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1 Economia Social* -O Conceito de Economia Social A economia social constitui uma alternativa a visões redutoras da economia enquanto área do saber e objecto de estudo. Aquilo que alguns autores têm denominado por outra economia encontra as suas raízes em abordagens e iniciativas que, no contexto de crise e de degradação das condições de vida das classes trabalhadoras que marcaram o século XIX, denunciaram o fracasso da convicção na generalização do bem-estar material proporcionado pelo liberalismo económico, assente na livre iniciativa e na concorrência. O equilíbrio e as virtudes decorrentes do funcionamento da mão invisível (Adam Smith) e de outras leis económicas revelaram-se promessas por cumprir. Além da crítica à visão harmoniosa do “mundo” que surgiu dentro do próprio pensamento liberal clássico (Thomas R. Malthus, David Ricardo e John Stuart Mill) e que chamou a atenção para a ocorrência de crises cíclicas, autores como Charles Fourier e Robert Owen estiveram na base da concepção, implementação (no caso de Owen) e inspiração de formas alternativas de produção e de consumo, nas quais se devem destacar as formas cooperativas. Assiste-se, assim, à defesa da cooperação e da associação como pilares fundamentais das iniciativas de produção e de consumo em substituição do interesse próprio e da concorrência. * Excertos dos textos de apoio disponibilizados na página de Economia Social (Moodle).

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Economia Social*

-O Conceito de Economia Social

A economia social constitui uma alternativa a visões redutoras

da economia enquanto área do saber e objecto de estudo.

Aquilo que alguns autores têm denominado por outra economia

encontra as suas raízes em abordagens e iniciativas que, no

contexto de crise e de degradação das condições de vida das

classes trabalhadoras que marcaram o século XIX, denunciaram

o fracasso da convicção na generalização do bem-estar material

proporcionado pelo liberalismo económico, assente na livre

iniciativa e na concorrência. O equilíbrio e as virtudes decorrentes do

funcionamento da mão invisível (Adam Smith) e de outras leis

económicas revelaram-se promessas por cumprir. Além da crítica à

visão harmoniosa do “mundo” que surgiu dentro do próprio

pensamento liberal clássico (Thomas R. Malthus, David Ricardo e

John Stuart Mill) e que chamou a atenção para a ocorrência de crises

cíclicas, autores como Charles Fourier e Robert Owen estiveram na

base da concepção, implementação (no caso de Owen) e inspiração

de formas alternativas de produção e de consumo, nas quais se

devem destacar as formas cooperativas. Assiste-se, assim, à defesa

da cooperação e da associação como pilares fundamentais das

iniciativas de produção e de consumo em substituição do interesse

próprio e da concorrência.

* Excertos dos textos de apoio disponibilizados na página de

Economia Social (Moodle).

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As sementes da economia social lançadas no século XIX constituem o

ponto de partida de uma outra economia, quer enquanto

perspectiva de análise (a economia não se dissocia de relações e

valores sociais), quer enquanto expressão de formas económicas

que não se inscrevem nos territórios convencionais de governação

económica – mercado e Estado.

A emergência de um terceiro sector, no contexto da crise dos anos

70, consubstancia essa alternativa que afirma a ideia, segundo a

qual, a economia é governada por uma pluralidade de

princípios e formas de organização.

A economia social surge como uma nova economia que associa

não só os recursos de mercado e financiamentos públicos, mas

também recursos não monetários que provêm da sociedade

civil, como a economia familiar e informal ou mesmo

subterrânea.

Em suma, a economia social, para além do seu peso quantitativo,

tem vindo nas últimas décadas a afirmar a sua capacidade de

contribuir eficazmente para a solução dos novos problemas

sociais. Por outro lado, tem conseguido reforçar a sua posição

como instituição indispensável a um desenvolvimento

económico sustentável e estável, adequando os serviços às

necessidades, valorizando as actividades económicas ao serviço das

necessidades sociais, lutando por salários mais justos e uma

redistribuição da riqueza, corrigindo os desequilíbrios do mercado

laboral e, em resumo, aprofundando e reforçando a democracia

económica.

A delimitação mais recente do conceito de economia social é

efectuada, pelas próprias organizações, na Carta de Princípios da

Economia Social estabelecida pela Conferência Europeia Permanente

das Cooperativas, Mutualidades, Associações e Fundações (CEP-

CMAF).

Os princípios em questão são:

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• Primazia do indivíduo e do objecto social sobre o capital;

• Adesão livre e voluntária;

• Controlo democrático pelos seus filiados (excepto as

fundações que não possuem membros associados);

• Conjugação dos interesses dos filiados/usuários e/ou do

interesse geral;

• Defesa e aplicação dos princípios de solidariedade e

responsabilidade;

• Autonomia de gestão e independência em relação aos

poderes públicos;

• A maior parte dos excedentes destinam-se à consecução de

objectivos em favor do desenvolvimento sustentável e da

prestação de serviços de interesse para os associados e ou do

interesse geral.

O conceito de economia social engloba um conjunto de empresas

privadas organizadas formalmente, com autonomia de decisão

e liberdade de filiação, criadas para servir a necessidades dos

seus associados através do mercado, fornecendo bens e

serviços, incluindo

seguros e financiamentos, e em que a distribuição pelos sócios

de eventuais lucros ou excedentes realizados, assim como a

tomada de decisões, não estão directamente ligadas a capital

ou às cotizações dos seus associados, correspondendo um

voto a cada um deles. A economia social também inclui

empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia

de decisão e liberdade de filiação que prestam serviços de

"não mercado" a agregados familiares e cujos eventuais

excedentes realizados não podem ser apropriados pelos

agentes económicos que as criam, controlam ou financiam.

Esta definição tem absolutamente em conta os critérios delimitadores

do conceito de economia social incluídos na Carta de Princípios da

Economia Social estabelecida pela CEP-CMAF. Em termos

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contabilísticos nacionais, ela abrange dois subsectores principais

da economia social:

a) O subsector do mercado ou empresarial.

O subsector de mercado da economia social é constituído,

essencialmente, por cooperativas e mutualidades, grupos

empresariais controlados por cooperativas, mutualidades e

demais organizações de economia social ou outras empresas

afins, como é o caso das empresas laborais espanholas

(denominadas "sociedades laborales"), e determinadas instituições

sem fins lucrativos ao serviço de empresas pertencentes à economia

social.

b) O subsector “não mercantil” ou de “não mercado”.

Esta classificação revela-se muito útil para elaborar estatísticas

fiáveis e analisar as actividades económicas em conformidade com os

sistemas contabilísticos nacionais utilizados. No entanto, de um ponto

de vista socioeconómico, obviamente que há na economia social

uma permeabilidade entre os dois subsectores, bem como

ligações estreitas entre mercado e não mercado, resultante do

facto de que todas as organizações de economia social partilham uma

característica comum: são organizações de pessoas que realizam

actividades com o principal objectivo de satisfazer as

necessidades das pessoas e não tanto de remunerar os

investidores capitalistas.

De acordo com a definição atrás referida, as características

comuns aos dois subsectores da economia social são:

1) São privadas, ou seja, não fazem parte do sector público nem

são controladas pelo mesmo;

2) Organizadas formalmente, o que significa que, em regra, são

dotadas de personalidade jurídica;

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3) Autonomia de decisão, isto é, têm plena capacidade para eleger

e destituir os seus órgãos dirigentes e para controlar e organizar

todas as suas actividades;

4) Liberdade de filiação, ou por outras palavras, não há

obrigatoriedade de adesão;

5) A distribuição de eventuais lucros ou excedentes entre os

filiados/usuários não é feita proporcionalmente ao capital ou

às cotizações dos membros, mas sim em função da sua

actividade ou participação no seio da organização;

6) Realização de uma actividade económica com o objectivo de

satisfazer as necessidades dos seus filiados, nomeadamente

pessoas individuais ou famílias. Por este motivo, diz-se que as

organizações de economia social são organizações de pessoas e não

de capital. Trabalham com o capital e outros recursos não

monetários, mas não para o capital.

7) São organizações democráticas. Excepto algumas organizações

de voluntários que produzem serviços "não mercantis", as

organizações da economia social de primeira linha aplicam todas o

princípio de “uma pessoa, um voto”, independentemente do capital

ou das cotizações dos seus membros.

Uma característica muito importante das organizações da economia

social, cujas raízes se encontram na sua própria história, é o controlo

democrático com direitos de voto iguais no processo decisório.

Todavia, a definição de "economia social" atrás referida aceita que

nela sejam também incluídas as organizações de voluntários

sem fins lucrativos que prestam serviços "não mercantis" a

agregados familiares, mesmo que não possuam uma estrutura

democrática, permitindo incluir na economia social as

importantíssimas organizações de acção social do terceiro

sector fornecedoras de bens sociais e de mérito de

inquestionável utilidade para a sociedade.

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Este subsector é constituído maioritariamente por associações e

fundações, embora dele possam igualmente fazer parte

organizações que revestem outras formas jurídicas. Integra todas as

organizações de economia social que, de acordo com os critérios

contabilísticos nacionais, são consideradas de "não mercado", ou

seja, as que fornecem bens ou serviços, na sua maioria, de

forma gratuita ou a preços economicamente não significativos.

Em termos contabilísticos, a economia social abrange o subsector

do mercado ou empresarial (v.g. cooperativas e mutualidades,

grupos empresariais controlados por cooperativas) e o subsector

não mercantil (associações e fundações e todas as organizações que

fornecem bens e serviços na maior parte gratuitos ou a preços

simbólicos).

A economia social, a economia solidária, o terceiro

sector e as organizações sem fins lucrativos

De um ponto de vista operacional, podemos definir a economia

social como o grupo de empresas e instituições que para além da

sua diversificação jurídica e heterogeneidade de funções, está ligado

através de uma ética comum assente na solidariedade e na

prestação de serviços aos seus membros e no interesse geral,

sendo as cooperativas a sua representação mais genuína (BAREA;

MONZÓN,1992, p. 32).

Considera-se, assim, que a economia social tem características

próprias para responder a um enquadramento económico e

social específico, ao qual nem a economia pública nem a

privada conseguem ou desejam dar respostas. Resulta assim

que a economia social se define por um intervalo entre o

Estado e o mercado, quer no sentido da concretização das acções

que o Estado não pretende resolver, quer no daquelas que a

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economia privada não vislumbra interesses lucrativos para a sua

realização.

Na esfera da economia social, estão o associativismo, o

cooperativismo e o mutualismo como formas de organização da

actividade produtiva.

Os seus objectivos passam necessariamente pela solidariedade e pelo

desenvolvimento integrado da comunidade e do Homem. Nesta

sequência de ideias, a economia social ou Terceiro Sector pode

eventualmente substituir a acção do Estado ou ser um

prolongamento deste, na implementação de suas políticas

sociais.

Basicamente, inclui dois tipos de organizações: aquelas que

funcionam como empresas, embora não visem o lucro

(liminarmente relacionadas com o movimento cooperativo), e as

organizações privadas mantidas por donativos, quotizações,

trabalho voluntário e recursos públicos, tais como Associações e

Fundações.

As instituições da economia social caracterizam-se por:

-Adesão voluntária e livre;

-Gestão democrática e participativa;

-Ausência de finalidades lucrativas;

-Autonomia face ao Estado e às pessoas jurídicas de direito público.

O conceito de economia solidária

Este conceito expandiu-se em França e em alguns países da América

Latina no último quartel do século XX, estreitamente associado ao

grande desenvolvimento que o terceiro sector conheceu para

dar resposta às novas necessidades sociais dos numerosos

grupos em risco de exclusão social. O conceito de economia

solidária articula-se em torno de três pólos: o mercado, o

Estado e a reciprocidade. Este último refere-se ao intercâmbio

não monetário na esfera da sociabilidade primária, da qual o

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melhor exemplo é a filiação em associações. O conceito de

economia solidária tenta ligar os três pólos do sistema, significando

que das experiências específicas organizadas no seu seio resultam

formas híbridas entre as economias de mercado, de não mercado e

não monetárias, com recursos provenientes de várias origens: do

mercado (comercialização de bens e serviços), do não mercado

(subsídios governamentais e donativos) e do sistema não

monetário (voluntariado).

O conceito de economia solidária tem alguns elementos importantes

que são comuns ao conceito de economia social, de forma que

também se fala de "economia social e solidária". Também de um

ponto de vista prático, todas as organizações que são

consideradas parte da economia solidária fazem

inquestionavelmente parte da economia social.

A economia solidária apresenta-se como um tipo de economia

alternativa, principalmente ao que entende ser o conformismo e

a objectivação da economia social. Com efeito, em 1993, em

França, a revista Travail, apresenta um dossier designado

simplesmente por ‘economia solidária’, que conta com a colaboração

dos principais teóricos deste tipo de economia:

Alain Archimbaud, Alain Caillé, Bernard Ème, Bernard Enjolras, Jean-

Louis Laville, Patrice Savage, entre outros.

O que distingue então a economia solidária da economia

social? É no essencial, a consideração de que a iniciativa

provém dos cidadãos que estão resolvidos a fazer alguma

coisa, porque não estavam completamente excluídos ou

desesperados e porque integram no seu comportamento individual a

utilidade de todos, ainda que por si próprio, de libertar as ligações

sociais, acumular o capital, melhorar o seu meio ambiente, de

defender os vizinhos (LIPIETZ, 2001, p. 51).

De outro modo, alguns autores entendem a economia solidária

como a consciência externa da economia social, definida no

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sentido de actividade económica, sendo a sua lógica o sistema de

valores dos actores com base nos critérios de gestão das suas

instituições.

A economia solidária é o conjunto de actividades económicas cuja

lógica é distinta tanto da lógica do mercado capitalista quanto da

lógica do Estado.

Ao contrário da economia capitalista, centrada sobre o capital a

ser acumulado e que funciona a partir de relações competitivas, cujo

objectivo é o alcance de interesses individuais, a economia

solidária organiza-se a partir de factores humanos,

favorecendo as relações onde o laço social é valorizado

através da reciprocidade e adoptando formas comunitárias de

propriedade.

Distingue-se também da economia estatal que supõe uma

autoridade central e formas de propriedade institucional.

O Terceiro Sector

O terceiro sector tornou-se num ponto de convergência de

diferentes conceitos, fundamentalmente dos conceitos de "sector

não lucrativo" e de "economia social", os quais não coincidem

exactamente, ainda que haja áreas que se sobrepõem. Por outro

lado, as abordagens teóricas que têm vindo a ser desenvolvidas a

partir destes conceitos atribuem ao terceiro sector diferentes funções.

O terceiro sector demonstra o associativismo e voluntariado que

fazem parte de uma cultura política e cívica baseada no estado

neoliberal. O termo foi construído a partir de recorte social em

esferas: o Primeiro Sector (Estado), o Segundo Sector (Mercado) e

a Sociedade Civil Organizada, e desde então, tornada num sector.

Este termo, entre todas as expressões em uso, é o que tem maior

aceitação. É constituído por organizações privadas sem fins

lucrativos que gerem bens e serviços públicos e privados.

Todas elas formam um conjunto de iniciativas da sociedade

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com objectivo de consciencialização para os direitos da

cidadania e o desenvolvimento político, económico, social e

cultural no meio em que actuam.

O terceiro sector apresenta as seguintes características:

-Iniciativas privadas que não visam o lucro.

-Iniciativas na esfera pública que não são feitas pelo Estado,

nem empresas, mas sim pelo cidadão, que participa de modo

espontâneo e voluntário em acções que visam ao interesse

comum.

Em contraponto à lógica do poder que prevalece nas relações entre

Estados e à lógica do lucro que orienta a acção de empresas no

mercado, as iniciativas empreendidas pelos cidadãos afirmam o

valor da solidariedade.

Em Portugal, o termo terceiro sector tem uma crescente utilização

referindo-se ao conjunto das organizações de interesse mútuo

em conjunto com aquelas que, embora dependentes de

subsídios do Estado e do mecenato das empresas privadas,

centram-se no campo da acção e da coesão social. Deste ponto

de vista, as instituições do terceiro sector têm um carácter

privado, sem fins lucrativos, apresentam uma gestão

autónoma, mas actuam na esfera pública como forma de

satisfação de necessidades globais.

Este conceito tem origem na escola anglo-saxónica, onde a

tradição vai no sentido de considerar como elementos determinantes

na esfera económica da intervenção social as instituições sem fins

lucrativos, as quais se apresentam com uma vocação interclassista

nas formas de solidariedade praticadas.

O conceito de organizações sem fins lucrativos

As organizações sem fins lucrativos podem definir-se como o

conjunto de entidades com as seguintes características:

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a) são organizações, ou seja, têm uma estrutura institucional,

regra geral, com estatuto de pessoas singulares.

b) são privadas, ou seja, estão institucionalmente separadas do

governo, embora possam receber financiamento do sector público e,

inclusivamente, ter funcionários públicos nas suas estruturas

directivas;

c) são autónomas, isto é, têm plena capacidade para eleger e

destituir os seus órgãos dirigentes e para controlar as suas

actividades;

d) seguem o princípio da distribuição não lucrativa, significando

isto que as organizações sem fins lucrativos podem gerar receitas, as

quais têm, no entanto, de reverter integralmente a favor da própria

instituição, para a prossecução do seu principal fim, não podendo

haver distribuição por quem as detém, nem pelos membros

fundadores, nem pelos seus órgãos dirigentes;

e) são voluntárias, o que significa duas coisas: em primeiro lugar,

que a filiação não é obrigatória ou legalmente imposta e, em segundo

lugar, que as organizações deverão contar com a participação de

voluntários nas suas actividades operacionais ou de gestão.

Uma organização sem fins lucrativos é uma entidade de iniciativa

privada, que fornece bens, serviços e ideias para melhorar a

qualidade de vida em sociedade, onde poderá existir trabalho

voluntário, e que não remunera os detentores e fornecedores

de capital.

As organizações sem fins lucrativos são organizações de natureza

jurídica sem fins de acumulação de capital para o lucro dos seus

directores. Todo o seu lucro deve ser reinvestido em estrutura

ou outras áreas da pessoa jurídica.

Os tipos de organização são as Fundações, as Organizações Não

Governamentais e as Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público.

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O sector, onde se inserem as organizações sem fins lucrativos é o

terceiro sector ou a economia social.

Semelhanças e diferenças entre o conceito de

economia social e o conceito de organizações sem

fins lucrativos

No que diz respeito às semelhanças entre o conceito de economia

social e o conceito de organizações sem fins lucrativos, quatro das

cinco características das organizações sem fins lucrativos

aplicam-se igualmente à economia social: organizações

privadas, organizadas formalmente, com autonomia de

decisão (autónomas) e liberdade de filiação (participação

voluntária).

Todavia, há três critérios delimitadores que distinguem

claramente a economia social das organizações sem fins lucrativos,

nomeadamente:

a) O critério "sem objectivo de lucro"

Do conceito de "organizações sem fins lucrativos" são

excluídas todas as organizações que distribuem, seja de que

modo for, lucros pelas pessoas ou pelas organizações que as

criaram, controlam ou financiam. Por outras palavras, as

organizações do terceiro sector têm de respeitar estritamente a

obrigação de não distribuição. Acresce que o conceito de

organizações sem fins lucrativos exige que as organizações do

terceiro sector não tenham objectivo de lucro, ou seja, elas não

podem ser criadas com o objectivo primário de gerar lucro ou

obter retorno financeiro.

No conceito de economia social, o critério "sem objectivo de

lucro" nesta acepção não é um requisito essencial exigido às

organizações do terceiro sector. Naturalmente, na óptica do

conceito de economia social, muitas das organizações que respeitam

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estritamente o critério "sem objectivo de lucro" pertencem ao terceiro

sector: um vasto sector de associações, fundações, empresas sociais

e outras organizações sem fins lucrativos — prestadoras de serviços a

pessoas individuais e a famílias —, que satisfazem o critério "sem

objectivo de lucro" inerente ao conceito de organizações sem fins

lucrativos e todos os critérios de organização da economia social

definidos. No entanto, o conceito de organizações sem fins

lucrativos exclui as cooperativas e as mutualidades, que

constituem um núcleo decisivo da economia social, do terceiro

sector, com base no facto de distribuírem parte dos

excedentes pelos seus membros.

b) O critério "democracia"

A segunda diferença entre o conceito de organizações sem fins

lucrativos e o conceito de economia social é a aplicação do

critério da democracia. Os requisitos do conceito de organizações sem

fins lucrativos para se considerar que uma organização pertence ao

terceiro sector não incluem esse elemento característico do conceito

de economia social, que é o da organização democrática.

Consequentemente, no conceito de organizações sem fins lucrativos o

terceiro sector inclui muitas, e muito importantes, organizações sem

fins lucrativos que não satisfazem o critério da democracia e, por

conseguinte, são excluídas do terceiro sector no conceito de

economia social. De facto, muitas organizações sem fins

lucrativos que operam nos sectores das corporações

financeiras e não financeiras e comercializam os seus serviços

a preços de mercado não satisfazem o princípio da

organização democrática. Estas organizações, que o conceito de

organizações sem fins lucrativos, ao contrário do conceito de

economia social, considera serem parte do terceiro sector, incluem

determinados hospitais, universidades, escolas, entidades culturais e

artísticas e demais instituições, que, por um lado, não satisfazem o

critério da democracia comercializam os seus serviços no mercado,

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mas, por outro, satisfazem todos os requisitos definidos no conceito

de organizações sem fins lucrativos.

No conceito de economia social, qualquer entidade sem fins

lucrativos destituída de organização democrática é, regra

geral, excluída do terceiro sector, embora se aceite que as

organizações de voluntários sem fins lucrativos, que

produzem serviços de "não mercado" a pessoas individuais e a

famílias de forma gratuita ou a preços economicamente não

significativos, possam ser incluídas na economia social. Estas

instituições sem fins lucrativos demonstram a sua utilidade social no

fornecimento de bens de mérito ou serviços gratuitos a pessoas

individuais ou famílias.

c) O critério "ao serviço das pessoas"

Por último, a terceira diferença tem a ver com os destinatários dos

serviços prestados pelas organizações do terceiro sector, uma vez

que há diferenças entre os dois conceitos no que diz respeito ao seu

alcance e prioridades.

No conceito de economia social, o principal objectivo de todas

as organizações consiste em servir as pessoas ou outras

organizações da economia social. Nas organizações de primeira

linha, a maioria dos beneficiários das actividades destas organizações

são pessoas individuais ou famílias, enquanto consumidores,

empresários em nome individual ou produtores. Muitas destas

organizações apenas aceitam a filiação de pessoas individuais.

Ocasionalmente, podem também aceitar como membros pessoas

jurídicas de qualquer tipo, mas a preocupação da economia social é

servir os seres humanos, que são a sua razão de ser e os

destinatários das actividades que exercem.

Pelo contrário, no conceito das organizações sem fins lucrativos

não há nenhum critério que defina como objectivo prioritário

servir as pessoas. As organizações sem fins lucrativos podem

ser criadas para prestar serviços não só a pessoas, como

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também às corporações que as controlam ou financiam. Mas

pode também haver organizações sem fins lucrativos de primeira

linha que são exclusivamente constituídas por empresas baseadas no

capital, financeiro ou não financeiro.

Assim se explica que o campo de análise no conceito de organizações

sem fins lucrativos seja muito heterogéneo.

Concluindo, as semelhanças e as diferenças existentes entre o

conceito de organizações sem fins lucrativos e o conceito de

economia social, e o facto de haver um espaço comum que

integra organizações abrangidas pelos dois conceitos,

viabilizam uma apreciação das importantes divergências

conceptuais e metodológicas que impedem o terceiro sector

de ser constituído pela mera soma dos grupos de organizações

em que incidem os dois conceitos.

No atinente às diferenças entre os dois conceitos em relação às

funções que o terceiro sector pode assumir nas economias

desenvolvidas, no conceito de organizações sem fins lucrativos

o terceiro sector situa-se entre o Estado e o mercado e a

missão do seu mais característico núcleo (o terceiro sector

social) consiste em satisfazer um número considerável de

necessidades sociais que o mercado (devido à falta de uma

procura com poder de compra) ou o sector público

(incapacidade do financiamento público) não satisfaz,

abrindo-se assim caminho a um terceiro tipo de recursos e

motivações.

O conceito anglo-saxónico, baseado no trabalho voluntário, nas

acções caritativas (Grã Bretanha) e nas fundações (Estados Unidos),

insiste nos valores filantrópicos e no critério "fins não lucrativos".

A ausência de lucro nas acções desenvolvidas revela a pureza e a

rectidão dos motivos que lhe estão subjacentes e demonstra a

natureza caritativa e social do terceiro sector, cuja missão é remediar

as deficiências de um sistema público de protecção social nada

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generoso e os excessos de uma lógica de mercado muito dinâmica,

mas também muito mais implacável em relação aos sectores sociais

menos solventes do que qualquer outro sistema.

No conceito de economia social, o terceiro sector não se situa

entre o mercado e o Estado, mas sim entre o sector capitalista

e o sector público. Partindo deste ponto de vista, o terceiro

sector, nas sociedades desenvolvidas, é entendido como um

pólo de utilidade social constituído por um vasto leque de

organizações privadas criadas, em primeira linha, para

satisfazer necessidades sociais e não para remunerar o

capital.

De qualquer forma, o conceito do terceiro sector desenvolvido

pela economia social não encara este sector como um sector

residual, mas como um pólo institucional do sistema que,

juntamente com o sector público e o sector privado capitalista,

constitui um factor fundamental para consolidar o bem estar

nas sociedades desenvolvidas, contribuindo para a solução de

alguns dos problemas mais preocupantes como a exclusão

social, elevadas taxas de desemprego e desemprego de longa

duração, as assimetrias geográficas, o auto-governo local e

uma distribuição da riqueza mais justa.

Ao contrário do conceito de organizações sem fins lucrativos,

que olha para o terceiro sector principalmente como um sector

que desenvolve acções caritativas/filantrópicas e iniciativas

de solidariedade sem contrapartida, a economia social promove

iniciativas empresariais com solidariedade recíproca entre os seus

iniciadores, baseando-se num sistema de valores que respeita as

decisões democráticas e coloca as pessoas acima do capital na

distribuição dos excedentes.

A economia social não só vê as pessoas necessitadas como

beneficiários passivos da filantropia social, como também

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eleva os cidadãos a protagonistas activos do seu próprio

destino.

Os problemas tratados pela Economia Social

O carácter particular da economia social é derivado ao facto de

combinar perfeitamente a eficiência económica e o

empreendedorismo social. Ela oferece um enorme potencial no

quadro de uma moderna e plural economia social de mercado, a sua

diversidade, a sua força e conhecimento são activos para melhorar e

preservar a vida dos cidadãos.

As instituições de solidariedade social, particularmente os Centros

Sociais Paroquiais e as Misericórdias, praticam e têm por objecto a

cultura do voluntariado dos seus membros e o espírito de serviço dos

seus colaboradores dedicados à prestação de serviços à

comunidade, envolvendo um elevado número de valências, nas

áreas da infância, juventude e terceira idade, tais como:

serviços de protecção social, cuidados de saúde, serviços de

proximidade e apoio domiciliário, educação e formação,

inserção social de pessoas com deficiência, etc., pelo que

desempenham um papel muito especial na criação do capital

social, na capacidade de empregar pessoas oriundas de

grupos desfavorecidos, na criação do bem estar social e da

solidariedade, na própria revitalização das economias locais e

na luta contra a pobreza e a exclusão social, na assistência às

famílias e dos mais idosos e isolados. Acresce ainda a tarefa

extremamente complexa do acompanhamento da formação da

personalidade dos nossos jovens desde praticamente o seu

nascimento até à adolescência e posteriormente na velhice,

através da organização de eventos lúdicos e culturais

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A evolução da economia social

O conceito de economia social surge cerca de 1830, quando

Charles Dunoyer publica em Paris um tratado de economia social,

surgindo na mesma década, na Universidade de Lovaina, um curso

com a designação de economia social. Nesta linha, surge um

conjunto de escolas teóricas de que se salientam, a socialista,

cujos precursores são os socialistas utópicos e tendo o contributo de

Marcel Mauss (1872-1950), defensor de uma economia de

socialização voluntária e de Benoit Malon (1841-1893), cujo tratado

de economia social (1883) tinha na sua base idêntica perspectiva; a

escola social-cristã reformista, que, pela mão de Fréderic Le Play

(1806-1882), inaugurou uma sociedade de economia social e uma

revista com o mesmo nome. Le Play, aprova o desenvolvimento das

cooperativas com um objectivo reformista não sendo, no entanto,

favorável a uma transformação radical da sociedade; a escola

liberal, dirigida em primeiro lugar por Charles Dunoyer (1786-1862)

e mais tarde por Frédéric Passy (1822-1912) coloca a sua perspectiva

teórica na liberdade da economia e no afastamento da intervenção do

Estado com recurso ao princípio da auto-ajuda. Associam-se ainda a

esta escola Leon Walras (1834-1910), pela importância que atribui

às associações populares, e John Stuart Mill (1806-1873) que na

Inglaterra defende a superação do proletariado através das

associações de trabalhadores; a escola solidária, ligada a Auguste Ott

(1814-1892) que publica um tratado de economia social e sobretudo

a Charles Gide (1847-1932). É ele quem marca um período áureo

da economia social francesa, e concretiza o espírito do

solidarismo pelo qual será possível a abolição do capitalismo e do

proletariado sem sacrificar a propriedade privada nem as liberdades

provindas da revolução. A ajuda mútua e a educação económica

através da cooperação podem por si só promover a transformação do

homem.

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19

O mérito principal destas escolas é o de demonstrar o

pluralismo político e cultural que caracteriza os primórdios do

desenvolvimento da economia social e que até hoje se

mantém.

Podemos, no que concerne à evolução da economia social, pelo

menos do ponto de vista académico, distinguir cinco períodos, como

seguem:

a) A génese da economia social (1791-1848)

Este período é marcado pela Revolução Francesa e bafejado pelos

ideais da liberdade, da fraternidade e da igualdade, tendo como

resultado o início do movimente associativo ligado ao

proletariado e às organizações obreiras. As cooperativas

começam também a dar os seus primeiros passos, no sentido de

potenciar o emprego e reduzir as desigualdades sociais características

do período em questão. O fim deste período é marcado pela tomada

de Paris (Comuna de Paris) e pela tentativa de criar um governo

autogestionário, assente no poder proletário e as ideias de alguns

idealistas como Louis Blanc, vão no sentido da promoção das

associações proletárias e das cooperativas.

b) A questão social e o movimento operário (1850-1900)

Com o fim da Comuna de Paris, a repressão não esperou para se

fazer sentir e o Estado volta de novo a assumir o seu papel

secular.

Pela primeira vez na história do papado, o papa Leão XIII vê-se

forçado a intervir na esfera temporal, através da encíclica Rerum

Novarum. O papa proporia o regresso aos tempos de antes da

revolução e de novo ao associativismo das profissões, no que

se designava de corporações. Do ponto de vista das instituições

de economia social, vão-se desenvolvendo os movimentos

associativos operários (determinados pelas correntes que na

época se afirmavam contrárias ao status quo dominante: marxismo,

anarquismo e socialismo revolucionário).

Page 20: Microsoft Word - ExposiçãoI Economia Social

20

c) Os regimes totalitários e a contestação ao liberalismo

(1901-1945)

Os primeiros anos do século XX seriam marcados por dois momentos

fundamentais e violentos: a Primeira Guerra Mundial e a

Revolução Russa de 1917. Neste contexto, os movimentos

totalitários, cuja base ideológica vai ser a contestação ao

liberalismo e o papel determinante do Estado na condução da

sociedade, assumem uma posição importante.

O fascismo italiano, o nazismo alemão, o Estado Novo

português e o tenentismo brasileiro, são algumas dos resultados

adquiridos no decurso dos primeiros trinta anos daquele século.

Até à Segunda Guerra Mundial, assiste-se a uma fragmentação

do núcleo cooperativista e mutualista nascido do movimento

associativo, através da estruturação das cooperativas em ramos

sectoriais pelas dificuldades de continuidade do movimento operário e

as dificuldades geradas pelas duas guerras mundiais. Tudo isto, unido

à divisão do movimento associativo em várias direcções,

conduziria a um distanciamento e falta de coesão das

actividades cooperativas, mutualistas e associativas

(DEFOURNY, 1992).

A Grande Depressão, iniciada em 1929 e o New Deal nos

Estados Unidos, seriam elementos determinantes na mudança

das mentalidades e nas preocupações sociais. J. M. Keynes, e a

sua Teoria do juro, do emprego e da moeda, e Lord Beveridge,

criariam o espaço teórico para os anos do Estado-providência

que marcariam o período seguinte e um contexto de maior

intervenção do Estado na economia.

d) O Estado-providência e os direitos sociais (1945-1975)

A seguir ao final da Segunda Guerra Mundial e ao mesmo tempo que

se vai implementando e desenvolvendo o Estado-providência

com base no modelo keynesiano de intervenção do Estado na

economia, o conceito de economia social vai ser relegado para

Page 21: Microsoft Word - ExposiçãoI Economia Social

21

segunda instância em termos de importância, uma vez que o

Estado passa, por si só, a intervir no mercado e a corrigir as suas

“falhas”, sem necessidade de outras entidades económicas.

No mesmo sentido, terminologicamente, a expressão “economia

social” vai-se empregando em sentidos cada vez mais amplos

e diversos do original, passando também a designar os campos de

análise sócio-económica, ou seja, para designar a vida em

sociedade, do indivíduo e dos grupos sociais, impondo por via

disso a grande dispersão do conceito.

É todavia, a partir dos anos 1970, como resultado da crise do

Estado-providência, que a problemática da economia social se

volta a colocar, com acuidade, e mais uma vez, de forma

preponderante em França, tendo por base a proximidade entre os

movimentos cooperativos e mutualistas franceses, a percepção

da existência de interesses mútuos e a adesão ao grupo do

movimento associativo.

e) A crise do Estado-providência e o redimensionamento da

economia social (1975-2006)

Da contribuição dos movimentos referidos e pelo desenvolvimento

e crescimento dos movimentos cooperativo, associativo e

mutualista, a economia social volta de novo a adquirir

dimensão e importância.

Assiste-se ao desenvolvimento de apoios financeiros à economia

social e às suas organizações, a um aumento do emprego e ao

desenvolvimento de associações locais e de cooperativas dos

mais variados tipos.

Ligado a esse movimento, surge também a tentativa de promoção da

inclusão social, quer pelo emprego quer pela constituição de

associações de âmbito social.

Em 1975, nasce o Comité Nacional de Coordenação das

Actividades Mutualistas, Cooperativistas e Associativistas

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22

(Cnlamca) que lança em 1978, em Bruxelas, um debate

europeu sobre economia social.

Em 1981, com o reconhecimento do seu poder político, pela criação

de uma Delegação Interministerial para a Economia Social

(DIES) pelo governo francês, ela passa a depender de uma

Secretaria de Estado.

Fora da perspectiva francófona, a história da economia social,

não tem um enquadramento tão vasto e diversificado, ainda

que não deixe de, em alguns países, já ocupar um lugar de destaque

no contexto económico e social.

Entre nós, merecem uma referência muito especial José Estêvão,

Andrade Corvo e António Sérgio, sendo no entanto certo que os

movimentos associativos mutualistas e cooperativistas não

chegaram a ter um desenvolvimento semelhante ao ocorrido noutros

países da Europa ou nos EUA e no Japão, em virtude da sua alegada

conotação política com a «esquerda» e da forte oposição por

parte do regime corporativo do Estado Novo.

Em Portugal, a tradição assenta essencialmente nas misericórdias

que desde o século XVIII assumiram uma componente de intervenção

junto das populações mais desfavorecidas e nas mutualidades que

no decurso do século XIX e alguns anos do século XX tiveram grande

intervenção na área socio-económica.

A "economia social" encontra-se em clara expansão em toda a

União Europeia. Contudo, este termo – assim como o conceito

científico – difere de Estado-Membro para Estado-Membro e, em

alguns casos, dentro dos próprios países, coexistindo geralmente com

outros termos e conceitos semelhantes.

No estudo "As empresas e organizações do terceiro sector: Um

desafio estratégico para o emprego" (CIRIEC 2000), avalia-se,

em primeiro lugar, o nível de reconhecimento da economia

social em cada Estado-Membro no respeitante a três áreas

importantes, designadamente na administração pública, no

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23

meio académico e científico, e no próprio sector da economia

social e, em segundo lugar, identificam-se e avaliam-se

conceitos semelhantes.

Os resultados permitiram identificar três grupos de países:

− Países com a maior aceitação do conceito de economia

social: França, Itália, Portugal, Espanha, Bélgica, Irlanda e Suécia.

Há que realçar os primeiros quatro países (todos eles latinos),

particularmente a França, onde este conceito nasceu. Tanto na

França como na Espanha, a economia social é reconhecida na

legislação.

− Países com um nível médio (relativo) de aceitação do

conceito de economia social:

Chipre, Dinamarca, Finlândia, Grécia, Luxemburgo, Letónia, Malta,

Polónia e Reino Unido. Nestes países, o conceito de economia social

coexiste com outros conceitos, como o sector de actividades sem fins

lucrativos, o sector de voluntariado e as empresas sociais. No Reino

Unido, o conceito de economia social é pouco reconhecido, não

obstante a política governamental de apoio às empresas sociais. Na

Polónia trata-se de um conceito muito recente, que é cada vez mais

aceite devido ao impulsionamento dado, particularmente, pelo

impacto da UE no plano estrutural;

− Países com pouco ou nenhum reconhecimento do conceito

de economia social:

Num grupo composto por países que aderiram à UE no último

alargamento e países germânicos (Áustria, República Checa, Estónia,

Alemanha, Hungria, Lituânia, Países Baixos e Eslovénia), o conceito

de economia social é pouco conhecido ou ainda incipiente, ao

contrário dos conceitos sectores de organizações sem fins lucrativos,

voluntariado e organizações não governamentais, que têm um maior

nível de reconhecimento.

Além dos conceitos de economia social, organizações sem fins

lucrativos, empresas sociais e terceiro sector, há outros termos

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geralmente aceites que coexistem em diferentes países da União. Em

países como o Reino Unido, Dinamarca, Malta e Eslovénia, os

conceitos de associações de voluntariado e de organizações não

governamentais – mais relacionados com a ideia de organizações

sem fins lucrativos – gozam aparentemente de um amplo

reconhecimento científico, social e político. Os conceitos de

economia solidária e economia social e solidária são igualmente

reconhecidos nos países europeus francófonos (França, Bélgica

(Valónia) e Luxemburgo), enquanto que a noção de Gemeinwirtschaft

(economia de interesse geral) se encontra bem estabelecida nos

países germânicos como a Alemanha e a Áustria.

Numa perspectiva macroeconómica, a economia social na

Europa é muito importante, tanto do ponto de vista humano como

económico, empregando mais de 11 milhões de pessoas, o que

equivale a 6,7% da população activa da UE. Nos 10 novos

Estados-Membros da UE, os trabalhadores que exercem actividades

no âmbito da economia social representam 4,2% da população

activa. Esta percentagem é inferior à da UE a 15 (7%) e à de países

como os Países Baixos (10,7%), a Irlanda (10,8%) ou a França

(8,7%).

No seu conjunto, a família de associações, fundações e

organizações afins é o maior componente de economia social

da Europa. Contudo, nos novos Estados-Membros e na Itália,

Espanha, Finlândia e Suécia, a maior família é a de cooperativas e

formas semelhantes.

Relevante é também dar uma ideia da importância da economia

social no conjunto das empresas europeias apesar da ausência

de dados estatísticos precisos. Com efeito, a economia social

representa cerca de 10% do total das empresas europeias, ou

seja, 2 milhões de empresas, na sua maioria pequenas ou

microempresas, empregando mais de 11 milhões de pessoas, o que

equivale a 6,7% da população activa da EU (emprego directo).

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Além disso, associam uma parte muito significativa da sociedade civil,

já que se calcula que mais de 25% dos cidadãos da UE têm a ver

com este sector na qualidade de produtores, aforradores,

inquilinos, segurados, estudantes, trabalhadores voluntários,

etc.

De salientar a forte interacção entre as PME convencionais e as

EES (empresas de economia social). Esta interacção realiza-se pelo

menos segundo as seguintes modalidades:

a) As PME utilizam em grande medida os serviços das EES que

lhe são externos; por exemplo, os bancos cooperativos promovem

muitas vezes projectos de start up e de desenvolvimento de PME

convencionais.

b) As PME utilizam entre si estruturas próprias das EES, por

exemplo para criarem entre si sistemas de empresas (redes, grupos,

estruturas comuns de apoio), para realizarem economias de escala

(cooperativas de PME de compras e de marketing) ou para

estabelecerem mecanismos de garantia mútua de empréstimos

bancários, permitindo aumentar sensivelmente a competitividade das

empresas.

c) Os modelos de EES (fundos mútuos, prestação de serviços de

interesse geral, redes de comércio justo, etc.) podem inspirar o

desenvolvimento de PME.

Pelas suas características, as empresas sociais desempenham um

papel particular na integração social e profissional de grupos

que se encontram à margem do mercado do trabalho.

Proporcionam, frequentemente, às pessoas com mais dificuldades,

percursos de integração no mercado do trabalho

especialmente adaptados, sendo esta uma função que, tendo em

conta as suas especificidades próprias, têm mais facilidade em

desempenhar do que outros actores. A sua orientação para a

capacitação individual através da responsabilidade social proporciona-

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lhes um bom nível de integração social, designadamente para os

jovens, as mulheres, os imigrantes e as minorias étnicas.

Por último, no contexto da actual crise financeira, económica e

social, alguns dos atributos da economia social, como a

capacidade de oferecer respostas inovadoras às necessidades

sociais conjugando rentabilidade e solidariedade, associando a

produção e o desenvolvimento sustentável e potenciando o

exercício da cidadania activa e da responsabilidade social

empresarial, têm contribuído para a atribuição, aos agentes da

economia social, de um papel relevante na gestão e na

superação da presente crise sistémica.

Além dos dados macroeconómicos, a dinâmica e riqueza

socioeconómica da economia social na Europa transparecem em

casos específicos que não só comprovam a pluralidade das

respostas dadas pela economia social às diversas

necessidades e aspirações da sociedade europeia, mas revelam

também a multiplicidade de formas adoptadas por estas

organizações, demonstrando que, não obstante a diversidade da

dinâmica específica, é possível identificar uma linha comum, que

é a de pertencerem a um sector socioeconómico situado entre

a economia privada capitalista convencional e a economia

pública.

Seleccionaram-se, com a ajuda dos correspondentes de cada país, as

seguintes organizações para ilustrar a heterogeneidade das práticas

de economia social na Europa:

− Cooperativa Sociale Prospettiva: integração no emprego dos

grupos mais desfavorecidos através da produção de cerâmica artística

(www.prospettivacoop.it)

− Cooperativa Chèque Déjeuner: criação de emprego com valores

(www.chequedejeuner. com)

− Grupo Irizar: o segundo maior produtor europeu de autocarros de

luxo (www.irizar.com)

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27

− Multipharma, importante cooperativa de farmácias

(www.multipharma.be)

− Associação de Cooperativas de Crédito da Lituânia, organização

para a inclusão financeira − (www.lku.lt)

− Sociedade de cooperativas agrícolas Dairygold: apoio aos

agricultores (www.dairygold.ie)

− Anecoop: grupo de cooperativas agrícolas que concilia o

desenvolvimento local e agrícola com a inovação tecnológica

(www.anecoop.com)

− União de associações cooperativas de habitação da Estónia: mais

de 100 mil pessoas vivem em habitações cooperativas (www.ekyl.ee)

− COFAC, a maior cooperativa universitária portuguesa, promotora

de conhecimento e capital humano (www.ulusofona.pt)

− Cooperación y Desarrollo de Bonares: cooperação e

desenvolvimento público/privado no plano local (www.bonares.es)

− Sociedade cooperativa de serviços marítimos de Chipre

(COMARINE) (www.comarine.com.cy)

− Consorzio Beni Culturali Italia: servir a cultura é, antes de mais,

criar cultura (www.consorziobeniculturali.it)

− Britannia building society: a segunda maior sociedade de

construção do Reino Unido (www.britannia.co.uk)

− Vzajemna, seguros de saúde e cuidados médicos

(www.vzajemna.si)

− MACIF, a maior sociedade mútua na França (www.macif.fr)

− Grupo Tapiola: seguradora, serviços bancários, poupança e

investimentos (www.tapiola.fi)

− Sociedade de cuidados de saúde Benenden Healthcare Society

(www.benendenhealthcare.org.uk)

− Shelter, grande organização de caridade para os sem abrigo

(www.england.shelter.org.uk)

− Alte Feuerwache Köln, centro cultural com autogestão

(www.altefeuerwachekoeln.de)

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28

− Artisans du Monde, a primeira associação de comércio equitativo

com o terceiro mundo (www.artisansdumonde.org)

− Motivacio, fundação de integração social de pessoas com

deficiência (www.motivacio.hu)

− Fondazione Cariplo: recursos de assistência a instituições cívicas e

sociais para a prestação de melhores serviços à comunidade

(www.fondazionecariplo.it)

− Trångsviksbolaget AB, empresa local no Norte da Suécia

(www.trangsviken.se)

− ONCE, organização espanhola de assistência aos invisuais,

integração de pessoas com deficiências no mercado de trabalho e

prestação de serviços sociais (www.once.es)

− Associação de ajuda mútua Flandria, prestação de serviços

complementares de saúde (www.flandria.pl).

Na Europa – entendamo-nos, no conjunto das instituições políticas

da União Europeia – a economia social é geralmente tida como um

parente pobre, se não mesmo como o «patinho feio».

O Tratado de Roma era totalmente omisso na sua menção. Foi

preciso esperar pelo Tratado de Maastricht para que, na Acta

Final, aparecesse exarada, na Declaração n.º 23, uma referência

tímida à «importância de que se reveste, na prossecução do

artigo 11 7.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a

cooperação entre a Comunidade e as associações de

solidariedade e as fundações, enquanto instituições

responsáveis por estabelecimentos e serviços sociais». No

entanto, estas «declarações» não passam de meras «intenções» sem

qualquer força vinculativa.

Ao contrário do que se pudesse pensar, e seria legítimo esperar, a

situação não se alterou profunda e substancialmente com o

Tratado de Lisboa. Com efeito, apesar das referências que agora

se fazem à «economia social de mercado», que substituem as

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menções constantes dos anteriores Tratados a uma «economia de

mercado aberta e concorrencial», e não obstante o importante teor

do seu novo artigo 11.º, o certo é que, enquanto tal, a denominada

«economia social» ainda não foi desta que ganhou estatuto de

pleno direito nas normas do direito primário da UE.

Para a sua desvalorização e falta de visibilidade tem

contribuído alguma indefinição do próprio conceito. Com efeito,

acontece que, indistintamente, a noção de «economia social»

aparece ligada ou confundida com «organizações de

solidariedade» ou «economia solidária», o «terceiro sector»

ou o «terceiro sistema», «serviços sociais de interesse

geral», o «voluntariado» ou mesmo simplesmente «pequenas

e médias empresas». Por outro lado, surge associada ao

«modelo social europeu» de que é componente e ligada à

consecução da «coesão social», embora não deva ser confundida

com nenhum deles. Acresce que a falta de clareza que rodeia a

expressão «economia social» não se deve apenas a várias

interpretações, mas é também o resultado de confusão linguística

e de diferentes tradições culturais onde o adjectivo «social»

nem sempre aparece entendido no sentido de uma obrigação

mutualista entre os sócios ou na acepção de uma «obrigação para

com a sociedade».