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Linguagem & Ensino, Vol. 8, No. 1, 2005 (123-148) Metodologia sócio-interacionista em pesquisa com professores de línguas: revisitando Goffman (Using socio-interactional methodology to investigate Language teachers: Goffman revisited) Adail Sebastião RODRIGUES JÚNIOR Universidade Federal de Minas Gerais ABSTRACT: Since the 1950s, sociological inquiry has witnessed the growth of Interactional Analysis and its importance to Anthropology, Social Psychology, Psychiatry, Discourse Analysis and Sociology itself. Centered around Goffman’s theoretical and methodological thematic issues, this essay briefly presents Goffman’s influence on Sociolinguistic research, given that the latter’s several tried-and-tested methods are built upon most of the topics Goffman developed throughout his academic career. Essentially, Sociolinguistic methodological tools, more precisely group sessions and participant observation, are considered here reliable instruments to analyze spontaneous talk during face-to-face interaction with Language teachers or informants. Since group sessions and participant observation are useful methods to investigate how language is used as a meaning-making mechanism within educational settings, this essay aims at suggesting some techniques to research how Language may

Metodologia sócio-interacionista em pesquisa com ... · normas ou regras sociais da cultura ... The Presentation of Self in Everyday Life ... Neste trabalho, as noções de cortesia,

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Linguagem & Ensino, Vol. 8, No. 1, 2005 (123-148)

Metodologia sócio-interacionista empesquisa com professores de línguas:

revisitando Goffman(Using socio-interactional methodology to investigate

Language teachers: Goffman revisited)

Adail Sebastião RODRIGUES JÚNIORUniversidade Federal de Minas Gerais

ABSTRACT: Since the 1950s, sociological inquiry haswitnessed the growth of Interactional Analysis and itsimportance to Anthropology, Social Psychology, Psychiatry,Discourse Analysis and Sociology itself. Centered aroundGoffman’s theoretical and methodological thematic issues,this essay briefly presents Goffman’s influence onSociolinguistic research, given that the latter’s severaltried-and-tested methods are built upon most of the topicsGoffman developed throughout his academic career.Essentially, Sociolinguistic methodological tools, moreprecisely group sessions and participant observation, areconsidered here reliable instruments to analyzespontaneous talk during face-to-face interaction withLanguage teachers or informants. Since group sessionsand participant observation are useful methods toinvestigate how language is used as a meaning-makingmechanism within educational settings, this essay aims atsuggesting some techniques to research how Language may

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teachers or informants have a good grasp of theireducational practices. Therefore, the first part of this essayis a succinct review of Goffman’s commonest studies,followed by his theoretical evolving, his contributions toEducational research, some applications to schoolethnography, and final commentaries.

RESUMO: Desde os anos cinqüenta, as perquiriçõessociológicas têm presenciado o desenvolvimento da AnáliseInteracional e sua importância para a Antropologia,Psicologia Social, Psiquiatria, Análise do Discurso e paraa própria Sociologia. Centrado nos aspectos teóricos emetodológicos desenvolvidos por Goffman, este ensaioapresenta a influência das teorias Goffmanianas sobre aSociolingüística, uma vez que seus métodos são aplicadoscom base em vários tópicos que Goffman desenvolveudurante sua carreira acadêmica. Sobretudo, asferramentas metodológicas da Sociolingüística, maisprecisamente a sessão de grupo e a observaçãoparticipante, são consideradas, neste ensaio, instrumentosconfiáveis para a análise de fala espontânea em interaçõesface-a-face com professores de línguas. Dado que a sessãode grupo e a observação participante são métodos úteispara investigar como a linguagem é usada na criação designificados dentro de contextos educacionais, este ensaiotenta sugerir algumas técnicas de pesquisa que investiguemcomo professores de línguas compreendem suas práticasdocentes. Portanto, a primeira parte deste ensaio faz umarevisão sucinta dos principais trabalhos de Goffman,seguido de sua trajetória teórica, sua contribuição paraa pesquisa em educação, algumas aplicações ao métododa etnografia da escola e comentários finais.

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KEY-WORDS: language teaching, group sessions,participant observation, field work, school ethnography,face-to-face interaction.

PALAVRAS-CHAVE: ensino de línguas, sessão de grupo,observação participante, trabalho de campo, etnografiada escola, interação face-a-face.

INTRODUÇÃO1

Desde seu trabalho de Mestrado pela Universidade deChicago, no ano de 1949, intitulado “Some Characteristics ofResponse to Depicted Experience”, Erving Goffman vem in-comodando e, ao mesmo tempo, enriquecendo as pesquisassociológicas. O incômodo surgiu do fato de que Goffman, afas-tando-se declaradamente das preocupações teóricas de suaépoca em torno de exaustivas análises macrosociais, chamoua atenção para a necessidade premente de se investigarinterações face-a-face. Segundo ele, os fenômenos sociais semanifestam nas relações entre indivíduos, em encontros soci-ais que representam, em sua essência interacional, as estrutu-ras sociais, culturais e políticas da sociedade à qual osinterlocutores pertencem.

Em virtude disso, Goffman preocupou-se, sobremodo,com as micro-análises de eventos em que indivíduos se locali-zavam frente uns aos outros, num espaço por ele denominadoterritorialidade interacional (Goffman, 1971). Inaugurou-

1 Sou grato a Cristina Magro (FALE/UFMG) e Edemar Amaral Cavalcante(FAE/UFMG) pelas valiosas sugestões a versões anteriores deste ensaio.

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se, portanto, uma nova metodologia de análise dos fenômenossociais, sobretudo aqueles fenômenos observáveis tambématravés de técnicas etnográficas de pesquisa. O próprioGoffman (1967, p.2) advoga que seus estudos interacionais“estão focados num aspecto geral de interesse dos etnógrafos,sendo alvo de constante consideração”2. Seguindo a tradiçãode Malinowski, Goffman residiu durante um ano em uma dasilhas menores do arquipélago de Shetland, Escócia, colhendomaterial etnográfico e interacional para sua tese de doutora-do3, através da observação participante em uma comunidadeagrícola (lavoura de subsistência) desta ilha. Com este traba-lho, Goffman traz à baila dos estudos etnográficos a necessi-dade de não apenas descrever a cultura observada, mas, so-bretudo, de se analisar a interação social dos sujeitos observa-dos como forma de construção de significado através do usoda linguagem.

Neste ensaio, pois, pretendo traçar a relação entre asteorias Goffmanianas e o Ensino de Línguas. A tentativa aquié de correlacionar Goffman aos métodos de pesquisaetnográfica denominados sessão de grupo (Labov, 1972;Wolfson, 1997) e observação participante (Clifford, 1998;Gillhan, 2000; Machado, 1998; Nicolau, s/d., Silva, 2000), quepodem ser utilizados em interações face-a-face com profes-

2 Minha tradução livre de: “... focus on one general issue that remains ofinterest to the ethnographer and will always have to receive someconsideration” (Goffman, 1967, p.2).3 GOFFMAN, E. Communication Conduct in an Island Community. Teseinédita de Doutorado. Chicago: Departamento de Sociologia da Universidadede Chicago, 1953.

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sores de línguas (informantes)4 em discussões queproblematizem variados aspectos de suas práticas docentes esuas conseqüentes reflexões. Antes disso, no entanto, façouma breve resenha dos principais estudos de Goffman, articu-lando-os com os métodos etnográficos de pesquisa em esco-las e suas relações com os variados discursos existentes nocontexto educacional.

REVISITANDO GOFFMAN

A principal noção que subjaz aos estudos de Goffman,como sublinha Branaman (1997, p.xlvi), é a de que o eu doindivíduo, ou ator social, é um elemento socialmente construído.Ao sistematizar as teorias Goffmanianas em quatro fundamen-tais aspectos, Branamam (ibid.) esclarece que o primeiro as-pecto demonstra a essência performática do eu que os atoressociais imputam à interação com outros interlocutores. O se-gundo aspecto indica que a capacidade do indivíduo em man-ter um grau de respeitabilidade de seu eu frente a outrosinterlocutores depende do acesso que aquele indivíduo tem àsnormas ou regras sociais da cultura dominante. O terceiroaspecto indica a concepção que Goffman possui sobre a natu-reza da vida social, em cujas análises este eminente sociólogoe antropólogo utilizou diversas metáforas para se referir aoseventos do cotidiano, tais como, teatralidade, jogos, dramas,

4 Embora a definição de informante, segundo Spradley (1979, p.25), estejarelacionada a “falantes nativos” de uma determinada região, utilizo estetermo como sinônimo de professores colaboradores. Conforme Spradley(ibid., p.25), “os etnógrafos trabalham junto com os informantes a fim deproduzirem uma descrição cultural” (minha tradução). Assim, informantessão, na verdade, colaboradores (cf. Kleiman, 2002).

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dentre outras, que sinalizam o aspecto performático da vidasocial. O quarto aspecto que Branaman nos lembra é o fatode que, para Goffman, a experiência social é governada emi-nentemente por “enquadres” (frames)5, cuja relevância estáexatamente em demonstrar que os eventos, ações,performances e os eus não representam significados per se,mas dependem dos enquadres para co-construírem e repre-sentarem significados culturais através da linguagem em uso.Estes pontos teóricos permearam a carreira acadêmica deGoffman, sendo, portanto, útil explorá-los um pouco mais.

Em seu primeiro livro, The Presentation of Self inEveryday Life, Goffman (1959) preocupou-se em descrever,com detalhes, a capacidade de expressão social dos indivídu-os, por intermédio de uma ação comunicacional com intençõespreviamente calculadas e que, ao mesmo tempo, surgiam nodecorrer da interação. A idéia central desta obra é demons-trar que o eu interacional é um misto resultante, de um lado, dainteração em que o indivíduo participa e, de outro, de sua pró-pria vontade em participar de um evento social com o intuitode constituir significados e alcançar seus objetivoscomunicacionais. Nesta mesma obra, Goffman define interaçãocomo o cenário estabelecido pelos interactantes, em que estestêm oportunidade de enunciar diferentes opiniões, atentandopara os aspectos prosódicos (tom de voz), lexicais (vocabulá-rio) e textuais (argumentação) da linguagem em uso. Perce-be-se, aí, a relação intrínseca entre as teorias Goffmanianas ea Lingüística, mais especificamente a SociolingüísticaInteracional (cf. Gumperz, 1982/2002).

Seguindo esta mesma linha de pensamento, Goffman(1967, p.1) apresenta, de maneira mais sistematizada, o enfoque

5 Sigo Ribeiro & Garcez (2002) para a tradução de frame.

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de suas pesquisas. Segundo ele, o centro de suas micro-aná-lises está na observação dos gestos, olhares, posicionamentose verbalização dos participantes de um encontro social enquantoem co-presença física uns perante os outros. Em um de seusensaios mais famosos, “On Face Work” (1967, p.5-45),Goffman afirma que cada indivíduo está imbuído de uma face,ou seja, um valor social positivo que cada indivíduo requisitapara si enquanto em interação face-a-face com outros indiví-duos. Neste trabalho, as noções de cortesia, deferência, dis-crição, parcimônia, escusas, etc. ganham importância, sendocondições indispensáveis para as relações sociais entre osinterlocutores. Essencialmente, ao descrever a função socialque as faces dos interlocutores executam, Goffman esclareceque a natureza universal humana está relacionada às regrasmorais de uma dada sociedade, tendendo, pois, a se tornaruma construção social.

Refletindo acerca desses posicionamentos analíticos emque Goffman se debruçou durante toda sua carreira acadêmi-ca, um ponto parece evidenciar-se claramente em suas refle-xões: a noção de contexto. Em seu artigo “The NeglectedSituation”, Goffman (1964) esclarece que todo significado ésituado, contextual, assegurando que o contexto deve ser com-preendido como uma produção/criação conjunta de todos osenvolvidos na interação, renovando-se e recriando-se a cadamomento em que novos temas e/ou assuntos são invocadospelas necessidades interacionais dos interlocutores. É nestemarco empírico de análise de eventos sociais estabelecidosface-a-face que encontramos a famosa pergunta dos antropó-logo-lingüistas: “o que está acontecendo aqui e agora nestasituação de uso da linguagem?” (Ribeiro & Garcez, 2002, p.7).

Numa tentativa de expandir a noção de contexto,Goffman (1974), baseando-se em Bateson (2002), escreve um

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extenso ensaio sobre a influência do contexto na organizaçãoda experiência interacional dos interlocutores. Em sua obraFrame Analysis, Goffman entende enquadres como uma me-táfora tangível para se compreender o que inúmeros sociólo-gos denominam “conhecimento prévio”, “contexto”, “situaçãosocial”. Enquadres, assim, são estruturas sociais reconheci-das pelos interactantes, numa relação dinâmica de construçãode significados, tendo como principal lócus de expressão osaspectos semióticos da comunicação humana, em relação ínti-ma com a linguagem. Desta maneira, os enquadres se adap-tam às formas complexas de nossa vida cotidiana, conforme acondução interacional que elegemos uns para com os outros,dinamizando o que queremos dizer e representar. Ao apresen-tar a concepção de enquadres como uma estrutura dinâmica,flexível e sensível às influências das intenções e representa-ções dos interlocutores, Goffman estabeleceu um caráter re-corrente aos encontros sociais (1974, p.11). Em outras pala-vras, o dinamismo natural dos enquadres faz com que estespossam ser recuperados a qualquer momento da interação,sinalizando as intenções comunicativas dos falantes envolvi-dos no enlace interacional e se transformando de conformida-de com os objetivos da interação em curso. Nesta perspecti-va, Goffman privilegia o falante como agente de mudanças ede condução do envolvimento interacional.

Neste momento final de sua carreira, Goffman pendeseus esforços de pesquisa para o sujeito social enquanto agen-te e representante dos objetivos da comunicação. Ao eleger ofalante como centro de suas análises, Goffman (1979) cha-mou de footing a postura, ou alinhamento, dos interlocutoresuns em relação aos outros, esclarecendo que a projeção do eude cada indivíduo torna-se explícita e, portanto, visível eidentificável no decorrer da interação. Numa íntima relação

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com a linguagem em uso (discurso), o footing dos falantesexpressa a maneira como eles produzem e recebem aselocuções dos outros integrantes da interação, dentro de umacadeia dinâmica de relações interacionais que reproduzem asrealidades sociais de cada interlocutor, esculpindo-as no mo-mento interacional. Nesse continuum interativo, footings sãoapreciáveis de acordo com a condução que os falantes ofere-cem ao encontro social, alinhando-se mediante suas intençõescomunicativas, e modificando seus footings à medida que es-colhem outras estruturas, ou enquadres, interacionais para tor-narem manifestos seus objetivos.

Os trabalhos de Goffman ressaltaram a importância dese entender interações entre indivíduos enquanto construçõesdiscursivas que se relacionam, intrinsecamente, com as esfe-ras mais amplas do social, do político e de formações ideológi-co-culturais, dentro de um processo que retrata o todo social(macrosocial) nas manifestações interacionais dos falantes, evice-versa. Goffman, pois, demonstrou que é na esfera priva-da, na vida cotidiana, que manifestações sociais são formadas,disseminadas e legitimadas, ganhando vulto à medida que atin-gem a esfera do senso comum. Desta maneira, o discursopermeia essas manifestações interacionais, conferindo-nosmeios analíticos de observar como as macro-estruturas soci-ais estão presentes na vida cotidiana, e como esta constituiaquelas. Isto posto, pode-se dizer que Goffman foi um dosprecursores teóricos da Análise do Discurso anglo-americana(cf. Jaworski & Coupland, 2000).

Ao falecer em 1982, Goffman deixou um legado teóri-co-metodológico de inestimável importância. Seus trabalhosinfluenciam, sobremaneira, várias vertentes das ciências hu-manas, especialmente a psicologia social, a psiquiatria, a soci-ologia, o direito, os media e, sem dúvida, a lingüística aplicada.

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A grande preocupação analítica que caracterizou toda a car-reira de Goffman foi a atenção voltada para a vida cotidiana, oespaço social em que as ciências humanas buscam dados paralevar a cabo suas perquirições científicas.

CONTRIBUIÇÕES DE GOFFMAN AO ENSINO DELÍNGUAS: ASPECTOS METODOLÓGICOS

No que tange ao ensino de línguas, os estudos deGoffman contribuíram com a noção de interação para os en-contros sociais, sendo, por exemplo, a sala de aula um tipo deencontro social. Elegendo a conversação como enfoque desuas perquirições, Goffman abriu espaço teórico para o aper-feiçoamento de métodos de pesquisa em educação, enfocando,sobretudo, a interação social como forma de co-construção designificados. Erickson (1984, 1986, 1996), refinando os méto-dos Goffmanianos, aplicou-os em pesquisas etnográficas rea-lizadas em ambientes educacionais. Suas análises procuramdetalhar o comportamento humano e o significado em contex-tos interacionais escolares e relacioná-los a um contexto soci-al mais amplo. Dentro desta perspectiva, Erickson alicerçasua pesquisa no paradigma empírico de cunho interpretativo,sem, contudo, permanecer no campo positivista dosquestionamentos científicos. Este é, segundo Erickson (1986),o enfoque da pesquisa qualitativa por excelência; ou seja, sis-tematização e rigor aliados à observação, interpretação e des-crição do pesquisador. Nesta mesma linha de pensamento,Laville & Dionne (1999) elegem a metáfora de pesquisadorcomo um ator para expressarem as relações dialéticas exis-tentes entre pesquisador e sujeito de pesquisa. Tendo em mentea noção de relações dialéticas como relações discursivas di-

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nâmicas inseridas numa realidade histórica, cultural e políticaa que pertencem os sujeitos sociais envolvidos no ambiente depesquisa, esses autores advogam que

se, nas ciências humanas, os fatos dificilmente podem serconsiderados como coisas, uma vez que os objetos deestudo pensam, agem e reagem, que são atores podendoorientar a situação de diversas maneiras, é igualmente ocaso do pesquisador: ele também é um ator agindo eexercendo sua influência. (p.33)

Neste aspecto, Erickson (1984) salienta que é indispen-sável sistematizar as técnicas de coleta de dados em ambien-tes interacionais escolares, a fim de que o antropólogo-lingüis-ta possa levar a campo um ponto de vista teórico e um conjun-to de questões mais sólido, validando, assim, sua pesquisa.Assim fazendo, Erickson dialoga com Magnani (2000, p.37),quando este antropólogo esclarece que a

etnografia não é mera descrição ou recolha de dados a seremposteriormente trabalhados: o que se observa e a formacomo se ordenam as primeiras observações já obedecem aalgum princípio de classificação e, se não se propõe algum,o que vai presidir e orientar esse primeiro olhar é o sensocomum. Que é o que, precisamente, se pretende evitar.

Desta maneira, o pesquisador, considerando a escolauma pequena comunidade, passa a fazer parte do ambientepesquisado, em cuja instância social a observação ganha as-pectos participativos. O pesquisador, pois, deve se preocuparem observar o ambiente de maneira imparcial, embora partici-pando dos eventos sociais que ali se desenrolam. É impres-cindível transformar o local familiar (neste caso, a escola)em local estranho, a fim de perceber e detalhar todas as

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ações sociais que ocorrem no ambiente escolar, mesmo queessas ações sejam comuns e corriqueiras para o pesquisador(cf. Erickson, 1984, p.62-3). Nos dizeres da antropóloga MariaLúcia Montes (2000, p.301), tal atitude do pesquisador nadamais é que “[c]onverter o familiar em exótico e (...) ser capazde arrancar à banalidade do cotidiano o frescor de uma paisa-gem redescoberta, o brilho fugidio de um instante, o esboço doperfil de desconhecidos que, no entanto, têm como nós nomespróprios, sonhos, ansiedades e projetos (...)”.

Bordejando essa trajetória da pesquisa etnográfica apli-cada à pesquisa educacional, gostaria de dialogar com os tra-balhos de Kleiman (2002), sobretudo quando esta pesquisado-ra nos convida a refletir sobre a importância do papel datransdisciplinaridade em pesquisa no ramo da lingüística apli-cada. Conforme Kleiman, o redimensionamento e areelaboração das teorias e métodos de que o lingüista aplicadose vale para investigar seus problemas de pesquisa necessi-tam, com certa urgência, de dialogar com outros campos disci-plinares do conhecimento científico. Áreas como a Antropo-logia, a Etnografia da Escola, a História Oral e a SociolingüísticaInteracional têm sido, segundo Kleiman, vertentes teórico-metodológicas de capital importância para o lingüista aplicadoe seu fazer acadêmcio, científico e, sobretudo, pedagógico.Em torno dessa reflexão, percebe-se que a interface entre oInteracionismo Goffmaniano, a Etnografia da Escola e a An-tropologia, através de uma metodologia que enfatize o pesqui-sador, os sujeitos de pesquisa e os contextos sociais, culturaise históricos da própria pesquisa, pode despertar nos informan-tes/professores a reflexão crítica acerca de suas práticas do-centes.

Em virtude disso, a observação participante, cuja ca-racterística principal é a inserção do pesquisador no sistema

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de relações sociais, políticas e culturais da organização ou co-munidade que investiga, considera a dimensão subjetiva do pes-quisador uma condição sine qua non para a constituição designificados e, conseqüentemente, para a obtenção de dadosque expressem, com mais espontaneidade e naturalidade, asintenções e opiniões de seus informantes (cf. Dubet, 1996;Machado, 1998). Com base nessas premissas, a observaçãoparticipante caracteriza-se como um método de pesquisa so-bretudo descritivo, interpretativo e subjetivo, enfatizando a in-terpretação de significados constituídos em encontros sociaisinformais e flexíveis (cf. Gillham, 2000, p.52). Portanto, a ob-servação participante se enquadra, de maneira adequada,dentro dos fundamentos centrais da perspectiva sócio-interacionista, que vê a linguagem em uso como a instânciasocial que constitui significados dialógicos (Bakhitin, 1986),através de estratégias ou negociações interacionais em queinterlocutores se envolvem, dinamicamente, num determinadocontexto, a fim de produzirem enunciados coerentes (cf.Marcuschi, 2001, p.32-5).

TRABALHO DE CAMPO, OBSERVAÇÃOPARTICIPANTE, ETNOGRAFIA DA ESCOLA ESÓCIO-INTERACIONISMO: CONSTRUINDO

SIGNIFICADOS

O trabalho de campo é considerado ferramenta essen-cial que os antropólogos utilizam para a coleta de dados e suaposterior análise. Eleito como método central de investigaçãoda linguagem em sociedade, o trabalho de campo acena paraas interpretações dos variados contextos sociais nos quais ospesquisadores se inserem, na tentativa de extrair desses con-

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textos formas lingüísticas de significados, além de investigaraté que ponto seus informantes são capazes de manipular ocaráter social das interações em que participam (cf. Coupland& Jaworski, 1997, p.69).

Neste aspecto, o trabalho de campo retrata as relaçõesde alteridade dos sujeitos de pesquisa, explicitando suas mani-festações sociais uns com os outros. Para tanto, o pesquisa-dor precisa se inserir na comunidade pesquisada, elegendo ummétodo de investigação em que exercerá uma relação socialbem próxima com seus informantes: aí surge a observaçãoparticipante. Em outras palavras, para que o/a pesquisador/aconsiga coletar dados validados para sua pesquisa etnográfica,ele/a tanto necessita observar a comunidade pesquisada quan-to participar das relações sociais dessa comunidade. Na ver-dade, antes mesmo de observar, o/a pesquisador/a precisa seinserir no contexto pesquisado e conquistar a empatia de seusinformantes, a fim de que seja criada uma relação harmônicaentre observador/a e observados (Spradley, 1979, p.78-83).Ao utilizar a metáfora “tornar-se nativo”, destacando a inser-ção social do observador na cultura observada, Silva (2000,p.96) esclarece que, no momento de se registrar os fenôme-nos sociais e culturais da comunidade pesquisada,

“[a] observação participante (...) previa uma empatia muitomaior do pesquisador com o mundo do seu pesquisado,quase que uma transferência psicanalítica, através doquestionamento da própria personalidade do pesquisadore de seus fundamentos culturais.”

Tal relação, no entanto, estrutura-se sistematicamente,o que leva algum tempo para se efetivar de maneira concreta,uma vez que, parafraseando Goffman, há todo um ritual dra-mático e ético, desde a chegada à comunidade pesquisada, a

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permissão para a pesquisa, a participação dos eventos cultu-rais e sociais que ali se desenrolam, a conquista da confiançados informantes e a coleta dos dados propriamente dita, sem-pre com a preocupação de empoderar os informantes em to-das as etapas da pesquisa, contribuindo, assim, para suaconscientização crítica enquanto agentes de mudanças (cf.Cameron et al., 2000).

Outro ponto central dessa metodologia, sobretudo quandose investiga a linguagem em uso, é o fato de que o/a pesquisa-dor/a precisa participar, durante um tempo considerável, dasrelações sociais da comunidade pesquisada. Além de apreen-der as nuances culturais desta comunidade, descrevendo-asadequadamente, o/a pesquisador/a necessita articular os tra-ços culturais determinantes e correlacioná-los à linguagem emuso, numa relação que chamo de “mão-dupla”: como a culturase representa através dos discursos dos informantes e comoesses variados discursos auxiliam na constituição da culturados observados. Apenas descrever a cultura e registrar osdiscursos ali presentes não é suficiente – o que se espera éjustamente sistematizar categorias lingüísticas mais proeminen-tes em determinado grupo de informantes e relacioná-las comas formas de construção e representação culturais. Este é oponto central da interface entre pesquisa etnográfica e lingüís-tica aplicada: conectar formas lingüísticas com práticas cultu-rais particulares (Duranti, 1997, p.84-85).

Vertendo o trabalho de campo e a observação partici-pante para a pesquisa educacional, um aspecto importante parao qual devemos debruçar nossas atenções é o fato de que,como nos lembra Erickson (1984, p.59), contextos educacio-nais não são estruturas rígidas de manifestação social, mas,sobretudo, formas complexas de representação cultural e so-cial que espelham e, ao mesmo tempo, influenciam a dinâmica

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sócio-cultural da sociedade. Uma vez eleito o ambiente esco-lar como campo de observação e participação, torna-se indis-pensável compreender que a escola é apenas um dosincontáveis meios de transmissão cultural das sociedades pós-modernas, o que conduz o/a pesquisador/a a fazer um recortede seu campo de investigação e privilegiar o local geográficoem que se situa a escola e a relação entre a escola e a comu-nidade que a circunda (id. ibid.). A partir daí, seguindo atradição etnográfica de pesquisa, torna-se indispensável ob-servar tudo o que ocorre dentro da comunidade escolar, comoprimeiro passo das investigações a que se propôs o/a pesqui-sador/a.

Um outro aspecto que Erickson (1984, p.60-61) nosadverte é a questão da subjetividade em pesquisas desse teor.Para Erickson, não há como dissociar a identidade do/a pes-quisador/a de sua participação em campo, visto que nossosanseios, comportamentos, pontos de vista e característicasinteracionais se expressam em nossas interpretações. Ericksonsalienta que a objetividade em pesquisa, conforme o paradigmapositivista, em verdade não existe: o que existe é justamenteuma subjetividade disciplinada, em que a coleta dos dadosocorre dentro da naturalidade e espontaneidade possíveis.Labov (1972), neste sentido, denominou a dinâmica dessa re-lação entre observador-observado como sendo um paradoxo:como coletar dados validados de informantes sem que o/a pes-quisador/a influencie a produção espontânea desses dados porparte dos sujeitos pesquisados? É justamente neste ponto quea observação participante é eleita como método mais viávelde coleta de dados, devido ao fato de que há uma relação maisnaturalizada entre observador e observado, o que facilita umaprodução “quase-espontânea” da fala dos informantes, embo-ra não exista uma produção de fala totalmente neutra em

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contextos de pesquisa. A influência do/a pesquisador/a sem-pre existe, tornando-se até mesmo uma necessidade (cf.Machado, 1998).

Durante todo o processo de pesquisa de campo, em queo/a pesquisador/a investiga e participa das relações sociais noambiente escolar em que está inserido, é fundamental tomarnotas e fazer observações escritas dos eventos que ali ocor-rem. Ao tomar notas, o/a pesquisador/a registra os eventosque mais se lhe sobressaíram aos olhos, anotando tais fatospara, posteriormente, recuperá-los em suas análises. Torna-se importante constar nestas notas algumas das categorias deanálise do fenômeno interacional desenvolvidas por Goffman,como, por exemplo, as características dos variados enquadresno ambiente escolar e como eles são constituídos, suas dinâ-micas e suas relações com os dicursos dos informantes(Goffman, 1974).

Após investigar o contexto escolar, chega o momentode pesquisar como os professores se relacionam com essecontexto e de que forma eles mesmos auxiliam na construçãodos significados culturais que compõem o contexto educacio-nal através de seus próprios discursos. Neste momento dapesquisa, a sessão de grupo (Labov, 1972; Wolfson, 1997)tem demonstrado ser um método que minimiza a influência doobservador sobre os observados, visto que há uma interaçãocoletiva entre os interlocutores, em cuja interação os partici-pantes produzem falas com um certo grau de naturalidade quenão se verifica em entrevistas mais estruturadas. O que sedefende em favor dessa metodologia é a atenção voltada parao(s) tema(s) proposto(s) para discussão, o que distancia a aten-ção dos interlocutores sobre o gravador e de como o/a pesqui-sador/a observa seus informantes, uma vez que este/a igual-mente participa da interação.

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Durante a sessão de grupo, um mosaico de categoriasdiscursivas emerge, dados estes que naturalmente conduzema pesquisa para a focalização de alguns fenômenos lingüísticose para-lingüísticos da fala dos informantes (estilo de fala, pau-sas, tempo de fala, hesitações, entonação, etc.). Esse enfoqueprivilegia o discurso situado, ou seja, como os falantes produ-zem significados culturais e mantêm relações sociais em con-texto; além disso, como falantes e ouvintes se inter-relacio-nam e até que ponto as intenções de quem fala são inferidaspelos seus ouvintes num jogo semântico-discursivo de varia-das significações (Gumperz, 1982/2002).

Ao vislumbrar essas categorias de análises, o/a pesqui-sador/a tem nos estudos de Goffman um arsenal teórico paraamparar suas análises e sustentá-las conforme seus propósi-tos de pesquisa. Um exemplo disso está na relação entre anoção de trabalho de face e o uso da entonação na produ-ção discursiva dos falantes. Em pesquisa com professores deinglês como língua estrangeira da rede municipal de Belo Ho-rizonte, Souki (2003) demonstrou, através da sessão de grupoe da observação participante, embora privilegiando a catego-ria interacional de footing, como a entonação empregada pe-los professores-informantes expressava suas percepções so-bre as diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais/Lín-gua Estrangeira do ensino fundamental (PCN/LE). Quandoos informantes aumentavam a entonação de seus enunciados,tornava-se clara, em alguns momentos, a importância imputa-da àquela informação, sendo que, na maioria das vezes, essainformação expressava o valor ideológico e político que os PCN/LE representavam para os professores e como estes norteavamsuas práticas pedagógicas a partir deste documento referencial.Em contrapartida, nos momentos da interação em que os in-formantes utilizaram baixa entonação foram significativas as

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discordâncias acerca da real importância e aplicabilidade dosPCN/LE em suas necessidades pedagógicas. Durante suasfalas, ao usarem entonação elevada os professores expunhamsuas faces interacionais, tornando explícita suas identidadesenquanto atores sociais engajados na melhoria de seus fazerespedagógicos, ao passo que, quando utilizavam entonação bai-xa, seus trabalhos de face, ou valor social positivo requisitadopara si mesmos e para os outros interlocutores, perdiam ênfa-se, desconsiderando, portanto, relações de parcimônia entreos temas discutidos nas sessões de grupo.

Noutras palavras, Souki mostrou que a face dos profes-sores investigados expressava características emocionais con-forme as intenções comunicativas dos falantes e as inferênciasconversacionais dos ouvintes. Ademais, Souki esclarece que,pela relação das categorias de face dos professores, do en-quadre dinâmico da sessão de grupo e algumas pistas lingüísti-cas da fala espontânea desses informantes, tornou-se eviden-te a carga ideológica dos PCN/LE sobre os professores ob-servados, fazendo com que estes utilizem-no em suas práticase reflexões pedagógicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em seu ensaio seminal intitulado “Goffman”, Lemert(1997) apresenta uma biografia acadêmica de Erving Goffmane sua importância para as pesquisas sociais da pós-modernidade. Nos tempos atuais, em que as discussões sobreeducação e sua relação com seus sujeitos integrantes perma-necem no limiar entre as necessidades fundamentais do pro-cesso pedagógico e a busca de mais explicações acerca dofenômeno de constituição dos sujeitos sócio-históricos (Silva,

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2000), as teorias de Goffman podem servir de base para es-clarecimentos sobre essas discussões vigentes. Dada aininterrupta e dinâmica troca de significações que o contextoescolar proporciona e dissemina, Goffman pode lançar luz so-bre os fenômenos interacionais que ali se expressam, ofere-cendo categorias de análise e investigação intimamente relaci-onadas com a linguagem em uso. Como sublinhou Goffman,no decorrer de seus trabalhos, as várias interações em queparticipamos ativamente são rituais que, na verdade, fazememergir nossos anseios e pontos de vistas, expondo nossasfaces conforme os enquadres que construímos dinamicamen-te com o amparo de nossos discursos.

Lemert (1997, p.xli) nos convida a refletir sobre as con-tribuições de Goffman aos estudos das ciências humanas, es-pecificamente à interação conversacional. Em suas palavras:

Se você ainda não sabe porque ler Goffman nos dias dehoje, então se pergunte como você e outras pessoas quevocê conhece exercem suas influências no mundo como eleé apresentado. Se todas as suas relações sociais sãoimportantes, todos os seus dados claros e límpidos, todasas notícias cuidadosamente dignas de crédito à medida quesão passadas para você, então Goffman pode não lhe serútil. Se, ao contrário, um telefone toca, um som estéreo estáligado, ou uma televisão anuncia sua voz em algum lugar davizinhança (...); se você foi retirado de sua leitura paraatender à necessidade de alguém com anseios totalmentediferentes daquilo que você fazia; e, se você acredita que omundo, em sua extensa dimensão, é atualmente um mundode discórdia moral, depressão social e intromissõesmediadas, cuja estrutura é a dinâmica da participação social

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ativa, então Goffman pode lhe ser útil.6

Percebe-se, então, que as relações sociais dinâmicascomuns no ambiente escolar, em cuja estrutura a complexida-de da vida social se expressa e concomitantemente se consti-tui, podem ser investigadas a partir do arcabouço teórico emetodológico que Goffman nos legou. Juntamente com as te-orias do discurso e os métodos etnográficos de pesquisa emcontextos educacionais, as categorias de expressão do eu doindivíduo e sua relação com o aspecto sócio-cultural que ocerca abarcam, sem dúvida, um elenco de fenômenos sociaisde extensa significação para as pesquisas em educação.

Neste ensaio, portanto, tentei mapear algumas teoriasque Goffman enfatizou em sua carreira acadêmica,correlacionando-as com a Etnografia da Escola, a observaçãoparticipante e a sessão de grupo. Essencialmente, neste en-saio procurei sugerir algumas categorias de análise empíricaou de campo para investigações de contextos educacionais,sobretudo com professores de línguas e suas relações com oambiente escolar a que pertencem, ressaltando, claramente, aimportância de respaldar nossas perquirições científicas neste

6 Minha tradução livre de: “If you still wonder why read Goffman today,then ask yourself how you, and others you know, work in the world as it is.If all your relations are primary, all your data are clear and clean, all yournews thoroughly trustworthy just as it is told you, then Goffman is not foryou. If, contrariwise, there is a telephone ringing, a stereo playing, ortelevision running itself off somewhere in your neighborhood (…); and, ifyou have been brought up out of the place of your reading to attend to someinterruption that required attention to another’s world, so different at themoment from that to which you are attending; and, if you believe the world,in the larger sense of the world, is today one in which the moral discord,social depression, and mediated intrusions are the working stuff of livelysocial participation, then Goffman is for you” (Lemert, 1997, p.xli).

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campo específico de pesquisa com a base teórica emetodológica do sócio-interacionismo Goffmaniano. Por fim,busquei demonstrar que é a prática social dos sujeitos que con-fere sentido ao contexto em que eles atuam, bem como asregras de conduta e os preceitos ideológicos inerentes ao es-paço social, ou enquadre, legitimam ou não os vários compor-tamentos dos agentes sociais inseridos nesses contextos. En-tender, pois, o limiar entre o sujeito e seu espaço de atuaçãosocial é, sem dúvida, um desafio àqueles que investigam aEscola e seus discursos, em cuja dinâmica Goffman pode cla-rear rumos e propor novas formas de reflexão.

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Recebido: Junho de 2004.Aceito: Julho de 2004.

Endereço para correspondência:

Adail Sebastião Rodrigues JúniorRua Riachuelo, 1.80330720-060 - Padre EustáquioBelo Horizonte - [email protected]