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SIMP.TCC/Sem.IC. 2018(14);1607-1613 FACULDADE ICESP / ISSN: 2595-4210 1607 CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA COLECTOMIA SUBTOTAL DECORRENTE DE MEGACÓLON EM CÃO – RELATO DE CASO SUBTOTAL COLLECTOMY FROM MEGACOLON IN DOG - CASE REPORT Mila Cristina Moreira de Farias Paulo de Tarso Guimarães da Silva Resumo Megacólon é descrito como uma dilatação persistente de todo cólon ou parte dele associado a ausência de peristaltismo, constipação e retenção fecal, podendo levar a um quadro de impactação fecal. Pode ser de origem primária ou secundária. Os principais sinais clínicos são tenesmo, disquesia, distensão abdominal, anorexia, depressão, letargia, êmese e perda de peso. O diagnóstico definitivo se dá por meio de radiografia abdominal. Caso o tratamento conservativo não seja responsivo é necessário a realização do procedimento cirúrgico podendo ser feito colectomia total ou parcial. O objetivo deste estudo é descrever um caso de megacólon em um cão de cinco anos de idade que já apresentava um quadro crônico de disquesia, utilizando como tratamento de eleição a colectomia subtotal, cuja recuperação foi satisfatória demonstrando a eficácia do tratamento cirúrgico. Palavras-Chave: megacólon; cão; colectomia subtotal. Abstract Megacolon is described as a persistent dilation of colon or part of it associated with the absence of peristalsis, constipation and fecal retention, and may lead to fecal impaction. It may be of primary or secondary origin. The main clinical signs are tenesmus, dyskinesia, abdominal distension, anorexia, depression, lethargy, emesis and weight loss. The definitive diagnosis is given by abdominal radiography. If the conservative treatment is not responsive it is necessary to perform the surgical procedure and where a total or partial colectomy can be done. The aim of this study is to describe a case of megacolon in a 5-year-old dog that already had a chronic case of dyskinesia, using subtotal colectomy as a treatment of choice, whose recovery was satisfactory demonstrating the efficacy of the surgical treatment. Keywords: megacólon; dog; subtotal colectomy. Contato: [email protected] Introdução O megacólon é definido como um aumento no diâmetro do intestino grosso em um segmento ou em sua totalidade com ausência de peristaltismo, podendo estar associado à constipação intestinal grave e retenção fecal, levando a um quadro de fecaloma. O desenvolvimento do megacólon pode ocorrer de forma primária ou secundária (MORAILLON et al., 2013; FOSSUM, 2014). As causas de megacólon podem ser por disfunção mecânica, obstrução devido à presença de corpo estranho, neoplasma digestivo, fratura da pelve, estenose do cólon, hérnia perineal ou aumento prostático. Em causas metabólicas, o megacólon pode ocorrer devido a disfunção das fibras musculares lisas, causa neurológica como síndrome da cauda equina, na qual ocorre compressão dos filamentos lombossacros, podendo levar a compressão da inervação colônica (MORAILLON et al., 2013). Geralmente no cão, o megacólon adquirido está relacionado à fatores mecânicos como já mencionado anteriormente, além da própria alimentação. Nos gatos o megacólon idiopático ocorre com maior frequência, principalmente em machos de meia idade a idosos (BOJRAB, 2005). A alimentação pode ser tornar um fator importante no desenvolvimento de obesidade e constipação. Alimentos com baixa quantidade de fibras podem atrapalhar a formação do bolo fecal, podendo contribuir para o aparecimento da constipação. No caso da obesidade o excesso de tecido adiposo intra abdominal pode dificultar a evacuação fecal (PAZ et al., 2017). Os sinais clínicos observados são depressão, anorexia, vômito, perda de peso, letargia, fraqueza, devido a absorção de toxinas bacterianas causada pela obstrução fecal, tenesmo, e ocasionalmente diarreia podendo ser aquosa, mucoide ou sanguinolenta, devido a irritação da mucosa do cólon (FOSSUM, 2014). O diagnóstico é baseado no histórico clínico do animal, exame físico, palpação abdominal, que possibilita identificar o aumento de volume da região abdominal, de aspecto mais firme além dos exames laboratoriais que podem determinar possíveis causas metabólicas como hipocalemia, hipercalcemia e desidratação, no entanto o diagnóstico definitivo se dá através da radiografia abdominal (BYERS et al, 2006; MORAILLON et al., 2013; FOSSUM, 2014). O tratamento deve ser direcionado após diagnóstico da causa base, reestabelecer os equilíbrios hidroeletrolíticos, utilização de Como citar esse artigo: Farias MCM, Silva PTG. COLECTOMIA SUBTOTAL DECORRENTE DE MEGACÓLON EM CÃO – RELATO DE CASO. Anais do 14 Simpósio de TCC e 7 Seminário de IC da Faculdade ICESP. 2018(14); 1607-1613

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SIMP.TCC/Sem.IC. 2018(14);1607-1613 FACULDADE ICESP / ISSN: 2595-4210

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CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA

COLECTOMIA SUBTOTAL DECORRENTE DE MEGACÓLON EM CÃO – RELATO DE CASO SUBTOTAL COLLECTOMY FROM MEGACOLON IN DOG - CASE REPORT

Mila Cristina Moreira de Farias

Paulo de Tarso Guimarães da Silva

Resumo Megacólon é descrito como uma dilatação persistente de todo cólon ou parte dele associado a ausência de peristaltismo, constipação e retenção fecal, podendo levar a um quadro de impactação fecal. Pode ser de origem primária ou secundária. Os principais sinais clínicos são tenesmo, disquesia, distensão abdominal, anorexia, depressão, letargia, êmese e perda de peso. O diagnóstico definitivo se dá por meio de radiografia abdominal. Caso o tratamento conservativo não seja responsivo é necessário a realização do procedimento cirúrgico podendo ser feito colectomia total ou parcial. O objetivo deste estudo é descrever um caso de megacólon em um cão de cinco anos de idade que já apresentava um quadro crônico de disquesia, utilizando como tratamento de eleição a colectomia subtotal, cuja recuperação foi satisfatória demonstrando a eficácia do tratamento cirúrgico. Palavras-Chave: megacólon; cão; colectomia subtotal. Abstract Megacolon is described as a persistent dilation of colon or part of it associated with the absence of peristalsis, constipation and fecal retention, and may lead to fecal impaction. It may be of primary or secondary origin. The main clinical signs are tenesmus, dyskinesia, abdominal distension, anorexia, depression, lethargy, emesis and weight loss. The definitive diagnosis is given by abdominal radiography. If the conservative treatment is not responsive it is necessary to perform the surgical procedure and where a total or partial colectomy can be done. The aim of this study is to describe a case of megacolon in a 5-year-old dog that already had a chronic case of dyskinesia, using subtotal colectomy as a treatment of choice, whose recovery was satisfactory demonstrating the efficacy of the surgical treatment. Keywords: megacólon; dog; subtotal colectomy.

Contato: [email protected]

Introdução

O megacólon é definido como um aumento no diâmetro do intestino grosso em um segmento ou em sua totalidade com ausência de peristaltismo, podendo estar associado à constipação intestinal grave e retenção fecal, levando a um quadro de fecaloma. O desenvolvimento do megacólon pode ocorrer de forma primária ou secundária (MORAILLON et al., 2013; FOSSUM, 2014).

As causas de megacólon podem ser por disfunção mecânica, obstrução devido à presença de corpo estranho, neoplasma digestivo, fratura da pelve, estenose do cólon, hérnia perineal ou aumento prostático. Em causas metabólicas, o megacólon pode ocorrer devido a disfunção das fibras musculares lisas, causa neurológica como síndrome da cauda equina, na qual ocorre compressão dos filamentos lombossacros, podendo levar a compressão da inervação colônica (MORAILLON et al., 2013).

Geralmente no cão, o megacólon adquirido está relacionado à fatores mecânicos como já mencionado anteriormente, além da própria alimentação. Nos gatos o megacólon idiopático ocorre com maior frequência, principalmente em machos de meia idade a idosos (BOJRAB, 2005).

A alimentação pode ser tornar um fator importante no desenvolvimento de obesidade e constipação. Alimentos com baixa quantidade de fibras podem atrapalhar a formação do bolo fecal, podendo contribuir para o aparecimento da constipação. No caso da obesidade o excesso de tecido adiposo intra abdominal pode dificultar a evacuação fecal (PAZ et al., 2017).

Os sinais clínicos observados são depressão, anorexia, vômito, perda de peso, letargia, fraqueza, devido a absorção de toxinas bacterianas causada pela obstrução fecal, tenesmo, e ocasionalmente diarreia podendo ser aquosa, mucoide ou sanguinolenta, devido a irritação da mucosa do cólon (FOSSUM, 2014).

O diagnóstico é baseado no histórico clínico do animal, exame físico, palpação abdominal, que possibilita identificar o aumento de volume da região abdominal, de aspecto mais firme além dos exames laboratoriais que podem determinar possíveis causas metabólicas como hipocalemia, hipercalcemia e desidratação, no entanto o diagnóstico definitivo se dá através da radiografia abdominal (BYERS et al, 2006; MORAILLON et al., 2013; FOSSUM, 2014).

O tratamento deve ser direcionado após diagnóstico da causa base, reestabelecer os equilíbrios hidroeletrolíticos, utilização de

Como citar esse artigo: Farias MCM, Silva PTG. COLECTOMIA SUBTOTAL DECORRENTE DE MEGACÓLON EM CÃO – RELATO DE CASO. Anais do 14 Simpósio de TCC e 7 Seminário de IC da Faculdade ICESP. 2018(14); 1607-1613

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emolientes fecais, enemas e a remoção mecânica das fezes com auxílio manual (BOJRAB, 2005; MORAILLON et al., 2013).

Caso o tratamento conservativo não se torne responsivo é necessário a realização do procedimento cirúrgico. A cirurgia consiste na colectomia, podendo ser subtotal onde é feita a ressecção do segmento do cólon que apresenta dilatação e atonia, este procedimento inclui a remoção ou não da válvula ileocólica, ou colectomia total (WHITE, 2002; BOJRAB, 2005).

É realizada a laparotomia mediana na região ventral do abdômen e exteriorização do cólon afetado, os ramos das artérias e veias do mesentério devem ser ligados com a finalidade de evitar hemorragia devido a ruptura destes vasos. Antes de ser realizada a colectomia, devem ser removidas as fezes presentes no cólon, através da colotomia do segmento dilatado que posteriormente será seccionado (BOJRAB, 2005; FOSSUM, 2014).

A remoção da válvula ileocólica fica a critério do cirurgião, se for removida é feita a anastomose do segmento do cólon descendente no íleo (íleocolostomia) se for mantida se faz uma anastomose direta do cólon ascendente ao reto proximal (colocolostomia). Após ressecção do cólon é realizado a anastomose entre as extremidades do mesmo e posteriormente na região mesentérica, e por fim, a omentalização do cólon. Antes da laparorrafia deve ser lavada a cavidade abdominal com solução salina morna (BOJRAB, 2005; FOSSUM, 2014).

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de megacólon em cão acompanhado durante o período de estágio supervisionado, submetido a técnica cirúrgica de colectomia subtotal.

Relato de Caso

Foi atendido no Hospital Veterinário Público de Taguatinga - DF, no dia 24/09/2018, uma cadela, inteira, da raça Dachshund com 5 anos de idade, pesando 4,75kg.

Na anamnese foi relatado que a mesma sempre apresentou dificuldade de defecar, já havia sido consultado por outro colega e foi realizado exame ultrassonográfico e radiografia abdominal nas projeções latero-lateral direita e ventro-dorsal que demonstrou aumento de volume fecal na região do colón, e o diagnóstico foi de megacólon (Figura 1 A e B). No exame físico o paciente se encontrava alerta, temperatura retal (RT) 39ºC, frequência cardíaca (FC) 120 batimentos por minuto, mucosas normocoradas, hidratado, estado corporal normal 3 (escala de 1 a 5), tempo de preenchimento capilar (TPC) 1 segundo.

O hemograma revelou uma leucocitose

24.600 /mm3 com valores de referência de 6,0 a 47 mil/mm3, os outros parâmetros hematológicos se apresentaram dentro dos padrões de normalidade para a espécie. Na avaliação bioquímica, a dosagem de alanina aminotransferase (ALT) se encontrava aumentada 265,00 UI/L com valores de referência de 10 a 80 UI/L.

Figura 1- Imagem radiográfica da região abdominal, cadela, Dachshund. A- na projeção latero-lateral direita e B- na projeção ventro-dorsal, ambas demonstrando distensão do colón e aumento da radiopacidade do bolo fecal. Fonte: Setor de radiologia do Hospital Veterinário Público de Taguatinga – DF

Inicialmente foi encaminhado para enfermaria para a fluidoterapia endovenosa e tratamento medicamentoso com administração de amoxicilina com clavulanato de potássio 20mg/kg, N-butilbrometo de hioscina + dipirona sódica 25mg/kg, metoclopramida 0,5mg/kg e realização de enema. No dia seguinte foi encaminhado para cirurgia de colectomia subtotal.

Como medicação pré-anestésica (MPA) foi utilizado morfina 0,2mg/kg/IM. Como indução anestésica com propofol 3mg/kg/IV associado com cetamina 1mg/kg/IV e a manutenção com

A

B

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isofluorano e fentanil 5mcg/kg/IV. Durante o procedimento cirúrgico os parâmetros se mantiveram dentro da normalidade em saturação de O2 entre 97%-100%, pressão arterial sistólica 95-120mmHg, o eletrocardiograma não apresentou alterações nos traçados analisados durante o procedimento.

Foi feita a tricotomia ampla da região abdominal ventral e antissepsia com digliconato de clorexidina 2% solução com tensoativos e digliconato de clorexidina 0,5% solução alcoólica.

Realizou-se a incisão de pele e musculatura em linha alba. Acesso por laparotomia mediana e exteriorização do cólon afetado, (Figura 2A) colocação de segundo pano de campo através de compressas, de forma que se separe o local acometido dos demais órgãos abdominais. O cólon afetado estava repleto de fezes endurecidas. Foi realizado a colotomia (Figura 2B) com incisão de 4 cm para a remoção das fezes, em seguida foram realizadas as trocas de luvas da equipe cirúrgica e panos de campo.

Figura 2- Imagem fotográfica durante o transcirúrgico. A- Aumento de volume na região colônica após exteriorização do cólon e B- Colotomia na borda antimesentérica do segmento afetado. Fonte: Departamento de cirurgia do Hospital Público veterinário de Taguatinga - DF.

Em seguida foi avaliado o segmento a ser removido para delimitação levando em consideração motilidade, coloração e vascularização ao corte para determinar o limite da ressecção. Com a delimitação do segmento afetado com pinças na porção oral e aboral ao local planejado para ressecção (Figura 3), foram feitas as ligaduras dos ramos mesentéricos com nylon 3-0. Em seguida foi realizada a ressecção do cólon afetado, (Figura 4A e B) com a preservação da válvula íleocólica.

Figura 3- Imagem fotográfica durante o transcirúrgico sendo demonstrado o pinçamento do segmento do cólon a ser removido. Fonte: Departamento de cirurgia do Hospital Público veterinário de Taguatinga – DF

Figura 4- Imagem fotográfica durante o transcirúrgico, demonstrando A- Colectomia sendo iniciada imediatamente caudal ao local pinçado. B- Imagem após a realização da colectomia, sendo possível observar o segmento oral do cólon (seta). Fonte: Departamento de cirurgia do Hospital Público veterinário de Taguatinga- DF.

Foi corrigido o tamanho luminal para correta anastomose, feita com suturas padrão simples interrompida com nylon 3-0 e 4-0, (Figura 5A) a cavidade abdominal foi lavada abundantemente com cloreto de sódio 0,9% morno, foi realizada a omentalização do cólon anastomosado (Figura 5B). Miorrafia com padrão festonado nylon - 0, subcutâneo padrão contínuo intradérmico com nylon 2-0 e dermorrafia padrão de Wolff contínuo nylon 3-0.

No pós-operatório foi administrado N-butilbrometo de hioscina + dipirona sódica 30mg/kg/IM, cloridrato de tramadol 3mg/kg/IM, metronidazol 25mg/kg/IV e cloridrato de ranitidina 2mg/kg/SC.

A B

A B

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Figura 5- Imagem fotográfica durante o transcirúrgico. A- Coloanastomose em padrão de sutura simples interrompido (seta) e B- Realização da omentalização do cólon. Fonte: Departamento de cirurgia do Hospital Público veterinário de Taguatinga- DF.

Foi prescrito para tratamento em casa cefalexina 25mg/ml de 12h/12h por 5 dias, metronidazol 15mg/kg de 12h/12h por 5 dias e tramadol 6mg/kg de 8h/8h por 4 dias, e curativo com solução fisiológica, gaze e micropore além do uso de roupa cirúrgica.

A alimentação oferecida foi ração intestinal pastosa mas teve pouca aceitação a partir do sexto dia, também comeu verduras como cenoura e beterraba cozidas e amassadas. Após o décimo dia o veterinário liberou a ingestão da ração comum quatro vezes ao dia oferecida em pequenas quantidades. Após vinte dias o tutor diminuiu a frequência da alimentação para duas vezes ao dia e aumentou a quantidade em cada refeição.

O animal foi encaminhado para internação após a cirurgia por 3 dias, nesse período se manteve estável. No retorno do dia seguinte apresentou fezes pastosas, sem vômitos, alerta, sem algia à palpação abdominal, foi realizado exame ultrassonográfico e foi constatada a presença de líquido livre na cavidade abdominal localizada no quadrante caudal esquerdo. Houve mais retornos 3, 6 e 10 dias após a cirurgia sem demais alterações, no último dia recebeu alta.

De acordo com o tutor nos primeiros dias após a cirurgia o animal apresentou fezes pastosas e pouco volumosas, e que não fazia a posição de se abaixar para defecar, segundo ela parecia ser involuntário. Após treze dias as fezes tornaram-se volumosas, e conseguia defecar sem muito esforço e um mês após a cirurgia o tutor relata que as fezes se apresentam com consistência média, às vezes notam presença de fezes ao redor do ânus.

Discussão

A patologia do megacólon é descrita como uma dilatação significativa de todo cólon ou parte

dele com ausência de peristaltismo, levando a constipação e retenção fecal também conhecido como coprostase, o que pode induzir a formação de fecaloma, podendo ser de origem congênita ou adquirida (BOJRAB, 2005).

De acordo com os estudos realizados por NEMETH et al., (2008) e PROKIC B. et al., (2010), o megacólon é raramente descrito em cães, mas quando observado ocorre com maior incidência em raças de grande porte, com idade entre 5 e 9 anos, sem predisposição sexual. O animal relatado neste estudo está dentro dos padrões de idade descritos pela literatura pesquisada, pois trata-se de uma cadela de 5 anos, entretanto de pequeno porte.

No cão e no gato existem as formas congênitas e adquiridas do megacólon. A forma congênita ocorre no neonato e se caracteriza por uma aganglionose de um segmento do cólon ou também denominada doença de Hirshprung que ocorre a migração falhada de células ganglionares do cólon durante a gestação, pode ser secundária a um fator predisponente ou pode ocorrer sem nenhuma razão orgânica aparente (BOJRAB, 2005; NEMETH, 2008; HARARI, 2004). No entanto, como descrito acima, este tipo de apresentação pode ser descartada do caso acima, visto que o mesmo se tratava de um animal adulto, cuja afecção se desenvolveu desde os três anos de idade do paciente.

Segundo NEMETH (2008) em cães, a forma adquirida é mais predominante, relacionado à traumas pélvicos ou alimentação incorreta. No caso em questão o paciente não tinha histórico de traumas pélvicos. O tutor relatou que o animal era alimentado com ração de categoria super premium seca considerada uma boa ração podendo assim ser descartada a possibilidade de uma causa devido à alimentação.

O paciente do presente relato chegou ao hospital veterinário apresentando sinais de disquesia, tenesmo, o tutor observou que as fezes ficavam presas na região anal sendo necessária a remoção, anorexia, letargia, perda de peso, êmese e constipação há cerca de 15 dias. De acordo com BERTOY (2002) e WASHABAU (2003) os sinais clínicos mais comuns observados incluem defecação reduzida resultante da hipomotilidade provocando a retenção das fezes no cólon e a absorção de água, o bolo fecal desidrata e solidifica produzindo as concreções fecais, tornando a defecação ausente ou dolorosa por um período de tempo variando de dias a semanas ou meses.

Além disso, a incapacidade prolongada de defecar também pode resultar em outros sinais sistêmicos, incluindo anorexia, depressão, letargia, perda de peso e vômitos são atribuídos a absorção de toxinas não identificadas produzidas pelo

A B

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metabolismo bacteriano presentes no lúmen colônico estagnado, assim como o paciente relatado se apresentava (BERTOY, 2002; WASHABAU, 2003).

Fezes secas e endurecidas, se cronicamente constipado pode apresentar episódios intermitentes de hematoquesia ou diarreia devido ao efeito irritante da mucosa por fezes desidratadas (WASHABAU, 2003). Apesar do paciente relatado apresentar uma constipação crônica considerável não apresentou quadro de diarreia ou hematoquesia.

No exame físico durante a palpação, nota-se aumento de volume abdominal com consistência firme na região abdominal caudal (WASHABAU, 2003), tal sinal foi observado no animal relatado neste trabalho, aonde foi possível durante a avaliação física, notar o aumento de volume abdominal, rigidez abdominal, não sendo possível delimitar os órgãos abdominais.

Após o exame físico o paciente foi encaminhado para exame de ultrassonografia e radiografia abdominal sem o uso de contraste, e foi evidenciado grande quantidade de conteúdo fecal promovendo importante distensão do cólon sugerindo um quadro de impactação fecal, assim como descrito por PROKIC B. et al., (2010) e TREVAIL et al., (2011) as radiografias podem confirmar a presença de distensão do cólon e também podem ser usadas para determinar se há alguma fratura pélvica antiga, massas ou deformidades da coluna vertebral, no entanto o paciente não apresentou qualquer outro tipo de alteração além da distensão do cólon.

Na radiografia o tamanho do cólon pode ser comparado ao comprimento do corpo da sétima vértebra lombar. Nos casos de megacólon pode-se observar o diâmetro do cólon 1,5 vezes maior que o comprimento do corpo da sétima vértebra lombar (MARTÍN, 2007; TREVAIL et al, 2011). A ultrassonografia abdominal pode ser usada para investigar possíveis neoplasmas extraluminais (BYERS et al, 2006).

O objetivo inicial do tratamento envolve correção da desidratação e desequilíbrio ácido-básico e hidroeletrolítico se a obstipação tiver sido prolongada. Um dos meios utilizados para tal, seria a realização de enemas, emolientes fecais e em alguns casos a remoção fecal digital (BERTOY, 2002). Neste caso, foi realizado tal método de tratamento no paciente, e o mesmo foi submetido ao procedimento cirúrgico no dia seguinte. No entanto, visto que o paciente foi submetido ao procedimento cirúrgico no dia seguinte não foi possível observar como seria a sua resposta ao tratamento clínico.

Durante o preparo cirúrgico, foram ministrados antibióticos profiláticos além de estar

mantido em fluidoterapia, analgesia e fármacos antieméticos. Tal conduta é observada por COLOPY-POULSEN et al., (2005), entretanto alega não ser recomendado a realização de enema antes da cirurgia para evitar o risco de vazamento de conteúdo fecal durante a ressecção do cólon. O enema foi realizado no paciente no dia anterior à cirurgia, não surgiu qualquer intercorrência relacionado a tal procedimento.

Alguns casos de megacólon respondem mal a terapia médica. Nestes pacientes, a cirurgia é um tratamento de escolha. A intervenção também é recomendada com dilatação colônica persistente e complicações associadas (PROKIC B. et al, 2010). Como o paciente tinha histórico de recidiva de constipação, optou-se pela colectomia subtotal utilizando a técnica de preservação da válvula ileocólica.

A técnica de colectomia subtotal envolve a remoção do segmento de cólon que demonstra dilatação e atonia no momento da exploração cirúrgica. Qualquer segmento colônico considerado normal e cuja suas dimensões se encontram dentro da normalidade não é necessário a ressecção (WHITE, 2002). Neste caso a viabilidade do tecido estava totalmente preservada, a coloração estava normal e sangramento ao corte também estava dentro da normalidade, entretanto, havia hipomotilidade na região afetada.

Um estudo feito por NEMETH et al. (2008) revisou os dados clínicos de oito cães com megacólon hipertrófico adquirido, tratados por colectomia subtotal com preservação da válvula ileocólica, durante um período de 5 anos com o objetivo de avaliar os resultados em longo prazo da colectomia subtotal. Seus resultados enfatizaram a efetividade a longo prazo da colectomia subtotal com preservação da válvula ileocólica.

De acordo com BOJRAB (2005) a remoção ou não da válvula ileocólica fica a critério do cirurgião, neste caso o cirurgião escolheu manter a válvula e o máximo de segmento colônico considerado viável para reduzir os riscos de complicações pós-cirúrgica e o comprometimento do funcionamento intestinal.

Segundo WHITE (2002) existe o debate sobre os benefícios da preservação e a excisão da junção ileocólica durante o procedimento de colectomia. A remoção da válvula favorece a migração de bactérias do cólon para o intestino delgado com má absorção subsequente, entretanto está associada ao aparecimento de diarreia grave, e a preservação da junção ileocólica minimiza o desenvolvimento de diarreia pós-operatória, mas potencialmente pode permitir a recorrência de constipação, a paciente em questão não apresentou a recidiva de constipação, e até o momento as fezes se encontram normais.

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No procedimento cirúrgico foi constatado uma grande quantidade de fezes endurecidas no cólon dilatado, onde foi feita a realização de colotomia para remoção das fezes antes da técnica de colectomia, assim como descrito em FOSSUM (2014).

Após a ressecção do cólon afetado pode ocorrer uma disparidade de tamanho luminal que deve ser corrigida alterando o ângulo de transecção, em casos de ângulos oblíquos em pequenos lúmens e ângulos perpendiculares sobre grandes lúmens (FOSSUM, 2014). Após a secção do segmento, foram observados assimetria da abertura dos segmentos intestinais, aonde um se encontrava com maior diâmetro do que o outro. Neste caso foi necessário ampliar a incisão na porção antimesentérica do intestino e realizado a aproximação utilizando suturas padrão simples interrompida.

De acordo com BOJRAB (2005) pode-se também corrigir a diferença luminal por meio do fechamento parcial do segmento colônico maior utilizando-se do mesmo padrão de sutura.

A escolha do cirurgião para a realização da anastomose do cólon foi o uso de sutura não absorvível com nylon 3-0 e 4-0 padrão simples interrompida, BOJRAB (2005) recomenda o uso de fio polipropileno 4-0 que possui características similares ao nylon, com o mesmo padrão descrito acima, no entanto FOSSUM (2014) indica preferencialmente o uso de fios de sutura absorvíveis como polidioxanona, poliglecaprone, poligliconato ou glicomer 3-0 ou 4-0, já em animais com quadro de hipoalbuminemia ou debilitados, recomenda-se o uso de fios de sutura não absorvíveis como nylon, polipropileno ou polibutéster, entretanto o paciente em questão não apresentava esses quadros clínicos.

A preferência do cirurgião pelo fio de nylon deve-se primeiramente ao local de sutura se tratar de um local contaminado, considerando que uso de fio absorvível poderia provocar uma perda de força tênsil rapidamente, podendo gerar a deiscência de sutura, caso fosse usar fios absorvíveis seria mais

indicado os monofilamentares, no entanto devido a falta do mesmo foi utilizado o fio de nylon.

Após feita a anastomose do cólon foi feita a omentalização que de acordo com FOSSUM (2014) é uma prática de grande importância em cirurgias de tecidos moles promovendo a circulação e drenagem no local anastomosado contribuindo com a cicatrização, evitando aderências e combatendo possíveis infecções, permitindo assim o fechamento precoce da ferida cirúrgica.

Conclusão:

Podemos concluir este trabalho, observando que mesmo com poucos casos de megacólon descrito em cães, podemos observar que os mesmos podem desenvolver essa afecção, no caso em questão como o paciente já apresentava um quadro crônico de dificuldade de defecação a cirurgia de colectomia subtotal se mostrou a melhor alternativa promovendo a recuperação satisfatória do paciente.

Agradecimentos:

Agradeço a Deus por ter me dado saúde e força para superar as dificuldades ao longo da graduação.

Sou grata a todos os professores que contribuíram com a minha trajetória, especialmente ao meu orientador, professor Paulo de Tarso por esclarecer tantas dúvidas e ser tão atencioso e paciente durante a elaboração deste trabalho.

Agradeço a minha família e amigos por acreditarem em mim, em especial a minha mãe que me deu apoio e incentivo nas horas difíceis e meu pai por ser meu exemplo de força e superação.

Ao meu namorado que foi meu companheiro em todos os momentos e me deu forças para vencer mais essa etapa da minha vida.

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SIMP.TCC/Sem.IC. 2018(14);1607-1613 FACULDADE ICESP / ISSN: 2595-4210

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