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7/17/2019 Mia Couto_ ‘Não Teremos Futuro Se Mentirmos Para o Passado’ - Jornal O Globo
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Mia Couto:
‘Nãoteremosfuturo se
mentirmospara o
passado’Escritor moçambicano acredita
que, 40 anos após a
declaração de independência,efeitos da guerra civil aindasão sentidos no país e que
elite predatória é responsávelpor parte das mazelas
nacionaisPOR FELIPE BENJAMIN
26/06/2015 7:00
7/17/2019 Mia Couto_ ‘Não Teremos Futuro Se Mentirmos Para o Passado’ - Jornal O Globo
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Filipe Nyusi, presidente moçambicano, acende tocha para celebrar o 40º aniversário da independência
do país - Sergio Costa / AFP
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RIO - A capital, Maputo, ainda carregava o nome do navegador português
Lourenço Marques quando, em 25 de junho de 1975, o comandante militar
Samora Machel — que se tornaria o primeiro presidente do país e ganhariaa alcunha de “Pai da nação” — proclamou “a independência total e
completa de Moçambique”, no Estádio da Machava. Na quinta-feira, no
mesmo local, com arquibancadas lotadas e a presença de diversos líderes
africanos, o atual presidente, Filipe Nyusi, celebrou o 40º aniversário da
independência moçambicana, à frente de uma nação marcada pela forte
contradição entre um impressionante desenvolvimento econômico e níveis
ainda preocupantes nos avanços sociais.
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Moçambique, um longo caminho a percorrer
O país ficou marcado por dez anos de guerra antes que um cessar-fogo,
estimulado pelo sucesso da Revolução dos Cravos em Portugal, permitisse
que Moçambique e as colônias africanas pudessem dar o tão sonhado
passo rumo à libertação do domínio colonial. Dois anos depois, conflitos
voltaram a assolar o país, que se viu mergulhado numa guerra civil até
1992.
Nascido sob o domínio português, o escritor Mia Couto, autor de “Terra
Sonâmbula” e vencedor do Prêmio Neustadt no ano passado, disse ao
GLOBO, por e-mail de Lisboa, que o processo de libertação do país ainda
não terminou e depende de um olhar honesto sobre o passado nacional.
Portugal é um dos principais investidores da economia
moçambicana. Como as relações de Moçambique com os antigos
colonizadores afetam a identidade moçambicana pós-colonial?
Não afetam. Os antigos colonizadores nunca foram tão colonizadores como seacredita de um e do outro lado. Portugal era uma nação pequena para administrar
tanto território e sempre teve dificuldade de se erguer como centro de um impérioque era mais sonhado do que real. As relações de hoje são aquelas que se podemesperar. Do lado de Portugal e do lado de Moçambique, houve uma maturidade quefoi alcançada pela distância e pela percepção, sempre presente na luta delibertação nacional, de que ambos os povos lutavam contra um mesmo inimigo.
Apesar do impressionante crescimento econômico, números
apontam que o país não registrou grandes avanços na
eliminação das desigualdades sociais e na erradicação da
pobreza. Quais têm sido os principais empecilhos para queMoçambique supere esses desafios?
Primeiro, foi a guerra civil e a instabilidade militar e política associada a
essa violência. É preciso não esquecer que o país esteve paralisado durante
16 anos. Hospitais e escolas foram queimados, professores e enfermeiros
foram eliminados, e as infraestruturas foram destruídas. A guerra fez um
milhão de mortos, e deixou uma ferida que não cicatrizará nos próximosanos. Mas embora ela tenha sido o principal fator de atraso, não se pode
culpar apenas essa guerra. Existe uma elite que pensa o país como sua
propriedade e que está disposta a usar os recursos não como fator de
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progresso social, mas de enriquecimento fácil e rápido de uma pequena
minoria.
Raio-x da situação de Moçambique - O Globo / Editoria de arte
Em recente entrevista, o senhor afirmou que a Frente de
Libertação de Moçambique (Frelimo), da qual fez parte nos anos1970, “se distanciou do sentido de militância que caracterizou a
luta de libertação nacional moçambicana”. Como e quando crê
que o grupo se desviou da proposta original?
Aconteceu em Moçambique como em todos as nações recém-libertadas. As
forças que fizeram a revolução rapidamente se converteram no seu próprio
oposto: um grupo fechado com medo do futuro e com receio de serconfrontado com o seu próprio passado. No caso de Moçambique, existem
ainda na Frelimo forças que reivindicam legitimamente esse ideal de
justiça e de liberdade que fez nascer a Frente de Libertação.
Nas eleições moçambicanas de 2009, partidos de oposição
acusaram a Frelimo de fraude eleitoral, e observadores
internacionais reconheceram que o processo eleitoral do paísapresentava falta de transparência. Até que ponto a corrupção é
parte da política moçambicana?
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A corrupção é parte da política em todo lado. Querem-nos sugerir que é um
processo natural, que a corrupção faz parte do sistema, que é um efeito
colateral de uma dieta ontológica de que não se pode fugir. No caso das
nações pobres, como Moçambique, essa corrupção gera sentimentos de
revolta mais evidentes e imediatos. Mas a corrupção que é patente nos
países ricos não deixa de ser moralmente menos condenável.
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O que creio ser importante
reconhecer é que deixou de se
poder dizer que a corrupção é umacoisa da África. A diferença é
apenas de grau. E as diversas
corrupções, no centro e na
periferia do capitalismo neoliberal,
fazem parte de um mesmo
sistema. São as duas mãos de um
mesmo corpo.
Qual foi o papel das mulheres
na luta pela independência de
Moçambique, e de que
maneira elas se enquadram
no futuro da sociedade
moçambicana do século XXI?
As mulheres foram, sem dúvida,
uma das forças sociais com mais
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dinamismo e cujo papel se tornou mais evidente nestes últimos 40 anos.
São as mulheres que sustentam a verdadeira economia nacional — a
erroneamente chamada de “economia informal”. Creio que os
moçambicanos estão conscientes que a violência contra a mulher é um dos
males a corrigir na nossa sociedade. As agressões contra a mulher
constituem uma verdadeira guerra silenciosa que coloca em risco apossibilidade de sermos felizes e termos uma nação estável e justa.
É possível dizer que, de certa forma, a luta pela libertação de
Moçambique nunca terminou totalmente?
Não terminou. E não se podem inventar culpados. Essa luta demora o seu
tempo, e a primeira coisa que se deve exigir é que façam as coisas com
verdade. Não se pode inventar um passado de que somos apenas vítimas, e
continuar justificando os fracassos atuais como se não houve
responsabilidades dos nossos próprios dirigentes e das estratégias que
abraçamos. Não se pode continuar a dizer que está tudo bem e que a
oposição é que inventa aquilo que deveria nos envergonhar. Não teremos
futuro verdadeiro se continuarmos a mentir para o passado.