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Microfinanças Democratização do Crédito no Brasil Atuação do Banco Central Sérgio Darcy da Silva Alves e Marden Marques Soares 3ª edição Revista e ampliada

Microfinanças – Democratização do Crédito no Brasil ...§as Democratização do Crédito no Brasil Atuação do Banco Central Sérgio Darcy da Silva Alves e Marden Marques Soares

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MicrofinançasDemocratização do Crédito no Brasil

Atuação do Banco Central

Sérgio Darcy da Silva Alves e Marden Marques Soares

3ª ediçãoRevista e ampliada

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Não há referências à fonte em gráficos ou tabelas geradospelo Banco Central do Brasil.

Controle Geral de Publicações

Banco Central do BrasilSecre/Surel/DimepSBS – Quadra 3 – Bloco B – Edifício-Sede – M1Caixa Postal 8.67070074-900 Brasília – DFTelefones: (61) 3414-3710 e 3414-3567Fax: (61) 3414-3626E-mail: [email protected]: www.bcb.gov.br

ISBN 85-99863-04-5

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Agradecimentos

O presente trabalho representa um importante passo no caminhotrilhado por quem, desde o início, participou dos debates e forjou conceitos,idéias e pensamentos que deram origem aos resultados que, com grandesatisfação, podem-se visualizar no campo das microfinanças brasileiras.Entretanto, como em todos os demais passos desse caminho, o apoio devários colaboradores foi decisivo.

A dificuldade em coletar informações confiáveis e consistentes sobreo tema, principalmente quando a pesquisa é sobre o impacto de medidasadotadas no mercado brasileiro, somente foi transposta com a ajuda doscolegas Abelardo Duarte de Melo Sobrinho, Cleófas Salviano Júnior,Marcelo Bayma, Marcos Antonio Henriques Pinheiro, Milton Luiz de MeloSantos, Mitchurim Borges Diniz e Wiliam Pereira da Cunha, cujos esforçosde compilação de dados estão presentes neste livro, e sem os quaisdificilmente teríamos conseguido realizá-lo a contento.

Não podemos deixar de agradecer também o estímulo consubstanciadoem palavras de incentivo e outras ações concretas de apoio trazidas porvários outros pesquisadores, de fora e de dentro do Banco Central, muitosdeles interessados e dedicados ao tema pela motivação inerente às açõescom visibilidade social dele resultantes.

Sérgio Darcy da Silva Alves e Marden Marques Soares

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Apresentação

Para nós que, ao longo da vida profissional, enfrentamos diversosdesafios com o objetivo de dotar o Sistema Financeiro Nacional (SFN) decondições competitivas ideais para os seus integrantes, não importando oseu tamanho, buscando sempre o seu aprimoramento em termos de normasinternacionais e a adoção de regras prudenciais que tornem cada vez maisseguras as aplicações e os depósitos efetuados nas diversas instituiçõesque o compõem, ao recebermos a incumbência de participarmos daestruturação de um sistema de microfinanças em nosso País, passamos ater o mesmo empenho com que nos dedicávamos aos demais objetivos.

Decorridos alguns anos de árduo trabalho, com a participação de umagrande e interessada equipe, podemos dizer que os resultados hoje colhidosrefletem não só o nosso esforço, como o dos integrantes do governo federalem suas diversas unidades. Assinale-se que estamos no início de umprocesso que ainda trará ganhos consideráveis para uma enorme parcelade nossa população ainda desassistida.

Nesta nova edição, além de inúmeros acréscimos e modificações,resultantes, em grande parte, do dinamismo próprio do segmento,apresentamos as inovações legislativas e regulamentares ocorridas desdea edição anterior, com a inclusão de dados que refletem o crescimentoexperimentado pelo setor, em função das novas regras fixadas para asdiversas modalidades.

Esperamos, dessa forma, ter contribuído para a difusão das microfinançasem nosso País, e conseqüentemente, para a redução da desigualdade social,objetivo maior de todos os governos.

Sérgio Darcy da Silva Alves e Marden Marques Soares

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Índice de figuras, gráficos e tabelas

Figura 1Logomarca do Ano Internacional do Microcrédito, pág. 18

Figura 2Conceito de microfinanças, microcrédito e MPO, pág. 29

Figura 3Distribuição das cooperativas por região, pág. 42

Gráfico 1Distribuição regional da população que vive com menos de 1 dólar PCCpor dia, pág. 14

Gráfico 2Atendimento à demanda potencial, pág. 15

Gráfico 3Comparação entre valor médio dos empréstimos das MFIs por regiões, pág. 16

Gráfico 4Quantidade de cooperativas, pág. 40

Gráfico 5Quantidade de cooperativas e de PAC, pág. 40

Gráfico 6Quantidade de cooperados, pág. 41

Gráfico 7Patrimônio líquido acumulado, pág. 42

Gráfico 8Quantidade média de associados por grupamento, pág. 46

Gráfico 9Quantidade de cooperativas singulares por sistema, pág. 46

Gráfico 10Cooperativas por forma de associação, pág. 47

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Gráfico 11Crescimento percentual dos bancos cooperativos, pág. 49

Gráfico 12Decomposição do spread bancário, pág. 56

Gráfico 13Entidades de microcrédito por tipo, pág. 69

Gráficos 14 e 15Distribuição regional e atuação das SCMs, pág. 70

Gráfico 16Municípios desassistidos, pág. 87

Tabela 1Atuação dos bancos privados brasileiros no microcrédito, pág. 21

Tabela 2Empresas do setor informal que utilizaram crédito nos últimostrês meses, pág. 30

Tabela 3Proporção de proprietários de empresas do setor informal, por tipo de empresa,segundo tipo de acesso a instrumentos financeiros utilizados, pág. 31

Tabela 4Composição da oferta de microcrédito, pág. 32

Tabela 5Cooperados em relação à população economicamente ativa, pág. 37

Tabela 6Quantidade de instituições em funcionamento, pág. 41

Tabela 7Seminários de divulgação de microfinanças, pág. 43

Tabela 8Participação das cooperativas de crédito nos principais agregados financeirosdo segmento bancário, pág. 43

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Tabela 9Direcionamento dos recursos livres para operações de crédito, pág. 44

Tabela 10Quantidade de PACs por cooperativa (grau de verticalização), pág. 45

Tabela 11Limites de exposição por cliente – Resolução 3.140, pág. 57

Tabela 12Limite mínimo de capital e PR – Cooperativas de livre admissão, pág. 59

Tabela 13Limites de exposição por cliente – Resolução 3.321, pág. 61

Tabela 14Pleitos de constituição/transformação após a edição das novasregras de acesso, pág. 64

Tabela 15Aperfeiçoamentos trazidos pela Resolução 2.874, pág. 67

Tabela 16Evolução dos agregados financeiros das SCMs, pág. 71

Tabela 17Correspondentes bancários – Informações básicas, pág. 74

Tabela 18Acesso a contas bancárias, pág. 75

Tabela 19Quantidade de contas especiais abertas, pág. 79

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SumárioAgradecimentos

Apresentação

Índice de figuras, gráficos e tabelas

Introdução ..............................................................................................13O mercado microfinanceiro mundial ...................................................... 152005, o Ano Internacional do Microcrédito .......................................... 18

Os bancos, as MFIs e as formas de atuação governamental .....19

Bases e princípios .................................................................................22

Envolvimento do Banco Central do Brasil .....................................27

Conceitos, diagnóstico e mercado ...................................................28O mercado brasileiro de microcrédito ................................................... 30Os sistemas de informação e o microcrédito ....................................... 33

Atuação do CMN e do Banco Central .............................................36Cooperativismo de crédito ....................................................................... 36

Experiência brasileira ............................................................................ 38Evolução normativa ................................................................................ 47

Microcrédito ................................................................................................ 65Formas de atuação no Brasil ................................................................. 68Situação atual das SCMs ....................................................................... 70

Correspondentes bancários ...................................................................... 71Evolução normativa ................................................................................ 71

Medidas de estímulo às microfinanças a partir de 2003 ..................... 74Contas simplificadas (bancarização) ................................................... 75Direcionamento de 2% dos depósitos à vista .................................... 79

Conclusões – Desafios .........................................................................83Cooperativismo de crédito ....................................................................... 83Microcrédito ................................................................................................ 85Correspondentes bancários ...................................................................... 86

Bibliografia .............................................................................................89

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tralIntrodução

Justamente no dia em que completou 22 anos, Piranjali Khumar,moradora de Neredparla, localidade situada no estado indiano de AndhraPradesh, recebeu de seu marido a notícia da separação. Voltou, então, paraa casa do pai desempregado, levando consigo dois filhos pequenos e odesafio de sustentar, sozinha, agora quatro pessoas. O horizonte era dedesespero pela total falta de oportunidades ou de opções.

Um mês depois, Piranjali foi à luta. Conseguiu empréstimo deUS$200.00 (aproximadamente 9 mil indian rupee, a moeda local) junto auma entidade microfinanceira (MFI) que começara a atuar em sua região,comprou cinco bicicletas usadas e montou uma empresa de aluguel debicicletas. Ela cobrava da vizinhança US$0,07 por hora e US$0,33 pordia. Em pouco tempo, estava faturando algo em torno de US$150,00 pormês. Com empréstimos sucessivos e crescentes, Piranjali conseguiuexpandir seus negócios e hoje é dona de uma próspera rede de lojas decomercialização, reparo e aluguel de bicicletas, com lucratividade que lhepermite dar uma vida digna para seus familiares1.

A estória de Piranjali é inspiradora para a maior parte da população domundo, que sobrevive com uma renda de 2 a 3 dólares norte-americanospor dia. Dessa população, mais de 500 milhões são economicamente ativos.São pessoas que ganham a vida trabalhando por conta própria, emmicroempreendimentos (negócios muito pequenos, que empregam até cincopessoas), ou como empregados informais desses microempreendimentos.Essas pessoas produzem e ofertam uma ampla variedade de bens e serviçosem pequenos galpões de fundo-de-quintal e em feiras espalhadas pelo mundo.

Apesar de seu dinamismo e senso de negócio, esses microempreendedoresperdem oportunidades de crescer com segurança, principalmente porquenão têm acesso a serviços financeiros adequados. Ressentem-se não apenasda escassez do crédito, mas também da falta de acesso adequado a outrosserviços como poupança e seguro. Estima-se que essa massa representemais de 80% do universo de microempreendedores que atuam nos paísessubdesenvolvidos. Para resolver seus problemas, eles são obrigados arecorrer a fontes de recurso alternativas, como empréstimos de familiares,de amigos ou de agiotas.

1 História baseada em caso de sucesso divulgado pela Unitus/SKS.Disponível em <http://www.unitus.com>.

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Foi para ocupar esse nicho de mercado que surgiu, em diversos países,a indústria microfinanceira, que tem como foco a oferta de serviçosespecializados para pessoas carentes. No início, acreditava-se que aexpansão da quantidade de empréstimos era a melhor forma de apoiar aeconomia dos setores mais desassistidos da população2. Entretanto, hojese percebe a importância da incorporação de outros serviços que permitamàquelas pessoas administrarem melhor seus ganhos e ativos, implementandoo manejo de suas economias e mitigando os riscos.

Daley-Harris (2002) enfatiza que esses riscos têm as mais variadasnaturezas e que, para melhor compreendermos a sua dimensão, devemosnos lembrar de que habitamos um mundo onde mais de 100 milhões decrianças em idade escolar nunca puseram os pés numa escola, 29 milcrianças morrem por dia de desnutrição e outras enfermidades e 1,2 bilhãode pessoas vivem com menos de um dólar PCC3 por dia (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Distribuição regional da população que vive com

menos de 1 dólar PCC por dia

Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano 2004 – PNUD

Em sua fase inicial, as microfinanças eram território exclusivo dasOrganizações não Governamentais (ONGs) especializadas e de algunsbancos como o Bank Rakyat (Indonésia), o Grameen Bank (Bangladesh),o Kenyan Rural Enterprise Programme (Kenya), o Banco Sol (Bolíva),entre outros. Eles desafiaram a visão tradicionalista dos anos 70 edescortinaram uma nova tecnologia creditícia que funciona bem nesseambiente. Com essa tecnologia centrada em empréstimos pequenos sem

2 Na maioria das vezes, uma instituição microfinanceira começa a ser rentável quanto atingea marca mínima de 10.000 clientes ativos (IMBODEN, 2002).

3 Paridade do Poder de Compra: elimina as diferenças de custo de vida entre os países.

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garantias, taxas de juros de mercado, negócios de curtíssimo prazo e usodo agente de crédito para ir ao cliente, demonstraram que a maioria dospobres, geralmente excluídos do financiamento formal, pode, de fatorepresentar um nicho de mercado rentável para serviços bancários, combenefícios para a sociedade.

O mercado microfinanceiro mundial

Nos últimos 25 anos, as microfinanças têm sofrido um rápido processode desenvolvimento e estruturação. Estima-se que mais de 30 milhões depessoas têm acesso a serviços microfinanceiros ofertados por mais de 10mil instituições especializadas. Dessas, algumas centenas já podem serconsideradas como entidades financeiras maduras, que ofertam serviçosde forma adequada. Entretanto, o setor microfinanceiro ainda é muitoheterogêneo, e algumas boas experiências, como as mencionadas noparágrafo anterior, têm servido de exemplo para as novas iniciativas.

Pesquisa apresentada por Daley-Harris (2002, p. 267-269) mostra queo atendimento à demanda potencial de 235 milhões de famílias mais pobrescontinua extremamente baixa. Na Ásia, embora quase 15 milhões dessasfamílias tenham acesso a serviços microfinanceiros, o percentual do totaldas necessidades potenciais é de apenas 9,3%. Na África e América Latina,esse percentual é de aproximadamente 6%. O Gráfico 2 apresenta umpanorama do grau de cobertura das microfinanças nas mais importantesregiões do mundo.

Gráfico 2 – Atendimento à demanda potencial

Valores em R$ milhões

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O “Microbanking Bulletin 11”, de agosto de 2005, traz interessantepesquisa que mostra a importância dos empréstimos pela comparação doseu valor médio com o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, nasprincipais regiões do mundo. Esse foco de análise é importante por destacara importância desses empréstimos de pequeno valor para as regiões maiscarentes, como é o caso da África (Gráfico 3).

Gráfico 3 – Comparação entre valor médio dos empréstimos das MFIs por regiões

Média de empréstimos por tomador/PIB per capita

É importante também abordar um fenômeno que esteve em voga nosanos 90 e foi objeto de estudos e discussões em diversos fóruns ao redordo mundo. Trata-se da conversão do modelo ONG pura para outro, noqual a ONG se transforma em um dos controladores de uma MFI com finscomerciais, regulada e supervisionada, cedendo a ela sua carteira declientes. Os principais motivadores dessa transformação são:

a) instituições que captam depósitos do público devem se sujeitar àregulamentação prudencial;

b) emprestadores e investidores se sentem mais seguros em investirem instituições reguladas pelo órgão de supervisão bancária;

c) como as ONGs não têm donos, podem ser administradas porpessoas com uma visão mais social, resultando em estruturas depoder que não estão muito preocupadas com eficiência operacionalou rentabilidade.

Entretanto, esse modelo de transformação tem tido uma expansão muitolenta quando se compara com a expansão das operações microfinanceiras,

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e os efeitos parecem não ser os esperados. Prova disso é que apenas 25entre os milhares de ONGs espalhadas pelo mundo se converteram ementidades com fins lucrativos. Os principais motivos para esse baixointeresse podem ser assim resumidos:

a) muitos países não têm estrutura legal ou regulatória que permitaconversões efetivas, viáveis ou mesmo desejáveis;

b) o conjunto de investidores comerciais em empresas microfinanceirasque visam ao lucro nos países em desenvolvimento éextremamente limitado;

c) muitas ONGs não têm ainda o tamanho, eficiência ou rentabilidadeque permitam fazer face aos custos de uma conversão legal, naforma desejável;

d) os administradores das ONGs, em sua maioria, não são profissionaiscom formação que permita avaliar as vantagens da medida e, alémdisso, têm receio de que possam vir a ser responsabilizados em casode prejuízos ou outros problemas;

e) há receio da perda de poder por parte de alguns dirigentes de ONG,em função da interferência da supervisão oficial.

As MFIs reguladas, embora em pequena quantidade, são responsáveispor mais da metade dos empréstimos do setor, ao passo que as ONGsrespondem por 47% das operações4. Christen (1997) mostra que essasegmentação traz à tona um fenômeno denominado loan-size gap, pormeio do qual algumas ONGs apresentam tendência a manter pequenosnegócios e a continuar não-reguladas, ao passo que outras trabalhamcom operações de maior valor. Estas são as que geralmente se interessamem se transformar em MFIs reguladas. A média de empréstimos das MFIsreguladas em 2003 (inclusive as cooperativas de crédito) foi de US$800,enquanto que essa média, no caso das ONGs, foi de US$350.

A estrutura de controle de todas as ONGs convertidas hoje emfuncionamento é dominada por várias combinações de doadores, ONGsinternacionais ou ONGs fundadoras e, por isso, questiona-se tambémse os benefícios dessa transformação realmente existem em termos demelhoria no controle, know-how, consistência do público-alvo e focona performance.

4 Com base em pesquisa junto a 124 MFIs, organizada pelo “The Microbanking Bulletin”,edição 9, julho de 2003. Disponível em <http://www.mixmbb.org>.

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tral 2005, o Ano Internacional do Microcrédito

Em 18 de novembro de 2004, em cerimônia na Bolsa de Nova Iorque5,a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o movimento AnoInternacional do Microcrédito 2005, mais um esforço no sentido demelhorar o acesso das pessoas de baixa renda a serviços financeiros. Essainiciativa teve como principal objetivo despertar o interesse do públicopara o tema e promover parcerias inovadoras entre governos, doadores,organizações internacionais, ONGs, setor privado, mundo acadêmico eclientes das microfinanças. A figura a seguir representa a versão, emportuguês, da logomarca oficial do movimento.

Figura 1 – Logomarca do Ano Internacional do Microcrédito

O principal resultado esperado pelos organizadores é o aumento doacesso a crédito, poupança, remessas e outros serviços financeiros para asfamílias pobres de modo a conduzi-las a um ambiente de mais segurançae prosperidade futura.

A Assembléia Geral das Nações Unidas designou o United NationsCapital Development Fund (UNCDF) e o United Nations Department ofEconomic and Social Affairs como as entidades focadas na coordenaçãodas atividades do Ano Internacional do Microcrédito 2005.

No Brasil, decreto presidencial de 25 de abril de 2005 criou o ComitêNacional de Coordenação do Ano Internacional do Microcrédito, que tevepor objetivo planejar ações de conscientização acerca da importância domicrocrédito e do microfinanciamento, com vistas à erradicação da pobreza,

5 Essa cerimônia consistiu na abertura dos trabalhos (opening bells) da bolsa pormicroempreendedores premiados e ocorreu concomitantemente nas bolsas de Camboja,República Dominicana, Indonésia, México, Ruanda e Estados Unidos.

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à troca de experiências sobre boas práticas de fomento e à promoção deserviços financeiros sustentáveis favoráveis à população pobre. O BancoCentral do Brasil (Bacen) teve assento nesse Comitê, que foi coordenadopelo professor Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária doMinistério do Trabalho e Emprego (MTE).

Os bancos, as MFIs e asformas de atuação governamental

As experiências de microfinanças que alcançam o maior número detomadores trazem como principal fator comum o investimento do setorfinanceiro tradicional. De fato, experiências conhecidas, como as deBangladesh, Bolívia, Peru e Indonésia, que têm na massificação seu maiordestaque, apresentam modelo com operadoras financeiras bancárias ouassemelhadas (reguladas e supervisionadas por entidade oficial), mesmoque inicialmente tenham adotado outros modelos.

Um importante empecilho ao acesso das comunidades mais pobresaos mecanismos de financiamento tradicionais, mesmo aqueles cobertospor linhas especiais de incentivo governamental aos micro e pequenosnegócios, é a falta de instrumentos eficientes de garantia. Nessa linha, DeSoto (2001) aponta como fator determinante para essa escassez de créditoa falta de estrutura legal e de justiça que permita a essas comunidadessecuritizarem seus ativos (principalmente moradias e oficinas de trabalhoconstruídas em terrenos irregulares etc.). O valor total dos imóveis deposse extralegal dos pobres no Terceiro Mundo e nas nações do extintobloco comunista é de pelo menos US$9,3 trilhões, 93 vezes mais do quetodo o auxílio para o desenvolvimento concedido por todos os paísesdesenvolvidos ao Terceiro Mundo. Defende ainda o autor que se essesativos fossem legalizados e transformados em capitais passíveis de seremusados como colaterais, contrapartidas, ou alugados, teriam um grandeefeito sobre a economia de seus países.

Outra importante questão tem intrigado os pesquisadores: por que emalguns países esse fenômeno de aproximação do setor bancário tradicionalcom as microfinanças acontece de forma natural, a despeito da falta degarantias reais, e em outros não? Pesquisadores conhecidos, como Christen(1997; 2000) defendem que a resposta está no custo de oportunidade.

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Banqueiros de países que convivem com grande número de pessoaspobres e sistemas financeiros desenvolvidos e sofisticados, como é o casodo Brasil, México e Índia, conseguem bons lucros com baixos custos detransação. Com um simples telefonema, ou com um comando nocomputador, podem negociar ativos e derivativos em ambientes denegociação de praticamente todo o mundo capitalista, ao passo que, paratrabalharem com microfinanças, teriam que investir mais de três anos empreparação de equipes e de produtos, com chances de sucesso indefinidas.Isso explica, em grande parte, por que é tão lento o desenvolvimento domercado microfinanceiro nesses países.

O mesmo não acontece em países como Bolívia, Peru e Paraguai, ondeos banqueiros já vinham trabalhando há bastante tempo com um públicoum pouco acima daquele que se entende como tomador de microcrédito.Com o advento das crises, principalmente as dos anos 90, esses banqueirosnaturalmente passaram a atuar em uma faixa que alcançou as populaçõesde baixa renda, que antes não despertavam seu interesse.

Entretanto, influenciados pelos esforços dos organismos internacionais,pelas políticas públicas específicas e pelo aumento da divulgação,observa-se, nos últimos cinco anos, um crescente interesse do setorfinanceiro tradicional (bancos, financeiras, companhias de seguros) damaioria dos países, pelo mercado de microfinanças, que tem experimentadomodelos de atuação tanto de forma direta quanto indireta (no varejo ouno atacado).

Algumas dessas instituições vêem as microfinanças como um mercadocom grande potencial. Outras têm em sua alta direção pessoas preocupadascom questões de responsabilidade social e ambiental. De qualquer maneira,constata-se que essas empresas financeiras tradicionais estão aprendendocom as entidades especializadas e alguns bancos pioneiros como reduziremos altos custos de transação dos microcréditos. A tabela a seguir, resumeos principais esforços do setor bancário privado brasileiro.

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tralTabela 1 – Atuação dos bancos privados brasileiros no microcrédito

Fonte: Bittencourt, 2005, p. 222-223

É comum pensar que o acesso de pessoas de baixa renda a serviçosfinanceiros por intermédio de MIF é um passo na trajetória evolutiva queleva essas pessoas a serem clientes de um banco. Na prática, entretanto,Bittencourt (2005) afirma não haver indicação de que isso efetivamenteocorra, pois as entidades microfinanceiras convivem com o dilema deter que se voltar para um público excluído do acesso ao sistema bancárioformal, ajudá-lo a sair das camadas mais pobres e, ao mesmo tempo,envidar todos os esforços para manter em sua carteira a maior quantidadepossível de clientes de maior renda que lhes ajude a alcançar e a mantera auto-sustentabilidade.

Esse esforço para manter em carteira clientes de maior renda,principalmente aqueles cujo crescimento foi acompanhado pela MFI, trazcomo conseqüência a escassez de recursos para os tomadores de menorporte, sendo essa uma importante causa da falta de funding da maioria dasMFIs. Além disso, essas entidades operadoras, “por não estabeleceremuma relação de cooperação com o sistema bancário, suas chances dealcançar resultados sociais expressivos, no contexto brasileiro, são muitolimitadas” (Bittencourt, 2005, p. 208).

Além das mencionadas iniciativas da banca privada, algumasinstituições governamentais vêm consolidando uma grande, eficiente erentável atividade, quebrando uma má tradição de baixa rentabilidade ealta inadimplência, com abordagem de subsídio que sempre dominaramos empréstimos desse tipo de instituição para os mais carentes.

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A propósito da atuação governamental, vale notar que a maior partedos países, notadamente aqueles que apresentam baixos Índices deDesenvolvimento Humano (IDH), tem adotado, nas últimas décadas,políticas públicas desenvolvimentistas que apóiam determinados setoresou regiões, em áreas estratégicas como a infra-estrutura, o financiamentoàs micro e pequenas empresas (MPE) e o desenvolvimento de umaindústria microfinanceira.

A estratégia que tem se revelado mais eficiente para a implantaçãodessas políticas é aquela que privilegia as soluções de mercado, assimentendidas as ações em que a força criativa da sociedade, devidamenteorientada, cria soluções desenvolvimentistas com baixo risco dedescontinuidade por razões políticas. Nesse sentido, o peso das instânciasregulatórias e supervisoras dos setores públicos tem sido crescente, quandocomparado às instâncias de estímulo direto.

O marco legal para as microfinanças deve estar, assim, voltado para acorreção de imperfeições de mercado que permita a compensação dos altoscustos dos agentes que ainda não possuem uma escala competitiva e deoutros fatores que possam prejudicar o alcance dos benefícios decorrentesda competição no livre mercado. No caso da indústria financeira, é inegávelque os custos de transação pesam bastante para os pequenos. Com ocusto de um simples telefonema, um grande banco pode obter um ganhode milhões de reais. Os custos fixos também são desproporcionais,sobretudo no cumprimento de obrigações legais e de exigências formais(trâmites burocráticos).

Bases e princípios

Há consenso hoje, entre representantes de governo de vários países daÁfrica, Ásia e América Latina, além de importantes agentes disseminadoresdo microcrédito, como os fundos internacionais, entidades multilaterais,estudiosos e pesquisadores6, no sentido de que o melhor modelo de políticapara as microfinanças pressupõe:

6 Com destaque para CGAP. The World Bank (2004), Daley-Harris (2002), Imboden (2002) eUNDP (2004).

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a) o reconhecimento de que os serviços microfinanceiros sustentáveissão um importante veículo de combate à pobreza;

b) a existência de políticas macroeconômicas sólidas, que evitem altosíndices de inflação;

c) a prática de taxas de juros livres para as microfinanças, com o usoda competição ao invés de tetos máximos de juros,estimulando aeficiência como forma de baixar esses juros;

d) a eliminação de subsídios, principalmente os governamentais;e) a modificação das políticas do setor financeiro e do marco legal para

promover a entrada e a expansão dos serviços microfinanceiros porintermédio de uma grande quantidade de entidades diferentes,inclusive ONGs, que possam ofertar múltiplos produtos financeiros;

f) o estímulo à adoção de indicadores de performance e padrõescontábeis que promovam a transparência das diversas instituiçõesque atuam no setor;

g) o uso de incentivos fiscais, principalmente quando aplicados deforma temporária, até o amadurecimento de cada projeto.

O Grupo Consultivo para a Assistência aos Pobres (GCAP)7, umconsórcio de 28 agências de desenvolvimento públicas e privadas – entreelas o Banco Mundial, a Agência Norte-Americana para o DesenvolvimentoInternacional (Usaid) e a ONU – que trabalham em conjunto com o objetivode expandir o acesso dos pobres a serviços financeiros, reuniram osseguintes princípios-chave, assim definidos pelos seus 31 membrosdoadores e subseqüentemente endossados pelos líderes do Grupo dos Oitona Conferência do G7 em 10 de junho de 2004:

a) Os pobres não necessitam apenas de empréstimos, mas de umavariedade de serviços financeiros – Como quaisquer pessoas, ospobres necessitam de serviços financeiros que sejam convenientes,flexíveis e acessíveis. Dependendo das circunstâncias, os pobresnão desejam apenas empréstimos, mas também poupança, segurose acesso a transferências de valores. Há casos em que a simplesmelhoria da gestão financeira do empreendedor ou do consumidorpode atender às suas necessidades.

b)As microfinanças são um instrumento poderoso na luta contraa pobreza – Quando os pobres têm acesso a serviços financeiros,

7 O CGAP funciona no endereço 1818 H Street, NW MSN Q4-400 Washington, DC 2043.O telefone é 202 473 9594, fax: 202 522 3744, e-mail [email protected] e web pagewww.cgap.org.

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os seus rendimentos e ativos aumentam, assim como sua proteçãocontra choques externos. Famílias pobres usam as microfinanças paramover-se além da subsistência diária, fazendo provisões para o futuropois investem em melhor nutrição, em habitação, saúde, e educação.

c) As microfinanças significam a construção de sistemas financeirosque sirvam aos pobres – Na maioria dos países em desenvolvimento,grande parcela da população é pobre. Entretanto, essa maioria é amenos provável de se beneficiar de serviços bancários. As microfinançassão freqüentemente vistas como um setor marginal – uma atividadede desenvolvimento que diz respeito a doadores, governos ouinvestidores com consciência social, e não como parte integrantedo sistema financeiro do país. As microfinanças, entretanto, sóatingirão o número máximo de pobres quando forem integradas aosistema financeiro.

d)As microfinanças podem e devem ser auto-suficientes paraatingir um grande número de pessoas pobres – Uma das razõespelas quais a maioria dos pobres não tem acesso a serviçosfinanceiros adequados é que as MFIs não são tão fortes comodeveriam. Para serem suficientemente fortes, as instituições precisamcobrar o bastante para cobrir seus custos. A cobertura dos custosnão é um fim em si mesmo, mas sim a única forma de atingir aescala e o impacto para além do que os doadores podem financiar.Uma instituição auto-suficiente em termos financeiros podecontinuar e expandir a sua oferta de serviços no longo prazo. Atingiressa forma de sustentabilidade significa diminuir custos de transação,oferecer serviços mais úteis e ágeis aos clientes e encontrar novasformas de alcançar os pobres desprovidos de acesso ao sistemabancário tradicional.

e) As microfinanças tratam da construção de instituiçõesfinanceiras de atuação local em caráter permanente – Ofinanciamento dos pobres requer instituições financeiras sólidas queforneçam serviços financeiros numa base permanente. Essasinstituições precisam mobilizar poupança doméstica local,reciclando-a em empréstimos e no fornecimento de outrosserviços. À medida que as instituições e os mercados de capitaisamadurecerem, diminui sua dependência de doadores e governos,incluindo bancos governamentais de desenvolvimento.

f) O microcrédito não é a resposta para tudo nem o melhorinstrumento para todos, em todas as circunstâncias – Pessoascom fome e destituídas de quaisquer rendimentos ou de outros meiosde desembolso necessitam de outras formas de assistência antes

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de fazer bom uso de empréstimos. Em muitos casos, outrosinstrumentos podem ser mais eficazes no alívio da pobreza – porexemplo, pequenos subsídios, programas de treinamento e emprego,ou a melhoria de infra-estrutura. Quando possível, esses serviçosdevem ser acompanhados de iniciativas que fomentem a poupança.

g) O estabelecimento de tetos às taxas de juro afetam negativamenteos pobres, tornando o acesso ao crédito mais difícil – É muitomais dispendioso fazer vários empréstimos pequenos que apenasalguns empréstimos grandes. A não ser que os fornecedores demicrofinanças possam cobrar taxas de juro bem acima das taxas dejuro normalmente praticadas pelos bancos, eles não poderão cobriros custos. Quando os governos fixam taxas de juro, estas normalmentesão estabelecidas em níveis tão baixos que não permitem aomicrocrédito cobrir os custos. Desse modo, tais regulações deveriamser evitadas. De outro modo, um fornecedor de microfinanças nãodeveria estabelecer as suas taxas de juro em níveis que fazem os seusclientes pagarem pela sua ineficiência.

h)O papel do governo deve ser permitir a transação de serviçosfinanceiros e não os fornecer diretamente – Os governos devemestabelecer políticas que estimulem a oferta de serviços financeirosaos pobres e que, ao mesmo tempo, protejam os depósitos dopúblico. Precisam, assim, manter a estabilidade macroeconômica,evitar limites às taxas de juro e abster-se de distorcer mercadoscom insustentáveis programas de empréstimos subsidiados e comalta inadimplência. Devem também lutar contra a corrupção emelhorar o clima para os pequenos negócios, incluindo o acesso amercados e o melhoramento da infra-estrutura. Em casosespeciais, onde fundos não estejam disponíveis, o financiamentogovernamental pode ser concedido a instituições de microfinançassólidas e independentes.

i) Os fundos dos doadores devem complementar o capital privadoe não competir com ele – Os doadores fornecem subsídios,empréstimos e seu próprio patrimônio para as microfinanças. Essaassistência deve ser temporária e preferencialmente usada paraaumentar a capacidade técnica das MFIs, de modo a aumentar suasestruturas de apoio como agências de avaliação de risco, para gerarcapacidade de auditoria e para apoiar a realização de experiênciascriativas. Em alguns casos, servir populações dispersas e distantesrequer assistência de doadores no longo prazo. Os doadores devemtentar integrar as microfinanças ao restante do sistema financeiro.Devem também contratar especialistas com experiência clara em

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desenho e implementação de projetos e estabelecer indicadoresclaros de desempenho, que precisam ser atingidos antes que aassistência financeira venha a ser renovada. Cada projeto deveincorporar um plano realista para que, em determinado momento, aassistência dos doadores não mais seja necessária.

j) O maior gargalo na indústria de microfinanças é a ausência deinstituições e executivos fortes – As microfinanças são um campomuito especializado, que combina serviços bancários com objetivossociais. Competências e sistemas de gestão terão de ser criados nãoapenas entre executivos das MFIs e responsáveis pelos seus sistemasde informação, mas também pelos bancos centrais ou superintendênciasque regulam as microfinanças, entre outras agências governamentaise doadores. Investimentos privados e públicos em microfinançasdevem se concentrar em aumentar essas capacidades e não só emmobilizar e movimentar capital.

k)As microfinanças funcionam melhor quando têm o seudesempenho medido e publicado – É imperativo criar um sistemapadronizado e exato de informações para medir o desempenho, nãosó em termos de informação financeira (por exemplo, taxas de juro,reembolso de empréstimos e recuperação de custos), mas também deinformação social (número de clientes atendidos e seus correspondenteníveis de rendimento/pobreza). Doadores, investidores, supervisoresbancários, e clientes necessitam desta informação para avaliar seuscustos, risco e retorno.

Merece destaque a questão das taxas de juros para microempreendedores.De fato, o assunto sempre vem à tona quando se pensa em políticas públicaspara o setor. É comum a implantação de programas de subsídios a taxas dejuros no financiamento aos pequenos empreendedores. Entretanto,pesquisadores que têm se debruçado sobre o tema há décadas provam queo subsídio é mais danoso para os próprios tomadores no médio e longoprazos, e que o outro lado da questão – a auto-sustentabilidade dosprogramas pela prática de juros de mercado – é muito mais benéfica paraos próprios usuários.

Além de o crédito subsidiado ser limitado em volume, acaba nãochegando aos mais necessitados, sendo utilizado por empresários commaior poder aquisitivo, que podem oferecer garantias e não têm seu nomeinscrito em cadastros restritivos. Pesquisadores como Robinson (1994)defendem que a elasticidade da demanda parece depender muito pouco dataxa de juros. Não bastassem essas considerações, ainda restaria o

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argumento de que entidades que prestam serviços financeiros subsidiados,além de serem menos propensas à sustentabilidade, têm pouco incentivo àeficiência e ao profissionalismo de seus dirigentes e funcionários8.

Envolvimento do Banco Central do Brasil

Desde 1992 e, com mais intensidade a partir de 1999, o Bacen vemparticipando de reuniões, seminários, estudos e debates sobre o temamicrofinanças – algumas vezes também promovendo esses eventos –, como objetivo de encontrar os melhores caminhos para o aumento da oferta deserviços financeiros para os mais carentes, como resposta ao movimentode concentração decorrente da natural acomodação de forças provocadapela interligação mundial de mercados financeiros e aos seus efeitos sobrea concorrência.

Esse esforço se concentra no atendimento ao público que não despertao interesse dos bancos tradicionais e compreende não apenas aquelaspessoas que, em decorrência desse processo de acomodação, passaram anão mais contar com serviços financeiros, mas também as populaçõescom baixo IDH que vivem nas periferias das grandes cidades e espalhadaspelas diversas regiões do País.

A fim de alcançar esse objetivo, o Bacen atuou em harmonia com oConselho da Comunidade Solidária e seu projeto de expansão domicrocrédito no Brasil, desde agosto de 1997, quando se reuniram, naQuinta Rodada de Interlocução Política sobre Alternativas de Ocupação eRenda, ministros de estado, secretários-executivos, presidentes e diretoresde empresas estatais e representantes de órgãos, instituições, organizações,programas ou ações governamentais e não governamentais, que atuamdireta ou indiretamente com o microcrédito no Brasil. A experiência dessesvários interlocutores foi valiosa para a elaboração da melhor proposta deregulamentação possível.

O Bacen tem se valido das experiências de outros países, principalmentelatino-americanos, como forma de queimar etapas e diminuir a incidência

8 São conhecidos os casos em que funcionários dessas entidades cobram ágio para realizaremas operações, em virtude de sua reduzida oferta.

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de erros, pela melhor compreensão do mercado de serviços financeirosdirecionado às populações com baixo IDH, tanto no que diz respeito àoferta e variedade de serviços quanto a aspectos socioeconômicos,culturais e conjunturais referentes a essa parcela da população. Nessalinha, tem trabalhado na construção do marco regulamentar, principalmenteno que diz respeito ao cooperativismo de crédito, ao microcrédito e aoscorrespondentes bancários.

Acompanhando o impulso tomado pelo projeto microfinanças após aassunção do governo em 2003, o Bacen também vem atuando nos ajustesdo marco regulamentar de diversas inovações no campo das microfinanças,conforme será comentado mais adiante.

Conceitos, diagnóstico e mercado

No presente trabalho, será usado o conceito de microfinanças como aprestação de serviços financeiros adequados e sustentáveis para a populaçãode baixa renda, tradicionalmente excluídas do sistema financeirotradicional, com a utilização de produtos, processos e gestão diferenciados.Nessa linha, entidades microfinanceiras são entendidas como aquelasespecializadas em prestar esses serviços, constituídas na forma de ONGs,Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips),cooperativas de crédito de pequeno porte, Sociedades de Crédito aoMicroempreendedor (SCMs), bancos comerciais públicos e privados(principalmente por meio de correspondentes bancários e de carteirasespecializadas) e fundos institucionais.

Já a atividade de microcrédito é definida como aquela que, no contextodas microfinanças, dedica-se a prestar esses serviços exclusivamente apessoas físicas e jurídicas empreendedoras de pequeno porte, diferenciando-se dos demais tipos de atividade microfinanceira essencialmente pelametodologia utilizada, bastante diferente daquela adotada para as operaçõesde crédito tradicionais9. É comumente entendida como principal atividadedo setor de microfinanças pela importância que nas políticas públicas desuperação da miséria pela geração de trabalho e renda.

9 Essa tecnologia pode ser resumida à utilização de: (i) agente de crédito; (ii) garantia solidária;e (iii) prazos curtos e valores crescentes.

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A Lei 11.110, de 25 de abril de 2005, veio consolidar mais um conceito,o de Microcrédito Produtivo Orientado (MPO), definido como o créditoconcedido para o atendimento das necessidades financeiras de pessoasfísicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequenoporte, que utiliza metodologia baseada no relacionamento direto com osempreendedores no local onde é executada a atividade econômica, devendoser considerado, ainda, que:

a) o atendimento ao tomador final dos recursos deve ser feito porpessoas treinadas para efetuar o levantamento socioeconômico eprestar orientação educativa sobre o planejamento do negócio, paradefinição das necessidades de crédito e de gestão voltadas para odesenvolvimento do empreendimento;

b) o contato com o tomador final dos recursos deve ser mantido duranteo período do contrato, para acompanhamento e orientação, visandoao seu melhor aproveitamento e aplicação, bem como ao crescimentoe à sustentabilidade da atividade econômica; e

c) o valor e as condições do crédito devem ser definidos após aavaliação da atividade e da capacidade de endividamento do tomadorfinal dos recursos, em estreita interlocução com este e em consonânciacom o previsto nesta Lei.

Em resumo, consideram-se microfinanças como o universo maisabrangente, sendo os demais conceitos subconjuntos dele derivados.A figura a seguir consolida esse entendimento.

Figura 2 – Conceito de microfinanças, microcrédito e MPO

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tral O mercado brasileiro de microcrédito

Do ponto de vista da demanda, a pesquisa Economia Informal Urbanade 2003 (Ecinf 2003), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE) em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Microe Pequenas Empresas (Sebrae), constatou a existência de 10.525.954pequenas empresas (com cinco ou menos trabalhadores) não agrícolas noBrasil. Dessas empresas, 10.335.962 eram informais e empregavam13.860.868 pessoas.

A pesquisa constatou ainda que 94% dessas 10.335.962 empresas dosetor informal não utilizaram crédito nos três meses anteriores à pesquisa,para o desenvolvimento da atividade. A principal fonte dos recursosdaquelas que o fizeram está apresentada na tabela a seguir:

Tabela 2 – Empresas do setor informal que

utilizaram crédito nos últimos três meses

A quantidade de empresas endividadas do setor informal10 é muitopequena, e esse comportamento vem se mantendo ao longo do tempo. Em2003, assim como em 1997, 83% dessas empresas não possuíam qualquertipo de dívida em novembro do respectivo ano de referência da pesquisa.Nesse período, entretanto, nota-se uma mudança em relação ao tipo deempresa: queda de 85% para 84% da participação dos conta-própria quenão tinham dívida e aumento de 67% para 71% da proporção dos pequenosempregadores não endividados.

Com relação ao acesso a serviços financeiros, a Ecinf 2003 mostraque 40% dos proprietários de empresas do setor informal com até cincoempregados tinham conta-corrente, sendo que 32% tinham direito a talãode cheques. A maior parte (37%) efetuava pagamentos por meio decorrespondente bancário, e 34% utilizavam agência bancária. Tanto em

10 Segundo Neri (2002), 60% da população economicamente ativa do Brasilestá no mercado informal.

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relação ao crédito quanto em relação ao acesso a instrumentos financeiros,as participações variaram conforme o tipo de empresa, como mostra atabela a seguir.

Tabela 3 – Proporção de proprietários de empresas do setor informal, por tipo de

empresa, segundo tipo de acesso a instrumentos financeiros utilizados

Para o cálculo do volume de crédito demandado foi utilizada metodologiasemelhante à adotada em “A Demanda por Microcrédito” (2002), atualizadapara os últimos dados divulgados pelo IBGE, a qual, resumidamente,consiste em:

a) definir pequenos empreendimentos como sendo as unidades produtivasnão agrícolas cujo chefe é uma pessoa com mais de dez anos deidade que trabalha por conta-própria ou é empregador;

b) considerar o número de pequenos empreendimentos com base naPesquisa Nacional de Análise Domiciliar (PNAD) de 2004;

c) estimar quantos desses empreendimentos não têm acesso ao sistemafinanceiro tradicional com base na Ecinf 2003;

d) calcular, partindo dessa base, quantos empreendedores efetivamentedemandarão microcréditos partindo do pressuposto de que 75% dosmais pobres (ganhando até R$200,00) não se apresentarão ou serãorejeitados, proporção que diminui linearmente até 30% para os queganham até R$1.000,0011. Essa metodologia é uma pequenasofisticação do critério usual de assumir que a metade dos postulanteseventuais não vai exercer demanda efetiva.

11 Para os que se declararam sem receita e os que não declararam, foi aplicado o percentual de 30%.

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A distribuição das classes de renda foi calculada com base na distribuiçãofeita pela Ecinf para empreendedores da economia informal.

Estima-se, dessa forma, que existam no Brasil aproximadamente 16milhões de pequenas unidades produtivas, possíveis demandantes demicrocrédito, 13 milhões delas formada por trabalhadores por conta própria,das quais deduz-se haver algo como sete milhões de potenciais clientesexercendo demanda efetiva, o que representa, em valor, aproximadamenteR$11 bilhões12, cifra que, embora elevada, representa menos de 1% doPIB do Brasil.

Do lado da oferta, excluídas as cooperativas de crédito13, a tabela aseguir demonstra que existem aproximadamente 177 instituições atendendoa cerca de 311 mil clientes ativos, que respondem a apenas 2,3% dessademanda (aproximadamente R$ 263 milhões). Mais da metade desseatendimento é feito pela carteira especializada em microcrédito do Bancodo Nordeste, denominada Crediamigo.

Tabela 4 – Composição da oferta de microcrédito

Posição em dez/2005

12 Conforme estimativa feita no livro “A Demanda por Microcrédito” (2002), p. 78-96.13 As cooperativas de crédito freqüentemente são excluídas de análises internacionais do segmento

de microcrédito, principalmente pelo nicho de mercado, que se situa um pouco acima daquelea que se dedicam as MFIs e pela sua natureza mais voltada para o consumo. Com a criaçãoda cooperativa de empreendedores (em 2002) e de livre associação (em 2003), essas organizaçõesdeverão ser incluídas no segmento de microcrédito no Brasil, em análises futuras.

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tralOs sistemas de informação e o microcrédito

A questão da informação no ambiente do microcrédito traz váriasnuances, muitas delas voltadas para a própria sobrevivência do micro epequeno negócio, como especificações e qualificações de produtos,características do nicho de mercado, tipos de ferramentas de trabalho e ouso adequado delas, marco legal, entre outras. No campo financeiro, apreocupação volta-se para a assimetria de informações, definida segundoDe Araújo et al (2004, p. 62) como “a situação em que uma das partescontratantes tem um conhecimento da qualidade do objeto da transação,enquanto a outra parte conhece apenas sua qualidade média”.

Uma vez que a maioria dos clientes das MFIs possui nível educacionallimitado e, portanto, está sujeito a manipulações que podem resultar empendências judiciais por cláusulas leoninas ou por abuso de posiçãocontratual, recomenda Jansson (2004) que a transparência contratual sejaobjeto de comando específico do marco legal e que os tomadores domicrocrédito recebam orientação na forma de cartilhas explicativas emlinguagem simples que mostrem, entre outras informações, os direitos,deveres e também os cálculos que levaram aos valores de taxas eoutras despesas.

Complementando e detalhando a abordagem feita no capítulo Bases ePrincípios (pág. 22), tem-se que a construção da transparência financeirapara as MFIs não reguladas ou reguladas (sujeitas à supervisão bancária),passa necessariamente:

a) pela definição de padrões de auditoria externa e de controles internos;b) pela construção de infra-estrutura de informação adequada à

indústria microfinanceira;c) pela padronização de dados para uso na análise dos estados financeiros

e relatórios;d) pela capacitação de seus operadores;e) pelo convencimento dos dirigentes quanto à importância desses

procedimentos, tarefa que pode ser facilitada pela pressão dosdoadores e outros tipos de apoiadores e provedores de recursos;

f) pelo acesso a central de risco.

A falta de acesso a uma base de informação consolidada de devedores(central de risco), combinada com uma rápida expansão do mercadomicrofinanceiro, costuma gerar crises de credibilidade que podem

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comprometer todos os esforços para sua implementação. Foi o queaconteceu na final dos anos 90, na Bolívia, quando um forte aumento daoferta de crédito para o consumo no país provocou crescimento do nívelgeral de inadimplência causado pelo fenômeno que se costuma denominarde sobreendividamento: um tomador contrai dívidas em várias instituiçõesdiferentes, sem que essas instituições conheçam o grau de endividamentoglobal desse tomador. A superintendência bancária da Bolívia foi obrigadaa intervir rapidamente, centralizando o controle das operações e reduzindoo endividamento a patamares normais a partir de 2002.

A Alemanha foi o primeiro país a implantar uma central de risco decrédito, em 1934. Diversos países, dentre os quais destacamos Argentina,Bélgica, Bolívia, Chile, Espanha, França, Itália, Peru e Uruguai, porentenderem a relevância da contribuição que uma central de informaçõesde crédito traz para a estabilidade de seus sistemas financeiros, desenvolveramsistemas semelhantes.

No Brasil, a central de risco de crédito foi criada em 1997, porintermédio da Resolução 2.390, do Conselho Monetário Nacional (CMN),e contém informações sobre o montante dos débitos e responsabilidadespor garantias de clientes de instituições financeiras e sobre a classificaçãode risco das operações consolidadas por cliente. Em 2000, percebeu-sea necessidade de se evoluir para a construção do Sistema de Informaçõesde Crédito do Banco Central (SCR), sucessor da Central de Risco deCrédito. No novo sistema, buscou-se ampliar o escopo das informaçõesexistentes, abrangendo não somente as necessidades da área de supervisãobancária, mas também de outras áreas de atuação do Banco Central.Assim, a partir da data-base de maio de 2002 (Circular 3.098/2002),iniciou-se a coleta de informações mais completas sobre cada operaçãode crédito registrada no final do mês, concedida a pessoas físicas ejurídicas no País.

Inicialmente, determinou-se que as instituições enviassem informaçõessobre o total das operações dos clientes com responsabilidade total igualou superior a R$50.000,00 (cinqüenta mil reais). Paulatinamente, esse valorfoi sendo diminuído, inicialmente para R$20.000,00 (vinte mil reais) e,em seguida, para R$5.000,00 (cinco mil reais), faixa hoje em vigor. Assim,devem ser informadas todas as operações de clientes com exposiçãoconsolidada na instituição em valor igual ou superior a R$5.000,00 (cincomil reais), detalhadas por créditos ativos ou em ser, créditos baixados comoprejuízo, coobrigações (avais e fianças prestados pelas instituições

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financeiras) e créditos a liberar, contabilizados nos balancetes mensaisdas seguintes instituições14:

• Agências de Fomento ou de Desenvolvimento;• Associações de Poupança e Empréstimo;• Bancos Comerciais;• Bancos de Desenvolvimento;• Bancos de Investimento;• Bancos Múltiplos;• Caixa Econômica Federal;• Companhias Hipotecárias;• Cooperativas de Crédito com carteira de crédito superior a

R$2 milhões;• Sociedades de Arrendamento Mercantil;• Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento;• Sociedades de Crédito Imobiliário.

O SCR, entretanto, por suas características, não representa recursoadequado para a gestão de risco de operações de crédito realizadas porpessoas de baixa renda. Os outros dois grandes sistemas de informaçãosobre crédito existentes (Serasa, que pertence aos bancos, e Sistema Centralde Proteção ao Crédito – SCPC, dos lojistas), no entendimento deBittencourt (2005), também não são adequados. Portanto, precisam aindaserem criadas condições para que o sistema financeiro tradicional entendaessas operações como um negócio com risco controlado, mediante o acessoa base confiável de informações sobre estados financeiros e a cadastropositivo dos clientes de baixa renda, a baixo custo.

Em razão do grande número de MFIs não reguladas, torna-se umdesafio a obtenção de dados confiáveis e com padrões de comparaçãoaceitáveis, que facilitem o desenvolvimento da indústria. Existem váriasiniciativas de alcance internacional que visam coletar e analisar dados sobreMIFs, das quais se destacam aquelas apontadas em “A Indústria” (2002):

a) “Microbanking Bulletin”, publicação apoiada pelo Banco Mundial;b) Microrate, empresa privada especializada em classificação de MFIs

(rating), que tem apoio da Usaid;c) Planet Finance, ONG francesa que desenvolveu a Giraffe, uma

ferramenta de rating;

14 Para saber mais sobre o SCR, acesse http://www.bcb.gov.br/fis/crc/ftp/cartilhascr.pdf.

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d) Acción International, uma ONG que faz análises padronizadasutilizando a ferramenta Camels.

No Brasil, são conhecidas apenas algumas poucas iniciativas isoladase sem continuidade, como a pesquisa da Fundação Ford e do InstitutoBrasileiro de Administração Municipal (Ibam), sintetizadas em Fontes(2003), e a feita com patrocínio do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES), consolidada em Nichter (2002). Váriasforam as tentativas, sem sucesso, de se montar uma base de dados sobre asMFIs brasileiras, dentro ou fora do governo.

Mais recentemente, algumas iniciativas nesse sentido estão sendoadotadas pelo MTE, na qualidade de coordenador do ComitêInterministerial do Programa Nacional do Microcrédito Produtivo eOrientado criado pela Lei 11.110, de 25 de abril de 2005.

Atuação do CMN e do Banco Central

Nesse cenário, e seguindo diretrizes da política governamental adotadapara o setor, o CMN e o Bacen vêm tomando medidas regulamentarescom vistas a favorecer a disseminação da prestação de serviçosmicrofinanceiros, especialmente por meio do cooperativismo de crédito,do microcrédito e dos correspondentes bancários.

Cooperativismo de crédito

O setor cooperativo é de singular importância para a sociedade, namedida em que promove a aplicação de recursos privados e assume oscorrespondentes riscos em favor da própria comunidade onde sedesenvolve. Por representar iniciativas diretamente promovidas peloscidadãos, é importante para o desenvolvimento local de forma sustentável,especialmente nos aspectos de formação de poupança e de financiamentode iniciativas empresariais que trazem benefícios evidentes em termos degeração de empregos e de distribuição de renda.

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Economias mais maduras já o utilizam, há muito tempo, comoinstrumento impulsionador de setores econômicos estratégicos. Os principaisexemplos são encontrados na Europa, especialmente na Alemanha, naBélgica, na Espanha, na França, na Holanda e em Portugal. Merecemdestaque, também, as experiências americana, canadense e japonesa. Orelatório anual da European Association of Co-Operative Banks, com sedeem Bruxelas (Bélgica) mostra que é preponderante o papel dos bancoscooperativos no continente, por atingirem 130 milhões de clientes, 700mil empregados, 60 mil agências e 17% do mercado de depósitos.

Em alguns países, como Irlanda e Canadá, o cooperativismo de créditovem ocupando, com bastante eficiência, espaços deixados pelas instituiçõesbancárias, como resposta ao fenômeno mundial da concentração, reflexoda forte concorrência no setor financeiro. As cooperativas estão conseguindomanter os empregos nas pequenas comunidades e ofertando serviços maisadequados às necessidades locais.

Levantamento feito pelo Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito(Woccu) mostra os diferentes graus de importância do cooperativismo decrédito, medida pelo percentual de cooperados em relação à populaçãoeconomicamente ativa, nas mais importantes regiões do mundo. O Brasilpossui uma relação de 2%, apenas superior à da Ásia, com 1,84%.

Tabela 5 – Cooperados em relação à população economicamente ativa

Fonte: Relatório Estatístico do Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito (Woccu), 2004

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tral Experiência brasileira

O cooperativismo é, para milhares de brasileiros, um veículo de acessoeficiente, transparente e adequado a uma série de produtos e serviços. Issoresume sua importância estratégica para todos os setores do governo e, nocaso das cooperativas de crédito, para o Bacen. O reconhecimento dessaimportância e concepção sui generis está também no fato de o assunto sercontemplado em legislação específica (Lei 5.764/71).

Ademais, ele se apresenta como expressão do direito básico deassociação para consecução de fins justos, garantido expressamente emnossa Carta Magna. Necessita ser defendido e fortalecido, para que ocidadão possa exercer o direito de empreender, mesmo sem dispor demuitos recursos. Isso sem contar o que a experiência do cooperativismorepresenta, em um país com as nossas características socioeconômicas,para a educação da sociedade na difícil tarefa de mobilizar-se e organizar-se por si mesma para a consecução de seus objetivos.

Como participante do Sistema Financeiro Nacional (SFN), na qualidadede instituição financeira, a cooperativa de crédito presta serviço, de formadireta, a quase três milhões de associados (veja Gráfico 6). No Brasil, asleis e normas que dizem respeito a esse segmento exigem o cumprimentodos mesmos fundamentos e princípios aplicáveis às demais instituiçõesque compõem o SFN. Mesmo as poucas pessoas que criticam essa formade atuação da autoridade reguladora reconhecem sua importância para ofortalecimento e o crescimento do setor. Entre esses críticos, Domingues(2002) reconhece que “os negócios cooperativos, dentro do SistemaFinanceiro Nacional, conseguem ser executados, atingindo seus objetivosformal e materialmente”.

A adoção desses fundamentos e princípios contribui significativamentepara a elevação da estabilidade e da solidez das cooperativas de créditoquando, de forma natural, os desafios apresentados pelas exigências daregulamentação e os correspondentes esforços do setor induzem aoatingimento de importantes progressos técnicos e organizacionais.

Entretanto, é importante notar que a prática do cooperativismo exigeuma participação, um envolvimento, um nível de consciência coletivadifícil de germinar em um ambiente cujas carências não permitem o acessoa fundamentos da cidadania, como educação, justiça e informação.

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Com efeito, por ser uma sociedade de pessoas, é a qualidade dessaspessoas que faz um projeto cooperativista avançar, criar raízes,desenvolver-se de forma continuada. Quando o corpo cooperado é formadopor pessoas com baixo grau de escolaridade, que vivem em regiões pobres,a análise empírica tem demonstrado que o crescimento é lento, instável enecessita de apoio externo para se manter. Ressalte-se que esse apoioexterno representa subsídio e só deve ser utilizado na fase inicial do projetode constituição da cooperativa, por ser incompatível com a auto-sustentabilidade, fator essencial para sua continuidade e desenvolvimentopleno, autônomo, transparente e independente.

Por isso, é desafiadora a tarefa de se analisarem os diversos aspectosque envolvem a experiência cooperativista brasileira, tendo comoreferência a história de outros países com economias e estruturas sociaisbastante diferentes. Embora seja tentadora a idéia de queimar etapas coma experiência alheia, implantando-se modelos regulatórios de sucesso, épreciso antes observar a realidade local e suas peculiaridades, as tendênciasnaturais do setor e seus problemas, além do marco legal disponível –também reflexo de traços culturais próprios –, para abrir caminhos novoscom alguma segurança.

É com essa visão realista que o Bacen tem acompanhado o movimentocooperativista, participando de eventos no Brasil e no exterior, estudandodiferentes sistemas e tipos de organização, visitando instalações decooperativas e, principalmente, mantendo aberto canal de comunicaçãopermanente com os representantes do setor, tendo como fundamento abusca pela elevação dos níveis de segurança, de confiabilidade e dequalidade das instituições e dos serviços por elas prestados.

Nesse processo de acompanhamento, constatamos a importância dalegislação em vigor para o desenvolvimento do cooperativismo brasileiro.De fato, após uma década em declínio, o número de cooperativas de créditovoltou a crescer depois de promulgada a Lei 5.764/71, acelerando-se essecrescimento na década de 80. Importante notar que esse comportamentose repete ao longo dos anos, independentemente das diversas crises sofridaspela economia brasileira, atingindo hoje a expressiva quantidade de 1.439unidades em funcionamento (Gráfico 4).

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tral Gráfico 4 – Quantidade de cooperativas

A partir de 2003, observa-se uma leve interrupção no processo decrescimento do sistema, fruto do processo de racionalização que aconteceuna maioria dos grupos organizados. Entretanto, isso não representoudiminuição na assistência aos cooperados. Uma vez considerados os Postosde Atendimento Cooperativo (PAC), verifica-se tendência de crescimentono número de pontos de atendimento (Gráfico 5).

Gráfico 5 – Quantidade de cooperativas e de PAC

O gráfico a seguir mostra que o crescimento dos pontos de atendimentoacompanha o movimento de expansão verificado na quantidade decooperados desde dezembro de 2001.

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tralGráfico 6 – Quantidade de cooperados

Valores em milhões15

Na Tabela 6, é possível notar a tendência de retração por parte dagrande maioria das instituições financeiras bancárias tradicionais e, aomesmo tempo, de estabilidade por parte das sociedades cooperativas decrédito, cujo número é superior ao do total das demais instituiçõesautorizadas a funcionar pelo Bacen (incluídos os consórcios), o que leva ainferir que essas sociedades estão ocupando espaços deixados por essemovimento de retração.

Tabela 6 – Quantidade de instituições em funcionamento

15 As posições de 2001 e 2002 foram calculadas por extrapolação, com base em dados fornecidospelos relatórios da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). As demais posiçõesaté ago/2005 foram levantadas por consulta aos principais sistemas. A posição de dez/2005foi calculada por previsão estatística com aproximação para uma reta.

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Coerente com a estrutura social brasileira, o segmento é bastanteconcentrado. Existe considerável quantidade de sociedades com pequenoporte patrimonial, e isso dificulta a adoção de regras prudenciais que sejameficazes, ou seja, que tragam reflexos positivos quanto à solidez e que, aomesmo tempo, não inibam o desenvolvimento do setor, ao tornarem viáveisprojetos de expansão (principalmente a criação de novas sociedades e atransformação de tipos de menor para maior complexidade). O Gráfico 7expressa essa desigualdade ao mostrar que 70% das cooperativasapresentam patrimônio líquido inferior a R$1 milhão.

Gráfico 7 – Patrimônio líquido acumulado

É próprio da cooperativa de crédito contribuir para o desenvolvimentoda economia local, ao promover a intermediação entre a poupança e ademanda por serviços financeiros de uma mesma região – diferentementedo que ocorre com os bancos de varejo – sendo assim potencial indutor decorreção de desigualdades regionais com uma perspectiva de poucainterferência direta do poder público. A Figura 3 mostra a distribuição dascooperativas por região, onde se verifica ainda uma forte concentraçãonas regiões Sul e Sudeste.

Figura 3 – Distribuição das cooperativas por região

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O desafio de diminuir as desigualdades regionais tem motivado aadoção de várias medidas de estímulo por parte do Bacen, entre elas aatuação como participante e produtor de eventos nas regiões mais carentes.Em razão disso, promove, desde setembro de 2002, pelo menos umseminário anual de divulgação, inicialmente apenas sobre microcrédito e,a partir de julho de 2003, sobre microfinanças, que envolve o cooperativismode crédito e outras iniciativas voltadas para o aumento da oferta de váriosserviços financeiros. As datas, os locais e o público participante desseseventos estão listados a seguir.

Tabela 7 – Seminários de divulgação de microfinanças

A Tabela 8 mostra que ainda existe um grande espaço a ser ocupadopelo cooperativismo de crédito dentro do SFN. Nela verifica-se que, quandocomparada com outras instituições financeiras do segmento bancário16, aparticipação percentual do cooperativismo nos principais extratos do SFN,embora apresente tendência de crescimento, ainda é muito pequena.

Tabela 8 – Participação das cooperativas de crédito nos principais agregados

financeiros do segmento bancário

16 Compreende os bancos múltiplos, comerciais, Caixa Econômica Federal e cooperativas de crédito.

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A importância do cooperativismo de crédito para o desenvolvimentoregional fica patente quando comparamos o direcionamento dos seusrecursos livres com o dos demais segmentos do sistema financeiro. De fato,a Tabela 9 demonstra não apenas que o segmento cooperativista emprestamais do que aplica no mercado, mas também que esse comportamentoapresenta tendência crescente.

Tabela 9 – Direcionamento dos recursos livres para operações de crédito

Em R$ bilhão

Atualmente, o sistema cooperativista de crédito brasileiro está estruturadosegundo perfis verticalizados e horizontalizados. Enquanto os primeirosbuscam a centralização e os ganhos pela economia de escala e secaracterizam por sua estrutura piramidal, com as cooperativas singularesocupando a base, as centrais ocupando a zona intermediária e asconfederações o topo, os segundos buscam a formação de redes de pequenascooperativas solidárias organizadas sob a forma radial, com diversassingulares vinculadas apenas a uma central, sem outra entidade acima desta.O Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob), o Sistema deCrédito Cooperativo (Sicred), o Sistema Unicred e a ConfederaçãoBrasileira das Cooperativas de Crédito Ltda. (Confebrás)17 têm o perfilverticalizado, e a Associação Nacional do Cooperativismo de Crédito daEconomia Familiar e Solidária (Ancosol), perfil horizontalizado.

O fenômeno da verticalização pode ser definido como a busca daeficiência por intermédio de fusões e incorporações de cooperativas e da

17 Trata-se de entidade que reúne apenas 29 associados exclusivos. Os demais sócios sãotambém filiados ao Sicoob.

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manutenção ou aumento do atendimento por meio de Postos de AtendimentoCooperativo (PACs)18. O grau de verticalização de cada sistema, portanto, émedido pela relação entre a quantidade de PACs e a de cooperativas. Osgraus de verticalização dos diversos sistemas, apresentados no quadro aseguir, demonstram grande dispersão, destacando-se o Sicredi como o maisverticalizado (6,5 PACs por cooperativa) e o Ancosol como o menosverticalizado (0,4 PAC por cooperativa).

Tabela 10 – Quantidade de PACs por cooperativa (grau de verticalização)

Esses dados indicam que, em termos estratégicos, o Sistema Sicrediopta pela instalação de mais PACs para seus associados, como forma deampliação da sua área de atuação, em vez da abertura de novascooperativas, diferentemente do Sicoob, por exemplo, que, emboraapresente número absoluto de PACs muito próximo ao do Sicredi, possuigrau de verticalização cinco vezes menor.

Tendo 2002 como base, o agrupamento que apresentou maiorcrescimento relativo no número de associados foi o da Ancosol, com128,9%, desempenho explicado pela intensa mobilização, nos últimos anos,de diversas lideranças pertencentes ao segmento da agricultura familiar,na busca de novas alternativas de financiamento para o desenvolvimentode seus negócios e do inegável apoio dado pelas autoridades governamentaisenvolvidas no desenvolvimento desse segmento. Entre elas, está oMinistério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que em 2004 celebrouconvênio de cooperação técnica com o Bacen, cujas bases estão voltadaspara a expansão qualitativa e ordenada do cooperativismo de crédito noBrasil, particularmente no âmbito da agricultura familiar.

18 A verticalização induz ainda aumento da eficiência na gestão dos recursos, uma vez que oscustos de instalação e de manutenção de um PAC são inquestionavelmente inferiores aosapresentados por uma cooperativa.

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Uma outra abordagem, a do número médio de associados por cooperativa,permite-nos visualizar a forte correlação com as economias de escala, tãoimportantes para a sobrevivência desses empreendimentos. Comodemonstrado no Gráfico 8, o Sicredi é o grupamento onde essa relaçãoatinge o maior valor – 7.033 associados por cooperativa – seguido, de longe,pelo Sicoob.

Gráfico 8 – Quantidade média de associados por grupamento

Em dezembro de 2005, existiam 1.399 cooperativas singulares, 39centrais e quatro confederações, das quais apenas uma, a Unicred Brasil, éde crédito (autorizada, portanto, pelo Bacen) sendo as demais (SicoobBrasil, Sicredi Serviços e Confebrás) confederações de serviço. A Ancosolé uma associação que representa o segmento denominado economiasolidária19. As cooperativas singulares estão distribuídas entre os sistemasna forma descrita no próximo gráfico, que inclui o grupamento outros,composto pelas cooperativas independentes, não filiadas a qualquer central.

Gráfico 9 – Quantidade de cooperativas singulares por sistema

19 Formado pelos seguintes subsistemas (área de atuação): Cresol (PR, SC, e RS), Ecosol(SP), Crehnor (RS), Creditag (várias UFs), Ascoob (BA) e Integrar (AL e CE).

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No que diz respeito à formação do quadro de associados (tipo),predominam as do tipo crédito mútuo (64,3%), com perfil urbano, sendo amodalidade Luzzatti a que apresenta menor participação, em torno de 1%(Gráfico 10), cabendo esclarecer que esse tipo de cooperativa segue modelocriado, em 1864, pelo italiano Luigi Luzzatti, e tem como principaiscaracterísticas a atuação urbana e a não-exigência de vínculo para aassociação, exceto algum limite geográfico (bairro, município etc.). Astreze cooperativas desse tipo hoje em funcionamento, remanescentes daépoca em que sua instalação era permitida pela regulamentação, seguemtodas as normas aplicáveis às demais cooperativas de crédito.

Gráfico 10 – Cooperativas por forma de associação

Evolução normativa

No que diz respeito às questões de ordem normativa, o cooperativismode crédito passou, principalmente a partir do início da década de 90, porgrandes transformações. De fato, o conjunto de normas hoje em vigorguarda pouca relação com o vigente em 1991, principalmente quando seanalisam aspectos de condições de associação e de parâmetros operacionais,hoje bem mais adequados. Esse processo evolutivo trouxe reflexos diretosnos horizontes que hoje se descortinam à criatividade e ao espíritoempreendedor do nosso povo.

O início do processo de mudanças

A Resolução 1.914/92 inaugurou uma nova fase na regulamentaçãodo setor e foi antecedida de um procedimento que se mostrou eficaz e sefirmou posteriormente como prática regular na condução de questões de

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regulação: a constituição de grupo de trabalho coordenado pelo Bacen eintegrado por representantes do governo federal e do setor cooperativista,que teve por objetivo dar transparência ao processo, diagnosticar osproblemas e propor soluções20. Essa Resolução resumiu as diversas normasentão em vigor, abriu novas possibilidades operacionais e consolidou omodelo de cooperativa de crédito formada por segmentos profissionais.

Os bancos cooperativos

Decorridos mais de três anos de vigência da Resolução 1.914/92,considerando o aumento contínuo do número de cooperativas de créditono País e a consolidação de vários sistemas organizados, o CMN julgouoportuno disciplinar a possibilidade de criação de bancos comerciaiscooperativos, já virtualmente contida no art. 50 da Resolução 1.914/92, eobjeto de reiteradas solicitações do setor cooperativista. Assim, com aResolução 2.193/95, foram estabelecidas as condições para a criação debancos cooperativos, possibilitando o acesso direto do setor ao mercadofinanceiro, aos serviços de compensação e à conta de reservas bancárias.

Essa norma, pelo seu pioneirismo no contexto regulamentar entãoexistente, foi concebida em termos conservadores, quando comparada comas faculdades operacionais atribuídas aos bancos comerciais. Entretanto,devem ser levadas em conta, em particular, as diferenças no tocante àidentificação do controle acionário, que, no caso, é exercido pelas pessoasjurídicas das centrais, não sendo identificadas diretamente as pessoas físicasassociadas das cooperativas singulares.

Em 2000, constatada a maturidade do projeto e a tendência decrescimento dos bancos cooperativos (vide gráfico a seguir), foi dado novodisciplinamento à constituição e ao funcionamento dessas instituições,por intermédio da Resolução 2.788, que praticamente as equiparou aosdemais bancos comerciais, inclusive prevendo a possibilidade deconstituição na forma de banco múltiplo e de abertura do capital paraoutros investidores fora do sistema, mantida a obrigatoriedade de as centraisde crédito deterem, no mínimo, 51% das ações com direito a voto.

20 Esse primeiro grupo de trabalho foi criado pela Portaria Interministerial 656, de 10/7/1991,firmada por prepostos do Ministério da Fazenda e Planejamento e do Ministério da Agriculturae Reforma Agrária.

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tralGráfico 11 – Crescimento percentual dos bancos cooperativos

Ano-base: 1996

A única diferença era a exigência patrimonial em relação ao ativoponderado pelo risco, calculada pelo fator F = 0,13 (o fator F anterior era0,15), 18% maior que o estabelecido para as demais instituições financeiras(0,11). Essa diferença, entretanto, vigorou até setembro de 2002, quandopassou a ser aplicado o mesmo fator exigido para as demais instituiçõesfinanceiras, nos termos da Circular 3.147. Essa mudança foi possível graçasao entendimento de que já está superada a fase de adaptação decorrente daabertura proporcionada pela citada norma de 2000, tanto nos aspectossocietários quanto nos operacionais.

Outro importante reconhecimento do papel dos bancos cooperativosfoi consubstanciado na Lei 9.848, de 26 de outubro de 1999, que em seusartigos 2º (parágrafo único) e 4º, permitiu que essas instituiçõescontratassem operações de crédito rural subvencionadas pela União, soba forma de equalização de encargos (cobertura do diferencial verificadoentre o custo dos recursos para o banco e a remuneração do financiamentoao produtor)

A mais recente atualização normativa relacionada ao funcionamentodos bancos cooperativos veio com a edição da Resolução 3.188, de 29 demarço de 2004, que autoriza essas instituições a captarem depósitos depoupança rural, estabelecendo que o cumprimento da exigibilidade deaplicações em crédito rural se dará depois de completados seis meses decaptação de depósitos de poupança rural. Os bancos cooperativos, pornão integrarem o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) eterem forte atuação no setor rural, reúnem características que justificamessa autorização.

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Importante notar que a contratação de correspondentes, pelos bancoscooperativos, para a captação de poupança rural, fica limitada àscooperativas de crédito rural e às de livre admissão de associados.

A referida autorização, além de favorecer o sistema cooperativista rural,que passa a contar com fonte de recursos para a concessão de financiamentosrurais sob condições mais vantajosas do que aquelas atualmentedisponíveis, e seus associados – dada a possibilidade de se realizaremaplicações de suas reservas financeiras em modalidade de investimentode simples operacionalização, garantida pelo Fundo Garantidor de Créditos(FGC) – contribuirá para reduzir o custo do Tesouro Nacional com aequalização dos encargos financeiros em operações de crédito rural dosbancos cooperativos, já comentada neste trabalho.

Foi alterado, também, o percentual de direcionamento de recursoscaptados em depósitos de poupança rural de 40% para 65%, de modo aequiparar essa exigibilidade à estabelecida para os depósitos de poupançacaptados por entidades do SBPE, sendo que, para as instituições que jácaptam depósitos de poupança rural, foi estabelecido o seguintecronograma para o atendimento do percentual ora fixado: 50%, a partirde 1º de setembro de 2004; 55%, a partir de 1º de setembro de 2005;60%, a partir de 1º de setembro de 2006; e 65%, a partir de 1º de setembrode 2007.

Com esses aperfeiçoamentos legais e regulamentares, espera-se queos bancos cooperativos possam contribuir também para a ampliação doatendimento a diversos setores da população, atuando por intermédio dascooperativas associadas, com a vantagem de que essas associadas, porserem as entidades financeiras que mais intimamente conhecem asnecessidades locais, podem prestar serviços mais adequados à clientela.

Mudanças recentes na regulamentação

Sete anos após a edição da Resolução 1.914/92, apresentou-se aoportunidade de adotar formatação mais flexível para a disciplina dascooperativas de crédito, sendo solicitada, novamente, a contribuição degrupo de trabalho composto por representantes do setor cooperativista decrédito, parlamentares e técnicos do Bacen. A partir do relatório final dessegrupo, foi editada a Resolução 2.608, de 27/5/1999.

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Tal normativo introduziu inovações significativas para a estruturaçãodo setor cooperativo e para sua evolução técnica e operacional, bem comopara o aumento do público alcançado pelos seus serviços, e preparou oterreno para o aperfeiçoamento regulamentar que seria promovido um anodepois, quando editada a Resolução 2.771.

Nesse sentido, vale destacar, na Resolução 2.608/99, dentre outrosaspectos, as seguintes medidas tomadas com vistas, especialmente, àredução dos riscos de crédito, de mercado e operacional incorridos pelasinstituições do setor. São elas:

• incentivo à estruturação do setor em sistemas integradossupervisionados por centrais de crédito responsáveis pelo controle,auditoria e capacitação técnica permanente dos quadrosadministrativos das singulares afiliadas;

• redução dos limites de concentração de risco por cliente ede endividamento.

Tivemos, ainda, medidas importantes visando ao aumento dacapacidade operacional das cooperativas singulares e o aproveitamentode economias de escala, tais como:

• critérios mais flexíveis de admissão de associados e de definição daárea de atuação da cooperativa;

• maiores possibilidades de prestação de serviços a associados e aopúblico em geral.

A Resolução 2.608/99, a par desses avanços, apresentou alguns pontosde controvérsia, principalmente no que diz respeito ao capital mínimo deingresso e à manutenção das atuais cooperativas tipo Luzzatti. Assim, apósamplo diálogo com o setor, foi editada a Resolução 2.771, de 30/8/2000.

Esse novo regulamento introduziu várias adaptações à disciplinaanterior, especialmente no tocante à:

• redução do capital de constituição e ao estabelecimento de cronogramapara o atingimento do patrimônio mínimo de funcionamento;

• aplicação dos critérios de Basiléia de adequação do patrimônio dereferência ao risco dos ativos, em substituição ao limitede endividamento;

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• definição de limites de diversificação de risco menos restritos paraas operações de aplicação no mercado financeiro e para as operaçõesde crédito realizadas pelas centrais em favor de singulares;

• permissão para que as centrais pudessem contratar serviços técnicosno mercado, bem como prestar serviços a outras cooperativas,relativamente às atribuições de supervisão, auditoria e treinamentoestabelecidas pela norma.

Cooperativas de pequenos empresários,microempresários e microempreendedores

A Resolução 3.058, foi editada em 20 de dezembro de 2002, dandoseqüência ao processo de aperfeiçoamento da regulamentação do setorcooperativo de crédito, que abre a possibilidade da formação de cooperativasde pequenos empresários, microempresários e microempreendedores,responsáveis por negócios de natureza industrial, comercial ou de prestaçãode serviços, incluídas as atividades da área rural, cuja receita bruta anual,por ocasião da associação, seja igual ou inferior ao limite estabelecidopela legislação em vigor para as pequenas empresas.

A norma em referência reflete a importância do segmento econômicorepresentado pelos pequenos empresários, microempresários emicroempreendedores, responsáveis pela geração da grande massa deempregos do País, e vem juntar-se aos esforços realizados pelos váriosórgãos oficiais e privados para apoio ao segmento. Dessa forma, apossibilidade de constituição dessas cooperativas, que visam suprir ademanda por créditos destinados às atividades produtivas, vem adicionar-se ao quadro das iniciativas voltadas para o estímulo ao empreendedorismo,capacitação, apoio à exportação, desenvolvimento tecnológico emodernização administrativa, entre outras.

O potencial de crescimento desse novo tipo de cooperativa éevidenciado pela grande quantidade de microempresas existentes no País.Conforme divulgado no “Boletim Estatístico de Micro e PequenasEmpresas do Sebrae”, do 1º semestre de 2005, o número de microempresasno Brasil, entre 1996 e 2002, cresceu mais de 50%, atingindo o montantede 4.605.607 estabelecimentos. A participação percentual no total deempresas passou de 93,2%, em 1996, para 93,6%, em 2002. Metade delasse concentra na região Sudeste.

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Esse potencial é reafirmado pelo fato de que nossa vocação para oempreendedorismo se destaca quando comparada com a de outros países.Segundo o Global Entrepreneurship Monitor (2002), pesquisa feita em37 nações, as quais, juntas, representavam quase 2/3 da população mundial,mostra que o Brasil figurava em sétimo lugar no ranking daquelas commaior nível geral de empreendedorismo. A taxa brasileira de atividadeempreendedora total, que indica a proporção de empreendedores napopulação de 18 a 64 anos de idade, foi de 13,5%, estimando-se em14,4 milhões o número de empreendedores no País, dos quais 42% erammulheres. Além disso, o Brasil apresentou a maior taxa de empreendedorismopor necessidade, 7,5% do total, enquanto a média foi inferior a 2%. Isto é,55,4% dos que abriram um negócio próprio em 2002 o fizeram pordificuldade em encontrar trabalho.

Ressalte-se que a regulamentação anterior permitia a criação dessascooperativas, porém de forma segmentada por ramo de atividade, comoas cooperativas de comerciantes de vestuário, constituídas desde então.Essa restrição limitava sua existência às grandes cidades, onde é possívelreunir número suficiente de empresários da mesma especialidade eproporcionar, dessa forma, a escala mínima necessária ao empreendimento.

A essência da nova disciplina reside precisamente na constituição decooperativas sem exigência de segmentação por ramo especializado.Tratando-se, portanto, de cooperativas com maior liberdade de associaçãoem relação às anteriormente constituídas, foi-lhes exigido observar algunsrequisitos adicionais em relação às demais, especialmente quanto à filiaçãoà cooperativa central de crédito e à publicação de demonstrações financeirasem jornal de grande circulação na área de atuação, medidas que visamprover maior controle externo e transparência às suas atividades.

Assim, equipararam-se os empreendedores urbanos aos empreendedoresrurais, com relação à possibilidade de formação de cooperativas de crédito,considerando-se que o disciplinamento legal e regulamentar sempre permitiua formação de cooperativas de crédito rural, reunindo produtores rurais semsegmentação por ramo de atividade.

Além disso, essa nova regulamentação possibilitou um aumento nadiversificação dos segmentos de mercado em que atuam os associadospor permitir, inclusive, que uma mesma cooperativa reúna produtores ruraise empresários urbanos, conferindo à instituição, dessa forma, maiorestabilidade com relação às flutuações de cada um desses segmentos.

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tral Cooperativas de livre admissão de associação

Outro passo de grande importância para o fortalecimento e crescimentodas cooperativas de crédito no País dado pelo governo federal foi a ediçãoda Resolução 3.106, em 25 de junho de 2003. Essencialmente, a resoluçãoaprimora dispositivos regulamentares aplicáveis às cooperativas de crédito,fortalece o papel das cooperativas centrais e permite a criação decooperativas de livre admissão de associados. A medida também foiprecedida de ampla consulta ao setor cooperativo de crédito e representantesde vários órgãos do Poder Executivo, reunidos em grupo de trabalhocoordenado pelo Ministério da Fazenda.

A nova regra permitiu a organização de populações hoje compouquíssimo acesso a serviços financeiros, tais como as localizadas longedos grandes centros, para que possam mobilizar e aplicar recursos em seupróprio benefício, estimulando assim pequenos empreendimentos rurais eurbanos geradores de empregos.

Às cooperativas que já estavam em funcionamento, constituídassegundo determinado vínculo obrigatório, foi facultada a transformaçãoem cooperativas abertas ou a fusão entre os diversos tipos existente,favorecendo, dessa forma, o ganho pela economia de escala e, comoconseqüência, o fortalecimento do setor.

A característica central dessa nova regulamentação é o estímulo muitoclaro à ocupação de regiões e de segmentos sociais menos favorecidos,objetivo garantido pela limitação da área de atuação e pelas exigências decapital diferenciadas. Foi então permitida a constituição de sociedadescooperativas de livre admissão em áreas com até 100.000 habitantes(vedada a instalação para atender apenas a parcela de um município), comcapital mínimo comparável com o estabelecido para as demais cooperativassingulares. Importa lembrar que 95% dos municípios do País têm menosde 100.000 habitantes.

No caso de transformação de cooperativas já existentes, a populaçãomáxima da área de atuação foi estabelecida em 750 mil habitantes.

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O patrimônio líquido mínimo exigido para a transformação foi de R$6milhões para as cooperativas localizadas em municípios de regiõesmetropolitanas, e de R$3 milhões nos demais casos. Para as regiões Nortee Nordeste, o requisito foi reduzido em 50%.

A par da preocupação social, como se trata da mobilização de recursosdo próprio público, foram estabelecidas regras prudenciais semelhantesàquelas aplicáveis aos demais tipos de instituição financeira. Para ascooperativas Luzzatti, foi permitido que continuassem operandonormalmente, sem necessidade de realizarem ajustes às novas regrasenquanto não alterada a sua área de atuação.

Ao mesmo tempo, as cooperativas, tanto singulares quanto centrais,foram levadas a planejar com maior cuidado a estruturação da sociedade,já no momento de sua formação. Para esse fim, foram aplicadas ao setorcooperativo de crédito disposições análogas às estabelecidas para o restantedo SFN, no tocante às regras de acesso. Assim, por exemplo, começou aser exigida a apresentação de documento que descreva as principaiscaracterísticas da cooperativa, podendo o Bacen, caso entenda necessário,solicitar estudo de viabilidade econômica e outros documentos.

Cooperativas de empresários com empresas vinculadas aentidade representativa de classe

Vencida a etapa da estruturação mais adequada às cooperativas decrédito, em especial no tocante à composição de seus quadros deassociados, e em harmonia com o modelo macroeconômico adotado pelogoverno, que impõe a adoção de medidas de estímulo, não apenas aofinanciamento de atividades produtivas e geradoras de emprego, mastambém à concorrência e transparência das informações de crédito,inclusive como forma de induzir uma diminuição do spread bancário(Gráfico12), o CMN decidiu, em 27 de novembro de 2003, expedir aResolução 3.140, que faculta a criação de cooperativas de crédito comcritério de associação centrado na vinculação de cooperados empresáriosa uma entidade de classe específica.

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tral Gráfico 12 – Decomposição do spread bancário

Essa nova modalidade, intermediária entre os modelos de livreadmissão de cooperados e as tradicionais – segmentadas por categoriaprofissional, ou por vínculo empregatício –, apresentou vantagemcomparativa de menor risco sobre as cooperativas abertas, assim como demaior escala potencial em relação às cooperativas segmentadas, podendoser importante instrumento de financiamento para o desenvolvimento daeconomia brasileira.

A mencionada Resolução, portanto, permitiu que cooperativa de créditofosse constituída como sociedade de empresários participantes de empresasvinculadas diretamente a um mesmo sindicato patronal, ou direta ouindiretamente a associação patronal de grau superior, em funcionamento,no mínimo, há três anos. Além da obrigatoriedade do atendimento àsmesmas exigências regulamentares previstas para as cooperativas depequenos empresários, microempresários e microempreendedores, foirequerido dos interessados o encaminhamento ao Bacen de documentofirmado pela respectiva associação sindical a que vinculados, expondo osmotivos que recomendam a aprovação do projeto da cooperativa, bemcomo as medidas de apoio à sua instalação e ao seu funcionamento,possibilitando àquela Autarquia avaliar com maior precisão a solidez dosprojetos submetidos à sua análise.

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tralLimite de diversificação de risco –

Instalação de PAC por cooperativas Luzzatti

Com o propósito de facilitar a harmonização das regras entre instituiçõesfinanceiras em geral e cooperativas de crédito, foram explicitamenteincluídas, por intermédio da mencionada Resolução 3.140, nos limites deexposição por cliente, as exposições decorrentes de operações comderivativos, bem como foram excluídas dos mesmos limites as aplicaçõesem títulos públicos federais e em quotas de fundos de investimentos, sendoque, no caso de fundos em que a cooperativa for o único condômino,devem ser computadas as aplicações do fundo para fins de cálculo doslimites em questão.

Além disso, na mesma linha de harmonização com as normas em vigor,foi mantido o limite máximo de 25% do Patrimônio de Referência (PR)para a exposição total da cooperativa singular junto a cada contraparte,somada a aplicação em títulos e valores mobiliários e incluídas asexposições decorrentes de operações com derivativos, e caso existam, asoperações de crédito e de concessão de garantias. A Tabela 11 resume ascondições para o cálculo da exposição por cliente, após a expedição damencionada norma.

Tabela 11 – Limites de exposição por cliente – Resolução 3.140

Em % do PR

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Em paralelo, foram mais uma vez revistas as condições de atuação dascooperativas do tipo Luzzatti, ao se permitir a prestação dos serviçoscooperativos por meio de PACs e de Postos de Atendimento Transitórios(PAT), sem necessidade de transformação, desde que restrito seufuncionamento à respectiva área de atuação.

Contratação de Correspondente

Em 17 de dezembro de 2003, o CMN editou a Resolução 3.156, queestende a faculdade de contratação de correspondente no País – instrumentoque será abordado em detalhes mais adiante – às outras instituiçõesfinanceiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen atéentão não contempladas naquela regulamentação, tais como as cooperativasde crédito, as companhias hipotecárias, as sociedades de crédito aomicroempreendedor e as sociedades corretoras e distribuidoras de títulose valores mobiliários.

Resolução 3.321 – Consolidação das normas

Em 30 de setembro de 2005, o CMN editou a Resolução 3.321, que,além de consolidar os normativos antes editados sobre o assunto, introduziumudanças que estimulam a formação de cooperativas com maior porte eviabilidade econômica e que, ao mesmo tempo, induzam a auto-sustentabilidade das cooperativas de menor porte, mediante oaprimoramento do papel exercido pelas cooperativas centrais de créditona supervisão e no controle das filiad as. Essas medidas são, em resumo:

a) visando melhor aproveitamento de ganhos de escala nosetor cooperativo:

1. aumento, de 100 mil para 300 mil habitantes, do limite populacionalpara constituição de cooperativas de livre admissão com menorexigência de capital e patrimônio, favorecendo a constituição, mesmoem áreas afastadas dos grandes centros, de cooperativas abertas a todaa população, e a fusão de cooperativas menores (a Tabela 12 resume asregras para capital e PR mínimos para cooperativas de livre admissão);

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tralTabela 12 – Limite mínimo de capital e PR – Cooperativas de livre admissão

Com base na Resolução 3.321/2005

2. possibilidade de formação de cooperativas de empresários comvinculação a mais de um sindicato ou a outra associação patronal,inclusive associações locais, aspecto importante para a viabilizaçãodessas cooperativas em localidades menos densamente povoadas;

3. possibilidade de criação de cooperativas em que coexistam sóciosde origens diversas, mantida a definição de cada grupo por profissão,atividade ou vínculo empregatício (segmentação), com exigênciasinferiores às das cooperativas de livre admissão, o que pode viabilizar,por exemplo, nas cooperativas segmentadas já existentes, a admissãode novos grupos homogêneos que, isolados, não teriam condiçõesde formar cooperativa, tais como, funcionários públicos de pequenaslocalidades do interior;

b) visando ampliar a capacidade de prestação de serviços das cooperativassingulares de crédito aos associados e à população em geral:

1. contratação de prestação de serviços pelas cooperativas singulares aobanco cooperativo pertencente ao respectivo sistema organizado, comobjetivo de viabilizar a oferta de produtos e serviços financeiros dessesbancos ao público associado, medida que leva em conta o fato deque, para o cumprimento de suas finalidades, tais bancos contam nãocom uma rede de agências, mas com a respectiva rede cooperativa,especializada por natureza na prestação de serviços financeiros;

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2. contratação de prestação de serviços a outras instituições financeirasreferentes à concessão de crédito aos associados e ao público emgeral, com recursos sujeitos a legislação específica, tais como osrelativos ao crédito rural, permitindo a utilização mais expedita dascooperativas como canal de grande capilaridade para a distribuiçãode linhas de crédito administradas especialmente pelos bancosoficiais, abrangendo todos os procedimentos necessários à contrataçãodos financiamentos;

3. permissão para instalação de postos de atendimento transitórios epostos de atendimento eletrônicos na área de atuação da cooperativasingular de crédito.

c) adequando limites de exposição por cliente a situações específicasdos sistemas cooperativos:

1. ampliação dos limites de exposição por cliente para as centrais queadotem a centralização financeira de disponibilidades e o institutoda solidariedade financeira entre as filiadas, sendo que, nesse caso,a central poderá realizar aplicações de recursos em títulos deresponsabilidade de instituições financeiras e repasses de recursossujeitos a legislação específica às filiadas, observando os limites de10% do PR total das filiadas e de 100% do próprio PR, o que formenor; em outros tipos de aplicação no mercado e de crédito afiliadas, a central continuará a observar, respectivamente, os limitesde 25% e de 20% do próprio PR;

2. aumento dos limites de exposição por cliente das cooperativassingulares, passando de 10% para 15% do PR para as cooperativasfiliadas a centrais, e de 5% para 10% para as não-filiadas,tornando-o mais próximo do limite vigente para as demaisinstituições financeiras;

3. aumento do prazo de adaptação ao limite geral para exposição porcliente, de 1 para 2 anos, a partir da criação de cooperativas singularescentralizadas, período válido apenas para os financiamentos a clientestomadores de financiamentos com recursos sujeitos a legislaçãoespecífica, observados os limites de 25% do PR no primeiro ano ede 20% do PR, no segundo (a Tabela 13 resume as condições deexposição por cliente).

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tralTabela 13 – Limites de exposição por cliente – Resolução 3.321

Em % do PR

d) dispondo sobre auditoria e acompanhamento:

1. aplicação a todas as cooperativas singulares das disposições sobreprestação de serviços de auditoria independente observadas pelasdemais instituições financeiras, com as adaptações necessárias àscaracterísticas societárias e operacionais do setor cooperativo decrédito, regras que devem ser observadas pelas cooperativas centraisde crédito na auditoria de singulares filiadas e de não-filiadas, bemcomo por auditores independentes;

2. possibilidade de o Bacen adotar leque de medidas em relação acentrais cujo desempenho das atribuições de acompanhamento econtrole seja considerado deficiente, incluindo plano de adequação,aplicação de limites operacionais mais elevados às singulares filiadase inabilitação em relação à admissão de novas filiadas;

3. obrigação das centrais quanto ao envio de informe ao Bacen sobreocorrência de filiação e de desfiliação de singulares.

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e) ajustando outras disposições:

1. supressão da exigência relativa ao conselho fiscal das cooperativas decrédito, que fazia distinção entre membros efetivos e suplentes para aaplicação da fração máxima de renovação de 1/3 prevista no art. 56 daLei 5.764/71, possibilitando permanência um pouco mais longa dosconselheiros, capacitando-os a um melhor exercício do cargo;

2. vedação de financiamento da cooperativa a seus associados paraaquisição de cotas-partes da própria cooperativa, bem como decoobrigação em financiamento concedido por terceiros com esse fim.

A importância da cooperativa central de crédito

Conforme já salientado em comentários anteriores sobre o avançonormativo, o papel desempenhado pelas cooperativas centrais naorganização do setor cooperativo de crédito é visto como primordial porparte da Autoridade Monetária, cabendo-lhes não só tarefas de cunhodiretamente financeiro, mas principalmente aquelas relacionadas comassunção plena de suas funções de apoiadoras e controladoras dos sistemasassociados, das quais depende, diretamente, o desenvolvimento em basessólidas, com elevação dos padrões de qualidade do sistema.

Papel importante também tem a central, no que diz respeito ao cuidadocom a marca. De fato, eventuais defaults de instituições cooperativas decrédito, mesmo que isolados e ligados a problemas locais, são vistos comodeficiências inerentes ao setor, diferentemente do que acontece com aimagem de outros tipos de instituição financeira. A preservação da marca“cooperativa” é de fundamental importância para o crescimento do setor,pois envolve a confiança do público usuário, sem a qual não existiria aintermediação financeira.

Com a criação das novas cooperativas de livre admissão, tornou-seainda mais importante a qualidade da atuação das cooperativas centrais.Cada cooperativa de livre admissão, como atualmente exigido para ascooperativas de microempresários, deve estar filiada a central com três

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anos de funcionamento, determinado porte mínimo e atuação adequada.Essa central deverá dar conformidade à criação da nova cooperativa,supervisionar seu funcionamento, promover a capacitação de seusdirigentes e realizar semestralmente a auditoria de suas demonstraçõesfinanceiras. Outros instrumentos de controle que podem ser viabilizadospor meio das centrais são a participação obrigatória da cooperativa delivre admissão em fundo garantidor de depósitos e a produção de relatóriosde controles internos, de auditoria interna e de sistemas de informação.

Em resumo, todo o marco legal do cooperativismo foi desenhado tendocomo um dos principais pilares a atuação eficiente das cooperativas centraisde crédito. Dessa forma, a evolução regulamentar responde,proporcionalmente, à eficiência, ao sucesso, à atuação equilibrada eprofissional das entidades cooperativas, principalmente aquelas de segundoe do terceiro níveis, que devem zelar desde a formação de quadros depessoal qualificados, passando pelos métodos administrativos e,especialmente, pelos sistemas de controle e supervisão.

Reflexos da evolução recente no Banco Central

Esse acelerado processo de mudanças, que ocorre desde o final de2002, se trouxe, por um lado, estímulo às iniciativas de organização empopulações com pouquíssimo acesso a serviços financeiros, permitindoque possam mobilizar e aplicar recursos em seu próprio benefício,estimulando assim pequenos empreendimentos rurais e urbanos, geradoresde empregos, trouxe também sobrecarga de trabalho para a área desupervisão do Bacen.

A Tabela 14 mostra que, a partir da vigência dessas novas regras, foramapresentados ao Bacen 510 pleitos de constituição ou transformação decooperativas, sendo que já foram solucionados 302 processos21. Os demais208 pleitos ainda se encontram sob exame das áreas técnicas do Bacen.Do total aprovado, 18 pertencem ao segmento de microempresários, 59ao de livre admissão, 17 ao de empresários vinculados a sindicato patronal,e os 80 restantes aos demais tipos.

21 Dos quais, 174 foram aprovados, 120 arquivados depois que os próprios interessados, noprocesso de discussão com a equipe técnica do Bacen, concluíram pela sua inviabilidade, eoito indeferidos por absoluta falta de atendimento às exigências normativas.

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tral Tabela 14 – Pleitos de constituição/transformação após a

edição das novas regras de acesso

Apenas para se ter uma idéia das conseqüências dessa nova afluênciade projetos de constituição e transformação de cooperativas, observa-seque, nos anos anteriores (2001 e 2002), foram criadas 101 e 97 novascooperativas, respectivamente, sendo que, ao final daqueles exercícios,27 e 29 pedidos permaneceram pendentes de solução. Todos os 29processos pendentes ao final de 2002 foram regularmente decididos noprimeiro semestre do 2003.

Entretanto, a afluência de novos pleitos não é a única responsávelpelo atual estoque de processos em estudo. A ela, há de se juntar a análisequalitativa introduzida após a edição das normas que objetivaram ofortalecimento das cooperativas de crédito. O impacto entre a maiordemanda por abertura de cooperativas de crédito e o aumento na qualidadeda análise dos respectivos projetos provocou, como era de se esperar,aumento no tempo médio de exame.

Os reflexos se fizeram sentir também do lado dos interessados, porqueo segmento, mesmo aquele já organizado em sistemas, não detinha atecnologia adequada para a preparação de projetos da espécie, pelo menosdentro da ótica requerida pelas normas. Do lado da autoridade reguladora,as limitações de orçamento e de estrutura de pessoal não permitiram quese formassem equipes previamente capacitadas para análise e avaliaçãodos projetos. A solução encontrada foi utilizar o método do aprendizadoem serviço, que, conquanto tenha resultado em análises de boa qualidade,tiveram como conseqüência a demora.

Diante desse quadro, o Bacen, por intermédio da Diretoria de Normase Organização (Dinor), tomou as seguintes iniciativas:

a) celebrou convênios com o Sebrae e com o MDA, com o objetivode, trabalhando em cada projeto de forma conjunta, eliminar algumasetapas da análise, principalmente no que diz respeito ao

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conhecimento das condições de capacitação de dirigentes e deviabilidade socioeconômica;

b) realizou vários eventos de treinamento sobre plano de negócio, coma participação de especialistas do País e do exterior, com vistas aoaprimoramento das técnicas de análise, buscando harmonia com osprincípios e fundamentos ditados pelas novas regras;

c) promoveu reuniões técnicas de esclarecimento com representantesdos principais sistemas organizados (Unicred, Sicoob, Sicredi,Confebrás e Ancosol);

d) atuou como promotor e participante de encontros, seminários,workshops e congressos, com o objetivo de divulgar os fundamentosdo cooperativismo e as implicações que acompanham a participaçãodas pessoas em um projeto de constituição desse tipo de sociedade.

No que diz respeito ao aprimoramento do quadro de pessoal e das estruturasdo Bacen responsáveis pela área de supervisão das cooperativas de crédito,convém salientar que o “Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerialdo Cooperativismo”, constituído por Decreto de 4 de julho de 2003, destacouem seu capítulo VII, item 6, a necessidade de alocação de “mais recursos noorçamento do Banco Central para a área de supervisão a cooperativas decrédito e, também, criar instância específica nesta instituição com a atribuiçãode acompanhar e fiscalizar as instituições de crédito cooperativo”.

Atendendo a essa recomendação, foi aprovada pela Diretoria Colegiadado Bacen, em 15 de junho de 2005, a criação do Departamento deSupervisão de Cooperativas e Instituições Não Bancárias e de Atendimentode Demandas e Reclamações (Desuc), unidade vinculada à Diretoria deFiscalização que desde aquela data vem exercendo, preponderantemente,a fiscalização das cooperativas de crédito quanto à observância das normasaplicáveis e quanto ao cumprimento dos limites operacionais definidos.

Microcrédito

Embora a atividade de microcrédito exista no País desde 197322, 1999marca o início de grandes mudanças no setor. Primeiro, a Lei 9.790/1999,

22 Nesse ano, foi criada uma ONG com atuação em Pernambuco e na Bahia, denominadaUnião Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações (Programa Uno), com apoio daONG denominada Acción International (que na época se chamava Aitec) e de empresárioslocais (associações comerciais e federação das indústrias), que formavam os conselhos.

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abriu para a ONG de microcrédito a possibilidade de atuar qualificadacomo Oscip, permitindo a ampliação de sua capacidade operativa medianteo acesso a recursos públicos, com a utilização do Termo de Parceria. Foramdepois expedidas duas Medidas Provisórias (1.914 e 1.894)23, queestabeleceram as linhas gerais de atuação da atividade no Brasil.

Durante os estudos desenvolvidos no período de 1995 a 1999, queserviram de base para a construção do marco legal e regulatório, foramdiscutidos dois modelos que, na verdade, são duas correntes de pensamento,ligadas ao escopo do atendimento ao cliente do microcrédito. A primeira,denominada desenvolvimentista, defende que os esforços dos programasde microcrédito devam estar voltados ao combate à problemática estruturalda pobreza; entende a MFI como um agente de desenvolvimento social; eestabelece que o crédito deve estar vinculado a outras formas de apoio aopequeno empreendedor, sem as quais não haveria como romper a linha depobreza sob a qual este se encontra (capacitação técnico-gerencial,suporte à comercialização, experiências de vida comunitária, entre outras).A segunda, denominada minimalista, entende que uma MFI só devecumprir sua função se atingir a sustentabilidade e, por isso, oferecer apenasserviços financeiros com a melhor qualidade possível, sem atrelá-los acapacitação prévia.

No caso brasileiro, optou-se por adotar o modelo de MFI minimalista,pelas seguintes razões:

a) esse modelo tem mais condições de atingir a auto-sustentabilidade,já que o desenvolvimentista, para isso, teria que cortar custos comdespesas administrativas e operacionais – justamente aquelasdestinadas à capacitação de clientes;

b) o modelo desenvolvimentista precisa, portanto, ser subsidiado ousofrerá dilapidação de patrimônio;

c) a eficácia dos eventos de capacitação é bastante duvidosa e, naesmagadora maioria das experiências conhecidas, os tomadoresparticipam com pouquíssimo interesse, apenas considerando aperspectiva de receber o crédito.

Foi seguindo esse modelo minimalista que as MFIs brasileiras,denominadas SCMs, foram criadas pela Medida Provisória 1.894-24, de

23 A MP 1.914, atual MP 2.172-32, de 23 de agosto de 2001, trata de estipulações usurárias emcontratos, e a MP 1.894, convertida na Lei 10.194, de 14 de fevereiro de 2001, criou as SCMs.

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23 de novembro de 199924, com o objeto social exclusivo de concederfinanciamentos a pessoas físicas e microempresas, com vistas à viabilizaçãode empreendimentos de natureza profissional, comercial ou industrial, depequeno porte, equiparando-se às instituições financeiras para os efeitosda legislação em vigor.

A criação dessa MFI regulada também atendeu à forte pressão do mercado,que buscava novas fontes de financiamento, partindo da premissa de que osinvestidores sentem-se mais seguros para aplicar em sociedades commodelos institucionais definidos e supervisionados por entidades federais.

As SCMs foram inicialmente regulamentadas pela Resolução do CMN2.627/1999, com a estratégia de partir de modelo conservador, do pontode regulamentação prudencial, para gradualmente sofrer aperfeiçoamentos,uma vez constatada qualidade na forma de atuação e aderência aosprincípios que nortearam sua criação.

Dentro dessa linha, em 26 de julho de 2001, a Resolução 2.627 foirevogada pela 2.874, que trouxe os aperfeiçoamentos a seguir resumidos:

Tabela 15 – Aperfeiçoamentos trazidos pela Resolução 2.874

Outro aperfeiçoamento veio com a edição, em 17 de dezembro de2003, da já mencionada Resolução 3.156, que estende a faculdade decontratação de correspondente no País – de que trata a Resolução 3.110,de 31 de julho de 2003 – às outras instituições financeiras e demaisinstituições autorizadas a funcionar pelo Bacen até então não contempladasnaquela regulamentação, como é o caso das SCMs.

24 Em seguida substituída pelas MP 1.958 e 2.082, sendo esta transformada na Lei 10.194, de14 de fevereiro de 2001.

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Posteriormente, em 25 de abril de 2005, a Lei 11.110, que criou oPrograma Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado (PNMPO),permitiu que as SCMs prestassem outros serviços financeiros além docrédito, ao dar a seguinte redação ao inciso I do caput do art. 1º da Lei10.194/ 2001:

Art. 1º ..................................................................I - terão por objeto social a concessão de financiamentos apessoas físicas e microempresas, com vistas na viabilizaçãode empreendimentos de natureza profissional, comercialou industrial, de pequeno porte, equiparando-se àsinstituições financeiras para os efeitos da legislação emvigor, podendo exercer outras atividades definidas peloConselho Monetário Nacional.

Em seu art. 1º, § 6º, inciso III, esse mesmo diploma legal tambéminclui as SCMs no rol das instituições de microcrédito produtivo eorientado, portanto, passíveis de participar do programa.

Formas de atuação no Brasil

Com base nas disposições da Lei 10.194, de 14 de fevereiro de 2001,e da Medida Provisória 2.172-32, de 23 de agosto de 200125; nosaprimoramentos introduzidos pela Resolução 2.874, de 26 de julho de2001; nas demais leis e normas em vigor; e nas diversas experiênciassurgidas no País, é possível resumir as seguintes modalidades de atuaçãocom microcrédito no Brasil:

a) sem fins de lucro:

• pessoas jurídicas de direito privado (ONG), sujeitas a restriçõesquanto aos juros praticados (máximo de 12% a.a.);

• fundos públicos estaduais ou municipais (bancos do povo),administrados por autarquias, departamentos ou outras formasprevistas em lei, também sujeitas a restrições quanto aos juros(máximo de 12% a.a.);

25 Trata de nulidade de disposições contratuais com estipulações usurárias (Lei da Usura).

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• organizações da sociedade civil de interesse público de que trata aLei 9.790, de 23 de março de 1999, devidamente registradas noMinistério da Justiça, não sujeitas a restrições quanto a estipulaçõesusuárias (taxas de juros livres);

b) com objetivo de lucro:

• SCM autorizada pelo Bacen, controlada por qualquer pessoa físicaou jurídica, inclusive instituição financeira privada e Oscip;

• diretamente, por intermédio de qualquer instituição financeira quetrabalhe com oferta de crédito junto ao público, inclusive sob a formade departamento ou carteira especializada.

O poder público também pode participar indiretamente, fomentandoentidades especializadas, como é o caso do BNDES; ou diretamente, porintermédio de banco público com carteira especializada, como é o caso doprograma Crediamigo, do Banco do Nordeste.

Outras entidades, mais recentemente, também estão atuando de formaindireta (banco de segunda linha) na oferta de recursos e outros serviçosde apoio ao microcrédito, dos quais se destacam o Banco Popular do Brasil,a Caixa Econômica Federal (em fase experimental) e algumas agências defomento estaduais, como é o caso da Desembahia e do Badesc.

Fontes (2003), ao apresentar pesquisa levada a efeito pelo Ibam,denominada “Expansão do Setor de Microfinanças no Brasil”, defendeque está acontecendo um forte movimento de transformação, nos últimosanos, de ONG de microcrédito em Oscip. O Gráfico 13, que mostra adistribuição de entidades de microcrédito por tipo, revela a supremacia domodelo Oscip.

Gráfico 13 – Entidades de microcrédito por tipo

Fonte: Ibam – Mar/2002

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tral Situação atual das SCMs

Decorridos seis anos da implementação do modelo SCM, encontravam-seem funcionamento, em dezembro de 2005, 55 sociedades, fortementeconcentradas na região Sudeste e com grande penetração nas cidades demédio e grande porte do interior, confirmando a vocação de buscar nichosde mercado específicos, inerentes ao projeto, como mostram os gráficosa seguir.

Gráficos 14 e 15 – Distribuição regional e atuação das SCM

Dez/2005

Experiências de sucesso em outros países26 inspiraram a previsãoregulamentar que permite a uma Oscip controlar uma SCM. Espera-se,dessa forma, criar as condições para que a Oscip controladora possacontinuar atuando nas camadas mais pobres, enquanto sua SCM controladabusca nichos de microcrédito com maior rentabilidade, democratizando olucro da empresa comercial.

Das SCMs criadas até agora, cerca de 50% são de propriedade denovos investidores, e as outras foram constituídas por empreendedoresem empresas de fomento mercantil (factoring) que, sob o manto da estruturaformal, buscam, na maioria dos casos, melhorar sua imagem junto aopúblico, como forma de angariar mais clientes. A Tabela 16 mostra a boaevolução das SCMs.

26 Merece destaque o caso boliviano em que uma ONG de microcrédito iniciou sua operaçãoem 1986, com um projeto-piloto de vendedores urbanos, e tornou-se controladora de umbanco privado comercial (Banco Sol), especializado no atendimento a microempresas dosetor formal e informal. Hoje, os clientes do banco são 75% mulheres. A média de financiamentoé de U$500, com juros a taxa de mercado, e o prazo de pagamento variando de 2 a 12meses.A garantia pode ser real, com avalista ou aval solidário.

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tralTabela 16 – Evolução dos agregados financeiros das SCMs

Em R$ mil

Correspondentes bancários

Num país de dimensões continentais como o Brasil, torna-se defundamental importância a existência de mecanismos que facilitem aremessa de recursos para as mais diversas regiões, principalmente paraaquelas cuja realidade socioeconômica torna inviável a existência deentidades financeiras.

Nesse contexto, os instrumentos da ordem de pagamento e da cobrançade cheques sempre cumpriram importante papel na transferência de valorespara localidades distantes. Por seu intermédio tem sido possível não apenasa movimentação desses valores, mas também a liquidação de cheques quecirculam em praça desassistida ou com deficiência de serviços bancários.

Evolução normativa

A primeira vez que o serviço de correspondente figurou emregulamentos brasileiros foi em 15 de outubro de 1973, com o adventoda Circular 220, que estabeleceu as seguintes condições para queestabelecimentos bancários firmassem contratos com pessoas jurídicas:

a) permitia a execução de ordens de pagamento, ativas ou passivas, eo desconto de cheques;

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b) vedava expressamente outro tipo de operação (depósitos, empréstimosetc.), exceto quando o contratado pertencia ao Sistema deDistribuição (Lei 4.728);

c) obrigava a comunicação ao Bacen.

Em 1979, a Resolução 562 facultou a realização dos seguintes serviçosa serem executados por correspondentes contratados apenas pelasSociedades de Crédito, Financiamento e Investimentos (SCFI):

a) encaminhamento de pedidos de financiamento;b) análise de crédito e de cadastro;c) execução de cobrança amigável;d) outros serviços de controle, inclusive processamento de dados.

Entretanto, apenas em 25 de agosto de 1999 houve a extensão do lequede serviços que poderiam ser contratados com empresas correspondentes,com a edição da Resolução 2.640 (aperfeiçoada pela Resolução 2.70727,de 30 de março de 2000), quando foi facultada, aos bancos múltiploscom carteira comercial, aos bancos comerciais e à Caixa EconômicaFederal, a contratação de correspondentes no País para a prestação dosseguintes serviços28:

a) recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas dedepósitos à vista, a prazo e de poupança;

b) recebimentos e pagamentos relativos a contas de depósitos à vista,a prazo e de poupança, bem como a aplicações e resgates em fundosde investimento;

c) recebimentos e pagamentos decorrentes de convênios de prestaçãode serviços mantidos pelo contratante na forma da regulamentaçãoem vigor;

d) execução ativa ou passiva de ordens de pagamento em nomedo contratante;

e) recepção e encaminhamento de pedidos de empréstimos ede financiamentos;

f) análise de crédito e cadastro;

27 Inicialmente, a Resolução 2.640 limitava a atuação dos correspondentes exclusivamente apraças desassistidas de agência bancária, Posto de Atendimento Bancário (PAB) ou PostoAvançado de Atendimento (PAA).

28 A contratação de empresa para prestar os serviços referidos nas alíneas “a” e “b” dependede prévia autorização do Banco Central, sendo que as demais devem ser objeto de comunicação.

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g) execução de cobrança de títulos;h) outros serviços de controle, inclusive processamento de dados, das

operações pactuadas;i) outras atividades, a critério do Bacen.

Importante ressaltar que as tarefas terceirizadas pelos contratos decorrespondentes são meramente de cunho acessório às atividades privativasdas instituições financeiras, não implicando cessão a terceiros de autorizaçãoconcedida em caráter exclusivo pelo Bacen.

Em 25 de abril de 2002, o CMN expediu a Resolução 2.953, queintroduziu os seguintes aperfeiçoamentos:

a) facultar ao correspondente contratado a tarefa de identificar o clienteno momento da abertura da conta, não desonerando o gerenteresponsável pela abertura da conta de

b) depósito nem o diretor designado também responsável, desde queinstituídos mecanismos eficientes de controles internos por parteda instituição financeira contratante;

c) permitir que os serviços notariais e de registro de que trata a Lei8.935, de 18 de novembro de 1994 (cartórios), sejam contratadoscomo correspondentes bancários.

Posteriormente, a Resolução 3.110, de 31 de julho de 2003, consolidouas normas até então editadas sobre o assunto e introduziu a possibilidadede: (i) contratação de correspondentes por parte de outros tipos deinstituição financeira; (ii) substabelecimento do contrato a terceiros; e (iii)utilização de novos produtos.

Finalmente, a Resolução 3.156, de 17 de dezembro de 2003, permitiuque pudesse também ser contratante qualquer instituição autorizada afuncionar pelo Bacen.

Convém destacar os seguintes aspectos, relativos à atuação doscorrespondentes no País, frutos dos diversos aperfeiçoamentos normativos:

a) os elementos relacionados com segurança bancária, sigilo, lavagemde dinheiro e regularidade das operações, são de responsabilidadeda contratante;

b) não é permitida a contratação de pessoa jurídica que tenha por objetosocial exclusivo ser correspondente;

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c) a contratação de correspondente que tenha em sua denominação ovocábulo “banco” depende de prévia autorização do Bacen.

Conforme demonstrado na Tabela 17 , em 2005 havia mais de 90 milpontos de atendimento de correspondentes bancários instalados no País,quantidade mais de cinco vezes superior à de agências. É impressionantetambém notar a quantidade de pagamentos e recebimentos realizadosnaquele ano (mais de um bilhão), atividades que têm reflexossocioeconômicos imediatos para as 40 milhões de pessoas desbancarizadasque vivem nas periferias das grandes cidades e para outro tanto quesobrevive nas regiões mais carentes do País.

Tabela 17 – Correspondentes bancários – Informações básicas

A importância dos correspondentes para a população de baixa rendafoi também destacada pela pesquisa Ecinf 2003, do IBGE, que aponta,conforme demonstrado na Tabela 3 (pág. 31), que a maior parte dasempresas do setor informal com até cinco empregados (37%) efetuavapagamentos por meio de correspondente bancário.

Medidas de estímulo às microfinançasa partir de 2003

Em 25 de junho de 2003, durante solenidade no Palácio do Planalto,foram anunciadas novas medidas que objetivam ampliar a oferta de serviçosfinanceiros à população de baixa renda. As principais medidas foram apossibilidade de abertura de contas simplificadas (bancarização), a criaçãode mecanismo que estimula oferta de crédito com base nos valores

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recolhidos em depósitos a vista (microfinanças), e a formatação decooperativas de crédito de livre associação, sobre a qual já tecemoscomentários no presente trabalho.

Contas simplificadas (bancarização)

Embora o Brasil apresente um número expressivo de cidadãos semacesso a conta bancária, a quantidade dessas contas tem crescido mais quea população. Como demonstrado na Tabela 18, a rede bancária registrou,de 2001 a 2005, aumento de 24% no número de contas-correntes, queevoluíram de 43,3 milhões para 53,7 milhões, no período. Já o número decontas-poupança cresceu 38,3% no mesmo período, passando de 51,2milhões, em 2001, para 70,8 milhões, em 2005.

Tabela 18 – Acesso a contas bancárias

Valores em milhões

Fontes: Bacen e IBGE

Esses valores, entretanto, não levam em conta o fato de que muitoscorrentistas, de todas as camadas sociais, possuem mais de uma conta emseu nome. Segundo Mezzera e Guimarães (2003), até entre os micro epequenos empreendedores com acesso a banco é comum a existência devárias contas em diversos bancos.

Com o objetivo de estimular, de forma mais objetiva, o acesso daspopulações de baixa renda à conta bancária e a outros serviços financeiros,foi editada, em 25 de junho de 2003, a Resolução 3.104, de 25 de junho de2003, como uma das estratégias voltadas para a ampliação dos mecanismosfacilitadores de acesso da população ao SFN e, conseqüentemente,propiciar a melhoria das condições de obtenção de crédito, de realizaçãode poupança e de aquisição de produtos financeiros, além da maiorcomodidade para pagamento de contas por pessoas de menor renda.

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O normativo facultou a abertura de contas especiais de depósitos àvista, com previsão de fornecimento apenas de cartão magnético para arespectiva movimentação, destinadas a atender à população de baixa renda,servindo, inclusive, como instrumento para liberação de recursos parapessoas beneficiadas por programas governamentais de interesse social.

As principais características dessas contas, que as diferenciam dascontas de depósitos à vista convencionais, são:

a) permissão para a sua destinação unicamente a pessoas físicas nãotitulares de conta de depósitos à vista, na própria instituiçãofinanceira ou em outra;

b) simplificação das exigências relacionadas à abertura de contas dedepósitos, com destaque para a necessidade de apresentação, nocaso desse tipo de conta, somente de documentos de identificação ede inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF);

c) fixação de limites, no valor de R$1.000,00 (um mil reais), para osaldo que pode ser mantido na conta a qualquer tempo e para osomatório dos depósitos nela efetuados em cada mês, assimconsiderados todos os créditos a ela destinados, qualquer que seja aorigem, natureza, finalidade ou forma de efetivação.

Os recursos mantidos nesse tipo de conta somente podem ser sacadospor meio de cartão magnético ou mediante a utilização de outro meioeletrônico, admitido, em caráter excepcional, o uso de cheque avulso oude recibo emitido no ato da respectiva solicitação de saque.

O normativo estabeleceu ainda que:

a) devem ser introduzidas, nos contratos de abertura de contas dogênero, cláusulas prevendo que, na hipótese de o saldo ou osomatório dos depósitos exceder aquele valor-limite mais de duasvezes dentro de cada período de um ano, contado da data da aberturada conta, esta deverá ser bloqueada pela instituição financeira paraverificação do motivo da ocorrência;

b) ocorrerá o bloqueio de contas de depósitos que registrarem saldo, aqualquer tempo, ou somatório dos depósitos, em determinado mês,superior a R$3.000,00 (três mil reais), independentemente daquantidade de excessos do saldo ou do somatório dos depósitosverificada em cada período de um ano da conta, também paraaveriguação do fato motivador por parte da instituição financeira;

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c) é possível reativar apenas uma vez contas de depósitos bloqueadas,observando que, na hipótese da segunda ocorrência de bloqueio daconta, esta seria obrigatoriamente encerrada ou convertida em contade depósitos sujeita às disposições da Resolução 2.025, de 24 denovembro de 1993, com as modificações introduzidas pelasResoluções 2.747, de 28 de junho de 2000, e 2.953, de 25 de abrilde 2002, e das normas complementares sobre a matéria;

d) é de competência do Bacen a alteração dos valores-limite relacionadosàs contas de depósitos em questão.

É importante ressaltar que o estabelecimento das limitações de valorespara os recursos que podem ser mantidos e depositados na nova modalidadede conta de depósitos à vista possibilita, por outro lado, a simplificaçãodo processo de abertura e a manutenção da conta, sem provocar riscos noque diz respeito a sua utilização indevida ou criminosa, para fins, porexemplo, de lavagem de dinheiro. Assim, tornou-se possível a exigênciade preenchimento de ficha-proposta simplificada contendo a qualificaçãodo depositante, o endereço residencial, a data da abertura da conta e orespectivo número e a assinatura do depositante.

Como forma de permitir a abertura de contas da espécie para pessoascadastradas em programas assistenciais governamentais sem necessidadede apresentação da documentação exigida, a norma permite sua abertura apartir de informações constantes de arquivos disponibilizados pelosrespectivos órgãos públicos para efeito dos pagamentos relativos a essesprogramas, desde que de tais arquivos conste a qualificação do participante.

No que diz respeito à incidência de tarifas de serviços relativamente àcogitada modalidade de contas de depósitos à vista, o normativo previaexpressamente a proibição de cobrança de remuneração pela abertura epela manutenção dessas contas, exceto nas hipóteses de:

a) realização de mais de quatro saques de recursos por mês;b) fornecimento de mais de quatro extratos por mês;c) realização de mais de quatro depósitos por mês;d) fornecimento de folha de cheque avulso ou de recibo destinado à

realização de saque de recursos.

Logo depois, em 31 de julho, foi editada nova Resolução, a 3.113, queintroduz aperfeiçoamentos na regulamentação baixada por intermédio daResolução 3.104, ao:

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a) permitir a abertura de tais contas da espécie com a identificaçãoprovisória do beneficiário mediante a apresentação tão-somente dorespectivo Número de Identificação Social (NIS);

b) dispensar, em conseqüência, o atendimento das formalidadesrelacionadas à identificação, observada a necessidade de cumprimentodessas formalidades no prazo máximo de seis meses;

c) determinar que a instituição financeira deve, no decorrer do referidoprazo, providenciar a identificação do correntista, bem como encerraras contas de depósitos cujos titulares não tenham sido devidamenteidentificados quando do seu término;

d) tornar aplicáveis às contas de depósitos de poupança, observadasas demais condições estabelecidas na legislação e na regulamentaçãoem vigor relativamente a essas contas, os procedimentos relacionadosà abertura das contas especiais de depósitos à vista, juntamente comos aprimoramentos acima descritos.

A implementação dessas novas medidas foi considerada necessária,tendo em vista a constatação de que grande parte das pessoas beneficiadaspelas ações desenvolvidas no âmbito dos programas de benefícios sociaisinstituídos pelo governo federal, clientela abrangida pelo conceito depúblico-alvo da nova modalidade de conta de depósitos e que recebebenefícios mensais em torno de R$115,00 a R$140,00, não dispõe de parteda documentação exigida para a abertura desse tipo de conta.

Ainda nesse contexto, as inovações trazidas com a edição da normapossibilitarão, por exemplo, a formação de um cadastro único debeneficiários de programas sociais cujos pagamentos são de responsabilidadeda Caixa Econômica Federal, tendo como resultado maior transparência esegurança ao processo, e também o uso do Cartão-Cidadão como meiomagnético para movimentação das contas especiais de depósitos à vista,permitindo que cerca de 6,5 milhões de pessoas venham ter acesso aosserviços bancários.

A simplificação de procedimentos em questão terá efeito sobre as contasde depósitos abertas e mantidas pela Caixa, a qual, na qualidade de agenteoperador dos programas da rede de proteção social do governo federal ede responsável pelos pagamentos de benefícios concedidos no âmbitodesses programas, muito se valerá dessas contas para o desempenho dessesseus objetivos institucionais.

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A propósito, convém comentar que a Caixa já supera a marca de trêsmilhões de contas simplificadas, conforme demonstrado na Tabela 19,que mostra a quantidade dessas contas especiais mantidas pelas instituiçõesfinanceiras públicas federais.

Tabela 19 – Quantidade de contas especiais abertas

Mai/2005

Fonte: Ministério da Fazenda

Segundo depoimentos de prepostos da Caixa, a conta simplificada seráusada como porta de entrada para o Crédito Caixa-Aqui, uma modalidadede empréstimo rotativo pré-aprovado de R$200,00 com juros mensais de2%, dentro do mencionado programa de estímulo às microfinanças. Nesseprograma, o correntista deve ter a Conta Caixa-Aqui por pelo menos trêsmeses e não apresentar restrição cadastral. Tanto o crédito como a contapodem ser movimentados em qualquer um dos mais de 16 mil pontos deatendimento da Caixa (agências, lotéricas e correspondentes bancáriosinstalados em comércios), presentes em todos os municípios do País.

Direcionamento de 2% dos depósitos à vista

Por intermédio da Medida Provisória 122, também de 25 de junho de200329, foi conferida ao CMN competência para regulamentar as aplicaçõesdos bancos comerciais, dos bancos múltiplos com carteira comercial e daCaixa, bem como das cooperativas de crédito de pequenos empresários,microempresários ou microempreendedores e de livre admissão deassociados, em operações de microfinanças destinadas à população de baixarenda e a microempreendedores, baseadas em parcelas de recursos oriundosdos depósitos à vista.

29 Atualmente convolada na Lei 10.735, de 11 de setembro de 2003.

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Os pontos cuja regulamentação compete ao Conselho são osespecificados no art. 2º da citada medida provisória, compreendendo afixação do percentual dos depósitos à vista a serem alocados para asoperações, a definição do perfil dos potenciais beneficiários, o valormáximo, o prazo mínimo e os encargos das operações, bem como oscritérios de mobilidade, entre instituições financeiras, dos recursos e doscréditos relativos às operações.

Com base nessa determinação, foi editada a Resolução 3.109, de 24de julho de 2003, que estabelece a aplicação de recursos correspondentesa 2% dos depósitos à vista captados pelas referidas instituições, excetoem agosto e em setembro de 2003, quando será exigida a aplicação derecursos correspondentes a 1%.

A mencionada Resolução dispõe que os potenciais beneficiários dasoperações podem ser:

a) pessoas físicas de baixa renda, caracterizadas como aquelasdetentoras de contas especiais de depósitos criadas pela Resolução3.104, de 25 de junho de 2003, ou titulares de outras contas dedepósitos que, em conjunto com as demais aplicações por elesmantidas na instituição financeira, apresentem saldo médio mensalinferior a R$1.000,00;

b) as pessoas enquadradas no art. 3º, inciso I, da Lei Complementar111, de 6 de julho de 2001, que dispõe sobre o Fundo de Combate eErradicação da Pobreza; e

c) as pessoas físicas ou jurídicas microempreendedoras aptas a contrataroperações com sociedades de crédito ao microempreendedor,segundo as condições estabelecidas pela Resolução 2.874, de 26 dejulho de 2001.

Foram estabelecidos, ainda, os seguintes parâmetros financeiros paraas referidas operações:

a) as taxas de juros efetivas não podem exceder 2% a.m.;b) o valor do crédito não pode ser superior a R$600,0030, quando

se tratar de pessoa física, e a R$1.000,00, quando se tratarde microempreendedor;

30 Valor atualizado pela Resolução 3.128, de 30/10/200.

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c) o valor máximo para a taxa de abertura de crédito não podeultrapassar 2% para pessoas físicas e 4% do valor do créditoconcedido para os demais beneficiários;

d) o prazo da operação não pode ser inferior a 120 dias, admitidoprazo menor desde que a taxa de abertura de crédito sejareduzida proporcionalmente.

As instituições financeiras podem utilizar diversos instrumentos parao cumprimento das exigibilidades de aplicações, como o repasse derecursos a outras instituições financeiras – incluindo as sociedades decrédito ao microempreendedor –, a aquisição de créditos oriundos deoperações de adiantamentos, empréstimos e financiamentos que atendamàs condições ora estabelecidas, de outras instituições financeiras; de Oscips,constituídas de acordo com a Lei 9.790, de 23 de março de 1999; deorganizações não governamentais cujos estatutos prevejam a realizaçãode operações de microcrédito; e de entidades, fundos ou programas voltadospara o microcrédito31.

A verificação do cumprimento da exigibilidade será efetuada em agostode cada ano, com base nas médias diárias da exigibilidade e das aplicaçõesdos doze meses imediatamente anteriores.

Para as cooperativas de crédito de pequenos empresários,microempresários ou microempreendedores e para as cooperativas decrédito de livre admissão de associados, a obrigatoriedade de aplicaçãofoi inicialmente exigida mas, com a edição da Resolução 3.310, de 31 deagosto de 2005, essa exigência foi cancelada. Essa norma também:

a) revogou as Resoluções 3.109/2003, 3.212/2004, 3.220/2004 e3.229/2004;

b) consolidou em um único normativo a regulamentação sobreoperações de microcrédito destinadas à população de baixa renda ea microempreendedores;

c) disciplinou a Lei 11.110, de 25 de abril de 2005, que instituiu oPNMPO, relativamente à parcela dos recursos de depósitos à vistadestinada às operações de microcrédito;

d) definiu como operações de microcrédito produtivo orientado aquelasque, cumulativamente:

31 Esta condição foi incluída pela Resolução 3.128, de 30/10/2003.

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1. sejam realizadas pelos bancos comerciais, bancos múltiplos comcarteira comercial e Caixa, desde que possuam estrutura própriapara o desenvolvimento das atividades inerentes a essas operações,e pelas instituições de microcrédito produtivo orientado (cooperativassingulares de crédito, agências de fomento, sociedades de créditoao microempreendedor e Oscips), devendo as referidas instituiçõeshabilitarem-se perante o MTE, mediante cadastro, termo decompromisso e plano de trabalho;

2. utilizem metodologia baseada no relacionamento direto com oempreendedor no local em que é executada a atividade econômica;

3. sejam destinadas a pessoas físicas e jurídicas empreendedoras deatividades produtivas de pequeno porte, com renda bruta anual deaté R$60.000,00, para o financiamento de bens, serviços e capitalde giro, essenciais ao empreendimento.

A nova norma mantém o limite de taxa de juros para as operações demicrocrédito produtivo orientado estabelecido na Resolução 3.229, de2004, de até 4% ao mês, e eleva o valor máximo das operações paraR$5.000,00, admitindo-se a contratação de operações de até R$10.000,00,estas limitadas a 20% do total. A taxa de abertura de crédito fica limitadaa até 1% nas operações até 30 dias, até 2% de 31 a 119 dias e até 3% nasde prazo igual ou superior a 120 dias. Definiu, ainda, que para facilitar arealização das operações são aceitos como garantia o aval solidário, aalienação fiduciária, a fiança e outras modalidades, estendendo-se todasessas possibilidades de garantia às demais operações de microcrédito.

As instituições de microcrédito produtivo orientado, além de operaremdiretamente, podem, mediante contrato de prestação de serviços, atuar emnome das instituições sujeitas à exigibilidade. A Resolução 3.229 permitiu,ainda, aos bancos de desenvolvimento, agências de fomento, bancoscooperativos e cooperativas centrais de crédito atuar como intermediáriosentre os bancos e as instituições de microcrédito produtivo orientado.

Finalmente, essa nova regulamentação também eleva, de R$1.000,00para até R$1.500,00, o valor das operações caracterizadas como microcréditoprodutivo, mas que não se enquadram nas condições de microcréditoprodutivo orientado, tal como definido acima. Essa medida visa,especialmente, contemplar operações do Programa de Inclusão Digital,instituído pelo governo federal com o objetivo de possibilitar à populaçãode baixa renda a aquisição de microcomputadores de baixo custo.

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Cabe destacar que os valores máximos dos créditos por cliente foramestabelecidos com vistas a otimizar o número de beneficiários vis-à-vis ovolume de recursos passíveis de serem alocados para as operações decrédito, considerando-se, ainda, o nível de renda e a capacidade econômicado público-alvo. Com a fixação desses valores, pretende-se que acapilaridade das operações produza reflexos positivos nas atividadeseconômicas, contribuindo, por conseguinte, para alcançar o propósito degerar emprego e renda.

Conclusões – Desafios

Dentro do conjunto de ações governamentais de estímulo aocrescimento da oferta de serviços financeiros a populações com baixoIDH, o Bacen tem interagido com outros agentes da sociedade e atuado,principalmente a partir de 1999, em várias frentes, com o objetivo deencontrar soluções, pela via regulatória e de supervisão, para o desafio demelhorar a qualidade de vida dessas populações. Resultados positivos jácomeçam a ser notados, conforme demonstrado no presente trabalho.

Sob a ótica da supervisão e da regulamentação, o desafio maior é,portanto, estimular, consolidar e fortalecer as iniciativas que atuam naoferta de serviços financeiros para aquelas populações, com a expectativade que essas iniciativas possam ser não apenas auto-sustentáveis, mastambém capazes de despertar o interesse de investidores privados. Umdetalhamento dessas conclusões e desafios será apresentado a seguir, comabordagem específica sobre cooperativismo de crédito, microcrédito ecorrespondentes bancários.

Cooperativismo de crédito

A agenda regulatória do cooperativismo de crédito sofreu forte impulsoa partir de 2003, quando foram criados diversos mecanismos novos, cujaimplementação está em pleno andamento. Portanto, é importante concentraresforços no acompanhamento dos projetos de formação e de transformaçãode sociedades cooperativas, buscando aumentar não apenas a quantidadede pessoas atendidas, mas, sobretudo, a solidez institucional espelhada na

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qualidade dos serviços e da gestão, como forma de evitar riscos para acontinuidade desse importante projeto de acesso a serviços financeiros.

Com base no que aqui foi comentado, tendo em conta a experiênciado Bacen no trato com as sociedades cooperativas de crédito, é possívelelencar os seguintes fatores essenciais para que uma cooperativa de créditoatinja seus objetivos:

a) trabalhar de forma transparente, estimulando a participação doscooperados nas decisões;

b) oferecer produtos adequados aos seus associados, com tratamentodiferenciado em relação às demais entidades do sistemafinanceiro nacional;

c) manter seu corpo gerencial capacitado e atualizado.

Os principais desafios para o cooperativismo de crédito, em resumo,seriam então:

a) Fortalecimento do sistema – Pelo aumento do profissionalismo,induzido por instrumentos como a certificação para gerentes e acapacitação do cooperado, visando ao seu maior envolvimento nosnegócios da sociedade.

b)Aperfeiçoamento estrutural – Por intermédio da reformulação dopapel das confederações e da estratificação do setor em níveis dematuridade, que permitam a adoção de tratamento diferenciado paraaquelas que realmente mereçam esse tratamento.

c) Homogeneizar a atuação das cooperativas centrais de crédito –Com vistas à correção de eventuais distorções, de modo a tornarmais eficaz a estrutura normativa em vigor.

d)Viabilização das que nascem pequenas – Mediante a criação demecanismos que possam, uma vez identificado o potencial decrescimento de um determinado grupo, permitir que este sobrevivaao período inicial de maturação. Sem esse estímulo, torna-se difícila ocupação de regiões com baixo IDH.

e) Fundos garantidores – Estimular a implementação e a consolidaçãodos fundos garantidores já previstos na norma, induzindo a criaçãode um fundo único, também como forma de fortalecer o sistema,tornando-o menos vulnerável a flutuações.

f) Uniformização dos tipos de dependência – Atualizar aregulamentação, permitindo às cooperativas de crédito transformaros atuais postos em agências.

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g) Instituto de auditoria – Induzir a criação de um instituto deauditoria único, evitando-se interferências na gestão pela distânciaentre esse instituto e a cooperativa a ser auditada.

É importante ressaltar que eventuais passos subseqüentes naregulamentação estão, necessariamente, vinculados à evolução do setor eà sua qualidade institucional, especialmente nos aspectos referentes asupervisão, auditoria, capacitação técnica e elevação dos níveispatrimoniais. Essa qualidade constitui-se, sem dúvida, na melhorferramenta para abrir novos caminhos, sob qualquer perspectiva.

Microcrédito

A expectativa é que haja uma natural extensão do investimento privadopara setores onde esteve ausente, efeito dos ajustes regulamentarescomentados, a seguir resumidos:

a) foi facultado à Oscip especializada em microcrédito constituir SCM,mediante prévia autorização do Bacen32;

b) à SCM foi também facultado:• participar de empresas fora do SFN;• transformar-se noutro tipo de instituição financeira33;• a prestação de serviços de microcrédito em nome de outra

instituição financeira;• obter fontes adicionais de recursos, por meio de instituições

financeiras ou Oscip;• fazer cessão de créditos com ou sem coobrigação;• instalar Posto de Atendimento de Microcrédito;• contratar correspondente bancário;• prestar outros serviços além do crédito, conforme regulamentação

a ser baixada pelo CMN (Lei 11.110/2005).

Outro desafio, trazido pela experiência internacional, é o fato de apopulação situada na faixa mais carente não conseguir ser cliente de umprograma de microcrédito rentável. Também parece que os ganhos deprodutividade não se concretizam sem os níveis de organização típicos

32 Desde que o Poder Público não tenha ingerência sobre ela.33 Exceto no caso de SCM controlada por Oscip, por não ser possível identificar o controlador

pessoa física.

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das instituições um pouco mais capitalizadas. Há uma aparenteincompatibilidade entre a auto-sustentabilidade, sempre buscada como aprática ideal para experiências duráveis, e a necessidade de atendimentodas faixas mais carentes.

A resposta a esse desafio, conforme já comentado, está na previsãoregulamentar que permite a uma Oscip controlar uma SCM. Espera-se,dessa forma, criar as condições para que a Oscip controladora possacontinuar atuando nas camadas mais carentes, enquanto sua SCMcontrolada busca nichos de microcrédito com maior rentabilidade,democratizando o lucro da empresa comercial. Espera-se que uma melhordivulgação do projeto acelere o processo de formação desse tipo de SCM.

Como suporte para o trabalho de supervisão bancária, as normas emvigor aplicáveis às SCM buscaram, ao mesmo tempo, diminuir custos(dispensa de despesas com publicações e com firmas de auditoria, porexemplo) e criar mecanismos que minimizem os desvios de modelo. Nessalinha, foi criado o limite de R$10 mil por cliente, a alavancagem de cincovezes o patrimônio e a vedação à captação de recursos junto ao público.

Como as SCMs visam lucro, é obrigação do órgão responsável pelaregulamentação cuidar para que possíveis ajustes nos controles e limitesoperacionais não descaracterizem o projeto de tal modo que o objetivoprincipal – aumento da oferta do microcrédito para populações de baixarenda – acabe não sendo atingido.

O Bacen, em harmonia com os demais esforços governamentais, estáaprofundando estudos com vistas ao aperfeiçoamento do atual modeloregulamentar, mantidos os critérios de solidez institucional observadospara o sistema financeiro em geral.

Correspondentes bancários

Esse mecanismo representa talvez a mais promissora forma de se melhorara oferta de serviços financeiros para as populações com baixo IDH. Osnúmeros já mencionados no capítulo do presente trabalho que trata daevolução normativa desse instrumento (pág. 71) corroboram essa afirmativa.

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Um dos principais motivos desse sucesso tem sido o envolvimento deinstituições financeiras de grande rede no projeto, como a Caixa, com suavasta rede de casas lotéricas; o Banco Bradesco S.A., que firmou contratode correspondente com os Correios no projeto “Banco Postal”; e, maisrecentemente, o Banco do Brasil S.A., com a criação da subsidiáriadenominada “Banco Popular do Brasil S.A.”.

Com esses comentários, conclui-se que, embora ainda haja muito porfazer, o resultado do esforço do Bacen nessas três frentes, principalmenteem resposta à prioridade dada pelo governo federal às microfinanças, ébastante expressivo, quer se analise a problemática do atendimento doponto de vista qualitativo, quer do ponto de vista quantitativo. Nãobastassem todos esses argumentos, restaria patente o fato de que nãoexistem mais municípios desassistidos, desde dezembro de 2002, conformedemonstrado no Gráfico 16.

Gráfico 16 – Municípios desassistidos

Finalmente, é necessário realçar que a regulamentação do sistemafinanceiro, em qualquer âmbito, encontra-se em constante revisão eaperfeiçoamento. É um processo contínuo, ajustado ao dinamismo e àvelocidade do mercado.

Esses ajustes são eficazes na medida em que criam base regulamentaradaptada às necessidades de cada setor, viabilizando a implementação deprojetos com vistas à elevação dos padrões técnicos, do volume de serviçosprestados e do número de clientes atendidos, sem desconsiderar, contudo,os parâmetros de segurança, de profissionalismo e de transparência hojeexigidos, antes de tudo, pela própria sociedade brasileira.

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MicrofinançasDemocratização do Crédito no Brasil

Atuação do Banco Central

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3ª ediçãoRevista e ampliada