as situações de

comunicação. No entanto, isso não assegura o sucesso da interlocução, uma vez que, para

tanto, fazem-se necessários MCI e frame comuns entre os falantes. Esses construtos

teóricos auxiliam a compreender como o ser humano acessa e organiza o conhecimento,

pois não se trata apenas de armazenamento de dados, mas de um processo cognitivo

complexo em que interagem outras faculdades mentais além da linguagem. Isso torna cada

domínio uma múltipla rede significativa, como apresentado no diagrama (01), extraído de

Almeida et al. (2009: 193). Os significados estão enredados e, consequentemente, as

expressões não constituem um único significado, mas estão inter-relacionadas, formando

uma rede polissêmica na qual há um significado central, prototípico, e, no entorno,

significados mais ou menos representativos. A esse respeito, assim se pronuncia Fillmore

(2006: 380-381):

“O que queremos dizer, quando observamos fenômenos de uso como esse, não é que tenhamos falhado na captura do núcleo verdadeiro do significado das palavras, mas ao contrário que as palavras dão-nos uma categoria que pode ser usada em muitos contextos diferentes, esta gama de contextos determinada por múltiplos aspectos de seu uso prototípico – o uso que a

Page 45: METÁFORA E METONÍMIA

44

palavra tem quando as condições da situação de fundo correspondem mais ou menos exatamente a definição prototípica.“12

As palavras são “composições moleculares que reunem informações fonéticas,

semânticas, sintáticas e pragmáticas” (FERREIRO, 2010: 112), construídas,

dinamicamente, pela interação das capacidades cognitivas do ser humano com o mundo

que o cerca e pela projeção conceptual entre as estruturas de conhecimento. Portanto, o

domínio cognitivo, por si só, não constrói o significado, mas este somente pode ser

compreendido por sua relação com aquele. Em suma, é por meio desse processo de mão

dupla, com base na dinâmica ativação de conceitos disponíveis, manifestados pela

linguagem, que as palavras adquirem significado.

Os aspectos observados possuem uma natureza estrutural e simbólica por meio da

qual o conteúdo conceptual é expresso: as palavras. O próximo capítulo abordará,

especificamente, os mecanismos de estruturação morfológica envolvidos nas expressões

lexicais e idiomáticas aqui investigadas.

12 “What we want to say, when we observe usage phenomena like that, is not that we have so far failed to capture the true core of the word’s meaning, but rather that the word gives us a category which can be used in many different contexts, this range of contexts determined by the multiple aspects of its prototypic use- the use it has when the conditions of the background situation more or less exactly match the defining prototype”. (FILLMORE, 2006. p: 380-381)

Page 46: METÁFORA E METONÍMIA

45

4. FORMA E CONTEÚDO

A análise das expressões lexicais e idiomáticas está cercada por alguns conceitos

complexos e discutíveis no que tange a definições e fronteiras, entre os quais de palavra,

composição e grupo sintático. Nas seções que se seguem, serão elencadas as definições

propostas por Basilio (1987, 2000 e [2004] 2006), Mattoso Câmara ( [1970] 1996 e [1977]

1981), Rocha ([1998] 2008), Monteiro (1986) e Sandmann ( [1988] 1989 e 1991) para os

conceitos acima. Do mesmo modo, serão expostas as abordagens feitas pela Linguística

Cognitiva, por meio dos autores citados nos capítulos anteriores e outros afinados com essa

corrente teórica, a respeito das questões supracitadas. Assim, serão apresentadas

proposições que mais se aproximem da linha teórica norteadora desta pesquisa.

4.1 Palavra

Basilio ([2004] 2006: 13-18), enfatizando a complexidade do assunto, apresenta a

definição de palavra a partir de ângulos distintos. A relação abaixo ilustra a dificuldade em

delimitar um conceito para o termo. Segundo a autora, há várias definições possíveis para

palavra, a saber:

a) Sob o ponto de vista gráfico, “A sequência de caracteres que aparece entre

espaços e/ou pontuação e que corresponde a uma sequência de sons que formam

uma palavra na língua;”

b) “São aquelas que aparecem listadas nos dicionários;”

c) Morfologicamente, “palavra é uma construção que se estrutura de uma

maneira específica: seus elementos componentes, ou formativos, apresentam ordem

Page 47: METÁFORA E METONÍMIA

46

fixa e são rigidamente ligados uns aos outros, não permitindo qualquer mudança de

posição ou interferência de outros elementos.”;

d) “Unidade estrutural que congrega diversas formas.”;

e) Da perspectiva sintática, “Unidades de que se compõe o enunciado.”;

f) Semanticamente, “Unidade lexical”;

g) “Unidade de significação”;

h) Do ponto de vista sonoro, é uma “Unidade fonológica. Por um lado, (...)

sequência fônica que ocorre entre pausas potenciais. Por outro, na estrutura do

português (...) padrão acentual baseado em tonicidade e duração.”

Basilio ([2004] 2006: 17) lembra ainda que, para Leonard Bloomfield, palavra é

“forma livre mínima. (Ou seja), é aquela que pode por si só constituir um enunciado”. A

autora conclui afirmando que a problemática em torno de palavra é a tentativa de

enquadrar o conceito em uma das categorias (fonológica, gráfica, morfológica, sintática,

pragmática) como elemento preciso, ao passo que deveriam ser considerados os diversos

enfoques. E adota a definição semântica, “unidade lexical”:

“É importante, pois, que possamos conviver com a diversidade e com a complexidade. É o preço que pagamos por um sistema de comunicação mais flexível; as estruturas rígidas são sempre mais fáceis de descrever, mas muito mais limitadas em sua utilização.” (BASILIO, [2004] 2006: 18).

Já Mattoso Câmara ([1977] 1981: 187), em seu dicionário, apresenta, para o verbete

palavra, as seguintes definições:

“Vocábulos providos de significação externa, concentrada no radical; noutros termos vocábulos providos de semantema13. A palavra é sempre uma forma livre, é pois um lexema na terminologia norte-americana.”

13 Semantema é a parte da palavra em que repousa a significação lexical básica. Constitui o que se denomina de raiz. (Monteiro, 1986:12)

Page 48: METÁFORA E METONÍMIA

47

Rocha ( [1998] 2008:69), citando o Diccionario de Términos Filológicos de

Fernando Lazaro Carreter, afirma que palavra “resulta da associação de um sentido dado a

um conjunto dado de sons, suscetível de um emprego gramatical dado”. O autor (op.cit)

acrescenta, ainda, “que uma palavra se caracteriza por possuir uma identidade fonética,

uma identidade semântica e uma identidade funcional.”

Monteiro (1986: 9) reserva o termo palavra apenas aos vocábulos que apresentam

semantema. Em nota (cf. nota 10), o autor amplia o conceito afirmando que “forma, função

e sentido são elementos solidários e interdependentes, de tal modo que só abstratamente

um existe sem os outros”..

É com esse mesmo enfoque, entendendo a palavra como um conjunto solidário

entre forma, função e significado, que a Linguística Cognitiva estuda o signo linguístico:

palavra é a associação entre significante e significado, remetendo-se a concepção

saussuriana, exceto na percepção da arbitrariedade, que é relativizada. Cuenca & Hilferty

(1999: 182), ao citar Sweetser, afirmam:

“é inegável a arbitrariedade ao expressar conceito como “ver” com a forma ver em espanhol, veure em catalão, see em inglês, etc. Porém, a partir deste ponto, a linguagem não se estrutura arbitrariamente, mas é, em grande parte, motivada.”14

A esse respeito, Lakoff ([1987] 1990: 96 e 438) assevera que a motivação está

relacionada com a capacidade humana de categorização, isto é, o processo de classificar e

estruturar o conhecimento, partindo de um membro prototípico para membros periféricos.

A relação entre o significante e o significado de ‘pé’, parte do corpo humano, é arbitrária;

no entanto, o mesmo não acontece nas expressões advindas dele, ‘pé da mesa’ (“suporte

14 “Como apunta, entre otros autores, Sweeter (1990:5), es innegable la arbitrariedad de expressar concepto como “ver” com la forma ver em español, veure em catalán, see em inglês, etc. Pero, a partir de este punto, el lenguaje no se estructura arbitrariamente, sino que es, en gran medida, motivado” ( Cuenca e Hilferty, 1999: 182).

Page 49: METÁFORA E METONÍMIA

48

desse objeto”), ‘pé de cana’ (“alcoólatra”), pois encontram motivação no significado

primário de 'pé' e com ele estabelecem afinidades garantidas pelo sistema conceptual.

Em relação à constituição morfológica, as expressões com 'pé' aparecem, na

literatura, como produtos de composição ou como grupo sintático. Assim, nas próximas

seções, discutiremos tais conceitos, na tentativa de estabelecer o(s) processo(s) pelos quais

as expressões aqui analisadas são formadas.

4.2 Composição

Os problemas na definição de palavra, de acordo com Basilio (2000: 11), refletem-

se sobre a conceituação de palavra composta. Em vista da complexidade do assunto, a

autora adota, como já mencionado anteriormente, o conceito de palavra como unidade

lexical e, consequentemente, de composto “como conjuntos de palavras que funcionam

lexicalmente como uma palavra só” (BASILIO, op.cit.: 11). No entanto, Basilio, ao

retomar o conceito de composição, na mesma obra, iguala palavra a radical, embora já

houvesse afirmado que radical é uma forma presa e que palavra é uma forma livre. Em

Basilio (1987: 29), observa-se a seguinte definição para composto:

“O processo de composição se caracteriza pela junção de uma base a outra para a formação de uma palavra. Assim, dizemos que uma palavra é composta sempre que esta apresenta duas bases. Por exemplo, palavras como guarda-chuva (guarda + chuva), luso-brasileiro (luso + brasileiro), sociolingüístico (sócio + lingüístico) e agricultura (agri + cultura) são compostas, isto é, formadas pela junção de duas bases, sejam estas formas presas – isto é, formas que dependem de outras para sua ocorrência, como agri- em agricultura — ou livres, como chuva, brasileiro, e assim por diante.”

O conceito parece tornar-se mais claro ao propor a união entre bases, sejam elas

livres ou presas; entretanto, Basilio não esclarece o conceito de base, que ora se apresenta

como raiz, ora como radical.

Page 50: METÁFORA E METONÍMIA

49

“Temos basicamente dois tipos de morfema: afixo e raiz. Raiz é um morfema que pode, por si só, constituir a base de uma palavra. Por exemplo, em luzir, luz é raiz. (...) Do ponto de vista morfológico, a base de uma construção é tradicionalmente chamada de “radical". Dá-se o nome de "tema" ao radical seguido por uma vogal temática. mas, via de regra, este termo só é utilizado na estruturação de formas flexionadas.” (BASILIO, 1987: 14-15)

Já Mattoso Câmara ([1977] 1981: 76-77) apresenta três definições para a

composição, fundamentado nos critérios morfológico, fonológico e sintático; enquadra o

sintático entre os critérios morfológicos:

“Formação de palavra pela reunião de outras, cuja significação se completa para formar uma significação nova (....). Os vocábulos que entram na composição podem apresentar-se numa forma variante daquela que figura como forma livre, por morfofonêmica (cf. fruti- em vez de fruto, em fruticultura), ou podem só aparecer na língua como formas presas em compostos (-fero em frutífero, agr- e –cola em agrícola). (....) Do ponto de vista fonológico, o composto pode ser – a) por justaposição (ex: guarda-chuva, pré-histórico), ou –b) por aglutinação (ex: planalto, infelicidade). Do ponto de vista morfológico, pode ser um sintagma, em que há subordinação de um elemento, como determinante ao outro como determinado, ou sequência de coordenação.”

A definição de Mattoso Câmara (op. cit.) remete ao conceito palavra, que, como

visto inicialmente, possui diversos critérios de análise. O autor cita a palavra ‘infelicidade’

como exemplo de composição por aglutinação; no entanto, ao nosso ver, trata-se de um

exemplo de derivação sufixal: feliz in + feliz = infeliz infeliz + idade =

infelicidade. Ao final, como já mencionado aqui, Mattoso Câmara considera as relações de

subordinação e coordenação entre as formas, livres e/ou presas, como critério morfológico

de análise.

Monteiro (1986: 165) conceitua composto como “o vocábulo formado pela união

de dois ou mais semantemas. Os componentes graficamente podem estar ligados

(aguardente, passatempo), hifenizados (vira-lata, franco-suíço) ou soltos (Porto Alegre,

Mato Grosso).” O autor apresenta uma série de critérios para identificação dos compostos

que se mostram falíveis. Diante da complexidade do assunto, propõe uma definição, que

Page 51: METÁFORA E METONÍMIA

50

ele qualifica como restrita, porém, de base morfológica, para a questão: “será composto o

vocábulo que admitir a pluralização apenas do último componente” e possuir as seguintes

características: “sufixação relacionada ao composto como um todo; impossibilidade de

intercalação de novos determinantes; impossibilidade de disjunção ou alteração da ordem

dos constituintes e impossibilidade de supressão de um dos elementos”.

Na definição proposta, inicialmente, o autor opta pelo termo semantema, ao invés

de palavra. Monteiro (1986: 12) define semantema como “parte da palavra em que repousa

a significação lexical básica. Constitui o que se denomina de raiz (...).” e, formalmente,

apresenta o semantema como a parte da palavra desprovida de afixos e vogal temática.

Exemplos citados pelo autor: ‘terra’, ‘terrestre’, ‘terráqueo’, ‘terreno’, ‘terreiro’, ‘aterrar’,

‘enterrar’, ‘desterrar’ raiz ‘terr-’. Contudo, esse conceito não se mostra consistente na

análise de alguns compostos de nosso corpus, como ‘pé quente’, ‘pé de moleque’ e ‘pé de

galinha’, entre outros, já que as palavras não são escolhidas na sua forma mínima. A

definição apresentada, posteriormente, como introduzido pelo próprio autor, é limitada, já

que ele faz recortes para que a definição se ajuste ao critério morfológico, desconsiderando

os outros critérios.

Rocha ( [1998] 2008: 184) não se detém sobre o assunto e propõe uma definição

não muito contundente : “A composição configura-se como um processo autônomo de

formação de palavras em português, diferente da derivação e da onomatopeia”

Sandmann ([1988] 1989: 3,117-119) afirma que compostos são palavras

complexas. A relação entre as palavras que participam dessa formação pode ser

coordenativa ou subordinativa e essa relação sintática reflete o conteúdo semântico da

composição. Na coordenação, nenhum componente determina o outro; em ‘bar-

restaurante’, citado pelo autor, “é apresentada uma coisa nova, produto da soma de ambos

os constituintes”. Já na subordinação, a relação é estabelecida por determinação, pois há

Page 52: METÁFORA E METONÍMIA

51

um núcleo que é especificado por um determinante, a exemplo de ‘piano-bar’, mencionado

por Sandmann, em que ‘piano’ especifica ‘bar’. O autor acrescenta: “Muitas vezes só se

alcança o reconhecimento da relação real entre os constituintes de uma palavra complexa

mediante o contexto ou situação”.

Na introdução de sua obra, Sandmann informa que não discutirá o conceito de

palavra e também não apresenta uma definição evidente sobre composição; todavia,

preocupa-se em mostrar as relações sintáticas entre os termos da composição e suas

consequências semânticas. O autor também reconhece o papel da situação comunicativa

para a compreensão do significado.

A Linguística Cognitiva, da mesma forma que concebe a linguagem como um dos

mecanismos cognitivos, isto é, em interação com os demais processos cognitivos, entende,

como afirmam Cuenca & Hilfert (1999:181, 184, 187), que a estrutura da linguagem

também não funciona em módulos, mas em um continuum de unidades simbólicas, que são

o resultado da associação entre um polo semântico e um polo formal em diferentes níveis:

morfema, palavra e construção. Como tais componentes estruturam o conteúdo conceptual,

qualquer mudança formal tem efeitos semânticos. É a partir dessa perspectiva que as

expressões lexicais são analisadas neste capítulo.

Sandmann ([1988] 1989: 118) analisa algumas “palavras complexas” como uma

formação composicional, indo de encontro com os fundamentos da Linguística Cognitiva,

visto que os significados são construídos e reconstruídos na interlocução e a “linguagem

não é um simples código nem contém imanente um sistema semântico, mas se caracteriza

como um sistema simbólico de grande plasticidade com o qual podemos dizer

criativamente o mundo.” (MARCUSCHI, 2002: 43-44). Contudo, os estudos feitos por

Sandmann, por privilegiar as imbricações advindas da relação entre forma, conteúdo e

Page 53: METÁFORA E METONÍMIA

52

pragmática, são de grande valia para a descrição que se pretende desenhar no presente

trabalho.

4.3 Composição x Grupo Sintático

A dificuldade em conceituar composição não repousa apenas sobre a definição de

palavra, mas, entre outras questões, também sobre a imprecisão, no panorama da literatura

tradicional, em distinguir compostos de grupos sintáticos. Basilio (2000), Monteiro (1986)

e Sandmann ([1988] 1989) discutem, em suas obras, a linha difusa ente esses conceitos.

Basilio (2000: 14) afirma que, ao considerar os compostos como um modelo de

palavra, faz-se necessário distingui-los de outras estruturas sintáticas, já que os compostos

assemelham-se, em sua forma, aos grupos sintáticos comuns. Inicialmente, a autora (2000:

15) assevera que o número de palavras que formam o composto não é suficiente para

caracterizá-lo; faz-se necessária uma particularização por meio de “suas propriedades

estruturais” a fim de diferenciá-lo de “outras unidades”.

Basilio (op.cit) propõe, por meio de exemplos, uma análise para depreender a

estrutura composicional. A autora utiliza a formação VERBO + SUBSTANTIVO e

demonstra que a relação sintática presente na composição possui semelhança com o

sintagma verbal do qual advém, VERBO + OBJETO. No entanto, diferente do sintagma

verbal, a composição encerra uma função designativa. Nesse caso, ‘guarda-roupa’,

exemplo citado por Basilio (2000: 15), “corresponde a um ser designado pela ação do

verbo sobre o substantivo”, assim como “mata-mosquito é um profissional designado pela

função do verbo matar sobre o objeto mosquito.” Sob esse enfoque, outro critério de

distinção é a impossibilidade de inserção de elementos entre o verbo e o substantivo,

quando estes formam uma palavra.

Page 54: METÁFORA E METONÍMIA

53

De acordo com Basilio (2000: 15), do ponto de vista fonológico, os compostos,

com essa formação, distinguem-se dos grupos sintáticos, pois “é clara a diferença de ritmo,

acentuação e autonomia fonológica”. Morfologicamente, a autora constata que a forma

verbal em ‘mata-mosquito’ encontra-se invariavelmente na terceira pessoa do presente do

indicativo, diferente do sintagma verbal em que a concordância com o sujeito é obrigatória.

Os argumentos de Basilio diferenciam precisamente os compostos dos não

compostos nos aspectos sintático, semântico, morfológico e fonológico; contudo, como

observa a própria autora, essa distinção limita-se às formações V+S. Com efeito, Basilio

(2000: 16) propõe o seguinte questionamento: os outros casos de palavras compostas o são

do ponto de vista morfológico ou apenas do ponto de vista lexical? Para responder à

questão, a autora utiliza o exemplo ‘óculos escuros’, que, apesar de apresentar função

designativa, possui, segundo ela, comportamento morfológico controverso, já que há

concordância de número entre os elementos e um dos termos da composição pode ser

substituído, assumindo a forma variante ‘óculos pretos’. Basilio conclui apontando a

necessidade de uma análise mais cuidadosa sobre o assunto.

Já Monteiro (1986: 165-166 e 168) apresenta como um dos problemas

fundamentais para a identificação de um composto a similaridade com as locuções e

propõe alguns critérios para reconhecer o primeiro:

a) Ordem fixa; no entanto, o próprio Monteiro afirma que, em alguns casos, as

locuções também apresentam ordem fixa e, em outros casos, os compostos podem sofrer

inversão, como, por exemplo, ‘franco-italiano’ = ‘ítalo-francês’ e ‘planalto’ = ‘altiplano’;

b) Impossibilidade de intercalação de determinantes; contudo, como observado por

Monteiro, há locuções que também não admitem intercalação de determinantes e

exemplifica com a locução ‘segunda-feira’;

Page 55: METÁFORA E METONÍMIA

54

c) Impossibilidade de supressão de um dos termos, comportamento próprio das

locuções. Novamente, o autor afirma que alguns compostos permitem a supressão,

enquanto algumas locuções não. Monteiro cita as locuções adverbiais, prepositivas ou

conjuntivas e as expressões ‘pé de moleque’, ‘pé de galinha’ e ‘unha de fome’, as quais

não reconhece como compostos, por não admitirem supressão, e ‘fotografia’, por ser um

composto que admite.

O autor, diante da imprecisão da fronteira entre composição e locução, sugere que o

problema esteja em compreender a composição como um processo morfológico quando

deveria ser tratada como processo sintático-semântico. Em função do exposto, Monteiro

propõe uma definição limitada a critérios morfológicos para o composto, como já

abordado na seção 4.2.

Contrapondo-se aos compostos estão as locuções, definidas pelo autor (2000: 167)

“como dois ou mais vocábulos com autonomia fonética e morfológica que apresentam uma

unidade de significação” e permitem a flexão de número em todos os componentes ou

somente no primeiro. Monteiro cita exemplos de locuções verbais, locuções adjetivas e

locuções adverbiais, como ‘tinha feito = fizera’, ‘(fome) de cão = (fome) canina’ e ‘todos

os dias = diariamente’, respectivamente.

De acordo com o autor (2000:169), a “ruptura dos limites de cada estrato da língua,

associada à mistura de critérios, cria por vezes contradições e equívocos”, e, para que haja

‘coerência’, propõe que não se misturem critérios heterogêneos.

Sandmann ([1988] 1989: 127-130) inicia a discussão acerca da distinção entre

composto e grupo sintático, informando que os compostos formados por A+S, S+A e

S+de+S apresentam uma identidade muito próxima à dos grupos sintáticos e, por isso, há

uma maior dificuldade em distingui-los. Com o objetivo de criticar a abordagem

Page 56: METÁFORA E METONÍMIA

55

transformacionalista e de destacar a função designativa dos compostos, o autor cita Gaucer

(1971: 159):

“Nem do ponto de vista histórico nem do sistemático a composição se originou da frase. A composição não é uma frase condensada ou que encolheu. A palavra composta diz alguma coisa sobre seu intento. Sua função designativa ou ‘nominativa’ pode ser desdobrada, em parte, numa função declarativa. Mesmo assim sua função designativa continua sendo a mais importante.”

Sandmann demarca a função dos compostos e dos grupos sintáticos por meio dos

exemplos ‘Tomara que caia!’, ‘Maria vai com as outras’, ‘tomara-que-caia’ e ‘maria-vai-

com-as-outras’. Aos sintagmas oracionais, cabe a função de exprimir desejo e fazer uma

afirmação, já aos compostos, designar uma blusa e uma pessoa sem vontade própria.

Segundo o autor, os compostos perderam as funções expressas pelas frases. Outro aspecto

que os difere é a “sensação de novidade” evocada a cada palavra nova, que não ocorre com

as frases, uma vez que os sintagmas oracionais, a cada manifestação, são uma nova

ocorrência da mesma construção; portanto, o caráter de novidade não tem tanta evidência.

Contudo, Sandmann observa que a função designativa não é suficiente para

distinguir os compostos dos grupos sintáticos, já que há grupos sintáticos permanentes que

são designativos. Exemplos do autor: ‘toda vida’, ‘Nossa Senhora’, ‘pintar o sete’, ‘tomar

pé’, ‘tomar conta’, ‘abrir mão de’.

O autor apresenta outras formas de realizar tal distinção, utilizando-se de critérios

fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos. Entretanto, declara que, no português,

os três primeiros critérios não funcionam para todos os tipos de formação existentes na

língua, sendo o critério semântico o melhor para fazer tal distinção: “Muitas vezes a

distinção se pode fazer apenas por um desses critérios” (SANDMANN, [1988] 1989: 129).

Sandmann (op.cit) retoma a discussão sobre o signo linguístico, afirmando que a

relação significante e significado é que diferencia mais claramente a “palavra complexa

Page 57: METÁFORA E METONÍMIA

56

ideal” do grupo sintático correspondente. O autor [1988] 1989: 129) observa que “nem

todos os compostos se distinguem em igual medida dos grupos sintáticos.”

Nas discussões propostas em torno da diferenciação entre composto e grupo

sintático, destaca-se a instabilidade de padrões que pretendem descrever o comportamento

dos compostos. A análise proposta por Basilio (2000) resume-se a um exemplo de

formação V+S, que contempla todos os aspectos tidos como fundamentais para caracterizar

um composto, mas, das estruturas consideradas marginais, apenas analisa um exemplo de

formação S+A, ‘óculos escuros’, o qual a autora não enquadra como composto, por

apresentar a variante ‘óculos pretos’, que, segundo ela, é empregada na “língua popular”.

Todavia, esse argumento invalidaria o exemplo 'guarda-roupa', utilizado pela autora na

formação V+S, uma vez que este também apresenta uma variante: ‘guarda-vestido’. Na

verdade, isso apenas ratifica a complexidade do assunto e a fragilidade das proposições.

Monteiro (1986), para definir parâmetros que possam identificar os compostos de

forma precisa, restringe-os conceitualmente, ajustando estes ao processo morfológico. Com

isso, cria uma série de locuções que anteriormente pertenciam ao grupo dos compostos e

apresenta locuções verbais, adjetivas e adverbiais que não têm caráter designativo.

Já Sandmann ([1988] 1989: 128-129) enfatiza a função designativa dos compostos,

observando que esta não é o bastante para caracterizá-lo, já que grupos sintáticos

permanentes também podem nomear. Lançando mão dos critérios gramaticais, ressalta que

apenas um deles pode ser diferenciador, mas deixa claro que “nem todos os compostos se

distinguem em igual medida dos grupos sintáticos.” A flexibilidade dos critérios

disponíveis corrobora com a concepção cognitivista de que a estrutura da linguagem não

funciona em módulos, como já dito anteriormente. Portanto, um dos problemas na

distinção entre compostos e grupos sintáticos é a tentativa de encaixá-los em categorias

precisas. Por tudo isso, propomos um continuum entre grupo sintático e compostos. Na

Page 58: METÁFORA E METONÍMIA

57

próxima seção, analisar-se-ão as estruturas e a relevância dos critérios fonológicos,

morfológicos, sintáticos e semântico para a elaboração desse continuum.

4.4 Estrutura dos Compostos

Sandmann ([1988] 1989: 117, 123, 139) afirma que, em português, registram-se as

seguintes estruturas, como modelos de composição: Adjetivo + Adjetivo (A+A), Adjetivo

+ Substantivo (A+S), Substantivo + Numeral (S+Num), Substantivo + Adjetivo (S+A),

Substantivo + de + Substantivo (S+de+S), Substantivo + Substantivo (S+S) e Verbo +

Substantivo (V+S). Ressalva, porém, que o modelo S+S pode ser considerado um possível

empréstimo do inglês.

A ligação entre essas categorias, segundo o autor, estrutura-se por subordinação

ou coordenação. A subordinação é representada pela sequência DM-DT (determinado–

determinante), própria dos compostos do português, ou pela sequência DT-DM

(determinante – determinado), “influência de modelos estrangeiros bem como,

possivelmente, do modelo de prefixação”. Já na coordenação, as palavras exercem funções

equivalentes; portanto, não há núcleo e modificador. Segundo Sandmann ([1988] 1989:

118), a relação de subordinação pode ser estabelecida entre elementos da mesma classe ou

não, ao passo que a coordenação exige elementos da mesma classe de palavras.

Para ilustrar essas relações, o autor ([1988] 1989: 118) apresenta alguns exemplos,

entre eles ’piano-bar’ e ‘bar-restaurante’. No primeiro, há junção de dois substantivos, mas

semanticamente seus valores são distintos, uma vez que o primeiro especifica o significado

do segundo; logo, ‘piano’ é determinante e ‘bar’, determinado: “temos aqui um X (bar),

que tem alguma coisa a ver com Y (piano) ” (loc. cit.). Já no segundo, apesar de ser

constituído por dois substantivos, os termos possuem o mesmo valor: “do ponto de vista

Page 59: METÁFORA E METONÍMIA

58

semântico pode-se dizer que é apresentada uma coisa nova, produto da soma de ambos os

constituintes” ([1988] 1989: 118).

Essas relações parecem mais relevantes na construção do significado dos

compostos subordinativos do tipo S+S e A+A, já que são palavras complexas constituídas

por elementos da mesma classe. Por meio dos exemplos ‘palavra-chave’ (S+S),

‘espaçonave’ (S+S), ‘policial-militar’ (A+A), ‘ritmo afro-brasileiro’ (A+A), apresentados

pelo autor ([1988] 1989: 123, 126, 140, 141), observa-se o papel significativo dessas

sequências. Em ‘palavra-chave’, ‘palavra’ é o determinado, o núcleo especificado por

‘chave’, o determinante; já em 'espaçonave’ a relação é inversa – 'espaço' é o determinante,

o modificador, enquanto ‘nave’ é o determinado. Nos modelos A+A, ‘policial’ é o

determinado e ‘militar’ é o determinante, pois restringe o significado de ‘policial’. Por sua

vez, ‘afro’ é determinante e ‘brasileiro’ é determinado: trata-se de um ritmo que é

brasileiro com peculiaridades africanas. Dessa forma, é possível identificar o significado

central da construção.

Considerando o corpus ora analisado, os compostos formados com o item lexical

‘pé’, em geral, apresentam os modelos S+de+S, S+A, S+S, V+S e os seus componentes

estabelecem uma relação subordinativa predominantemente DM-DT, havendo apenas dois

casos com estruturação DT-DM: ‘pontapé’ e ‘rodapé’. O quadro abaixo demonstra o

comportamento desses compostos concernente à posição do núcleo.

Relação de subordinação

DM-DT DT-DM

Pé de cana Pontapé Pé-frio Rodapé

Pé-quente

Page 60: METÁFORA E METONÍMIA

59

Pé no chão

Pé-rapado

Pé-sujo

Pé de chinelo Pé-de-meia

Pé da cama

Pé de ouvido Pé na tábua

Pé de valsa

Pé de cabra

Pé de pato

Pé de galinha

Pé-direito

Pé-d’água Pé de vento

Pé de página

Pé de chumbo

Pé de moleque Pé de árvore

Rapapé

Arrasta-pé Busca pé

Finca-pé

Lava-pé Quadro 3: Relação sintática dos compostos com pé

Embora o modelo S+de+S, segundo Sandmann ([1988] 1989: 135), traga incertezas

sobre a sua definição, pois tem propriedades muito semelhantes ao grupo sintático, como a

acentuação e a flexão de número, podemos afirmar que, nas construções ‘pé-de-S’,

listadas no quadro 1, ‘pé’ é o núcleo, uma vez que ‘de+S’ comporta-se como uma locução

adjetiva, isto é, um especificador de ‘pé’.

Page 61: METÁFORA E METONÍMIA

60

O modelo S+A, presente em ‘pé-frio’, ‘pé-quente’, ‘pé-rapado’, ‘pé-sujo’ e ‘pé-

direito’, reproduz a relação de dependência do adjetivo para com o substantivo, própria dos

sintagmas nominais; portanto, o substantivo é o núcleo e o adjetivo, o especificador.

‘Pontapé’ e ‘rodapé’ são os únicos exemplos do tipo S+S que possuem a sequência

DT-DM. Ainda assim, ‘pé’ continua sendo núcleo. Essa relação sintático-semântica não

deve ser ignorada, pois, como já defendido na seção 4.2, a forma e a estruturação sintática

têm implicações semânticas. Ao assumir a primeira posição, o determinante ganha

destaque, pois, em ‘pontapé’, focaliza-se parte do pé e, em ‘rodapé’ (“barra de madeira que

se coloca ao longo das paredes”), o contorno, que não precisa ser necessariamente circular.

O modelo V+S, semelhante ao sintagma verbal, tem no verbo seu núcleo e, por isso

mesmo, a sequência é do tipo DM-DT. Para ratificar a relevância da forma e da relação

entre os termos na construção do significado, podemos comparar ‘rapapé’ (bajulação) a ‘pé

rapado’ (pobre). No primeiro exemplo, modelo V+S de sequência DM-DT, o verbo,

conforme Sandmann ([1988] 1989: 137), assume a forma temática; já no segundo, modelo

S+A de sequência DM-DT, o verbo ‘rapar’ toma a forma nominal do particípio15 e adquire

valor de adjetivo.

Entre os compostos analisados, foi encontrado apenas o dado ‘pé pé’ (coxo)

estabelecendo uma relação coordenativa.

Considerando os modelos V+S, S+de+S, S+A, S+S, pertinentes ao corpus aqui

analisado, as relações sintático-semânticas DM-DT ou DT-DM e os critérios fonológico,

15 Segundo Mira Mateus et al. (Gramática da LP, Lisboa: Caminho, 2003: 374-375), embora os particípios adjetivais partilhem muitas propriedades sintáticas e morfológicas com os adjetivos, há particípios que são verdadeiras formas verbais. Para as autoras, a diferença entre particípios e adjetivos reside na possibilidade de os particípios serem acompanhados de advérbios temporais/aspectuais e na impossibilidade de serem antepostos aos nomes. Ao contrário, são adjetivos os itens que não admitem esses advérbios e podem vir antepostos aos nomes. Já de acordo com Henriques (Sintaxe Portuguesa, Rio de Janeiro: Oficina do autor, 2003: 135), o adjetivo participial não se confunde com o particípio (forma nominal do verbo) porque o particípio concorda obrigatoriamente com o termo que é seu sujeito; ao passo que o adjetivo, com o termo que pode desempenhar uma função sintática qualquer (inclusive sujeito, mas de outro verbo).

Page 62: METÁFORA E METONÍMIA

61

morfológico, sintático e semântico, pretende-se identificar as formas prototípicas e

periféricas dos compostos.

4.5 Modelo V+S

A estrutura V+S, como apresentado por Basilio (2000: 15-16) e comentado na

seção 4.3, apresenta características que a diferenciam do grupo sintático nos aspectos

morfológico, fonológico, sintático e semântico.

Morfologicamente, na composição V+S, o verbo está cristalizado na sua forma

temática e não realiza flexão verbal. ‘Rapapé’ (“bajulação”), ‘arrasta-pé’ (“forró”) e ‘busca

pé’ (“espécie de fogos de artifício”) apresentam a combinação radical mais vogal temática.

Além disso, todos os verbos são de primeira conjugação: ‘rap + a = rapa’, ‘arrast + a =

arrasta’ e ‘busc + a = busca’.

Segundo Sandmann ([1988] 1989: 138), nesses compostos, a pauta acentual é

diferente, pois o acento do verbo torna-se mais fraco, passando a secundário. No grupo

sintático, diferentemente, o verbo recebe o acento primário. Os exemplos a seguir ilustram

essa diferença; neles, o acento grave foi utilizado para indicar os acentos secundários e o

agudo, os acentos primários.

(09) “Ò arràsta-pé dòs famósos.”

(http://ibahia.com/detalhe/noticia/elba-ramalho-e-gilberto-gil-em-arrasta-pe-no-centro-

historico/)

(10) Meníno arrásta pé pèlo gramádo.

O autor (op. cit.) afirma que os compostos distinguem-se sintaticamente por não

admitirem intercalação de adjuntos, como no grupo sintático (‘rapa o pé’), e por poderem

ser especificados por determinantes (‘famigerado rapapé’).

Page 63: METÁFORA E METONÍMIA

62

Sandmann ([1988] 1989: 138) assevera que os aspectos semânticos, sobretudo, são

os responsáveis pela distinção entre compostos do tipo V+S e grupos sintáticos paralelos.

Acrescenta ainda que o conhecimento enciclopédico, associado ao conhecimento

pragmático, garante o significado global da composição. A significação do produto final de

uma composição não resulta da soma do significado dos seus componentes, uma vez que,

na construção de um novo significado, subjazem processos metafóricos e/ou metonímicos.

Logo, o MCI e o frame acessados pelo composto ‘busca pé’, por exemplo, estabelecem que

seu significado não é a soma de suas partes, mas construído a partir de uma relação de

semelhança entre os domínios conceptuais projetados, já que esse artefato pirotécnico

funciona como uma serpente em busca do pé das pessoas. No exemplo (11), abaixo, tal

significado é ampliado, ao comparar a velocidade da divulgação de uma notícia à

velocidade do movimento do artefato.

(11) “O vereador Tarcizo Freire se prepara para ir para o Partido dos Trabalhadores e disputar a prefeitura de Arapiraca. A notícia já corre pela cidade, como busca-pé em época de festas juninas.” (http://cadaminuto.com.br/noticia/2011/04/12/)

Portanto, é possível identificar essa estrutura como uma composição em função do

conjunto de critérios que atuam na sua formação.

4.6 O modelo S+S

Os compostos S+S, como já observado neste capítulo, não são uma formação

sintagmática comum em português, assim como a sequência DT-DM em estruturas de

composição. Sandamnn considera esse padrão um possível estrangeirismo oriundo do

inglês e essa origem já os distingue dos demais modelos. Os encontrados no corpus são

Page 64: METÁFORA E METONÍMIA

63

escritos juntos, como ‘pontapé’ e ‘rodapé’, e não permitem a intercalação de determinantes

entre as palavras que os compõem.

Semanticamente, a sequência DT-DM, como já exposto na seção 4.4, é relevante

para a construção do significado, uma vez que destaca, assim como o modelo A+S, não

tratado aqui, o caráter explicativo do determinante (SANDMANN, [1988] 1989: 133). No

tocante ao aspecto morfológico, apenas o último elemento recebe flexão. E em relação ao

aspecto fonológico, o autor (1991: 69) afirma que o primeiro elemento é átono. Esse

modelo, semelhante ao V+S, distingue-se do grupo sintático por meio da atuação de todos

os critérios.

4.7 Os modelos S+de+S e S+A

Os modelos analisados nesta seção não se distinguem facilmente dos grupos

sintáticos. De acordo com Sandmann ([1988] 1989: 130-131), morfologicamente os

modelos S+A, S+ de+S não apresentam um único padrão flexional. O plural de ‘pé-frio’ é

‘pés-frios’, já o plural de ‘pé de moleque’ é ‘pés de moleque’. As flexões de gênero e

número encontradas nos grupos paralelos realizam-se da mesma forma que nesses

compostos. Pelo critério fonológico, de acordo com o autor ([1988] 1989: 130), não é

possível diferençá-los:

“Excetuando os compostos do tipo V+S, (...) o acento não é suficiente para diferençar um composto de grupo sintático paralelo, quer se entenda por acento a intensidade, a duração ou a altura: A menina desenhou um pé de moleque não pode ser diferenciado de A menina desenhou um pé-de-moleque, só do ponto de vista fonológico. O grupo de palavras pé de moleque e o composto pé-de-moleque têm na frase a mesma distribuição.”

Em relação ao aspecto sintático, essas estruturas são iguais ao sintagma nominal

correspondente. No entanto, o critério sintático, como afirma Sandmann ([1988] 1989:

131, 1991:8), é útil para distinguir compostos de grupos sintáticos eventuais, pois “um

composto é um sintagma que só pode ser especificado globalmente”. A especificação de

Page 65: METÁFORA E METONÍMIA

64

composto refere-se ao seu todo e não apenas a um dos elementos. O exemplo abaixo

demonstra como se dá essa relação.

(12) “Pra ninguém achar que eu não gosto de um bom pé sujo, aí vai minha dica”.

(www.jblog.com.br/robertamalta.php?itemid=1470)

Em (12), ‘bom’ especifica todo o significado e não apenas 'sujo' ou 'pé'. ‘Bom’

também não pode coordenar-se isoladamente com um dos termos, como em 'pé sujo e bom'

ou 'pé bom e sujo'. Relação igual pode ser observada em (13):

(13) “Não sinto falta do trabalho, tenho tudo de que preciso, controlo os meus rendimentos

(fiz um ótimo pé-de-meia, porque não sou boba) e adoro ser dona de casa ...”

(claudia.abril.com.br/materias/4575/?sh=28&cnl=21)

Sandmann ([1988] 1989: 132-134; 1991: 8) elege o critério semântico como o

melhor para diferenciar os compostos dos grupos sintáticos eventuais e destaca a

relevância dos processos metonímicos e metafóricos para essa distinção. Conclui indicando

que “ao lado da função designativa o isolamento do significado é fator mais importante

para formar de um grupo sintático uma palavra composta.” Nesses modelos, o critério

sintático, juntamente com o semântico, distingue a composição do grupo sintático paralelo.

4.8 Modelos Prototípicos e Periféricos

Considerando os modelos comentados nas seções precedentes, observa-se que

algumas estruturas distinguem-se mais facilmente dos seus grupos sintáticos paralelos que

outras. Isso ocorre pelo fato de esses modelos comportarem-se diferentemente dos grupos

Page 66: METÁFORA E METONÍMIA

65

sintáticos em relação aos critérios definidores: morfológico, fonológico, sintático e

semântico. Tais critérios parecem funcionar como filtros, uma vez que a palavra complexa,

diferenciando-se do grupo sintático em cada um desses critérios, mais próxima está do

status de composição. Nesse caso, o modelo V+S pode ser alçado à condição de membro

prototípico da categoria dos compostos.

O modelo S+S (DT-DM), assim como o anterior, pode ser considerado um membro

prototípico, já que as palavras que o compõem sofrem mudanças morfológica, fonológica,

sintática e semântica; contudo, vale ressaltar que “não é comum um substantivo especificar

outro dentro da sentença” (SANDMANN, 1991: 12).

Analisando os compostos como uma categoria radial, isto é, em que há membros

mais salientes que outros, os modelos S+de+S e S+A devem ser avaliados como elementos

periféricos dessa categoria, já que não se diferenciam dos seus grupos sintáticos paralelos

em todos os critérios, distinguem-se desses apenas por sua função designativa e seu

comportamento sintática diferenciado. Observando o corpus investigado, parecem ser a

designação e a sintaxe fatores relevantes para caracterização de um composto, mas não o

suficiente, pois a identificação desses modelos como compostos não se faz facilmente,

justamente por não possuírem todas as características do prototípico.

Um dos polos do continuum é formado pelos compostos prototípicos, considerando

a sua complexidade, e os compostos periféricos como membros intermediários. Na

próxima seção, será analisado o outro polo desse continuum, em que se posicionam os

grupos sintáticos e as expressões idiomáticas.

4.9 Grupos sintáticos x. Expressões idiomáticas

Segundo Sandmann (1990: 04), “grupo sintático é toda sequência, fixa ou eventual,

que, em certo sentido, é homônima da palavra composta”. O autor, analisando os exemplos

Page 67: METÁFORA E METONÍMIA

66

‘Recolhi a roupa do varal e estou sentindo falta de um pé de meia’ e ‘ O submarino lança

foguetes continuamente’, classifica o sintagma nominal ‘pé de meia’ e o sintagma verbal

‘lança foguetes’ como grupos sintáticos eventuais. Já os sintagmas nominais ‘cheque de

viagem’ e ‘meio ambiente’, advindos dos exemplos ‘Vou pagar com cheque de viagem’ e

‘Aumentam as preocupações com o meio ambiente’, são classificados por ele como

sequências fixas ou permanentes.

Sandmann (1990: 04.) assevera que grupos sintáticos fixos ou permanentes são

aqueles em que, como nos compostos, o “valor sintático se cristalizou num novo valor

morfológico (...) cujas funções são rotular, permanentemente, um recorte do nosso

universo biofisicossocial, e como tais são estocadas no léxico da língua.”

Como mencionado anteriormente, a função designativa, embora não o bastante,

caracteriza os compostos, enquanto a função “enunciativa ou elocucional”, de acordo com

Sandmann (1990: 04), particulariza a sentença. Contudo, para distinguir os compostos dos

grupos sintáticos, o autor (1990: 06) sugere que seja feita alguma forma de isolamento ou

distanciamento em que opere um dos critérios já enumerados: semântico, sintático,

fonológico ou morfológico. Sandmann (1990: 06) conclui afirmando que

“A propósito vale ressaltar que essa distinção ganha em nitidez, exibe contornos mais claros, se mais fatores de diferenciação se somarem, p. ex. os fatores semântico, morfológico, sintático e fonológico observáveis no composto pontapé, ou os fatores morfológico, sintático e fonológico destacáveis em narcotráfico e motosserra.”

A partir das análises e as propostas sugeridas por Sandmann, parece-nos,

inicialmente, que os grupos sintáticos eventuais diferenciam-se mais facilmente dos

compostos, conforme os critérios já arrolados, por seu caráter enunciativo, como em

‘quebrei o pé direito’ e ‘O submarino lança foguetes continuamente’. ‘Pé direito’ não faz

menção à altura entre o piso e o teto ou a um fator de sorte, e ‘lança foguetes’ não tem a

Page 68: METÁFORA E METONÍMIA

67

função de nomear uma espécie de armamento. Porém, este último exemplo concorre com o

composto de modelo V+S, apresentado, na seção 4.4, como modelo prototípico – aquele

que se distingue facilmente do grupo sintático paralelo. Portanto, faz-se necessário um

maior número de dados a fim de que se verifique se a função enunciativa é satisfatória para

identificar um grupo sintático eventual prototípico.

A complexidade apresenta-se no exemplo ‘pé de meia’. O autor classifica-o entre

os grupos sintáticos eventuais; no entanto, esse sintagma tem função designativa.

Diferentemente de ‘pé de meia’ (significando economias), aquele admite intercalação de

determinantes, como em a) ‘perdi um pé novinho de meia’ ou b) ‘alguém viu um pé da

minha meia?’ ou c) ‘o pé da meia sumiu’. Em (a), interpõe-se entre ‘pé’ e ‘de meia’ o

adjetivo novinho; já em (b), o artigo ‘a’ aparece contraído com a preposição ‘de’ e é

inserido o pronome possessivo entre ‘de’ e ‘meia’; e, em (c), novamente, o artigo ‘a’

aparece contraído com a preposição ‘de’, o que o distancia dos compostos. Portanto,

acreditamos que ‘pé de meia’ está em um ponto intermediário de um possível continuum

grupo sintático – composição, uma vez que apresenta a função designativa, própria dos

compostos, ao mesmo tempo que possui comportamento sintático semelhante ao do grupo

sintático eventual.

Em relação ao grupo sintático permanente, uma análise mais acurada, respaldada

nos critérios norteadores, é bem-vinda, para identificar os fatores que o afastam dos

compostos, pois a posição periférica dentro do grupo sintático parece-nos consequência de

sua função designativa.

Os critérios relacionados para caracterizar o perfil de um grupo sintático prototípico

demonstram-se não satisfatórios e, por isso, lançaremos mão das análises sobre expressões

idiomáticas fundamentadas no arcabouço teórico da linguística cognitiva, o que contribuirá

Page 69: METÁFORA E METONÍMIA

68

para identificar o grupo sintático prototípico, uma vez que a teoria propõe um continuum

entre grupo sintático e expressões idiomáticas.

4.10 Expressões idiomáticas

Croft & Cruse ([2004] 2009:230) afirmam que é difícil definir precisamente a

categoria expressões idiomáticas. Segundo Cuenca & Hilfert (1999: 116), essa dificuldade

origina-se no seu caráter híbrido – em parte sintagmático, em parte lexical.

Ancorados, principalmente, nas análises de Fillmore et alii (1988), Croft & Cruse

([2004] 2009: 231-234) apresentam as expressões idiomáticas através da descrição de suas

características. Fillmore et alii (1988) agrupam-nas focalizando a constituição semântica,

sintática e lexical dessas formações. Apresentamos, a seguir, as principais características

desse tipo de forma linguística:

4.10.1 “Encoding idiom” x “decoding idiom16”

Encoding idioms são expressões interpretáveis por meio de regras sintáticas padrão,

mas o significado veiculado não é prototípico. O exemplo citado é ‘answer the door’,

(“responder a porta”), “abrir a porta”. Nesse contexto, espera-se que o complemento verbal

selecionado pelo verbo ‘responder’ seja humano; contudo, isso não impossibilita o falante

de construir o significado da expressão. Do mesmo modo acontece com ‘não chegar aos

pés de’, em que se espera que o complemento verbal seja um ponto a ser atingindo após

um deslocamento; porém, a compreensão metafórica de ‘aos pés’ possibilita o

entendimento.

16 Optamos, nesta seção, por manter as classificações em inglês, uma vez que não encontramos termos adequados em português.

Page 70: METÁFORA E METONÍMIA

69

Decoding idioms são expressões em que as partes que as constituem não são

transparentes, segundo o modelo componencial, pois não há correspondência semântica

entre o significado básico das partes e o manifestado pela expressão. Por isso mesmo, não

é possível compreender o seu significado através das partes constituintes, nem mesmo

metaforicamente. Croft & Cruse ([2004] 2009: 232) citam o exemplo de Fillmore et alii

(1988), ‘kick the bucket’ (“chutar o balde”), que, em inglês, significa ‘die’ (“morrer”). No

corpus analisado, a expressão ‘com os pés nas costas’ apresenta características próximas às

expostas, uma vez que significa “com facilidade”; entretanto, fisicamente, é quase

impossível pôr os pés nas costas, a não ser para aqueles que têm uma flexibilidade

incomum; logo, não há facilidade em pôr os pés nas costas, muito menos em realizar outra

tarefa com eles em tal posição.

Segundo Croft & Cruse ([2004] 2009: 232), a distinção entre encoding idiom e

decoding idiom está no contraste com as expressões sintáticas regulares, que seguem as

regras de interpretação, ou seja, relacionam o componente sintático ao componente

semântico, e as que não são interpretáveis por meio dessa relação. Na expressão ‘kick the

bucket’ (“morrer”), compreendida como decoding idiom, as regras de interpretação não se

aplicam. Já no exemplo ‘spill the beans’, apontado pelos autores como encoding idiom, por

significar ‘divulge information’ (“divulgar a informação”), há correspondência entre os

componentes sintático e semântico. Mas a interpretação de ‘spill’ como ‘divulge’ e ‘beans’

como ‘information’ só é possível na expressão idiomática; portanto, o significado da

expressão não pode ser determinado a partir de regras gerais de interpretação semântica

para as palavras ou para a estrutura sintática.

Ao empregar uma encoding idiom, os falantes constroem o significado por meio de

formas linguísticas necessárias para expressá-lo, enquanto, ao usar uma decoding idiom, os

falantes constroem o significado de expressões linguísticas que já estão pré-estabelecidas.

Page 71: METÁFORA E METONÍMIA

70

Na primeira, o significado constrói-se pelo acesso às regras gramaticais padrão da língua,

considerando a relevância dos papéis dos interlocutores, assim como o contexto social, o

contexto cultural e as experiências humanas. Na segunda, o conhecimento enciclopédico

ganha uma relevância maior, pois o significado não pode ser construído apenas utilizando

padrões linguísticos, já que a situação comunicativa torna-se proeminente para se

interpretar o significado construído para a expressão.

Croft & Cruise ([2004] 2009: 232) salientam que expressões transparentes tornam-

se opacas, caso os falantes não compartilhem o mesmo conhecimento de mundo para

entender o significado construído. Um exemplo para ilustrar o que foi exposto é a

expressão ‘esculpido e encarnado’ que significa “extremamente parecido”. Com o tempo, a

expressão sofreu corruptelas, chegando à ‘cuspido e escarrado’ e apenas a situação

comunicativa pode evocar o significado original.

A segunda característica observada por Fillmore et alii (1988) refere-se às regras

sintáticas, como vemos em 4.10.2, a seguir.

4.10.2 “Grammatical” x “Extragrammatical”.

Grammaticals são expressões idiomáticas passíveis de análise de acordo com a

regra sintática geral da língua, mas não são analisáveis semanticamente. ‘Kick the bucket’

segue a regra sintática geral do inglês: o objeto direto pospõe-se ao verbo. Em geral, as

expressões idiomáticas com a palavra ‘pé’ respeitam as regras sintáticas do português, a

exemplo de ‘cair de pé’, verbo e adjunto adverbial; e ‘não arredar o pé’, adjunto adverbial,

verbo e complemento verbal.

Extragrammaticals são expressões que não podem ser analisadas por meio de

regras sintáticas gerais da língua. Entre os vários exemplos apresentados pelos autores,

‘sight unseen’ (“visão do invisível”) ilustra a “extragramaticalidade” da expressão, já que

Page 72: METÁFORA E METONÍMIA

71

apresenta um adjetivo posposto ao substantivo; em inglês, comumente, é o adjetivo que

antecede o substantivo. No corpus analisado, não foi encontrado nenhum dado com esse

perfil.

Segundo Croft & Cruse ([2004] 2009: 233), a obediência ou não às regras sintáticas

distingue a expressão grammatical da extragrammatical. Na expressão extragrammatical,

é justamente o desvio da regra que confere à sentença o caráter de expressão idiomática.

A terceira característica está relacionada aos elementos lexicais que compõem a

expressão, como vemos na sequência.

4.10.3 “Substantive” x “Formal”

Substantives são expressões lexicalmente preenchidas, isto é, as unidades lexicais

que a compõem, assim como sua estrutura morfológica e sintática, são fixas, como em ‘It

takes one to know one’ (“o sujo falando do mal lavado”), em que não é possível flexionar o

verbo ‘*It took one to know one’. Sob esse viés, em português, a expressão ‘um pé no

saco’ é do tipo substantive, uma vez que a flexão ‘*uns pés no saco’ altera o significado da

sentença e a descaracteriza como expressão idiomática.

Formal, termo utilizado por Fillmore, que corresponde ao que Langacker denomina

de schematic, é a expressão lexicalmente aberta, ou seja, parte da sentença pode ser

preenchida com elementos linguísticos sintática ou semanticamente apropriados para

ocupar a posição disponível. Em ‘(X) blows X’s nose’, X pode ser preenchido por um

sintagma nominal e X’s pelo pronome possessivo correspondente a X, como em ‘I blew

my nose’ (“Eu quebrei o meu nariz”) ou ‘They all blew their noses’ (“Eles quebraram seus

narizes”).

A distinção entre substantive e schematic (denominação escolhida por Croft &

Cruse ([2004] 2009: 234) por indicar uma categoria mais geral) repousa sobre expressões

Page 73: METÁFORA E METONÍMIA

72

sintáticas regulares e escolhas lexicais. Fillmore et alii (1988) encerram a discussão,

abordando a questão da pragmática, e afirmam que há expressões usadas somente em

situações comunicativas específicas, tais como ‘good morning’ (“bom dia”) ou ‘see you

later’ (“até logo”), e outras que não requerem um contexto de uso particular para serem

proferidas, como ‘all of a sudden’ (“inesperadamente”).

Todas as características acima apresentadas são parâmetros para categorizar as

expressões idiomáticas em três tipos, de acordo com Fillmore et alii: a) unfamiliar pieces

unfamiliarly arranged, b) familiar pieces unfamiliarly arranged e c) familiar pieces

familiarly arranged.

A primeira categoria refere-se a expressões formadas por palavras que só existem

em sua constituição. Essas expressões são irregulares nos níveis lexical, semântico e

sintático. As palavras são compreendidas como irregulares, uma vez que não existem fora

da expressão idiomática e não preenchem nenhuma posição na estrutura sintática canônica.

O autor ilustra esse comportamento com o exemplo ‘kith and kin’ relativo a ‘family and

friends’ (“família e amigos”). ‘Kin’ refere-se a parentes, familiares, e ‘kith’, a amigos;

entretanto, o uso dessas palavras é reservado à expressão idiomática.

Na segunda categoria, o léxico é regular, isto é, não está restrito à expressão, mas a

sintaxe e a semântica são irregulares, a exemplo da já citada ‘all of a sudden’. Segundo a

regra geral da língua inglesa, ‘all of’ deve ser seguido do artigo definido ‘the’.

Semanticamente, o significado não está diretamente relacionado às partes constituintes da

expressão.

Na terceira e última categoria, o léxico e a sintaxe são regulares, mas a semântica é

irregular, a exemplo de ‘tickle the ivories’ (fazer cócegas no marfim), expressão utilizada

metonimicamente para expressar o toque suave nas teclas do piano.

Page 74: METÁFORA E METONÍMIA

73

Croft & Cruse ([2004] 2009: 236) apresentam um quadro comparativo entre as três

categorias de expressões idiomáticas e as expressões sintáticas regulares.

Léxico Sintaxe Semântica

Unfamiliar pieces unfamiliarly arranged irregular irregular irregular

Familiar pieces unfamiliarly arranged regular irregular irregular

Familiar pieces familiarly arranged regular regular irregular

Regular syntactic expressions regular regular regular

Quadro 4: expressões idiomáticas vs. expressões sintáticas regulares.

Inferimos das descrições das características das expressões idiomáticas que o

pareamento significado e significante, quando constrói um significado básico, ou seja,

quando são acionados os significados prototípicos das partes, implica uma expressão

sintática regular; por outro lado, quando esse pareamento resulta num significado diferente

do prototípico, o resultado é uma expressão idiomática.

Fillmore et alii (1988) argumentam que a forma apropriada para representar o

conhecimento do falante sobre as expressões idiomáticas é entendê-las como construções,

isto é, como expressões idiomáticas esquemáticas. Algumas posições da construção estão

lexicalmente abertas; assim, a descrição apropriada da expressão idiomática não deve

simplesmente compreendê-la como “item lexical frasal”. Diante do exposto, Croft & Cruse

(op. cit.) afirmam que expressões idiomáticas do tipo substantive, ou seja, as lexicalmente

preenchidas, construídas a partir das regras gerais da língua e constituídas de léxico

Page 75: METÁFORA E METONÍMIA

74

familiar, não rompem drasticamente com o modelo componencial17 de organização da

gramática e podem ser simplesmente listadas como itens lexicais.

Ao contrário, as expressões idiomáticas esquemáticas não podem ser listadas no

léxico, pois são semanticamente irregulares e podem ser também sintática e lexicalmente

irregulares. Como as propriedades sintática, semântica e, em alguns casos, pragmática, das

expressões não podem ser previstas a partir das regras gerais próprias dos componentes

sintático, semântico e pragmático ou das regras gerais de relação desses componentes,

devem estar diretamente associadas à construção; portanto, os componentes sintático e

semântico são partes integradas da construção individual. Da mesma forma que o léxico, as

expressões idiomáticas são estruturas que combinam informações sintáticas, semânticas e

fonológicas.

Segundo Croft & Cruse ([2004] 2009: 247), uma construção é uma configuração

sintática com um ou mais itens preenchidos ou não. Cada expressão ativa uma

interpretação semântica e, algumas vezes, um significado pragmático próprio.

Fillmore et alii (1988) retomam a discussão sobre a oposição entre as expressões

idiomáticas lexicalmente preenchidas e as abertas e afirmam que não há uma distinção

precisa entre elas, pois expressões abertas variam consideravelmente em sua

esquematicidade. Por esse motivo, propõem um continuum substantive – schematic, em

que figuram em um polo as expressões lexicalmente fechadas e, no outro, as lexicalmente

abertas.

As substantive idioms são expressões fixas em relação aos elementos constituintes,

mas admitem flexão das categorias gramaticais. O verbo do exemplo ‘kick the bucket’

pode sofrer flexão de tempo como em ‘Jake kicked the bucket’. 17“In most theories of generative grammar, a speaker’s grammatical knowledge is organized into components. Each component describes one dimension of the properties of a sentence. (…) In other words, each component separates out the specific type of linguistic information that is contained in a sentence: phonological, syntactic and semantic.” (Croft & Cruse ([2004] 2009: 236-7)

Page 76: METÁFORA E METONÍMIA

75

Embora as expressões idiomáticas arroladas no corpus analisado possuam um

comportamento particular e distinto das expressões analisadas em inglês por Fillmore et

alii (1988), pretendemos traçar um paralelo entre as possíveis semelhanças estruturais

dessas construções.

Em algumas formações com ‘pé’, observadas nos exemplos abaixo, o

comportamento de ‘tomar’, em ‘tomar pé’ assemelha-se ao de ‘kick’, em ‘kick the bucket’,

como se observa nos exemplos a seguir:

(a) ‘De volta, Filippi diz que vai tomar pé da situação.’

(http://ultimosegundo.ig.com.br/eleições)

(b) ‘Estou começando a tomar pé da situação agora, com mais detalhes. Mas o que

está sendo objeto de investigação vai continuar sendo.’

(http://www.portalct.com.br)

(c) ‘O governador eleito Ricardo Coutinho (PSB) ainda nem tomou pé da situação

administrativa do Estado’(http://www.herculanopereira.com)

No primeiro e no segundo exemplos, o verbo é utilizado no infinitivo e aceita

compor uma locução verbal com verbos auxiliares distintos – ‘ir’, ‘estar e começar’,

respectivamente. Esses verbos posicionam-se antes da expressão idiomática; portanto, não

comprometem a classificação da expressão como lexicalmente preenchida. Os verbos

auxiliares têm a função de indicar o modo e o tempo do verbo principal. No entanto, em

(a), o verbo ‘ir’ parece indicar a noção de uma ação eminente. Comportamento semelhante

verifica-se em (b); contudo, o aspecto transmitido é outro, ou seja, de processo em fase

inicial. Já em (c), o verbo ‘tomar’ sofre flexão e manifesta-se no pretérito perfeito do

indicativo.

Page 77: METÁFORA E METONÍMIA

76

Observou-se, nas expressões analisadas nesta pesquisa, que grande parte das

expressões idiomáticas com a palavra ‘pé’ é formada com verbos no infinitivo e estes

admitem flexão. As expressões apresentadas no quadro 5, abaixo, possuem um léxico

relativamente fixo, porém aceitam algum tipo de flexão.

Expressões idiomáticas e

significados

Flexões

Lamber os pés – Adular.

‘Por que brasileira cospe na própria bandeira e lambe os pés dos gringos?’ (http://br.answers.yahoo.com)

Cair de pé – Manter-se combativo.

‘Uruguai caiu de pé. Os jornais uruguaios respeitaram a supremacia de Neymar, Ganso & Cia. Ninguém contesta o título do Santos.’ (http://www.midiamundo.com) “‘Se for derrotado, cairei de pé’, afirmou. O candidato também criticou a campanha de Paulo Nobre, outro candidato da situação, e fez elogios.” (http://esportes.terra.com.br)

Botar o pé na forma - Treinar exaustivamente para adquirir precisão nos chutes e passes.

‘Quando botou o pé na forma, Bruno brilhou. O Flamengo volta a campo, no Maracanã, sábado, 6 e meia da noite, com o Sport Recife.’ (http://www.tupi.am/programas/esportes/show-da-galera) ‘Será que agora ele botará o pé na forma outra vez? Sinceramente, o pantufas 99 está fazendo escola. E é um péssimo exemplo para os jovens’ (http://www.mondopalmeiras.net/blog)

Fazer pé firme - Insistir

‘E o cara brigou comigo, mas fiz pé firme. Desci, paguei à frentista, peguei a notinha, voltei para o carro e o sujeito continuou reclamando.’ .(www.notaindependente.com.br)

Page 78: METÁFORA E METONÍMIA

77

Bater o pé - Opor-se insistentemente.

‘O governo bateu o pé na negociação com as centrais sindicais. Centrais reúnem-se com o secretário-geral da Presidência para pedir um aumento.’ (http://cidadaniaresponsavel903.blogspot.com) ‘Minha simpatia maior é com o budismo, mas ainda bato o pé e não acredito que budismo seja uma religião. Como obrigação de historiador, e é lógico’

(http://www.massarani.com.br) Estar de pé - Firme, irredutível

‘PETIÇÃO ESTÁ DE PÉ !!!!!’ (http://under-linux.org/f89/peticao-esta-de-pe-42820) ‘Maia diz que DEM estará de pé antes que o Japão’ (http://aguinaldo-contramare.blogspot.com)

Ir num pé e voltar no outro - Executar determinada tarefa ou missão com muita rapidez.

‘Pedi a conta rapidamente, já entregando o cartão para esperar pouco, o garçom foi num pé e voltou no outro.’ (http://www.vagabundodeluxo.blogspot.com)

Ir num pé só - Dirigir-se a algum lugar com toda rapidez.

‘Falta-me uma berinjela, vou num pé só ao mercadinho e volto já, já!!’ (http://receitasdabarida.blogspot.com/)

Jurar de pés juntos - Afirmar convincentemente.

‘Juro de pés juntinhos que o que eu bebi foi apenas a água com gás o resto é culpa da Amandaaa, da Alinne e do Ciro. Eu ñ tenho nada haver.’

(http://www.fotolog.com.br) Meter os pés pelas mãos - Atrapalhar-se.

‘Obama diz que meteu os pés pelas mãos sobre nomeação para a pasta.’ (http://www.meionorte.com/noticias/politica)

Negar de pés juntos - Insistir com firmeza na negativa.

‘Eles negaram de pés juntos e isto acalmou o Grandão.’ (http://www.cybelemeyer.com.br)

Pegar pelo pé - Surpreender, conter e criticar o adversário.

“Semana passada, a monotonia me pegou pelo pé de novo.” (http://waves.terra.com.br)

Page 79: METÁFORA E METONÍMIA

78

Ter os pés no chão - Ter objetividade, ser realista.

‘A verdade é que o casal sempre se completou, dizem os amigos e filhos. Ele vivia no mundo da lua e do mar; ela tinha os pés no chão.’ (http://www.almanaquebrasil.com.br)

Estar com o pé na cova - Estar à beira da morte.

‘José Alencar já esteve com o pé na cova várias vezes.’ (http://www.players.com.br) ‘O Benfica está com os pés na cova, se continuar assim, neste caminho, não durará muitos anos.’ (http://serbenfiquista.com)

Botar o pé no mundo – Ir embora

‘Cedo botou o pé no mundo e foi fazer pranchas no Japão, na Austrália, no Hawaii e na Califórnia, quando fundou a sua própria marca, a Xanadu Surf Designs.’

(http://surfabout.blogspot.com) Vai dar pé – Ser exequível

‘Achei q não ia dá pé, mas surpresa!!!!Foi muito bom, foi no carnaval desse ano no Cardosão de "Laranjas", adorei!!!Conte tb a sua experiência !Bjs, Suy-Lan.’ (www.orkut.com/CommMsgs?tid=1026117&cmm)

Ter os pés de barro – Ter base inconsistente

‘Eu acho que esse governo tem os pés de barro, só quero ter a oportunidade de provar’ (http://www.al.ma.gov.br/discursos)

Meter o pé (gíria) – Ir embora ‘O Faraó do Egito meteu o pé!

Depois de 18 dias de protestos, prisões e centenas de mortes, o ditador egípcio Hosni Mubarak cedeu: renunciou a um governo que já durava 30 anos e se afastou da capital Cairo.’ (http://kizombaafestadaraca.blogspot)

Quadro 5: expressões idiomáticas lexicalmente preenchidas.

As flexões apresentadas no quadro 5 estão, quase em sua totalidade, voltadas para

os verbos; porém, em ‘Estar com o pé na cova’, a flexão recai sobre o artigo ‘o’ ‘os’

e sobre o substantivo ‘pé’ ‘pés’. Já em ‘Jurar de pés juntos’ não há flexão, mas uma

Page 80: METÁFORA E METONÍMIA

79

modificação no grau do adjetivo ‘juntos’ que passa a ‘juntinhos’. Croft & Cruse limitam-se

a abordar a questão flexional; entretanto, o emprego do grau diminutivo, em realizações do

tipo ‘jurar de pés juntinhos’, também demonstra a flexibilidade da estrutura.

O segundo grupo do continuum substantive – schematic engloba as expressões que

admitem flexão e possuem uma ou mais posições de argumento abertas. O exemplo citado

por Croft & Cruse ([2004] 2009:248) é ‘give NP the lowdown’ (“contar os fatos”) que

podem ser instanciadas das seguintes formas: ‘I gave/I’ll give him the lowdown’ ou ‘He

gave/He’ ll give Jannet the lowdown’.

As expressões abaixo não refletem as características das expressões em inglês, mas

possuem semelhanças que possibilitam realizar as análises a partir desses parâmetros.

Expressões idiomáticas

e significados

Flexões

Em pé de igualdade – No mesmo nível.

‘A questão da adoção eu também acho que os casais gays deveriam ser tratados em pés de igualdade aos casais héteros na hora de se na hora de se candidatarem para adoção....’ (http://blogdamarion.blogspot.com) ‘Competimos em pé de igualdade com o Galeão.’ (www.estadao.com.br/estadaodehoje)

A pé – Caminhando ou sem automóvel particular.

‘Eu só não vou a pé porque estirei o músculo da coxa.’ (twitter.com/sophiaIreis/status/72086225850343426) ‘Olá, galera é o seguinte, estou a pé e com pouca grana pra comprar outra moto.’ (www.motonline.com.br/forum)

Com o pé direito - Com sorte.

‘Chico Buarque estreia com o pé direito na web e vende mais de 1,7 mil discos em 24 horas.’

Page 81: METÁFORA E METONÍMIA

80

(http://oglobo.globo.com/cultura) ‘Volta às aulas com o pé direito.’ (http://www.educacional.com.br)

Com o pé esquerdo - Com azar.

“Então, há certos dias que todos levantamos com o pé esquerdo” (http://www.adirferreira.com.br) ‘Vasco começa o Carioca com o pé esquerdo.’ (http://www.blogcrvg.com)

Com os pés nas costas/ Com grande facilidade.

‘Presidente do Bahia: "O Vitória tinha que ganhar com os pés nas costas.”’ (http://www.atarde.com.br) ‘Ninguém jamais ganhou uma prova de Endurance com o pé nas costas, “tranquilex”.’ (http://www.1000kmdebrasilia.com.br) ‘Já em 2009, aceitou o desafio de treinar o Vasco da Gama na Série B. Conquistou o torneio com o pé nas costas e foi o time do Brasil que menos perdeu.’ (http://www.galodigital.com.br)

Com ( o/um ) pé atrás – Desconfiadamente

‘Muitos ainda o chamam de traidor e ficam com um pé atrás enquanto não sai um desfecho da negociação.’ (http://zerohora.clicrbs.com.br) ‘Empresário está com o pé atrás sobre a transferência de Henrique no Palmeiras’ (http://www.futnet.com.br)

Não arredar (o) pé - Não mudar de opinião.

‘Mesmo sem confirmação, torcida não arreda o pé do Olímpico.’ (http://zerohora.clicrbs.com.br)

Page 82: METÁFORA E METONÍMIA

81

‘Moradores não arredam pé de área de risco em Morretes’ (http://oestadopr.pron.com.br/cidades/noticias)

Em pé de guerra - Com os ânimos exaltados.

‘Apesar de negarem, os donos da RedeTV! estão em pé de guerra. Marido de Luciana Gimenez, Carvalho detém 30% da emissora, mas colocou sua ...’

http://www.odiario.com/blogs/tvtudo/2011/04/04/donos-da-redetv-estao-em-pe-de-guerra/

‘Codó completa 115 anos em pé de guerra’ (http://www.blogdodecio.com.br)

Ficar no pé de (alguém) - Molestar com pedidos insistentes.

‘Antes de ser vetado, Ávine havia sido relacionado e, segundo informações de bastidores, ficou no pé dos médicos e fisioterapeutas para jogar.’ (http://www.correio24horas.com.br) ‘Eu serei um fiscalizador, ficarei no pé de Agnelo e Filipelli, a partir do primeiro dia de 2011 para cobrá-los”, prometeu Garibel.’

(http://www.blogdogaribel.com.br) Ao pé do ouvido – em segredo, discretamente.

‘Prazer ao pé do ouvido. Sussurre só palavras picantes.’

(http://180graus.com/sexo--prazer) ‘Ronaldinho Gaúcho conversou ao pé do ouvido com morena durante uma festa de música eletrônica no Rio. O lutador Anderson Silva’

(http://gazetaonline.globo.com)

Ao pé da letra – Literalmente.

‘Tenho muitos amigos assim, levam tudo ao pé da letra,kkkkkkkk’ (http://blog.drpepper.uol.com.br)

‘O site ‘Os Vigaristas’ coletou uma série muito divertida de imagens ao pé da letra‘

(http://blog.opovo.com.br/tecnosfera/ao-pe-da-letra)

Quadro 6: expressões idiomáticas parcialmente preenchidas.

Page 83: METÁFORA E METONÍMIA

82

As expressões do quadro 6 – embora a maior parte não apresente flexão, até porque

isso alteraria o significado da expressão – podem ser precedidas por determinante, verbo

ou locução verbal, ou ainda, como em ‘ficar no pé de’, seguir-se de um substantivo, uma

vez que possuem essas posições abertas.

Ao comparar o quadro 5 com o 6, pode-se concluir que as expressões daquele

também possuem uma posição aberta, a do argumento externo; contudo, entre as

características expostas por Croft & Cruse ([2004] 2009:248), as expressões do quadro 4

manifestam características mais semelhantes às exibidas pelos autores para ‘kick the

bucket’, até mesmo pelo fato de essa, como aquelas, iniciarem-se por verbo.

O penúltimo estágio caracteriza-se por apresentar apenas uma estrutura lexical fixa,

com todas as demais abertas, como o caso de ‘let alone’ (“muito menos”), analisado por

Fillmore et alii (1988), em que o conectivo é o único elemento preenchido, como se

verifica nos seguintes exemplos: ‘She gave me more candy than I could carry, let alone

eat’ (“Ela me deu mais doce do que eu poderia levar, muito menos comer”) e ‘He didn’t

reach Denver, let alone Chicago’ (“Ele não chegou a Denver, muito menos a Chicago”)

Já o último estágio do continuum particulariza-se por possuir elementos

lexicalmente abertos, isto é, não abarca elementos lexicais específicos, podendo ser

descrito somente pela estrutura sintática com uma única interpretação semântica

especializada, como o caso das construções resultativas. Em ‘I had brushed my hair very

smooth’ (“A escova deixou meu cabelo muito liso”) a estrutura é [NP Verb NP XP], com

uma interpretação semântica única específica: X causa Y tornar-se Z.

Croft & Cruse ([2004] 2009:249), reanalisando de forma mais ampla as regras

sintáticas gerais, observam que as construções mais esquemáticas de uma língua são

apenas o outro lado do continuum substantive – schematic proposto para as expressões

Page 84: METÁFORA E METONÍMIA

83

idiomáticas. Essas estruturas podem ser distribuídas no continuum conforme ilustrado

abaixo:

“Substantive idioms” “Schematic idioms”

(lexicalmente preenchida) relativamente preenchida uma posição preenchida (lexicalmente aberta)

No nosso corpus, não foram encontrados dados com as características dos dois

últimos estágios, preenchimento de apenas uma posição e lexicalmente abertas. No

entanto, as análises feitas sobre as expressões idiomáticas do inglês contribuem para

sustentar a pesquisa sobre as construções com ‘pé’. Há, contudo, duas expressões do

corpus que, embora não sejam analisáveis por meio das características apontadas acima,

possuem peculiaridades que merecem ser examinadas.

Expressões idiomáticas

e significados

Flexões

Tirar os pés da lama – Sair de uma situação inferior.

‘Tirou os meus pés do charco de lama, Firmou os meus passos sobre uma rocha. E me pôs nos lábios uma nova canção. Um hino de louvor ao Deus da minha vida.’

(http://rafaelvictor.wordpress.com) Largar do pé - Deixar de importunar

‘O deprê q num larga do meu pezinho’ http://www.flogao.com.br/complikda/50487893

Quadro 7: expressões idiomáticas preenchidas com intercalação.

As expressões do quadro 7 possuem elementos fixos que admitem alteração

flexional ou de grau e intercalação de elementos diferentes da sua estrutura original; por

isso mesmo, sofrem alguma alteração de significado, mas não se descaracterizam.

As análises propostas por Fillmore et alii (1988) e Croft & Cruse ( [2004] 2009),

bem como as considerações feitas por esses autores, conduzem a uma avaliação das

Page 85: METÁFORA E METONÍMIA

84

expressões idiomáticas a partir de ocorrências lexicais, do comportamento morfológico dos

seus constituintes, das relações sintáticas estabelecidas dentro da construção e da

pragmática. Todas essas nuanças caracterizam as expressões como uma construção, com

uma configuração sintática e estruturas semânticas próprias. A esse respeito, assim se

pronuncia Ribeiro (2011: 3872):

“Esta é a principal hipótese desta teoria: as gramáticas das línguas são compostas por pares de esquema conceptuais e padrões gramaticais que se inter-relacionam. Os esquemas associados às formas sintáticas representam a experiência humana mais básica e são como ferramentas com as quais organizamos nossa compreensão, estruturando percepções, imagens e eventos.”

Outro aspecto relevante expresso pelo continuum substantive – schematic é a

gradação entre a especificidade e a generalidade sintáticas das expressões idiomáticas. As

expressões definidas como lexicalmente fechadas possuem um esquema de construção

mais específico e, à medida que vão se dirigindo para as lexicalmente abertas, apresentam

uma construção sintática geral, aproximando-se das expressões sintáticas regulares ou

grupos sintáticos eventuais, nos termos de Sandmann.

No entanto, não fica claro o motivo pelo qual os autores afirmam que expressões do

tipo substantive idioms podem ser listadas no léxico sem alteração substancial dos

princípios básicos do modelo componencial, uma vez que o arcabouço teórico que

fundamenta a análise é o da Gramática das Construções; portanto, o comportamento de

construções com significados básicos é examinado a partir desse aporte teórico. As

afirmações dos autores levam-nos a inferir que construções com significação básica são

analisáveis a partir do modelo componencial e à Gramatica das Construções reservam-se as

construções com significados não prototípicos. Contudo, como afirma Ribeiro (2011:

3871), a construção gramatical é objeto de estudo da gramática das construções:

Page 86: METÁFORA E METONÍMIA

85

“Voltando a aspectos gerais apresentados pela GC, a unidade preliminar da gramática não é a unidade lexical atômica nem combinações sintagmáticas lineares de unidades lexicais. Na verdade, a unidade preliminar é a construção gramatical. A GC (gramática das construções), portanto, vê a construção como o princípio fundamental da organização gramatical. A construção é qualquer elemento formal que está diretamente associado a algum sentido, a uma função pragmática ou contendo uma estrutura informacional.Essa definição de construção cobre uma variedade de unidades lingüísticas: (i) morfemas simples; (ii) palavras multi-morfêmicas; (iii) expressões idiomáticas; (iv) sintagmas fixos com significado composicional; (v) padrões sintáticos abstratos.”

Ao término da seção 4.5, verificou-se a necessidade de haver outros critérios, além

da função enunciativa, para identificar um grupo sintático eventual e diferenciá-lo do

grupo sintático permanente e dos compostos. O grau de generalidade, que aproxima as

expressões idiomáticas das expressões sintáticas regulares, observado na organização do

continuum substantive – schematic, parece-nos ser mais um critério que facilita a

identificação dos grupos sintáticos eventuais. Na próxima seção, será abordada a discussão

sobre composicionalidade e como é compreendida a partir dos pressupostos da Linguística

Cognitiva.

4.11 Composicionalidade

Segundo Cuenca & Hilfert (1999: 116), as expressões idiomáticas são definidas,

tradicionalmente, como sequências de palavras mais ou menos fixas, cuja estrutura

semântica global é arbitrária em relação às suas partes. Por isso, as expressões são

classificadas como não composicionais.

O princípio da composicionalidade, de acordo com Croft & Cruse ([2004]

2009:105), prediz que o significado das expressões complexas é a soma dos significados

das partes. Os autores propõem uma revisão do conceito. Primeiro, descartam o conceito

subjacente ao princípio, o de palavras como unidades carregadas de significado,

invalidando, dessa forma, o princípio, recriando-o a partir da perspectiva de significado

Page 87: METÁFORA E METONÍMIA

86

como construção: o significado construído das expressões complexas é a soma dos

significados das partes.

Entretanto, observam que a compreensão de significado como construção exige

uma conceituação mais complexa que envolva a situação comunicativa; então, para

contemplar esse aspecto, Croft & Cruse ([2004] 2009:105) apresentam a seguinte

modificação: o significado das expressões complexas é o resultado do processo de

construção advindo da interpretação das suas partes constituintes. Segundo os autores, essa

releitura permite ao contexto agir em dois níveis: a) o da construção inicial do significado

das palavras e b) o da construção do significado da expressão.

No entanto, os autores ressaltam que há aspectos do significado que obedecem, até

certo ponto, ao princípio clássico da composicionalidade. Ilustram o exposto a partir do

exemplo ‘red hats’ (“chapéu vermelho”), em que o significado é previsível, pois há uma

relação entre o significado da expressão e os significados das partes que a constituem.

Porém, Croft e Cruse ([2004] 2009:105) ponderam que não há garantias de que o resultado

será o “chapéu” prototípico nem que a sua cor vermelha será prototípica.

Fundamentados nos argumentos de Nunberg et alii (1994) sobre idiomatically

combining expressions18, Croft & Cruse ( [2004] 2009: 249-50) sugerem que há algumas

expressões idiomáticas que são composicionais e outras não. Para ilustrar esse

comportamento, citam exemplos de Nunberg et alii (1994) e suas considerações para

comprovar a assertiva:

(a) ‘Pull strings’ (puxar cordas = esforçar-se)

(b) ‘Tom pulled strings to get the job’ (Tom esforçou-se para conseguir um

emprego) 18 Segundo classificação de Nunberg et alii (1994), as idiomatically combining expressions são expressões que se assemelham quanto ao comportamento às encoding idioms.

Page 88: METÁFORA E METONÍMIA

87

(c) ‘Tom pulled ropes to get the job’ (Tom puxou cordas para conseguir um

emprego)

(d) ‘Tom grasped ropes to get the job’ (Tom agarrou cordas para conseguir um

emprego)

Nunberg et alii (1994) asseveram que o significado da expressão é composicional.

A maioria das palavras das idiomatically combining expressions é fixa e qualquer

substituição de seus constituintes altera o seu significado e descaracteriza a expressão. O

mesmo se observa em ‘meter o pé’: se houver troca do verbo ‘meter’ pelo verbo ‘colocar’,

a significação idiomática é perdida. Outro aspecto percebido é a significação atípica do

verbo ‘meter’, que, na expressão idiomática, assume o significado de ‘ir’.

Croft & Cruse ([2004] 2009: 251) afirmam que, no início, a análise Nunberg et alii

(1994) pode parecer estranha, pois, segundo estes, em ‘pull strings’, ‘pull’ (“puxar”) e

‘strings’ (“cordas”) encerram o significado de esforço somente na idiomatically combining

expression”, o que parece ad hoc. A descrição mais aceita é a tradicional, que estabelece o

significado das idiomatically combining expressions como não composicional e essa é uma

forte evidência que assegura construções como objetos sintáticos independentes.

Entretanto, Croft & Cruse atestam que há alguma evidência de que a análise

Nunberg et alii (1994) é o caminho certo. O seguinte exemplo fornece algumas evidências:

‘“Pay heed” (pagar atenção = dar cuidadosa atenção). Os autores ([2004] 2009: 251)

verificam que algumas palavras no inglês existem apenas nas idiomatically combining

expressions. ‘Heed’ é um exemplo. Embora assuma o significado de ‘attention’, em ‘pay

heed’, não pode substituir ‘attention’ nos contextos em que esta palavra aparece, como se

nota nas construções abaixo:

Page 89: METÁFORA E METONÍMIA

88

‘You can’t expect to have my attention/*heed all the time’. (Você não pode esperar

para ter minha atenção o tempo todo)

‘He’s child who needs a lot of attention/*heed’. (Ele é uma criança que precisa de

muita atenção)

Nunberg et alii (1994) argumentam que ‘heed’ não significa, de fato, o mesmo que

‘attention’, quando ‘attention’ é objeto de ‘pay’, como se constata nos seguintes exemplos:

‘The children paid rapt attention/?* heed to the circus’. (As crianças prestaram

atenção extasiada ao circo)

‘I pay close attention/?*heed to my close’ ( Eu dou exata atenção as minhas roupas)

‘They paid attention/??*heed to my advice, but didn’t follow it.’ (Eles prestaram

atenção ao meu conselho, mas não o seguem

Croft & Cruse ([2004] 2009: 251) salientam que ‘heed’, embora só ocorra em ‘pay

heed’, possui significado próprio e afirmam que é razoável assumir que outras palavras têm

significado especializado nas idiomatically combining expressions e que o significado

dessas expressões é composicional. Embora o corpus não apresente nenhuma expressão

que possua palavra de uso restrito a seu contexto, são encontradas, em português,

expressões com essa característica, como ‘pomo da discórdia’, em que a palavra ’pomo’

significa ’fruto’; no entanto, não é utilizada em construções diferentes da expressão citada.

Outra evidência do caráter composicional das expressões é a compreensão do

falante. Ainda que a palavra exista apenas na construção, ele reconhece o significado do

vocábulo.

Page 90: METÁFORA E METONÍMIA

89

A análise de Nunberg et alii (1994) sobre as idiomatically combining expressions

torna-se mais natural, segundo Croft & Cruse ( [2004] 2009: 252), a partir da perspectiva

da Gramática das Construções. A expressão ‘spill beans’ é uma construção e, como tal,

possui uma sintaxe única (o verbo deve ser ‘spill’ e seu objeto, ‘beans’) e também uma

interpretação semântica, ‘divulge information’ (“divulgue a informação”). A construção

possui regras próprias de interpretação: ‘spill’ é projetado sobre ‘divulge’ e ‘the beans’

sobre ‘information’.

As características notadas em ‘spill beans’, uma sintaxe própria associada a uma

interpretação semântica específica, são também observadas em expressões como ‘tirar os

pés da lama’ (“sair de uma situação inferior”) e ‘largar do pé’ (“deixar de importunar”). A

sintaxe da primeira expressão é V + CV + Adj.Adv. No entanto, essa construção, para

configurar-se na expressão idiomática citada, precisa ser preenchida com o verbo ‘tirar’, o

complemento verbal ‘os pés’ e o adjunto adverbial ‘da lama’. Semanticamente, há um

mapeamento entre “tirar” e “sair”, e entre “pés da lama” e situação inferior. No segundo

exemplo, a estrutura sintática é V + CV, preenchida pelo verbo ‘largar’ e pelo

complemento verbal ‘do pé’. A estrutura semântica associada resulta da projeção entre

‘largar’ e ‘deixar’ e entre ‘do pé’ e ‘de importunar’. Assim como o mapeamento sintático -

semântico proposto por Croft & Cruse (op.cit.) para ‘spill beans’

De acordo com Croft & Cruse ( [2004] 2009: 252-3), análises anteriores têm

assumido que as idiomatically combining expressions são não-composicionais, porque o

significado do todo não é previsível a partir do significado das partes. Mais precisamente,

as idiomatically combining expressions foram tratadas como não-composicionais, uma vez

que seus significados não são compatíveis com as regras de interpretação de expressões

sintáticas regulares, tais como [Verb Object]VP, no caso de ‘spill beans’. No entanto, essa

expressão é composicional, já que as partes da expressão sintática podem ser mapeadas

Page 91: METÁFORA E METONÍMIA

90

sobre os componentes do significado da expressão. ‘Spill beans’ difere de expressões

sintáticas regulares, pois há regras de interpretação semântica associadas apenas à

construção ‘spill beans’ que não são deriváveis da estrutura padrão [Verb Object]VP, da

qual ‘spill beans’ é uma instanciação.

Os autores (op. cit.) afirmam que a percepção comum de que a não-

composicionalidade confere a uma construção particular o caráter de unidade sintática

independente está tecnicamente errada. Com exceção das idiomatic phrases19, as

expressões são composionais, isto é, o significado das partes da construção combinam-se

para formar o significado de toda a construção. A razão pela qual devem ser representadas

como construções independentes é o fato de que as regras de interpretação semântica

associadas à construção são únicas para aquela construção, além de não serem derivadas de

outro padrão sintático mais geral, como nota cuidadosamente a Gramática das

Construções. Croft & Cruise (op. cit.) postulam que regras composicionais de interpretação

semântica são regras semânticas associadas a estruturas sintáticas gerais, da mesma forma

as regras especializadas de interpretação semântica estão associadas a estruturas sintáticas

especializadas, como as expressões classificadas como extragrammaticals.

Croft & Cruse ([2004] 2009: 253) asseveram que as análises de Nunberg et al.

(1994) sobre idiomatically combining expressions podem ser estendidas às regras gerais de

interpretação semântica que ligam as estruturas sintáticas e semânticas. E exemplificam

com a construção predicativa ‘Hannah is smart’.

A construção predicativa em inglês tem a forma [NP be Adj] e difere da construção

verbal comum por exigir o verbo copulativo ‘be’. Pode-se analisar a semântica da

construção da seguinte forma: os membros da categoria adjetivo têm um significado que

19 Segundo classificação de Nunberg et alii (1994), as “idiomatic phrases” são expressões que se assemelham, quanto ao comportamento, às “decoding idioms”.

Page 92: METÁFORA E METONÍMIA

91

requer a combinação por meio dessa cópula, a fim de ser interpretado como atribuidor de

propriedade ao referente. O adjetivo simboliza uma relação atemporal e o verbo copulativo

‘be’, um processo pelo qual o adjetivo torna-se um predicador.

Os autores (op. cit.) concluem afirmando que todas as expressões sintáticas,

independentemente do seu grau de esquematicidade, têm regras de interpretação semântica

associadas a elas, embora algumas substantive idioms pareçam herdar suas regras de

interpretação semântica de expressões sintáticas mais esquemáticas como as [Verb Object].

Assim, a diferença entre expressões sintáticas regulares e idiomatically combining

expressions não estaria no fato de as primeiras serem composicionais e as últimas não; o

que as distingue é a generalidade e a especificidade das regras de composição semântica,

respectivamente. A exposição acerca da composicionalidade corrobora a assertiva de que,

no panorama da Linguística Cognitiva, as construções são unidades básicas, frutos do

pareamento forma (sintaxe e fonologia) e conteúdo (semântica e pragmática).

Retomando a discussão sobre os grupos sintáticos eventuais, parece-nos que as

considerações a respeito das expressões idiomáticas podem apresentar mais um critério

para distingui-los tanto dos compostos quanto das expressões idiomáticas. Inicialmente,

verificou-se que a distinção entre compostos e grupos sintáticos eventuais pauta-se no

comportamento diferenciado tanto de um quanto do outro em relação aos critérios

fonológico, morfológico, sintático e semântico, além das suas funções particulares –

designativa nos compostos e enunciativa nos grupos sintáticos eventuais. Essas

características contribuem para o reconhecimento dos grupos sintáticos eventuais e dos

compostos prototípicos. Entretanto, pareceu-nos insuficiente para distinguir um grupo

sintático eventual do grupo sintático permanente e, por essa razão, utilizamos o aporte

teórico da Linguística Cognitiva para tentar distingui-los. Assim, grupos sintáticos

eventuais apresentam uma construção sintática geral e mais complexa, associada a uma

Page 93: METÁFORA E METONÍMIA

92

regra de composição semântica mais geral, enquanto grupos sintáticos permanentes

apresentam uma construção sintática específica e menos complexa, associada a uma regra

de composição semântica mais específica.

Parece-nos que grupo sintático eventual, grupo sintático permanente, compostos e

expressões idiomáticas são construções que apresentam diferentes níveis de complexidade.

No entanto, cada construção tem representantes prototípicos e periféricos. Embora muitas

das vezes as semelhanças possam dificultar compreender um processo distinto do outro, a

análise proposta permite que tais processos sejam reconhecidos individualmente, sendo

possível distribuí-los no continuum abaixo:

Expressões idiomáticas Compostos

Grupo sintático eventual Grupo sintático permanente

Considerando o exposto, as expressões idiomáticas prototípicas são aquelas

lexicalmente preenchidas e com elementos fixos, podendo apresentar ou não flexões

lexicais, tais como ‘tomar pé’, ‘botar o pé na forma’. As expressões periféricas são aquelas

que apresentam, em diferentes graus, posições lexicalmente abertas, como observado nos

exemplos do quadro 6, como ‘em pé de igualdade’ e ‘com o pé esquerdo’. Essas

expressões dirigem-se para uma semelhança com o grupo sintático eventual, em função do

grau de generalidade e especificidade das suas estruturas sintáticas e interpretações

semânticas; portanto, a generalidade sintática e semântica são as características dos grupos

sintáticos eventuais, enquanto a especificidade caracteriza as expressões idiomáticas.

A categoria seguinte no continuum é a do grupo sintático permanente. Retomando

os exemplos de Sandmann (1990), ‘meio ambiente’, ‘custo de vida’ e ‘terceiro mundo’,

Page 94: METÁFORA E METONÍMIA

93

não fica claro o que diferencia esse grupo dos compostos, mas o que os assemelha – a

função designativa. O autor pontua como elemento diferenciador ser o uso do hífen, que

não nos parece um critério confiável em função das idiossincrasias das normas

ortográficas.

Contudo, vale ressaltar que entre o grupo sintático eventual e grupo sintático

permanente há dados que apresentam características heterogêneas. São construções que

possuem função designativa e estrutura que permite intercalação de determinantes, como o

exemplo ‘pé de meia’, ou possui posição lexicalmente aberta, como ‘pé de laranja’, ‘pé de

abacate’, ‘pé de manga’, entre outros, que poderiam ser descritos genericamente como [Pé

de X]. Dirigindo-se ao outro polo do continuum, estão os compostos, que apresentam uma

gradação medida de acordo com semelhanças e diferenças entre eles e o grupo sintático

eventual e o grupo sintático permanente. As diferenças e semelhanças são pautadas nos

critérios morfológico, fonológico, sintático e semântico e na funções designativa, típica dos

compostos, e enunciativa, típica dos grupos sintáticos.

De acordo com a Linguística Cognitiva, todas essas construções diferem de acordo

com o grau de complexidade e consequentemente da generalidade e especificidade das

estruturas sintáticas e interpretações semânticas de cada uma delas.

Page 95: METÁFORA E METONÍMIA

94

5. CONCLUSÃO

Esta pesquisa originou-se de algumas questões discutidas pela Linguísticas

Cognitiva que nos pareceram relevantes para compreender formações como ‘pé de

galinha’, ‘pé da mesa’ e ‘largar do pé’, entre outras. Antes mesmo da análise dos

compostos e das expressões idiomáticas, discutiu-se a relação do processo metafórico e do

metonímico na construção dos significados. Verificou-se, através das análises apresentadas

por Lakoff & Jonhson (1980), Radden (2000), Croft & Cruse (2004), Kövecses (2000) e

Barcelona (2000), que a concepção de metáfora e metonímia proposta Lakoff & Jonhson

(1980) é a basilar para formação de um continuum que tem como polos a metáfora e a

metonímia e processos intermediários em que há metáforas advindas de metonímias e

metonímias advindas de metáforas, sendo esta última situação a mais incomum. Contudo,

o dado importante e significativo apontado por Barcelona (2000) foi considerar a

metonímia um processo anterior a qualquer construção metafórica. Essa assertiva foi

fundamental para responder a seguinte questão: metáfora e metonímia são processos

distintos?

Metáfora e metonímia são processos que sorvem das experiências físicas, culturais

e sociais dos falantes; logo, os significados não são imanentes aos compostos e expressões:

são frutos de uma situação comunicativa que requer dos interlocutores conhecimentos de

mundo compartilhados. Sob a forma de MCI e frame, os saberes contribuem de maneira

relevante para a construção do significado (embora não o determinem).

A partir dessa fundamentação teórica e das discussões propostas por Basílio (1987,

2000 e [2004] 2006), Mattoso Câmara ( [1970] 1996 e [1977] 1981), Monteiro (1986),

Rocha ([1998] 2008) e Sandmann ( [1988] 1989 e 1991), partiu-se para uma outra questão:

Page 96: METÁFORA E METONÍMIA

95

quais são as diferenças formais e semânticas entre compostos, grupos sintáticos e

expressões sintagmáticas com base em ‘pé’? Percebeu-se que, em relação à forma, a

discussão esbarra, inicialmente, na definição de palavra, que na literatura não é consensual,

em função da gama de perspectivas pelas quais o conceito pode ser definido.

Consequentemente, as questões envolvendo a definição de palavra refletem sobre o

conceito de compostos, uma vez que esses são a reunião de duas ou mais palavras.

Outro aspecto abordado na análise dos compostos é o limite entre estes e os grupos

sintáticos eventuais. Observaram-se as semelhanças de comportamento fonológico,

morfológico, sintático e semântico entre os compostos e os grupos sintáticos eventuais, que

permitiram sua organização num continuum grupos sintáticos eventuais – composição. A

semelhança ou a diferença comportamental, de acordo com os critérios citados, aproximam

ou afastam essas categorias, além das funções designativa, própria dos compostos, e

enunciativa, específica dos grupos sintáticos eventuais.

Contudo, pareceram-nos insuficientes os critérios acima para distinguir os grupos

sintáticos eventuais dos grupos sintáticos permanentes. Por isso, lançou-se mão das

proposições apresentadas por Croft & Cruse ([2004] 2009), fundamentadas nas propostas

de Fillmore et alii (1988) e Nunberg et al. (1994) acerca das expressões idiomáticas, o que

nos permitiu chegar a algumas conclusões sobre essas estruturas: grupos sintáticos

eventuais, além da função enunciativa, apresentam uma construção sintática geral e mais

complexa, associada a uma regra de composição semântica mais geral, enquanto grupos

sintáticos permanentes possuem função designativa e apresentam uma construção sintática

específica e menos complexa, associada a uma regra de composição semântica mais

específica.

Page 97: METÁFORA E METONÍMIA

96

Embora, algumas expressões idiomáticas do corpus apresentem um caráter

avaliativo, tais como ‘cair de pé’, ‘meter os pés pelas mãos’, ‘ter os pés no chão’, uma

análise mais acurada é necessária para identificar a função destas construções. Contudo a

especificidade das regras de composição semântica, segundo Croft & Cruse ([2004] 2009:

253-254), é o que difere as expressões idiomáticas dos grupos sintáticos eventuais ou, de

acordo com os autores, das expressões sintáticas regulares.

Com isso, não pretendemos esgotar as questões que envolvem assunto tão

complexo, mas propor uma análise das construções envolvendo o item lexical ‘pé’ sob a

perspectiva da Linguística Cognitiva.

Page 98: METÁFORA E METONÍMIA

97

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, M. L. L. et al. Linguística cognitiva em foco: morfologia e semântica do português. 1 ed. Rio de Janeiro: Publit Soluções, 2009, p. 15-50, 187-204. BASILIO, M. Teoria lexical. São Paulo: Atica. 1987. __________. Em torno da palavra como unidade lexical: palavras e composições. Veredas - revista de estudos lingüísticos. Juiz de Fora, v.4, n.2. 2000. Disponível em <http:// www.revistaveredas.ufjf.br/veredas07.htm>. Acesso em: 05 jan. 2009.

_____ . Formação e classe de palavras no português do Brasil. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2006 [2004]. BARCELONA, A. On the plausibility of claiming a metonymic motivation for concepetual metaphor. In: BARCELONA, A. Metaphor and metonymy at the crossroads: a cognitive perspective. Berlim: Mouton de Gruyter, 2003 [2000]. p. 31-58. CROFT, W. & CRUSE, A. D. Cognitive linguistics. Cambridge: University of Cambridge Press, 2009 [2004]. CUENCA, M. J. & HILFERTY, J. Introducción a la lingüística cognitiva. 1 ed. Barcelona: Ariel, 1999. FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário eletrônico Aurélio da língua portuguesa, versão 6.0 . Curitiba: Positivo, 2009. FERREIRO, M. S. A palavra em construção: um estudo wittgenesteiniano sobre a identidade das unidades linguísticas. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro. Faculdade de Letras, PUC-Rio. 2010, p.88-121. FILLMORE, C. J. Frame Semantics. In: GEERAERTS, D. (Org.). Cognitive linguistics. 1 ed. Berlin: Mouton de Gryuter., 2006 [1982], p 333-400. _____________, et al.Rgularity and idiomaticity in grammatical constructions: the case of alone.(1988) In: CROFT, W. & CRUSE, A. D. Cognitive linguistics. Cambridge: University of Cambridge Press, 2009 [2004]. . HOUAISS, A. (et alli). Dicionário eletrônico Houaiss de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss, Objetiva. Versão 3.0, junho de 2009. JING-SCHMIDT, Z. Much mouth much tongue: chinese metonymies and metaphors of verbal behavior. Cognitive Linguistics, 19-2. Walter de Gruyter. 2008, p. 241-282.

Page 99: METÁFORA E METONÍMIA

98

KÖVECSES, Z. The scope of metaphor. In: BARCELONA, A. Metaphor and metonymy at the crossroads: a cognitive perspective. Berlim: Mouton de Gruyter, 2003 [2000]. p. 79-92. LAKOFF, G & JOHNSON, M. Metáforas de la vida cotidiana.7 ed. Madrid: Catedra, 2007. LAKOFF, G. Women, Fire and Dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago: The University of Chicago Press, 1990 [1987]. p. 5, 68-76, 96, 438, 444-445, 453-456. MARCUSCHI, L. A. Do código para a cognição: o processo referencial como atividade criativa. Juiz de Fora, v.6, n.1. 2002. Disponível em <http:// www.revistaveredas.ufjf.br/veredas07.htm>. Acesso em: 05 jan. 2009 ____________________. A Construção do Mobiliário do Mundo e da Mente: Linguagem, Cultura e Categorização. In: SALIM, Neusa Miranda & NAME, Maria Cristina (Org.). Lingüística e cognição. 1 ed. Juiz de Fora: UFJF, 2005, p. 49-77 MARTELOTTA, M. E. & PALOMANES, R. Linguística cognitiva. In: MARTELOTTA, M. E. Manual de linguística. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2008. p.175-192. MATTOSO CAMARA Jr, J. Estrutura da língua portuguesa. 25 ed. Petrópolis: Vozes, 1996 [1970]. ________. Dicionário de lingüística e gramática. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1981 [1977]. MONTEIRO, J. L. Morfologia portuguesa. Fortaleza: EDUFC. 1986. NUNBERG. G. et al. Idioms. (1994) In: CROFT, W. & CRUSE, A. D. Cognitive linguistics. Cambridge: University of Cambridge Press, 2009 [2004].

RADDEN, G. How metonymic are metaphors?. In: BARCELONA, A. Metaphor and metonymy at the crossroads: a cognitive perspective. Berlim: Mouton de Gruyter, 2003 [2000]. p. 93-108. RIBEIRO, R. M. P. Construções resultativas do português: uma análise sob a perspectiva da gramática das construções. In: Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011. ROCHA, L. C. de A. Estruturas morfológicas do português. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008 [1998].

Page 100: METÁFORA E METONÍMIA

99

SANDAMANN, A. J. Formação de palavras no português brasileiro Contemporâneo. Curitiba: Ícone, 1989 [1988]. __________________. O que é um composto. In: Revista D.E.L.T.A., v. 6, n.1. São Paulo: PUC, 1990. __________________. Competência lexical: produtividade, restrições e bloqueio. Curitiba: UFPR, 1991.

Page 101: METÁFORA E METONÍMIA

100

7. ANEXOS

ANEXO 1

SIGNIFICADO DOS ITENS LEXICAIS DE ACORDO COM AS DEFINIÇÕES DOS DICIONÁRIOS HOUAISS E AURÉLIO ELETRÔNICOS E O SITE DE

BUSCA GOOGLE

Verbetes Significados Fontes Agarra-pé Arbusto ornamental da família das marcgraviáceas

(Norantea brasiliensis), comuníssimo em todo o litoral, e cujas flores, vivamente sanguíneas, se agrupam em longos cachos.

Aurélio

Aguara-pé Arbusto (Norantea brasiliensis) da família das marcgraviáceas, nativo de áreas litorâneas do Brasil e cultivado como ornamental.

Houaiss

Arrasta-pé Baile popular onde predominam músicas e ritmos como o forró, o samba etc.; bate-chinela; arrasta; arrastado. Reunião informal, geralmente familiar, para dançar.

Houaiss

Baile popular; arrastado, bate-chinela, bate-coxa, bate-pé, bochinche, bochincho ou bachinche, biqueiro, chinfrim, choro, fobó, forrobodó, forró, fuzo, gafieira, rala-bucho, samba, serra-osso, sorongo, surungo, sumpes, sovacada, subacada. Festa familiar, geralmente improvisada, em que há dança; bailarico, baileco, assustado.

Aurélio

Busca-pé Peça de fogo de artifício composta de um canudinho cheio de pólvora lenta e vedado de um dos lados o qual, aceso, serpeia pelo chão, preso a uma delgada flecha de bambu ou madeira fina, como que atrás dos pés das pessoas, e que frequentemente contém um explosivo leve.

Houaiss

Dispositivo pirotécnico, preso a uma pequena haste de madeira, que sai ziguezagueando rente ao chão e termina, geralmente, em um estouro; besouro, cu de breu.

Aurélio

Chispe [Do lat. *suspede < suis, gen. de sus, 'porco', + -pede, 'pé'.] .Pé de porco; pé, pezunho.

Aurélio

Finca-pé Haste de madeira robusta, que se põe no fundo das embarcações miúdas a remo, para os remadores firmarem os pés.

Houaiss

Estrutura em forma de coluna de madeira ou de aço que dá sustentação ao convés.

Houaiss

Page 102: METÁFORA E METONÍMIA

101

Determinação, firmeza de atitude, opinião etc.; empenho,

porfia, obstinação. Houaiss

Porfia, empenho. Não mudar de parecer, de resolução; teimar, porfiar, obstinar-se.

Aurélio

Estabelecer-se em algum lugar Google Lava-pé Subarbusto (Centaurea sempervirens) da família das

compostas, nativo da Europa, de folhas lanceoladas e flores purpúreas; viperina.

Houaiss

Monopé

Suporte portátil, com uma única escora, no qual se apoia câmara fotográfica ger. com teleobjetiva.

Aurélio

Extremidade do membro inferior abaixo da articulação do tornozelo e terminada pelos artelhos, assentada por completo no chão, e que permite a postura vertical e o andar.

Houaiss

Cada uma das duas extremidades inferiores, uma em cada membro inferior, constituídas de tarso, metatarso, e falanges dos pododáctilos, respectivas articulações, e partes moles que recobrem as ósseas.

Aurélio

Parte terminal dos membros de um vertebrado terrestre, especificamente a extremidade dos membros posteriores, situada abaixo da articulação do tornozelo e formada pelo tarso, metatarso e dedos; pata.

Houaiss

Pata.

Aurélio

Chispe.

Aurélio

Órgão de locomoção ou de fixação de um invertebrado.

Houaiss

Perna ('apêndice articulado')

Houaiss

Superfície ventral, musculosa, do corpo de um molusco, que nos gastrópodes tem forma de sola e é usada. especificamente para rastejar, e nos bivalves tem forma de lâmina e é usada para cavar.

Houaiss

Parte inferior e sobre a qual se assentam certos objetos.

Houaiss

A parte inferior de um objeto por meio da qual ele se sustenta.

Aurélio

Pedestal; base.

Aurélio

Pedúnculo de flor ou fruto.

Houaiss

Pedúnculo de flor ou fruto.

Aurélio

Pecíolo.

Aurélio

Page 103: METÁFORA E METONÍMIA

102

Segmento da folha que a prende ao ramo ou tronco; pecíolo.

Houaiss

Cada unidade de uma determinada planta.

Houaiss

Cada exemplar individual de uma planta.

Aurélio

Parte inferior e posterior da cabeleira. Houaiss Parte inferoposterior da cabeleira. Aurélio Unidade de medida linear anglo-saxônica, de 12

polegadas, equivalente a cerca de 30,48 cm do sistema métrico decimal.

Aurélio

Unidade de comprimento do sistema anglo-saxão, correspondente a 12 polegadas e equivalente, no sistema métrico decimal, a 30,48 cm

Houaiss

Unidade rítmica e melódica do verso, constituída de duas ou mais sílabas, sendo uma forte e outra(s), fraca(s), característica da versificação em línguas onde há acento de intensidade, como o português.

Houaiss

Parte em que se divide o verso metrificado. Aurélio Cada uma das unidades de duas ou mais sílabas, que,

articuladas e ordenadas, compõem os versos nas línguas com acento de quantidade, como o latim, o grego antigo e as línguas orientais.

Houaiss

Altura da água (de mar, rio, piscina etc.) em relação à estatura de uma pessoa, estando ela com os pés no chão e a cabeça de fora.

Houaiss

Profundidade de água (do mar, de rio, etc) em relação à altura de uma pessoa, de modo que o pé toque no chão e a cabeça fique de fora.

Aurélio

Pé- d’água Aguaceiro. Aurélio Chuva forte, repentina e de pouca duração; aguaceiro. Houaiss

Pé-da-cama Parte (do leito) oposta à cabeceira (também usado no plural.)

Houaiss

A parte (da cama) oposta à cabeceira Aurélio Base que sustenta a cama Google

Pé-de-árvore Pé de pau

Aurélio

Pé de pau

Houaiss

Pé da Meia Um dos pares da peça de malha, ou algodão, ou lã feita para cobrir o pé

Google

Pé de arvoredo

Pé de pau

Houaiss

Pé de pau

Aurélio

Pé –de–atleta Micose superficial crônica da pele do (s) pé(s), devida a fungos das espécies Tricophyton ou Epudermophyton floccosum.

Aurélio

O mesmo que Tinha do pé. Houaiss

Page 104: METÁFORA E METONÍMIA

103

Pé-de-bezerro

Erva (Arum maculatum) da família das aráceas, nativa da Europa central e meridional, de folhas triangulares ou sagitadas, verde-escuras, frequentemente com manchas mais escuras, e espatas verde-amareladas ou violáceas, os tubérculos fornecem fécula comestível e suco extremamente cáustico e tóxico, os frutos são bagas vermelhas e venenosas. O mesmo que. jarro-de-itália (Arum italicum) e taioba (Xanthosoma violaceum).

Houaiss

Taioba.

Aurélio

Pé-de-boi Mororó .

Aurélio

Pé-de-boi O mesmo que pata-de-vaca ('designação comum')

Houaiss

Pé de burro Fumo de qualidade inferior

Aurélio

Fumo de má qualidade

Houaiss

Açafrão-bravo.

Aurélio

O mesmo que açafrol (Crocus clusii) e maios-pequenos (Iris sisynrinchum

Houaiss

Pé-de-cabra O mesmo que salsa-da-praia (Ipomoea pes-caprae)

Houaiss

Pé de cabra Alavanca metálica que tem a extremidade fendida como um pé de cabra e que serve para arrancar pregos e abrir juntas de caixotaria; arranca-pregos. O mesmo instrumento é usado para arrombar portas leves.

Houaiss

Alavanca de ferro cuja extremidade é fendida à semelhança de um pé de cabra.

Aurélio

Pé de cana Aquele que tem o hábito de se embriagar; beberrão Houaiss Ébrio Aurélio

Pé de chinelo Marginal pouco perigoso. Aurélio Marginal pouco perigoso. Houaiss Que ou o que é reles, pobre, sem expressão Houaiss

Pé-de-chumbo

O mesmo que cardial do Brasil (Salvia splendens)

Houaiss

Pé de chumbo

Indivíduo grosseiro, pesado. Aurélio

Pessoa que não progride na vida, apesar de tudo lhe ser favorável; zé-ninguém.

Aurélio

Trabalhador rural. Aurélio Caipira Aurélio Sujeito mal-educado; casca-grossa. Aurélio Pequeno fazendeiro analfabeto da zona cacaueira. Aurélio Gado (bovino ou cavalar) que não é de raça. Aurélio Indivíduo que não prospera na vida Houaiss

Pessoa que anda vagarosamente. Houaiss

Page 105: METÁFORA E METONÍMIA

104

Motorista que dirige em alta velocidade. Houaiss Pé- de- galinha

Capim-de-burro

Aurélio

O mesmo que capim-branco (Chloris polydactyla), ou capim-de-burro (Cynodon dactylon), ou capim-pé-de-galinha (Poa annua), ou embaúba-da-mata (Cecropia sciadophylla), ou tiririca (Cyperus rotundus).

Houaiss

Pé de galinha Conjunto de rugas no canto externo dos olhos. Aurélio Conjunto de rugas formadas em torno dos olhos. Houaiss

Pé-de-galo O mesmo que lúpulo (Humulus lupulus) ou botão-de-ouro (Ranunculus bulbosus)

Houaiss

Lúpulo

Aurélio

Pé-de-gato Erva de até 20 cm (Antennaria dioica) da família das compostas, vivaz e estolonífera, de folhas espatuladas, em rosetas basais, verde-esbranquiçadas na página superior e lanosas e acinzentadas na página inferior, pedicelo floral ereto e folhoso com capítulos de flores masculinas e brancas ou femininas e róseas; antenária, gnafálio [Nativa da Europa, é cultivada como ornamental e seu nome popular é devido aos pequenos capítulos semelhantes a pequenas e macias almofadas; os capítulos femininos desidratados têm uso medicinal diverso, como emoliente, expectorante, febrífugo etc.]. O mesmo que erva-gato (Valeriana scandens).

Houaiss

Erva da família das compostas (Antenaria dioica), proveniente da Europa e Ásia, inteiramente recoberta de pilosidade alvacenta, que tem folhas espatuladas, flores tubulosas, unissexuais e ordenadas em capítulos solitários, e não é espécie vistosa.

Aurélio

Pé de mato Pé de pau

Aurélio

Pé de pau

Houaiss

Pé-de-meia Mealheiro, pecúlio, economias. Aurélio Dinheiro economizado e reservado para uma eventualidade

futura Houaiss

Pé de moleque

Doce de consistência sólida, feito com açúcar ou rapadura e fragmentos de amendoim torrado. Bolo preparado com a massa de mandioca fubá, coco e açúcar.

Aurélio

Doce consistente feito de açúcar ou rapadura com amendoim torrado. Bolo feito de mandioca, fubá, coco e açúcar.

Houaiss

Pé de ouvido Murro no pé do ouvido Aurélio

Page 106: METÁFORA E METONÍMIA

105

Tapa num lado da cabeça Houaiss

Pé-de- pato Calçado de borracha, em forma de pé de pato, que os nadadores e mergulhadores adaptam aos pés para se deslocarem com rapidez maior dentro da água.

Aurélio

Espécie de calçado de borracha, com a parte anterior espatulada, usado por mergulhadores e nadadores para imprimir maior velocidade ao seu deslocamento; nadadeira

Hoauiss

Pé de pau Qualquer tipo de árvore; pé de árvore, pé de arvoredo, pé de mato

Houaiss

Qualquer árvore; pé de árvore, pé de arvoredo, pé de mato

Aurélio

Pé de valsa Exímio dançarino; pé de oiro, pé de ouro Houaiss

Dançarino consumado; pé de ouro Aurélio

Pé de vento Vento forte ou rajada de vento; lufa, lufada, rabanada, rajada, refega, refrega, ventania

Houaiss

Ventania repentina, de curta duração. Vento forte; tufão, furacão.

Aurélio

Pé-direito Pilar ou muro sobre o qual assenta um arco, uma abóbada, ou uma armação de madeira ou de cantaria.: Partes laterais de uma lapa.

Aurélio

Maciço de pedra que sustenta os empuxos de um arco ou abóbada

Houaiss

Estrutura em forma de coluna de madeira ou de aço que dá sustentação ao convés

Houaiss

Altura entre o piso e o forro de um compartimento ou pavimento.

Houaiss

Altura da coluna ou pilar em que se apoia um arco. Houaiss Altura das ombreiras de uma porta. Houaiss Maciço de pedra que sustenta os empuxos de um arco ou

abóbada. Houaiss

Partes laterais de uma lapa. Houaiss Altura livre de um andar de edifício, medida do piso ao

teto. Aurélio

Pé-frio Pessoa sem sorte, azarada, ou que traz má sorte aos outros. Houaiss Pé na tábua Expressa estímulo a que se dirija um veículo com maior

velocidade, que se conclua um trabalho ou outra atividade mais rapidamente.

Houaiss

Expressão com que se estimula alguém a dirigir veículo com maior velocidade, ou terminar tarefa, etc. mais depressa.

Aurélio

Pé-quente Pessoa que tem ou traz sorte. Houaiss

Page 107: METÁFORA E METONÍMIA

106

Motorista que anda em velocidade excessiva. Houaiss Pé-rapado Indivíduo de humilde condição social; pobre, pobretão Houaiss Homem de condição humílima; pobretão. Aurélio Pé-sujo Indivíduo muito pobre, miserável; pobre-diabo, joão-

ninguém, pobretão. Houaiss

Botequim de baixa categoria; lata de lixo Houaiss Botequim de ínfima categoria; lata de lixo. Aurélio

Pontapé Ofensa, ultraje. Ato de ingratidão. Dar o fora em alguém; romper relacionamento, geralmente de maneira inesperada.

Aurélio

Rapapé Ato de arrastar os pés para trás, ao cumprimentar. Houaiss

Cumprimento exagerado; mesura Houaiss

Ato de enaltecer ou lisonjear com exagero, visando à obtenção de favores, privilégios etc.

Houaiss

Ato de arrastar o pé ao cumprimentar. Aurélio Cumprimento rasgado, exagerado Aurélio

Rodapé O pé de uma página impressa (BASE).

Houaiss

Artigo inserido na margem inferior da página de jornal, revista ou livro, de um cartaz, anúncio, geralmente com medidas e/ou corpo menores e separado por um fio horizontal.

Houaiss

A parte inferior de uma página impressa.

Aurélio

Artigo, crônica, folhetim, etc., de jornal ou revista, publicado no rodapé da folha e ger. separado do resto do texto por um filete horizontal.

Aurélio

Barra de madeira, mármore etc. que se coloca ao longo das paredes na junção com o piso, para lhes dar proteção e acabamento; guarda-vassouras.

Houaiss

Espécie de cortina ou babado que se coloca em volta da cama para cobri-la do colchão até o piso.

Houaiss

Faixa de madeira que se coloca ao longo da parte inferior das grades de uma janela de sacada.

Houaiss

Espécie de cortina que cai em volta da cama até ao piso. Aurélio

Barra de madeira, mármore, etc., que rodeia a parte inferior das paredes internas, rente ao chão, para evitar que os móveis, a varrição ou a lavagem do piso estraguem o revestimento delas; guarda-vassouras, alizar.

Aurélio

Faixa de madeira, ou de outro material, na parte inferointerior das grades duma janela de sacada.

Aurélio

Sopé Parte inferior, mais próxima do plano, de monte, rocha, encosta, muro etc.; base, falda.

Houaiss

Base (de montanha); falda: A parte inferior de encosta, muro, etc.

Aurélio

Tripé O mesmo que trempe ('aro de ferro') Houaiss

Page 108: METÁFORA E METONÍMIA

107

Suporte portátil com três escoras, sobre o qual se assenta

máquina fotográfica, telescópio, filmadora ou outro aparelho.

Houaiss

Formação ou conjunto de três coisas, unidas entre si por uma ou mais características afins

Houaiss

Suporte portátil com três escoras, sobre o qual se põe a máquina fotográfica, o telescópio, ou outro aparelho.]

Aurélio

Trempe.

Aurélio

Conjunto de três coisas diversas, ligadas entre si por um ou mais traços comuns: do congresso.

Aurélio

Page 109: METÁFORA E METONÍMIA

108

ANEXO 2

SIGNIFICADO DAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS DE ACORDO COM AS DEFINIÇÕES DOS DICIONÁRIOS HOUAISS E AURÉLIO ELETRÔNICOS E O

SITE DE BUSCA GOOGLE

Verbetes Significados Fontes Ao pé de ouvido Em segredo, secretamente. Aurélio

Em segredo, de modo discreto Houaiss A pé Com os próprios pés, caminhando Houaiss

Com os próprios pés. Em posição vertical; ereto. Aurélio Locomover-se por meio de transporte coletivo,

não possuir automóvel particular.

Google

Bater (o) pé Manifestar oposição; agir de maneira insistente.

Houaiss

Bater o pé Bater pé.

Aurélio

Bater pé Mostrar-se insubmisso, recalcitrar; bater o pé.

Aurélio

Botar o pé na fôrma.

Treinar exaustivamente para adquirir precisão nos chutes e passes.

Houaiss

Botar o pé no mundo Fugir. Aurélio Retirar-se, debandar, fugir. Houaiss Cair de pé Manter-se combativo, íntegro, digno, em face da

derrota, ou de má situação na vida. Aurélio

Ser derrotado com dignidade, depois de grande resistência.

Houaiss

Com o pé atrás Com reservas, desconfiadamente.

Houaiss

Com o pé direito De maneira feliz, com boa sorte; bem.

Aurélio

Com pé atrás Com desconfiança ou reserva.

Aurélio

Com o pé esquerdo De maneira infeliz,; com azar; mal.

Aurélio

Com azar, muito mal.

Houaiss

Com os pés nas costas De olhos fechados.

Aurélio

Com um pé nas costas Com grande facilidade; sem o menor esforço; de letra.

Aurélio

Page 110: METÁFORA E METONÍMIA

109

Com muita facilidade, de olhos fechados; com

uma perna nas costas. Houaiss

Dar no pé Fugir. Aurélio Ir embora, retirar-se.

Fugir, escapar, debandar. Houaiss

Dar pé

Ser raso (mar, rio,etc.) o suficiente para que se toque o fundo com os pés, ficando a cabeça fora da água,; ter pé.

Aurélio

Ter altura (mar, rio, piscina etc.) suficiente para deixar a cabeça de alguém de fora, estando os pés encostados no chão; ter pé

Houaiss

De pé atrás O mesmo que com o pé atrás Houaiss Com prevenção ou desconfiança; de má

vontade Aurélio

Em pé de guerra Com ânimos exaltados

Houaiss

Estado de tensão ou preparo psíquico, material, que precede a declaração do estado de beligerância

Aurélio

Em pé de igualdade No mesmo nível, de igual para igual Houaiss No mesmo plano, grau ou nível; de igual para

igual. Aurélio

Em que pé vai/está Estado de um negócio ou de uma empresa

Google

Encher o pé Chutar a bola com muita violência Houaiss Chutar com muita força Aurélio

Estar com os pés na cova Estar à beira da morte; ter um pé na cova Houaiss Estar perto da morte. Aurélio Está com o pé na cova Estar à beira da morte; Google Está de pé Firme, irredutível

Google

Fazer pé firme Insistir Google

Ficar no pé de (alguém) Insistir aborrecendo; molestar com pedidos insistentes

Houaiss

Ficar no pé de Ficar rente a (alguém) insistindo em algo, aborrecendo, importunando.

Aurélio

Ficar no pé de alguém Importunar insistentemente.

Aurélio

Ir num pé e vir no outro O mesmo que ir num pé e voltar no outro.

Houaiss

Ir e vir num pé só

Aurélio

Ir num pé e voltar no Executar determinada tarefa ou missão com Houaiss

Page 111: METÁFORA E METONÍMIA

110

outro

muita rapidez; não demorar; ir e vir num pé só, ir num pé e vir no outro.

Ir e vir num pé só

Aurélio

Ir num pé só

Dirigir-se a algum lugar com toda a rapidez

Houaiss

Ir a algum lugar com toda a rapidez

Aurélio

Jurar de pés juntos Afirmar convincentemente

Houaiss

Afirmar peremptoriamente

Aurélio

Lamber os pés de Adular servilmente. Houaiss Adular, lisonjear, bajular. Aurélio Largar do pé de Deixar de importunar.

Houaiss

Deixar de ser importuno.

Aurélio

Meter o pé Retirar-se de um local Google

Meter o pé no mundo Viajar sem prazo ou roteiro definido. Fugir, debandar.

Houaiss

Fugir Aurélio Meter os pés pelas mãos Atrapalhar-se, confundir-se na realização de

alguma coisa Cometer deslizes.

Houaiss

Atrapalhar-se, atordoar-se, confundir-se, na execução de uma tarefa, de uma atividade qualquer. Praticar inconveniências; cometer disparate ou gafe.

Aurélio

Não arredar pé Permanecer num determinado lugar. Não ceder, não mudar de opinião.

Houaiss

Não afastar-se de um lugar. Não ceder em sua opinião; não transigir.

Aurélio

Não chegar aos pés de Ser incomparavelmente inferior a Houaiss Ser muito inferior a Aurélio Negar de pés juntos Insistir com firmeza na negativa

Google

Pegar no pé Mostra-se muito insistente. Importuno Aurélio

Pegar pelo pé

Surpreender, conter e criticar o adversário Houaiss

Apanhar de surpresa; surpreender. Aurélio

Page 112: METÁFORA E METONÍMIA

111

Ter os pés na terra Ter objetividade, ser realista; ter os pés fincados na terra, ter os pés no chão.

Houaiss

Ter os pés fincados na terra Aurélio Ter os pés no chão O mesmo que ter os pés na terra

Houaiss

Ter os pés fincados na terra Aurélio Tomar pé da situação Tomar ciência da situação Google Ter pés de barro Ter base inconsistente, a despeito da aparência

de solidez Aurélio

Tirar o pé da lama Sair de uma situação de inferioridade material; subir na vida, tirar o pé do lodo.

Houaiss

Sair de uma situação inferior; melhorar de vida; subir de posição; tirar o pé do lodo.

Aurélio

Tirar o pé do lodo O mesmo que tirar o pé da lama Aurélio Um pé lá, outro cá O mais rapidamente possível

Houaiss

Com extrema rapidez; com a maior ligeireza possível.

Aurélio

Vai dar pé Ser possível; ser alcançável, exequível. Google