MILIBAND Ralph Estado Sociedade Capitalista Rio Janeiro Zahar 1972 p 11 87

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MILIBAND,Ralph. O Estado na sociedade capitalista. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 11-87.

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1Introduo

1 Mais do que em qualquer poca anterior, os homens vivem hoje sombra do Estado. Aquilo que eles pretendem obter, individualmente ou em grupos, depende agora fundamentalmente da sano e do apoio do Estado. Uma vez, porm, que tal sano e apoio no so aplicados indiscriminadamente, devem buscar influenciar e dar forma ao poder e ao objetivo do Estado, de maneira cada vez mais direta, ou tentar apropri-los em conjunto. Os homens competem pela ateno do Estado ou pelo controle do mesmo e contra o Estado que batem as ondas do conflito social. ao Estado que os homens encontram, em escala cada vez maior, quando enfrentam outros homens. Eis por que, como seres sociais, eles so tambm seres polticos, quer saibam ou no. impossvel no estar interessado naquilo que o Estado faz, mas no possvel deixar de ser afetado por isso. Tal problema adquiriu na poca atual uma dimenso nova e definitiva: se grandes extenses do planeta forem transformadas em desertos por uma guerra nuclear, isso se dever ao fato de que os homens, agindo em nome de seu Estado e investidos do poder deste, assim tero decidido ou calculado mal. No entanto, muito embora a vasta inflao do poder e da atividade do Estado nas sociedades capitalistas avanadas de que trata este livro se tenha transformado num dos lugares comuns da anlise poltica, o incrvel paradoxo consiste em que o prprio Estado como objeto de estudo poltico h muito tempo est fora de moda. Um volume considervel de trabalho tem sido realizado nestas ltimas dcadas em torno de governo e administrao p-

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blica, elites e burocracia, partidos e comportamento eleitoral, autoridade poltica e as condies da estabilidade poltica, mobilizao poltica e cultura poltica, e uma grande parte disso trata naturalmente da natureza e do papel do Estado, ou aborda tal assunto. Mas como instituio, tem recebido nos ltimos tempos muito menos ateno do que sua importncia merece. No incio da dcada de 50 um eminente cientista poltico norte-americano escreveu que nem o Estado nem o poder constituem um conceito que sirva para reunir a investigao poltica [Nota 1]. Como quer que seja tratado o conceito de poder, tal ponto de vista no que se refere ao Estado parece ter sido geralmente aceito, por estudiosos de poltica que trabalham na rea dos sistemas polticos ocidentais. Isso no significa, porm, que os cientistas polticos e os socilogos polticos do Ocidente no dispusessem daquilo que se costuma chamar uma teoria do Estado. Ao contrrio, justamente a teoria do Estado por eles apoiada em sua maioria que pode ser responsabilizada pelo abandono relativo do Estado como foco de anlise poltica. Isso porque tal teoria considera resolvidos alguns dos maiores problemas que tm sido tradicionalmente colocados em relao ao Estado, tornando desnecessria ou at mesmo quase impedindo qualquer preocupao especial quanto sua natureza e ao seu papel nas sociedades de tipo ocidental. Uma teoria do Estado tambm uma teoria da sociedade e da distribuio do poder naquela sociedade. Todavia, numerosos estudiosos de poltica do Ocidente comeam a julgar, por seus trabalhos, a premissa de que o poder nas sociedades ocidentais competitivo, fragmentado e difuso: todos, diretamente ou atravs de grupos organizados, tm algum poder e ningum tem ou pode ter poder demasiado. Em tais sociedades, os cidados gozam do sufrgio universal, de eleies livres e regulares, de instituies representativas, de direitos civis efetivos, includos o direito palavra, associao e oposio. Tanto os indivduos como os grupos se beneficiam amplamente de tais direitos, sob

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a proteo da lei, de um judicirio independente e de uma cultura poltica livre. Em conseqncia, continua a argumentao, nem um governo, agindo em nome do Estado, num prazo no muito longo, deixar de corresponder aos desejos e s necessidades dos interesses conflitantes. No final, todo mundo, inclusive aqueles que esto no fim da fila, ser servido. Segundo palavras de um expoente dessa concepo democrtico-pluralista, trata-se de uni sistema poltico no qual todos os grupos ativos ilegtimos da populao podem fazer-se ouvir- numa fase decisiva do processo decisrio [Nota 2]. Outros autores pluralistas, observou ainda Dahl,

... sugeriram que existem numerosos locais para chegar s decises polticas; que os homens de negcios, sindicatos, polticos, consumidores, fazendeiros, eleitores e muitos outros agregados tm todos um impacto sobre os resultados polticos; que nenhum de tais agregados homogneo para todos os objetivos; que cada um deles influi significativamente sobre algumas esferas mas fraco sobre muitas outras; e que o poder de rejeitar alternativas indesejveis mais comum que o poder de dominar diretamente os resultados [Nota 3].

Outro escritor, ao criticar a tese pluralista, resume-a da seguinte maneira em relao aos Estados Unidos :

O Congresso encarado como o ponto focal para as presses exercidas por grupos de interesse atravs de toda a nao, quer seja por meio dos dois grandes partidos ou diretamente atravs dos lobbies. As leis emanadas do governo so moldadas pelas numerosas foras que compem o legislativo. Idealmente, o Congresso apenas reflete tais foras, combinando-as ou reduzindo-as, como dizem os fsicos numa nica deciso social. medida que se altera a fora e a direo dos interesses privados, h uma alterao correspondente na composio e na atividade dos grandes grupos de interesse trabalho, capital, agricultura. Lentamente, o grande catavento do governo se volta para ir ao encontro dos ventos movedios de opinio [Nota 4].

Essa concepo tem recebido sua elaborao mais extensa nos Estados Unidos e em relao com este pas. Mas chegou a dominar de uma forma ou de outra a Cincia

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Poltica e a Sociologia Poltica e por essa razo a prpria vida poltica, em todos os outros pases capitalistas avanados. O primeiro resultado disso que fica excluda, por definio, a noo de que o Estado poderia ser uma instituio de tipo especial, cujo principal objetivo defender o predomnio na sociedade de uma determinada classe. Nas sociedades ocidentais no existem tais classes, interesses grupos predominantes. Existem apenas blocos de interesses cuja competio que sancionada e garantida pelo prprio Estado, assegura que o pode seja difuso e equilibrado e que nenhum interesse particular consiga pesar demasiadamente sobre o Estado. verdade que muitos daqueles que sustentam tal ponto de vista concordam em que h elites em diferentes pirmides, do poder: econmicas, sociais, polticas, administrativas, profissionais e outras. Mas tais elites no possuem o grau de coeso necessrio para transform-las em classes dominantes ou dirigentes. De fato, o pluralismo de elite constitui, pela competio que acarreta entre diferentes elites, uma garantia inicial de que o poder na sociedade ser difuso e no concentrado. Em resumo, o Estado, sujeito como est a uma multiplicidade de presses conflitivas por parte de grupos e interesses organizados, no pode demonstrar nenhuma tendncia preconceituosa* marcante em relao a alguns e contra outros: o seu papel especial , de, fato acomodar e reconciliar a todos. Nesse papel, o Estado apenas o espelho em que a sociedade se mira. O reflexo talvez nem sempre seja agradvel, mas esse o preo que deve serpago e que evidentemente vale a pena pagar, por uma poltica democrtica, competitiva e pluralista nas sociedades industriais modernas. Essa concepo pluralista dominante em relao s sociedades de tipo ocidental e ao Estado no impede, e isso deve ser observado, uma atitude crtica em relao a tal ou qual aspecto da ordem social e do sistema poltico. Mas as crticas e as sugestes de reforma so em sua

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maioria concebidas em termos de melhoria e fortalecimento de um sistema cujo carter basicamente democrtico e desejvel se considera solidamente estabelecido. Embora elas possam ter muita coisa de errado, j so sociedades democrticas, e para elas a noo de classe dominante ou elite do poder absurdamente irrelevante. A fora dessa ortodoxia corrente ajudou a transformar tais pretenses (pois no so mais do que pretenses) em slidos pontos de sabedoria poltica. O clima poltico e ideolgico engendrado pela guerra fria Conduziu a tornar o apoio a semelhante sabedoria um teste no s de inteligncia poltica mas tambm de moralidade poltica. No entanto, a aceitao geral de uma determinada concepo a respeito de sistemas sociais e polticos no faz com que ela seja verdadeira. Um dos objetivos principais desta obra justamente demonstrar de maneira detalhada que a concepo democrtica pluralista da sociedade, da poltica e do Estado no que se refere aos pases capitalistas avanados errnea no essencial, que essa concepo, longe de oferecer um guia para a realidade, constitui uma profunda deturpao da mesma. No obstante a elaborao de vrias teorias sobre as elites do poder, no h dvida de que a mais importante alternativa para a concepo democrtico-pluralista do poder continua a ser, de longe, a marxista. De fato, poder-se-ia muito bem argumentar que o rpido desenvolvimento da Sociologia Poltica democrtico-pluralista aps 1945, particularmente nos Estados Unidos, foi em grande parte inspirado pela necessidade de enfrentar o desafio do marxismo neste campo, de modo mais plausvel do que a Cincia Poltica convencional parecia capaz de fazer. No entanto, a anlise poltica marxista vinha sofrendo h muito tempo acentuadas deficincias. O pluralismo democrtico, como ser demonstrado aqui, pode estar seguindo uma trilha totalmente errada. Mas a anlise poltica marxista, particularmente no que se refere natureza e ao papel do Estado, parece estar encantada com a sua prpria trilha e demonstrou pouca capacidade de renovao.

Pgina 16 O prprio Marx, como se recorda, jamais tentou um estudo sistemtico do Estado. Essa era uma das tarefas que pretendia realizar como parte de um amplo esquema de trabalho, por ele projetado na dcada de 50 do sculo passado, mas cuja nica parte totalmente acabada o vol. 1 de O Capital [Nota 5]. Todavia, em quase todas as suas obras aparece constantemente referncias ao Estado em diferentes tipos de sociedade, e no que se refere s sociedades capitalistas sua concepo bsica do Estado foi resumida de maneira completa na famosa formulao contida no Manifesto Comunista: O Executivo do Estado moderno no mais do que um comit para dirigir os negcios comuns de toda a burguesia. De uma forma ou de outra, o conceito ali contido aparece muitas e muitas vezes na obra tanto de Marx como de Engels e, apesar dos refinamentos e das qualificaes por eles ocasionalmente introduzidas em sua discusso sobre o Estado em particular para admitir um certo grau de independncia que acreditavam o Estado poderia dispor em circunstncias excepcionais [Nota 6] jamais abandonaram o ponto de vista de que, na sociedade capitalista o Estado, acima de tudo, o instrumento coersivo de uma classe dominante, ela prpria definida em termos da sua propriedade e de seu controle sobre os meios de produo. [Nota 7]

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Em sua maioria, os marxistas tm-se contentado sempre em aceitar essa tese como mais ou menos evidente por si mesma e a utilizar como seu texto sobre o Estado a obra O Estado e a Revoluo, de Lnin, que tem hoje meio sculo de existncia e que consiste em essncia uma reafirmao e uma elaborao da concepo bsica sobre o Estado encontrada em Marx e Engels e uma defesa ardente de sua validade na poca do imperialismo. [Nota 8] Desde ento, a nica contribuio marxista importante teoria do Estado foi a de Antonio Gramsci, cujas anotaes esclarecedoras sobre o assunto s chegaram a merecer certo reconhecimento e exercer influncia fora da Itlia muito recentemente. [Nota 9] Por outro lado, os marxistas fizeram uma tentativa pouco significativa de confrontar a questo do Estado luz da realidade concreta scio-econmica e poltica e cultural das sociedades capitalistas reais. Quando tal tentativa foi feita, ela sofreu uma interpretao super simplificada da inter-relao existente entre a sociedade civil e o Estado. Muito embora tal modelo se aproxime muito mais da realidade do que a teoria democrtico-pluralista, exige uma elaborao muito mais cuidadosa do

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que aquela que lhe foi dada at aqui. Paul Sweezy no exagerava quando observou h alguns anos que esta a rea em que o estudo do capitalismo monopolista, empreendido no s pelos cientistas sociais burgueses mas tambm pelos marxistas, revela deficincias srias. [Nota 10] O objetivo desta obra contribuir para remediar aquela deficincia.

2 Os pases que sero aqui considerados so muito diferentes um do outro em uma poro de aspectos. Possuem diferentes histrias, tradies, culturas, linguagens e instituies. Mas possuem em comum duas caractersticas decisivas: a primeira, que so todos pases altamente industrializados, e a segunda, a maior parte dos seus meios de atividade econmica est sob propriedade e controle privados. Tal combinao de caractersticas que faz deles pases capitalistas avanados, em primeiro lugar, e os distingue radicalmente de pases subindustrializados como a ndia, o Brasil ou a Nigria, muito embora tambm nestes ltimos os meios de atividade econmica estejam predominantemente sob propriedade e controle privados; e de pases onde prevalece a propriedade estatal, apesar de que alguns deles, como a Unio Sovitica, a Tcheco-Eslovquia e a Repblica Democrtica Alem, tambm sejam altamente industrializados. O critrio para a distino , em outras palavras, o nvel de atividade econmica combinado com o modo de organizao econmica. A mesma combinao de caractersticas dos pases capitalistas avanados serve tambm para reduzir a significao das outras diferenas encontradas entre eles. Joseph Schumpeter afirmou certa vez que ...

as estruturas sociais, os tipos e as atitudes so moedas que no fundem rapidamente; uma vez formados, persistem talvez por sculos e desde que diferentes estruturas e tipos manifestem diferentes graus de capacidade de sobrevivncia, verificamos quase

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sempre que o comportamento real do grupo ou da nao se desvia mais ou menos daquilo que poderamos esperar se tentssemos inferir a partir das formas dominantes do processo produtivo. [Nota 11] Isso absolutamente verdade. Porm, quando todas essas diferenas e particularidades nacionais mencionadas so devidamente levadas em conta, persiste o fato de que o capitalismo avanado imps muitas uniformidades fundamentais a pases que caram sob a sua influncia e que serviram em grande medida para atenuar, mas no nivelar, as diferenas existentes entre eles. Em conseqncia, existe um notvel grau de similitude, no s em termos econmicos, mas tambm sociais e at mesmo polticos entre aqueles pases: em muitos aspectos bsicos, habitam em proporo crescente mundos materiais e mentais que possuem muita coisa em comum. Como foi salientado recentemente por um autor:

Existem grandes diferenas entre as instituies-chave e os mtodos econmicos de um pas para outro. As diferenas so muitas vezes objeto de aguda clivagem ideolgica. Mas quando se examina todo o quadro, existe uma certa uniformidade na textura de suas sociedades. Em termos daquilo que fazem, mais do que daquilo que dizem a respeito e mais nitidamente, ainda, em termos de seu comportamento por um perodo de vrios anos, as semelhanas so surpreendentes. [Nota 12]

As semelhanas mais importantes, em termos econmicos, j foram observadas: trata-se de sociedades que possuem uma base econmica ampla, complexa, altamente integrada e tecnologicamente avanada, em que produo industrial corresponde de longe a maior parte do produto nacional bruto e cuja agricultura constitui uma rea relativamente pequena da atividade econmica. [Nota 13] So ainda sociedades em que a parte principal da atividade econmica realizada base da propriedade e do controle privados sobre os meios de tal atividade.

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No que se refere ao ltimo aspecto, verdade que os pases capitalistas avanados possuem hoje um setor pblico s vezes substancial, por meio do qual o Estado possui e administra uma ampla rede de indstrias e servios, em geral, mas no exclusivamente, de tipo infra-estrutural e que de enorme importncia para a sua vida econmica. Alm disso, o Estado desempenha em todas as economias capitalistas um crescente papel econmico atravs de regulamentao, controle, coordenao, planejamento, e assim por diante. Simultaneamente o Estado de longe o maior consumidor do setor privado e algumas das maiores indstrias no poderiam sobreviver no setor privado sem o consumo estatal e sem os crditos, subsdios e benefcios por ele dispensados. Tal interveno do Estado em todos os aspectos da vida econmica no constitui nada de novo na histria do capitalismo. Ao contrrio, a interveno estatal presidiu o seu nascimento ou pelo menos guiou e ajudou os seus primeiros passos, no apenas em casos to bvios como Alemanha e Japo, mas tambm em todos os outros pases capitalistas [Nota 14] e jamais deixou de ser de importncia vital nas atividades do capitalismo, mesmo no pas mais apegado ao laissez faire e a um rgido individualismo. [Nota 15] No obstante, a escala e a difuso da interveno do Estado no capitalismo contemporneo so hoje incomensuravelmente maiores do que em qualquer outra poca e sem dvida alguma continuaro a crescer. E o mesmo se aplica para a ampla rede de servios sociais, em relao aos quais o Estado assumiu responsabilidade direta ou indireta naquelas sociedades. [Nota 16] A importncia do setor pblico e da interveno estatal na vida econmica constitui uma das razes, em geral, apontadas recentemente em defesa da tese de que capitalismo se tornou um termo imprprio para o sistema econmico existente naqueles pases. Ao lado da crescente e

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contnua separao entre a propriedade da empresa capitalista e sua administrao, [Nota 17] tem sido argumentado que a interveno pblica transformou de modo radical o capitalismo ruim de antigamente. Aqueles pases, como afirmou certa vez, entre outros, Crosland, transformaram-se em sociedades ps-capitalistas, de tipo diferente daquele que eram no passado, ou mesmo ainda durante a Segunda Guerra Mundial. Tal crena, que diz respeito no apenas ocorrncia de grandes modificaes na estrutura do capitalismo contemporneo, que no so postas em dvida, mas em sua transcendncia real, em sua evoluo para um sistema totalmente diferente (e no preciso dizer, muito melhor), constitui um elemento fundamental na concepo pluralista das sociedades ocidentais. Esse sistema econmico, ao contrrio do antigo, no apenas administrado de maneira diferente: ele assistiu ainda emergncia de um poder contrabalanado efetivo que se ope ao capital privado, segundo expresso de Galbraith; alm de que foi transformado pela interveno e o controle estatais. A necessidade de abolir o capitalismo, em conseqncia de tudo isso, desapareceu convenientemente, pois tal tarefa, em todos os seus objetivos prticos, j foi realizada. O problema central da poltica j no gira mais, como afirma Lipset, em torno das mudanas necessrias para modificar ou destruir o capitalismo e suas instituies; o problema central consiste antes nas condies sociais e polticas da sociedade burocratizada. [Nota 18] Ou ainda, como escreve o mesmo Lipset, os problemas polticos fundamentais da revoluo industrial j foram solucionados: os operrios obtiveram cidadania industrial e poltica, os conservadores aceitaram o Estado do bem-estar e a esquerda democrtica reconheceu que um aumento do poder global do Estado acarretava um perigo maior para a liberdade do que solues para os problemas econmicos.[Nota 19] Em outras palavras, abaixo Marx e viva

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Weber. A mesma crena na transformao radical da sociedade capitalista serviu ainda para apoiar o argumento comumente em moda de que a diviso do mundo realmente fundamental aquela entre sociedades industrializadas e subindustrializadas. [Nota 20] Nos captulos posteriores ser demonstrado que semelhante crena em uma passagem do capitalismo e de suas deficincias para o esquecimento histrico demasiado prematura. Mas um aspecto que deve ser destacado desde incio, como um corretivo preliminar bsico, que no obstante a existncia de um setor pblico, trata-se de sociedades em que a maior parte da atividade econmica ainda dominada pela propriedade e empresa privadas: em nenhuma delas o Estado possui mais do que uma parte subsidiria dos meios de produo. [Nota 21] Neste sentido, pelo (menos falar em economias mistas como se faz comumente atribuir uma significao especial e bastante enganadora noo de mistura. [Nota 22] Alm disso, como ser mostrado mais adiante, a interveno, a regulamentao e o controle do Estado na vida econmica por mais importantes que possam ser no afetaram o mecanismo da empresa capitalista da maneira sugerida pelos tericos ps-capitalistas. Por mais engenhoso que seja o eufemismo inventado para

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elas, continuam a ser em todos os aspectos essenciais, e apesar das transformaes que tenham sofrido, sociedades autenticamente capitalistas. Em todos os pases capitalistas avanados encontrada uma vasta rede de pequenas e mdias empresas, de propriedade individual ou corporativa, que correspondem a milhes de unidades econmicas, [Nota 23] e que constituem uma parte distinta e importante da sua paisagem, econmica, as quais afetam profundamente a sua paisagem social e poltica. indubitvel que as tendncias econmicas se opem s empresas pequenas e mdias e muitas delas dependem de uma forma ou de outra de grandes empresas ou so suas subsidirias. Todavia, a sua importncia na vida de tais sociedades continua a ser muito grande e no deve ser obscurecida, quer do ponto de vista econmico ou social e poltico, pela importncia crescente da corporao gigante. A histria poltica daqueles pases teria sido sem dvida radicalmente diferente se a concentrao do poder econmico tivesse sido to rpida e implacvel como Marx pensou que seria. De fato, como observou E. S. Mason em relao aos Estados Unidos, as grandes corporaes cresceram poderosamente, mas assim tambm a economia. [Nota 24]

Pgina 24 No entanto, o capitalismo avanado no um sinnimo da empresa gigante e no h nada da organizao econmica de tais pases que seja basicamente mais importante do que a dominao crescente de setores chave de sua vida industrial, financeira e comercial por parte de um nmero relativamente pequeno de firmas gigantescas, freqentemente interligadas. Observa Cari Kaysen, ainda em relao aos Estados Unidos, que um pequeno nmero de enormes corporaes possui uma importncia exageradamente desproporcional dentro da nossa economia, em particular em alguns dos seus setores-chave. Qualquer que seja o aspecto de sua atividade econmica que examinemos emprego, investimento, pesquisa e desenvolvimento, suprimento militar a situao a mesma. [Nota 25] Na mesma linha escreve tambm Galbraith, que

...Nada caracteriza melhor o sistema industrial do que a escala da empresa corporativa moderna. Em 1962 as 5 maiores corporaes industriais dos Estados Unidos, cujos bens combinados ultrapassavam 36 bilhes de dlares, possuam acima de 12% de todos os bens aplicados na manufatura. As cinqenta maiores corporaes possuam mais de um tero de todos os bens manufaturados. As quinhentas maiores dispunham de mais de dois teros. As corporaes cujos bens excediam dez milhes de dlares, cerca de duzentos no total, correspondiam acerca de 80% de todos os recursos aplicados na manufatura nos Estados Unidos. Em meados da dcada de 50, vinte e oito corporaes absorviam, aproximadamente, 10% de todo o emprego na manufatura, minerao e no comrcio a varejo e por atacado. Vinte e trs corporaes eram responsveis por 15% de todos os empregos na manufatura. Na primeira metade da dcada (junho 1950-junho 1956) uma centena de firmas recebia dois teros do valor de todos os contratos de defesa; dez firmas receberam 1 tero. Em 1960, quatro corporaes respondiam por uma estimativa de 22% de toda a pesquisa industrial e do dispndio com o desenvolvimento. Trezentas e oitenta e quatro corporaes que empregavam cinco mil ou mais trabalhadores eram responsveis por 55% daquele dispndio; e duzentas e sessenta mil firmas, que empregavam menos de um milhar de pessoas, respondiam apenas 7%. [Nota 26]

Uma histria muito semelhante narrada em relao a outros pases capitalistas avanados. assim que Kidron observa que

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na Gr-Bretanha, 180 firmas que empregam um tero da fora de trabalho na indstria manufatureira respondiam por metade da despesa capital lquida em 1963; setenta e quatro delas, cada uma das quais com dez mil ou mais trabalhadores, por dois quintos. Duzentas firmas produzem metade dos produtos manufaturados para exportao; uma dzia delas, um quinto; o mesmo acontece na Alemanha, onde as cem maiores firmas eram responsveis por quase dois quintos da produo industrial, empregavam um tero da mo-de-obra e embarcavam metade dos produtos exportados em1960 e onde as cinqenta maiores haviam aumentado a sua proporo nas vendas, de 18% em 1954 para 29%. A mesma coisa ocorre quase em toda a parte, constituindo a Frana a nica exeo importante, como o lugar tradicional para as pequenas unidades, mas mesmo ali as fuses mudam a cena rapidamente.[Nota 27]

Existem todas as razes para supor que tal dominao das economias capitalistas pelas empresas gigantes se tornar ainda mais acentuada nos prximos anos, sendo verdade que a interveno do Estado contribui ela prpria direta ou indiretamente para acelerar tal processo, [Nota 28] no obstante a inteno muitas vezes expressa de proteger a pequena empresa contra o monoplio. A enorme significao poltica daquela concentrao do poder econmico privado nas sociedades capitalistas avanadas, inclusive o seu impacto sobre o Estado, constitui uma das preocupaes principais desta obra. Deve-se observar ainda que a corporao gigante no apenas um fenmeno nacional, que afeta simplesmente a vida econmica e poltica de distintos pases. Ainda em 1848, Marx e Engels observaram no Manifesto Comunista os impulsos internacionais implacveis do capitalismo e o seu desprezo compulsivo pelas fronteiras nacionais. Tal fato assumiu hoje dimenses totalmente novas, pois um outro trao, importante do capitalismo contemporneo, que um nmero crescente das maiores firmas no mundo capitalista passa a assumir um carter transnacional cada vez mais pronun-

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ciado, em termos de propriedade e administrao. Isso resulta em grande parte do fato de que as corporaes norte-americanas adquirem um interesse cada vez maior na vida econmica de outros pases capitalistas avanados, muitas vezes at o ponto de exercerem um controle real sobre grandes empresas e indstrias destes ltimos [Nota 29]. Isso fez surgir um certo grau de resistncia nacional em um ou outro lugar, mas no ao ponto de pr em xeque aquele processo [Nota 30]. Simultaneamente, um processo semelhante de internacionalizao capitalista ganhou fora recentemente na Europa Ocidental, s vezes em oposio penetrao norte-americana, mas na maioria das vezes em unio com ela. Assim que esto surgindo na Europa Ocidental novos e formidveis complexos capitalistas, cujo carter transnacional traz enormes implicaes no apenas em termos econmicos mas tambm poltico [Nota 31]. A Comunidade Econmica Europia unia expresso institucional desse fenmeno e representa uma tentativa de superar, dentro do contexto do capitalismo, unia de suas maiores contradies, ou seja a obsolescncia cada vez mais acentuada da nao-Estado como unidade bsica da vida internacional. O capitalismo avanado ainda internacional em outro sentido mais tradicional, isto , a grande empresa capitalista est profundamente implantada nas reas subindustrializadas do mundo. A conquista da independncia poltica formal por parte dessas vastas zonas de explorao, ao lado de movimentos revolucionrios em muitas delas, fez com que a preservao e a ampliao daqueles interesses

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capitalistas se tornassem mais dispendiosas e mais precrias do que no passado. No momento, esse interesse do Ocidente na Amrica Latina, no Oriente Mdio, na frica e sia ainda realmente muito grande, [Nota 32] pesa profundamente na poltica externa dos Estados capitalistas e de fato um dos elementos dominantes, se no o dominante, nas atuais relaes internacionais.

3 As caractersticas econmicas comuns ao capitalismo avanado determinam que os pases em questo possuam uma base econmica bastante semelhante. Mas essa base econmica contribui para o surgimento, e mesmo de fato a principal responsvel por tal surgimento, de semelhanas muito importantes em sua estrutura social e em sua distribuio de classes. Eis por que em todos esses pases existe um nmero relativamente pequeno de pessoas que possuem uma parcela acentuadamente desproporcional de riqueza pessoal, e cuja renda derivada em grande parte de tal propriedade [Nota 33]. Muitas de tais pessoas ricas controlam tambm o uso de seus bens. Mas em medida cada vez maior, tal controle outorgado a pessoas que, embora sejam ricas elas prprias (e o so geralmente), no possuem mais do que uma pequena parte ou at mesmo nada dos bens que controlam e administram. Em seu conjunto, constituem aquilo que os marxistas tm denominado tradicionalmente de classe dominante dos pases capitalistas. O problema de saber se os proprietrios e administradores podem ser assim assimilados ser discutido no prximo captulo. E saber se apropriado falar em classe dominante em relao queles pases constitui um dos temas principais desta obra. Mas pelo menos possvel nesta altura observar a existncia de elites econmicas que, graas propriedade

Pgina 28 ou ao controle ou a ambos, comandam muitos dos setores mais importantes da vida econmica. Trata-se de pases em que o outro extremo da escala social ocupado por uma classe operria, composta principalmente de operrios industriais em que os assalariados agrcolas formam uma parte cada vez menor da fora de trabalho. [Nota 34] Em outras palavras, a forma principal que assumem as relaes de produo em tais pases a de unia relao entre patres capitalistas e assalariados industriais. Isso constitui um dos elementos principais de diferenciao entre sociedades capitalistas avanadas e sociedades coletivistas, de um lado, e as sociedades pr-industriais do Terceiro Mundo, de outro. Como outras classes, a classe operria das sociedades capitalistas avanadas sempre foi e continua sendo altamente diversificada. Existem tambm diferenas importantes na composio interna da classe operria de um pas comparado com outro. Todavia, e no obstante tais diferenas, dentro dos pases e entre eles, a classe operria continua sendo em toda parte uma formao social distinta e especfica, em virtude de uma combinao de caractersticas que afetam seus membros, em comparao com os membros de outras classes. [Nota 35] A mais bvia de tais caractersticas a de que existem pessoas que em geral recebem o mnimo do que h para receber e que precisam trabalhar duro para isso. E tambm de suas fileiras que so recrutados, por assim dizer, os desempregados, os mendigos, os cronicamente desprovidos e o subproletariado da sociedade capitalista. Apesar de toda a insistncia em uma crescente ou j existente ausncia de classe (Somos todos hoje classe operria), a condio proletria continua a ser um fato bsico e concreto em tais sociedades no processo produtivo, nos nveis de renda, nas oportunidades ou na falta destas, em toda a definio social de existncia. A vida econmica e poltica das sociedades capitalistas determinada primariamente pela razo entre essas duas

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classes a classe que possui e controla, de um lado, e a classe operria, de outro o que decorre do modo capitalista de produo. Elas constituem ainda as foras sociais cuja confrontao molda de maneira mais poderosa o clima social e o sistema poltico do capitalismo avanado. De fato, o processo poltico de tais sociedades se desenrola fundamentalmente em torno da confrontao entre tais foras e objetiva sancionar os termos das relaes entre elas. Simultaneamente, seria sem dvida errneo atribuir um papel meramente decorativo a outras classes e formaes sociais na sociedade capitalista. Sua importncia na realidade considervel, inclusive porque afeta de maneira significativa as relaes entre as duas classes polares. Trata-se de sociedades de densidade social extremamente elevada, como seria de esperar, considerando-se sua estrutura econmica. Essa elevada densidade social encontra naturalmente sua expresso tambm em termos polticos e contribui grandemente para impedir a polarizao das sociedades capitalistas. O aspecto principal a ser salientado aqui , porm, o de que tais sociedades apresentam uma estrutura social mais ou menos semelhante, no s em termos de suas classes polares, mas tambm em relao s outras classes. Assim, pode-se distinguir em todas as sociedades capitalistas uma classe numerosa e ascendente de profissionais, advogados, contadores, administradores, mdicos, professores etc., que formam um dos dois elementos principais de uma classe mdia e cujo papel na vida de tais sociedades de grande importncia no s em termos econmicos, mas tambm sociais e polticos. O outro elemento dessa classe mdia est associado empresa pequena e mdia, cuja importncia numrica j foi observada. Tambm aqui h muita disparidade, uma vez que dentro dessa classe se encontram empresrios que empregam poucos trabalhadores, bem como proprietrios ou co-proprietrios de empresas razoavelmente grandes de todo tipo. A essa classe podem ser tambm assimilados os

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pequenos e mdios agricultores. [Nota: 36] No obstante tais disparidades, essa classe empresarial pode ser tomada tambm como elemento distinto da estrutura scio-econmica do capitalismo avanada; ela no pode ser assimilada econmica e socialmente aos proprietrios e administradores da grande empresa, nem lojistas individuais, artesos e trabalhadores avulsos. Os ltimos, como classe, foram os mais afetados pelo desenvolvimento do capitalismo. Em todos os pases capitalistas avanados, a proporo de autnomos revela uma reduo acentuada, em alguns casos dramtica, como, por exemplo, nos Estados Unidos, onde baixou de 40,4% em 1870 para 13,3% em 1954. [Nota: 37] Mesmo assim, essa classe de comerciantes, trabalhadores e artesos autnomos ainda est longe de extino. Uma das caractersticas constantes na histria do capitalismo , de fato, a resistncia tenaz do pequeno homem (e isso tambm verdadeiro para o pequeno empresrio) absoro nas fileiras dos outros empregados, no obstante o fato de que as recompensas so em geral pequenas e que a labuta e a incmoda ansiedade muitas vezes so incessantes. Tambm aqui a direo da tendncia no deve ocultar a persistncia daquela classe; uma das conseqncias importantes a de que continua a permitir, pelo menos para alguns membros das classes operrias, uma possibilidade de fuga da condio proletria. O rpido declnio do arteso e do lojista independentes e autnomos foi acompanhado pelo crescimento extraordinrio de uma classe de empregados de escritrio, juntamente com os quais podem ser grupados os comercirios, no capitalismo avanado. Trata-se da classe que absorveu uma proporo constantemente maior da fora de trabalho e a inflao de seus efetivos no ltimo sculo de fato a

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maior transformao ocupacional ocorrida nas economias capitalistas. [Nota: 38] A descrio desse elemento de fora de trabalho, feita por Werner Sombart como uma classe quase proletria, continua hoje to vlida para a sua maior parte como o era h meio sculo. Ao lado da classe operria, ela constitui o elemento principal daquilo que poderia ser corretamente denominado as classes subordinadas das sociedades capitalistas avanadas. Ao mesmo tempo, suas perspectivas de carreira, condies de trabalho, seu status e seu estilo de vida so no conjunto mais altos que os da classe operria industrial. [Nota: 39] E a sua prpria viso de si mesma como no sendo definitivamente a classe operria freqentemente o seu descontentamento e recuo em relao a esta - tiveram conseqncias importantes para a vida poltica de tais sociedades, pelo fato de que ajudaram ainda mais a impedir a fuso poltica das classes subordinadas em algo semelhante a um bloco poltico. Finalmente, todas essas sociedades incluem um grande nmero de trabalhadores intelectuais escritores, jornalistas, crticos, religiosos, poetas, intelectuais de um ou outro tipo, que podem ser includos, no caso daqueles estabelecidos e mais ou menos abastados na classe mdia profissional, ou no caso dos restantes, entre os artesos independentes ou empregados de escritrio. Mas tal assimilao pode ser excessivamente arbitrria e pode levar tambm a obscurecer o papel particular desempenhado por tais pessoas na vida daquelas sociedades. [Nota: 40]

Essa rpida enumerao no abrange todos os grupos econmicos, sociais e ocupacionais da sociedade capitalista

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avanada. Ela no inclui, por exemplo, um elemento criminal razovel, de tipo mais ou menos profissional, cujo papel em certas esferas da atividade econmica, principalmente nos Estados Unidos, no insignificante; tambm no inclui uma populao estudantil que possui atualmente grande e crescente importncia, no s em termos numricos, mas tambm polticos. Da mesma maneira que os trabalhadores culturais, tais elementos so apressadamente enquadrados na estrutura social. Mas a omisso maior a das pessoas profissionalmente ocupadas com a direo efetiva do Estado, quer como polticos ou servidores civis, juzes e militares. Tal omisso, que deliberada e que ser examinada em captulos ulteriores, no se deve ao fato de que tais pessoas sejam sem classe. Trata-se antes de que seu lugar no sistema poltico e social de importncia crucial para a anlise das relaes entre Estado e Sociedade e no pode ser resumida brevemente neste momento. Deve ser observado ainda que a enumerao feita acima nada revela sobre o grau de conscincia que possuem os seus membros relativamente sua posio de classe, ou a determinadas atitudes ideolgicas e polticas que tal conscincia (ou a ausncia dela) podem engendrar ou conseqentemente sobre as relaes que de fato existem entre as classes. Trata-se evidentemente de questes importantes, principalmente devido significao que tm para o prprio processo poltico. Mas qualquer resposta a tais questes deve partir de uma identificao inicial de quais so realmente os atores de tal processo. Esta, deve ser acrescentado, uma necessidade no menos real, uma vez que muitos dos atores podem desconhecer o seu texto ou insistem em representar a parte errada. Como j foi observado por Wright Mills:

...o fato de que os homens no possuam conscincia de classe em todas as pocas e em todos os lugares no significa que no existam classes, ou de que nos Estados Unidos todo mundo pertence classe mdia. Os fatos econmicos e sociais so uma coisa. Os sentimentos psicolgicos podem estar ou no associados com eles, de maneira racionalmente esperada. Ambos so importantes e se os sentimentos psicolgicos e as concepes polticas no corresponderem classe econmica ou ocupacional, devemos

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procurar saber por que antes de jogar fora o beb econmico junto com o banho psicolgico e dessa maneira no compreender como cada um deles se ajusta banheira nacional. [Nota: 41]

Essa observao igualmente vlida para outros pases capitalistas alm dos Estados Unidos. Mas o problema no apenas que tais pases possuem classes sociais identificveis, no importa qual seja o grau de conscincia que estas tenham de si mesmas, trata-se ainda de que as divises sociais enumeradas antes so comuns a todos os pases capitalistas avanados. claro que h variaes de maior ou menos amplitude; mas em parte alguma elas so de tipo tal que acarretem estruturas sociais radicalmente diferentes. Isto se torna particularmente bvio se se compara tais pases, de um lado, com os pases subindustrializados ou coletivistas, de outro. Assim que muitas classes encontradas em pases de capitalismo avanado so encontrados tambm em pases do Terceiro Mundo, por exemplo, grandes proprietrios ou pequenos empresrios e pequenos comerciantes, ou profissionais, ou empregados de escritrio, ou operrios industriais. Mas eles so encontrados em propores diferentes, de maneira mais bvia, como j foi observado entre operrios industriais e agrcolas, ou entre empresrios de grande porte (ali onde eles existem fora das empresas estrangeiras) e os grandes proprietrios de terra. Uma classe que da maior importncia no capitalismo avanado torna-se assim marginal ou at mesmo ausente nas condies da subindustrializao, ao passo que classes que so de importncia secundria no primeiro caso por exemplo, proprietrios de terra e camponeses so muitas vezes os elementos principais da equao social no segundo caso. A mesma afirmao vlida, por razes diferentes, para as sociedades do mundo coletivista. O ponto de vista oficial de que se trata de sociedades constitudas por operrios, camponeses e intelectuais dificilmente pode ser aceito como descrio aprofundada de sua estrutura social.

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Mas qualquer classificao que se tente para as mesmas deve levar em conta a ausncia de uma classe de proprietrios capitalistas e empregados e a presena, no pice da pirmide social, de grupos cuja preeminncia deriva de um sistema poltico particular, que tambm afeta fundamentalmente todas as outras partes do sistema social. Se comparados com os pases do capitalismo avanado, quaisquer que sejam suas prprias diferenas entre uns e outros, trata-se essencialmente de mundos diferentes.

Enquanto se pode afirmar que o capitalismo avanado oferece um meio scio-econmico amplamente semelhante para a vida poltica dos pases em que ele prevalece, essa vida poltica tem sido muitas vezes extremamente dessemelhante. Isso no se refere apenas s diferenas manifestas entre eles, no que diz respeito a questes tais como a fora relativa do executivo vis--vis o legislativo ou a existncia em alguns deles de um sistema bipartidrio e em outros multipartidrio, ou de estruturas federativas ao invs de unitrias, ou de judicirios fracos em lugar de fortes. De maneira muito mais dramtica, o capitalismo avanado forneceu, no sculo XX, o contexto para a dominao nazista na Alemanha e para Stanley Baldwin na Gr-Bretanha, para Franklin Roosevelt nos Estados Unidos e para um ramo particular de autoritarismo que prevaleceu no Japo na dcada de 30. O capitalismo, como j demonstrou muitas vezes a experincia, produz, ou ento, se isso pedir demasiado, pode acomodar-se a muitos tipos diferentes de regime poltico, inclusive alguns ferozmente autoritrios. A noo de que o capitalismo incompatvel ou de que fornece uma garantia contra o autoritarismo pode ser boa propaganda mas uma sociologia poltica pobre. Todavia, embora as estruturas scio-econmicas amplamente semelhantes do capitalismo avanado no possam ser necessariamente associadas a um tipo particular de regime poltico e a determinadas instituies polticas, elas no entanto tenderam para isso: pelo menos a partir da Segunda Guerra, todos os pases capitalistas avanados tiveram regimes que se distinguiram pela competio pol-

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tica em bases pluripartidrias, com direito a oposio, eleies regulares, assemblias representativas, garantias civis e outras restries ao uso do poder estatal etc. Esse o tipo de regime descrito por Marx e Engels e que os marxistas continuaram a descrever como democrtico-burgus e que mais comumente descrito como simplesmente democrtico. A primeira descrio visa sugerir que se trata de regimes nos quais uma classe economicamente dominante governa atravs de instituies democrticas, ao invs de por meio da ditadura. A segunda baseada, inter alia, na afirmao de que se trata de regimes em que, justamente devido s suas instituies democrticas, nenhuma classe ou grupo capaz de assegurar o seu predomnio poltico permanente. Os captulos seguintes destinam-se a elucidar o vigor dessas vrias controvrsias. Por ora, no entanto, convm notar que, quer sejam elas encaradas como democrtico-burguesas ou simplesmente democrticas, tais sociedades possuem de fato semelhanas fundamentais no s em termos econmicos mas tambm polticos. nessa base que elas se prestam no obstante suas numerosas caractersticas especficas para aquilo que poderia ser descrito como uma sociologia poltica geral do capitalismo avanado.

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2Elites Econmicas e Classe Dominante

No esquema marxista, a classe dominante da sociedade capitalista a classe que possui e controla os meios de produo e que capaz, em virtude do poder econmico que em decorrncia disso lhe conferido, de usar o Estado como instrumento de dominao da sociedade. Em oposio a tal ponto de vista, os tericos da democracia liberal (e muitas vezes tambm os da social democracia) negaram ser possvel falar, de modo realmente significativo, de uma classe capitalista e afirmaram que o tipo de poder econmico encontrado na sociedade capitalista era to difuso, fragmentado, competitivo e to sujeito a uma multiplicidade de provas e contraprovas que tornavam impossvel sua posio hegemnica vis--vis o Estado ou a sociedade. Poder-se-ia falar, no mximo, como observamos no ltimo captulo, de uma pluralidade de elites competitivas, polticas e outras, incapazes pelo simples fato de sua pluralidade competitiva, por falta de coeso e de objetivo comum, de formar uma classe dominante de qualquer tipo. A primeira coisa que se impe, por conseguinte, no determinar se uma classe economicamente dominante de fato exerce um poder econmico decisivo em tais sociedades, mas antes determinar se tal classe existe afinal. S depois de decidido isso que se torna possvel discutir o seu peso poltico.

1 Numa passagem famosa de sua Introduo a Democracia na Amrica, Alexis de Tocqueville informa ao leitor que todo o livro foi escrito sob a impresso de uma espcie de temor religioso, produzido no esprito do autor

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pela contemplao dessa revoluo irresistvel que avanou durante tantos sculos, apesar de todos os obstculos. Nota: 1] Ele se referia, claro, ao avano do igualitarismo democrtico. Isso foi h 130 anos. Desde ento, os homens de todas as geraes fizeram eco crena de Tocqueville de que a igualdade estava irresistivelmente em marcha. Particularmente aps o fim da Segunda Guerra Mundial, tem sido insistentemente alimentada a opinio de que uma lagarta implacvel se desenvolvia com imensa fora em todos os pases capitalistas avanados e dando nascimento a sociedades igualitrias, niveladas. Com a tradio da tica estica-crist atrs de si (escreve um socilogo), o igualitarismo representa o mais poderoso solvente dos tempos modernos. [Nota: 2] Outros autores atribuem o impulso igualitrio a causas menos etreas, mais mundanas, tais como a industrializao, presses populares, instituies democrticas etc. Mas a crena na fora e na eficcia daquele impulso, por mais variadas que sejam as causas, tem sido um dos temas mais comuns e difundidos da literatura social e poltica do ps-guerra, e pode ser descrita, sem exagero, como uma das grandes idias-fora desta poca e que tem servido para sustentar amplas teorias sobre a sociedade de massas, o fim da ideologia, a transformao da vida e da conscincia da classe operria, a natureza da poltica democrtica nas sociedades ocidentais, e muita coisa mais. Mas embora no exista nada de muito novo a respeito dessa noo de conquista do igualitarismo at recentemente eram os escritores principalmente conservadores que revelavam a tendncia a salientar quanto o processo de escavao tinha avanado e a lamentar aquilo que consideravam suas conseqncias desastrosas. Atualmente, porm, juntaram-se a eles uma multido de autores que refutariam energicamente o rtulo de conservadores mas que tambm proclamaram a conquista real ou iminente

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da igualdade, no mais para lament-la, mas para saud-la. Assim, toda uma escola de revisionistas socialdemocrticos britnicos, fazendo eco com escritores conservadores, tem-se empenhado durante os anos de ps-guerra em persuadir o movimento operrio ingls do tremendo avano em direo igualdade, que teria supostamente ocorrido naquele perodo. Mas os fatos mais recentes tm servido para mostrar, segundo afirma Titmuss, que deveramos ser bem hesitantes em sugerir que quaisquer foras igualizadoras em ao na Gr-Bretanha a partir de 1938 possam ser elevadas ao status de lei natural e projetadas no futuro... h outras foras, profundamente enraizadas na estrutura social e alimentadas por inmeros fatores institucionais inerentes s economias de larga escala, que operam em direes inversas. [Nota? 4] Em relao aos Estados Unidos, foi sugerido por Kolko que no houve uma tendncia significativa no sentido da igualdade e renda naquele pas entre 1910 e 1959. [Nota: 5] Outro escritor norte-americano, que contesta fortemente essa opinio no que se refere parte inicial daquele perodo, observa, porm, que, na falta de uma ao teraputica, esta nao poder defrontar-se em breve com um aumento na disparidade de rendas. Poderamos descobrir ento que a nossa revoluo social no s marcou passo durante 20 anos, mas inclusive comea a voltar para trs. [Nota: 6] Tais observaes seriam muito menos significantes se as desigualdades econmicas existentes j no fossem to grandes nos pases capitalistas avanados: poderia ser ento argido de maneira plausvel que se um elevado grau de igualizao foi alcanado em determinada poca no passado, no seria de surpreender nem seria realmente to

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importante que uma ulterior igualizao no se tivesse seguido rapidamente. Mas isso no pode servir de argumento, pois o fato que existem naqueles pases enormes diferenas na distribuio de renda e tambm aquilo que Meade denominou recentemente uma desigualdade realmente fantstica na posse da propriedade. [Nota: 8] O exemplo mais bvio desta ltima forma de desigualdade oferecido pela Gr-Bretanha, onde 1% da populao possua 42% da riqueza pessoal em 1960 e 5% possuam 75% e 10% possuam 83%. [Nota: 9] Quanto aos Estados Unidos, um estudo observa que a parcela de riqueza que cabe aos 2% de famlias norte-americanas que esto no topo, em 1953, correspondia a 29% (ao invs dos 33% observados em 1922) [Nota:10] e que 1% dos adultos possua 76% dos estoques das corporaes, ao contrrio dos 61,5% correspondentes a 1922. [Nota: 11] Na Gr-Bretanha, apenas 4% da populao adulta tinham qualquer participao nas companhias comerciais ou industriais na metade da dcada de 60, enquanto que, em 1961, 1% da populao adulta possua 81% das aes das companhias privadas e quase todo o resto pertencia aos 10% da cpula. [Nota: 12] Mesmo se for verdade que a propriedade das aes hoje um pouco mais ampla do que no passado, isso dificilmente consolida

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a crena em um capitalismo popular. No s porque a propriedade de aes ainda extremamente restrita mas tambm muito desequilibrada, no sentido de que a imensa maioria dos acionistas possui muito pouco ao passo que um nmero relativamente pequeno possui propriedades enormes. [Nota: 13] Resumindo, trata-se de pases em que, no obstante todas as proclamaes niveladoras, continua a existir uma classe relativamente pequena de pessoas que possuem grandes parcelas de propriedade sob uma ou outra forma e que recebem tambm enormes rendas, derivadas geralmente, no todo ou em parte, da posse ou do controle dessa propriedade. [Nota: 14] Mas no se trata apenas de pases em que h uma pequena classe de pessoas ricas: eles incluem tambm uma ampla classe de pessoas que possuem muito pouco ou quase nada [Nota: 15] e cuja renda, derivada em sua maior parte da venda de seu trabalho, significa uma proporo considervel de restrio material, pobreza real ou privao.

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A pobreza, como se diz freqentemente (quase sempre por pessoas que no so elas prprias afligidas por ela), um conceito fluido, mas hoje mais difcil do que era h alguns anos, quando a sociedade afluente foi inventada para negar a existncia da pobreza e da privao nas sociedades do capitalismo avanado, em grande escala, e muitas vezes de um tipo extremo. Desde o incio da dcada de 60 surgiram provas suficientes, relativas a pases tais como a Gr-Bretanha, os Estados Unidos e a Frana, que evidenciam sem qualquer dvida que no se trata de um fenmeno marginal ou residual mas de uma condio endmica que afeta uma parte substancial de suas populaes. [Nota: 16] Recentemente muita coisa tem sido dita a respeito da revoluo do consumidor naqueles pases, da assimilao de estilos de vida entre classes que elas supostamente inauguraram. [Nota: 17] Mas tal insistncia na mudana de padres de consumo duplamente enganadora; em primeiro lugar, porque sistematicamente subestima as enormes diferenas que continuam a existir, tanto quantitativa como qualitativa-

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mente, de consumo das classes trabalhadoras e de outras classes. [Nota: 18] Em segundo lugar, porque o acesso a mais bens e servios, por mais desejvel que seja, no afeta basicamente o lugar da classe operria na sociedade e as relaes entre o mundo do trabalho e o mundo do capital. Pode ser realmente verdade, como escreve Serge Mallet, que, nos centros balnerios da Cte dAzur, da Siclia e da Grcia, jovens metalrgicos compartilham os bangals taitianos das filhas dos diretores. Eles compram os mesmos discos e danam os mesmos ritmos. [Nota: 19] Mas quaisquer que sejam as relaes recreativas entre jovens metalrgicos e filhas de diretores, a relao entre os primeiros e os prprios diretores continua a mesma. Mesmo se as manifestaes de classes externas e visveis no fossem to conspcuas como continuam a ser, de fato seria sem fundamento interpretar tal fato como evidncia de eroso, muito menos do desaparecimento das divises de classe, as quais esto firmemente enraizadas no sistema de propriedade das sociedades capitalistas avanadas. Chegar ao seu desaparecimento ou mesmo a uma eroso sria implicaria muito mais do que o acesso da classe operria aos refrigeradores, aparelhos de televiso, automveis ou mesmo bangals taitianos na Riviera. E mais ainda de que os impostos de transmisso, a taxao progressiva e uma multido de outras medidas denunciadas e deploradas pelos ricos como ruinosas e desgastantes, mas que no tiveram um impacto radical sobre a desigualdade econmica o que no de surpreender muito, desde que este sistema de propriedade opera base do princpio de que ser dado quele que tem oferece amplas oportunidades riqueza de gerar mais riqueza. [Nota: 20]

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2 No pode ser seriamente questionado que uma classe relativamente pequena de pessoas possui, nos pases capitalistas avanados, uma parte considervel da riqueza e que de tal propriedade derivam muitos privilgios. Por outro lado, tem sido argido muitas vezes que a propriedade hoje um fato de significao cada vez menor, no s porque est sujeito a uma poro de restries legal, social e poltica mas tambm em virtude da separao crescente entre a propriedade da riqueza e dos recursos privados e de seu efetivo controle. O controle, afirma o argumento j conhecido, j passou ou est passando, em reas crucialmente importantes da vida econmica, para as mos de administradores, que no possuem eles prprios, no melhor dos casos, mais do que uma pequena parte dos bens que eles comandam. Assim, embora a propriedade possa conferir ainda alguns privilgios, ela j no constitui um elemento decisivo do poder econmico ou poltico. Trata-se ento, como se diz, de mais uma razo para rejeitar no s a noo de uma classe dominante baseada na propriedade dos meios de produo, mas tambm a de uma classe capitalista. Esse argumento empresarial exige maior considerao.

Que esse empresarialismo representa um fenmeno importante na evoluo do capitalismo, est fora de dvida. H um sculo, Marx, base do crescimento da empresa conglomerada, j chamara a ateno para a transformao do capitalista realmente em exerccio em um simples gerente, administrador do capital de outrem e do possuidor de capital num simples possuidor, um mero capitalista monetrio. [Nota: 21] Marx apontava, porm (com extraordinria previso), para um fenmeno que estava ento apenas no incio. Desde aquela poca e particularmente nestas ltimas dcadas, tal separao entre propriedade e controle, pelo

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menos nas grandes empresas, tornou-se um dos traos mais importantes da organizao interna da empresa capitalista. Ao mesmo tempo, totalmente incorreto sugerir ou insinuar, como se faz constantemente, que tal processo j se ter completado ignorando assim a persistente importncia daquilo que Jean Meynaud chamou um vigoroso capitalismo familiar, [Nota: 22] no s em relao s empresas pequenas e mdias, mas tambm em relao s grandes. No que concerne aos Estados Unidos, foi recentemente observado que, em aproximadamente 150 companhias que constam da lista habitualmente apresentada pela Fortune (i.e., das maiores corporaes industriais), o controle da propriedade permanece nas mos de um indivduo ou dos membros de uma s famlia. [Nota: 23] O autor acrescenta, no sem razo, que o fato de que 30% dos 500 maiores industriais so claramente controlados por indivduos identificveis ou por grupos familiares... sugere que o desaparecimento do tradicional proprietrio norte-americano foi ligeiramente exagerado e de que o propagado triunfo da organizao est longe de ser total. [Nota: 24] Do mesmo modo, pelo menos dez companhias de controle familiar esto includas nas cem maiores e algumas destas so ativamente controladas pelo proprietrio. [Nota: 25] Alm disso, aproximadamente setenta companhias de carter familiar, dentre as quinhentas, continuam sob controle da famlia fundadora. [Nota: 26] Trata-se de generalizaes amplas, muito embora seja verdade que frente dos maiores, mais dinmicos e mais poderosos consrcios do sistema se encontrem atualmente, e sero cada vez mais encontrados, administradores e executivos que devem sua posio no propriedade, mas indicao e cooptao. A tendncia desigual mas tambm muito forte e irreversvel. A alternativa para isso no

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um retorno impossvel administrao pelo proprietrio, mas propriedade e controle pblico ou social. claro que j se reconhece h muito tempo que o elemento administrativo amplamente imune ao controle e at mesmo presso efetiva dos acionistas individuais e que, quanto maior a empresa, mais dispersa sua propriedade e mais completa parece ser aquela imunidade. Na prtica escreve Adolf Berle em relao aos Estados Unidos, embora a afirmao tenha aplicao geral as corporaes institucionais so guiadas por oligarquias diminutas e que se perpetuam. Por sua vez, estas so recrutadas e julgadas pelas opinies de grupo de um pequeno fragmento da Amrica a comunidade empresarial e financeira... O nico controle real que guia ou limita suas aes econmicas e sociais a filosofia real, embora indefinida e tcita, dos homens que a compem. [Nota: 27] Dessa concepo do elemento administrativo como sendo livre das presses diretas dos detentores da propriedade que aquele controla, pequeno o passo para se chegar afirmao de que tais administradores constituem um grupo econmico e social distinto, com impulsos, interesses ou motivaes fundamentalmente diferentes e at mesmo antagnicos aos interesses dos simples proprietrios, ou seja, de que eles constituem uma nova classe, destinada a ser, segundo as verses iniciais e mais extremadas da teoria da revoluo administrativa, no s os depositrios do poder corporativo mas a tornar-se os dirigentes da sociedade. Mas a teoria do capitalismo administrativo no est baseada apenas na noo de que os administradores so levados por consideraes outras que aquelas dos proprietrios. Ela tende tambm em geral, implcita ou s vezes explicitamente, a afirmar que as motivaes e os impulsos administrativos so necessariamente melhores, menos egostas e mais socialmente responsveis, mais intimamente preocupados com o interesse pblico do que o capitalismo

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proprietrio de estilo antigo. Assim, a afirmao clssica de teoria administrativa na obra de Berle e Means, The Modern Corporation and Private Property sugeria ainda em 1932 que se o sistema corporativo devia sobreviver, seria quase inevitvel... que o controle das grandes corporaes evoluiria para uma tecnocracia puramente neutra, de modo a equilibrar uma srie de reinvindicaes expressas por vrios grupos da comunidade e a atribuir a cada um uma parcela do volume de renda base da poltica antes que da cupidez privada. [Nota: 28] Segundo eles, isso j estaria acontecendo. Tal concepo foi bastante ampliada desde ento, de tal maneira que se tornou hoje parte da ideologia dominante no que se refere grande empresa capitalista, denominada, por Carl Kaysen, de corporao nobre. [Nota: 29] A importncia de tal tipo de afirmao bvia, pois as decises que sero tomadas pelas pessoas envolvidas, relativamente direo de grandes e poderosas empresas industriais, financeiras e comerciais, afetam no apenas suas prprias organizaes, mas ainda uma rea bem mais ampla,

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chegando a abranger, muitas vezes, toda a sociedade. Mas se tais pessoas to nobres como se proclama e to profundamente conscientes, em sua condio de administradores, de suas responsabilidades pblicas e gerais, ento podero ser descritas, de modo plausvel, como eminentemente merecedoras do poder que lhes atribudo em decorrncia do controle dos recursos corporativos ou seja, como seus guardies naturais e mais indicados. Poder-se-ia ento argir, mais facilmente, que tais pessoas responsveis no deveriam ser submetidas a um grau indevido e desnecessrio de interferncia do Estado. No h dvida que hoje inevitvel e mesmo desejvel, em medida substancial, a interveno do Estado na vida econmica. Mas mesmo isso s deveria ocorrer base de uma cooperao estreita entre, de um lado, os ministros e os funcionrios pblicos oficialmente incumbidos da salvaguarda do interesse pblico e, de outro, os representantes do empresariado, os quais se norteariam pela mesma preocupao. Dentro da mesma linha de argumentao, no surpreendente que durante as controvrsias revisionistas que ocorreram durante a dcada de 50 dentro do Partido Trabalhista ingls, aqueles que se opunham nacionalizao tivessem descoberto que, segundo expresso de um importante documento poltico de inspirao gaitskeliana [Nota: *], sob administraes crescentemente profissionais, as grandes firmas, tomadas em seu conjunto, servem nao. [Nota: 30] Ao analisar tais afirmaes e as implicaes que delas decorrem, conviria recordar que afirmaes muito semelhantes foram tambm feitas pelo atualmente muito abusado capitalista de estilo antigo, e em seu nome. Assim que Bendix observa que a emergncia da classe empresarial como fora poltica deu origem a uma ideologia essencialmente nova... a reivindicao empresarial de autoridade passou da denncia da misria e de uma simples contestao de abusos muito bem propagandeados para uma afirmao baseada numa liderana moral e na auto-

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ridade em nome do interesse nacional. [Nota: 31] Dentro de tal perspectiva, h pouca coisa de novo na propaganda em torno do administrativismo, exceto talvez no que se refere intensidade e ao volume. Alm disso, o contraste agudo que muitas vezes se menciona no que se refere ao lucro, entre o empresrio capitalista clssico, obsessivamente visando ao mximo, e o administrador profissional, friamente indiferente, com esprito pblico, induziria a cometer uma grande injustia contra o primeiro. Isso porque as motivaes e os impulsos do empresrio clssico eram certamente to variados, complexos e possivelmente contraditrios quanto aqueles do moderno administrador. Em uma passagem famosa de O Capital, Marx fala do capitalista como de algum apanhado num conflito faustiano entre a paixo pela acumulao e o desejo de prazer, e aqui prazer [Nota: 32] poderia incluir uma poro de objetivos que conflitam com acumulao, ou que seriam compreendidos pelo menos como to importantes quanto o lucro. Um estudo antigo do comportamento administrativo sugeria que os mais importantes incentivos para a ao do homem de negcios, alm do desejo de possuir bens para satisfao direta, so provavelmente os seguintes: o impulso de poder, o desejo de prestgio e o impulso correlato de competio, o estmulo criativo propenso a identificar-se com um grupo e o sentimento correspondente de lealdade para com o grupo, o desejo de segurana, o esprito de aventura e de entrar no jogo apenas por entrar, o desejo de servir aos outros... [Nota: 33] O que quer que se pense a respeito desse extenso catlogo, parece bvio que cada um de seus itens se aplicaria tanto ao empresrio prprio tradicional como ao administrador no-proprietrio. ainda um socilogo ingls quem escreve que,

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enquanto no capitalismo familiar a meta da empresa industrial era definida de modo muito claro como o lucro, para os proprietrios da empresa, no sistema atual, a meta fundiu-se com outras, talvez latentes anteriormente, tais como produtividade, expanso e inovao, sem que haja uma idia muito clara sobre se elas so inter-relacionadas ou contraditrias. [Nota: 34] Mas parece muito curiosa a noo de que o capitalista familiar no estava (ou no est) extremamente preocupado com produtividade, expanso e inovao e de que ele no via (ou no v) tais aspectos como fundidos com o lucro. O conflito faustiano, de que falava Marx, sem dvida tambm ruge no peito do moderno administrador corporativo, muito embora possa assumir uma variedade de formas novas e diferentes. No obstante, do mesmo modo que o empresrio proprietrio vulgar dos velhos tempos, o administrador moderno por mais brilhante e resplandecente deve submeter-se tambm s necessidades imperativas inerentes ao sistema do qual simultaneamente dono e servo. A primeira e mais importante de tais necessidades a de que ele obtenha os lucros mximos possveis. Quaisquer que sejam suas motivaes e seus objetivos, eles s podero ser atingidos base de seu sucesso no que se refere quele aspecto. O objetivo singular e mais importante dos homens de negcios quer se trate de proprietrios ou administradores, deve ser a busca e o alcance dos lucros mximos possveis para as suas prprias empresas. De fato, uma elite econmica transbordante de emoo no saberia, de acordo com a natureza do sistema, como perseguir um objetivo diferente. Isso porque o principal marco de referncia, se no o nico, de tal elite e de todos os homens de negcios a firma individual e os lucros que podem ser obtidos por meio dela. Em ltima anlise, para isso que se destina seu poder, e a isso devem estar subordinadas todas as outras consideraes, inclusive o bem-estar pblico.

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No uma questo de egosmo na alma do empresrio ou administrador; ou, melhor, esse egosmo inerente ao modo capitalista de produo e s decises polticas por ele ditadas. Do mesmo modo que o capitalismo do estilo antigo, o capitalismo gerencial constitui um sistema atomizado que continua marcado, alis mais marcado do que nunca, por aquela contradio suprema de que falava Marx h 100 anos, ou seja, a contradio entre o seu carter cada vez mais social e o seu objetivo persistentemente privado. absurdo pensar que os homens de negcio, de qualquer tipo, que so, a contragosto, os principais instrumentos daquela contradio, seriam tambm capazes de super-la atravs de um certo esforo ou uma vontade nobre. Fazer isso seria para eles acarretar a negao do prprio objetivo de sua atividade, que a obteno do lucro privado. Como afirmam Baran e Sweezy, os lucros, mesmo que no sejam o objetivo final, constituem os meios necessrios para obteno dos objetivos finais. Como tais, eles se tornam a finalidade imediata, nica unificadora, quantitativa, das polticas corporativas, a pedra de toque da racionalidade corporativa, a medida do xito corporativo. [Nota: 35] Realmente, o administrador moderno pode ser mais vigoroso em sua busca de lucro do que o empresrio de estilo antigo, isso porque, como sugere outro autor, com a utilizao cada vez maior de economistas, analistas de mercado, outros tipos de especialistas e consultores de administrao, por parte de nossos grandes homens de negcios... a racionalidade orientada para o lucro se torna mais e mais o prottipo do comportamento empresarial. [Nota: 36] Desse ponto de vista, os acionistas das empresas controladas administrativamente no tm por que temer que seus interesses sejam sacrificados em altares alheios. claro que pode surgir uma tenso entre administradores e

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acionistas, a qual pode ocasionalmente transformar-se em conflito. Os acionistas, por exemplo, podem sentir que os administradores possuem pouca conscincia de dividendos, ou que so demasiado generosos para com eles mesmos no que se refere a emolumentos, ou apressados demais em gastar dinheiro com finalidades que no esto imediata e obviamente relacionadas com a obteno de lucro. Quanto aos administradores, por seu turno, podem sentir que os acionistas, ou pelo menos aqueles que se do ao trabalho de se fazer ouvir, constituem um grupo avarento, ignorante e de pouca viso. Trata-se, de diferenas tticas dentro de um consenso estratgico e de qualquer modo muito pouco aquilo que os acionistas podem normalmente fazer para tornar eficaz o descontentamento que possam sentir sem falar, claro, que podem desfazer-se de suas aes. Como quer que seja, o fato que, em qualquer sentido realmente srio, no verdade que a funo administrativa aliena aqueles que a desempenha em relao queles em cujo nome exercida; as diferenas de objetivo e motivao que possam existir entre eles so obscurecidas por uma comunidade bsica de interesses. De qualquer modo, a noo de separao pode ser levada a extremos, em termos de propriedade administrativa. Isso porque, como tem sido observado muitas vezes, os administradores so freqentemente grandes atacadistas em suas empresas. Nos Estados Unidos, escreve Kolko, a classe administrativa o maior grupo singular dentro da populao atacadista e uma grande parte dessa classe possui mais estoque do que qualquer outra. [Nota: 37] Alm disso, os administradores podem tambm, atravs da escolha de estoque, aumentar seus bens de modo mais favorvel. [Nota: 38] A parte

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mais substancial da renda administrativa pode no ser derivada da propriedade le aes ou pode depender de tal propriedade, mas os administradores absolutamente no parecem tratar, em momento algum, suas aes de maneira negligente. [Nota: 39] Por conseguinte, a imagem do administrador como algum separado dos recursos por ele controlados parece ser exagerada. Mais ainda, os salrios elevados constituem caracterstica comum dos escales superiores da administrao, e so de fato, em muitos casos, salrios consideravelmente elevados. Assim que, como observa um autor, para os executivos das principais corporaes (nos Estados Unidos), os salrios acima de um quarto de milho de dlares por ano so bastante comuns e aqueles ainda mais altos no podem ser considerados raros. Isso decorre de bnus de armazenamentos e de escolha de estoque em taxas reduzidas, que podem efetivamente dobrar a renda do executivo. [Nota: 40] Dentre novecentos executivos estudados nos Estados Unidos pela revista Fortune, 80% ganhavam mais de 50 mil dlares por ano, excludas as aes, penses e provises de aposentadoria, despesas correntes, etc [Nota: 41]. Kolko

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menciona a cifra de 73.600 dlares como renda mdia correspondente remunerao dos executivos mais bem pagos das 1.700 corporaes dos Estados Unidos em 1958. [Nota: 42] Os escales da cpula administrativa talvez no obtenham tanto assim em outros pases capitalistas avanados, mas em toda parte eles se encontram no topo da pirmide de renda. Finalmente, deve ser observado ainda que a origem social do elemento administrativo em tais pases em geral a mesma que a de outras pessoas que possuem renda elevada e grande propriedade. Nos Estados Unidos, observa um autor, no que se refere ao recrutamento de administradores industriais modernos, trs pesquisas distintas revelaram aproximadamente a mesma coisa: a maioria dos gerentes das maiores corporaes provm de famlias de classe mdia alta. [Nota: 43] Na Europa Ocidental, observa Granick, uma caracterstica do empresariado no Continente, embora no particularmente do ingls, a de que todos os escales da administrao so originrios da burguesia, e eles pensam e agem em termos da propriedade privada que eles prprios possuem. [Nota: 44] A excluso da Gr-Bretanha deste padro geral no parece justificada. O que pode acontecer, como afirma Guttsman, que uma proporo considervel de administradores tem sido sempre recrutada entre homens que entram na indstria pela porta da fbrica sem que fossem necessariamente filhos de famlias operrias. [Nota: 45] Mas foi tambm observado recentemente que 64% dos executivos de uma centena das maiores companhias britnicas portavam o braso significativo de membros das classes alta e mdia alta, ou seja, de que eles tinham freqentado escolas particulares. [Nota: 46] obviamente o caso em que, medida que se sobe na escala social, as oportunidades de chegar direo aumentam consideravelmente,

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e passam de praticamente insignificantes na base a extremamente boas no topo. [Nota: 47] De qualquer modo, tudo indica que no existe razo suficiente para considerar vlida a tese de que o capitalismo avanado teria produzido uma nova classe administrativa e corporativa, radicalmente ou mesmo substancialmente diferente dos proprietrios capitalistas de grande porte. No trecho de O Capital dedicado ao fenmeno administrativo, Marx fala do divrcio entre a gerncia e a propriedade como a abolio do modo capitalista de produo dentro do modo capitalista de produo, por conseguinte, uma contradio autodissolvente, que prima facie representa uma simples fase de transio para nova forma de produo. [Nota: 48] No h dvida de que se trata de uma fase de transio. Nem Marx atribuiu aos administradores to improvvel papel. O administrativismo significa que os elementos mais importantes da propriedade capitalista cresceram demasiado para o mesmo tempo permanecerem totalmente e serem controlados eficientemente pelos empresrios proprietrios. Mas isso no significa de modo algum a transcendncia do capitalismo. [Nota: 49] Segundo Jean Meynaud,

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os fatores que aproximam os patres de estilo familiar dos administradores profissionais so muito mais fortes que os elementos capazes de dividi-los: tanto os primeiros como os segundos so dirigentes capitalistas. [Nota: 50] A mesma afirmao se aplica tanto ao campo das relaes industriais como a qualquer outro. Como todos os grandes empregadores de fora de trabalho, os administradores de empresas complexas de processos mltiplos possuem um interesse bvio, em manter relaes de trabalho harmoniosas e na rotinizao do conflito dentro da firma. Na busca de tal objetivo, eles podem encarar os sindicatos antes como aliados do que como oponentes, ou como ambas as coisas. Mas o que quer que isso signifique de diferente, no h elementos que comprovem que tenha levado as empresas controladas por administradores a serem organizadas de maneira diferente daquelas administradas pelos proprietrios. [Nota: 51]

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Em ambas, o processo produtivo continua sendo o de dominao e sujeio: os exrcitos industriais do capitalismo avanado, no importa que sejam os seus empregadores, continuam a funcionar dentro de organizaes nas quais existem padres de autoridade estabelecidos sem a sua participao e definio de polticas e objetivos para as quais eles em nada contriburam

3 Como acabamos de ver, os administradores so recrutados principalmente entre as classes proprietrias e profissionais. Trata-se apenas de um exemplo de um processo de recrutamento para as fileiras dos ricos e para os postos de comando da sociedade capitalista avanada tpica para tais sistemas no obstante a declarao usual de que se trata de sociedades abertas, fluidas, onde existe uma rpida circulao de elites. Na realidade, o recrutamento das elites em tais sociedades possui um carter claramente hereditrio. O acesso das classes operrias para as classes mdias e altas geralmente vagaroso. Como observa Westergaard, existe uma movimentao ntida de indivduos entre as diferentes camadas, mas grande parte dessa movimentao cobre apenas pequenas distncias dentro do espao social, envolve mudanas dentro do grupo manual ou no-manual, com muito mais freqncia do que entre eles, e caracterizado por desigualdades agudas e persistentes na distribuio das oportunidades. [Nota: 52] Estudos baseados em dados at 1960 constataram que os filhos de trabalhadores manuais, capazes de fazer aquilo que Miller denomina o grande salto para altos negcios e ocupaes profissionais independentes, constituam em sua maioria bem menos de 5%, correspondendo nos Estados Unidos cifra elevada de cerca de 8%. [Nota: 53] Pode no ser essencial, a fim de obter xito mate-

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rial ou profissional, ser filho de pais ricos ou remediados: mas isso sem dvida uma vantagem enorme, do mesmo modo que ser membro de um clube selecionado oferece oportunidades inigualveis para consolidar e aumentar as vantagens que tal filiao de qualquer modo confere. Poder-se-ia argir, em certo sentido, que a expanso do administrativismo tende a reforar a vantagem daquilo que Harold Laski costumava chamar a seleo cuidadosa dos pais. Pois o acesso aos postos mais altos de empresa capitalista de tipo administrativo exige cada vez mais, o que no ocorria com o capitalismo proprietrio, certas qualificaes obtidas atravs da educao formal e que so obtidas com muito mais facilidade pelos filhos dos ricos do que por outras crianas e o mesmo se aplica para todas as demais qualificaes profissionais. [Nota: 55] As qualificaes educacionais no so obviamente suficientes para se alcanar os postos mais altos da administrao e podem ser at, com freqncia, desnecessrias. Mas existe uma tendncia clara para a profissionalizao dos negcios, pelo menos no sentido de que para se comear nesse tipo especial de competio exige cada vez mais o tipo de qualificaes resultantes da educao formal e que so obtidas nas universidades ou instituies equivalentes. Isso tanto mais verdade para outras posies de elite. Tais instituies, porm, so muito mais acessveis aos filhos de pais que pertencem s classes mdia e alta do que queles cujos pais pertencem a outras classes. Assim que uma pesquisa realizada h alguns anos constatava que:

...a composio do corpo estudantil , no essencial, a mesma em toda a Europa Ocidental. As classes alta e mdia alta, como quer que sejam definidas, no passam de uma grande minoria (45%

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na Holanda) e habitualmente uma maioria substancial (56% na Sucia, mais de 80% nos pases mediterrneos). O equilbrio se faz principalmente com os filhos de assalariados, pequenos negociantes e a comunidade agrcola a classe operria, mesmo ali onde ela igualmente prspera ou quase isso, possui pequena representao, no passa de 10% ou 15%, e mais freqentemente varia entre 4 e 8%. [Nota: 56]

Em relao Alemanha Federal, Dahrendorf afirmou que:

...at recentemente apenas 5% de todos os estudantes universitrios alemes provinham de famlias que dentro da estrutura ocupacional total abrangiam apenas pouco mais de 50%. Tal proporo subiu agora para pouco mais de 6%, mas continua a ser extremamente baixa. [Nota: 57]

Dois autores franceses, por sua parte, observaram que:

...um clculo aproximado das possibilidades de acesso Universidade, segundo a profisso do pai, mostra que a proporo de menos de 1% para os filhos de assalariados agrcolas, at cerca de 10% para os filhos dos homens de negcios e mais de 80% para os membros das profisses liberais. Tais estatsticas demonstram claramente que o sistema educacional opera, objetivamente, como um processo de eliminao tanto mais acentuado quanto mais se aproxima das classes menos privilegiadas. [Nota: 58]

Em relao a Gr-Bretanha, o Relatrio Robbins observa em 1963 que:

...a proporo de jovens que iniciam uma educao superior de tempo integral de 45% para aqueles cujos pais pertencem ao grupo profissional superior, comparados a apenas 4% daqueles cujos pais se dedicam a ocupaes manuais qualificadas. [Nota: 59]

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Uma vista geral comparativa, que abrangia os Estados Unidos, Alemanha Federal e Frana, nos anos de ps-guerra, constatou tambm que:

quadro geral... o de ntidas desigualdades no que diz respeito a oportunidades de educao superior. Os setores no-agrcolas e no-operrios da sociedade fornecem de 3/5 a mais de 9/10 dos estudantes, embora esse grupo constitua uma pequena frao de qualquer sociedade. [Nota: 60] Bendix e Lipset escreveram, em 1959, sobre os Estados Unidos:

...como em outros pases, a maioria esmagadora dos estudantes universitrios norte-americanos de filhos de homens de negcios, fazendeiros ricos ou profissionais, [Nota: 61]

enquanto outro escritor observava em 1961 que:

...As chances so quase iguais de que a criana norte-americana da classe mdia conseguir entrar na universidade, e so de 12 por 1 contra o filho da classe operria.[Nota: 62]

Tal predominncia das classes mdia e alta na educao superior no surpreendente. Essa educao implica uma preparao prvia, que os filhos de operrios tm pouca probabilidade de receber. Na maior parte dos casos, tais crianas freqentam escolas que so, segundo a expresso adequada de Meyer, instituies de custdia, nas quais aguardam o tempo em que os regulamentos relativos concluso de cursos lhes permitem assumir o papel para o qual as suas circunstncias de classe os destinaram desde o bero, ou seja, o de cortadores de madeira e carregadores de gua. As afirmaes de Dahrendorf a respeito da Alemanha Federal, nesse sentido, tm aplicao muito ampla:

A sociedade alem algumas vezes descrita pelos socilogos e freqentemente encarada por nossos polticos como sendo virtualmente sem classes. Costuma-se dizer, em meio ao debate poltico, que bvio que no mundo moderno tenham desaparecido tais classes e

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camadas sociais e que atualmente todos tm as mesmas oportunidades etc. Parece-me que tal maneira de ver as coisas, ao se estudar o problema educacional, constitui uma viso consideravelmente ideolgica da sociedade alem e que reflete o desejo de manter as condies em que as ambies das pessoas so limitadas mais ou menos sua prpria esfera social, ao seu prprio escalo social. [Nota: 63]

claro que muitos professores tentam e conseguem desempenhar um papel educacional positivo. Mas continua a ser um fato que os filhos da classe operria devem contentar-se com um meio ambiente imensamente menos favorvel que seus contemporneos que pertencem s classes mdia e alta, e esto sujeitos a uma poro de desvantagens econmicas, sociais e culturais. [Nota: 64] No obstante, os filhos da classe operria conseguem ter acesso educao superior, apesar de todos os obstculos, em propores rapidamente crescentes [Nota: 65] e uma das razes para tal fato que o capitalismo avanado necessita mais de pessoal mais bem treinado do que o antigo sistema industrial. Um relatrio da OECD de 1967 observava que a expanso educacional por si s no diminuiu necessariamente as diferenas de participao entre as classes. [Nota: 66] E medida que se expande o ensino superior, o mesmo ocorre com uma distino antiga entre as instituies que a for-

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necem, a qual assume nova importncia. Algumas instituies oferecem muito mais facilidades de todo tipo do que outras, possuem mais prestigio que outras, e so aquelas que presumivelmente deveriam indicar as pessoas que vo ocupar os postos de comando na sociedade. Tais estabelecimentos, para cujo ingresso se exige naturalmente qualificaes mais estritas do que outras, so tambm muito mais acessveis a estudantes provenientes de classes mdia e alta do que da classe operria. Aqueles que receiam uma sociedade meritocrtica, na qual cada pessoa, a partir de uma situao mais ou menos igual, seria julgada exclusivamente por seu mrito, no se devem alarmar sem necessidade: a competio continua guarnecida contra os competidores da classe operria. Mesmo se tudo isso no for levado em conta, deve-se contudo lembrar que uma qualificao universitria oferece apenas a partida para a competio ps-universitria. Mas tambm aqui, a competio est bem armada. Pois a intervm uma poro de outros fatores que afetam materialmente os padres de carreira. Um deles a rede de conexes que associam os membros dos grupos de elite. Em contraste com isso, as famlias operrias no possuem, em seu conjunto, conexes to boas. Poder-se-ia acrescentar ainda que a maior igualdade de oportunidades pouco tem a ver com uma verdadeira igualdade, considerando o contexto dentro do qual ela ocorre. Ela poder permitir que um nmero maior de crianas operrias atinjam o topo. Mas isso, longe de destruir as hierarquias de classe do capitalismo avanado, ajuda a fortalec-las. A transfuso de sangue novo nos escales superiores da pirmide econmica e social pode constituir uma ameaa competitiva para os indivduos que j esto l, mas no uma ameaa ao prprio sistema. Mesmo um acesso muito mais meritocrtico at o cume, enxertado no sistema econmico existente, permitiria apenas que um nmero maior de pessoas de origem operria pudesse ocupar os degraus superiores do sistema existente. Pode-se considerar isso desejvel, mas no provocaria a sua transformao num sistema diferente.

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A questo continua a ser, porm, bastante acadmica. Isso porque as classes mdia e alta naquelas sociedades, inclusive o seu elemento empresarial e administrativo, continuam em grande medida o processo de auto-recrutamento e por conseguinte socialmente coesas em proporo considervel. Na realidade, aquelas classes so, em certo sentido, hoje mais coesas socialmente do que no passado. H cem anos, a aristocracia constitua ainda uma classe acentuadamente distinta, do ponto de vista econmico e social, de outras classes na maioria das sociedades capitalistas avanadas. Desde ento, os aristocratas foram cada vez mais assimilados, por toda parte, ao mundo da empresa industrial, financeira e comercial e sofreram um processo de aburguesamento que talvez no se tenha ainda completado em certos aspectos, mas que est bastante avanado. verdade que a aristocracia ainda pode oferecer uma boa razo, mas as classes empresariais j no se consideram arrivistas (parvenu) e socialmente inferiores a qualquer outro grupo ou classe, mesmo em pases como a Alemanha e o Japo, onde os homens de negcio comuns eram at recentemente bastante obscurecidos, em termos sociais, por uma classe aristocrtica.

Antes da Primeira Guerra Mundial, escreve Granick, o empresariado alemo no conseguiu assegurar o seu prestigio dentro das classes superiores... entre as duas guerras, o empresariado adquiriu um prestgio cada vez maior... na dcada de 50, pela primeira vez na histria alem, as tradicionais classes superiores pr-industriais haviam perdido sua importncia; [Nota: 67] e um autor japons observa a respeito do Japo que, hoje em dia, aqueles que se dedicam ao comrcio e indstria so considerados os pilares da comunidade e conseguem penetrar facilmente nos nveis

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mais respeitados da sociedade. Aqueles que buscam a riqueza j no precisam ser apologticos, pois seu nmero tornou-se uma legio. A mudana de ethos no mais que uma medida da elevao do empresariado a uma posio dominante na vida nacional. [Nota: 63] Semelhante processo foi em parte mascarado na Gr-Bretanha, onde os empresrios vitoriosos conseguiram suplementar o dinheiro capitalista com braso aristocrtico, mas tambm aqui a riqueza constitui um passaporte aceito para subir. Do mesmo modo, empresrios e administradores vitoriosos, de origem operria, so facilmente assimilados pela classe proprietria, tanto no seu estilo de vida como nas suas concepes. Alguns podem conservar um sentimento prolongado de seus antecedentes, mas no provvel que isso tenha maior conseqncia do ponto de vista social ou ideolgico. A riqueza, pelo menos neste sentido restrito, o grande nivelador.

Mas a riqueza tambm um grande nivelador em termos polticos e ideolgicos. Schumpeter observou uma vez que os membros de uma classe... entendem-se melhor.... visualizam o mesmo segmento do mundo, com os mesmos olhos do mesmo ponto de vista, na mesma direo. No preciso levar a afirmao longe demais. Existem outras influncias alm da filiao de classe e que produzem uma congruncia poltica e ideolgica entre os homens. E, inversamente, a filiao de classe pode no produzir absolutamente tal congruncia. bvio que os membros das classes possuidoras esto freqentemente divididos em relao a uma quantidade de polticas e questes especficas, j sem falar nas diferenas de religio e cultura. Mas tambm esse aspecto no deve ser levado longe demais. R. Aron queixou-se ironicamente que um dos seus

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desapontamentos foi o de descobrir que aqueles que, segundo a representao marxista do mundo, deveriam determinar o curso dos acontecimentos, de fato, muito freqentemente, no possuem concepes polticas (sic); em relao maior parte das grandes questes discutidas na Frana nos ltimos 10 anos, era impossvel dizer o que desejavam os capitalistas franceses, grandes, mdios e pequenos, o que queriam os monopolistas e os homens dos trustes. Encontrei alguns representantes dessa raa maldita e jamais soube que eles tivessem uma opinio definida e unnime, quer sobre a poltica a ser seguida na Indochina, ou sobre a poltica a ser adotada na Arglia. [Nota: 70] Trata-se, sem dvida, de uma