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ADMINISTRAÇÃO: ENSINO E PESQUISA RIO DE JANEIRO V. 18 No 1 P. 39–67 JAN-ABR 2017 39 METODOLOGIAS ATIVAS NAS AULAS DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA: ALTERNATIVA AO MÉTODO TRADICIONAL DE ENSINO PARA O DESPERTAR DA MOTIVAÇÃO INTRÍNSECA E O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA ACTIVE METHODOLOGIES IN FINANCIAL MANAGEMENT CLASSES: AN ALTERNATIVE TO THE TDITIONAL TEACHING METHOD FOR AWAKENING INTRINSIC MOTIVATION AND DEVELOPING AUTONOMY Recebido em: 11/08/2016 • Aprovado em: 14/10/2016 Avaliado pelo sistema double blind review Editora Científica: Claudia Stadtlober DOI 10.13058/raep.2017.v18n1.473 GUILHERME MUNIZ PEREI CHAVES URIAS [email protected] UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA LUCIANA APARECIDA SILVA DE AZEREDO FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA VIDA CRISTÃ RESUMO Este artigo apresenta uma experiência pedagógica na disciplina Administração Financeira. Seu objetivo foi o de investigar, nas respostas a um questionário, se a atividade educativa baseada em metodologias ativas, apli- cada na disciplina Administração Financeira, no curso de graduação em Administração de Empresas, pode oferecer espaços formativos que potencializem o desenvolvimento da motivação intrínseca dos educandos a ponto de se revelar pertinente para o desenvolvimento da autonomia desses alunos e, assim, caracterizar-se como alternativa viável para se colocar em prática a pedagogia freiriana. Para tanto, a estratégia de ensino adotada visou possibilitar a interpretação de problemas que simularam situações reais. Foi aplicado um ques- tionário e utilizou-se a análise de conteúdo bardiniana para verificar as impressões dos educandos sobre a própria atividade e a respectiva contribuição para a formação profissional e pessoal desses aprendizes. A aná- lise empreendida aponta para o fato de as metodologias ativas serem viáveis ao método tradicional de ensino no que tange ao despertar do interesse, da motivação e do desenvolvimento quanto à aprendizagem. Aponta, também, para sua consonância com a pedagogia freiriana. Palavras-chave: Metodologias ativas; Ensino Superior; Administração financeira; Paulo Freire. ABSTRACT is article presents a pedagogical experience in Financial Management classes. e objective of this study was to investigate whether the educational activity based on active methodologies, applied in the Financial Management classes in an undergraduate course in Business Administration, can offer formative spaces that enhance the development of the students’ intrinsic motivation to the point of being relevant to the development of their autonomy and thus to be characterized as a viable manner of putting the Freirean pedagogy into practice. In order to do so, the adopted teaching strategy aimed at creating opportunities for interpretating problems that simulated real situations. A questionnaire was applied and the Bardinian content analysis was used to verify the students’ impressions about the activity itself and its respective contribution to their professional and personal training. e analysis points to the fact that active methodologies are viable alternatives to the traditional method of teaching regarding the awakening of interest, motivation and the development of learning. It also points to their consonance with the Freirian pedagogy. Keywords: Active methodologies; Higher education; Financial management; Paulo Freire.

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METODOLOGIAS ATIVAS NAS AULAS DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA: ALTERNATIVA AO MÉTODO TRADICIONAL DE ENSINO PARA O DESPERTAR DA MOTIVAÇÃO INTRÍNSECA E O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA

ACTIVE METHODOLOGIES IN FINANCIAL MANAGEMENT CLASSES: AN ALTERNATIVE TO THE TRADITIONAL TEACHING METHOD FOR AWAKENING

INTRINSIC MOTIVATION AND DEVELOPING AUTONOMY

Recebido em: 11/08/2016 • Aprovado em: 14/10/2016Avaliado pelo sistema double blind review

Editora Científica: Claudia StadtloberDOI 10.13058/raep.2017.v18n1.473

GUILHER ME MUNIZ PER EIRA CHAVES UR IAS [email protected] estadual paulista

LUCIA NA APAR ECIDA SILVA DE AZER EDO fundação universitária vida cristã

RESUMOEste artigo apresenta uma experiência pedagógica na disciplina Administração Financeira. Seu objetivo foi o de investigar, nas respostas a um questionário, se a atividade educativa baseada em metodologias ativas, apli-cada na disciplina Administração Financeira, no curso de graduação em Administração de Empresas, pode oferecer espaços formativos que potencializem o desenvolvimento da motivação intrínseca dos educandos a ponto de se revelar pertinente para o desenvolvimento da autonomia desses alunos e, assim, caracterizar-se como alternativa viável para se colocar em prática a pedagogia freiriana. Para tanto, a estratégia de ensino adotada visou possibilitar a interpretação de problemas que simularam situações reais. Foi aplicado um ques-tionário e utilizou-se a análise de conteúdo bardiniana para verificar as impressões dos educandos sobre a própria atividade e a respectiva contribuição para a formação profissional e pessoal desses aprendizes. A aná-lise empreendida aponta para o fato de as metodologias ativas serem viáveis ao método tradicional de ensino no que tange ao despertar do interesse, da motivação e do desenvolvimento quanto à aprendizagem. Aponta, também, para sua consonância com a pedagogia freiriana.Palavras-chave: Metodologias ativas; Ensino Superior; Administração financeira; Paulo Freire.

ABSTRACTThis article presents a pedagogical experience in Financial Management classes. The objective of this study was to investigate whether the educational activity based on active methodologies, applied in the Financial Management classes in an undergraduate course in Business Administration, can offer formative spaces that enhance the development of the students’ intrinsic motivation to the point of being relevant to the development of their autonomy and thus to be characterized as a viable manner of putting the Freirean pedagogy into practice. In order to do so, the adopted teaching strategy aimed at creating opportunities for interpretating problems that simulated real situations. A questionnaire was applied and the Bardinian content analysis was used to verify the students’ impressions about the activity itself and its respective contribution to their professional and personal training. The analysis points to the fact that active methodologies are viable alternatives to the traditional method of teaching regarding the awakening of interest, motivation and the development of learning. It also points to their consonance with the Freirian pedagogy.Keywords: Active methodologies; Higher education; Financial management; Paulo Freire.

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INTRODUÇÃO

O novo perfil de aluno ingressante, o uso da tecnologia e a adoção de metodologias ativas nas aulas  são temas recorrentes nas reuniões, nos congressos e artigos sobre o Ensino Superior.  Diante desse panorama, surgem inúmeros questionamentos acerca de aspectos pedagógicos, mais especificamente, sobre “como” apresentar os conteúdos de formas dife-rentes, motivadoras, significativas e relacionadas ao dia a dia do “novo aluno”.

De certo, vive-se em um momento de ruptura diante de alunos que estão interessados em experiências diferentes e que têm necessidades e de-sejos que nem sempre se consegue identificar ou se entende. Esses “novos” alunos chegam ao nível superior, sobretudo, à rede particular, com poucos conhecimentos prévios; sem disponibilidade de tempo para se dedicar aos estudos devido ao trabalho e, muitas vezes, à família. Além disso, muitos deles têm a convicção de que a obtenção do diploma universitário lhe ga-rantiria, por si só, ascensão profissional.

Um diploma, todavia, não é mais garantia de empregabilidade, pois o mercado de trabalho atual valoriza qualidades e habilidades como a cria-tividade, inovação, inteligência interpessoal, administração de conflitos, o trabalho em equipe, entre outras características, o que aponta para a neces-sidade de mudança no perfil dos profissionais que se formam. Em outras palavras, a formação de futuros profissionais deve ir além dos conhecimen-tos técnico e teórico. E “é nesse cenário de rápidas, amplas e profundas mudanças sociais e educacionais [...] que temos de pensar, enquanto docen-tes, o que estamos fazendo, seja com os outros, seja com cada um de nós mesmos” (VEIGA-NETO, 2006, p. 35).

Diante desse panorama, surgem inúmeros questionamentos a res-peito de aspectos pedagógicos, entre eles, sobre a adoção das metodologias ativas como o Problem Based Learning (PBL) e o Blended Learning (BL), vistas como opções ao método tradicional de ensino, podendo contribuir para resultados mais significativos do ponto de vista da motivação e da aprendi-zagem dos alunos.

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O PBL é uma metodologia de ensino bastante difundida na área da saúde, amplamente utilizada em alguns cursos de Enfermagem e Medicina do Brasil e de diversos países. Nos últimos anos, a referida metodologia passou a ser adotada em cursos de graduação em Direito, Administração de Empresas, Engenharias, entre outros, pois, segundo Cabral e Almeida (2014, p.02), “os alunos formados por esta metodologia são mais indepen-dentes e possuem rotina de estudos mais efetiva quando comparado a alu-nos formados por métodos tradicionais”.

De fato, ao analisar o cenário acadêmico, toma-se contato com pes-quisas que evidenciam, nos respectivos resultados, os indícios das especi-ficidades do PBL nas atividades educativas desenvolvidas. Almeida (2015) destacou que, apesar dos problemas enfrentados no processo de implemen-tação da metodologia PBL no curso de medicina da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), os objetivos da proposta educacional foram alcançados, pois os resultados indicaram que houve a criação de espaços formativos para o desenvolvimento da autonomia dos educandos partici-pantes da investigação. Da mesma forma, Martins et al. (2016) constataram que os educandos ampliaram o potencial de resolução de problemas de ordem prática e profissional mediante a operacionalização da metodologia PBL nas aulas de Contabilidade Gerencial, no curso de Ciências Contábeis de uma Instituição de Ensino Superior.

No cenário internacional, destaca-se a pesquisa desenvolvida por Kong et al. (2014), cuja metanálise dos dados indicou que a metodologia PBL pode potencializar o desenvolvimento do pensamento crítico dos estu-dantes chineses ao longo do curso de graduação em Enfermagem. Já Free-man e colaboradores (2014) desenvolveram uma pesquisa comparando os resultados das avaliações dos alunos de graduação em Ciências, Tecnolo-gias, Engenharias e Matemática, aplicadas sob metodologias tradicionais e metodologias ativas de ensino. Os resultados evidenciaram que os apren-dizes participantes das aulas tradicionais foram 1,5 vez mais propensos a falhar dos que os estudantes submetidos às atividades educativas baseadas em metodologias ativas.

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O Blended Learning (BL) foi criado a partir da necessidade do mundo corporativo de oferecer cursos em que os trabalhadores pudessem estudar, de forma contínua, tanto no próprio local de trabalho quanto em suas ca-sas. Esse método é utilizado há mais de 20 anos e foi sendo modificado ao longo desse período (SHARMA, 2010).

Quando aplicado à Educação, destacam-se os seguintes aspectos me-todológicos do BL (SHARMA, 2010): (1) a integração do ensino presencial intercalado com abordagens em ambientes virtuais acessados por meio da internet; (2) a combinação de ferramentas e mídias eletrônicas que possibi-litem o estudo por meio do acesso ao ambiente virtual; e (3) a combinação de uma série de abordagens pedagógicas, independentemente da tecnolo-gia usada para o desenvolvimento da aprendizagem.

Ante o exposto, neste trabalho, descreve-se uma experiência peda-gógica baseada nos aspectos metodológicos do PBL e do BL nas aulas de Administração Financeira, do curso de Administração de Empresas de uma faculdade privada situada na região do Vale do Paraíba. O objetivo da pro-posta pedagógica foi criar condições para o desenvolvimento das compe-tências necessárias para que os futuros administradores possam criar um sistema financeiro, alimentá-lo e, a partir da análise de indicadores, tomar decisões estratégicas valendo-se dos saberes específicos da disciplina. Para tanto, a estratégia de ensino foi desenvolvida com a finalidade de permitir aos alunos a interpretação de problemas que simularam situações reais, cujo cenário apresentou aos aprendizes alguns dos complexos desafios vivi-dos pelos administradores financeiros na atualidade.

Vale mencionar que, na perspectiva deste estudo, confia-se na sin-gularidade dos alunos, das salas, das instituições, dos professores e de ou-tros fatores envolvidos no processo educativo, portanto, não se intenciona apontar “receitas prontas” para serem reproduzidas em outros contextos, mas sim problematizar questões atuais do campo educacional, especial-mente, a utilização de metodologias ativas. Afinal, formação de professo-res, nas palavras de Hardt (2006, p.7), “não significa dar um mesmo for-mato a sujeitos distintos, mas significa sensibilizar cada um a assumir sua própria possibilidade”. Em outras palavras, cabe a cada docente refletir

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sobre sua própria prática constantemente, “compreendendo-se em per-manente transformação e em construção [...] buscando alternativas mais honestas às dificuldades pedagógicas em nossos contextos de trabalho” (HARDT, 2006 p. 8).

O objetivo da presente pesquisa foi o de investigar, nas respostas oferecidas pelos educandos a um questionário, se a atividade educativa baseada em metodologias ativas, aplicada na disciplina de Administração Financeira, no curso de graduação em Administração de Empresas, pode oferecer espaços formativos que potencializem o desenvolvimento da mo-tivação intrínseca dos educandos a ponto de revelar-se pertinente para o de-senvolvimento da autonomia desses alunos e, assim, caracterizar-se como alternativa viável para se colocar em prática a pedagogia freiriana.

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REFERENCIAL TEÓRICO

As metodologias ativas, em pauta no cenário educacional atual, têm ori-gens remotas. Dentre as bases que as fundamentam, destacam-se os fi-lósofos Sócrates, para o qual o não saber e o amor pela sabedoria eram mobilizadores, e Confúcio; a Escola Nova de Dewey, na qual se aprende fazendo; o construtivismo de Piaget; o sociointeracionismo vygotskiano, segundo o qual as interações sociais e o desenvolvimento das funções psi-cológicas superiores têm especial relevância; o educador brasileiro Paulo Freire, com sua pedagogia problematizadora que visa à liberdade e à au-tonomia do aluno, baseada na Teoria da Dialética do Conhecimento, pela qual a prática orientada pela teoria levaria a uma reflexão a respeito dos problemas ou impasses da vida real com o intuito de a ela retornar para transformá-la.

As metodologias ativas estão fundamentadas na ativação do processo da aprendizagem por meio da interação do estudante com o assunto em estudo. Para se envolver ativamente no processo de aprendizagem,

[...] o estudante deve ler, escrever, perguntar, discutir, argumentar, contrapor, por meio da resolução de problemas e do desenvolvimento de planos de estudo e/ou projetos. Além disso, o estudante deve realizar tare-fas mentais de alto nível, como análise, síntese e avaliação. Nesse sentido, as metodologias que promovem aprendizagem ativa podem ser definidas como sendo um conjunto de atividades, devidamente fundamentadas e ar-ticuladas, que ocupam o estudante em fazer alguma coisa e, ao mesmo tempo, o leva a pensar de modo fundamentado sobre as coisas que está fazendo. (ALMEIDA, 2015, p. 27).

Para Berbel (2011), as metodologias ativas apresentam-se com uma possibilidade para a promoção de motivação, interesse, criatividade e au-tonomia nos alunos, uma vez que se propõem a fortalecer no educando sua percepção de que ele mesmo é a “origem da própria ação, ao serem apresentadas oportunidades de problematização de situações envolvidas na programação escolar, de escolha de aspectos dos conteúdos de estudo,

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de caminhos possíveis para o desenvolvimento de respostas ou soluções” (BERBEL, 2011, p. 28). Nas metodologias ativas, o processo de ensino e aprendizagem envolve experiências reais ou simuladas “com o objetivo de alcançar e motivar o discente, pois diante do problema, ele se detém, exa-mina, reflete, relaciona a sua história e passa a ressignificar suas descober-tas” (BERBEL, 2011, p. 29).

As metodologias ativas, de forma geral, aspiram à formação do ser humano em caráter integral, para além do conhecimento técnico e teóri-co, à formação de indivíduos com visão global da realidade, preparando-os para buscar sempre conhecimentos que ainda não possuem, fazendo com que aprendam “colocando a mão na massa”. Segundo Berbel (2011, p. 34), a adoção das metodologias ativas pode, gradativamente, promover “o de-senvolvimento do espírito científico, do pensamento crítico, do pensamen-to reflexivo, de valores éticos, entre outras conquistas dessa natureza [...] contribuindo para o desenvolvimento da autonomia na formação do ser humano e de futuros profissionais”. Ademais, é importante frisar a forte interação social nas atividades educativas baseadas em metodologias ati-vas. As discussões, os debates e o compartilhamento de informações entre os próprios alunos favorecem o desenvolvimento de capacidades interpes-soais e intrapessoais.

Nesse sentido, as especificidades das metodologias ativas de ensino encontram-se em sintonia com a pedagogia problematizadora de Paulo Freire (1987). Esse autor destaca que o aluno que atua toma consciência de si, ou seja, o educando para ser tem de estar sendo correto. O “colocar a mão na massa” é essencial para despertar os estudantes à reflexão. A prática aliada à reflexão, denominada, por Freire, de práxis, é a verdadeira transfor-madora da realidade. E, nessa realidade, alunos e professor, mediatizados pelo diálogo, educam-se entre si por meio da troca de experiências e de saberes. O caráter interativo no ato de educar também é marcante na obra do educador.

Freire (1987) coloca como fator condicionante do processo educati-vo a motivação intrínseca. À medida que o aluno toma consciência de si, por meio da práxis sobre o seu contexto, vai tornando-se autônomo. O

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desenvolvimento da autonomia, um dos objetivos centrais das estratégias de ensino baseadas em metodologias ativas, é potencializado por meio das atividades pedagógicas que despertam a motivação intrínseca. Nesse sen-tido, destaca-se a forte relação entre a motivação intrínseca e o desenvolvi-mento da autonomia e entende-se que o caminho aqui sugerido, partindo da estratégia de ensino que desperte a motivação intrínseca, que conduza o educando à ação e reflexão, assim, construindo uma personalidade autô-noma, é aquele que reforça a tese de que as atividades educativas baseadas em metodologias ativas podem ser apropriadas para se colocar em prática as propostas pedagógicas de Paulo Freire.

Na perspectiva do presente trabalho, o aluno motivado intrinseca-mente é aquele que se envolve na tarefa como um fim em si mesmo, usu-frui da sua realização e deixa fluir as competências na sua concretização, desse modo, percebendo a sua autoeficácia e abrindo-se para novas expe-riências (GUIMARÃES; BORUCHOVITCH, 2004).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOSA presente pesquisa caracteriza-se como qualitativa, tendo em vista que o problema de pesquisa tomou forma a partir de reflexões pessoais, condu-zindo, naturalmente, a um estudo bibliográfico que consolidou o problema e permitiu o desdobramento das inquietações apresentadas.

Ademais, esta pesquisa encaixa-se na modalidade de pesquisa parti-cipante (SEVERINO, 2007), visto que um dos pesquisadores atuou como professor pesquisador, criando, preparando, organizando, participando, re-gistrando e avaliando as atividades educativas, de forma sistemática e per-manente, durante todo período em que a pesquisa foi desenvolvida.

A pesquisa participante tem como característica principal a interven-ção na realidade com o intuito de promover a superação de determinados problemas de ordem social. Nesse sentido, essa modalidade de pesquisa enaltece a proposta de ciência que não busca um fim em si mesma, mas que se constitua em um instrumento de questionamento sistemático capaz de construir conhecimento a partir das diversas situações cotidianas (MI-NAYO, 2001).

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Nessas situações, pesquisadores e pesquisados envolvem-se e traba-lham para superar o problema da pesquisa, compartilhando ideias e cons-truindo coletivamente as possíveis soluções. Há um envolvimento ativo do sujeito-objeto com a pesquisa.

Para a análise dos dados, foram utilizados os pressupostos de Bardin (2009) acerca da análise de conteúdo para trazer à tona o sentido manifes-to ou oculto das comunicações. A análise de conteúdo é uma técnica de apreciação das comunicações que se preocupa em analisar qualquer tipo de material linguístico ou fatos observados pelo pesquisador (SILVA; FOSSÁ, 2015).

Por meio de instrumentos de uma investigação documental laborio-sa, o método da análise de discurso permite um afastamento da perigosa compreensão espontânea dos fatos sociais, oferecendo resistência à evi-dência do saber subjetivo. Ademais, nega a intuição, aproveitando o saber construído, deixando de lado a tentação ingênua do aprender intuitivo das significações dos protagonistas sociais (BARDIN, 2009).

Para tanto, faz-se necessário um desvio metodológico e o emprego de técnicas específicas para se superar a incerteza do real significado da mensagem contida em um discurso, assim como para enriquecer a leitura das mensagens por meio do “esclarecimento de elementos de significações suscetíveis de conduzir a uma descrição de mecanismos de que a priori não possuíamos a compreensão” (BARDIN, 2009, p. 31).

Ademais, é preciso criar categorias de fragmentação da comunicação para que a análise de conteúdo seja válida. Tais categorias devem ser ho-mogêneas, exaustivas, exclusivas, objetivas e pertinentes (BARDIN, 2009).

Em suma, as categorias devem ser homogêneas para evitar a mistu-ra de temas desconexos. Devem ser exaustivas com o intuito de esgotar a totalidade do texto a ser analisado. As categorias devem ser exclusivas para que um mesmo elemento do conteúdo não possa ser classificado aleatoria-mente em duas categorias diferentes. As categorias devem ser objetivas a fim de permitirem que codificadores distintos cheguem a resultados iguais e pertinentes quando plenamente adaptadas ao conteúdo e ao objetivo (BARDIN, 2009).

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Nesse sentido, a análise de conteúdo baseada em categorias leva em consideração a “totalidade de um texto, passando-o pelo crivo da classifica-ção e do recenseamento, segundo a frequência de presença (ou ausência) de itens de sentido” (BARDIN, 2009, p. 39). Portanto, é um método ta-xonômico bem-concebido para satisfazer a necessidade dos pesquisadores preocupados em introduzir uma ordem, segundo certos critérios, na desor-dem aparente. Para a interpretação da análise de conteúdo, utilizaremos os constructos teóricos de Paulo Freire.

Essa proposta educativa foi pensada e estruturada para ser aplicada na turma do quinto semestre noturno (2016) do curso de Administração de Empresas. O material de análise foi coletado utilizando-se a ferramenta on-line Google Forms. A cada semana, o professor dispunha de quatro aulas sequenciais, de 50 minutos cada, totalizando 80 horas-aula no semestre. Participaram da presente pesquisa 34 alunos.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHOA primeira etapa do processo de criação da atividade de ensino foi a esco-lha do tema da Administração Financeira que seria compartilhado em sala de aula. A partir da ementa da disciplina, foram selecionados os seguintes temas: formação do preço de venda, margem de contribuição, capital de giro, planejamento e desenvolvimento de um sistema para controle finan-ceiro, contas a pagar e a receber, pontos de equilíbrio, fluxo de caixa, lucro, indicadores e gráficos financeiros e gestão de projetos financeiros. Devido às próprias características da metodologia de ensino utilizada, temas de ou-tras disciplinas também foram considerados, como o marketing, a gestão de pessoas, etc., tendo em vista o forte caráter interdisciplinar das propostas pedagógicas pautadas em metodologias ativas.

Para contextualizar os referidos temas, considerou-se as orientações de Larmer e Mergendoller (2010), cujo trabalho evidencia que todo proje-to pedagógico que utilize metodologias ativas, para ser significativo, deve cumprir dois critérios essenciais. Primeiramente, segundo os autores, os temas devem envolver os alunos, despertando nos educandos a vontade de

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desenvolver o projeto até o fim. Em segundo lugar, o projeto deve ter uma finalidade educacional clara, facilmente percebida pelos aprendizes.

Nessa perspectiva, levou-se em consideração o fato de as micro e pe-quenas empresas (MPE) no Brasil representarem uma grande parte do em-presariado brasileiro, gerando uma expressiva parcela dos empregos, com uma forte participação no PIB do país, impulsionando o desenvolvimento da região na qual estão inseridas.

No entanto, existe um problema que se estabelece no coração de qualquer MPE brasileira: a falta de preparo técnico dos empreendedores no que tange aos conhecimentos administrativos. Se os micro e pequenos empresários tomassem contato com os saberes específicos da administra-ção financeira, seria possível que os cenários histórico e o contemporâneo pudessem ser outros.

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empre-sas (SEBRAE, 2014), uma expressiva parcela das micro e pequenas empre-sas encerra suas atividades nos primeiros 24 meses de atuação e, na maioria dos casos, isso acontece devido à falta de conhecimentos administrativos dos seus gestores. Esse cenário é terrível, especialmente, devido à impor-tância das MPEs no contexto econômico brasileiro. Segundo o Datafolha, atualmente, as MPEs representam, aproximadamente, 99,20% das empre-sas do país. Todavia correspondem à cerca de 20% do Produto Interno Bru-to (PIB) nacional. Só no ano de 2015, 46 mil MPEs encontravam-se em situação de risco, na iminência de fecharem as portas devido à crise eco-nômica instaurada no Brasil e no mundo. Cenário esse potencializado pela notável falta de planejamento financeiro e estratégico dessas organizações.

Essa falta de planejamento decorre da cultura administrativa que permeia as MPEs brasileiras, cuja metodologia baseia-se no empirismo, no “achismo” e no imediatismo. Os princípios administrativos da coleta e aná-lise de dados para a criação de indicadores financeiros, por exemplo, ainda, são ignorados pela maioria dos empreendedores desse segmento. Comu-mente, os empresários possuem excelentes habilidades técnicas específicas do ramo dos seus respectivos negócios, ou seja, são excelentes profissionais nas suas respectivas áreas, mas esse conhecimento não é suficiente para o

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desenvolvimento da empresa, pois existem saberes específicos da área da administração de empresas, particularmente, da administração financeira, que são determinantes para a longevidade das MPEs.

Com base no exposto, entende-se que, ao criar essa atividade de en-sino, articulando os referidos temas da Administração Financeira com a situação problema, estar-se-ia cumprindo os dois critérios enunciados por Larmer e Mergendoller (2010), potencializando a atividade de ensino do ponto de vista educativo.

Assim, considerando esse cenário, elaborou-se um texto no qual um personagem chamado Claudinei resolveu abrir o próprio negócio. Ele pos-suía um capital aplicado na poupança e decidiu pedir demissão para iniciar sua atividade empreendedora. Claudinei era mecânico e optou por abrir sua própria oficina. O enredo da história do Claudinei foi dividido em qua-tro partes devido à necessidade de criar momentos pedagógicos apropria-dos, tendo em vista que esse tipo de atividade representaria uma novidade para os alunos, pois as metodologias ativas estão em implantação na insti-tuição na qual ambos os pesquisadores lecionam. Dessa forma, a atividade adquiriu um caráter progressivo, em que a dificuldade foi aumentando no decorrer dos referidos momentos. Além disso, o tempo de cada momento deveria ser muito bem utilizado para que o caso fosse solucionado até o final do semestre letivo.

Portanto, no Quadro 1, apresenta-se o cenário desenhado em cada momento e os conteúdos que necessariamente deveriam ser estudados para a resolução da situação problema.

Em cada um dos momentos pedagógicos, a leitura do texto foi con-duzida de acordo com o método do PBL, em que os grupos de alunos só poderiam seguir para a próxima página quando o assunto estivesse esgota-do, ou seja, quando não houvesse mais sugestões de hipóteses para a solu-ção da situação problemática apresentada. Cada página do texto foi proje-tada utilizando-se Datashow.

O papel do professor foi o de conduzir de maneira apropriada os debates gerados ao longo da leitura do texto, sem interferir no raciocínio dos alunos. O docente auxiliou os educandos no processo de identificação

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dos temas da Administração Financeira presentes nas situações apresenta-das. Tais temas deveriam ser destacados pelo professor no quadro branco e apresentados aos alunos como temas de estudo individual. Após o en-cerramento de cada aula, o educador responsabilizava-se por alimentar o ambiente virtual da disciplina com textos, artigos, livros e vídeos, com o in-tuito de fornecer aos alunos o material necessário aos estudos individuais. Vale mencionar que o espaço educativo continha uma rede wi-fi para que os alunos pudessem acessar a internet por meio de computadores, tablets e smartphones.

Quadro 1 Sequência didática utilizada para nortear a atividade educativa

Momento pedagógico

Cenário Temas e conteúdos

1 –

Aná

lise

inic

ial

Claudinei resolve abrir o seu próprio negócio. Possui R$17.000,00 em

caixa. Sugere R$70,00 como preço da hora técnica da sua oficina, sem nenhum tipo de análise

financeira. Não conhece linhas de financiamento, mas precisa de R$25.000,00 para comprar

equipamentos. Não sabe qual é a melhor faixa tributária para sua

empresa e não conhece os preços e estratégias dos seus concorrentes.

- Formação do preço de venda.

- Margem de contribuição.- Plano de despesas.

- Pesquisa de mercado.- Avaliação tributária.

- Capital de giro.

2 –

Aná

lise

dos p

rim

eiro

s re

sulta

dos

Claudinei começa a receber seus primeiros clientes. Oferece descontos sem considerá-los na formação dos preços. Não leva em consideração as taxas de descontos dos pagamentos

com cartões de débito e crédito. Confunde pessoa física com pessoa

jurídica. Percebe que precisa de ajuda.

- Planejamento e desenvolvimento de

um sistema de controle financeiro.

- Formação do preço de venda.

- Margem de contribuição.- Indicadores financeiros.

- Contas a pagar e a receber.

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3 –

Ree

stru

tura

ção

Claudinei contrata uma equipe de administradores para solucionar

os seus problemas. A equipe ficou responsável por repensar a estrutura administrativa da empresa, propor uma lógica de formação de preços adequada, verificar a melhor faixa tributária, apresentar um sistema

administrativo financeiro intuitivo, que permita o reconhecimento rápido de inconsistências para a tomada de decisões estratégicas. Propor ações de marketing para

a divulgação da marca da oficina, captação e fidelização de clientes,

entre outras ações.

- Ponto de equilíbrio econômico.

- Ponto de equilíbrio contábil.

- Fluxo de caixa.- Contas a pagar e a

receber.- Receitas

- Lucro bruto.- Lucro líquido.

- Lucro operacional.- Faixas tributárias.

- Marketing.- Gestão de pessoas- Gestão de projetos.- Gestão de custos.

4 –

Apr

esen

taçã

o

dos r

esul

tado

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s-re

estr

utur

ação

A equipe de administradores apresenta o resultado da

reestruturação ao Claudinei.

- Apresentação de resultados.

- Indicadores e gráficos financeiros.

- Relações interpessoais e intrapessoais.

A estratégia de ensino foi idealizada de tal maneira que o professor pudesse conduzir os debates utilizando recursos pedagógicos como vídeos, artigos, reportagens, entre outros, sempre que necessário, dessa forma, in-centivando a participação ativa dos alunos. Esses recursos foram essenciais para que os aprendizes criassem situações didáticas para facilitar a compre-ensão dos conteúdos gerados a partir dos respectivos estudos individuais, contando sempre com a orientação do professor, que atuou como facilita-dor nesse processo.

Finalizada a sistematização da estratégia de ensino norteadora da ati-vidade pedagógica, partiu-se para a estruturação do mecanismo de avalia-ção dos alunos e, também, da própria atividade, uma parte crucial de todo

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o processo, pois a avaliação é o instrumento que orienta a aprendizagem no sentido dos objetivos educacionais propostos.

Vale ressaltar que foram elencados dois objetivos educacionais para essa atividade educativa, baseados nos objetivos centrais de atividades peda-gógicas pautadas em metodologias ativas. O primeiro está relacionado ao conhecimento específico da disciplina, neste caso, a Administração Finan-ceira. O segundo relaciona-se com o próprio processo, em que são poten-cializadas as habilidades de solução de problemas, liderança, comunicação, comprometimento, entre outras questões (ABDALLA; GAFFAR, 2011).

Com efeito, deu-se o empenho em criar um método de avaliação que valorizasse os dois objetivos educacionais supraexpostos. As atividades pe-dagógicas pautadas nas metodologias enfatizam que as avaliações deveriam dar continuidade ao processo de aprendizagem, e não serem vistas como atividades desconectadas. Nesse sentido, a avaliação deve estar integrada ao processo de aprendizagem como um elemento de incentivo e motivação, considerando fatores objetivos, diretamente relacionados à aprendizagem dos conteúdos compartilhados em sala de aula, além dos fatores subjetivos que não podem ser medidos em provas, testes e trabalhos, como postura, comprometimento, pontualidade, entre outros.

Para tanto, desenvolveu-se um sistema com escalas para avaliar tanto o conhecimento específico da disciplina como atributos subjetivos, como a pontualidade, a participação durante os debates, o envolvimento com o grupo e com a pesquisa, além do comportamento. Para avaliar o processo como um todo, criou-se um questionário utilizando as ferra-mentas on-line, pelas quais os alunos puderam compartilhar as impres-sões acerca na nova metodologia adotada nas aulas de Administração Financeira, destacar quais eram os pontos fortes e fracos da atividade de ensino e relatar como a atividade contribuiu para as respectivas forma-ções pessoal e profissional. Esse questionário continha 17 questões, sendo 15 abertas e duas de múltiplas respostas. Na perspectiva deste artigo, foi analisado o conteúdo de duas das 17 questões, em que uma delas versa sobre as impressões dos alunos relacionadas ao novo método; e a outra, sobre as impressões dos alunos relacionadas à contribuição da atividade

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de ensino para as respectivas formações profissional e pessoal. As ques-tões foram apresentadas no Quadro 2, na sequência, em que se realizou a análise dos dados.

Quadro 2 Questões que foram disponibilizadas aos alunos no questionário avaliativo e que foram analisadas no presente trabalho

Questão 1Qual foi a sua primeira impressão sobre o método pedagógico utilizado pelo professor?

Questão 2Finalizamos as atividades do semestre. Analisando todo o pe-ríodo letivo, qual foi a importância da disciplina Administra-ção Financeira para a sua formação pessoal e profissional?

Devido aos limites que se impõem ao presente texto, publica-se, aqui, somente o resultado das impressões dos alunos sobre a metodologia de ensino utilizada e sobre a contribuição desse método para sua formação pessoal e profissional.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOSAs respostas dos alunos às duas questões abertas foram submetidas à aná-lise de conteúdo, seguindo os pressupostos teóricos de Bardin (2009). Ini-ciou-se o processo de codificação realizando uma exploração flutuante do texto, para tanto, registrando as impressões iniciais. As respostas de cada uma das questões foram agrupadas e, dessa forma, foram constituídos dois corpora para a análise de conteúdo.

Realizada a leitura flutuante de cada uma das respostas dos alunos, fez-se uma análise profunda, em que rotularam-se palavras, frases, senten-ças ou seções relevantes, assim, realizando, a codificação. Vale ressaltar que foram relevantes palavras, termos ou seções que se repetiam diversas vezes ao longo do corpus, assim como os termos que automaticamente se asso-ciavam ao referencial teórico e os termos que foram elencados pela própria pesquisa como destaques.

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Para auxiliar o processo de codificação, utilizou-se o software Iramu-teq para identificar as palavras com maiores frequências, assim como para montar uma nuvem de palavras e uma árvore de palavras de cada uma das questões, processos que ajudariam a realizar as análises de frequências e de similitudes, respectivamente.

Com base na codificação, foram identificadas as categorias de análise que se relacionavam com o referencial teórico adotado na presente pes-quisa. As categorias foram nomeadas de acordo com os dados registrados, considerando, também, a subjetividade dos pesquisadores e todo o con-texto das respostas dos alunos, ou seja, tais categorias estão respaldadas pela narrativa dos alunos, pelo referencial teórico e pelas impressões dos pesquisadores. No Quadro 3, são apresentadas as categorias para análise das Questões 1 e 2.

Quadro 3 Categorias de análise criadas a partir da análise de conteúdo das Questões 1 e 2

Categorias Referencial Teórico para Análise

Caráter prático da atividade educativa

(BERBEL, 2011; FREIRE, 1987)Interação entre os sujeitos

Gera interesse

Simula a realidade

Motivação intrínseca(ALMEIDA, 2015; GUIMARÃES;

BORUCHOVITCH, 2004)

As respostas dos alunos à primeira questão indicaram que, nas res-pectivas impressões iniciais dos educandos sobre a metodologia de ensi-no utilizada nas aulas de Administração Financeira, o caráter prático das atividades educativas se destacou. O fato de os aprendizes “colocarem a mão na massa” tornou a referida aula especial, pois, em parte significativa das respostas, o destaque à prática esteve acompanhado de termos que de-

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notaram e intensificaram a aprovação do método utilizado pelo professor, como pode ser constatado a seguir.

“Eu achei ótimo, pois dá chance do aluno mostrar realmente o que está aprendendo na prática”

“Gostei muito, pois aprendemos na prática”

“As melhores possíveis, aprender na prática foi ótimo”

À luz de Paulo Freire (1987), essas respostas indicam que o fato de os estudantes tomarem contato com atividades práticas conduziu-os a deixar de serem sujeitos espectadores e passarem a ser sujeitos criadores, assim, despertando, o interesse pelo processo educativo. A educação dissertadora e narradora, concebida, pelo autor, como bancária, tem o objetivo maior de domesticar os aprendizes, apassivá-los e adaptá-los ao mundo. Ao rom-per com esse modelo de ensino, criou-se um espaço que potencializou a co-municação entre os sujeitos participantes das atividades pedagógicas, e esse espaço, na concepção da pedagogia freiriana, dota de sentido o aprender, o que pode explicar o entusiasmo dos aprendizes constatado nas respostas à primeira questão, pois:

[...] quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais de-safiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, com-preendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada (FREIRE, 1987, p. 40).

Ademais, nas respostas dos educandos, especialmente os excertos que geraram as categorias “caráter prático da atividade educativa” e “gera interesse”, houve indícios de que a atividade pautada em metodologias ati-

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vas motivou os educandos, desse modo, gerando o interesse pelos temas abordados, sendo a motivação e o despertar do interesse algumas das espe-cificidades das metodologias ativas, segundo Berbel (2011).

Outro ponto em destaque nas respostas dos alunos relaciona-se com as fortes evidências de que o estímulo ao trabalho em grupo tenha sido am-plamente reconhecido e aprovado pelos educandos. As respostas a seguir ilustram essas evidências.

“É um método bem inovador, o trabalho em grupo fez com que nós alunos nos aprofundássemos mais sobre todos os conteúdos, e quando surgia alguma dúvida era bem simples, pois além de ter o professor em sala às vezes a maneira de um colega explicar ajudava bastante.”

“Um método interessante, onde podemos interagir com os colegas, uma maneira mais fácil de se aprender.”

“Bom, a princípio, fiquei com um pouco de receio por fazer um pro-jeto grande e não ter os resultados esperados, mas, com o tempo, fui apren-dendo junto com meus colegas no grupo e gostei muito do novo método, pois nós aprendemos muito mais quando colocamos os planos em prática.”

Das respostas dos alunos, evidencia-se que eles demonstraram estar experimentando um tipo de compartilhamento de conhecimentos, tarefas e funções que ainda não haviam experimentado antes, especialmente, de-vido à maneira como se relacionaram com os colegas durante o desenvol-vimento da atividade educativas. Essas evidências, na concepção de Paulo Freire (1987), revelam que as mudanças qualitativas da percepção do mun-do não podem se realizar fora da práxis e devem ser constituídas a partir da união dos sujeitos.

Outrossim, a categoria “interação entre os pares” revela que a ativi-dade educativa estimulou o diálogo entre os sujeitos participantes, sendo este, o diálogo, um dos fatores essenciais da pedagogia freiriana. Para o autor, o diálogo é o “encontro dos homens para Ser Mais” (FREIRE, 1987, p. 47), ou seja, é o caminho para a transformação permanente da realidade e para tornar viável o pensar crítico dos educandos.

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Nesse sentido, a leitura que os educandos fizeram sobre a metodo-logia utilizada nas aulas de Administração Financeira, assim como sobre a própria atividade educativa, evidenciou a postura crítica dos aprendizes sobre a mudança de rumo pedagógico adotada nas referidas aulas. A dis-ponibilidade para o diálogo, tanto entre professor e alunos quanto entre os próprios estudantes, foi um aspecto importante para a criação de um am-biente comunicativo que atendesse às expectativas dos educandos, pois a exigência primeira desses aprendizes, explicitada nas respostas ao questio-nário, foi a busca pelo aprendizado. Os indícios da criticidade dos educan-dos frente à nova proposta pedagógica foram constatados nos excertos em que os aprendizes evidenciaram que o aprender mediatizado pelo diálogo entre professores e alunos, e viabilizado por atividades práticas, favoreceu a respectiva formação profissional. Os trechos que seguem corroboram essas inferências.

“Desde o início das aulas adorei o método utilizado, porque pro-porciona mais aprendizado para o aluno em situações que realmente po-derão ocorrer nesta profissão, assim sendo uma experiência enriquecedo-ra para todos.”

“Exatamente o que eu buscava em classe, pois nós, como futuros gestores, precisamos colocar em prática o que foi proposto em teoria, esta foi a primeira disciplina depois de quase três anos de curso a oferecer a autonomia o desenvolvimento de competências que eu tanto esperava encontrar.”

Assim, constatou-se o trabalho em grupo e o estímulo ao desenvol-vimento do pensamento crítico como especificidades das metodologias ati-vas presentes na atividade de ensino aplicada na disciplina Administração Financeira que despertaram o interesse dos educandos, motivando-os para a realização de pesquisas, discussões, debates e compartilhamento de infor-mações, assim como enunciado por Berbel (2011).

O caráter prático da atividade foi viabilizado pela vivência da história do mecânico Maurício, em que os alunos se colocaram no lugar do perso-

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nagem com o objetivo de criar procedimentos administrativos que pudes-sem organizar a empresa analisada. Em vista disso, a categoria “simula a realidade” originou-se das respostas dos educandos, que destacaram como estimulante o fato de se debruçarem sobre um problema que faz parte do dia a dia do administrador de empresas. Na obra de Freire (1987), os temas geradores, que direcionam o conteúdo programático das atividades, devem partir do contexto dos educandos, e é nesse contexto que os aprendizes devem refletir e atuar de maneira crítica, assim, caracterizando a práxis. A situação de aprendizagem proposta aos alunos, problematizada por meio da história do mecânico Claudinei, tornou real a proposta pedagógica de Paulo Freire (1987), pois os indícios denotaram que a atividade desafiou os educandos, exigindo respostas não só no nível intelectual, mas, também, no nível da ação.

Nesse sentido, ao aplicar uma atividade baseada em metodologias ativas que se relaciona com o contexto profissional do administrador de empresas, criou-se um espaço formativo que estimulou o desenvolvimento de habilidades relacionadas à futura profissão desses aprendizes, originan-do visões ou pontos de vista sobre a atuação do profissional da área admi-nistrativa. Novamente, destaca-se que essas são especificidades centrais das metodologias ativas enunciadas por Berbel (2011), fato que permite inferir que a atividade educativa atingiu os principais objetivos dos métodos ativos enunciados pela autora.

Com efeito, a análise da segunda questão revelou fortes evidências de que a atividade educativa motivou intrinsecamente os educandos. Nas respostas dos alunos à referida questão, foi possível constatar uma ten-dência pela busca da novidade e do desafio com o objetivo de exercitar capacidades próprias. Essas evidências corroboram as indicações de Gui-marães e Boruchovitch (2004), pois as autoras ressaltam que a motivação intrínseca é um movimento espontâneo que parte do interesse individual, gerada por uma atividade considerada pelo aluno interessante, envolven-te e, de alguma forma, geradora de satisfação. Os trechos que seguem ilustram tais evidências.

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“A disciplina foi importante, pois pude conhecer na prática conte-údos que antes eu só aprendia teoricamente, e pude me desenvolver em áreas que não eram o meu forte.”

“A disciplina foi capaz de demonstrar, de forma mais clara, um pou-quinho do que será a profissão de administrador, foi muito importante, pois consegui confirmar que estou fazendo o que gosto, consegui visualizar algumas coisas em que sinto dificuldade para que eu possa correr atrás e superar como também descobri habilidades que me deixaram muito con-tente. Por fim a Administração Financeira é a base e uma das matérias mais importantes do curso, pois vai aparecer sempre em nosso cotidiano e será fundamental.”

“Foi muito importante para minha formação pessoal e profissio-nal, pois pude ver na prática, como uma empresa começa, como ela tem desafios e como ela pode crescer tendo uma boa administração financeira. Pude também ampliar meus conhecimentos e identificar alguns pontos nas quais ocorre no meu estágio, e vimos justamente nesse trabalho. Em suma, todas as atividades realizadas nesse período letivo foram de extrema importância e com certeza, aprendi muito mais na prática vendo, desde a abertura da empresa, até as suas primeiras vendas, as primeiras conquistas e mudanças.”

De acordo com esses argumentos, ressalta-se que os indícios de que os alunos conceberam a atividade com um fim em si mesma, ou seja, os edu-candos envolveram-se com a atividade porque perceberam que ela poderia contribuir com o desenvolvimento de habilidades e/ou capacidades que eles ainda necessitavam melhorar, assim como para descobrir a área de atuação na qual o seu desempenho poderia ainda ser melhor. Essas evidências tam-bém convergem com as de Almeida (2015), cujas inferências destacam que a motivação intrínseca para a aprendizagem explica o início, a direção e a per-severança de um comportamento dirigido para um determinado objetivo centrado na aprendizagem e no rendimento do próprio aluno.

Dessa forma, constatou-se que a atividade educativa baseada em me-todologias ativas possibilitou a instauração de momentos pedagógicos em

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que os sujeitos participantes compartilharam experiências intrinsecamente motivadoras que potencializaram o desenvolvimento da autonomia. Ade-mais, nesses momentos, também, foram potencializadas as habilidades es-pecíficas da profissão docente, no caso do professor, e da futura profissão de administrador, no caso dos educandos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi apresentado, neste artigo, uma experiência didática pautada em meto-dologias ativas, especificamente, no Problem Based Learning (PBL) e no Blen-ded Learning (BL), cujas principais características evidenciam a participação ativa do aluno na construção de seu próprio conhecimento e a mediação realizada pelo professor.

A atividade proposta partiu do problema do microempresário Clau-dinei, e a abordagem adotada tinha como objetivo não apenas transmitir conhecimentos técnicos e teóricos sobre administração financeira aos alu-nos, mas, também, contribuir com sua formação de modo integral, ou seja, tanto profissional como pessoal.

Primeiramente, salienta-se que, com base no resultado da análise dos dados da presente pesquisa, a atividade educativa baseada em metodolo-gias ativas ofereceu aos educandos espaços formativos que potencializaram o desenvolvimento da motivação intrínseca desses alunos, revelando-se, as-sim, uma proposta pedagógica pertinente para o desenvolvimento da auto-nomia dos aprendizes do curso de Administração de Empresas que partici-param da presente pesquisa. Ademais, ao analisar o conteúdo das respostas dos estudantes ao questionário avaliativo, constataram-se indícios de que a referida atividade se caracterizou como uma alternativa viável para se colo-car em prática a pedagogia freiriana.

Para compreensão e resolução do caso, os alunos precisaram identi-ficar os conhecimentos, conceitos e teorias envolvidas na situação apresen-tada. Por meio da resolução do problema do personagem, é possível que os estudantes tenham desenvolvido não só as competências necessárias ao exercício da profissão de administrador, no que tange ao conteúdo técnico e teórico da disciplina, mas, também, as habilidades essenciais para a in-terpretação e resolução de problemas da vida real. Tal abordagem está em consonância com a visão de educação freiriana, na qual teoria e prática re-troalimentam-se e, segundo a qual, deve-se preparar os alunos para serem cidadãos ativos e participativos na sociedade.

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Em vista disso, o caráter prático da atividade, que demandou pesqui-sa e envolvimento com o mundo, permitiu, segundo a perspectiva deste estudo, que os educandos percebessem uma realidade não limitada pelas paredes da sala de aula, aquela em que eles próprios atuam e alteram.

Ao longo desse processo, foi ressaltada a importância de colocar o professor em contato com propostas pedagógicas inovadoras para que seja possível romper com os paradigmas do ensino tradicional. A partir da pos-sibilidade de experimentar novas formas e maneiras de ensinar, o professor pode ultrapassar a fronteira do conteúdo da disciplina e levar para a sala de aula propostas que incentivem o desenvolvimento da autonomia, que de-senvolvam a criatividade, que despertem o comprometimento com a pró-pria formação, que valorizem o espírito de investigação, que desenvolvam a capacidade de realizar críticas e habilidade para lidar com pessoas, entre outras questões (BERBEL, 2011).

Ao longo da aplicação da proposta, alguns pontos pareceram cruciais no que tange à posição de mediador/professor. Dentre eles, destacamos:

1) Deixar os objetivos e os procedimentos claros aos alunos.2) Esclarecer/combinar bem os critérios de avaliação no início do se-

mestre.3) Ser presente/estar disponível tanto nas aulas quanto via redes sociais.4) Estar aberto a críticas (boas ou ruins) e saber lidar com elas.5) Ser reflexivo (antes, durante e depois da ação) e estar disposto a trans-

formar-se constantemente.

Em suma, na perspectiva deste trabalho, no processo de ensino e no desenvolvimento da aprendizagem, mudam as funções do professor e, tam-bém, do aluno, pois ambos são colocados no lugar de aprendizes. A ênfase dada ao educando, quando se utilizam as metodologias ativas, altera a ma-neira como se estabelece a comunicação entre professor e aluno, tendo em vista que o objetivo maior é o compartilhamento de informações. Ao evi-tar a simples transmissão do conhecimento da disciplina, o professor pode explorar profundamente os processos pedagógicos que se estabelecem nas

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relações interpessoais dos sujeitos envolvidos, desse modo, possibilitando a valorização do Ensino Superior.

Enfim, os professores precisam realizar práticas de ensino que favore-çam os alunos a uma relação com o conhecimento baseada numa perspec-tiva crítica, cujo intuito está para além de simplesmente passar conteúdos aos alunos, mas de ajudá-los a aprenderem por si mesmos, mostrando-lhes que para que haja aprendizado deve haver comprometimento mútuo: tan-to o professor quanto o aluno devem dar um pouco de si.

Características como abertura, flexibilidade, reflexão e autorreflexão são essenciais no mundo acadêmico, bem como na vida pessoal e profis-sional, e a proposta educativa apresentada neste trabalho evidenciou que é possível oferecer espaços formativos que levem em consideração todos esses aspectos. Este trabalho pode ser útil aos professores que ainda estão receosos quanto às mudanças metodológicas em sala de aula, pois procu-rou mostrar como o cenário educativo pode ser completamente alterado quando são utilizadas pequenas doses de criatividade e boa vontade.

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DADOS DOS AUTORES

GUILHERME MUNIZ PEREIRA CHAVES URIAS* [email protected] em Educação para a Ciência pela UNESPInstituição de vinculação: Universidade Estadual PaulistaSão Paulo/SP - BrasilÁreas de interesse em pesquisa: Ensino de ciências e matemática; pedagogia freireana; metodologias ativas.

* Rua Barão de Mauá, 34, ap. 03 Cunha/SP Centro 12530-000

LUCIANA APARECIDA SILVA DE AZEREDO [email protected] em Linguística Aplicada pela Universidade de TaubatéInstituição de vinculação: Fundação Universitária Vida CristãPindamonhangaba/SP – BrasilÁreas de interesse em pesquisa: metodologias ativas; ensino e aprendizagem de línguas materna e estrangeiras; cuidado de si foucaultiano.