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Método de Ensino para Programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade Rio de Janeiro, 1ª edição/2016

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Método de Ensino para Programas

de Residência em Medicina de

Família e Comunidade

Rio de Janeiro, 1ª edição/2016

RevisãoMariana Brandão Streit Josane Norman

Revisão final da Língua PortuguesaJacob J. Pierce

Design GráficoMárcia Azen

PrefeitoEduardo Paes

Secretário Municipal de SaúdeDaniel Soranz

Subsecretário GeralJosé Carlos Prado Junior

SubPAVBetina Durovni

Superintendente de Atenção Primária à SaúdeGuilherme Wagner

Coordenador do Programa de Residência em MFCArmando Norman

Organizadores Adelson Guaraci Jantsch

Andre Lopes

Armando Norman

Lourdes Luzón

Mariana Streit

Samantha Pereira França

PresidenteThiago Gomes da Trindade

Vice-presidentePaulo Poli Neto

Secretário-GeralDaniel Knupp Augusto

Diretora Administrativo e FinanceiroSamantha Pereira França

Diretor Científico e de Desenvolvimento profissional contínuoGiuliano Dimarzio

Diretor de Graduação e Pós-Graduação Stricto SensuMarcelo Rodrigues Gonçalves

Diretor de Residência Médica Pós-Graduação Lato SensuAndré Luiz da Silva

Diretor de Titulação e CertificaçãoNulvio Lermen Junior

Diretora de Exercício Profissional e Mercado de TrabalhoDenize Ornelas Pereira Salvador de Oliveira

Diretor de ComunicaçãoRodrigo Luciano Bandeira de Lima

Diretor de Medicina RuralMagda Moura de Almeida

P943m Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de JaneiroMultiplica: método de ensino para programas de residência em medicina de família e comunidade/Programa de Residência em

Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro; Adelson Guaraci Jantsch ... [et al.] (orgs.) – 1. ed. –Rio de Janeiro (RJ): SBMFC, 2016.

1 v : il. ; 23 cm

O Multiplica está organizado nos seguintes temas: Desenvolvimento de Competências para a Docência; Pacientes Complexos; Comunicação Clínica; Problemas Cardiovasculares; Saúde da Mulher e da Criança; Saúde Mental; Problemas Comuns e Sintomas Indiferenciados.

ISBN: 978-85-63010-06-3 (Impresso)ISBN: 978-85-63010-05-6 (E-book)

1. Medicina de Família e Comunidade. 2. Medicina Comunitária. 3. Medicina de Família. 4. Programas de Residência Médica. I. Título. CDU: 614

Ficha catalográfica elaborada por Marli Machado de Souza – CRB 14/785

Agradecemos ao Secretário Municipal de

Saúde Daniel Soranz pelo apoio ao Programa de

Residência desde sua criação, sem o qual não teria

sido possível a publicação do Multiplica.

Esta Coordenação tem orgulho de pertencer à

equipe que compõe a Secretaria Municipal de Saúde

do Rio de Janeiro durante a gestão de 2009 a 2016.

Apresentação

A reforma da atenção primária à saúde (APS) no Município do Rio de Janeiro, entre os anos de 2009 a 2016, foi marcada por uma ampliação expressiva do acesso aos serviços de saúde, bem como na qualidade dos serviços prestados. Uma das estratégias para o fortalecimento da APS foi a qualificação dos profissionais através da educação permanente. Nesse sentido, foram várias iniciativas da SMS-Rio para promover o processo formativo dos profissionais, desde curso técnico para agentes comunitários, mestrado profissional na Escola Nacional de Saúde Pública para os profissionais da rede, ampliação de vagas de acadêmicos bolsistas, criação do programa de residência em medicina de família da SMS-Rio, residência em enfermagem em saúde da família em parceria com as universidades e cursos de pós-graduação. Além dos programas formativos convencionais foram desenvolvidos ferramentas e material didático para o treinamento dos profissionais em serviço. Foram criados os protocolos clínicos baseados em evidência, miniaulas de habilidades específicas, oferecidos cursos Advanced cardiac life support (ACLS) para os médicos residentes, plataformas de educação à distância, ciclos de debates, dentre outros. O Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da SMS-Rio é o maior do país e é considerado o padrão ouro em formação e assistência na APS, uma vez que concentra os melhores profissionais que atuam em unidades docente-assistenciais. Muitos materiais e produtos elaborados pelo programa de residência são absorvidos e utilizados na rede de APS do município. O “Multiplica” vem a ser um material desenvolvido pelo Programa de Residência em MFC da SMS-Rio e constitui uma importante ferramenta de formação, utilizando metodologia voltada para o treinamento do residente com potencial de replicação tanto para demais residentes e equipes de saúde da família do município, quanto para outros programas de residência do país. Este material didático é uma iniciativa pioneira dentre os programas de residência em MFC no país e utiliza técnicas de problematização e dramatização como aprendizagem ativa, amplamente descritas na literatura. Trata-se, portanto, de mais uma ferramenta formativa que servirá para a consolidação e fortalecimento da atenção primária no Município do Rio de Janeiro e no restante do país.

José Carlos Prado JrSubsecretário - SMS/Rio

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Introdução

Este fascículo relata a experiência de construção das atividades que deram origem ao Multiplica. Seu objetivo é compartilhar o processo que o Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Município do Rio de Janeiro (PRMFC-SMS-Rio) percorreu durante os anos de 2009 a 2016, para que outros grupos comprometidos com a formação de Médicos de Família possam usufruir desta experiência. Espera-se que fique evidente aos leitores a trajetória de tentativas, erros, reflexões e experiências que foram trilhados ao longo desses cinco anos. Nesse período foi possível problematizar a prática e transformar a realidade local por meio de um ambiente frutífero e questionador. Como essa trajetória não foi percorrida de modo linear, nem foram os coordenadores do programa os únicos responsáveis por essa realização, decidiu-se por retomar a história do PRMFC-SMS-Rio relatando os fatores contextuais determinantes para que todo esse movimento de inovação fosse favorecido.

Para melhor organizar a narrativa, o texto foi dividido em três partes. A primeira se debruça sobre o processo de Reforma da Atenção Primária à Saúde (APS) ocorrido no município do Rio de Janeiro entre os anos de 2009 a 2016. Esse momento histórico, único no Brasil, transformou o vazio assistencial da capital fluminense em uma referência nacional de sistema de saúde organizado a partir da APS. A segunda descreve o processo de implantação e desenvolvimento do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (PRMFC-SMS-Rio), criado estrategicamente para atender à demanda de formação profissional qualificada, inserido no contexto de reforma da APS. Nessa narrativa também são abordadas as atividades desenvolvidas para a capacitação de preceptores, co-responsáveis pela concepção e produção do presente material. A última parte detalha como o método Multiplica está estruturado, orientando, de forma pragmática, como deve ser utilizado. Assim, pretende-se que o Multiplica se torne uma das referências metodológicas para o desenvolvimento de atividades problematizadoras para programas de residência em MFC e cursos de graduação, auxiliando na capacitação de preceptores e na formação de médicos residentes. O principal objetivo ao trazer este material a público é colaborar para a expansão e o fortalecimento da Medicina de Família, contribuindo para a construção de uma APS qualificada e resolutiva. Espera-se que outros programas de residência e cursos de graduação em medicina possam aproveitá-lo, favorecendo um ambiente formativo similar ao alcançado no PRMFC-SMS-Rio.

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Reforma da Atenção Primária à Saúde do Rio de Janeiro

A Atenção Primária à Saúde (APS) consiste no comprometimento dos governos em atender às necessidades em saúde da população por meio de serviços de atenção primária e sua relação com outros serviços de saúde e/ou políticas sociais1. A Portaria nº 4.279 do Ministério da Saúde2 reafirma o papel ordenador da APS no SUS:

A Rede de Atenção à Saúde [...] caracteriza-se pela formação de relações horizontais entre os pontos de atenção com o centro de comunicação na Atenção Primária à Saúde (APS) pela centralidade nas necessidades em saúde de uma população, pela responsabilização na atenção contínua e integral, pelo cuidado multiprofissional, pelo compartilhamento de objetivos e compromissos com os resultados sanitários e econômicos.

Assim, a decisão por empreender uma mudança na Saúde do Rio de Janeiro fundamentou-se tanto nos princípios da seguridade social presentes na Constituição de 1988, quanto no princípio da APS como ordenadora do sistema de saúde3.

O Rio de Janeiro, segunda maior metrópole do país e capital federal até 1960, apresentava até 2008 um dos piores cenários da Atenção Primária em relação às capitais federais. Com 7,2% da sua população coberta pela Estratégia Saúde da Família (ESF) nessa época, tinha nos hospitais a referência para qualquer tipo de cuidado, inclusive para condições simples e prevalentes que acometem a população. Era clara em 2008 a necessidade de uma drástica mudança, o que viria a acontecer com a Reforma da APS, que será sucintamente descrita aqui.

Em relação aos investimentos em saúde, em 2008 a Prefeitura do Rio de Janeiro investia na saúde 17% de sua arrecadação municipal - próximo ao limite mínimo constitucional - sendo 82% desses recursos investidos em atenção hospitalar. Se comparado a outras capitais federais, tratava-se do maior investimento em atenção hospitalar e da menor cobertura populacional para cuidados primários em saúde, com resultados insatisfatórios quando analisados os indicadores de saúde como a mortalidade materna e infantil e a incidência de casos de tuberculose, entre outros4.

No final de 2008, a rede de APS do município se apresentava frágil em muitos aspectos. Além da baixa cobertura, as estruturas físicas e as vinculações trabalhistas eram precarizadas em sua maioria e poucos médicos da rede eram especialistas em Medicina

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de Família e Comunidade (MFC). Nas unidades básicas tradicionais, médicos especialistas focais e generalistas atuavam no mesmo cenário, com um sistema regulador ineficiente, ferindo um dos principais atributos da APS, a coordenação do cuidado. Nessa rede, a APS não conseguia prover os cuidados continuados e coordenados necessários à saúde da população, e isso se refletia na análise dos indicadores de saúde.

Para viabilizar a reforma do sistema de saúde, era necessária uma “reforma administrativa” prévia, uma vez que a estrutura jurídico-administrativa ligada à gestão na administração direta imporia um ritmo processual incompatível com as necessidades e a velocidade de implementação das ações pretendidas. Nesse contexto, a parceria com as Organizações Sociais (OS) para apoio à gestão foi fundamental para proporcionar a agilidade administrativa necessária, além de regularizar as condições trabalhistas dos profissionais da ESF. Adicionalmente, a estrutura organizacional da antiga Secretaria Municipal de Saúde (SMS) foi alterada, horizontalizando o organograma e colocando a Atenção Primária como principal ordenadora dos recursos e da organização da rede de saúde do município5.

Assim, após a estruturação deste novo modelo administrativo, em maio de 2009, teve início a Reforma da Atenção Primária à Saúde do Rio de Janeiro, com o lançamento do Programa “Saúde Presente”. Nesse novo modelo administrativo a Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde (SUBPAV) passou a contar com recursos orçamentários independentes, o que facilitou a descentralização orçamentária para as dez Coordenações de Área de Planejamento (CAP) que operam a rede de serviços de atenção primária. Em relação à gestão nos territórios, as CAP foram fortalecidas (Figura 1)4.

FIG

UR

A

1 Mapa das Coordenações das Áreas de Planejamento (CAP)

Fonte: SUBPAV/SAP.

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O ano de 2009 foi marcado pela concepção das Clínicas da Família (CF), equipamentos públicos novos que tinham na ambiência, no conforto e na sustentabilidade suas principais características. A expansão da ESF iniciou-se nas Áreas Programáticas (AP) 5.3 e 3.25, uma vez que optou-se por priorizar as áreas de maior vulnerabilidade social, a partir do monitoramento das pessoas cadastradas pela Prefeitura no Programa Cartão Família Carioca que complementa com recursos próprios o Programa Federal de redistribuição de renda Bolsa Família4. Os primeiros anos da Reforma foram de rápida expansão: das 68 equipes de 2010, passou-se a um total de 800 equipes em 2014.

A expansão das equipes e das clínicas da família ampliou o acesso, mas não a garantia do aumento da resolutividade. Diversos dispositivos indutores foram criados para a qualificação dos profissionais e da rede, dentre eles merecem destaque a Carteira de Serviços da APS e o pagamento por desempenho. A Carteira de Serviços da Atenção Primária6 é um guia de referência que padroniza os serviços mínimos que devem ser oferecidos pelas equipes de Saúde da Família aos usuários e foi um dos documentos que norteou a mudança no processo de trabalho dos Serviços de APS. É voltada a profissionais e gestores e consiste em um cardápio de todas as ações que a ESF deve obrigatoriamente oferecer aos cidadãos. Sua utilização deu suporte à ampliação da resolutividade das Unidades de Atenção Primária, e como consequência, além da melhoria de qualidade, houve uma diminuição significativa no número de referências à Atenção Secundária. Em relação ao pagamento por desempenho este consiste em uma forma de remuneração baseada no desempenho clínico dos profissionais, mediante o cumprimento de indicadores. É utilizado em vários países, tais como Portugal, Espanha, Canadá, Inglaterra7, dentre outros. No município do Rio de Janeiro foi implementado no ano de 2011 e foi desenhado a partir da matriz de indicadores adotada em Portugal. A parte variável do pagamento por desempenho representa até 10% do salário base dos profissionais da ESF e reflete um bom manejo clínico para alguns grupos e situações de saúde específicas que abrange desde o cuidado de pacientes com hipertensão e diabetes, até o acompanhamento de gestantes e de crianças no 1º ano de vida.

Além dessas duas estratégias descritas, outras medidas complementares para qualificar a APS foram a implantação dos Prontuários Eletrônicos, a melhoria do Sistema de Regulação (SISREG) e a produção de vários protocolos clínicos, chamados de Guias de Referência Rápida da SMSDC-Rio. Nesse contexto, a implantação da Rede OTICS-RIO - Observatório de Tecnologia de Informação e Comunicação em Sistemas e Serviços de Saúde da cidade do Rio de Janeiro – representou mais uma importante iniciativa para qualificar a APS ao oferecer um ambiente versátil, que reúne tecnologias de informação úteis para a gestão e para a educação permanente e continuada dos profissionais da rede.

Adicionalmente, diversas ações foram deflagradas no intuito de garantir a inserção precoce de estudantes de graduação em medicina nos cenários da APS, eixo estratégico para a sensibilização, captação e formação de futuros recursos humanos para a rede de APS. Por exemplo, em 2011 houve a adesão conjunta da SMS-Rio e das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) - ao Edital Pró-PET Saúde III, alinhadas às diretrizes curriculares nacionais (DCN) de 2001 para as escolas médicas. Movimento semelhante ocorreu com as IES privadas - Universidade Estácio de Sá (UNESA), Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), Fundação Técnico-Educacional Souza Marques (FTESM) e Universidade Gama Filho (UGF), posteriormente incorporada pela UNESA - com repactuações e redefinições dos termos dos convênios interinstitucionais. Dessa forma, cursos de graduação médica fortaleceram a formação das competências mínimas para uma prática generalista no Sistema Único de Saúde (SUS).

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Outra iniciativa para fortalecer a inserção precoce dos acadêmicos de medicina na rede de atenção primária foi a criação de estágio específico para atuação na APS dentro do edital que regula os processos seletivos anuais para acadêmicos bolsistas da SMS-Rio, garantindo assim uma crescente oferta de vagas de 69 em 2011 para 500 vagas em 2016. Além do mais, a SMS-Rio apoiou as Ligas Acadêmicas de MFC nos cursos de medicina das diversas IES presentes no município e região metropolitana por meio da doação de material bibliográfico e participação em seminários, painéis e fóruns por elas organizados. Todas essas iniciativas seguiram a lógica dos distritos sanitários-escola (áreas de planejamento-escola no Rio), favorecendo a integração tanto dos equipamentos de saúde (Hospitais Universitários e Policlínicas) quanto do corpo docente das IES. Essa lógica de integração ensino-serviço teve como objetivo fortalecer a rede de atenção à saúde de cada CAP, catalisando o processo progressivo de formação de uma rede docente-assistencial.

Para dimensionar a transformação que ocorreu na APS do Rio de Janeiro, em 2008 havia 147 médicos na ESF e em 2016 esse número alcançou a marca de 1538 médicos, representando um incremento da ordem de 1046% no quantitativo desses profissionais. Isso equivale a aproximadamente 2,5 milhões de pessoas que passaram a ter acesso aos cuidados em saúde. Assim, a partir da Reforma da APS, o Rio de Janeiro passa a ser referência de organização de serviços de atenção primária à saúde e centro formador de recursos humanos no Brasil. Por fim, dentro deste processo de expansão da rede de serviços primários, uma outra estratégia importante para a construção e qualificação dessa rede foi o incentivo à formação de médicos de família por meio da implementação e fomento de programas de residência em Medicina de Família e Comunidade no município de Rio de Janeiro.

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O Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro

A proposta de formação de médicos de família e comunidade para qualificar a APS do Rio de Janeiro surgiu em 2010. Inicialmente, o Dr. José Carlos Prado Jr buscou estimular os programas de residência em Medicina de Família e Comunidade já existentes no município. Paralelamente, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-Rio) decidiu criar seu próprio programa de residência em MFC. Em 2011, Andre Lopes elaborou um projeto político-pedagógico que tinha como cenário de prática as novas Clínicas da Família localizadas principalmente na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. O objetivo inicial era que o Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (PRMFC-SMS-Rio), além de qualificar os profissionais médicos para a APS do município, pudesse fixá-los nesses vazios assistenciais. Os pontos principais nessa fase inicial do PRMFC-SMS-Rio estão resumidos no Quadro 1:

QUA

DRO

1. Principais características do PRMFC-SMS-Rio, 2011

Sessenta (60) vagas de residentes de primeiro ano (R1).•

Relação de um preceptor para cada duas equipes de ESF, sendo que cada equipe • seria inicialmente preenchida com dois R1.

Foram mapeados quinze (15) potenciais preceptores para manter a proporção • sugerida.

Localização das unidades de saúde, preferencialmente na zona oeste do • município.

Complementação do valor da bolsa do MEC para se chegar a um valor de R$ • 7.500,00 como estratégia para aumentar a taxa de ocupação das vagas ofertadas.

Fonte: elaborado pelos autores

Neste novo cenário, outros centros formadores também optaram por expandir o número de vagas, por exemplo, na ocasião a Universidade Estadual do Rio de Janeiro aumentou suas vagas de 10 para 30. A SMS-Rio passou a complementar o valor da bolsa de todos os centros formadores em MFC do município, assim como agregou ao salário dos preceptores dos programas uma gratificação pela função de preceptoria. Dessa forma, com o fortalecimento dos programas de residência já estabelecidos, a criação do seu próprio

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programa de residência em MFC e o incentivo financeiro ao trabalho dos preceptores, o município do Rio de Janeiro ampliou a oferta de vagas de residência em MFC de 16 (em 2011) para 96 (em 2012), distribuindo-as em 8 das 10 áreas de planejamento (AP) da cidade.

A operacionalização do PRMFC-SMS-Rio

No final de 2011, Armando Norman foi convidado para compor a equipe da coordenação do PRMFC-SMS-Rio. Nessa ocasião, Nulvio Lermen Jr, que já fazia parte da gestão da SMS-Rio, juntamente com Andre Lopes e André Luis Justino compuseram a coordenação do programa. Esse grupo de profissionais, todos eles Médicos de Família, trabalhou na construção dos campos de prática junto às Coordenações de Áreas Programáticas (CAP), facilitando a interação entre serviço e ensino, legitimando assim o trabalho dos preceptores nas clínicas da família.

No momento da implementação do PRMFC-SMS-Rio a maioria dos possíveis preceptores trabalhava na zona sul carioca. Isso constituía um problema, pois simplesmente alocar residentes nas equipes desses médicos iria contra o projeto inicial, que era o de inserir preceptores e residentes nas áreas com maior dificuldade de fixação de médicos. Assim, o projeto original sofreu importantes adequações durante o processo de implantação devido a questões relativas à estrutura física das clínicas da família (por exemplo, número de consultórios necessários para absorver o programa), facilidade de acesso às mesmas (proximidade ao sistema de transporte público) e a necessidade de remanejamento de preceptores. Por exemplo, o Centro Municipal de Saúde Albert Sabin, na comunidade da Rocinha, apesar de contar com preceptores qualificados, não dispunha do espaço físico necessário para abrigar residentes. Assim, iniciou-se um intenso processo de negociação que envolveu coordenadores de área, gerentes de clínicas da família, futuros preceptores e a SMS-Rio, que apesar das dificuldades, percebiam a importância e o impacto que o programa de residência em MFC teria a médio e longo prazo para o desenvolvimento de profissionais e o fortalecimento da APS. Foi graças à decisão dos Médicos de Família atuantes na zona sul carioca de migrarem para a zona norte que se tornou possível viabilizar o PRMFC-SMS-Rio. Sem dúvida, esse foi um dos maiores desafios na fase inicial de implementação do programa.

A partir da identificação de profissionais para o desempenho da função de preceptoria, uma nova estratégia foi adotada. Optou-se por uma adequação na disposição dos residentes nas equipes, de modo a otimizar todo o potencial de preceptoria disponível, distribuindo um residente por equipe e um preceptor cuidando de dois residentes e duas equipes. Com isso, aumentou-se a base de preceptores, preparando o campo de formação para receber os residentes do ano seguinte, ao mesmo tempo em que se deu sustentação econômica inicial ao projeto. Nessa época, quem repassava os recursos para a complementação das bolsas de residentes eram as organizações sociais, e assim, essa proporção entre preceptores e residentes favoreceu a viabilidade econômica do programa. O Quadro 2 oferece uma visão geral da disposição dos preceptores e residentes nas clínicas da família no início do programa.

AP Clínica da Família Preceptores Nº Residentes

Nº Equipes

na CF

Nº Equipes com

Residência

2.1

CF Santa Marta 1 2 3 2

CF Rinaldo De Lamare 3 6 8 6

CF Maria do Socorro Silva e Souza

4 8 12 8

4.0CF Padre José de Azevedo Tiúba

2 4 5 4

3.1

CF Felippe Cardoso 5 8 13 10

CF Aloysio Augusto Novis 2 4 6 4

CF Zilda Arns 3 6 12 6

5.1 CF Padre John Cribbin 3 4 5 3

5.2CF Dalmir de Abreu Salgado

2 3 5 4

15

Fonte: elaborado pelos autores

QUA

DRO

2. Configuração inicial do PRMFC-SMS-Rio

Conforme o Quadro 2, pode-se perceber que houve uma distribuição de residentes e espaços formativos em várias áreas de planejamento e regiões do município. Um dos efeitos colaterais desse rearranjo foi o aumento da carga de trabalho assistencial no primeiro ano do programa, visto que a relação preceptor-residente ficou diferente do desenho original (Quadro 1). Em 2013 houve uma melhora na carga de trabalho daquelas unidades que conseguiram captar novos residentes no processo seletivo. Assim, cada ESF passaria a contar com um residente de primeiro ano (R1) e outro de segundo ano (R2) e cada preceptor seguiria responsável por duas equipes. Essa estratégia, de certa forma, assegurou a expansão do programa na rede de APS da cidade do Rio. O processo inicial trouxe muita sobrecarga de trabalho para todas as partes envolvidas. A implantação do PRMFC-SMS-Rio resultou em mudanças no processo de trabalho das clínicas da família, tornando ainda mais complexo o desafio inerente à própria reforma da APS. Portanto, o projeto dependeu tanto do engajamento de jovens médicos à frente da preceptoria como de todos os profissionais das clínicas da família e dos funcionários da SMS dispostos a construir uma APS robusta no município do Rio de janeiro. Assim, pode-se afirmar que três fatores foram determinantes para a construção do PRMFC-SMS-Rio: (a) gestores no nível central comprometidos tanto com a reforma da APS da cidade do Rio de Janeiro quanto com os programas de formação de Médicos de Família para a rede de serviços primários; (b) Médicos de Família na coordenação do PRFMC-SMS-Rio que, por acreditarem na reforma da APS na cidade do Rio Janeiro, também se dedicaram a melhorar e qualificar a estruturação e organização do programa na rede e a aprimorar seu projeto pedagógico; e (c) preceptores e residentes comprometidos, que se entregaram ao projeto, agregando conhecimento e vontade de crescer, tanto como MFCs quanto como preceptores. A descentralização do programa fez com que os preceptores se tornassem os principais responsáveis pela formação de jovens Médicos de Família.

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Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira

8:00-9:00

CF* CF-VD**MatriciamentoDermatologia/

Psiquiatria

Sessão Clínica Sessão Clínica

9:00-10:00

CF CF10:00-11:00

11:00-12:00

12:00-13:00 Almoço

13:00-14:00

CF

CF CF CF

CF

14:00-15:00

15:00-16:00

Aula Teórica

CF Grupos de Promoção da

Saúde16:00-17:00 Reunião de

Equipe17:00-18:00

CF18:00-19:00CF

19:00-20:00

Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira

8:00-9:00

CF*MatriciamentoDermatologia/

PsiquiatriaEstágio

Secundário

Emergência Adulto/

Pediátrica/Maternidade

Sessão Clínica Sessão Clínica

9:00-10:00

CF CF- VD10:00-11:00

11:00-12:00

12:00-13:00 Almoço Almoço

13:00-14:00

CF

CF

CFCF14:00-15:00

15:00-16:00

Aula Teórica16:00-17:00 Reunião de

Equipe

Grupos de Promoção da

Saúde17:00-18:00

18:00-19:00 CF CF

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Semana padrãoA Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) estipula que a carga horária dos médicos residentes deve ser de até 60 horas semanais. Visando contemplar os requisitos estabelecidos pela CNRM, a formação dos residentes de primeiro ano (R1) difere da dos residentes de segundo ano (R2). A semana padrão dos R1 ficou organizada conforme o Quadro 3.

*CF: Momento em que ocorre atividade clínico-assistencial na Clínica da Família; VD**: Visita Domiciliar.

*CF: Momento em que ocorre atividade clínico-assistencial na Clínica da Família; VD**: Visita Domiciliar.

QUA

DRO

3.

QUA

DRO

4.

Semana padrão do residente de primeiro ano do PRMFC-SMS-Rio

Semana padrão do residente de segundo ano do PRMFC-SMS-Rio

A semana padrão do residente de segundo ano (R2) inclui 12 horas semanais de estágio em nível secundário, tais como emergência de adultos, emergência pediátrica e maternidade (Quadro 4), distribuídas em rodízios trimestrais (Quadro 5). No Quadro 5 também pode ser observado como são distribuídos os estágios optativos dentro do R2, os quais podem ser realizados na Atenção Primária, na especialidade de Medicina de Família e Comunidade, ou em áreas correlatas, tanto no Brasil como em outros países.

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QUA

DRO

5. Rodízio trimestral do residente de segundo ano nos estágios secundários do PRMFC-SMS-Rio

1º Trimestre

MarçoAbrilMaio

Maternidade

3º Trimestre

SetembroOutubro

Novembro

Férias/Regulação/Estágio Optativo

2º Trimestre

JunhoJulho

Agosto

Emergência Adulto

4º Trimestre

DezembroJaneiro

Fevereiro

Emergência Pediátrica

Fonte: elaborado pelos autores

Aspectos pedagógicos e módulos teóricos

O foco principal do PRMFC-SMS-Rio é a formação de clínicos competentes. Sob essa premissa se apoiam as demais competências do Médico de Família, tais como visão holística do cuidado, orientação familiar e comunitária. Sem o primeiro fundamento, todas as demais competências ficam fragilizadas.

Dentro do plano pedagógico do programa, busca-se oferecer uma vasta gama de ambientes de prática e de experiências para que o médico residente possa desenvolver com segurança as competências necessárias ao trabalho na APS. Como ilustrado no Quadro 3, os residentes do primeiro ano têm, no mínimo, seis horas semanais de atividades teóricas, das quais três são realizadas nas clínicas da família, que recebem o nome de sessões clínicas e que podem ser divididas ao longo da semana padrão do residente. As três horas remanescentes acontecem em ambiente de sala de aula, obedecendo a um formato que vem sofrendo adaptações ao longo da história do programa. Por exemplo, inicialmente existiam dois polos de ensino: Polo Rocinha, cujas aulas aconteciam na CF Rinaldo De Lamare, e Polo Penha, cujas aulas aconteciam na CF Felippe Cardoso. Ainda como parte das atividades teóricas, o PRMFC-SMS-Rio sempre buscou oferecer seminários trimestrais aos finais de semana sobre temas estratégicos, tais como: Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP), Bioética, Cuidados Paliativos, Saúde Mental, Infiltrações e Abordagem da Dor, entre outros. Por fim, com o intuito de preparar os médicos residentes para o ambiente de emergência, anualmente é oferecido, com apoio financeiro da SMS, o curso Advanced Cardiovascular Life Support (ACLS), fechando assim um leque abrangente de atividades acadêmicas. Apesar de todas essas iniciativas, retomar a história das atividades teóricas é importante para que se possa compreender como foram construídas as oficinas que deram origem ao Multiplica.

Inicialmente a metodologia de ensino utilizada nos encontros teóricos contou com a experiência do Dr. Angelmar Roman, Médico de Família com muitos anos de prática na APS em Curitiba, onde está envolvido com o ensino e a formação de jovens médicos e residentes. A coordenação do PRMFC-SMS-Rio desde o início se preocupou em utilizar metodologias que estimulassem o médico residente a ser um agente da construção do seu próprio conhecimento e o capacitassem para ativamente buscar respostas aos problemas enfrentados na prática. A metodologia proposta pelo Dr. Angelmar recebia o nome de Método Hermenêutico ao promover a compreensão e a aquisição de novos conceitos por meio da abertura ao questionamento e da possibilidade de modificação dos pressupostos iniciais diante das diferentes perspectivas resultantes do debate com os colegas. O Quadro 6 resume e explica as etapas do Método Hermenêutico.

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QUA

DRO

6. Método Hermenêutico de ensino-aprendizagem do PRMFC-SMS-Rio

Etapas da Problematização

Apresentação

Distribuição de 10 a 15 questões de múltipla escolha

Compartilhamento das respostas das questões

Busca das respostas nas bases de dados e livros-texto de MFC

Compartilhamento das respostas das questões entre os grupos

Finalização da Oficina

Detalhamento

O Facilitador traz o tema e conta um “causo” de modo a criar uma imagem do problema a ser discutido, seguido de um compartilhamento de experiências semelhantes pelos residentes.

Individualmente, cada residente tem 5 minutos para respondê-las (verificação dos pré-conceitos sobre o tema).

Em pequenos grupos os residentes discutem as respostas estabelecendo um consenso coletivo sobre as questões.

Os grupos consultam a bibliografia recomendada para esclarecimento de dúvidas (Por exemplo: American Task Force, NICE, Dynamed, Cadernos do Ministério da Saúde, Diretrizes Clínicas, e livros-texto de MFC/APS).

As questões trabalhadas por um grupo são então compartilhadas da seguinte forma: o grupo A, que respondeu suas questões, faz perguntas ao grupo B, que deve respondê-las sem tê-las estudado previamente. Assim, o grupo B precisa responder ao grupo A com seus próprios pré-conceitos. Dando sequência, quem fornece as respostas corretas ao grupo B não é o facilitador, mas sim os próprios colegas residentes do grupo A que estudaram o tema. Esse processo é repetido entre todos os grupos: grupo A fazendo perguntas para o grupo B; grupo B fazendo perguntas ao grupo C e, por último, o grupo C fazendo perguntas ao grupo A. Essa triangulação promove uma discussão qualificada sobre o tema e o compartilhamento dos saberes e dúvidas sobre ele.

O Facilitador faz uma apresentação de no máximo 10 slides resumindo os principais pontos de aprendizagem, seguido de uma breve avaliação da oficina.

Fonte: elaborado pelos autores

Como desde o início a proposta foi a de criar um ambiente ativo de aprendizagem, direcionado para um público adulto, investiu-se no Método Hermenêutico para fazer com que os residentes ativamente assimilassem novos conhecimentos, revisitando e questionando seus próprios pré-conceitos. Visando a implementação dessa metodologia de ensino, foram realizadas duas oficinas com os preceptores para que pudessem vivenciá-la. A princípio a proposta foi bem recebida, porém havia um receio se o grupo teria a robustez necessária para sua aplicação plena. Havia a consciência de que, durante sua aplicação, essa abordagem sofreria ajustes. Como o Dr. Angelmar disponibilizou alguns materiais nesse formato para as primeiras oficinas, ganhou-se tempo para que os preceptores começassem a elaborar seus próprios conteúdos didáticos, à medida em que os temas iniciais eram trabalhados. Entretanto, o Método Hermenêutico resultou em um grande desafio, tanto para a coordenação como para preceptores e residentes, em sua maioria não familiarizados com metodologias ativas de ensino-aprendizagem. O Quadro 7 destaca alguns problemas que dificultaram a continuidade desta metodologia.

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7. Dificuldades na implementação do Método Hermenêutico de aprendizagem

Ausência de um tempo protegido para a preparação das oficinas pelos • preceptores com supervisão da coordenação na elaboração das questões.

Proporção preceptor-residente inviabilizava a saída dos preceptores das • clínicas para a preparação das oficinas dos módulos teóricos.

Dr. Angelmar Roman não residia no Rio de Janeiro, o que dificultou a • supervisão das oficinas.

Mudanças na coordenação do PRMFC-SMS-Rio com a saída de Andre Lopes • (em março 2012), Armando Norman (em outubro de 2012), Nulvio Lermen Jr (em novembro 2013) e a entrada de Lourdes Luzón (em abril de 2013) e Samantha França (em setembro de 2013), ficando o André Justino à frente da coordenação do programa.

Sobrecarga de trabalho, tanto para os preceptores quanto para a coordenação, • devido aos ajustes no processo de trabalho em cada local de treinamento, decorrentes da implementação do PRMFC nas clínicas da família.

Heterogeneidade do grupo de preceptores.•

Fonte: elaborado pelos autores

Diante do contexto descrito, a metodologia proposta foi se transformando ao longo do tempo e gradativamente, o PRMFC-SMS-Rio retornou a um modelo tradicional de ensino-aprendizagem, com aulas expositivas. Tal fato resultou em módulos teóricos pouco produtivos, tanto para residentes como para preceptores. Além disso, criou-se uma dependência de preceptores com expertise sobre um determinado tema, o que dificultava a reprodução da aula em todos os polos com a mesma qualidade. Esse foi o contexto que predominou durante o ano de 2013 e parte de 2014, quando se iniciou um processo de reformulação do plano pedagógico do programa de residência, a partir da capacitação dos preceptores.

Mudanças no PRMFC-SMS-Rio ao longo do tempo

A rápida expansão da APS da cidade do Rio de Janeiro trouxe consigo a necessidade de formar um quantitativo maior de Médicos de Família. Pensando na qualificação profissional para o município a SMS-Rio propôs, no ano de 2015, ampliar de 60 para 100 o número de vagas ofertadas para residentes de primeiro ano. Isso traria uma grande sobrecarga para um programa ainda em construção, mas mesmo assim não conseguiria atender a crescente demanda por Médicos de Família no município. No mais positivo dos cenários, seriam necessários 15 anos para formar um número suficiente de Médicos de Família para ocupar as 1400 ESF previstas para o município. Aproveitando a experiência acumulada e o grupo de residentes recém-formados pelo programa nos anos anteriores, uma nova expansão foi proposta para o ano de 2016, desta vez alcançando 150 vagas ofertadas para residentes de primeiro ano. Desta forma, o PRMFC-SMS-Rio iniciou 2016 com 72 residentes de segundo ano, 135 residentes de primeiro ano e 82 preceptores lotados em 24 clínicas da família, distribuídas em oito das dez CAP do Rio de Janeiro. O Quadro 8 ilustra a expansão do programa ao longo dos anos, o número de vagas oferecidas e a taxa de ocupação, assim como a relação candidato/vaga.

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8. Expansão do PRMFC-SMS-Rio de 2012-2016: vagas, inscritos, relação candidato/vaga e taxa de ocupação

2012 2013 2014 2015 2016

Vagas 60 60 100 100 150

Inscritos 117 140 193 219 308

Candidato/vaga 2,58 2,61 1,93 4,12 2,84

Ocupação 75% 98% 44% 100% 90%

Outro desafio enfrentado na lotação das vagas do PRMFC-SMS-Rio foi a iniciativa do Ministério da Saúde (MS) de implementar o Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (PROVAB) que alterou a dinâmica de escolha de vagas para os programas de residência médica. O PROVAB, além de maior remuneração, oferecia um acréscimo de 10% na pontuação para a prova de residência, o que acabava por ser mais atrativo para muitos egressos, que escolhiam uma carga menor de trabalho com maior remuneração, ao invés da capacitação em um programa de residência em MFC. A reação da SMS-Rio a essa iniciativa do Ministério da Saúde foi a não adesão ao PROVAB a partir de 2015, bem como o aumento no valor da bolsa dos residentes de todos os programas em MFC do município, equiparando-a à bolsa-PROVAB. Tal combinação de fatores fez com que nesse ano houvesse uma ocupação de 100% das vagas ofertadas, a maior taxa de ocupação do país (Quadro 8). Desde o início do programa foram utilizadas duas estratégias adicionais para aumentar a captação de residentes: (1) a realização de dois editais em dois momentos diferentes; e (2) a possibilidade de migração de residentes aprovados em outros programas de residência do município, porém não lotados, para o PRMFC-SMS-Rio.

2014: Ponto de inflexão no PRMFC-SMS-Rio

Apesar dos esforços da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e dos coordenadores de programas de residência em MFC para estabelecer um curriculum por competências comum para Médicos de Família no Brasil, nunca se havia conseguido avançar com essa proposta. No entanto, em 2014, criou-se um contexto favorável com incentivos nacionais e locais para a expansão da APS e da especialidade em MFC no Brasil. Assim, em maio de 2014, a SMS-Rio e a SBMFC patrocinaram uma oficina para a elaboração de currículos por competência no município do Rio de Janeiro. Foram convidados três Médicos de Família da Universidade de Toronto, especialistas em educação médica e na elaboração de currículos por competência. Durante uma semana de trabalho os médicos Karl Iglar, Cynthia Whitehead e Perle Feldman realizaram oficinas com um grupo de Médicos de Família brasileiros e catalisaram o processo de criação do Currículo Baseado em Competências da SBMFC8.

Foi também em 2014 que a coordenação do PRMFC-SMS-Rio, percebendo a necessidade de investir na capacitação de preceptores, convidou o então preceptor do programa Adelson Guaraci Jantsch para compor a equipe da coordenação. Sua expertise como preceptor e facilitador dos cursos da Academia Europeia de Professores em Medicina de Família e Clínica Geral (EURACT) no Brasil, foi um ganho para o programa. Naquele momento, o perfil dos

Fonte: elaborado pelos autores

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preceptores do PRMFC-SMS-Rio era bastante heterogêneo, visto que alguns eram recém-egressos do próprio programa e tinham pouca experiência em preceptoria, enquanto outros, apesar da experiência clínica, também sentiam a necessidade de instrumentalização em ferramentas de educação médica. Desse modo, Adelson Jantsch trouxe para o programa de residência, um plano de formação focado nas principais dificuldades do processo de ensino-aprendizagem e preceptoria, percebidas pela coordenação do programa e pelos próprios preceptores. Esse plano consistiu em uma série de dez oficinas de três horas de duração, realizadas mensalmente, que envolveu o uso de metodologias ativas e problematizadoras de ensino-aprendizagem. Para garantir esse espaço de educação continuada havia um arcabouço legal da Comissão Nacional de Residência Médica, que previa horário protegido para a formação e capacitação permanente de preceptores9.

O grupo de preceptores foi então dividido em quatro sub-grupos, para que se pudesse viabilizar o trabalho em pequenos grupos e permitir que eles participassem das oficinas sem comprometer a assistência nas clínicas da família. Ao longo de 2014 os temas trabalhados foram: habilidades de raciocínio clínico, epidemiologia clínica, semiologia da preceptoria, comunicação clínica, técnicas de feedback, ensino de adultos e avaliação. Após um ano da realização dessas oficinas, iniciou-se um plano de avaliação formativa e sumativa dos residentes e a construção do primeiro portfólio de casos clínicos. A criação deste espaço produziu nos preceptores a demanda por uma maior participação nas decisões e nos processos estruturantes do PRMFC-SMS-Rio, assim como por mais espaços de capacitação profissional. Isso foi vital para o fortalecimento do programa.

Adicionalmente, o PRMFC-SMS-Rio, com o apoio da SMS-Rio, realizou uma série de oficinas dos Cursos EURACT10 para formação de preceptores em Medicina de Família, oferecendo vagas tanto para profissionais do próprio município, como para aqueles Médicos de Família de outras localidades do Brasil. Esses cursos foram elaborados por Médicos de Família europeus que, ao longo de suas carreiras como médicos e preceptores, tiveram que estudar e aprender sozinhos as competências necessárias à docência. Com o tempo de prática e o lastro acumulado, decidiram transformar seus anos de aprendizado e prática em oficinas para a capacitação de jovens docentes. Tal iniciativa, mesmo sem nenhuma vinculação às entidades tradicionais de ensino, acabou por disseminar conhecimento ao longo de toda Europa e desembarcou no Brasil, em 2010, por intermédio do Médico de Família português Luís Filipe Gomes e do Médico de Família brasileiro José Mauro Ceratti Lopes.

Os cursos EURACT realizados no Rio de Janeiro foram responsáveis por introduzir importantes conceitos e demonstrar a efetividade das metodologias de ensino aos preceptores do PRMFC-SMS-Rio. Desse modo, foi possível alcançar o principal objetivo do EURACT: criar uma rede de facilitadores/preceptores inovadora e criativa, replicando e energizando o processo de ensino-aprendizagem no coletivo de preceptores e coordenadores de programas de MFC. No período de 2014 a 2016, dez oficinas EURACT foram patrocinadas e realizadas pelo PRMFC-SMS-Rio para incentivar a troca de experiências entre MFCs brasileiros e Europeus. Dessas dez oficinas, seis foram do Curso Nível 1, duas do Curso Nível 2, uma do Curso Avaliação e uma do Curso Nível 3.

2015: continuidade da expansão do PRMFC-SMS-Rio

Durante o processo de realização das oficinas de 2014 ficou evidente para os envolvidos a importância da continuidade das atividades de educação permanente. Com isso, conseguiu-se dobrar o tempo dedicado às oficinas que passaram então a durar um dia inteiro. A partir desse momento, o grupo passou a trabalhar sobre um problema específico:

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a qualidade das aulas teóricas para os residentes de primeiro ano. O grupo de 50 preceptores do PRMFC-SMS-Rio foi então dividido em cinco grupos menores, cada qual focado em uma das seguintes linhas temáticas: Problemas Cardiovasculares, Saúde da Mulher e da Criança, Saúde Mental (que contava na época com a participação da Dra. Sandra Fortes, Dr. Hélio Rocha, Dra. Celina Ragoni e Dra. Joana Thiessen) e Problemas Comuns e Sintomas Indiferenciados, divididos em dois grupos menores, carinhosamente denominados como Indiferenciados 1 e Indiferenciados 2.

Durante o ano de 2015, os grupos se encontravam uma vez a cada cinco semanas e, a cada encontro, tinham como tarefa elaborar o conteúdo e a metodologia sobre um tema específico a ser trabalhado nas semanas seguintes com os residentes de primeiro ano. Em todas as atividades buscava-se trabalhar, além dos temas clínicos, o levantamento de pré-conceitos, a problematização, a pesquisa de informações, o estudo dirigido e a análise crítica das informações levantadas. Sempre que possível, eram utilizadas dramatizações para se trabalhar habilidades de comunicação e atributos da APS. Além de todas as mudanças na metodologia de preparação das aulas, modificou-se também a sua forma de realização. Até o momento as aulas eram divididas em dois polos, ainda com turmas numerosas. Em 2015, residentes e preceptores foram organizados em seis polos menores (grupos de 10 a 15 participantes), localizados mais próximos de suas clínicas de origem, o que facilitou consideravelmente a utilização de metodologias ativas. Dessa forma, os grupos de preceptores seguiam um ciclo temático no qual se trabalhava um conteúdo clínico específico e se elaborava uma atividade que, em seguida, era aplicada aos residentes de primeiro ano. O ciclo se fechava quando o grupo se encontrava novamente, dali a cinco semanas, e tinha a oportunidade de avaliar o resultado da oficina e aprimorar o trabalho. Os temas trabalhados estão discriminados no tópico deste fascículo “Como utilizar o Multiplica” e a metodologia utilizada para produzir os conteúdos durante as oficinas pode ser encontrada nos fascículos do módulo denominado “Desenvolvimento de Competências para a Docência”.

O resultado dessa etapa ficou bastante nítido para a coordenação e para os preceptores quando se evidenciou o grau de compreensão que os residentes atingiram sobre os métodos utilizados nas aulas, bem como sobre as competências trabalhadas. Esse processo de construção dos módulos teóricos refletiu-se também na melhoria das aulas com os residentes, que passaram a ser novamente mais dinâmicas e melhor estruturadas. Isso demonstra que o investimento em formação continuada é viável e que os preceptores passaram a estar cada vez mais envolvidos nos processos de aprimoramento do PRMFC-SMS-Rio.

2016: Consolidação e nova expansão do PRMFC-SMS-Rio

No início de 2016 o programa de residência da SMS-Rio continuou em franca expansão, ampliando suas vagas de residente de primeiro ano para 150, distribuídas em 24 clínicas da família do município do Rio de Janeiro. Na Figura 2 é possível ver a localização das clínicas onde o programa está lotado, bem como os sete polos atuais, organizados por cores. A coordenação do programa também passou por algumas mudanças, com a reincorporação de Armando Norman e a saída de André Justino. No mesmo período Mariana Streit foi convidada a fazer parte da coordenação do PRMFC-SMS-Rio.

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FIG

UR

A

2 Localização das clínicas da família e organização dos polos de ensino-aprendizagem do PRMFC-SMS-Rio, 2016

Fonte: elaborado pelos autores

Ainda em 2016 uma nova organização das atividades de educação permanente e continuada do programa de residência foi implementada. Nessa reorganização dos encontros formativos com os preceptores, manteve-se a mesma divisão de temas clínicos dos grupos originais, uma vez que muito material havia sido produzido e ainda necessitava ser retrabalhado e lapidado. Desse modo, as tardes passaram a ser reservadas exclusivamente para se trabalhar temas transversais e relevantes para a prática da Medicina de Família, visando agora modificar as atividades acadêmicas dos residentes de segundo ano. Essas atividades foram chamadas de Grupos de Trabalho (GT) e passaram a ter importância significativa no projeto educacional e na gestão do conhecimento no PRMFC-SMS-Rio. Os cinco temas propostos para os grupos de trabalho foram: Comunicação Clínica, Desenvolvimento de Competências para a Docência, Currículo, Avaliação e Competências, Pesquisa na APS, Multimorbidade e Pacientes Complexos. A divisão dos temas clínicos e dos grupos de trabalho pode ser observada no Quadro 9.

QUA

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9. Divisão dos grupos de trabalho e temas clínicos do PRMFC-SMS-Rio, 2016

Grupo de Trabalho

Comunicação Clínica

Desenvolvimento de Competências para a Docência

Pacientes Complexos e Segurança do Paciente

Currículo, Avaliação e Competências

Pesquisa na APS

Tema Clínico

Problemas Cardiovasculares

Saúde da Mulher e da Criança

Saúde Mental

Problemas Comuns e Sintomas Indiferenciados 1

Problemas Comuns e Sintomas Indiferenciados 2

Fonte: elaborado pelos autores

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Em relação aos temas clínicos, pelas manhãs os grupos de preceptores retomavam as oficinas produzidas no ano anterior, reenquadrando o que não estava adequado e lapidando o material denominado “Guia do Tutor”. Esse guia era um documento no qual todas as informações importantes para a condução das oficinas deveriam estar escritas. A partir da problematização desse guia foi que se percebeu o quanto o grupo de preceptores havia produzido e quanto valor esse material poderia agregar para participantes de outros centros formadores em MFC. A regra colocada ao grupo era de que o “Guia do Tutor” deveria estar tão bem escrito que um preceptor de um programa de residência em Medicina de Família de qualquer outra parte do Brasil, que não tivesse participado da elaboração da oficina, poderia lê-lo e realizar a atividade com seus residentes da mesma forma que se fazia no Rio de Janeiro. A partir dessa necessidade foi que se percebeu a importância de se publicar esse material e de partilhá-lo com outros programas de residência. Assim, optou-se pelo formato de fascículos independentes, que permitem ser copiados diretamente da página do PRMFC-SMS-Rio/Multiplica na internet, o que propicia o arquivamento do material em uma pasta fichário. Isso torna os documentos acessíveis e facilita o seu manuseio durante a realização das oficinas. Essas oficinas agora fazem parte do Multiplica e podem ser replicadas em outros programas de residência em Medicina de Família e Comunidade.

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Como Utilizar o MULTIPLICA

O principal objetivo do Multiplica é servir como material de apoio para programas de residência em Medicina de Família e Comunidade no desenvolvimento de competências desta especialidade. Trata-se de uma metodologia para facilitar o aprendizado de problemas comuns na Medicina de Família, desde temas clínicos prevalentes até competências nucleares da especialidade como capacitação para a docência, manejo de situações complexas e comunicação clínica. Ele não deve ser visto como um material para apreender conteúdos e essa ideia será reforçada em cada fascículo. Portanto, o facilitador que pretenda aplicar as oficinas deverá dominar os temas a serem trabalhados. No entanto, o Multiplica também contém dicas importantes para que o facilitador não deixe de abordar os pontos mais relevantes de cada tema com os residentes.

Dialogando com o leitor estará o Dr. Nito, que ressaltará aspectos impor-tantes da oficina. Dr. Nito é o apelido carinhoso para o Dr. Ornitorrin-co, mascote do Multiplica. Ele simboliza as contradições da Medicina de Família en-quanto especialidade. Fre-quentemente os Médicos de Família são incompre-endidos, quer por outras especialidades médicas, quer pela população brasileira em geral, ain-da pouco familiarizada com esses profissionais. A falta da obviedade de sistemas orgânicos ou tec-nologias biomédicas que identifiquem a Medicina de Família faz com que as pessoas tenham dificuldade em entendê-la. Assim, é natural que as pessoas estra-nhem ou mesmo não saibam do que se trata essa especialidade. O ornitorrin-co simboliza essa dificuldade de defi-nição à primeira vista. Afinal, ele é um mamífero que bota ovos, sem mamas aparentes e com feições de pato, po-rém, em vez de penas, pelos cobrem seu corpo!

Método de Ensino para Programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade

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Os fascículos do Multiplica são o produto final de um processo que envolveu mais de 90 pessoas ao longo de mais de dois anos de trabalho. Sua história começou com a criação das atividades de capacitação e educação permanente dos preceptores do PRMFC-SMS-Rio em 2014, que evoluíram nos anos seguintes à estrutura atual de organização pedagógica existente no programa, com cinco linhas de temas clínicos e cinco grupos de trabalho (GT). Essas atividades foram uma iniciativa da coordenação do PRMFC-SMS-Rio para atender às demandas de melhoria das atividades teóricas existentes até 2014. Buscou-se com elas criar um ambiente que permitisse a troca de experiências, o crescimento contínuo dos preceptores, bem como minimizar a heterogeneidade entre eles. Foi no decorrer da realização dessas oficinas que se concebeu o Multiplica. Graças à criação deste ambiente protegido e estimulante de trabalho, onde preceptores podem se dedicar exclusivamente a tarefas específicas a cada encontro, o grupo se tornou mais empoderado e valorizado. Assim, a presente publicação surge como consequência das iniciativas de capacitação de preceptores e do esforço para a melhoria do processo de trabalho e ensino do PRMFC-SMS-Rio. Dessa forma, é recomendável que essa iniciativa seja reproduzida em outros programas de residência, seja pela replicação das oficinas do Multiplica, seja pela construção de um ambiente de educação permanente semelhante ao que ocorre no Rio de Janeiro.

EstruturaçãoO Multiplica é um produto em constante processo de aprimoramento e sua estrutura está sujeita a mudanças que podem vir com o seu contínuo desenvolvimento. Novas oficinas podem surgir, oficinas antigas podem ser renovadas e novas temáticas podem ser necessárias para se trabalhar novas competências. Ele é composto de sete módulos que abordam temas clínicos e competências nucleares da Medicina de Família. Cada módulo é composto por uma série de fascículos independentes, sendo em cada um deles descrita uma oficina completa do Multiplica. Cada fascículo apresenta toda a metodologia necessária para realizar uma oficina com duração média de três horas, direcionada para um tema específico. Os módulos que compõem o Multiplica são descritos a seguir:

Problemas Cardiovasculares: • composto por oito oficinas que abordam desde avaliação de risco cardiovascular e manejo de condições comuns como hipertensão, diabetes, dislipidemia, até situações mais complexas como arritmias, anticoagulação, insuficiência cardíaca e acidente cerebro-vascular.

Saúde da Mulher e da Criança: • composto por oito oficinas que abordam cuidados no primeiro ano de vida, puericultura e problemas comuns na in-fância, situações de gravidade na infância, contracepção, alterações mens-truais, sexualidade e infecções sexualmente transmissíveis.

Saúde Mental: • composto por oito oficinas que abordam avaliação do pa-ciente em sofrimento mental, tristeza, luto, depressão, ansiedade, psicoses, risco de suicídio, problemas mentais na infância e adolescência, emergên-cias psiquiátricas, entrevista motivacional e intervenções em saúde mental na APS.

Problemas Comuns e Sintomas Indiferenciados:• composto por 16 oficinas que abordam uma grande variedade de quadros sindrômicos indiferencia-dos como dispneia, tosse, tonturas, sintomas urinários baixos, artralgias, lombalgia, cefaleia, convulsões, demência e delirium.

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Desenvolvimento de Competências para a Docência: • composto por dez oficinas voltadas para a capacitação de preceptores, envolvendo temas como raciocínio clínico, epidemiologia clínica, ensino de adultos, Patient Unmet Needs & Doctor Educational Needs (PUNs & DENs), perguntas ex-ploradoras, semiologia da preceptoria, como dar e receber feedback, como ajudar seu residente a estudar e métodos de avaliação.

Pacientes Complexos: • composto por seis oficinas que visam instrumen-talizar residentes e preceptores a lidarem melhor com situações de mul-timorbidade e seu impacto na vida dos pacientes. Abordam temas como interações entre doenças e drogas, segurança do paciente, continuidade do registro médico, lista de problemas, literacia, autocuidado, prognóstico, fim de vida e cuidados paliativos.

Comunicação Clínica: • composto por dez oficinas focadas no desenvolvi-mento de habilidades de comunicação por meio de dramatizações, vídeo-gravações e exercícios em pequenos grupos. As três primeiras oficinas abordam a etapa de coleta de informações, e as três seguintes as etapas de explanação diagnóstica, construção de plano terapêutico e rede de seguran-ça. A sétima etapa aborda o tema da comunicação de notícias difíceis e hou-sekeeping, enquanto que a oitava trabalha o tema da prevenção quaternária na consulta médica. A nona oficina problematiza e reflete sobre as limitações do modelo proposto, e a décima oficina, além de integrar todas as demais, tem um foco especial no gerenciamento do tempo de consulta.

Os tópicos a seguir orientam o facilitador a utilizar o Multiplica, esclarecem alguns dos termos adotados ao longo dos fascículos e explicam algumas de suas metodologias, tais como grupo Buzz, dramatização, problematização, formulação de questões de estudo, entre outros.

Organização prévia à oficinaToda oficina deve obedecer cuidadosamente alguns pontos, desde a preparação dos facilitadores que realizarão as atividades até a organização de espaços e materiais. Convém ressaltar a importância de se realizar a oficina previamente com o grupo de preceptores, no intuito de atualizar e homogeneizar o conhecimento quanto ao tema abordado, bem como vivenciar a oficina em todos os seus passos, para evitar imprevistos durante a realização com os residentes. Esse cuidado fortalece tanto o trabalho dos preceptores, quanto a otimização do uso do material ao fazer com que os preceptores se familiarizem com as metodologias propostas. Ou seja, para a realização da oficina com o grupo de preceptores é muito importante que haja um facilitador que já tenha estudado o material e que conheça bem a oficina.

A organização prévia é uma etapa fundamental para o sucesso das oficinas. Para tanto, deve haver uma sala reservada com espaço suficiente para um grupo de até 20 pessoas, tanto para os momentos em grande grupo, quanto para as etapas de estudo dirigido. As cadeiras da sala devem estar dispostas em círculo, fazendo com que todos os participantes possam interagir entre si. Folhas de flipchart e canetas deverão estar disponíveis como material de apoio durante a apresentação do estudo dirigido.

O desenho da marca do Multiplica é inspirado no posicionamento dos participantes durante as oficinas.

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O material impresso indicativo no fascículo como “Anexos” deve estar disponível para ser utilizado na oficina. Anexos podem ser tanto folhas A4 para apoio da atividade ou fontes bibliográficas, tais como artigos científicos para o estudo dirigido. Outras fontes como livros e bases de dados on-line (Dynamed e o Portal Saúde Baseada em Evidências) também devem estar disponíveis. O melhor cenário seria ter computadores acessíveis para serem utilizados durante a oficina. Se isso não for possível, uma alternativa seria a disponibilidade de uma rede com internet wi-fi onde os residentes pudessem conectar seus computadores portáteis ou smartphones. A seguir, apresentamos algumas das metodologias e jargões usados no decorrer do Multiplica.

Grupo BUZZ O grupo BUZZ é uma técnica muito rica para se utilizar em pequenos grupos. Sua operacionalização é sempre a mesma, não deve durar mais do que cinco minutos e compreende três etapas:

Tarefa disparadora1.

Discussão em pares com o colega ao lado2.

Discussão em grande grupo3.

A atividade começa com uma tarefa endereçada ao grupo de residentes, no formato de pergunta ou de tarefa disparadora. Por exemplo: iniciando uma atividade sobre lombalgia onde se pretende relembrar hipóteses diagnósticas para a queixa de “dor nas costas”, a seguinte tarefa poderia ser dada:

“Lembre qual foi o último caso que você atendeu envolvendo dor nas costas como queixa do paciente. Qual foi a sua hipótese diagnóstica?

Conte para seu colega ao lado.”

Dada a tarefa, os participantes permanecem em seus lugares e devem discutir a pergunta disparadora com o colega ao lado. Assim que as duplas começarem a discutir o tema, haverá um burburinho na sala, de onde vem seu nome (BUZZ). Essa etapa de compartilhamento de ideias não deve durar mais do que cinco minutos e tem como objetivo fazer com que os residentes revisitem afetivamente seus casos, sensibilizando o grupo para o tema a ser trabalhado.

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BUZZBUZZ BUZZ

BUZZ

BUZZ

BUZZ BUZZ

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O grupo BUZZ termina na terceira etapa, quando o facilitador deve pedir para que algumas das duplas compartilhem no grande grupo o que discutiram. Nesse momento haverá uma variedade de ideias e vivências que podem ser utilizadas para alcançar o objetivo de rememorar as principais causas da lombalgia.

A vantagem de se usar um grupo BUZZ está no fato de que facilmente pode-se levar um grupo a discutir determinado tema, fazendo com que os residentes compartilhem suas ideias prévias sobre ele. Levantar as opiniões e ideias de cada indivíduo faz com que os residentes se exponham e tenham que lidar com pontos de vista diferentes. Além disso, por não colocar em foco nenhum residente em especial, como acontece em aulas quando o professor solicita que um aluno responda a uma pergunta diante de toda a turma, desfaz-se a inibição para falar sobre o tema. Quanto ao objetivo a ser alcançado com o grupo BUZZ (rememorar as principais causas de lombalgia), chega-se a um resultado mais rico do que se obteria simplesmente perguntando ao grupo quais as principais causas de lombalgia.

Outra vantagem está no fato de que, após alguns minutos de apresentação expositiva, os residentes podem se sentir cansados e desatentos à fala do facilitador. Com o grupo BUZZ os residentes podem descansar da voz do facilitador e recarregar a atenção. Dentro do método, sempre que um grupo BUZZ aparecer em uma atividade, estará indicado qual o seu objetivo e qual a pergunta disparadora da atividade. Portanto, o facilitador deve estar atento aos objetivos, para não se perder11.

DramatizaçãoToda habilidade a ser adquirida necessita ser exaustivamente repetida durante seu processo de aprendizado. Pequenos procedimentos, manobras terapêuticas e manobras de exame físico são bons exemplos de habilidades que o Médico de Família deve desenvolver durante sua residência. Sendo o ambiente da consulta ambulatorial o momento que ocupa a maior parte da carga de trabalho do MFC, o desenvolvimento das habilidades de comunicação é essencial para a prática na APS e essas habilidades devem ser trabalhadas ao longo de toda a formação do residente. Por esse motivo, no Multiplica, utiliza-se a dramatização como uma das principais metodologias de ensino nas atividades, fazendo uso dela em momentos estratégicos, com objetivos bem claros e definidos.

Dentre as metodologias que podem ser utilizadas no ensino em pequenos grupos, a dramatização é certamente a mais versátil de todas e uma das mais apropriadas para a prática da Medicina de Família. Diversos livros que abordam o tema da comunicação clínica propõem seu uso e suas vantagens como metodologia ativa, frente a metodologias tradicionais12,13. O treino de habilidades de comunicação em consulta é a primeira e mais óbvia aplicação da dramatização em cenários de ensino, mas não se limita a ela. Aspectos atitudinais, profissionalismo, manobras de exame físico, feedback, raciocínio clínico e gestão do trabalho em equipe são alguns dos exemplos que podem também ser problematizados por meio da dramatização.

A dramatização permite isolar um determinado cenário de consulta e trabalhá-lo fora do contexto da prática. Dessa forma, uma vasta gama de situações da consulta podem ser trabalhadas, como por exemplo, aspectos iniciais da consulta, coleta de informações, sumarização das informações do paciente, condução de uma investigação clínica precisa sobre sinais de alarme, esclarecimento ao paciente sobre seu diagnóstico, abordagem de preocupações e expectativas do paciente, entre outros.

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Em algumas atividades, aspectos específicos do tema da comunicação são aprofundados, como nas sessões de Comunicação Clínica, Docência e Pacientes Complexos. Contudo, na maioria das oficinas que tratam de temas clínicos, o objetivo da dramatização será principalmente o de sensibilizar os residentes e demonstrar-lhes a importância das habilidades de comunicação no trabalho do médico de família.

A preparação é a chave para que a atividade de dramatização seja bem sucedida e isso significa prestar atenção a três aspectos: objetivos, métodos e avaliação.

Objetivos: • os objetivos da atividade devem estar bem claros para o facilitador e essa informação estará em destaque na explicação da atividade. Caso o objetivo não esteja claro para o facilitador, facilmente a atividade perderá o sentido para os residentes, que ficarão com a impressão de que estão fazendo uma mera “dinâmica” ou “quebra-gelo”. Não é necessário informar o objetivo aos residentes, pois isso pode prejudicar o elemento surpresa. Se o objetivo problematizar formas de fazer perguntas para explorar sintomas do paciente (perguntas abertas, focadas e fechadas), é melhor que os residentes não saibam que será esse o tema da dramatização, pois de outra maneira eles poderiam ficar inibidos e perderiam a naturalidade.

Métodos: • os métodos envolvem uma série de detalhes sobre a forma com que a atividade será realizada, ou seja, quais os papéis a serem representados, qual o cenário, a duração, saber como conduzir a dramatização e conhecer os temas que serão discutidos no grande grupo na sequência da dramatização. Ao explicar para os residentes como algo deve ser feito, o facilitador assume o papel de “médico”. Quando o objetivo for provocar uma situação para levantar uma discussão, o facilitador assume o papel de paciente, pois ele detém o conhecimento do caso. A duração das dramatizações deveria se limitar a um máximo de cinco minutos e os residentes não deveriam percebê-las como um processo de avaliação. Essa explicação aos residentes é fundamental, pois invariavelmente eles se sentirão colocados à prova se tiverem que ocupar o papel do médico diante de todo o grupo.

Avaliação:• quando a dramatização termina, há uma discussão no grande grupo norteada por uma pergunta disparadora, que terá o intuito de fazer com que os participantes problematizem a situação vivenciada. Caso a dramatização não seja bem sucedida, a discussão tende a ser pouco produtiva, mostrando que os objetivos esperados não foram alcançados. Sabendo dos objetivos e dos métodos aplicados, uma boa atitude a ser seguida pelo facilitador seria, ao final da atividade, promover uma reflexão sobre a dramatização realizada, para melhorá-la para as próximas atividades.

Mesmo com todos os detalhes acima descritos, podem surgir problemas com turmas mais novas de residentes que não estejam familiarizados com a metodologia. Esse problema pode ocorrer nas primeiras vezes que se tenta usá-la com um grupo novo. Isso é esperado e o impasse inicial acaba se resolvendo à medida que os encontros ocorrem e que o grupo de participantes estabelecer uma relação de intimidade e confiança mútua. Assim que os residentes perceberem toda a riqueza que a dramatização pode trazer para a oficina, eles passarão a valorizá-la.

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Problematização Ao procurar identificar o que caracterizaria um bom estudante, Trisha Greenhalgh em seu livro Primary Health Care: Theory and Practice14, retoma as ideias de Wilhelm von Humboldt sobre o tema. Ainda no século XVIII ele escrevera que, ao final de sua formação, um bom estudante deveria ser capaz de pensar construtivamente, argumentar coerentemente, julgar desapaixonadamente e resolver problemas criativamente. Apesar de todo o tempo transcorrido, essa caracterização do que seria um bom estudante é mais do que pertinente nos dias de hoje. Contudo, alguns detalhes concernentes ao mundo contemporâneo ainda precisam ser contemplados. Greenhalgh acrescenta aos quatro atributos de Humboldt, quatro novos atributos que considera essenciais no contexto atual de ensino: comunicar ideias ao público leigo, trabalhar com eficiência em uma equipe multiprofissional, manejar conhecimento, ou seja, encontrá-lo, avaliá-lo, sintetizá-lo e compartilhá-lo e, por fim, adaptar-se apropriadamente às mudanças.14

A Medicina de Família, assim como qualquer outra especialidade médica envolvida na APS, não se trata de uma disciplina estritamente acadêmica, mas sim de um ofício para o qual todas as oito competências acadêmicas descritas acima devem ser desenvolvidas durante a sua formação. O método utilizado nas oficinas do Multiplica está fundamentado tanto no formato Problem Based Learning (PBL) quanto na problematização de casos reais - metodologias que podem ser mais efetivas no desenvolvimento tanto de competências acadêmicas, quanto de competências específicas para a prática clínica.

O PBL é provavelmente uma das técnicas de ensino mais inovadoras já concebidas. A principal motivação para o seu desenvolvimento está no fato de que o ensino médico tradicional, baseado na exclusiva aquisição de conhecimento sobre cada doença por meio de explanações teóricas, não prepara os residentes para a realidade prática15. Por colocar os residentes em posição de protagonistas do aprendizado, o PBL é capaz de desenvolver uma série de habilidades e atitudes importantes para o trabalho do Médico de Família, tais como: aquisição de conhecimento, habilidades de comunicação, trabalho em equipe, resolução de problemas, organização de estudo, levantamento de questões, transmissão e partilha de conhecimento. Porém, como não trata propriamente de resolver um problema real, mas de aproveitar uma situação previamente elaborada para contemplar as competências necessárias em determinada área16, as oficinas do Multiplica não deveriam ser consideradas como atividades estritamente de PBL. A principal distinção está no fato de que, dentro do PBL, na fase de aquisição de novas informações, normalmente os residentes têm alguns dias para realizá-la, enquanto que nas oficinas do Multiplica essa tarefa é realizada durante a própria atividade, exercitando a busca imediata de informações.

A problematização ocorre a partir de um cenário disparador, que pode ser um caso clínico, uma vídeo-gravação de consulta, um vídeo de ficção ou uma dramatização. Na maioria das oficinas são utilizados casos fictícios, criados de forma a serem acompanhados durante a aula, desde a sua investigação inicial à terapêutica, passando pelas etapas de exploração de sintomas e da experiência das doenças. Após a apresentação do cenário disparador, algumas etapas importantes devem acontecer para fazer com que o grupo chegue a um bom levantamento de questões de estudo. Por exemplo, quando os participantes são organizados em pequenos grupos e cada grupo recebe um caso clínico que serve de cenário para a problematização do tema a ser estudado. Essas etapas serão descritas a seguir, com algumas dicas de como o facilitador deve conduzir cada uma delas.

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Sintetizando o caso clínico: • durante cinco minutos, cada pequeno grupo deverá se apropriar do seu caso clínico, ainda sem conhecer os casos dos demais grupos. Para fazer com que os participantes conheçam todos os casos que serão trabalhados na oficina, cada pequeno grupo deverá fazer uma síntese do caso clínico em duas a três linhas (um cabeçalho sucinto), a fim de apresentá-lo aos outros grupos. O objetivo aqui é desenvolver a habilidade de síntese e objetividade ao relatar um caso clínico, ressaltando aspectos importantes do caso de forma ordenada e racional. Use um quadro branco ou flipchart para organizar as informações relevantes. Realizar um cabeçalho conciso do caso é uma ação simples, que ajudará não só a organizar a etapa de problematização, mas também terá reflexos nas discussões cotidianas com seus preceptores na clínica, tornando as passagens de caso mais objetivas.

Brainstorm• : posicione-se no centro do círculo e guie a discussão partindo do relato que os grupos fizerem sobre os seus casos. Sempre haverá uma pergunta disparadora para iniciar o brainstorm. Essa pergunta visa direcionar a discussão para que os residentes não partam diretamente para diagnósticos, exames e terapêutica. Perguntas como “O que pode estar acontecendo com esse paciente?”; “Qual dado da história desse paciente mais chama a atenção do grupo”; “Quais as hipóteses diagnósticas para esse caso?” são alguns exemplos de perguntas disparadoras. Lembre-se de que no brainstorm todos os participantes podem falar livremente sobre suas ideias e isso deve ser feito sem nenhum tipo de censura. Na medida em que as falas forem aparecendo, o facilitador deverá anotá-las em um quadro branco ou folha de flipchart.

Problematização dos casos: • depois de iniciado o brainstorm, naturalmente o grupo começará a debater sobre as ideias levantadas. Nesse momento é necessária a ajuda do facilitador para aprofundá-las, para depois organizá-las e transformá-las em questões de estudo. Nessa etapa, a função do facilitador será tanto a de provocador da discussão quanto a de organizador das ideias. Para tanto, ele deverá utilizar novamente o quadro branco ou flipchart como apoio. A condução da problematização é uma atividade que exige bastante habilidade por parte do facilitador, que deve conduzir o grupo a partir de inquietações gerais para perguntas de estudo bem formuladas e específicas. Essa não é uma tarefa fácil e muitos preceptores iniciantes podem se sentir intimidados ao realizá-la, acabando por entregar as questões de estudo descritas no fascículo diretamente para os residentes, sem nenhuma problematização prévia. Essa atitude não é pedagogicamente produtiva, pois interrompe a problematização no seu momento mais rico, tirando a oportunidade dos residentes de construírem suas questões de forma organizada. Manejar conhecimento significa, além de ser questionador e crítico da realidade, aprender a transformar inquietações em questões de estudo possíveis de serem respondidas. Essa etapa da atividade visa justamente desenvolver essa competência e seu poder de transformação não deve ser subestimado pelo facilitador. Algumas orientações direcionadas para a problematização em grupos e a discussão de casos podem ser encontradas nos fascículos do módulo denominado “Desenvolvimento de Competências para a Docência”. A seguir, listamos alguns passos para facilitar o processo de problematização junto aos residentes.

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Organize tópicos: • invariavelmente as ideias levantadas pelos residentes irão refletir tópicos conhecidos da clínica e da prática da Medicina de Família (Quadro 10). O facilitador não precisa necessariamente escrever o título de cada tópico. Somente deve ter em mente que anotar no quadro branco de forma organizada ajudará na formulação das questões de estudo.

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10. Tópicos dos conteúdos clínicos abordados na problematização

Apresentação Clínica•

História Natural•

Critérios Diagnósticos•

Terapêutica não Medicamentosa e Medicamentosa•

Prognóstico•

Medidas Preventivas•

Experiência Pessoal da Doença•

Fonte: elaborado pelos autores

Encontre contradições e opiniões divergentes: • durante o levantamento de ideias podem surgir opiniões divergentes. Elas refletem que os conceitos sobre o tema não estão sedimentados para o grupo. Assim, ressaltar esses pontos de divergência contribui para o direcionamento das questões de estudo.

Use perguntas exploradoras:• Roger Neighbour em seu livro The Inner Apprentice17 trabalha esse conceito, chamado por ele de Awareness Raising Questions (ARQ), descrevendo-as como um instrumental de comunicação para explorar o conhecimento e as ideias de um residente sobre determinada experiência ou conceito. Perguntas exploradoras são uma ótima forma de coletar informações do residente sobre seu conhecimento, habilidades, atitudes, valores, sentimentos e expectativas a respeito de um problema clínico com um determinado paciente. Nesse livro ele propõe que, ao invés de simplesmente responder às demandas de um residente dando respostas diretas às suas perguntas, o preceptor deveria explorar a fundo suas dúvidas para ajudá-lo a amadurecer como profissional. Do contrário, um preceptor que apenas “tira dúvidas” acaba por não permitir que o residente se questione e reflita sobre a sua prática, nem o mobiliza para que busque novas informações. Isso pode dificultar que o residente se torne agente do seu próprio aprendizado. Para alcançar esse objetivo, um preceptor deve explorar as dúvidas do residente encontrando suas lacunas de conhecimento, para então ajudá-lo a ultrapassá-las (Quadro 11). A forma que Neighbour propõe que isso seja feito é através das Perguntas Exploradoras ou ARQ em inglês, que nada mais são do que elaborações das familiares palavras interrogativas utilizadas cotidianamente: “O que?”, Onde?”, “Quando?”, “Como?” e “Por que?”. Para entender melhor o que elas têm de especial, imagine que durante a problematização de um caso de perda de memória, um dos residentes afirme que o caso se trata de Demência de Alzheimer. Algumas perguntas como “Quais informações clínicas foram importantes para você inferir que se trata de Demência de Alzheimer?”; “E se não for Alzheimer?”; “Descreva para o grupo como se caracteriza a Demência de Alzheimer”, fariam com que o residente e seus colegas problematizassem a afirmação e percebessem que o grupo ainda não tem clareza sobre como se faz o diagnóstico de Demência de Alzheimer.

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QUA

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QUA

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11.

12.

Problematizando as dúvidas dos residentes

Transformando perguntas em assertivas “problematizantes”

De que forma isso acontece?•

Qual a consequência disso que você está falando?•

Isso que você disse não vai contra o que o outro colega disse anteriormente?•

Como poderíamos fazer para solucionar essa dúvida?•

E se a causa do problema não for essa que você está afirmando?•

E se esse tratamento não funcionar?•

Explique melhor, pois eu ainda não entendi.•

Conte mais sobre essa sua ideia.•

Descreva como eu deveria fazer para fechar o diagnóstico de Alzheimer.•

Vamos levantar juntos quais as possíveis causas deste problema.•

Fonte: elaborado pelos autores

As perguntas do Quadro 11 são abertas, ou seja, não podem ser respondidas meramente com “sim” ou “não” e demandam que o interlocutor fale sobre o assunto e explique seu pensamento. Além das formas interrogativas acima, podemos convertê-las em frases imperativas para aliviar o peso da interrogação durante a etapa de problematização com os residentes (Quadro 12).

Tome cuidado com o “por que?”: • a pergunta que empregamos com maior frequência “Por que?” deve ser utilizada com cautela na prática da preceptoria e na condução do grupo. O problema está no fato de que uma pergunta iniciada com “Por que” comumente traz a necessidade de uma justificativa, o que pode fazer com que o interlocutor sinta-se constrangido. “Por que?” obriga o indivíduo a justificar-se pelo que disse, ao invés de trazer à luz aspectos ainda não conhecidos sobre o seu pensamento. Depois de explorado o conhecimento do grupo, pode-se usar o “Por que?” para elucidar alguns pontos ainda não respondidos, como frequentemente se faz ao se elaborar perguntas focadas e fechadas durante a entrevista clínica.

Esclareça as lacunas de conhecimento: • as perguntas exploradoras listadas acima, são apenas exemplos e não devem ser usadas de forma literal. Da mesma forma que durante uma consulta médica são utilizadas perguntas abertas para que o paciente fale livremente sobre seus problemas, neste momento a mesma atitude deve ser adotada. Primeiramente, perguntas abertas para explorar o conhecimento dos participantes, seguidas de perguntas focadas, para elucidar aspectos não relatados pelos mesmos. De acordo com as informações levantadas, o facilitador deve pedir ao grupo que lhe esclareça aspectos não elucidados durante a discussão. Lembre-se de que o seu objetivo é chegar às questões de estudo e não apenas ficar explorando o conhecimento dos residentes. Quando uma lacuna estiver demarcada para o facilitador, por exemplo, quando ele perceber que o grupo não tem clareza sobre a diferença entre demência e delirium, ele deve explicitar o fato aos residentes dizendo simplesmente “me parece que não temos muito claro aqui qual a diferença entre demência e delirium”. Essa lacuna demarcada e explicitada ao grupo está a um passo de ser transformada em questão de estudo.

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Formulação das questões de estudoEm todos os fascículos, questões de estudo previamente formuladas durante a elaboração de cada oficina estarão disponíveis. Essas questões de estudo foram discutidas pelos organizadores de cada oficina como um repertório mínimo de perguntas necessárias para se alcançar os objetivos das atividades. Elas estão descritas nos fascículos apenas para orientar o facilitador durante as etapas. Embora elas já estejam escritas no formato SMART, é necessário que o grupo de residentes construa suas próprias questões a partir da problematização dos casos, como descrito a seguir. Caso um grupo levante questões mais elaboradas, para além do mínimo previsto, não há problema nenhum em trabalhá-las. A sugestão é de que o facilitador tenha os critérios SMART em mente, enquanto auxilia os residentes na elaboração das perguntas. SMART é um acrônimo mnemônico em inglês elaborado na década de 1980 por George T. Doran18, que serve para ajudar na delimitação de objetivos de trabalho. Em poucas linhas, os critérios SMART remetem à ideia de que, sempre que traçamos um objetivo a ser alcançado devemos verificar se ele é eSpecífico, Mensurável, Alcançável, Relevante/Realístico e Temporizado. Com esses citérios, pode-se analisar a viabilidade de um objetivo, seja ele grande (dois anos de residência) ou pequeno (uma pergunta de estudo). Elaborar questões SMART não é uma tarefa simples. Por esse motivo sugere-se que o facilitador analise as questões de estudo propostas nos fascículos e julgue se elas são SMART ou não. Tendo em mãos as questões, é mais fácil para o facilitador saber orientar a discussão com o grupo. Lembre-se que grupos iniciantes terão maior dificuldade para formular as questões de estudo e, nesses casos, o facilitador poderá ajudá-los mostrando como transpor da inquietação à pergunta SMART. À medida que os grupos avançam nas atividades, o processo se torna mais simples e a intervenção do facilitador torna-se cada vez menos necessária.

Considerando essas dificuldades, uma oficina específica sobre esse tema foi elaborada para o Multiplica, que aborda os conceitos SMART, PUNs e DENs19, com o objetivo de capacitar o preceptor e direcionar/orientar os estudos dos seus residentes. Ao final, seja no quadro branco ou no flipchart, as questões deverão estar escritas claramente, e não apenas colocadas como tópicos de estudo. O Quadro 13 ilustra a diferença entre perguntas que atendem aos critérios SMART e perguntas que não atendem.

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13. Comparação entre questões que contemplam e questões que não contemplam os conceitos SMART

SMART

Qual a apresentação clínica da bronquiolite?

Em diabéticos com risco cardiovascular elevado, qual a efetividade das estatinas na redução de mortalidade por infarto do miocárdio?

Quais as medidas terapêuticas possíveis para casos de dor crônica por gonartrose?

Frente a um paciente previamente hígido que se apresenta com perda progressiva de memória há seis meses, com 16 pontos no mini-exame do estado mental, quais as principais hipóteses etiológicas?

Não-SMART

Bronquiolite - clínica

Estudar estatinas. Funcionam?

Dor de joelho - como tratar?

Como identificar as causas de demência, quais exames solicitar e como confirmar cada causa?

Fonte: elaborado pelos autores

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Por fim, retomando o exemplo utilizado na Problematização, havia uma lacuna de conhecimento pronta para ser transformada em questões de estudo. Depois de enquadrá-la com a frase “me parece que não temos muito clara aqui qual a diferença entre demência e delirium”, não é necessário que o facilitador insista nesse tema, uma vez que já está nítido que o grupo precisará se aprofundar no assunto. A única preocupação é transformá-la em questões de estudo SMART. Alguns exemplos podem ser observados no Quadro 14.

Uma vez elaboradas as questões de estudo, cada grupo com seu conjunto de questões, irá se debruçar sobre a literatura disponível. É aconselhável que os residentes tenham acesso a fontes atualizadas para responder às suas questões. Nas oficinas do PRMFC-SMS-Rio foram utilizados tanto fontes eletrônicas quanto livros-texto de Medicina de Família e Medicina Ambulatorial. Uma vez concluída a fase de estudo, segue-se para a etapa de apresentação do estudo realizado.

Dinâmicas de compartilhamento do estudo dirigido no grande grupo O estudo dos temas propostos durante a oficina não basta por si só. Ao final de cada etapa de estudo, os residentes devem formar novamente o grande círculo, de modo que todos possam ter contato visual com os colegas. Compartilhar o que se aprendeu com os colegas e colocar-se aberto às críticas durante a apresentação é fundamental para a construção de indivíduos críticos e questionadores. Cada uma das questões de estudo levantadas deve ser debatida e respondida pelo grupo. Geralmente, quando se trabalha com um grupo desinibido e motivado, não há muita preocupação com o que possa dar errado nessa etapa, pois naturalmente os residentes discutem o que estudaram, envolvendo-se em um debate construtivo, sem muita necessidade de intervenção do facilitador. Contudo, dependendo dos participantes ou do tema trabalhado, pode ser necessário que o facilitador tenha que interferir em algum momento para ajudá-los. Algumas situações problemáticas serão ilustradas a seguir, bem como algumas sugestões para solucioná-las.

QUA

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14. Questões de estudo formuladas a partir de uma lacuna de conhecimento delimitada

LACUNA DE CONHECIMENTO

“Parece-me que não temos muito clara aqui qual a diferença entre demência • e delirium!”

QUESTÕES

“Diferencie os conceitos de demência e delirium.”•

“Qual a diferença entre demência e delirium quanto à apresentação clínica?”•

“Qual a diferença entre demência e delirium quanto às causas etiológicas?”•

“Quais os fatores predisponentes para demência e delirium?”•

Fonte: elaborado pelos autores

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Residentes que falam muito:• todo grupo tem algum residente mais falante e participativo, que leu algo a respeito sobre o que se está discutindo, que viu um caso parecido ou que tem alguma opinião muito contundente sobre um determinado assunto. Residentes mais tímidos, que estão em um grupo com alguém muito falante, sentem-se protegidos, pois não terão que se expor, já que o residente falante fará isso antes de todos os demais. Assim, a tendência é que o residente mais falante chame a atenção do facilitador, monopolizando a discussão no grupo. Com isso, os residentes mais tímidos não serão chamados para emitir suas opiniões ou explicar um tema, tornando mais pobre o debate. Mesmo que o residente muito participativo seja inteligente e tenha boas contribuições para o grupo, deve-se dar oportunidade para que todos os residentes expressem suas opiniões. O residente que quer sempre dar a sua opinião, mas que carece de conhecimento, pode perturbar a condução da atividade por chamar demasiadamente a atenção para si. Ele também será visto pelos tímidos como um escudo, mas invariavelmente o grupo ficará cansado das suas participações. Para evitar essas situações, posicione-se no centro do círculo e use seu corpo para direcionar as falas dos residentes. Olhe para cada um deles e faça as perguntas necessárias para provocá-los à discussão, por exemplo:“O que você achou disso que o seu colega falou?”, “Você concorda com a fala do seu colega?”, “Segundo o que ele falou agora, qual seria então a sua conduta nesse caso?”. Coordenar as falas dos residentes é estratégico para que eles percebam a necessidade do engajamento de todos na discussão. Assim, o residente muito falante compreenderá rapidamente que não conseguirá ocupar o centro das atenções.

Residentes que nunca falam:• é o caso oposto do residente muito falante. Geralmente têm receio de se expor e de passar vergonha frente aos demais participantes. Use a mesma tática de se posicionar no centro do círculo e estimular a participação dos residentes com perguntas provocadoras. Quanto mais cedo o facilitador tomar essa postura, menos incomodados ficarão os residentes e mais desinibidas serão as suas falas.

Pouca participação dos residentes: • todas as atividades do Multiplica dependem da participação ativa dos residentes para o seu sucesso. Além das táticas descritas acima, ao final de cada atividade existe uma etapa da avaliação coletiva. Nesse momento é muito importante que o facilitador seja sincero ao apontar a falta de participação do grupo como um ponto negativo e reforçar que nas atividades seguintes, o grupo deve se esforçar para modificar sua postura.

Grupo pouco questionador: • diferentemente do grupo pouco participativo, um grupo pouco questionador pode ser resultado não de uma indisposição para o debate, mas de uma não familiaridade do grupo quanto à profundidade dos temas trabalhados. Diante de um grupo ainda com dificuldades clínicas fundamentais, invariavelmente será mais difícil de se conseguir discutir temas mais elaborados, tais como prevenção quaternária, decisão compartilhada, pacientes complexos e multimorbidade. Quando o facilitador percebe que seu grupo tem dificuldades fundamentais, uma boa atitude pode ser a de procurar direcionar um pouco mais o grupo, da mesma forma que se faz quando se discute um caso com um residente novato e despreparado para a prática. Nessa situação deve-se reforçar o que ele fez corretamente e buscar dar algumas dicas e informações breves sobre o tema, para que esse residente tenha substrato e possa discutir o caso clínico. Do contrário, ele ficará acanhado e com receio de parecer ignorante na frente do preceptor mais experiente.

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Opiniões divergentes:• a princípio podem parecer um problema, mas é desejável que elas aconteçam. Comumente os residentes chegam ao programa de residência recém-saídos da graduação em medicina, onde foram condicionados a decorar fluxogramas, doses de medicamentos e critérios diagnósticos. Estar diante de divergências de opiniões e de recomendações contraditórias entre entidades médicas é um passo decisivo para se tornarem profissionais questionadores e não apenas seguidores de protocolos. Quando as divergências de orientações teóricas aparecerem, o facilitador deve aproveitar para questioná-los sobre essas discrepâncias, ao invés de apenas tomar partido por uma ou outra conduta. Situações polêmicas aparecerão durante as oficinas. O facilitador deve problematizar essas divergências e alertar para que sejam debatidas no grupo. Quando houver divergência de opinião entre os residentes, procure abrir o debate, aproveitar as opiniões dos envolvidos e anotá-las no quadro branco ou flipchart.

Como e quando usar o FlipchartDurante os momentos de estudo é muito importante fazer com que os residentes aprofundem seus conhecimentos sobre o tema proposto, sintetizem as ideias levantadas e consigam transmiti-las aos colegas. Como aponta Trisha Greenhalgh14, um bom residente deve ser capaz de manejar o conhecimento, ou seja, saber encontrá-lo, avaliá-lo, sintetizá-lo e compartilhá-lo. Não basta que eles estudem. Devem avaliar criticamente o que encontram, e, para tanto, compartilhar com os colegas do grupo e receber críticas e dúvidas levantadas pelos colegas. Isso faz com que a cada nova sessão estejam mais hábeis no manejo do conhecimento.

O motivo de se utilizar o flipchart está diretamente ligado à forma de apresentá-lo, quando cada pequeno grupo usará a folha preparada na sessão para ilustrar alguns pontos de estudo, evitando que a apresentação seja uma mera fala sobre o tema. Por isso, quando a sessão de estudo estiver transcorrendo, é importante que o facilitador ofereça suporte aos grupos, dando sugestões e orientando sobre a forma e o conteúdo a ser escrito no flipchart. Estimule os grupos para que as fontes bibliográficas, os níveis de evidência e informações relevantes estejam bem descritos na folha.

Entretanto, dependendo do grupo envolvido, pode acontecer que essa técnica não funcione adequadamente. Um problema comum de acontecer é a polarização dentro do pequeno grupo, quando apenas um ou dois residentes se concentram sobre o trabalho e o restante do grupo acaba por se dispersar. Também pode ser problemático o momento da apresentação com o uso do flipchart, pois com apenas uma pessoa apresentando oralmente pode-se reproduzir justamente a mesma metodologia antiga e passiva das aulas expositivas. Outra limitação está no fato de que os grupos que não estudaram as perguntas que estão sendo apresentadas não se apropriam das perguntas dos outros colegas. Por isso, o ideal é que vários integrantes de cada pequeno grupo também exponham ao grande grupo o que estudaram e estimulem os colegas a refletir, de modo a gerar um debate sobre o tema. O facilitador pode problematizar novamente com o grupo, de modo a envolver todos os participantes nas soluções às questões levantadas.

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Outras táticas podem ajudar para que a discussão se enriqueça. Evite que a apresentação dos temas estudados se resuma a uma apresentação e leitura de flipchart. Oriente para que o grupo responsável pelo estudo não seja o primeiro a falar. Por exemplo, com a turma dividida em três pequenos grupos, proponha que um dos outros dois seja o primeiro a falar sobre o tema, deixando o grupo responsável pelo estudo encarregado de corrigir e esclarecer as dúvidas dos colegas. Isso pode gerar uma competição benéfica entre os residentes, tornando a atividade mais dinâmica, ao que denominou-se “Técnica Pingue-Pongue”. Além disso, intervenha para fazer com que todos os residentes falem e se exponham. Por fim, evite explicar o tema abordado. Lembre-se que o papel do facilitador não deve ser o de explicar o tema em questão para os residentes, mas sim o de provocá-los ao questionamento e ao estudo. Faça isso apenas quando as informações apresentadas forem muito divergentes em relação ao que as evidências médicas apontam.

AvaliaçãoAo final da oficina é importante que o grupo faça uma avaliação das atividades e conteúdos trabalhados 20. Trata-se de uma medida extremamente relevante para melhorar a objetividade e o desempenho do trabalho em equipe. Como todas as atividades do Multiplica estão fundamentadas no trabalho em grupo, no qual cada participante tem sua importância para o sucesso da atividade, deve-se criar o hábito de avaliar e criticar o seu desempenho ao final. Nas primeiras vezes será natural que o grupo de residentes seja conservador quanto à avaliação, fazendo comentários genéricos e despersonalizados, tais como: “foi bom”, “gostei muito”, “aprendi bastante”. À medida que o grupo se conhecer melhor e que conflitos aparecerem, a sessão de avaliação será muito útil para administrá-los e levar o grupo à melhoria contínua do trabalho.

A dinâmica é bastante simples e deve ser objetiva e direta. Cada participante deve falar brevemente sobre três aspectos:

Como foi a atividade para ele.1.

Como foi a sua participação durante a atividade.2.

Como foi a participação do grupo.3.

Mesmo em grupos mais experientes, alguns problemas comuns podem acontecer. O primeiro deles é retomar o tema que foi trabalhado e reabrir para novas problematizações. Isso acontece invariavelmente quando o grupo realmente se aprofundou no tema e se sensibilizou. Nesse momento o facilitador deve relembrar que a discussão do tema pode ser retomada mais tarde, mas que, naquele momento, todos devem se ater à avaliação. Outro problema comum acontece quando grupos que estão desestimulados no trabalho, criam um ambiente de cumplicidade no qual todos pactuam por não se esforçar e acabam sendo superficiais na avaliação. Possivelmente, o grupo não perceba o que está acontecendo, mas, assim que o facilitador notar a situação, deve intervir para que o grupo mude sua dinâmica, direcionando suas críticas na atitude do grupo e não personalizando exemplos de residentes “bons” ou “maus”. Algumas técnicas de comunicação para conduzir esse tipo de situação serão abordadas nos fascículos do módulo “Competências para a Docência”. Por fim, uma ótima medida é tomar notas da avaliação de cada residente em uma folha de flipchart ou em um quadro branco. Registrar pode ajudar para que o grupo se torne cada vez mais agente do seu próprio aprendizado e perceba sua evolução ao longo do tempo.

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