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ENTIDADES CABOCLAS NA RELIGIÃO AFRO-BRASILEIRA: a família do Rei da Turquia no Tambor de Mina – importância, principais representantes, mitologia, relação com outras entidades caboclas, fidalgas e com divindades africanas - 1991 Mundicarmo Ferretti Dra. em Antropologia (em conclusão) - Dep. Psicologia - Universidade Federal do Maranhão (Brasil). ENTIDADES CABOCLAS NA RELIGIÃO AFRO-BRASILEIRA Mundicarmo Ferretti RESUMO: O contato com o Tambor de Mina (manifestação religiosa de origem africana predominante no Norte do Brasil), leva necessariamente ao encontro com os fidalgos e com os caboclos, entidades espirituais organizadas em grandes famílias, introduzidas na Mina, desde o final do século passado, pelas fundadoras dos primeiros terreiros ou por suas primeiras sucessoras. No Maranhão, excetuando-se a Casa das Minas (jeje), todos os terreiros têm caboclos e estes participam dos toques realizados para os voduns e orixás e são também ali homenageados com algumas músicas cantadas em língua portuguesa no final do ritual. Os caboclos da Mina, ao contrário do que acontece na Umbanda e no Candomblé de Caboclo, raramente apresentam-se como índios, ou boiadeiros. São muitas vezes de origem nobre, e os de origem indígena são sempre aculturados ou "civilizados". A família do Rei da Turquia, além de ser uma das mais numerosas e antigas, está presente em quase todos os terreiros de Mina, daí sua grande importância. A linha de turco foi organizada em São Luís do Maranhão, no terreiro de Mãe Anastácia - filha de Xangô e Vó Missã (Nanã), que também recebia a entidade espiritual conhecida por Rei da Turquia. Como aquele terreiro definiu-se como de 'nação' taipa (tapa?), e teve como chefe espiritual o Rei da Turquia, aquela entidade ficou também conhecida no Tambor de Mina como chefe da 'nação' taipa. Alguns dos encantados da família de Turquia (como o Almirante Balão e seus filhos Ferrabrás e Floripes), já eram, há muito, conhecidos e lembrados na literatura popular e no folclore europeu associados ao Imperador Carlos Magno e às guerras entre turcos e cristãos. Surgindo no Tambor de Mina, como entidades espirituais, os turcos resolveram inimizades milenares com os cristãos, aceitaram santos católicos, como São João, e integraram-se a divindades africanas, como o vodum Averequete. Neste trabalho pretendemos: 1) chamar atenção para a existência, no Tambor de Mina, de mitologia e classificação de entidades espirituais caboclas bem desenvolvidas; 2) apresentar o "mito" do Rei da Turquia, chefe de uma das principais famílias de caboclos do Tambor de Mina, apontando suas principais matrizes, variações, e mudanças por ele sofridas em seu processo de atualização ritual. INTRODUÇÃO Tem sido apregoado, erroneamente, que as entidades espirituais caboclas da religião afro-brasileira não têm história, não têm lei, e não têm organização - que os caboclos são "à-toa", criados "absolutos"... Contra essas idéias muitos caboclos da Mina têm se pronunciado em diversos terreiros e em diferentes 'cavalos', tanto através de letras de 'doutrinas' por eles cantadas durante rituais, como durante conversas com amigos nos dias de festa de terreiro. Os caboclos de Mina, tal como os voduns e gentis (fidalgos), são organizados em famílias extensas. As famílias mais importantes pertencem a uma 'nação' ou constituem uma 'nação': a família de Rei da Turquia é 'taipa', a de Rei Surrupira é 'fulupa', a de Légua- Bogi é 'mata' (angola ou cambinda), etc. como já foi dito. Nos terreiros de São Luís, os caboclos recebidos mais freqüentemente pelos filhos- de-santo costumam pertencer a poucas famílias. Os que chegam com os 'médiuns' que passaram

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a família do Rei da Turquia no Tambor de Mina – importância, principais representantes, mitologia, relação com outras entidades caboclas, fidalgas e com divindades africanas - 1991Mundicarmo Ferretti

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ENTIDADES CABOCLAS NA RELIGIO AFRO-BRASILEIRA: a famlia do Rei da Turquia no Tambor de Mina importncia, principais representantes, mitologia, relao com outras entidades caboclas, fidalgas e com divindades africanas - 1991

ENTIDADES CABOCLAS NA RELIGIO AFRO-BRASILEIRA: a famlia do Rei da Turquia no Tambor de Mina importncia, principais representantes, mitologia, relao com outras entidades caboclas, fidalgas e com divindades africanas - 1991

Mundicarmo Ferretti

Dra. em Antropologia (em concluso) - Dep. Psicologia - Universidade Federal do Maranho (Brasil).

ENTIDADES CABOCLAS NA RELIGIO AFRO-BRASILEIRA

Mundicarmo Ferretti RESUMO:

O contato com o Tambor de Mina (manifestao religiosa de origem africana predominante no Norte do Brasil), leva necessariamente ao encontro com os fidalgos e com os caboclos, entidades espirituais organizadas em grandes famlias, introduzidas na Mina, desde o final do sculo passado, pelas fundadoras dos primeiros terreiros ou por suas primeiras sucessoras. No Maranho, excetuando-se a Casa das Minas (jeje), todos os terreiros tm caboclos e estes participam dos toques realizados para os voduns e orixs e so tambm ali homenageados com algumas msicas cantadas em lngua portuguesa no final do ritual. Os caboclos da Mina, ao contrrio do que acontece na Umbanda e no Candombl de Caboclo, raramente apresentam-se como ndios, ou boiadeiros. So muitas vezes de origem nobre, e os de origem indgena so sempre aculturados ou "civilizados".

A famlia do Rei da Turquia, alm de ser uma das mais numerosas e antigas, est presente em quase todos os terreiros de Mina, da sua grande importncia. A linha de turco foi organizada em So Lus do Maranho, no terreiro de Me Anastcia - filha de Xang e V Miss (Nan), que tambm recebia a entidade espiritual conhecida por Rei da Turquia. Como aquele terreiro definiu-se como de 'nao' taipa (tapa?), e teve como chefe espiritual o Rei da Turquia, aquela entidade ficou tambm conhecida no Tambor de Mina como chefe da 'nao' taipa.

Alguns dos encantados da famlia de Turquia (como o Almirante Balo e seus filhos Ferrabrs e Floripes), j eram, h muito, conhecidos e lembrados na literatura popular e no folclore europeu associados ao Imperador Carlos Magno e s guerras entre turcos e cristos. Surgindo no Tambor de Mina, como entidades espirituais, os turcos resolveram inimizades milenares com os cristos, aceitaram santos catlicos, como So Joo, e integraram-se a divindades africanas, como o vodum Averequete.

Neste trabalho pretendemos: 1) chamar ateno para a existncia, no Tambor de Mina, de mitologia e classificao de entidades espirituais caboclas bem desenvolvidas; 2) apresentar o "mito" do Rei da Turquia, chefe de uma das principais famlias de caboclos do Tambor de Mina, apontando suas principais matrizes, variaes, e mudanas por ele sofridas em seu processo de atualizao ritual.

INTRODUO

Tem sido apregoado, erroneamente, que as entidades espirituais caboclas da religio afro-brasileira no tm histria, no tm lei, e no tm organizao - que os caboclos so "-toa", criados "absolutos"... Contra essas idias muitos caboclos da Mina tm se pronunciado em diversos terreiros e em diferentes 'cavalos', tanto atravs de letras de 'doutrinas' por eles cantadas durante rituais, como durante conversas com amigos nos dias de festa de terreiro.

Os caboclos de Mina, tal como os voduns e gentis (fidalgos), so organizados em famlias extensas. As famlias mais importantes pertencem a uma 'nao' ou constituem uma 'nao': a famlia de Rei da Turquia 'taipa', a de Rei Surrupira 'fulupa', a de Lgua-Bogi 'mata' (angola ou cambinda), etc. como j foi dito.

Nos terreiros de So Lus, os caboclos recebidos mais freqentemente pelos filhos-de-santo costumam pertencer a poucas famlias. Os que chegam com os 'mdiuns' que passaram por outro terreiro e que no pertencem s famlias de entidades espirituais da casa ficam, geralmente, agregados a uma das famlias ali existentes, quela que tem mais afinidade ou ligao com o seu grupo. No havendo essa integrao o mdium tem que procurar outra casa para se filiar.Rei da Turquia, chefe da 'nao taipa', no Tambor de Mina

Rei da Turquia talvez o chefe da maior famlia de entidades caboclas do Tambor de Mina e a entidade espiritual da Mina mais conhecida fora dos terreiros dessa manifestao religiosa. De acordo com a tradio maranhense, os turcos entraram na Mina no final do sculo passado, (antes da abolio da escravido no Brasil), em terreiros abertos por africanos. tambm denominado, na Mina, Joo Imbarabaia, e conhecido por alguns 'mineiros' pelo nome de Almirante Balo ou Ferrabrs de Alexandria - nomes de personagens da obra literria: Histria do Imperador Carlos Magno e dos doze Pares de Frana, de Cheganas e de outras danas onde so representadas batalhas entre mouros e cristos (ver: CASCUDO,L.C. 1962, v.1:184). O Rei da Turquia tambm conhecido em terreiros de So Lus como um sulto cujo retrato foi dado, provavelmente nos anos cinqenta, fundadora do Terreiro da Turquia, por um turco residente em So Lus, que parece ser de Mehmed Resat V (1844-1918), como j analisamos em trabalho publicado em 1989 (FERRETTI,M.R. 1989:202).

Apesar do Rei da Turquia j ser bastante conhecido fora da religio afro-brasileira, como Almirante Balo ou Ferrabrs de Alexandria quando entrou na Mina, afirma-se que no foi ele o primeiro turco a ser recebido na Mina e a 'baixar' em terreiros maranhenses. Fala-se, em So Lus, que antes dele vrios membros de sua famlia (que no conseguimos identificar), incorporaram em 'mineiros' e que algumas de suas filhas foram recebidas em sales de curadores (pajs), na linha de princesas - onde tambm conhecida Floripes, princesa turca, irm do Ferrabrs (Rei da Turquia), que vem hoje na Mina cantando assim:

"Trago arco e trago flecha,

tambm trago marac.

Sou eu Floripe, sou eu Floripe,

sou eu Floripe, dentro da guma real"

(FERREIRA,E. 1985:49).

Rei da Turquia surgiu como entidade espiritual do Tambor de Mina, em So Lus, na casa do pai-de-santo conhecido por Manuel Teu Santo (que acredita-se ter nascido na frica e que faleceu no final do sculo passado). Surgiu numa casa que parece ter sido mais ligada ao Terreiro do Egito ('bero' da 'nao Fanti-Ashanti, segundo Pai Euclides, e jeje-nag, segundo OLIVEIRA,J. 1989:33), do que Casa das Minas (jeje) e Casa de Nag, que eram sediadas prximo a ela . Seu Turquia foi recebido ali por Anastcia Lcia dos Santos, filha de negros de uma fazenda de algodo de Cod (Ma) e que viera, h pouco tempo, para a capital. Esta, por volta de 1889 abriu, em So Lus, o terreiro que foi o "bero" da linhagem dos turcos no Tambor de Mina e que ficou conhecido por Terreiro da Turquia.

Segundo SANTOS,M.R. e SANTOS NETO,M. (1989:58), a genitora de Me Anastcia, embora no fosse de Cod e s depois de casada tivesse se ligado religio africana, abriu ali um terreiro na linha da Mata (Terec), e recebia vrias entidades espirituais, entre elas o Almirante Balo, (pai do Rei da Turquia, que passou a ser recebido por sua filha em So Lus). Segundo Dona Antoninha, me-de-santo codoense, prima de Me Anastcia, embora a famlia da Turquia no tenha uma presena marcante no Terec de Cod, foi em seu salo que 'nasceu' Jaguarema, um dos mais conhecidos filhos do Rei da Turquia (Entrev. 06/1989).

Na Mina, a famlia do Rei da Turquia tambm muito numerosa, antiga e conhecida nos terreiros de Belm do Par, onde o Tambor de Mina parece ter sido introduzido por uma irm-de-santo de Me Anastcia, Me Doca - preparada em So Lus, no mesmo 'barco' e pelo mesmo pai-de-santo que aquela. E, a partir de 1988, vem tornando-se tambm muito conhecida em So Paulo, graas ao contato de pesquisadores ligados quela universidade com a casa de Pai Francelino de Xapan, em Diadema (PRANDI,R. 1989: PRANDI,E. e GONALVES,V. 1989).

De acordo com a tradio oral, o terreiro da Turquia foi aberto 'dentro dos preceitos da nao taipa', ali tambm denominada Tapa ou Nup e conhecida como um ramo iorub ou nag (FERREIRA,E. 1987:64; e OLIVEIRA,J. 1989:61). Mas, apesar de Me Anastcia ser filha de Xang e de cultuar V Miss (Nan), sua 'senhora', o terreiro foi aberto para o seu 'guia', Rei da Turquia, da porque ficou conhecido por Turquia. E como o terreiro de Anastcia foi aberto 'dentro dos preceitos da nao taipa', seu chefe espiritual, o Rei da Turquia, apesar de no ser uma entidade africana, passou tambm a ser conhecido como chefe da 'nao taipa'.

Segundo Pai Euclides, o Terreiro da Turquia foi o primeiro aberto em So Lus para uma entidade cabocla. Talvez por isso mesmo, o termo 'bta', empregado pelos jeje do Maranho para designar os terreiros de Mina que no so nem jeje e nem nag - como os cambinda, da Mata de Cod (Terec) e os terreiros de caboclo (OLIVEIRA,J. 1989:55) - foi to fortemente a ele associado, a ponto do termo 'bta' ser s vezes entendido em So Lus como nome da lngua falada pelos turcos.

Os turcos so nobres do Oriente, pertencem famlia imperial da Turquia - da porque, segundo Pai Euclides (FERREIRA,E. 1989:67), so 'gentilheiros' (uma espcie de gentis), e no propriamente caboclos. Mas entraram na Mina como caboclos e no como gentis (fidalgos) porque o Rei da Turquia afastou-se dos nobres europeus, com quem chegara e aparentado, e juntou-se, aqui no Brasil, ao grupo de Caboclo Velho - o primeiro caboclo a 'bradar' no Tambor de Mina. (a ser recebido na mina).

Segundo Pai Euclides, a abertura do Terreiro da Turquia foi um passo decisivo para a organizao da 'linhagem' de turco no Tambor de Mina. O Rei da Turquia tendo a 'sua casa' teve condio no s de reunir o seu povo, que j chegara na Mina e que se encontrava disperso em diversos terreiros, mas tambm de chamar outros filhos seus que ainda no haviam chegado. No tempo de Me Anastcia, o Rei da Turquia conseguiu reunir no Terreiro da Turquia vinte e trs dos seus filhos (conforme declarao de Tabajara 'na cabea' de Pai Euclides) .

No Tambor de Mina os turcos so conhecidos como encantados que pertencem linha de gua salgada mas que entraram tambm na mata e na gua doce. Por essa razo, manifestam-se em todos os rituais onde as entidades caboclas marcam sua presena; tanto nos ligados Mina, como nos de Cura (Pajelana), e em todas as festas religiosas e profanas realizadas pelos terreiros - por serem muito alegres e gostarem muito de bebida alcolica. So tambm conhecidos no Tambor de Mina como guerreiros de origem pag, embora no tempo de Me Anastcia o Rei da Turquia tenha aceito So Joo no terreiro da Turquia, como lembra Pai Euclides, e naquele terreiro muitos encantados cristos (como Dom Joo, Roldo e Oliveira) tenham sido escolhidos para padrinhos de seus filhos (como lembra D. Z., do Terreiro da Turquia).

Apesar de conhecidos como guerreiros ligados ao paganismo, os turcos no sofreram discriminao nos terreiros de So Lus, como os Surrupiras e Lgua-Bogi, o que ser mostrado mais adiante. possvel que essa discriminao no tenha ocorrido nos terreiros antigos em virtude dos turcos pertencerem linha de gua salgada - alm de serem ligados, por laos de parentesco, a gentis (fidalgos) recebidos na Mina (como Dom Joo e Dom Lus).

Os turcos so muito antigos na Casa de Nag e, embora no dancem na Casa das Minas, sempre foram ali bem recebidos como visita, tanto o Rei da Turquia, 'na cabea' de Me Anastcia, como seus filhos, 'na cabea' de danantes da Turquia e de outros terreiros amigos.

No terreiro da Turquia, as ligaes entre os turcos e os voduns Mina-jeje sempre foram estreitas - ali o vodum Averequete padrinho de todos os filhos do Rei da Turquia e este encantado recebeu de Poliboji uma guia (colar) que deve ter sido despachado com seus outros pertences aps a morte de Me Anastcia. O Rei da Turquia tem sido tambm associado na Mina ao orix Xang ('dono da cabea' de Me Anastcia) e o nome Ferrabrs tem sido associado em outras manifestaes religiosas afro-brasileiras tanto a Xang (SANTOS, M. V. 1940,343) como a Exu (em terreiros de Candombl e de Umbanda de So Paulo) . Devido ao seu carter guerreiro, os turcos tm sido muito invocados nos terreiros de Mina para vencer 'demandas' e para solucionar casos difceis (tal como Lgua-Bogi).

Talvez porque quando o Rei da Turquia 'nasceu' como entidade espiritual no Tambor de Mina sua histria (como Almirante Balo ou Ferrabrs) j era, h muito, conhecida e contada em livros, folhetos e danas dramticas (Cheganas e outras), fala-se mais facilmente dela nos terreiros de Mina do que da histria de outros encantados recebidos pelos 'mineiros' nos 'toques' de Mina . Os turcos aparecem na "mitologia" da Mina como ligados ao mar de vrias maneiras: envolvendo-se em batalhas navais; vindo do mar; e tambm dominando dunas e praias - embora, segundo Pai Jorge, dominem tambm morros, campos e tenham seus domnios mais em terra do que no mar (OLIVEIRA,J. 1989:46-47). E apesar de aparecerem ligados mata e a ndios brasileiros, so ali tambm apresentados como nobres aparentados a soberanos europeus (como Dom Lus e Dom Joo), da porque muitos 'mineiros' afirme que eles no so propriamente caboclos e prefiram classifica-los como 'gentilheiros'.

Segundo histria ouvida em So Lus, do caboclo Tabajara (na cabea de Pai Euclides (em 25/09/1983), e histrias contadas por aquele pai-de-santo e alguns de seus filhos (por ns entrevistados), os turcos so guerreiros e envolveram-se em muitas batalhas. Vieram de uma terra longe do Brasil. Alguns so de Damasco, de Alexandria... Aqui, tiveram que se adaptar e falar a lngua da matria (de seus 'cavalos'), j que a lngua deles no conhecida pelos seus 'cavalos'.

Conta a histria que Rei da Turquia era o mais cotado para assumir o comando de um grande imprio mas, como no era romano, no foi aceito - os romanos achavam que ele no podia ser rei e os turcos se revoltaram. Comeou uma grande disputa entre ele, a famlia dele e a de Dom Manuel, que era romano. A guerra demorou muitos anos e envolveu muita gente. Havia Dom Francisco, Dom Felipe... Os turcos ganhavam, perdiam, perdiam, ganhavam...

Rei da Turquia tinha uma irm e uma filha muito envolvidas tambm na guerra. A irm dele (Floripes) se "perdeu" e ligou-se a grupos diferentes (casou com Guy de Borgonha). A filha era Dod, Rainha Douro, que era conhecida pelos outros como Joana d'Arc. Ela era vidente - sabia das coisas e avisava o pai e a tia - mas foi acusada de bruxaria.

Na guerra, muitos que no eram da famlia foram ligando-se ao Rei da Turquia e este recebeu todos os que lutaram com ele como filhos. Ao todo, Rei da Turquia teve trs famlias: Ferrabrs (a legtima), Borgonha e Ramos. Segundo Pai Euclides (FERREIRA, E. 1989:2), a primeira delas chefiada pela Rainha Douro (sua filha), a Borgonha chefiada pela Princesa Floripes (sua irm), e a Ramos chefiada por Caboclo Velho. Mas todos os turcos obedecem a seu irmo mais velho, Guerreiro de Alexandria, como tambm a Tabajara de Alexandria que, atualmente, como 'invisvel' o responsvel pelo Terreiro da Turquia, no lugar de seu pai (pois, alm de ser recebido pelo zelador da casa, assumiu o comando do terreiro aps a morte de sua fundadora, que recebia o Rei da Turquia) . O Rei da Turquia veio para guas maranhenses no navio encantado de Dom Joo - de quem era primo. O navio aportou em So Lus e ele foi dar uma volta pelo Outeiro da Cruz (marco da batalha em que os holandeses foram expulsos do Maranho). Quando voltou, viu que fora atraioado por Dom Joo e que o navio j zarpara. Ficando ali, passou algum tempo andando pelo Outeiro da Cruz (bairro de onde o terreiro da Turquia nunca saiu, apesar de ter mudado de lugar trs vezes) e depois afastou-se bastante.

Continuando a andar, o Rei da Turquia chegou aldeia de Caboclo Velho, o ndio Sapequara, no Baixo-Amazonas. A aldeia estava em festa e ele gostou muito, achou a festa muito bonita. Caboclo Velho convidou-o a juntar-se a eles e Rei da Turquia resolveu ficar ali com todo o seu grupo. Depois, para serem mais bem aceitos na aldeia, muitos turcos adotaram nomes indgenas - Ubirajara, Tabajara, Jaguarema, Iracema... (Antes eram Francisco, Bartolomeu, Felipe...) . Rei da Turquia e Caboclo Velho tornaram-se muito amigos, quase irmos, e cada um adotou filhos do outro. Por isso muitos pensam que eles so irmos.

Caboclo Velho j 'bradava' nos terreiros de So Lus e os turcos entraram na Mina com ele, como caboclos, apesar de no serem propriamente caboclos. Depois de algum tempo, Rei da Turquia e Dom Joo encontraram-se (ali?) e tornaram-se amigos - no Terreiro da Turquia um batizou filho do outro, tornando-se duplamente compadres.

Numa outra verso do mesmo "mito", o Rei da Turquia veio com Dom Joo, mas os dois saram para um passeio e chegando na aldeia de Caboclo Velho, que estava em festa, o Rei da Turquia gostou da festa e ficou l, enquanto Dom Joo foi embora. Conta-se tambm em So Lus que Dom Joo foi com Dom Jos a uma festa na aldeia e o segundo gostou muito da festa e foi entrando enquanto o outro foi embora s - por isso que Dom Jos passou a vir (na Mina) como caboclo e Dom Joo como gentil (C.P. - CFA - Entrev. 07/1988).

Segundo Pai Euclides, o Rei da Turquia tinha trs esposas, uma em cada lugar em que guerreou, mas s se costuma falar o nome de uma delas, o da Rainha Leonor. As outras, segundo o mesmo informante, so ligadas ao seu lado portugus e francs (pois primo de Dom Joo e Dom Lus).

"Estava em terra de Mouro,

Rei do Mar me chamou.

Quem faltou na guma,

Rainha Leonor".

(FERREIRA,E. 1985:47).

Como Douro - a filha mais velha do Rei da Turquia, a quem seus filhos mais novos chamavam de me - Joana d'Arc, no difcil concluir que uma daquelas suas esposas, sobre quem nunca se fala, francesa. Mas h quem afirme na Mina maranhense que Douro irm e no filha do Rei da Turquia .

Fala-se tambm em terreiros maranhenses que a outra esposa do Rei da Turquia Maria de Alexandria, e que esta lembrada em uma de suas 'doutrinas' cantadas no Maranho de forma diferente da que conhecida em terreiros de paraenses:

"Para vodum, Senhor Joo Marambaia,

Mataram o turco, ficou o rei do Paraguaia...

Turco chorou, no romper do dia

Mataram o turco, senhora Dona Maria"

(Terreiro da Turquia - So Lus).

"Fala vodum, Senhor Joo Imbarabia,

prenderam o turco, nosso Rei de Imbarabia.

Vodum chorou e no romper do dia,

desceu na guma, Imperador, Rei da Turquia".

(Casa de Toia Jarina - Diadema-SP).

possvel que, para alguns 'mineiros', a Dona Maria que aparece na letra da 'doutrina' apresentada no seja Maria de Alexandria e sim Mariana, filha do Rei da Turquia que vem tambm na Mina do Par como Maria de Mari (SILVA,A.V. 1976:221).

Conforme histria contada em So Paulo pela Cabocla Mariana, incorporada em Pai Francelino de Xapan, o Rei da Turquia vendo-se quase derrotado em uma batalha, mandou preparar um navio para levar para longe trs de suas filhas: Mariana, a mais velha, Jarina, a mais nova e outra cujo nome preferiu no revelar. O navio teve sua rota desviada devido a uma tempestade e naufragou antes de chegar em porto seguro (ou Porto Seguro?). As princesas turcas foram salvas por Rei Sebastio. Jarina, como era muito nova, ficou com ele e passou a ser conhecida como sua filha. Mariana, a mais velha, sendo muito 'revoltosa' e acostumada a acompanhar o pai nas batalhas, organizou uma esquadra e voltou para a Turquia mas, chegando l, recebeu a notcia do fim da guerra e derrota do seu povo - da a msica:

"Fala Vodum, Senhor Joo de Imbarabaia

Prenderam o turco, nosso rei de Imbarabaia

Vodum chorou e no romper do dia

Desceu na guma, Imperador Rei da Turquia".

Fala-se na Casa de Fanti-Ashanti que Tabajara, um dos filhos mais velhos do Rei da Turquia, filho de uma cigana. Seria esta esposa cigana do Rei da Turquia a Maria de Alexandria?!. A ligao dos turcos com a linha de ciganas bastante conhecida nos terreiros de So Lus - muitas das princesas adotadas por Floripes (irm do Rei da Turquia), so ciganas. Se a esposa cigana do Rei da Turquia for Maria de Alexandria, teria ela alguma relao com Maria Padilha, conhecida em outras manifestaes da religio afro-brasileira como rainha das ciganas (AUGRAS,M. 1989:29-n.2) ?

H tambm muita controvrsia entre pais-de-santo da Mina em torno da vinda do Rei da Turquia para o Brasil. Alm da histria contada na Casa de Fanti-Ashanti (em que ele chegou com Dom Joo), tambm muito conhecida a verso de Pai Jorge (OLIVEIRA,J. 1989:47), segundo a qual o Rei da Turquia entrou na Mina com Dom Lus, indo para a Casa de Nag e outro para o terreiro de Manoel Teu Santo (j desaparecido). Segundo Pai Jorge, Rei da Turquia foi trazido por Dom Lus, como prisioneiro, aps a "ltima cruzada contra os mouros" (Lus IX, o santo, em 1270?).

Circula ainda nos terreiros de So Lus a verso de que o Rei da Turquia veio para o Maranho procura de suas filhas (SANTOS,M.R. e SANTOS NETO,M. 1989:61), o que parece confirmado na j citada histria da Cabocla Mariana, ouvida em So Paulo na Casa de Pai Francelino de Xapan. Histria esta contada por aquela encantada para explicar porque ela e sua irm Jarina, sendo da gua salgada, entraram na gua doce - na encantaria do Rei Sebastio.

CONSIDERAES FINAIS E CONCLUSO

Chegando ao final desta "caminhada", parece desnecessrio reafirmar que os conceitos de caboclo, encontrados na literatura antropolgica, no conseguem dar conta da diversidade das entidades espirituais caboclas conhecidas na religio afro-brasileira e que muito difcil falar sobre o caboclo, em geral, sem cair em grosseiras simplificaes. Talvez a nica caracterstica reconhecidamente comum a todos os caboclos da religio afro-brasileira seja ser brasileiro. Apesar de muitos deles terem, no Tambor de Mina, "dupla nacionalidade" (brasileira e turca, francesa, africana ou paraguaia...), todos os caboclos "nasceram" no Brasil enquanto entidade espiritual, e s se tornaram conhecidos como tal, depois que passaram a incorporar em terreiros brasileiros. Definidos como brasileiros (naquele sentido amplo), os caboclos distinguem-se dos voduns, orixs e inkices (divindades africanas), mas no se diferenciam de outras entidades espirituais recebidas na religio afro-brasileira: pretos-velhos (da Umbanda), gentis (da Mina), boiadeiros e capangueiros (do Candombl e da Umbanda).

O exame da literatura antropolgica aponta outra caracterstica geral do caboclo que tambm encontrada em pretos-velhos e boiadeiros. Os caboclos, embora nem sempre sejam considerados a servio das divindades africanas, esto sempre abaixo delas nas diversas manifestaes religiosas afro-brasileiras (Candombl, Umbanda, Mina e outras). Por mais valorizados que sejam, existe sempre uma fora espiritual acima deles nos terreiros ou na cabea dos filhos-de-santo (alm de Deus e dos santos catlicos). Entretanto, os caboclos esto acima de muitos espritos recebidos em sesses kardecistas realizadas em terreiros (Mesa Branca), onde so recebidos como espritos de luz (mais evoludos). Mas, se pensar o caboclo como brasileiro e como entidade espiritual de nvel hierrquico intermedirio (em vez de ndio ou representante de tipos regionais, como ele aparece, mais freqentemente, na literatura antropolgica), permite incluir naquela categoria os caboclos que so recebidos no Tambor de Mina, no permite distinguir caboclos de pretos-velhos e boiadeiros.

A literatura antropolgica aponta, no entanto, uma caracterstica geral dos caboclos, tambm encontrada naquelas entidades no Tambor de Mina, que os distingue dos pretos-velhos: o caboclo livre, nunca foi escravo . Na Mina, apesar de alguns caboclos serem representados como pretos (de pele morena-escura), ou de origem africana (como os da famlia de Surrupira e de Lgua-Buji), nunca se fala que algum deles foi escravo. Os caboclos da Mina foram, no entanto, freqentemente prisioneiros de guerra, o que faz com que a falta de liberdade no seja uma caracterstica to estranha a eles. Assim, para se poder dizer que o caboclo da Mina brasileiro e que foi sempre livre, preciso estender o sentido do termo brasileiro a todas as entidades espirituais que comearam a ser recebidas, em transe, no Brasil e encarar o termo livre no sentido de no escravo. Contudo, tanto na Umbanda como no Candombl, ser livre aparece intimamente associado a ser ndio quando, na maioria das vezes, os caboclos da Mina s aparecem ligados ao ndio de forma indireta.

No Tambor de Mina, ndio no caboclo e parece opor-se a vodum. Mas, nos terreiros de So Lus, pode tornar-se caboclo e deste modo aproximar-se das divindades africanas e dos gentis (nobres a elas associados). Na Mina, os espritos indgenas so selvagens ("brutos") e no participam, como os caboclos, de 'toques' realizados para as divindades africanas. Por essa razo, so homenageados em festas separadas, onde no h incorporao de voduns e gentis (denominadas Tambor de ndio, ou Tambor de So Miguel, Bor e Canjer). De acordo com a mitologia dos turcos, a ligao dos espritos indgenas com as divindades africanas foi feita primeiro por Caboclo Velho, pela "caboclizao" do ndio Sapequara, e depois pela integrao deles com entidades espirituais ligadas aos gentis (mas no associadas, como eles, a divindades africanas), como os turcos.

As entidades caboclas da Mina no so nem ndio e nem vodum mas ligam-se a eles direta ou indiretamente, da porque participam tanto dos 'toques' em louvor s divindades africanas como do Tambor de ndio. Sendo entidades intermedirias so muito maleveis e podem adotar uma postura semelhante dos voduns e gentis (como na Casa de Nag e terreiros por ela influenciados), ou semelhante das entidades indgenas, quando participam de Tambor de ndio. Conseguem tambm desfazer as oposies iniciais entre voduns e espritos indgenas e ligar todas as entidades espirituais recebidas nos terreiros. Sua aproximao com os voduns deve-se tanto ao seu distanciamento da "selvagera" (observado no caso de Caboclo Velho), como sua ligao com os gentis (Dom Joo, Rei Sebastio, Dom Pedro Angao, Dom Lus e outros), perfeitamente integrados Mina-nag-cambinda.

O tipo e o grau de ligao do caboclo com o ndio e com os gentis varia de famlia para famlia. Os turcos, por exemplo, descendem de Rei da Turquia que primo de Dom Lus, Dom Joo e Dom Manuel mas "entrou na mata" e ligou-se de tal forma a Caboclo Velho, que considerado seu "irmo" e sua famlia se confunde com a dele (inclusive porque muitos turcos tm nomes indgenas). O parentesco dos caboclos com os gentis nem sempre tambm muito grande ou direto. Assim, os turcos so primos afastados de reis europeus (de segundo e terceiro grau) e os caboclos da famlia de Lgua-Buji ligam-se a Dom Pedro Angao por parentesco mas aquele seu filho adotivo. Os caboclos que descendem diretamente de reis europeus ou que deveriam substitu-los no trono, como Corre-Beirada, primognito de Dom Lus (mais ligado 'linha' de Cura /Pajelana), nunca so confundidos com os gentis pois, ao contrrio daqueles, afastam-se da corte e adotam modos de vida "do povo" (passam a gostar de festa, cachaa, briga, Mina e pajelana - traos do esteretipo de povo no Maranho), como revelam suas histrias.

Os caboclos que tm origem nobre nunca participam dos 'toques' de Mina como gentis, o que mostra que, na Mina, a categoria das entidades espirituais depende mais de sua situao atual do que de sua origem. Contudo, embora classificados como caboclos e nunca como gentis, aquelas entidades espirituais so freqentemente enquadradas em subcategorias que chamam ateno para a sua origem, como "gentilheiros' ou fidalgos (quando este termo no usado como sinnimo de gentil). Mas sua integrao naquelas categorias intermedirias no depende apenas de sua origem, geralmente exigida por sua posio privilegiada no terreiro ou na cabea dos filhos-de-santo.

Devido grande heterogeneidade do caboclo no Tambor de Mina, torna-se difcil apresentar uma definio deles que d conta de sua diversidade sem deixar de apontar suas diferenas em relao a outras entidades espirituais recebidas pelos filhos-de-santo. Denominam-se caboclos, no Tambor de Mina, as entidades espirituais de etnias e origens diversas que comearam a ser recebidas, em transe, em terreiros brasileiros; que tm uma posio inferior dos voduns, orixs e gentis, mas ligam-se, freqentemente a estes por parentesco consangneo e que ligam as entidades espirituais indgenas s divindades africanas. Os caboclos da Mina so organizados em famlias, geralmente associadas a 'naes' africanas no hegemnicas ('taipa', 'fulupa', cambinda) e, apesar de no serem recebidos em So Lus na Casa das Minas-jeje, tm as "portas abertas" nos 'toques' realizados na Casa de Nag e em muitos outros terreiros maranhenses, pelo vodum Averequete (jeje), o que parece indicar sua maior identificao com as divindades jeje do que com os orixs nag.

Na Mina maranhense, a histria das entidades espirituais brasileiras (gentis e caboclas) mais lembrada publicamente do que a dos voduns e orixs, e a dos caboclos narrada, principalmente, nas letras das msicas cantadas em ritual e, por eles mesmos incorporados em pais-de-santo ou em pessoas de nvel hierrquico alto nos terreiros. As narrativas mticas de entidades espirituais "brasileiras" que chefiam, na Mina, grandes famlias de encantados, apresentam, freqentemente, pontos de ligao com a Histria, com a literatura e com o folclore. Mas, embora muitos encantados recebidos na Mina sejam personagens de histrias conhecidas antes do seu surgimento nos terreiros, sua mitologia no pode ser vista como mera reproduo da histria daqueles, uma vez que suas vidas, como encantados, no conhecem os limites de tempo, de espao e outros impostos a eles, e continuam em elaborao - pelo acrscimo de episdios vividos por eles nos terreiros, quando incorporados, por alteraes em seus atributos e em seu perfil, provocadas pelos desdobramentos de suas histrias. No Tambor de Mina, tanto a histria original como a histria atual do caboclo so lembradas pelos 'mineiros' para explicar ou justificar aspectos da religio e da vida do terreiro, o que mostra que suas aes atuais so integradas mitologia e que esta no apenas revivida no ritual e sim continuada e transformada por ele.

As caractersticas individuais e o perfil dos caboclos no Tambor de Mina dependem da histria anterior ao seu surgimento nos terreiros como entidade espiritual mas tambm de sua histria atual, vivida por eles nos terreiros, quando incorporados, histria esta capaz de transformar seus atributos, alterar seu perfil e direcionar suas aes em outro sentido. Devido a esse dinamismo da mitologia do caboclo os turcos, conhecidos na Histria do Imperador Carlos Magno e os Doze Pares de Frana como inimigos dos cristos e, nas Cheganas, como opositores a Dom Joo, aceitaram, no Tambor de Mina, So Joo e outros santos catlicos e ligaram-se por laos de compadrio ao vodum Averequete e a nobres europeus conhecidos na literatura e nas danas mouriscas como seus maiores inimigos.

Os caboclos da Mina, graas sua identidade mltipla e aproximao com gentis e entidades espirituais indgenas, podem ser classificados de formas diferentes nos diversos terreiros (dependendo de sua posio em relao s outras entidades espirituais do terreiro e de sua importncia na cabea dos filhos-de-santo). Graas ao seu estreito relacionamento com os voduns e sua capacidade de adaptao, os caboclos da Mina tm permanecido em terreiros onde vm ocorrendo mudanas de orientao africanista, apresentadas como mudana de 'nao', ou "nagoizao", conquistando novos espaos e assumindo novas caractersticas.

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Publicado em:

In: Premier Encuentro de Culturas Afro-Americanas, 1991, Buenos Aires. Buenos Aires Argentina 27/08/1991. Abstracts/Resumenes, 1991. p. 32-32.

Instituto de Investigacion y Difusion de las Culturas Negras Ile Ase Osum Doyo

O texto parece falar da chegada de Floripes Mina (na guma - barraco), e apresent-la como encantada j conhecida na Cura - Pajelana (trazendo marac).

Segundo Dona Zeca, filha de Me Anastcia, Manuel Teu Santo morreu em So Lus, antes de sua me dar luz um menino que era um pouco mais velho que Dona Amncia da Casa das Minas (que nasceu por volta de 1902).

Em terreiros paraenses circula a informao de que a famlia de Rei da Turquia constituda de duzentos membros e que muitos dos seus filhos so adotivos e foram dados a ele por seus pais por terem sido defendidos por aquele guerreiro - como o Caboclo Nobre, que filho de Dom Pedro Angao, representante daquele turco em Cod (LEACOCK,S. e R. 1975:139).

Como nos informou o pai-de-santo: Marco Antnio da Silveira (de Osse).

Entre os folhetos de cordel que contam a histria das batalhas entre mouros e cristos podem ser citados: BARROS, Leandro G. de A batalha de Oliveiros com Ferrabrs e A priso de Oliveiros (s. d.), em circulao. A histria do Rei da Turquia foi tambm contada por: LEACOCK,S. e R. (1975:130), e so tambm fornecidas algumas informaes sobre ele em: FERREIRA,E. (1987) e em OLIVEIRA,J. (1989).

Embora haja acordo entre os 'mineiros' em relao ao nmero de famlias do Rei da Turquia, alguns, como Pai Jorge (OLIVEIRA,J. 1989:47), falam que o nome delas Ferrabrs, Ramos e Mouro (e no Borgonha) e outros como D.N. (muito ligada ao Terreiro da Turquia pois incorpora um dos filhos do Rei da Turquia), dizem que as trs famlias daquele turco so: Alexandria (e no Ferrabrs), Ramos e Borgonha.

Segundo Pai Euclides, talvez os turcos no revelem seus verdadeiros nomes por causa de suas ligaes com o paganismo. So conhecidos por nomes que falam de sua origem ou de suas faanhas (como Guerreiro de Alexandria e Mensageiro de Roma), que descrevem suas caractersticas pessoais (como Rouxinol - o cantador), ou que acentuam sua ligao com ndios brasileiros (como Tabajara e Iracema). A adoo de nomes indgenas foi uma prtica muito adotada no Brasil, prximo sua independncia de Portugal e tem alguma coisa a ver com o romantismo da poca e com as idias indigenistas de Gonalves Dias (autor do poema I-Juca-Pirama, to conhecido em So Lus, que fala dos ndios Timbira do Maranho) e do cearense Jos de Alencar (autor do romance Iracema - nome adotado por uma das filhas do Rei da Turquia).

A histria da chegada de Tabajara ao Brasil to parecida com a do pai que s vezes nos leva a pensar que eles vieram juntos. Segundo nos contou (incorporado em Pai Euclides). Chegou no Brasil com Dom Manuel, primo de seu pai, mas perdeu-se dele e foi passear no Baixo-Amazonas, onde foi convidado por Caboclo Velho para uma festa... (Casa de Fanti-Ashanti, 25/09/1983).

Nos terreiros de So Lus Douro chamada de Rainha e no de princesa, como deveria, por ser filha de rei, e como sua tia Floripes era considerada at a morte do Almirante Balo, na Histria do Imperador Carlos Magno e dos doze Pares de Frana. Teria sucedido o pai, casado com um rei ou estaria sendo vista como uma das esposas do Rei da Turquia ou confundida com aquela sua tia, que reinou sobre a metade do Imprio Turco, como narrado naquela obra.

Essa doutrina cantada em So Lus na Casa de Nag com alguma variao. Em vez de "ficou o rei do Paraguaia", registrado por ns no Terreiro da Turquia, ouvimos ali: "que era o rei do Paraguaia" (?)

Segundo Monique AUGRAS (1989:29-n.2), Maria Padilha personagem histrica e foi amante de Dom Pedro I, rei de Castela (1350-1369). Ser que os 'mineiros' evitam falar que uma das esposas do Rei da Turquia Maria e/ou cigana para evitar que seja associada a Maria Padilha? Ou tal associao apareceria a eles como mais uma idia absurda de antroplogos a respeito de entidades espirituais da religio afro-brasileira?! Mais de um pai-de-santo teve essa reao quando comentamos que pareceu aos LEACOCK (S. e R., 1975:136) que Dom Joo Soeira, Rei de Mina, e sua esposa Fina Jia poderia ser o mineiro (de Minas Gerais) Joo Fernandes de Oliveira e sua amante Xica da Silva.

Pai Jorge associa Dom Lus tanto a Lus XIII - Delfim na poca que os franceses fundaram a cidade de So Lus-Ma (OLIVEIRA,J. 1989:38), como a Lus IX - o da ltima cruzada (idem,47), no que concorda com VERGER (1982:240) e com AUGRAS (1988:77) para quem Dom Lus So Lus. Normalmente, na Mina maranhense, santo no encantado mas talvez existam pelo menos duas excees: So Lus e Santa Joana d'Arc (esta denominada Douro, como encantada, com o nome de Douro e talvez no conhecida pelos 'mineiros' como santa canonizada pela Igreja Catlica e continue sendo vista como santa legitimada apenas pela tradio popular). Dom Lus tambm aparece associado a Lus XVI (decapitado em 1793), na obra dos LEACOCK (1975:159) em virtude deste ter sido casado com Maria Antonieta, nome da esposa de Dom Lus, segundo aqueles pesquisadores (que em alguns terreiros maranhenses conhecida por Maria Antnia - que o nome de uma de suas filhas em outras casas).

No dispomos de informaes que nos permitam examinar melhor essa questo em relao aos boiadeiros. Essas entidades aparecem geralmente na literatura como uma tribo de caboclo (M. B. SANTOS) ou como uma variante sertaneja do caboclo (CONCONE, 1986) - indgena, mas tambm representada com alguns atributos de pretos-velhos, inclusive como de Luanda.