Metaforfoses Do Estado Brasileiro - BRASILIO SALLUM JR

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METAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XX*Brasilio Sallum Jr.

O objetivo deste artigo analisar algumas das mudanas polticas mais importantes ocorridas no Estado brasileiro nas ltimas duas dcadas do sculo XX. Para isso focalizarei dois processos que alteraram tanto o Estado como suas relaes com a ordem social e a ordem econmica: a democratizao poltica e a liberalizao econmica. Esses dois processos foram dimenses-chave da transio poltica que transformou a forma autocrtica e desenvolvimentista de Estado, vigente* Agradeo a Lawrence Whitehead, Maria DAlva Kinzo e Eduardo Kugelmas pelos valiosos comentrios a este artigo. Ele uma verso alterada do texto apresentado no Seminrio Fifteen Years of Democracy in Brazil organizado pelo Institute of Latin American Studies em Londres, em fevereiro de 2001. Artigo recebido em maro/2003. Aprovado em maio/2003.

no Brasil desde os anos de 1930. Ao longo de sua existncia, este Estado cumpriu o papel de ncleo organizador da sociedade, deixando pouco espao para a organizao e a mobilizao autnomas de grupos sociais (sobretudo dos vinculados s classes populares), e funcionou como alavanca para a construo de um capitalismo industrial, nacionalmente integrado mas dependente do capital externo, por meio de uma estratgia de substituio de importaes.1 Essa forma de Estado vem sendo denominada varguista, pois adquiriu suas caractersticas bsicas sob a presidncia de Getlio Vargas. Adotarei essa denominao porque ela acentua o carter especfico do Estado, cuja superao se estudar neste artigo. No tenho dvidas, porm, de que ele uma entre outras modalidades autocrticas e desenvolvimentistas de Estado ocorridas na periferia capitalista no mesmo perodo. A transio poltica brasileira comeou com a crise de Estado de 1983-1984 e terminouRBCS Vol. 18 n 52 junho/2003 .

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REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 18 N 52 .fraturas. Externamente, a moratria mexicana resultou na suspenso dos fluxos voluntrios de emprstimos bancrios para o Brasil e outros pases devedores latino-americanos de 1982 at o final da dcada, o que provocou uma profunda crise econmica na regio. Alm disso, desde meados da dcada de 1970, as idias predominantes nos pases centrais e nas agncias financeiras multilaterais em relao poltica econmica moveram-se, cada vez mais, do paradigma keynesiano para a ortodoxia monetarista, inclinada a adotar polticas rgidas de conteno de gastos pblicos e de controle monetrio. Essas mudanas nos fluxos econmicos e nas idias predominantes em relao gesto econmica restringiram muito a autonomia das polticas econmicas nacionais.3 Internamente, as mudanas polticas iniciadas nos anos de 1970 e aprofundadas desde ento tambm dificultaram a rearticulao externa. De fato, nas eleies de 1982, o partido de sustentao do regime militar perdeu sua maioria absoluta na Cmara dos Deputados e dez governos estaduais importantes passaram a ser governados por partidos da oposio.4 Com tais resultados, o processo de liberalizao poltica, iniciado por Ernesto Geisel em 1973-1974, ps mais uma vez em xeque o controle do regime militar sobre a mudana poltica do pas.5 Com efeito, esses insucessos polticos aprofundaram o padro segundo o qual mudanas sociais empurravam sempre, para alm de seus prprios limites, o projeto de liberalizao poltica do regime militar. De fato, a partir de 1970, os alicerces politicamente excludentes do regime militar e do velho Estado varguista foram abalados por um vigoroso processo de democratizao poltica. As classes populares tornaram-se politicamente muito mais autnomas e tentaram partilhar valores materiais e no-materiais que antes eram exclusivos das classes mdia e alta. Por meio das eleies, das atividades de novas associaes civis ou da renovao da atuao de velhas associaes, as classes populares, parte das classes mdias e, at mesmo, alguns setores empresariais passaram a pr em xeque a capacidade de o Estado controlar, como antes, a sociedade.6 Dessa forma, no incio dos anos de 1980, o governo brasileiro encontrava-se em campo mina-

com o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, momento em que o Estado ganhou estabilidade segundo um novo padro hegemnico de dominao, moderadamente liberal em assuntos econmicos e completamente identificado com a democracia representativa. Nessa transio, a democratizao poltica foi mais importante na dcada de 1980 ao passo que a liberalizao econmica destacou-se nos anos de 1990. Essa transformao poltica s pode ser completamente entendida se a considerarmos no contexto da transnacionalizao do capitalismo (desencadeada pela globalizao financeira) e da democratizao da sociedade brasileira. Na prxima seo procuro caracterizar a crise do Estado varguista em funo de sua importncia para a explicao dos processos de democratizao poltica e liberalizao econmica. Essas duas dimenses sero os objetos centrais da segunda e terceira sees do artigo, respectivamente. Ao final, fao um esboo das mudanas polticas recentes que apontam para o predomnio de um desenvolvimentismo renovado e para um aprofundamento da democracia.

Crise de Estado e transio polticaO cerne da crise do Estado desenvolvimentista brasileiro foi, do ngulo econmico, a incapacidade de fazer frente aos pagamentos da dvida externa no incio da dcada de 1980,2 colocando em xeque o padro costumeiro de relacionamento do Brasil com a ordem capitalista mundial. Dessa forma, a crise s poderia ser contornada ou superada mediante um re-arranjo da articulao que havia permitido que o pas tivesse apresentado at ento um desenvolvimento capitalista pujante, embora dependente. Conforme fosse o caminho escolhido para enfrentar a situao, poderiam surgir fraturas nas relaes do Brasil com centros econmicos e polticos mundiais mais importantes e/ou na prpria base domstica de sustentao poltica do Estado. Ademais, a situao era tanto mais difcil porque as mudanas em curso nos mbitos internacional e domstico acentuavam os riscos dessas

METAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XXdo. Na escolha da estratgia para enfrentar a crise, ele sofria, ao mesmo tempo, presses externas para conduzir o pas em direo ortodoxia econmica e estmulos na direo oposta, decorrentes das novas condies polticas internas. Embora o governo tenha optado por um ajuste externo produo de megasaldos no comrcio exterior para pagar o servio da dvida externa acompanhado de um ajuste fiscal pouco drstico, isso foi suficiente para causar srios danos ao seu suporte sociopoltico.7 Com efeito, a estratgia escolhida para enfrentar o estrangulamento externo produziu uma crise poltica muito complexa.8 Ela comeou por dissociar o governo da base de sustentao sociopoltica do Estado varguista. O ajuste externo ops-se ao receiturio econmico da coalizo desenvolvimentista, que via no crescimento econmico nacional o valor bsico a ser alcanado e fazia das empresas estatais seu pilar central de sustentao. A poltica governamental foi considerada recessiva, inflacionria e injusta, pois transferia todos os custos do ajuste para os agentes econmicos domsticos, principalmente para os assalariados e para as empresas estatais, evitando onerar os credores externos. Assim, as polticas de governo no s se dissociaram dos interesses imediatos da base de sustentao do Estado como passaram a ser consideradas ilegtimas, contrrias aos valores bsicos da aliana desenvolvimentista. Um dos resultados disso foi que parte da velha coalizo desenvolvimentista passou a se opor ao governo. As reaes dos dirigentes das empresas estatais, duramente atingidas pela poltica de ajuste escolhida, foram pouco explcitas, em funo mesmo do carter autoritrio do regime. Sua oposio manifestou-se indiretamente, pela resistncia intra-burocrtica aos comandos governamentais e pela atuao de parlamentares sintonizados com as estatais no Congresso. Os empregados das empresas estatais, pelo contrrio, manifestaram-se pblica e claramente contra a poltica do governo, seja com demonstraes de rua, seja pela greve de protesto. Foi no empresariado privado, porm, que ocorreu a fratura mais importante da base de apoio do Estado. Parte das elites empresariais no apenas

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se ops estratgia governamental de ajuste, mas aderiu a projetos alternativos para enfrentar a crise econmica, indicando claramente o esvaziamento da liderana do governo. Uma poro da elite empresarial, a dissidncia mais numerosa, foi magnetizada por uma verso mais nacionalista e industrialista de desenvolvimentismo e uma outra, bem menor, foi atrada por uma variante perifrica de neoliberalismo. Essas reaes surgidas no interior da elite empresarial e no sistema de empresas estatais favoreceram a atuao da oposio poltico-partidria no Congresso e seus esforos para mobilizar as classes mdias e populares na luta contra a perpetuao do regime militar. Essa mobilizao de massa resultou, entre janeiro e maro de 1984, na mais importante demonstrao pblica ocorrida no Brasil em favor da democratizao poltica a campanha das Diretas J. A mobilizao popular minou completamente o apoio ainda existente poltica de democratizao gradual e limitada liderada pelo regime autoritrio. Com isso, a crise poltica expandiu-se e aprofundou-se: a perda de legitimidade do governo estendeu-se, incluindo o prprio regime autoritrio. Mais ainda, naquela conjuntura crtica, foi iniciada a ruptura dos limites da legitimidade do Estado varguista. A entrada macia da populao na luta poltica em favor da superao rpida do regime autoritrio produziu uma inovao substancial na vida poltica brasileira: obrigou o governo a toler-la, os meios de comunicao de massa fiis ao regime a noticila e as elites polticas a rejeitar as costumeiras condicionalidades interpostas vigncia da democracia no Brasil. De fato, a idia de que no h democracia sem participao popular e de que no h participao popular sem a liberdade plena de associar-se e de manifestar demandas coletivas fortaleceu-se social e politicamente pelo amplo apoio das classes mdias e das massas populares. A Campanha das Diretas redefiniu o espao legtimo da poltica no Brasil. Em suma, apoiada pela mobilizao de massa, a oposio produziu uma crise no padro vigente de hegemonia poltica. Da em diante seria inaceitvel um Estado que impusesse restries

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REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 18 N 52 .volvimentismo renovado e que combinasse crescimento econmico e redistribuio de renda.

expresso e organizao polticas das massas populares; um Estado assim s poderia se manter pela fora e/ou pelo interesse. Dessa forma, a campanha Diretas J anunciou um novo projeto de Estado, orientado por valores democrticos surgidos do clamor da sociedade pela democratizao.9 Todavia, o regime militar derrotou no Congresso Nacional a proposta de eleies diretas para a Presidncia da Repblica, minimizando com isso os efeitos polticos mais profundos da crise de hegemonia desencadeada pela mobilizao de massa. O governo conseguiu, usando as alavancas de poder de que dispunha, contornar parcial e provisoriamente a crise: manteve as massas populares fora do processo imediato de escolha do novo presidente da Repblica, mas no conseguiu evitar que boa parte de sua base poltico-partidria apoiasse a eleio de um governo civil liderado pela oposio. No h dvida, porm, quanto aos efeitos conservadores da excluso das massas da sucesso presidencial: a oposio poltica, minoritria no Colgio Eleitoral, s teve condies efetivas de vencer moderando suas ambies e efetuando um pacto poltico com dissidentes do regime autoritrio. Ademais, os programas dos candidatos permaneceram dentro dos limites dados pelo prprio governo e por empresrios dissidentes. Tancredo Neves, candidato da Aliana Democrtica,10 assimilou algumas das propostas desenvolvimentistas que contavam principalmente com apoio no empresariado industrial. O candidato de direita, Paulo Maluf, fez algo semelhante em relao ao projeto neoliberal, que tinha suporte de associaes comerciais e no setor agrcola de exportao. Mesmo com tais limitaes, as propostas anunciavam sua sintonia com as aspiraes populares de implantar a democracia poltica no pas. A esmagadora vitria de Tancredo Neves no Colgio Eleitoral mostrou bem quais eram as aspiraes polticas dominantes na elite poltica brasileira e, implicitamente, qual o projeto poltico que prevaleceria no perodo presidencial seguinte: construir uma Nova Repblica, uma democracia plena, que no impusesse restries aos movimentos e s organizaes populares, que tivesse como orientao econmica um nacional-desen-

A Nova Repblica: democratizao e desenvolvimentismoDurante o governo Sarney11 o legado institucional autoritrio ajustou-se ao processo de democratizao em curso, traduzindo as demandas de ampliao do espao da poltica e do universo de seus participantes reconhecidos em regime poltico democrtico. Isso implicou tanto o rompimento dos limites institucionais impostos participao e organizao poltica das classes populares como a expanso dos direitos bsicos do cidado. Eliminou-se, assim, na Nova Repblica, um dos pilares centrais do Estado varguista em qualquer de suas formas de organizao poltica. De fato, j no incio do governo de Jos Sarney alterou-se um conjunto de leis que bloqueavam a participao poltica popular. No primeiro semestre de 1985 foram institudos: a) eleies diretas, em dois turnos, para a Presidncia da Repblica; b) eleies diretas nas capitais dos estados, reas de segurana e principais estncias hidrominerais; c) representao poltica para o Distrito Federal na Cmara dos Deputados e no Senado Federal; d) direito de voto aos analfabetos; e) liberdade de organizao partidria, mesmo para os comunistas; e todo um conjunto de alteraes menores que iam na mesma direo. Alm disso, a legislao sofreu algumas mudanas que provocaram um enorme impacto na atividade poltica dos trabalhadores, aumentando muito seus direitos de participao e liberando-os do controle governamental: a) foram readmitidos lderes sindicais, antes demitidos por mau comportamento; b) foi cancelado o controle do Ministrio do Trabalho sobre as eleies sindicais; e c) foi eliminada a proibio de associaes inter-sindicais, o que legalizou as atividades das centrais sindicais que, at ento, eram apenas toleradas. Essas e outras mudanas nas normas que regulavam a vida pblica e tambm a tolerncia governamental, quando do desrespeito lei nas manifestaes coletivas, permitem caracterizar a Nova

METAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XXRepblica como um arranjo poltico no qual vrios segmentos sociais, inclusive as classes populares, puderam lutar por seus interesses e idias com grande liberdade de ao e organizao. Demonstra bem este ponto o crescimento extraordinrio do nmero de greves e dias parados durante o governo Sarney.12 O aumento da participao popular afetou a hierarquia entre os centros de poder do Estado, a gesto governamental e a amplitude dos direitos de cidadania. De fato, a crise de hegemonia enfraqueceu a hierarquia que caracterizava o regime autoritrio anterior. Na Nova Repblica as presses da base para o topo da sociedade fortaleceram a autonomia dos centros de poder que antes costumavam ser subalternos. Portanto, o Congresso Nacional, o Judicirio, os governos dos estados e os partidos polticos ganharam mais latitude de ao em relao Presidncia da Repblica. As mudanas nas instituies polticas e no mbito de poder dos diversos atores culminaram na Constituio de 1988, que ampliou o poder de ao do Legislativo, do Judicirio e do Ministrio Pblico nos processos de deciso governamentais. Parte da base material para exercer o poder impostos e autonomia financeira foi transferida da Unio para os estados e municpios, a ponto de transformar os ltimos em verdadeiras unidades federadas (no subordinados aos estados). Em relao aos direitos de cidadania, a nova Constituio estabeleceu uma regra poltica democrtica e ampliou a proteo social para todos, trabalhadores ou no. Definiu como dever do Estado garantir vrios direitos sociais inclusive alguns direitos difusos, como os relacionados proteo do meio ambiente e tornou possvel que cidados e coletividade exigissem o cumprimento dessas garantias pelo poder pblico. Alm disso, os constituintes ampliaram drasticamente o mbito das atividades dos promotores pblicos fazendo do Ministrio Pblico um ramo especial do Estado, independente dos trs poderes clssicos. Em sua nova forma, o Ministrio Pblico recebeu a misso de assegurar o cumprimento dos direitos da cidadania, garantidos em lei, inclusive contra a ao ou a omisso do Estado. Ao mesmo tempo, a mesma Constituio de 1988 emprestou uma moldura legal rgida ao desen-

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volvimentismo democratizado: foram ampliadas as restries ao capital estrangeiro, as empresas estatais ganharam mais espao para suas atividades, o Estado obteve mais controle sobre o mercado e os servidores pblicos e outros trabalhadores viram aumentar sua estabilidade no emprego e vrios benefcios, inclusive os de aposentadoria. Portanto, a Constituio de 1988 assegurou a permanncia velha articulao entre o Estado e o mercado no momento mesmo em que o processo de transnacionalizao e a ideologia liberal estavam para ganhar uma dimenso mundial em funo do colapso do socialismo de Estado. Dessa forma, durante a presidncia de Jos Sarney, a elite poltica brasileira realizou completamente, do ponto de vista institucional, o projeto da Nova Repblica. Ainda assim, esta no se converteu em um sistema estvel de poder. A elite poltica dirigente fracassou em articular uma nova coalizo sociopoltica que sustentasse o projeto desenvolvimentista democratizado para, por esta via, superar a crise de Estado. A instabilidade econmica crescente no governo Sarney sinalizava, de fato, a fragilidade poltica do Estado. No entanto, no se tratava apenas de a elite poltica ter ou no ter as idias certas ou de ela fazer ou no as alianas apropriadas para estabilizar um novo sistema de poder. Na verdade, as circunstncias em que ela operava eram muito difceis para que pudesse ter sucesso. Com efeito, a elite poltica tentou renovar a estratgia desenvolvimentista, combinando distribuio e crescimento econmico, mas o fez em um contexto externo muito adverso que, em vez de ser uma fonte de capitais (emprstimos estrangeiros ou investimentos), os drenava continuamente do pas (como obrigaes internacionais). Ademais, a elite dirigente enfrentou esse ambiente inspito em circunstncias polticas muito desfavorveis. Ela teve de lidar com uma sociedade onde os movimentos sociais e as organizaes coletivas floresciam e demandavam enfaticamente a satisfao imediata de suas carncias. Talvez se possa dizer que, em uma sociedade to esperanosa como era o Brasil da Nova Repblica, a escassez de recursos no dava muito espao para negociaes polticas bem-sucedidas.

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REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 18 N 52 .do, se esvaiu. As taxas de investimento caram drasticamente: estancou a entrada de capital estrangeiro e o Estado perdeu sua capacidade de investir. O sistema de empresas estatais, que tinham sido a vanguarda do modelo desenvolvimentista anterior, perdeu seu dinamismo prprio passando a se subordinar aos objetivos governamentais do ajustamento, que visava a produzir insumos de preos baixos para combater a inflao e/ou ajudar o setor privado a produzir saldos crescentes no comrcio exterior. A desorganizao tanto da economia como das finanas pblicas geraram flutuaes sbitas no crescimento do PIB, uma reduo do crescimento econmico mdio alm de intensas presses inflacionrias. A inflao substituiu o desenvolvimento como questo poltica bsica daquele perodo. Tudo isso constituiu um poderoso obstculo para que na Nova Repblica o processo de democratizao poltica produzisse o seu equivalente material. Assim, embora tenha havido expanso dos servios pblicos de bem-estar, na dcada de 1980 os brasileiros mais pobres no aumentaram sua participao na renda nacional. Ademais, as dificuldades de estabilizar uma nova forma de Estado estimularam o crescimento no interior da elite brasileira de um novo projeto poltico para o pas. Com efeito, na medida em que a elite econmica se tornava insegura e assustada com as iniciativas reformistas do governo da Nova Repblica, sobretudo com as polticas heterodoxas de estabilizao monetria, as idias econmicas liberais passaram a se tornar relevantes para ela. Alm de se mostrarem ineficientes para restringir a inflao e retomar o crescimento econmico de forma sustentada, as polticas heterodoxas foram interpretadas como ameaas propriedade privada, pois restringiam a liberdade de mercado e ameaavam os contratos. Da em diante, a elite empresarial mobilizou-se para moldar as estruturas e controlar as aes do Estado orientando-se, pelo menos parcialmente, pelas concepes neoliberais que vinham sendo difundidas, desde os anos de 1970, pelas instituies econmicas multilaterais, por think tanks e governos dos pases centrais.14 Dessa maneira, sobretudo de 1987 1988 em diante, a elite econmica passou a confrontar o intervencionismo do Estado, exigin-

Ademais, a elite poltica tentou resolver os problemas surgidos com a crise do Estado varguista como se o Estado no tivesse perdido muito de sua autoridade poltica e de sua fora material. Em funo dessas perdas, as tentativas ortodoxas ou heterodoxas13 de enfrentar a instabilidade econmica depararam-se seja com ameaas coaes externas decorrentes da ameaa ou da falta de pagamento de dbitos, seja com o veto e/ou a adeso reticente de membros da velha aliana desenvolvimentista que sustentava o Estado, embora j sem articulao e objetivos definidos. Com efeito, alm dos credores privados externos, governos estrangeiros e organizaes multilaterais, as atividades das coletividades novas ou renovadas, inspiradas em iderio ora conservador ora reformista e constitudas a partir de distintas bases socioeconmicas, ajudaram a moldar as polticas estatais, algumas vezes estimulando e outras colocando alguns limites ao do Estado. Organizaes de empresrios agrcolas e de proprietrios de terra, por exemplo, restringiram o programa de reforma agrria a um mnimo e, por sua atuao junto ao Congresso Constituinte, conseguiram assegurar amplamente os direitos de posse da terra. Em sentido oposto, em 1989, ano da sucesso presidencial, fortes manifestaes organizadas pela Central nica de Trabalhadores(CUT) e por sindicatos levaram o Congresso Nacional a no aprovar na ntegra o chamado Plano Vero visto que ele tentava estabilizar a moeda reduzindo os salrios reais dos trabalhadores. Seguramente, a eficcia da atuao dos movimentos e das organizaes populares e das camadas mdias na Nova Repblica podem ser explicadas, em boa parte, pela fragilidade material do Estado e pela articulao frouxa de sua base de sustentao social. Em sntese, a Nova Repblica tornou-se um sistema instvel de dominao poltica, em que no se articulavam bem a dimenso institucional, a esfera sociopoltica e as condies econmicas. Essa instabilidade resultou, de um ponto de vista material, numa trajetria decadente de desenvolvimento. O Estado continuou a proteger o mercado interno, mas o dinamismo econmico anterior, que tinha permitido ao Brasil ter uma das maiores taxas de crescimento econmico do mun-

METAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XXdo desregulamentao, melhor acolhida para o capital estrangeiro, privatizao das empresas estatais etc. Assim, embora o liberalismo econmico no Brasil s tenha se tornado politicamente hegemnico nos anos de 1990, essa hegemonia comeou a ser socialmente construda ainda na segunda metade da dcada de 1980. Entretanto, mesmo que a retrica liberal tenha sido absorvida pelos meios de comunicao e tenha se difundido entre as camadas mdias da populao, isso ocorreu em menor proporo na elite poltica, entre os trabalhadores organizados e servidores pblicos, que continuaram a defender os ideais de propriedade nacional e regulao estatal. Eis porque a Constituio de 1988, que materializou o projeto poltico da Nova Repblica democratizao poltica e desenvolvimentismo democratizado tornou-se um alvo para os ataques da elite empresarial e de seus lderes polticos e intelectuais e, inversamente, converteu-se em trincheira para as organizaes de trabalhadores, servidores, funcionrios das companhias estatais e da classe mdia assalariada ligada ao servio pblico. A eleio direta para presidente da Repblica em 1989 sumariou os resultados polticos do perodo anterior. Depois de quase trinta anos de interrupo de disputas diretas para a Presidncia, a eleio foi realizada com total liberdade de expresso e reunio, constituindo um dos pontos mais altos de participao das classes populares e das camadas mdias na poltica brasileira. Certamente, foi a crescente presena das classes populares e mdia na esfera pblica que abriu caminho para o desempenho eleitoral dos candidatos da esquerda no primeiro turno da eleio presidencial e, especialmente, para o ex-operrio metalrgico e lder sindical Luiz Incio da Silva (Lula) no segundo turno. Mesmo sendo candidato de um partido to pequeno como o Partido dos Trabalhadores (PT), Lula foi derrotado apenas por uma pequena margem de votos.15 Sublinhe-se, ainda, que este timo resultado foi obtido sem mascarar as intenes reformistas do PT. Lula prometeu durante sua campanha uma ruptura efetiva do padro autocrtico de dominao social: as classes populares seriam conduzidas ao poder, o

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governo faria uma redistribuio de renda deslocando recursos do topo para a base da sociedade, realizaria uma verdadeira reforma agrria e as empresas estatais seriam preservadas, embora sua administrao devesse ser democratizada. Em suma, o reformismo de esquerda visava a eliminar, pelo menos em parte, a excluso social, radicalizando o processo de democratizao ao lhe dar bases materiais adequadas. No plo oposto, dando menos de 5% dos votos aos candidatos do PMDB e do PFL o eleitorado ratificou o fracasso da elite poltica em converter a Nova Repblica numa forma estvel de domnio poltico. O processo eleitoral foi um momento de inflexo nas referncias ideolgicas que polarizavam o sistema partidrio. A partir da campanha de 1989, o confronto entre democracia e autoritarismo, que caracterizava o sistema partidrio desde a liberalizao poltica do regime militar, tornou-se menos relevante. As foras partidrias reorganizaram-se de acordo com novas polarizaes, e, nesse processo, sobretudo as relaes Estado/mercado ganharam espao. Os partidos foram magnetizados pelas idias econmicas liberais, de um lado, e pelo desenvolvimentismo democratizado, de outro. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), dissidncia do PMDB organizada como partido em 1988, inclinou-se decisivamente para o liberalismo, como enfatizou seu candidato Mrio Covas ao exigir para o pas um choque de capitalismo. O Partido Democrata Cristo (PDC) e o Partido Liberal (PL) tambm adotaram um programa liberal. O PDS, partido do extinto regime militar, j havia se adaptado s idias do livre mercado desde a crise de 1983/ 84, embora elas tenham sido sufocadas na disputa eleitoral, tal como na sucesso presidencial anterior, pelo populismo conservador de seu candidato Paulo Maluf. E, apesar da retrica nacional-desenvolvimentista do candidato do PFL, Aureliano Chaves, o partido vinha apresentando, desde a Constituinte, uma crescente inflexo liberal e no lhe deu apoio significativo. Na direo contrria, o PMDB, o PDT e o PT radicalizaram o desenvolvimentismo em sua verso nacionalista e distributivista. A campanha eleitoral de 1989 mostrou tambm outra polarizao ideolgica: a oposio en-

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REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 18 N 52 .indstria domstica. Finalmente, deu-se seqncia poltica de integrao regional com os pases da fronteira sul, instituindo-se o Mercosul (1991), com vistas a ampliar o mercado para os produtos domsticos de seus participantes. Essas medidas significavam o descarte da estratgia anterior de desenvolvimento, vigente plenamente at o incio dos anos de 1980, cuja pretenso era construir uma estrutura industrial completa e integrada, usando o Estado como escudo protetor ante a competio externa e como alavanca do desenvolvimento industrial e da empresa privada nacional. Essa reorientao estratgica, embora sintonizada com as novas inclinaes liberais dos empresariado local e com as tendncias ideolgicas dominantes no plano internacional, foi insuficiente para soldar um novo pacto poltico que superasse a crise de hegemonia iniciada em 1983. No obstante Collor parecesse ser um Csar auspicioso surgido das fissuras da ordem poltica em crise com a promessa de super-la, seu governo, em vez disso, contribuiu para aprofund-las drasticamente, frustrando as expectativas das foras polticas em cena. Para estabilizar a moeda o Plano Collor congelou preos, confiscou provisoriamente e reduziu parte da riqueza financeira das classes mdias e empresariais. Assim, alm de atingir a riqueza material, ameaou a segurana jurdica da propriedade privada. Ademais, o governo submeteu as organizaes tradicionais dos empresrios a ataques verbais sistemticos organizando, ao mesmo tempo, grupos de empresrios para apoi-lo na implementao de suas polticas. Tambm procurou exercer o poder dissociado da classe poltica e de seus mecanismos tradicionais de sobrevivncia; reduziu as despesas do Estado de forma arbitrria por meio da demisso em massa de servidores, desorganizando a administrao pblica; e tentou enfraquecer as organizaes oposicionistas de trabalhadores estimulando organizaes alternativas ligadas ao governo. No campo internacional, Collor tambm teve dificuldades. Apesar de sua orientao liberal e internacionalizante, a primeira equipe econmica do governo tentou postergar o fim da moratria herdada do perodo Sarney e enfraquecer a posio dos bancos estrangeiros privados na negociao da

tre dois tipos diferentes de ideais democrticos. Embora todos os partidos fossem favorveis democracia, aqueles que tinham a liberalizao econmica no centro de sua agenda sinalizavam a aceitao da democracia representativa, mesmo quando questionavam a forma presidencialista de governo. No outro plo, o da esquerda, enfatizava-se o carter limitado da democracia representativa (o de s dar espao para atuao popular nos perodos eleitorais) e predominava a idia de avanar em direo a formas mais participativas de democracia. Em suma, com a vitria de Fernando Collor de Mello poltico identificado com o neoliberalismo e pouco simptico aos experimentos participativos da democracia , as eleies presidenciais de 1989 tornaram-se o marco divisrio entre dois momentos da transio poltica brasileira, quais sejam, o perodo em que predominou a democratizao poltica e o que teve como seu impulso bsico a liberalizao econmica.

A nova hegemonia liberal e suas conseqncias16O governo Collor confirmou, em parte, a inflexo liberal manifestada no embate eleitoral de 1989. Contribuiu para danificar o quadro institucional nacional-desenvolvimentista e redirecionar a sociedade brasileira em um sentido anti-estatal e internacionalizante. Ainda assim, embora dando ao Estado o impulso inicial para conformar uma nova estratgia de desenvolvimento, o governo Collor no conseguiu vencer a crise de Estado experimentada pela sociedade brasileira desde o incio da dcada de 1980. Durante o perodo Collor, as licenas e as barreiras no tarifrias importao foram suspensas e as tarifrias alfandegrias foram redefinidas, criando-se um programa para sua reduo progressiva ao longo de quatro anos.17 Ao mesmo tempo, programou-se a desregulamentao das atividades econmicas e a privatizao das companhias estatais que no estivessem protegidas pela Constituio, afim de recuperar as finanas pblicas e reduzir aos poucos o papel do Estado no incentivo

METAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XXdvida externa. Essa estratgia contribuiu para enfraquecer ainda mais o suporte da elite econmica brasileira e estimulou o governo dos Estados Unidos a opor-se a ele e a proteger o sistema bancrio norte-americano. As dificuldades externas s diminuram quando uma equipe econmica muito mais liberal tomou posse, em 1991.18 Nesse contexto poltico to perturbado que Fernando Collor foi acusado de ser o chefe oculto de um esquema governamental de corrupo. Depois de ser investigado e processado pelo Congresso, renunciou Presidncia da Repblica para evitar o impeachment.19 Em suma, Collor fracassou como Csar.20 Suas aes acirraram a crise poltica. Em vez de dar s foras polticas em disputa os meios para resolver de forma negociada seus prprios impasses, ele tentou impor-lhes uma soluo alternativa de cima para baixo. Tentou restaurar de forma autocrtica a estabilidade da moeda base das relaes de troca e da autoridade do Estado sobre o mercado em uma sociedade que, embora mal alinhavada politicamente, j havia avanado muito no caminho da democratizao. Com efeito, o impeachment do presidente Collor de Mello dificilmente teria ocorrido se no houvesse avanado tanto na sociedade o sentimento/concepo de que o governo e o Estado deviam obedecer a limites polticos e morais muito mais estreitos do que anteriormente. Ele tambm no teria ocorrido se a capacidade de ao autnoma dos vrios agrupamentos sociais e dos vrios centros de poder do Estado no tivesse crescido tanto. As manifestaes de dezenas de milhares de jovens caras pintadas que exigiram nas ruas o impeachment, os testemunhos corajosos de trabalhadores subalternos contra o chefe de Estado, a conduta autnoma da imprensa, do rdio e da televiso, assim como do Congresso e do Judicirio so expresses cada uma a seu modo do processo de democratizao poltica do pas. Embora este governo tenha fracassado na tentativa de superar a crise brasileira, desde o final dos anos de 1980 as condies econmicas internacionais vinham se tornando mais positivas para os pases da periferia. Alguns fatores e decises polticas possibilitaram essa reverso, como o gran-

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de aumento no volume das aplicaes financeiras nos pases centrais e em direo aos mercados emergentes, o alvio produzido nas carteiras dos credores em funo do Plano Brady de renegociao da dvida externa e o aperfeioamento das polticas de liberalizao econmica nos pases perifricos.21 De qualquer forma, depois de quase dez anos de transferncias de recursos lquidos negativos, a Amrica Latina recebeu transferncias positivas do resto do mundo. A magnitude dos fluxos de capital lquido para a nao cresceu drasticamente em 1992 e 1993, ultrapassando 20 bilhes de dlares (Edwards, 1995, p. 82). O grande afluxo de capital para o Brasil,22 os legados do perodo Collor (avano do liberalismo econmico, no plano ideolgico e institucional, e rejeio a solues autocrticas para a crise), a exacerbao da instabilidade poltico-econmica durante o perodo Itamar Franco e o avassalador crescimento do prestgio popular de Luiz Incio da Silva, candidato de esquerda Presidncia de Repblica, foram algumas das condies e, ao mesmo tempo, alavancas poderosas para a nova tentativa, realizada em 1994, de superar a crise de hegemonia que minava a sociedade brasileira desde o incio da dcada de 1980.23 As condies e as caractersticas do sistema institucional brasileiro especificam a fortuna com que se defrontaram algumas lideranas polticas que, bem situadas no seio do Estado e temerosas de perder o seu controle, tiveram virt suficiente para aproveitar a ocasio e negociar a associao entre partidos de centro e de direita em torno da continuidade das reformas liberais, da estabilizao da economia e da tomada do poder poltico central. Tudo isso foi materializado nos lanamentos bem-sucedidos do Plano Real e da candidatura Presidncia da Repblica de seu articulador, o ento Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. A referncia fortuna e virt permite retomar cum grano salis a idia de momento maquiaveliano, de John Poccok, que enfatiza o papel da liderana na manipulao criativa das oportunidades legadas pela fortuna para fazer prevalecer os interesses gerais da comunidade poltica ameaada pela confrontao entre interesses particularistas, reconstruindo com isso o Estado.24

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REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 18 N 52 .de 1995 os representantes de um novo sistema hegemnico de poder assumiriam o comando de um Estado ancorado numa moeda provavelmente estvel. Nada parecia faltar para que eles pudessem completar bem a tarefa de moldar a sociedade ao iderio econmico liberal. A partir de 1995, os novos governantes trataram de eliminar os resduos do Estado varguista e de construir novas formas de regulamentar o mercado, seguindo um sistema multifacetado de idias, cujo denominador comum era um liberalismo econmico moderado. As caractersticas centrais desse iderio podem ser assim resumidas: o Estado deveria transferir quase todas as suas funes empresariais para a iniciativa privada; teria que expandir suas funes reguladoras e suas polticas sociais; as finanas pblicas deveriam ser equilibradas e os incentivos diretos s companhias privadas seriam modestos; haveria tambm restrio aos privilgios existentes entre os servidores pblicos; e o pas deveria intensificar sua articulao com a economia mundial, embora dando prioridade ao Mercosul e s relaes com os demais pases sul-americanos. Esse conjunto bsico de idias liberais materializou-se em iniciativas que mudaram drasticamente as relaes anteriores entre mercado/Estado e a ordem de prioridades do Estado em relao aos segmentos socioeconmicos, tanto em termos patrimoniais como institucionais. O alvo central dessas polticas era solapar alguns dos fundamentos legais do Estado nacional-desenvolvimentista, em parte assegurados pela Constituio de 1988, e diminuir a participao do Estado nas atividades econmicas. Neste ponto, o governo de Cardoso foi bem-sucedido, j que os projetos de reforma constitucional e infra-constitucional submetidos ao Congresso foram quase todos aprovados, entre os quais se destacaram a) o fim da discriminao constitucional ao capital estrangeiro; b) a explorao, o refino e o transporte de petrleo e gs, monopolizados pela companhia estatal de petrleo (Petrobrs), foram transferidos para a Unio e convertidos em concesso do Estado s empresas, principalmente a estatal, que manteve grandes vantagens em relao a outras concessionrias privadas; e c) o Estado foi autorizado a conceder

Segundo Sola e Kugelmas (1996), o prprio Plano Real teria sido a construo desse princpio de universalidade [...] capaz de assegurar a superao da particularidade e da contingncia inerentes ao comportamento descontrolado das foras em conflito, para retomar os termos segundo os quais Malloy e Connaghan (1996) definem o momento maquiaveliano. Seguindo esse raciocnio, a utilizao criativa da Reviso Constitucional25 em curso no sentido de gerar condies fiscais mnimas para a estabilizao (Fundo Social de Emergncia, votado em fevereiro de 1994); a instituio de uma moeda paralela, a URV (Unidade de Referncia Varivel), unidade de conta que generalizou a indexao e sincronizou preos e salrios, criando uma espcie de hiperinflao de laboratrio; e a substituio, no dia 1 de julho de 1994, da URV pelo real, nova moeda ancorada, mas no igual, ao dlar; tudo isso, alm de dezenas de regulamentaes especficas, teria produzido a estabilidade. Contudo, o Plano Real no foi seno um passo, certamente essencial, na construo do princpio de universalidade que permitiu superar a conjuntura crtica anterior. Embora tenha sido uma frmula tcnica brilhante para estabilizar a moeda, cujo sucesso foi essencial tambm do ponto de vista eleitoral, o Plano foi apenas uma pea subordinada do momento maquiaveliano, cujo elo principal foi a aliana poltica entre partidos de centro e direita em torno de um projeto de tomada de poder e de reconstruo do Estado em uma perspectiva liberal. O prprio papel da liderana, sua virt, embora crucial foi limitado, na medida em que deu o acabamento final a um processo de construo da hegemonia liberal cujos alicerces tinham sido erguidos, no plano societrio, durante a segunda metade da dcada de 1980. O extraordinrio sucesso do Plano Real, a eleio de Fernando Henrique Cardoso para a Presidncia da Repblica j no primeiro turno, a escolha de um Congresso Nacional onde o chefe de Estado pode construir uma aliana partidria amplamente majoritria, a vitria de polticos aliados do presidente em quase todos os estados tudo isso j permitia antever que no dia 1 de janeiro

METAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XXos direitos de explorao dos servios de telecomunicao (telefonia fixa e celular, explorao de satlites etc.) a companhias privadas (anteriormente as empresas pblicas tinham o monoplio dos servios). Alm de promover esse conjunto de reformas constitucionais, o governo Fernando Henrique Cardoso no s estimulou o Congresso a aprovar a lei complementar que regulava as concesses de servios pblicos iniciativa privada, autorizada pela Constituio (eletricidade, estradas, ferrovias etc.), mas tambm conseguiu a aprovao de uma lei de proteo aos direitos de propriedade industrial e intelectual, tal como recomendado pela OMC e, ainda, efetuou um enorme programa de privatizaes e venda de concesses, preservando o programa de abertura comercial j implementado. De forma similar, os governos dos estados realizaram programas de privatizao e concesses, mas em menor escala. Outra rea importante atingida por medidas disciplinares foram as finanas pblicas. Fixaramse limites mximos para todos os pagamentos de pessoal, as dvidas dos estados e municpios foram renegociadas e foram proibidos, por muito tempo, novos emprstimos e renegociaes junto ao governo Federal.26 Esse conjunto de iniciativas parecia ter materializado o cdigo comum de um novo bloco hegemnico de dominao, adotado por polticos e burocratas com comando sobre o poder Executivo, pela grande maioria de parlamentares, por empresrios dos mais variados setores, pela mdia etc. e, gradualmente, dominou a classe mdia e parte do sindicalismo urbano e das massas populares. Com efeito, as medidas legislativas foram facilmente aprovadas pelo Congresso Nacional, apesar da oposio de uma minoria da esquerda portadora das bandeiras da defesa do patrimnio pblico e da economia nacional. As privatizaes e as vendas de concesses tambm foram bem-sucedidas e tiveram apoio popular, apesar das disputas forenses e das manifestaes de rua promovidas por organizaes de esquerda. Contudo, nesse novo bloco poltico hegemnico, vinculado pelo j mencionado liberalismo econmico moderado, fortes divises internas ge-

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raram conflitos reiterados sobre a poltica econmica e acabaram dando um carter hbrido s aes do Estado. No se interior havia, de um lado, uma corrente liberal fundamentalista orientada basicamente para a estabilizao monetria e comprometida com a promoo de uma economia de livre mercado e, de outro, uma tendncia liberaldesenvolvimentista, mais inclinada a equilibrar estabilizao monetria com um crescimento competitivo da economia local mediante a interveno moderada do Estado. Ao longo do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, a primeira verso de liberalismo predominou, servindo de orientao e dando consistncia ao dos que dirigiram a poltica econmica governamental.27 Os fundamentalistas tentaram obter a estabilizao monetria com polticas de cmbio sobrevalorizado,28 juros altos e ajuste fiscal brando. A segunda corrente liberal, a desenvolvimentista, no tinha a consistncia da primeira, pois no possua um texto programtico nem orientava sistematicamente a ao governamental.29 Entretanto, o liberal-desenvolvimentismo inspirou algumas polticas destinadas a contrabalanar as conseqncias negativas da ortodoxia liberal para setores especficos da economia ou mesmo promover o crescimento de algumas atividades produtivas no pas. Deve-se salientar que esse tipo de desenvolvimentismo liberal, em lugar de visar construo de um sistema industrial nacionalmente integrado, reivindica que a produo domstica tenha uma participao significativa no sistema econmico mundial. Ele s aceita formas bem definidas de interveno estatal no sistema produtivo, como polticas industriais setoriais, desde que limitadas no tempo e no montante de subsdios. No deseja substituir importaes a qualquer custo, mas aumentar a competitividade de alguns setores econmicos e, no mximo, reduzir a dependncia externa pelo adensamento das cadeias produtivas, introduzindo novos elos no tecido industrial, sem perder de vista, porm, a necessidade de equiparar sua competitividade aos padres internacionais.30 Embora durante o primeiro governo Cardoso a sobrevalorizao do cmbio e as altas taxas de juros tenham produzido estabilidade monetria, tam-

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REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 18 N 52 .cionais e o governo agiu de forma semelhante, ou seja, manteve a estabilidade da moeda elevando drasticamente os juros para preservar as reservas e refrear tanto a atividade econmica interna como o desequilbrio externo. Essas medidas conseguiram preservar o valor da moeda em relao ao dlar e manter a inflao em nvel muito baixo, embora no reduzissem a fragilidade financeira externa do pas, pois aumentavam a dvida pblica e no reduziam o dficit de transaes correntes com o Exterior. Alm disso, elas restringiram muito o crescimento do produto nacional bruto e elevaram bastante as taxas de desemprego.31 A fragilidade financeira do pas em relao ao Exterior acabou cobrando um preo alto demais. A poltica cambial brasileira teve de ser alterada no incio do segundo mandato de FHC para evitar o esgotamento das reservas em moeda estrangeira que ancoravam o real. Sublinhe-se ainda que a mudana ocorreu apesar de o governo ter assinado acordo com o FMI em novembro de 1998 e ter obtido grande emprstimo dos Estados Unidos para se defender com mais segurana da fuga de capitais externos. A substituio do antigo nacional-desenvolvimentismo por uma estratgia liberal de desenvolvimento redirecionou o Estado em relao a vrios setores socioeconmicos. Ressalte-se a propsito que, desde o lanamento do Plano Real at janeiro de 1999, a estratgia liberalizante privilegiou nitidamente a esfera financeira ante as atividades produtivas e comerciais por meio das polticas de juros altos e cmbio sobrevalorizado. Estas duas polticas funcionaram o tempo todo como bombas de suco dos recursos do Estado e das atividades produtivas e comerciais para os detentores, locais ou estrangeiros, de capital financeiro. Isso mostra haver ntida afinidade entre o predomnio do fundamentalismo liberal no bloco poltico hegemnico e a fase da financeirizao da riqueza que caracteriza o capitalismo mundial contemporneo.32 Entretanto, a transformao mais distintiva ocorrida na relao Estado/economia foi terem as empresas estatais deixado de ser os suportes da gesto econmica governamental. Alm de a maioria das estatais ter sido privatizada, algumas reas

bm conduziram a economia brasileira a um desequilbrio externo bastante srio. Para reduzi-lo o governo limitou um pouco a apreciao cambial e acentuou a elevao dos juros com dois objetivos complementares: refrear a atividade econmica domstica e as importaes, diminuindo em conseqncia o dficit comercial, e atrair capitais do Exterior para financiar o desequilbrio externo do pas, mantendo assim um nvel de reservas alto o bastante para ancorar a nova moeda nacional. Esse programa de estabilizao sustentava-se numa percepo otimista do mercado financeiro global, que via sua liquidez como permanente e capaz de equilibrar com emprstimos e investimentos desequilbrios ocasionais no balano de transaes correntes do Brasil com o Exterior, caso o desempenho econmico do pas fosse adequado. A crise financeira do Mxico, em dezembro de 1994, mostrou pela primeira vez os riscos de adequar a poltica macroeconmica orientao liberal fundamentalista. De fato, tal crise deixou claro que, dependendo das circunstncias internacionais, poderia ser difcil obter capital no Exterior para financiar um desequilbrio acentuado nos balanos comerciais e de servios. Apesar dessa advertncia e embora o governo tenha adotado algumas polticas compensatrias para proteger a economia domstica, sua orientao macroeconmica bsica foi mantida at a crise cambial de janeiro de 1999. Essa obstinao contribuiu para aumentar muito a fragilidade financeira externa da economia brasileira e a debilidade do Estado ante os credores privados, pois levou ao endividamento crescente para cobrir os desequilbrios gerados pela poltica macroeconmica. Como resultado da dependncia financeira, as mudanas nas condies do mercado internacional afetaram cada vez mais, pela variao do fluxo de capitais, o equilbrio das contas externas do pas e expuseram a moeda nacional a ataques especulativos tendentes a desvaloriz-la. Assim, depois da crise mexicana, a crise financeira asitica de 1997 e a moratria russa de agosto de 1998 abriram caminho a tais ataques especulativos. Em todas essas situaes crticas o pas perdeu uma grande quantidade de reservas interna-

METAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XXantes atendidas pela administrao direta do Estado passaram aos cuidados de empresas privadas (manuteno de estradas de rodagem, por exemplo). A diminuio drstica das funes empresariais do Estado no eliminou o intervencionismo estatal, mas o modificou profundamente. O Estado expandiu suas funes normativas e de controle por meio de agncias reguladoras setoriais (telecomunicaes, eletricidade, petrleo e gs, por exemplo) e manteve grande parte de sua capacidade de moldar a atividade econmica pelo financiamento de longo prazo s empresas privadas e pela compra de bens e servios. Tambm as companhias privadas nacionais deixaram de ser o foco privilegiado das polticas estatais. No s as companhias estrangeiras foram constitucionalmente equiparadas s nacionais, mas tambm a orientao estatal bsica foi a de atrair ao mximo os investimentos externos e a de promover sua associao com as empresas locais.33 Alm dessa orientao geral (tanto da Unio quanto dos estados), o governo federal tentou atrair, sistematicamente, as companhias multinacionais para ramos da indstria como o automotivo, o de telecomunicaes etc., modulando as leis tributrias e o sistema de financiamento e tomando iniciativas para vender a imagem do Brasil como um excelente destino para o capital estrangeiro. possvel que isso tenha ajudado o Brasil a se tornar um dos maiores destinos do investimento estrangeiro direto no mundo, embora sempre ultrapassado, entre os pases emergentes, pela China.34 Outra mudana importante introduzida na relao Estado/economia que, desde 1995, tendeu a desaparecer a prioridade poltica antes concedida ao desenvolvimento das manufaturas industriais. No mbito de BNDES, principal agente financeiro da industrializao brasileira, foi notvel a diversificao das atividades econmicas atendidas. Alm de manufaturas, foram financiadas empresas comerciais, agrcolas etc. A agricultura empresarial, sobretudo, foi diretamente beneficiada pelo governo federal e teve seus interesses de expanso convertidos em demanda prioritria da poltica externa brasileira. Desde 1996 quando ganharam impulso as discusses

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em torno da assinatura de acordos de livre-comrcio com os Estados Unidos e a Unio Europia os assuntos agrcolas e a luta contra as polticas protecionistas dos pases centrais tornaram-se um ponto central da diplomacia brasileira. As mudanas na orientao do Estado foram to profundas que romperam um dos parmetros bsicos da velha aliana nacional-desenvolvimentista: a propriedade agrria deixou de ser intocvel. A prpria estabilizao monetria reduziu os preos da propriedade territorial, antes muito usada como reserva de valor. Alm disso, no s por iniciativa do prprio governo, mas tambm por presso social do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), da Confederao Nacional dos Trabalhadores Agrcolas (Contag) e da Igreja Catlica, durante os dois mandatos de Cardoso desenvolveu-se um grande programa de reforma agrria. Este incluiu desapropriaes de propriedades improdutivas e o assentamento de centenas de milhares de famlias de trabalhadores agrcolas sem terra, assim como um conjunto de reformas institucionais e medidas especficas que elevaram a taxao sobre terras improdutivas e aumentaram o controle do poder pblico sobre a propriedade fundiria, inclusive pela retomada da posse sobre imensas reas ilegalmente apropriadas por grileiros.

Liberalismo, desenvolvimentismo e democraciaEmbora a reeleio de Fernando Henrique Cardoso em 1998 e a manuteno quase total de seu suporte poltico (no Congresso e entre os governadores) tenham confirmado a aquiescncia da maioria em relao ao programa liberal, o governo perdeu sua fora poltica anterior, pois deixou de ter controle sobre sua poltica econmica (foi levado a desvalorizar da moeda em janeiro de 1999 mesmo depois de recorrer ao apoio do FMI e do governo norte-americano) e foi constrangido por enormes dificuldades econmicas. verdade que o governo teve sucesso na substituio do regime de cmbio semi-fixo e sobrevalorizado pelo cmbio flutuante e no manejo

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REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 18 N 52 .vimentista. Com efeito, desde o comeo de 2000 o Ministrio do Desenvolvimento, o da Cincia e Tecnologia, a Secretaria do Planejamento e at a Presidncia da Repblica manifestaram sinais desse tipo de transformao, mais acentuada ainda com a aproximao das eleies de 2002. Mesmo assim, os portadores do fundamentalismo liberal mantiveram o controle sobre as principais alavancas do poder o Ministrio da Fazenda e o Banco Central e por meio delas preservaram a prioridade para a estabilizao, embora tenham adotado a poltica fiscal, em lugar da poltica cambial, como instrumento central para conserv-la. Em suma, o bloco hegemnico manteve suas divises internas, embora atenuadas, e seus conflitos internos foram deslocados da questo cambial para assuntos fiscais. Como conseqncia, as decises governamentais tenderam a ser lentas e no sistemticas. As dificuldades econmicas e polticas mencionadas contriburam tambm para enfraquecer a coalizo poltica que governava o Estado durante o segundo governo Cardoso. No seu primeiro mandato, o presidente FHC tinha um alto prestgio popular, originado principalmente da sbita estabilizao monetria, o que reforou os poderes presidenciais usuais e o ajudou muito a lidar com a ampla coalizo de partidos governistas para executar o programa reformista liberal. Alm disso, a estabilidade monetria conseguida pelo Plano Real e a poltica de conteno econmica que predominou no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso restringiu a ao dos movimentos e das organizaes das massas populares. A hegemonia liberal tambm dificultou a mobilizao dos sindicatos que se mantiveram ideologicamente vinculados a idias estatistas ou social-democratas. Ademais, a propagao do apoio popular ao governo facilitou a adoo de um estilo tecnocrtico de exercer o poder e reforou as dificuldades de participao poltica popular fora dos perodos eleitorais. notvel que, apesar dessas dificuldades, tenha aumentado muito a mobilizao dos trabalhadores agrcolas em favor da reforma agrria, forando o governo a desenvolver o amplo programa de reforma agrria antes mencionado.

da poltica monetria. A estabilidade da moeda foi mantida e, depois da estagnao de 1999, houve um crescimento de 4% do PIB em 2000. Entretanto, o apoio do FMI foi dado e renovado em troca do compromisso de o governo fazer um severo ajuste fiscal, objetivando produzir um grande supervit anual nas contas pblicas (sem considerar os juros devidos), um supervit grande o bastante para permitir reduzir a proporo da dvida pblica em relao ao PIB.35 Alm disso, a estagnao internacional de 2001 e 2002, a crise da Argentina e o risco poltico associado eleio presidencial de 2002 produziram constrangimentos adicionais s polticas governamentais. Houve, de fato, uma importante reduo dos fluxos de investimentos externos diretos (IDE) para o Brasil e dificuldades para rolar as dvidas externa e interna.36 Assim, uma vez mais, revelaram-se a dependncia externa e a fragilidade econmica do Brasil, apesar da nova poltica de cmbio flutuante. Esta no pode proteger plenamente a economia da conjuntura internacional negativa e das incertezas polticas em funo das enormes dvidas externa e interna produzidas pela poltica de estabilizao do primeiro governo Cardoso e do crnico dficit brasileiro nas suas transaes correntes com o exterior. As contramedidas do Banco Central aprofundar o ajuste fiscal, aumentar as taxas de juros e assinar novos acordos com o FMI , embora protegessem a solvncia financeira do Brasil, reduziram o crescimento do PIB em 2001 e 2002 a menos de 2% anuais.37 A nova gesto macroeconmica surgida a partir da crise cambial de janeiro de 1999 implicou algumas mudanas nas relaes Estado/setores econmicos. As atividades no financeiras tenderam a ganhar mais relevncia e o governo estimulou de diferentes maneiras os segmentos econmicos que podiam ajudar a produzir supervit no comrcio exterior. Durante do segundo governo Cardoso at foi dada ateno e alguma ajuda s companhias que tinham certa probabilidade de competir internacionalmente como multinacionais. Essas mudanas podem ser vistas como sinais de transformao poltica dentro do bloco hegemnico. Este se inclinou de forma irregular e hesitante em direo a seu plo liberal-desenvol-

METAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XXNo segundo governo Cardoso, entretanto, o presidente perdeu muito prestgio, principalmente porque o governo no manteve as promessas, desvalorizando a moeda em janeiro de 1999 e desencadeando a desconfiana na sua capacidade de manter a estabilidade monetria. A crise cambial afastou, ao mesmo tempo, a possibilidade de o governo realizar em tempo as promessas de retomada do crescimento econmico. A inflao alta no voltou e as atividades econmicas comearam a crescer, pouco mais de um ano depois, mas, mesmo assim, o presidente no recuperou o prestgio poltico e a liderana que tinha no seu primeiro mandato. Dessa forma, a coalizo poltica governamental tornou-se menos disciplinada e o governo perdeu muito de sua capacidade para aprovar leis no Congresso e para definir polticas especficas, dando margem ao fortalecimento dos partidos de oposio. Em contrapartida, tais partidos passaram por grande metamorfose ao longo dos anos, tornando-se cada vez mais permeveis s idias liberais. A mudana foi at o ponto de a camada dirigente do principal partido oposicionista, o Partido dos Trabalhadores, no ultrapassar os limites do que temos denominado liberaldesenvolvimentismo. A luta eleitoral pela Presidncia da Repblica, em 2002, exprimiu muito bem as mudanas ocorridas no bloco hegemnico, a debilidade da coalizo poltica governante e a mudana ideolgica dos principais partidos de oposio. Nenhum candidato Presidncia defendeu o fundamentalismo liberal. Alm de advogar idias liberal-desenvolvimentistas, o candidato situacionista no conseguiu manter o apoio de toda a coalizo de sustentao de Cardoso. A ala direita da coalizo abandonou a candidatura oficial mas no teve condies de lanar o seu prprio candidato Presidncia. Foi capaz de mostrar apenas alguma fora no plano regional. Por outro lado, os concorrentes de oposio mostraram-se sintonizados com as idias liberal-desenvolvimentistas, a despeito da exacerbada retrica nacionalista de alguns deles. Especialmente o Partido dos Trabalhadores e seu candidato fizeram grandes esforos para se ajustar ao establishment, seja comprometendo-se a manter o eixo da gesto econmica de

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Cardoso seja aproximando-se do centro do espectro partidrio. De fato, alm do PT se compor com alguns partidos de esquerda, aliou-se ao Partido Liberal e fez de um empresrio, senador por este partido, o seu candidato vice-presidente. Em suma, nas eleies de 2002, o conjunto das foras polticas tentou posicionar-se na ala esquerda do establishment. Isto significa que todos eles advogavam mais controle do Estado sobre o mercado, mais incentivos estatais para as atividades produtivas e maior proteo do Estado para os mais pobres, mas tudo isso sem quebrar o molde liberal que conforma a coalizo sociopoltica no poder. Assim, embora a vitria do Partido dos Trabalhadores na eleio para a Presidncia presidncia da Repblica tenha resultado, evidentemente, em mudana da coalizo poltica governamental, ela no tende a produzir qualquer ruptura na hegemonia liberal estabelecida anos atrs. Mesmo que haja tenso entre a nova coalizo poltico-partidria que comanda o Estado e a coalizo sociopoltica que o vem sustentando, o eixo da agenda do novo governo liberal-desenvolvimentista: seu objetivo no reconstruir o Estado empresarial, mas reformar o Estado para que possa estimular o desenvolvimento privado e a igualdade social.38 certo que os novos governantes vm afirmando que suas polticas ortodoxas so apenas um remdio inevitvel mas provisrio, a ser utilizado s enquanto a dvida interna e externa e a estagnao econmica internacional continuarem a constranger a capacidade de ao do Estado. Embora o novo governo queira sugerir com isso que h uma diferena qualitativa da poltica que adota com a do anterior, no se vislumbra no horizonte nenhuma alternativa de gesto macroeconmica que, alterados os atuais constrangimentos, no pudesse ser adotada tambm pelo governo Cardoso, caso ainda estivesse no poder. O que se pode esperar, sim, que o governo Lula no futuro expanda e d uma maior consistncia s polticas de desenvolvimento e s polticas sociais empreendidas pelo governo Cardoso. Dada a dependncia do Estado em relao ao capital financeiro, no parece provvel a adoo de polticas muito drsticas de redistribuio do patrimnio e da renda, ainda que haja muita boa vontade entre

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REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 18 N 52 .tolerncia crescente das classes mdias e populares diante do comportamento predatrio das elites e tambm cada vez mais exigncias de distribuio mais justa da renda. Essas demandas de responsabilidade poltica e social tendem a consolidar as instituies polticas democrticas e, como a vlvula inflacionria mecanismo de escape tpico daquela elite em face das presses distributivas est razoavelmente bloqueada, parece provvel que paralelamente ao crescimento econmico venha a ocorrer uma maior reduo dos ndices brasileiros de desigualdade material e cultural. Nas ltimas dcadas do sculo XX, por maiores que tenham sido as mudanas ocorridas, o Brasil no escapou de sua condio perifrica. A retomada do crescimento acelerado e a consolidao do Mercosul no sero suficientes para permitir que isso ocorra. Superar essa condio exige a incluso social e econmica dos mais pobres, que ainda permanecem margem das conquistas materiais da civilizao moderna. Este o desafio mais difcil e mais necessrio para a sociedade brasileira superar neste sculo XXI.

as elites em relao a programas de combate misria e pobreza. verdade, tambm, que o novo governo tem advogado uma maior participao poltica no desenho e na gesto das polticas estatais, contrariando o estilo tecnocrtico de deciso do governo anterior. E que, em funo disso, foram criados vrios conselhos consultivos compostos por representantes convidados de organizaes sociais e por membros do governo. Embora as promessas de maior participao poltica tenham tido, sem dvida, um alto valor poltico para a eleio do atual presidente, especialmente entre os empresrios e a classe mdia, ainda muito cedo para avaliar se os mecanismos imaginados para realiz-las produziro transformaes institucionais significativas que aprofundem a ordem democrtica vigente. Seja como for, o extraordinrio conjunto de reformas liberalizantes efetuadas nos anos de 1990 definiu o quadro institucional bsico que regular as relaes entre o Estado e o mercado e entre o sistema econmico nacional e o capitalismo mundial no comeo do sculo XXI. Esse quadro dificilmente ser alterado a mdio prazo, pois a materializao de uma nova perspectiva hegemnica na sociedade. As mudanas ocorridas na gesto econmica inclinaram-na cada vez mais para o liberal-desenvolvimentismo, e razovel supor que o novo governo de esquerda tenda a reforar as caractersticas centrais dessa inflexo no campo hegemnico liberal. A dependncia externa e o Mercosul so os elos mais frgeis da nova forma de integrao do pas no capitalismo mundial. De um lado, a incapacidade crnica de gerar poupana interna suficiente para sustentar investimentos ameaa o desenvolvimento econmico contnuo do Brasil. De outro, a fraqueza econmica e a poltica dos pases membros do Mercosul no plano mundial e a falta de harmonia entre eles pode complicar a sua consolidao como bloco regional. Ademais, os Estados Unidos pressionam intensamente para subordinar o Mercosul a um processo de integrao que compreende toda a Amrica sob sua liderana. De uma perspectiva mais ampla, foi notvel o progresso brasileiro na direo de uma sociedade mais democrtica. H ntidas manifestaes de in-

NOTAS1 Sobre o padro autocrtico de dominao na sociedade e no Estado brasileiros consultar Fernandes (1975). Em relao ao Estado desenvolvimentista brasileiro ver Draibe (1985). Maral Brando (1997) faz uma anlise das dificuldades da populao em participar autonomamente da poltica mesmo durante o perodo de democracia populista anterior ao regime militar autoritrio instalado em 1964. A moratria brasileira do final de 1982 e a assinatura de acordo com o FMI em janeiro de 1983 sinalizam o carter externo da crise. Isso no significa ausncia de desequilbrio fiscal. Este no dava, porm, especificidade crise, ao contrrio do que tem sublinhado Bresser Pereira (1993). A diferena importante pois, se o desequilbrio fiscal no decorresse principalmente do endividamento externo, o Estado teria maior raio de manobra para resolv-lo de outra forma. Ver Whitehead (1993, pp.1380 e 1382) para uma anlise crtica da interpretao de Bresser Pereira.

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METAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XX3 4 Tais mudanas de paradigma e nas polticas econmicas foram estudadas por Helleiner (1994, caps. 6 e 7). A reforma partidria de 1979 rompeu o sistema bipartidrio, institudo pelo regime autoritrio em 1965. O PDS (Partido Social Democrata) tomou o lugar da Arena como representante do regime e os partidos PMDB, PDT, PTB e PT assumiram o lugar do MDB (Movimento Democrtico Brasileiro) como oposio poltica. Na eleio de 1982, o PMDB elegeu nove governadores de estado e o PDT, um. Em relao liberalizao poltica ver Velasco e Cruz e Martins (1983) e Lamounier (1985). Sobre o processo de democratizao poltica, adoto a perspectiva de Touraine (1995). A democratizao poltica tem sido sustentada por processo mais amplo de democratizao da sociedade brasileira, que no ser examinado aqui. O ajuste fiscal escolhido foi muito menos drstico do que o realizado pelo Mxico, em situao similar. Para uma viso comparativa, consultar Kaufman (1988). Fao um relato detalhado dessa crise em Sallum Jr. ( 1996, cap. 2). A campanha das Diretas ultrapassou em parte os prprios valores bsicos que legitimavam o Estado. A partir de ento seria insustentvel uma hegemonia fundada na restrio participao poltica das classes populares.

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15 No segundo turno eleitoral 37% votaram em Lula, apenas 4% menos do que no candidato vencedor, Fernando Collor de Mello. 16 Nesta seo reelaboro parte de anlises e informaes que constam de Sallum Jr. (1999, 2000). O primeiro texto faz parte, com outros artigos, do Dossi FHC 1 Governo, publicado na revista Tempo Social (Revista de Sociologia da USP). Mais recentemente, Lamounier e Figueiredo (2002) organizaram uma coletnea de trabalhos sobre o governo FHC, redigidos por jornalistas com base em pesquisas acadmicas. Este trabalho contm anlises de tima qualidade, mas seus resultados no alteram substancialmente a interpretao aqui desenvolvida. 17 As tarifas mdias eram 31,6% em 1989. Foram reduzidas para 30% em 1990, para 23,3% em 1991, para 19,2% em janeiro de 1992, para 15% em outubro de 1992 at 19,2% em Julho de 1993. 18 A primeira equipe econmica de Collor foi substituda em maio de 1991. A negociao da dvida externa, durante seu governo, foi analisada com exatido em Candia Veiga (1993). 19 Collor renunciou em outubro de 1992. 20 Emprego o termo cesarismo em sentido metafrico. Ver em Bobbio et al.(1994) um texto curto, mas rico sobre o assunto. 21 Sobre o Plano Brady, ver Cline (1989). Um texto sinttico sobre os novos fluxos de capital e reformas que caracterizaram a passagem doa anos de 1980 para a dcada de 1990, consultar Nam (1995). 22 O fluxo voluntrio de capital externo comeou a voltar ao Brasil em 1991. Suas reservas de cmbio atingiram 42 bilhes de dlares na metade de 1994, quando o Plano Real foi lanado. 23 H um bom estudo sobre as condies polticas e econmicas na poca do Plano Real em Sola e Kugelmas (1996). 24 Malloy e Connaghan (1996) e Mettenhein e Malloy (1998) analisaram algumas experincias polticas latino-americanas sob luz do que Pocock entende por momento maquiaveliano. Sola e Kugelmas(1996) estudaram a eleio e o Plano Real de Cardoso sob a mesma tica. 25 Durante o perodo de Reviso Constitucional as reformas podiam ser aprovadas por maioria simples.

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10 A Aliana Democrtica foi constituda pelo PMDB e pela Frente Liberal, dissidncia do PDS, que depois converteu-se no Partido da Frente Liberal (PFL). A candidatura de Paulo Maluf foi lanada pelo PDS e apoiada pelo governo militar. 11 O presidente eleito Tancredo Neves no tomou posse em 15 de maro de 1985 porque ficou repentinamente doente, morrendo poucas semanas depois. Em seu lugar foi empossado o vice-presidente Jos Sarney que governou at 15 de maro de 1990. 12 A esse respeito, consultar o trabalho de Noronha, Gebrin e Elias Jr. (2003). 13 Durante o governo Sarney, podem ser contadas como tentativa heterodoxas de superar a instabilidade econmica os planos Cruzado, lanado em fevereiro de 1986, Bresser, editado em meados de 1987, e Vero, cuja vigncia foi iniciada em janeiro de 1989. 14 Biersteker (1995) trata desse processo de difuso.

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REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 18 N 52 .26,8 bilhes em 1998, e finalmente para US$ 31,2 bilhes em 1999. 35 O compromisso de produzir supervit primrio anual de 3,5% do PIB (elevado em 2002 para 3,75%) implicou uma grande conteno de gastos. Ainda mais que os nmeros foram de fato superados. Sublinhe-se que, durante o primeiro mandato de FHC, embora o governo defendesse a necessidade de ajustar as contas pblicas, apenas as manteve equilibradas (no contando os juros pagos). 36 Os fluxos de IDE foram de US$ 33,3 bilhes em 2000, caram para US$ 20 bilhes em 2001 e para US$ 16,6 bilhes em 2002. As dificuldades de rolagem da dvida interna manifestaram-se apenas em termos de custo monetrio mais alto. Em relao dvida externa, houve reduo dos montantes disponveis para renovar linhas de crdito s exportaes, algo que no ocorrera sequer na crise dos anos de 1980. 37 Apesar do considervel ajuste fiscal, o Brasil no conseguiu reduzir a proporo de sua dvida pblica em relao ao PIB. Em compensao, a enorme desvalorizao cambial relacionada incerteza eleitoral de 2002 ajudou o Brasil a gerar um supervit comercial de US$ 13,1 bilhes, o que reduziu o dficit externo corrente a 1,7% do PIB (entre 1998 e 2001 o dficit anual tinha atingido mais de 4% do PIB). 38 importante sublinhar que no Brasil e em outros pases latino-americanos os adeptos do liberalismo econmico no costumam se opor ao Estado de Bem-Estar, mas ao Estado Empresrio (nacional-desenvolvimentista), manifestando-se a favor de polticas sociais.

26 No segundo governo de Fernando Henrique Cardoso foram aprovadas normas estritas de responsabilidade fiscal para os governantes e penalidades para os transgressores. 27 Os principais representantes dessa corrente ideolgica no governo foram o primeiro presidente do Banco Central, Gustavo Franco, e o Ministro da Fazenda, Pedro Malan. Fora do governo suas principais expresses intelectuais foram os economistas da PUC-Rio de Janeiro. 28 Apesar da retrica poltica da oposio poltica, a sobrevalorizao do cmbio no se vincula ao iderio neoliberal, que recomenda, ao contrrio, um market exchange. A verso brasileira radical de liberalismo adotou a sobrevalorizao para forar as empresas brasileiras a se enquadrarem rapidamente, sob pena de desaparecimento, aos padres do mercado, isto , aos nveis internacionais de preos e produtividade. Eis porque denomino fundamentalista esse tipo de liberalismo. 29 Representavam esse ponto de vista, no primeiro governo FHC, principalmente Jos Serra, ministro do Planejamento, Luiz Carlos Mendona de Barros, presidente do BNDES, e Jos Roberto Mendona de Barros, secretrio de Poltica Econmica. Fora do governo o nome mais relevante era o do deputado federal Delfim Neto, figura importante do regime autoritrio, em que ocupou diversos ministrios da rea econmica. 30 Em Sallum Jr. (2000) tratei dessas medidas compensatrias. Sobre o conceito de poltica industrial referido, consultar Mendona de Barros e Goldenstein (1997). 31 As taxas mdias anuais de desemprego evoluram da seguinte maneira: 4,85% (de julho de 1994 a junho de 1995); 5,75% (1995-1996); 5,77% (19961997); 7,37% (1997-1998); e 8,32% (1998-1999). 32 Tomo o conceito de Braga (1997). Alm do texto citado podem ser consultadas os trabalhos de Chesnais (1996, 1998) que, embora de forma um pouco diversa, vo na mesma direo. 33 A prpria poltica de estabilizao no primeiro governo de FHC contribuiu para dar vantagens s empresas estrangeiras em relao s nacionais. 34 Em 1996 o IDE atingiu apenas US$ 9,6 bilhes; em 1997 subiu para US$ 17,9 bilhes e depois para US$

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RESUMOS / ABSTRACTS / RSUMSMETAMORFOSES DO ESTADO BRASILEIRO NO FINAL DO SCULO XX Brasilio Sallum Jr.Palavras-chave Estado; Desenvolvimentismo; Democratizao; Liberalizao econmica; Transio poltica; Brasil. O artigo procura reconstruir o processo de crise do Estado varguista e de transio para a forma nova forma de Estado, moderadamente liberal em termos econmicos e democrtica em termos polticos, que emergiu nos anos de 1990, ganhou solidez durante sob a presidncia de Fernando Henrique Cardoso e foi reiterada com a eleio de Luiz Incio da Silva. Procura-se explorar a natureza da crise de hegemonia que marcou o incio da transio poltica brasileira, no incio dos anos de 1980, e caracterizar a emergncia de um novo padro hegemnico de dominao. Ressalta-se principalmente os dois aspectos principais da transio poltica a democratizao poltica e a liberalizao econmica procurando-se salientar as transformaes da sociedade nacional e da ordem mundial em que se inserem.

213MTAMORPHOSES DE LTAT BRSILIEN LA FIN DU XXE SICLE Brasilio Sallum Jr.Mots-cls tat; Processus de dveloppement; Dmocratisation; Libralisation conomique; Brsil. Cet article propose une reconstruction de la crise de ltat sous lre Vargas ainsi que du processus de transition vers une nouvelle forme dtat, modrment libral en termes conomiques, et dmocratique du point de vue politique. Cette nouvelle forme dtat apparue dans les annes 1990, sest consolide sous le gouvernement de Fernando Henrique Cardoso et a t raffirme suite llection de Luiz Incio Lula da Silva. Nous explorons la nature de la crise dhgmonie qui marqua le dbut de la transition politique brsilienne au dbut des annes 80 et tentons de caractriser lmergence dune nouvelle rfrence hgmonique de domination dans les annes suivantes. Nous nous sommes attachs, particulirement, deux aspects principaux de la transition la dmocratisation politique et la libralisation conomique , en mettant laccent sur les transformations de la socit nationale et sur lordre mondial dans laquelle elle sinscrit.

METAMORPHOSIS OF THE BRAZILIAN STATE IN THE END OF THE TWENTIETH CENTURY Brasilio Sallum Jr.Key words State; Development; Democratization; Economic liberalization; Political transition; Brazil. The article aims at reconstructing both the process of crisis of the State during the Vargas era and the transition process towards a new format of State, which was moderately liberal in terms of economy and democratic in terms of politics, that emerged in the nineties, became consolidated during the presidency of Fernando Henrique Cardoso, and has been reiterated with the election of Luiz Inacio Lula da Silva. It also explores the nature of the hegemony crisis found in the beginning of the Brazilian political transition in the early eighties, as well as characterizes the appearance of a new hegemonic standard of domination. It calls attention for two main aspects of the so-called political transition the political democratization and the economic liberalization as it enhances the transformations of both the national society and the world order in which they are inserted.