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MI N IS T É R I O PÚBLIC O DO ESTA D O DE GOIÁS PROC U R A D O R I A GER A L DE JUSTIÇA REVIST A DO MI N IS T É R I O PÚBLICO DO ESTA D O DE GOIÁS AN O X – N. 14 - M A R Ç O DE 2007 GOI Â N I A – GOI ÁS Revista do MP/GO • Goiânia, Ano X, N. 14, Mar/2007 1

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS … · A Tributação Como Mecanismos de Efetivação da Indivisibilidade dos ... Antecipação Terapêutica do Parto ... Tempos depois,

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M I N I S T É R I O PÚB L I C O DO EST A D O DE GO I Á S

PROC U R A D O R I A GER A L DE JUST I Ç A

REV IS T A DO M I N I S T É R I O PÚB L I C ODO EST A D O DE GO I Á S

AN O X – N. 14 - MAR Ç O DE 2007

GO I Â N I A – GO I Á S

Revista do MP/GO • Goiânia, Ano X, N. 14, Mar/2007 1

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Di re t o ra: Estela de Freitas Rezende

Consel ho Edi t o r ia l: Altamir Rodrigues Vieira JúniorEdison Miguel da Silva JrEduardo Abdon MouraÉrico de Pina CabralEstela de Freitas RezendeIvana Farina Navarrete PenaMilene CoutinhoMozart Brum SilvaPaulo Ricardo Gontijo LoyolaRicardo PapaSpiridon Nicofotis Anyfantis

Ficha catalog rá f i ca: Tânia Gonzaga Gou ve ia - CRB 1842

A responsab i l i dade dos trabal hos pub l i cados é exclusivamen te de seus Au t o res.Pede-se permu ta On demande I’échange We ask for exchange

Ed i t o ração: Arq d om us - Jander Nunes Fer rei raCapa: Hum be r t o de Vasconce l os And radeEd ição e organ i zação: Elai ne Borges - JP - 00836/GOImp r essão: El i te - Grá f i ca e Edi t o ra LtdaRev isão ort og rá f i ca: Ivan Simão José - Pro f. MEC / 76 RG” L” - N. 47.868Ti ragem: 800 exemp la res

© Mi n is té r i o Públ i co do Estado de Go iás

Procu rad o r i a Gera l de JustiçaProcu rad o r : D r. Edua r d o Abdo n Mou raEsco la Super i o r do Mi n is té r i o Públ i co do Estado de Go iás - ESMP/ G ORua 23, esqui na c/ Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts, 15/24. Jardim Go iás - Go iân ia - GOCEP 74.805-100 Fone: (62) 3243-8000e-mai l: esmp@m p.g o.gov.b rH t t p:// www.m p.go.gov.b r

2 Revista do MP/GO • Goiânia, Ano X, N. 14, Mar/2007

Revista do Mi n is tér i o Públ i c o de Go iás. - , n. 14 (jan./mar.2007)- . - Go iân ia: ESMP/ G O , 1996 - v. ; 22 cm.156p.Tr i mes t ra lISSN 1809-5917

1. D i re i t o – per ió d i c os. Esco la Super i o r do M i n is tér i o Públ i c o de Go iás. CDU 34(051)

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Apresen tação ....................................................................................................05

ART I G O S

Modu lação ou Man i p u lação Temp o r a l dos E fe i t o s da Dec la ração denão Recepção do D i re i t o Pré-Const i t u c i o na l: Um Breve Exame daJurisp ru dênc ia do STF .......................................................................................07Eliseu Antônio da Silva Belo

O D i re i t o Romano An t i g o e os Ins t i t u t os Juríd icos do Jus Na tu ra le, Jus Gen t i u m e Jus Civ i le ...................................................................................25Relton S. Ramos Jr.

An t í g o na: A Mãe da Ind i v i d ua l i zação do D i re i t o ...............................................37Bruno J. R. Boaventura

Sociedade do Pânico – Uma abordagem Crí t i ca ................................................47João Porto Silvério Júnior

A Hom oa fe t i v i dade e a Const i t u c i o na l i zação do Conce i t o de En t i dade Fami l ia r .........................................................................................55Vinicius Marçal VieiraLiliane Jaime Mendonça de Araújo

Da Culpa na Separação Judic ia l .........................................................................81Bruno Barra Gomes

As Al te rações In t r o d u z i das Pela Lei 11.232/2005 e sua Ap l icaçãono Âmb i t o da Execução de Pensão Al i me n t í c ia ................................................85Renata Silva Ribeiro

Execução de Al imen t os na No va Sistemá t i ca do Cód ig o deProcesso Civ i l ...................................................................................................91Sirlei Martins da CostaA Tr i b u tação Como Mecan ismos de Efe t i vação da Ind i v is i b i l i da de dos

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SUMÁRIO

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D i re i t o s Fundamen ta is aos Por tado res de Necessidades Especia is ....................95Lucas Bevilacqua Cabianca

An tec i pação Terapêu t i ca do Parto .....................................................................103Silvia Maria Apostólico Alves ReisFelícia Franco Junqueiroz

Breves Comen tá r i os à Resolução nº 1.805/2006 do Conselh o Federa l de Med ic i na, que perm i t i u a lim i tação e a suspensão de proced ime n t o s e tratamen t o s que pro lo ngam a vida de doen tes term i na is e incu ráve is ..........................................113Renata Dantas de Morais e Macedo

PEÇ A FU N C I O N A L

Ação Civ i l Púb l ica de Nu l i dade de Proced ime n t o Lic i ta t ó r i o comfins de An tec ipação de Recei ta Orçamen tá r ia com Pedidos Lim i na rde Suspensão do Proced ime n t o em De fesa do Equ i l í b r i o Fiscal ........................121Reuder Cavalcante Motta

No r mas Para Ap resen tação de Ar t ig os ..............................................................151

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Desaf i o. Essa é a palavra que tem servi do de mo te à Revis ta do M i n is té r i o Públ i c o do Estado de Go iás.

Den o d o e tenacidade. Essas as palavras que expressam a manei ra com que arros tados, ao longo da trajetó r i a desta Revista, os desafi os.

Já no pr ime i r o núme r o, o Colega El iseu José Tavei ra Viei ra, D i re t o r do então Cent r o de Estudos e Aper fe i ç oamen t o do Mi n is té r i o Públ i c o do Estado de Go iás (CEAM P), ao tempo que destacava “os previsíveis tropeços que o noviciado no assunto da editoria gráfica” indicava, prometia: “Vamos continuar!”.

E, com efei to, prossegu im os. Na edição seguin te, ressal tando que “tão impo r tan te quant o o lançamen t o de uma revista é a sua cont i nu i dade”, o Colega Al tam i r Rod r i gues Viei ra Júni o r conc lamava à “ind ispensáve l postu ra crí t i ca sobre o dire i t o posi t i v o”.

Tempos depo is, no Ano IV, Núme r o 7, a Colega Laura Mar ia Ferrei ra Bueno, à época Di re t o ra da Esco la Super i o r do Mi n is té r i o Públ i c o do Estado de Go iás (ESMP-GO), anunc iava novo forma t o para a publ i cação e assinalava que, fiel aos pri nc í p i os que nor tearam seu nascedou r o , “a Revista (mantinha-se) como espaço para a manifestação de idéias e para a discussão de temas de interesse de todos os operadores do Direito”.

En t ra ves orçamen tá r i os prov oca ram hiato na publ i cação. O ideal que mov ia a Revista, porém, não ruí ra.

Assim é que, no iníc io de 2004, a Colega Márc ia de Souza Alme i da, então D i re t o ra da ESMP- GO, propu n ha retomada “numa escala crescente e sem retrocesso”, não só pela impo r tâ nc ia da publ i cação como fon te de conhec i men t o, mas também, e pri nc i pa l men t e, “como espaço voltado para a expressão e reflexão daqueles que, efetivamente, fazem do Direito um instrumento para alavancar as conquistas sociais.”

Exi b i n d o nova forma tação, veio a lume o Núme r o 11 da Revista, sob a direção do Colega Mozar t Brum Silva. Atua l i zada a forma de apresentação,

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APRESENTAÇÃO

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manteve-se o propós i t o de “trabalhar um conteúdo que insira reflexões diversificadas, especialmente sobre a ciência, a democracia e o próprio agir institucional”.

Conso l i dada a peri od i c i dade, buscou- se, com êxi to, perante o Inst i t u t o Brasi lei r o de In f o r m ação em Ciênc ia e Tecno l o g ia o regist r o da Revis ta, a qual obteve o seu Núme r o In ter nac i o na l No r ma l i zado para Publ i cações Seriadas - International Standard Serial Number (ISSN).

Eis o cami n h o perco r r i d o nesses dez anos de existênc ia da Revis ta do MP-GO: marcado por desaf ios e por avanços, fru t o, estes úl t im os, do esfor ço, da dedicação e da perseverança tanto daqueles que, no decor re r da úl t ima década, estiveram na direção do CE A M P e da ESMP- GO, quant o de todos os que, memb r os ou não do MP-GO, colabo ra ram das mais diversas formas para a criação e a manu tenção deste peri ód i co.

Assim, a atual di reção da ESMP- GO está cônscia de que DES A F I O subsist i rá como mote para a Revista. E o próx i m o passo, é certo, será a busca da tr imest ra l i dade de que fala nossa Lei O rgân i ca Estadua l.

Para tanto, atual a mensagem endereçada aos lei to res no primei r o númer o da Revis ta: “O caminho existe, a vontade existe”.

Consel ho Consu l t i v o da ESMP- GOConsel ho Edi t o r i a l da Revista do MP-GO

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Resumo: No controle de constitucionalidade brasileiro, a técnica de modulação ou manipulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade tem previsão normativa expressa nas Leis Federais 9.868 e 9.882, ambas de 1999. Todavia, no que diz respeito à declaração de não recepção de lei ou ato normativo pré-constitucional, inexiste previsão normativa semelhante, em virtude do que se faz pertinente questionar se é juridicamente viável, no âmbito dessa declaração, a aplicação da mencionada técnica decisória, própria da jurisdição constitucional. O Supremo Tribunal Federal apresenta dois posicionamentos diametralmente opostos a respeito: um pela impossibilidade dogmática de aplicação da referida técnica em sede de declaração de não recepção e outro pela possibilidade. O exame, porém, dos fundamentos e aspectos relativos a cada um desses posicionamentos leva à conclusão de maior consistência jurídica do segundo, que admite a utilização daquela técnica decisória nos casos de declaração de não recepção do direito ordinário pré-constitucional.

Palavras-chave: Controle de constitucionalidade brasileiro, declaração de não recepção de direito ordinário pré-constitucional, modulação ou manipulação temporal dos efeitos, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, possibilidade.

1 – APRESENTAÇÃO DO TEMA

O cont r o le de const i t u c i o na l i dade brasi lei r o, como se sabe, é replet o de pon t os con t r o ve r t i d os.

Um desses pon t os de con t r o vé rs ia, por exemp l o, e que se revela como objet o do presen te estudo, está relacionado ao dispos t o no art. 27 da Lei n. 9.868/99, a qual “dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal”, assim redig id o:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança

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Eliseu Antônio da Silva Belo

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MODULAÇÃO OU MANIPULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOSDA DECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DO DIREITO

PRÉ-CONSTITUCIONAL: UM BREVE EXAMEDA JURISPRUDÊNCIA DO STF

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jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. (destacou-se).

O disposi t i v o acima transcr i t o posi t i va, no dire i t o brasi lei r o, a chamada técnica de modu lação ou de mani p u lação tempo ra l dos efei t os da declaração de incons t i t u c i o na l i dade de lei ou ato norma t i v o, realizada, em sede de cont r o l e abstrat o, pelo Suprem o Tr i bu na l Federal.

A norma em questão é objet o de duas ações di retas de incons t i t u c i o na l i dade perante aludi d o Tr i b u na l (AD I 2.154/DF e AD I 2.258/DF, ambas da relato r ia do M i n. Sepúl veda Pertence), o que já demons t ra, por si só, a polêm i ca prov ocada pela prev isão legal de viabi l i dade de adoção da cogi tada técnica de decisão, em sede de jurisd i ção const i t uc i o na l. Regist re-se que norma de quase idênt i ca redação está previs ta no art. 11 da Lei n. 9.882/99, a qual discip l i na o processo e julgamen t o da argüição de descum p r i m e n t o de precei t o fundamen t a l.

O citado art igo da Lei n. 9.868/99, à semelhança do art. 11 da Lei n. 9.882/99, porém, traz como pressupos t o expresso, legi t imad o r da aplicação da menc i o nada técn ica, a oco r rênc ia de eventua l declaração de incons t i t u c i o na l i dade de lei ou ato norma t i v o, efet i vada pelo Suprem o Tr i bu na l Federal.

Assim, most ra-se per t i nen te a seguin te indagação: E quando se tratar de declaração de não recepção de lei ou ato norma t i v o pré-const i t u c i o na l, ou seja, anter i o r à vigen te Cons t i t u i ção Federal, será jur i d i camen t e viável a adoção daquela técnica pela Suprema Cor te brasi lei ra?

2 – RESPOSTAS DADAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Essa indagação chegou a ser respond i da de duas formas comp le tamen te opostas, em um mesmo julgado do Pretó r i o Exce lso, levado a efei t o nos autos do Agrav o Regimen ta l no Agravo de Ins t r ume n t o 582.280-3/RJ, em que figu r o u como relato r o M i n. Celso de Mel l o.

A Emen ta desse julgado, tendo sido elabo rada pelo próp r i o relato r, recebeu a seguin te con f igu ração:

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO

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INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO/RJ – PLEITO RECURSAL QUE BUSCA A APLICAÇÃO, NO CASO, DA TÉCNICA DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – IMPOSSIBILIDADE, PELO FATO DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NÃO HAVER PROFERIDO DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PERTINENTE AO ATO ESTATAL QUESTIONADO – JULGAMENTO DA SUPREMA CORTE QUE SE LIMITOU A FORMULAR, NA ESPÉCIE, MERO JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO – NÃO–RECEPÇÃO E INCONSTITUCIONALIDADE: NOÇÕES CONCEITUAIS QUE NÃO SE CONFUNDEM - RECURSO IMPROVIDO.1. CO NS I D E R A Ç Õ E S SOBR E O VA L O R DO AT O INC O N S T I T U C I O N A L – OS D I V E R S O S GRA US DE IN V A L I D A D E DO AT O EM CO N F L I T O CO M A CO NS T I T U I Ç Ã O : AT O IN E X I S T E N T E? AT O NU L O? AT O AN U L Á V E L (COM EF I C Á C I A “EX TU N C ” OU COM EF I C Á C I A “EX NU N C ”)? - FOR M U L A Ç Õ E S TE Ó R I C A S - O “STA T U S QU A ES T I O N I S ” N A JUR ISPR U D Ê N C I A DO SUPRE M O TR I B U N A L FE D E R A L .2. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE: TÉCNICA INAPLICÁVEL QUANDO SE TRATAR DE JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO DE ATOS PRÉ-CONSTITUCIONAIS.- A declaração de incons t i t u c i o na l i dade reveste-se, ord i na r iamen te, de eficácia “ex tunc” (RTJ 146/461-462 – RTJ 164/506-509), ret roagi nd o ao momen t o em que edi tado o ato estatal reconhec i d o incons t i t u c i o na l pelo Suprem o Tr i bu na l Federal.- O Supremo Tribunal Federal tem

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reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Precedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno).- Revela-se inaplicável, no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando o Supremo Tribunal Federal, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível com normas constitucionais a ela supervenientes.- A não-recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitucionalidade - mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 – RTJ 145/339) -, descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade.- Inaplicabilidade, ao caso em exame, da técnica da modulação dos efeitos, por tratar-se de diploma legislativo, que, editado em 1984, não foi recepcionado, no ponto concernente à norma questionada, pelo vigente ordenamento constitucional.A C Ó R D Ã OVis tos, relatados e discut i d os estes autos, acordam os M i n is t r os do Suprem o Tr i b u na l Federal, em Segunda Turma, na con f o r m i da de da ata de julgamen t os e das notas taquigrá f i cas, por unan i m i dade de vot os, em negar prov i me n t o ao recurso de agravo, nos termos do vot o do Relato r. Ausen tes, just i f i cadamen te, neste julgamen t o, os Senho res M i n is t r os Joaqu im Barbosa e Eros Grau.Brasí l ia, 12 de setemb r o de 2006.

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CE LS O DE ME L L O - PRES I D E N T E E REL A T O R (destacou-se).

A despei t o do que se pode extra i r, num primei r o momen t o, do extra to da ata de julgamen t o e do acórdão acima transcr i t o, deve-se regist ra r que a unan i m i dade de votos rest r i ng i u- se à parte dispos i t i va da decisão pro fe r i da pela Segunda Turma, isto é, lim i t o u- se à negat i va de prov i me n t o do apon tado recurso.

Com efei to, no tocan te à fundamen tação, houve clara divergênc ia, exter i o r i zada no voto do M i n. Gi lma r Mendes, no que diz respei t o ao tema do presen te estudo.

An tes, con tu d o, de se passar ao exame dessa divergênc ia, impõe-se assentar aqui os pr inc i pa is pon t os do vot o pro fe r i d o pelo M i n. Celso de Mel l o, que consubs tanc ia a pr ime i ra resposta à indagação antes form u lada.

Nesse senti do, con f o r me sinal iza a próp r ia emen ta do julgado, o Mi n. Celso de Mel l o conc l u i u pela negat i va de prov i me n t o ao recurso inter pos t o pelo Mun i c í p i o do Rio de Janeiro, valendo- se de fundamen t o de ordem dogmát i ca, consisten te na inviab i l i dade jur í d i ca de aplicação da técnica de modu lação tempo ra l dos efei t os da declaração de incons t i t u c i o na l i dade aos casos em que o Suprem o Tr i b u na l Federal exerce um juízo negati v o de recepção do dire i t o pré-const i t uc i o na l.

No pon t o, Sua Excelênc ia pronu n c i o u- se da seguin te forma:

A razão desse entendimento, Senhores Ministros, apóia-se no fato de que a modulação temporal supõe, para incidir, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade, inoco r re n te no caso, por se cuidar de ato pré-const i t u c i o na l (anterio r, por tan t o, à prom u l gação da vigen te Cons t i t u i ção) e que deixou de ser recepci o nad o pela nova Carta Pol í t i ca, por ser, com esta, mater ia lmen te incom pa t í v e l.Com a formulação de um juízo negativo de recepção - inconfundível, em seus aspectos básicos (pressupostos e conseqüências), com a declaração de inconstitucionalidade -, torna-se, inaplicável, por tal específico motivo, a técnica da modulação temporal, consoante já se pronunciou, no tema, esta Suprema Corte: (são citados os seguin tes julgados: RE 370.734-AgR/RJ RJ, Rel. Mi n. SEPÚ L V E D A PER T E N C E ; A I 482.017-AgR/RJ RJ, Rel. Mi n. SEPÚ L V E D A PERT E N C E e A I 478.398-ED-

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AgR/RJ RJ, Rel. M i n. EROS GRA U)É que, em tal situação, por tratar-se de lei pré-const i t u c i o na l (porque anter i o r à Const i t u i ção de 1988), o único juízo admissí vel, quant o a ela, consiste em reconhece r- lhe, ou não, a compa t i b i l i dade mater ia l com a ordem const i t u c i o na l superven ien te, resum i n d o- se, desse mod o, a solução da cont r o vé rs ia, à form u lação de um juízo de mera revogação (em caso de con f l i t o hierárqu i c o com a nova Const i t u i ção) ou de recepção (na hipó tese de con f o r m i d ade mater ia l com a Carta Pol í t i ca).(...).Vê-se, por tan t o, na linha de iterat i va jur isp r u dênc ia prevalecen te nesta Suprema Cor te e em out r os Tr i b u na is (RTJ 82/44 – RTJ 99/544 - RTJ 124/415 – RTJ 135/32 – RT 179/922 – RT 208/197 – RT 231/665, v.g.), que a incom pa t i b i l i dade entre uma lei anter i o r (como a norma ora questi o nada inscr i ta na Lei nº 691/1984 do Mun i c í p i o do Rio de Janeiro/RJ, p. ex.) e uma Const i t u i ção poster i o r (como a Const i t u i ção de 1988) resol ve-se pela consta tação de que se regist r ou, em tal situação, revogação pura e simp les da espécie norma t i va hierarqu i camen t e infer i o r (o ato legislat i v o, no caso), não se veri f i can do, por isso mesmo, hipó tese de incons t i t u c i o na l i dade (RTJ 145/339 – RTJ 169/763).Isso signi f i ca que a discussão em torn o da incidênc ia, ou não, do postu lado da recepção – precisamen te por não envo l ve r qualque r juízo de incons t i t u c i o na l i dade (mas, sim, quando for o caso, o de simp les revogação de dipl oma pré-const i t u c i o na l) – dispensa, por tal mo t i v o, a apl icação do pri nc í p i o da reserva de Plenár i o (CF, art. 97), legi t imand o, por isso mesmo, a possib i l i dade de reconhec i me n t o, por órgão fraci oná r i o do Tr i b u na l, de que determ i nad o ato estatal não foi receb i do pela nova ordem const i t u c i o na l (RTJ 191/329-330), além de inviab i l i za r, porque incabí ve l, a instauração do processo de fiscal ização norma t i va abstrata (RTJ 95/980 – RTJ 95/993 – RTJ 99/544 – RTJ

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143/355 – RTJ 145/339, v.g.).Sob a perspectiva que se vem de examinar, portanto, revela-se inadmissível a adoção da doutrina da prospectividade, tal como pretendido pelo Município do Rio de Janeiro/RJ, eis que essa diretriz teórica supõe, para efeito de sua aplicabilidade, a necessária formulação de um juízo prévio de inconstitucionalidade, inocorrente na espécie, pois – insista-se – a norma em questão foi editada em momento anterior (1984) ao da vigência da Constituição de 1988, o que significa que a decisão que pronunciou esse juízo negativo de recepção somente “surte efeitos a partir da promulgação da Constituição Federal (...)” (AI 482.017-AgR/RJ RJ, Rel. M i n. SEPÚ L V E D A PER T E N C E - gri fe i). (destacou-se).

Assim, pelo que se extra i dessas passagens, em especial dos trechos destacados, veri f i ca-se que, de acordo com o Mi n. Celso de Mel l o, a técnica da modu l ação tempo ra l dos efei t os da declaração de incons t i t u c i o na l i dade somen te pode ser empregada pelo Suprem o Tr i b u na l Federal quando se tratar de efet i v o juízo de incons t i t u c i o na l i dade da lei ou do ato norma t i v o impugnado, con f o r me caracter i zado pela próp r ia jur isp r u dênc ia dom i nan te do aludi d o Tr i b u na l, ou seja, quando a lei ou ato norma t i v o impugnad o for poster i o r à Cons t i t u i ção Federal em vigo r.

Desse modo, por considerar comp le tamen t e dist i n t os os juízos de não recepção e de incons t i t u c i o na l i dade, da manei ra como del ineados pelo consagrado posic i o namen t o do Tr i bu na l, o M i n. Celso de Mel l o conc l u i u pela inapl icab i l i dade, sem ressalvas, da cogi tada técnica, em se tratando de con f l i t o entre o di rei t o pré-const i t u c i o na l e a Cons t i t u i ção vigente.

Em senti do diame t ra l men te opos t o, posic i o n o u- se, nos autos do mesmo julgado, o Mi n. Gi l ma r Mendes, responden d o afi rma t i vamen t e à indagação apresen tada linhas atrás.

É o que se vê dos trechos a segui r extra ídos do vot o que ele pro fe r i u. Con f i r a- se:

(...).Acom pa n h o Celso de Mel l o, porém quero deixar consignado que, no meu entender, a técnica de modulação dos efeitos pode ser aplicada

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em âmbito de não recepção.O dogma da nul i dade da lei incons t i t u c i o na l per tence à tradição do di rei t o brasi lei r o. A teor ia da nul idade tem sido susten tada por impo r ta n t es const i t u c i o na l is tas. Fundada na antiga dou t r i na amer icana, segundo a qual “the incons t i t u t i o na l statu te is not law at all”, signi f i ca t i va parcela da dou t r i na brasi lei ra posic i o n o u- se pela equipa ração entre incons t i t u c i o na l i dade e nul i dade. A f i r ma va-se, em favo r dessa tese, que o reconhec i me n t o de qualque r efei t o a uma lei incons t i t u c i o na l impo r ta r i a na suspensão prov isó r ia ou parc ia l da Const i t u i ção.Razões de segurança jurídica podem revelar-se, no entanto, aptas a justificar a não-aplicação do princípio da nulidade da lei inconstitucional.(...).Essas questões - e haveria outras igualmente relevantes - parecem suficientes para demonstrar que, sem abandonar a doutrina tradicional da nulidade da lei inconstitucional, é possível e, muitas vezes, inevitável, com base no princípio da segurança jurídica, afastar a incidência do princípio da nulidade em determinadas situações.Não se nega o caráter de pr inc í p i o const i t uc i o na l ao pr inc í p i o da nul idade da lei incons t i t u c i o na l. Entende-se, porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos casos em que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omissão ou de exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade), bem como nas hipóteses em que a sua aplicação pudesse trazer danos para o próprio sistema jurídico constitucional (grave ameaça à segurança jurídica).(...).O princípio da nulidade continua a ser a regra também. O afastamento de sua incidência dependerá de severo juízo de ponderação que,

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tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a idéia de segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente relevante manifestado sob a forma de interesse social preponderante. Assim, aqui, a não aplicação do princípio da nulidade não se há de basear em consideração de política judiciária, mas em fundamento constitucional próprio.(...). (destacou-se).

Após exami na r julgados do próp r i o Suprem o Tr i bu na l Federal, nos quais se adota posic i onamen t o legi t imad o r, ainda que impl i c i tamen te, da apl icação da modu lação tempo ra l dos efei t os, em hipó tese de declaração de não recepção do di rei t o ord i ná r i o pré-const i t uc i o na l, o Mi n. Gi lma r Mendes camin ha para o encer ramen t o de seu vot o, com os seguin tes destaques:

(...).É inegável que a opção desenvo l v i da pelo Suprem o Tr i bu na l inspi ra-se di retamen te no uso que a Cor te Const i t uc i o na l alemã faz do “apelo ao legislado r”, especialmen te nas situações imper fe i tas ou no “processo de incons t i t u c i o na l i zação”. Nessas hipóteses, avalia-se, igualmente, que, tendo em vista razões de segurança jurídica, a supressão da norma poderá ser mais danosa para o sistema do que a sua aplicação temporária . Não há negar, ademais, que acei ta a idéia da situação “ainda const i t u c i o na l ”, deverá o Tr i b u na l, se tiver que declarar a incons t i t u c i o na l i dade da norma, em out r o momen t o, fazê-lo com eficácia rest r i t i va ou limi tada. Em out r os termos, o “apelo ao legislado r ” e a declaração de incons t i t u c i o na l i dade com efei t os lim i tados ou rest r i t os estão int i mamen t e ligados.Assim, razões de segurança jurídica podem revelar-se, igualmente, aptas a justificar a adoção da modulação de efeitos também em sede de declaração de não-recepção da lei pré-constitucional pela norma constitucional superveniente. (...).

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En tend o que o alcance no tempo de decisão judic ia l determ i nan t e de não recepção de dire i t o pré-const i t u c i o na l pode ser obje to de discussão. E os preceden tes citados comp r o vam a asser t i va.Como demonstrado, há possibilidade de se modularem os efeitos da não-recepção de norma pela Constituição de 1988, conquanto que juízo de ponderação justifique o uso de tal recurso de hermenêutica constitucional.(...). (destacou-se).

Logo, como se pode faci lmen te deduz i r, o Mi n. Gi l ma r Mendes negou prov i me n t o ao recurso do Mun i c í p i o do Rio de Janeiro, tendo em vista elemen t os conc re t os, especí f i c os e próp r i os da situação fát ica submet i da a julgamen t o, ao con t rá r i o do que fez o relato r do julgado, Mi n. Celso de Mel l o, que se baseou em fundamen t os de cunho dogmát i c o-jur íd i c o, ou seja, na inviab i l i dade jur í d i ca de aplicação da técnica de decisão aqui anal isada, no âmbi t o da declaração de não recepção.

Al iás, essa dist i nção de fundamen t ação foi expressamen te salien tada pelo Mi n. Gi lma r Mendes ao conc l u i r seu voto, verbis:

(...).Assim, declaro a não-recepção das normas de IPT U do Mun i c í p i o do Rio de Janei ro, aqui questi o nadas, com base nos preceden tes citados, e não outorgo efeitos meramente prospectivos à referida não-recepção, porque não tenho como demonstrada a repercussão econômica, a gravíssima lesão à ordem pública ou à segurança jurídica, bem como a qualquer outro princípio constitucional relevante para o caso . Reitero, porém, que diferentemente do que restou assentado pelo eminente Ministro Relator Celso de Mello, no presente caso, o meu entendimento é no sentido da plena compatibilidade técnica para modulação de efeitos com a declaração de não recepção de direito ordinário pré-constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.Nesses termos, com essas considerações adici ona is nego prov i me n t o ao agravo. (destacou-se).

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Essas são, por tan t o, as duas respostas antagôn i cas dadas pelo Suprem o Tr i b u na l Federal à indagação inic ialmen te form u la da. Mas qual delas merece prevalecer?

3 – DEFINIÇÃO DA RESPOSTA MAIS CONSISTENTE

A resposta dada pelo Mi n. Gi l ma r Mendes, não apenas pela rica e razoáve l argumen tação jur íd i ca desenvo l v i da, mas em especial pela referênc ia a consagrados preceden tes da próp r ia Cor te, parece ser, a nosso juízo e com a devi da vênia dos que pensam em sent ido opos t o, a que deve prevalecer.

O preceden te mais emblemá t i c o citado pelo eminen te M i n. Gi l ma r Mendes em seu voto, 1 a revelar, de forma inequ í v o ca, embo ra o julgado não tenha sido expl í c i t o a respei t o, a possib i l i dade real de aplicação da técnica sob anál ise, em sede de declaração de não recepção do dire i t o ord i ná r i o pré-const i t u c i o na l, está veicu lado no Recurso Ex t rao r d i ná r i o Crim i na l 147.776, da relato r i a do Mi n. Sepúl veda Pertence, assim emen tado:

“Mi n is té r i o Públ i c o: Legi t i mação para prom o ção, no juízo cível, do ressarcimen t o do dano resul tan te de crime, pob re o ti tu la r do direi t o à reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135.328): processo de inconstitucionalização das leis.1. A alternat i va radical da jur isd i ção const i t u c i o na l or to d o xa ent re a const i t uc i o na l i dade plena e a declaração de incons t i t u c i o na l i dade ou revogação por incons t i t u c i o na l i dade da lei com fulm i nan te eficácia ex tunc faz abstração da evidênc ia de que a implemen tação de uma nova ordem const i t uc i o na l não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possib i l i dade de realização da norma da const i t u i ção — ainda quant o teor i camen te não se cuide de precei t o de eficácia lim i tada — subor d i na-se mui tas vezes a alterações da realidade fáct i ca que a viabi l i zem.2. No contex t o da Cons t i t u i ção de 1988, a atri bu i ção anter i o r me n t e dada ao Mi n is tér i o

1 No t i c iado no Informativo STF n. 442, de 25 a 29 de setemb r o de 2006, no tóp i co “Transcr i ções: No r ma Pré-Cons t i t uc i o na l e Modu lação dos Efei t os (AI 582.280 AgR/RJ)”.

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Públ i c o pelo art. 68, C. Pr. Penal — const i t u i n d o modal i dade de assistência judic iár ia — deve repu ta r- se trans fe r i da para a De fenso r ia Públ i ca: essa, porém, para esse fim, só se pode consi de ra r existen te, onde e quando organ i zada, de di rei t o e de fato, nos mol des do art. 134 da próp r ia Const i t u i ção e da lei comp lemen t a r por ela ordenada: até que — na União ou em cada Estado considerado —, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art. 68, C. Pr. Pen., será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135.328”. (destacou-se).

Ado t o u- se aqui a chamada teoria da lei ainda constitucional ou teoria da inconstitucionalidade progressiva, segundo a qual não se declara a incompatibilidade (que envo l ve ambos os juízos de incons t i t u c i o na l i dade e de não recepção) da lei ou do ato norma t i v o em relação à Const i t u i ção Federal, tendo em vista razões pri nc i p i o l óg i cas extraí das do próp r i o sistema jurí d i c o const i t uc i o na l, de maio r ponde ração no exame da questão const i t uc i o na l, até que sejam imp lemen ta das as cond i ções destinadas a viabi l i zar a menc i o nada declaração de incom pa t i b i l i dade.

Relat i vamen t e a esse julgado, o M i n. Gi lma r Mendes, em out ra opor t u n i da de, o consi de r o u como claro exemp l o de conc re t i zação, pelo Suprem o Tr i bu na l Federal, no exerc í c i o da jurisd i ção const i t u c i o na l, do que se denom i na pensamento do possível, ao dizer que:

“Não é di f íc i l encon t ra r exemp l os do pensamen t o do possíve l na rica jur isp r u dên c ia do Suprem o Tr i bu na l Federal, não raras vezes assentada na event ual con f igu ração de uma omissão ou lacuna const i t uc i o na l.

São exemp l os not ó r i os desse pensamen t o as decisões do Tr i bu na l que reconhece ram a existênc ia de uma “situação jur íd i ca ainda const i t uc i o na l ” relat i vamen te a algumas normas aplicáveis às defenso r ias púb l i cas.

De cer ta forma, o preceden te fi rmado no Recurso Ex t rao r d i ná r i o Cr im i na l n. 147.776, da relato r ia do M i n is t r o

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Sepúl veda Pertence, parece aquele que, entre nós, melh o r expressa essa idéia de om issão ou lacuna const i t u c i o na l apta a just i f i car interp re tação comp reens i va do texto const i t uc i o na l e das situações jur íd i cas pré-const i t uc i o na is.

A emen ta do acórdão revela, por si só, o signi f i cad o da decisão para a versão brasi lei ra do “pensamen t o const i t u c i o na l do possível (...)”. 2

Im p o r ta n t e ressal tar desse preceden te os seguin tes aspectos: a) o disposi t i v o legal impugnado (art. 68 do Código de Processo Penal) é anter i o r à Const i t u i ção Federal de 1988; b) a reconhec i da incom pa t i b i l i dade desse disposi t i v o com a refer i da Car ta Pol í t i ca revela-se, na estei ra da jurisp r u dênc ia tradic i ona l do Suprem o Tr i bu na l Federal, como claro e inequ í v o c o juízo de não recepção de lei ord i ná r ia pré-const i t u c i o na l; c) é inquest i o náve l a eficácia desse dispos i t i v o mesmo após o adven t o da Const i t u i ção Federal de 1988, pois inúme ras ações foram propos tas pelo M i n is té r i o Públ i c o com base nele, diante da ausência de De fe nso r ia Públ i ca devidamen t e instalada e em func i o namen t o; d) a segurança jur í d i ca e boa-fé relat i vas à situação das inúme ras pessoas bene f i c iadas com a iniciat i va min is te r ia l, ancorada no apon tado disposi t i v o legal, estar ia sob for te risco de dano caso o Tr i b u na l aplicasse o entend i me n t o tradic i o na l, no que diz respei t o aos efei t os da declaração de não recepção do di rei t o ord i ná r i o pré-const i t u c i o na l, resul tand o, dessa consta tação em especial, a impos ição do exerc íc i o do comp lex o juízo de ponderação, com a uti l i zação do pri nc í p i o da propo r c i o na l i dade como super-pr inc í p i o a equacio na r aparen te col isão entre di fe ren tes valo res ou pr inc í p i os const i t u c i o na is, prov o can d o o inar redáve l afastamen t o do dogma da nul idade absol u ta (revogação na espécie) da norma jur íd i ca incom pa t í v e l com o Tex t o Cons t i t uc i o na l em vigo r; e) a produção de efei t os da declaração de não recepção do artigo do Código de Processo Penal em comen t o somen te poderá ocor re r a part i r do momen t o em que se efet i var, de forma adequada, a instalação e func i o namen t o da De fenso r ia Públ i ca, não podend o, pois, ret roag i r a momen t o anter i o r.

O ra, a observânc ia de todos esses aspectos torna impera t i va a conc l usão de que é técnica e jur id i camen te possível a modu l ação tempo ra l dos efei t os da declaração de não recepção do dire i t o ord i ná r i o pré-const i t u c i o na l, por par te do Suprem o Tr i b u na l Federal.

A simp les existênc ia do preceden te em exame, com os pecul iares aspectos que se ressal tou dele, é prova cabal da conc l usão acima, a qual

2 Informativo STF n. 306, de 28 de abr i l a 2 de maio de 2003, no tóp ico “Transcr i ções: AD I : Emba r g os In f r i ngen t es”.

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conta, assim, com o benep lác i t o do magistér i o jur isp r u denc ia l do próp r i o Suprem o Tr i bu na l Federal, a despei t o das considerações cont i das no vot o já refer i do do Mi n. Celso de Mel l o.

A propós i t o, é de se observa r que o pri nc i pa l fundamen t o uti l i zado pelo Mi n. Celso de Mel l o, no vot o acima transcr i t o, não resiste a um exame com perspec t i va de fundo.

Com efei t o, o pr inc i pa l argumen t o por ele deduz i d o, con f o r m e visto linhas anter i o res, para afastar a aplicação da técnica de modu lação tempo ra l dos efei tos, consiste em consi de ra r incon f u n d í v e i s o juízo negati v o de recepção e o juízo de declaração de incons t i t u c i o na l i dade. No pon t o, destacou que o juízo de não recepção, ao con t rá r i o da declaração de incons t i t u c i o na l i dade, não está sujei to ao pr inc í p i o da reserva de plenár i o (art. 97 da CF), nem possib i l i ta “a instauração do processo de fiscalização normativa abstrata”.

Ev i den temen t e que a dist i nção procede. Todav ia, ela é mais forma l do que de ordem mater ia l ou substanc ia l.

O que se quer dizer com isso, é que tanto a norma pré-const i t u c i o na l, consi de rada não recepc i o nada pelo Or denamen t o Const i t u c i o na l vigen te, quan t o a norma simplesmen te declarada incons t i t u c i o na l são incom pa t í v e is com a Car ta Pol í t i ca parad igma e, antes de of ic ialmen te declaradas como tais, são, por presunção, legí t imas e capazes de produ z i r efei t os no seio social. Isto é, na essência ou onto l og i camen te falando, não se vislum b ra dist i nção digna de nota entre o juízo de não recepção e o juízo de incons t i t u c i o na l i dade prop r iame n te di to.

A l iás, é de bom alvi t re deixar consignado que nem semp re foi pací f i c o, no Suprem o Tr i b u na l Federal, o tratamen t o que se deve dar à norma in f racons t i t u c i o na l pré-const i t uc i o na l incom pa t í ve l com a nova Cons t i t u i ção Federal, consoan te info r ma Luís Rober t o Bar r oso, em passagem dou t r i ná r ia assim redig ida:

“O tema esteve paci f i cad o por mui t os anos em sede jur isp r u den c ia l, havendo sido reagi tado em ampl o debate perante o Suprem o Tr i bu na l Federal quando do julgamen t o da Ação Di re ta de Incons t i t u c i o na l i dade n. 2, em 6 de feverei r o de 1992. Em longo e erud i t o vot o, repr odu z i d o no julgamen t o de diversas out ras ações, o M i n is t r o Sepúlveda Pertence sustent o u a tese da inconstitucionalidade superveniente, em cont rap os i ção à idéia até então dom i nan te de que todas as leis anter i o res à Cons t i t u i ção e com ela incom pa t í ve i s ficavam revogadas.” Foi acompan had o pelos M i n is t r os Nér i da Silvei ra e Marco Auré l i o. Na vigo r osa sustentação de seu vot o, escreveu:

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“Não nego a paridade de efei t os substanc ia is ent re a concepção da incons t i t u c i o na l i dade superven ien te e a da ab-rogação pela Cons t i t u i ção nova do di rei t o pré-const i t uc i o na l ord i ná r i o, com ela incom pa t í v e l.(...) Pref i r o- a (a tese da incons t i t u c i o na l i dade superven ien te) àquela da simp les revogação, porque entendo que a conseqüênc ia básica da sua adoção – o cabimen t o da ação dire ta –, é a que serve melh o r às inspi rações do sistema brasi lei r o de con t r o l e de const i t uc i o na l i dade.Reduz i r o prob lema às dimensões da simp les revogação da norma inf racons t i t u c i o na l pela norma const i t u c i o na l poster i o r – se é alvi t re que tem por si a sedução da aparen te simp l i c i dade –, redunda em fechar- lhe a via da ação dire ta. E deixar, em conseqüênc ia, que o desl inde das cont r o vé rs ias susci tadas flu tue, duran te anos, ao sabo r dos dissíd i os ent re juízes e tr i buna is de todo o país, até chegar, se chegar, à decisão da Al ta Cor te, ao fim de longa cami nhada pelas vias freqüen temen t e tor t u osas do sistema de recursos”.

Prevaleceu, todav ia, a posição do Mi n is t r o Paul o Brossard, na linha da tradic i o na l jur isp r u dênc ia da Suprema Cor te. 3 (itálicos no orig i na l).

No te- se que o próp r i o Mi n. Sepúl veda Pertence, no vot o citado por Lu ís Rober t o Bar roso, reconheceu a existênc ia daqui l o que ele chamou de “paridade de efeitos substanciais entre a concepção da inconstitucionalidade superveniente e a da ab-rogação pela Constituição nova do direito pré-constitucional ordinário, com ela incompatível.” (destacou-se).

Essa consta tação demons t ra também, sem dúv i da alguma, o acer to da tese da viabi l i dade técnico- jur í d i ca de aplicação da modu lação tempo ra l dos efei t os em relação à declaração de não recepção do di rei t o ord i ná r i o pré-const i t u c i o na l incom pa t í v e l com a nova Ordem Cons t i t u c i o na l, con f o r m e expl ic i tado pelo M i n. Gi l ma r Mendes, no vot o anter i o r me n t e analisado.

3 Interpretação e aplicação da Constituição, 6. ed. rev. atual. e ampl., Edi t o r a Saraiva, 2004, p. 77-8.

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4 – CONCLUSÃO

Por todo o expost o, chega-se à seguinte conclusão: É jur id i camen te viável a apl icação, pelo Suprem o Tr i bu na l Federal, da técnica de modu l ação ou mani pu lação tempo ra l dos efei t os da declaração de não recepção de norma ord i ná r ia pré-const i t u c i o na l, nas mesmas circuns tânc ias em que se admi te, excepc i o na l men t e, a apl icação da mesma técn ica decisó r ia, em sede de declaração de incons t i t u c i o na l i dade prop r iamen t e di ta, não obstan te a ausência de prev isão norma t i va posi t i vada a respei t o.

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Resumo: No trabalho ora apresentado, investigamos os conceitos de jus naturale, jus gentium e jus civile, componentes fundamentais na estruturação do pensamento jurídico da Roma Antiga.4 Para tanto, buscamos analisar uma das partes da compilação justiniana, a saber, o Digesto, onde mais pertinente definem-se estes conceitos. Como conclusão, apresentamos as diversas facetas que revelam cada um dos conceitos investigados.

Palavras-chave: Jus Naturale, Jus Gentium, Jus Civile, Direito Natural, Direito Romano.

1. INTRODUÇÃO

A histó r i a da Roma An t i ga pode ser anal isada sob duas perspec t i vas: a interna, em que se operaram as fases pré-clássica, clássica e pós-clássica; e a externa, na qual realizaram- se as formas de gover n o monarq u i a, repúb l i ca e impér i o. Foi precisamen te no úl t im o per íod o da antiga Roma que Justin iano, chefe máx im o do Impé r i o Roman o do Or ien te de 527 d.C. e 565 d.C., determ i n o u a elabo ração “daqu i l o que seria o pr ime i r o grande tratado das leis vigentes em Roma, ao qual chamou- se de Corpus Juris Civilis.

O Corpus Juris Civilis const i t u i- se de uma comp i lação das normas jur íd i cas gerais, impo r ta n tes e vigentes na extensão de todo o terr i t ó r i o do Impé r i o Roman o. Seu intu i t o foi possib i l i ta r uma uni dade jur isdi c i o na l entre as diversas regiões do Impé r i o, as quais passariam a adotar, na realização da just iça, o mesmo referenc ia l norma t i v o. Apesar de elabo rado no per íod o pós-clássico, os referenc ia is const i t u t i v o s da comp i lação vol ta ram- se para a tradição romana clássica, pela qual o texto resul tan te traz marcas de um conhec i me n t o form u la r.

Podem- se destacar duas circuns tânc ias que favo rece ram

4 O presente trabalho foi or ien tado pela pro fessora He lena Esser dos Reis, dou t o ra em Fil oso f i a pela USP; Pro fessora na UFG e na UCG; Pro fessora no mest rado em Fil oso f ia da UFG. E-mai l: helenaesser@u o l .co m.b r .

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Relton S. Ramos Jr. *

O DIREITO ROMANO ANTIGO E OS INSTITUTOS JURÍDICOS DO JUS NATURALE, JUS GENTIUM E JUS CIVILE

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signi f i ca t i vamen t e o processo de comp i lação. A primei ra foi a opo r t u n i da de de part ic i pação de um homem qual i f i cado para realizar tal tare fa, Tr i b o n i a n o, quem de fato organ izo u a comp i lação. A segunda circuns tânc ia caracter i za-se pelo prog resso cient í f i c o de duas cidades, Cons tan t i n o p l a e Ber i co (cidade escola).

A comp i lação just i n iana, também chamada de Corpus Juris Civilis ou Corpo de Direito Civil, compõe- se de quat r o par tes: Leges, Constitutiones, Novellae e o Digesto (ou Pandectae, out r o nome para o Digesto). Vale ressal tar que tal comp i lação, apesar de ser atr i bu í da ao imperado r de Roma, não foi efet i vamen t e fei ta por Justin ian o, quem apenas ordenou sua compos i ção.

Das partes que const i t uem Corpus Juris Civilis, o Digesto, úl t i ma a ser escri ta, local iza-se no cume de toda a comp i lação jur íd i ca romana, represen tand o sua parte mais abrangen te (comple ta) e lapidada, além de con te r boa parte da dou t r i na romana que hoje herdam os. O Digesto foi escri t o duran te três anos e dist r i b u i- se por cinqüen ta livros, tota l i zando 9.142 fragmen t os comp i lad os. Seus maio res escri t o res são Cerv í d i o Cévo la, Pompô n i o , Juliano e Ul p ian o, dent re out r os, com destacado mér i t o deste úl t i m o, ao qual se atri bu i quase um terço da auto r ia de todo o Digesto.

Sendo o pri nc i pa l resul tado da comp i lação, o Digesto estru tu ra-se fundamen ta l me n t e com os alicerces da dou t r i na do dire i t o romano. Ou seja, sua redação assenta-se nos ensinamen t os daqueles mais versados em matér ia de di rei t o, dando voz às expl icações dou t r i ná r ias acerca da realização da just iça. Nesse sent ido, Ul p ian o expl i ca que:

Cuius merito quis nos sacerdotes appellet; justitiam namque colimus, et boni et aequi notitiam profitemur, aequum ab iniquo separantes, licitum ab illicito discernentes, bonos non solum metu poenarum, verum etiam praemiorum quoque exhortatione efficere cupientes, veram, nisi fallor, philosophiam, non simulatam affectantes. (Pelo mér i t o, chamam- nos sacerdo tes; pois cul t i vam os a just iça, pro fessamos o conhec i men t o do bom e do eqüi tat i v o, separando o justo do injus to, discern i n d o o líci t o do ilíci t o, desejando torna r bons os homens não somen te pelo medo das sanções, senão com o incen t i v o de prêm i os, buscando ansiosamen te, senão erro, a verdade i ra fi l oso f i a, não a aparen te 5). (D.1.1.1. 1)

Cons i de rand o toda a comp i lação just i n iana, está precisamen te no

5 O trecho citado é mui t o sugest i vo, uma vez que suscita uma certa relig ião, cult o ao di rei t o e ao justo, além de uma for te intenção de refo r ma r o homem por meio de di rei t o.

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corp o textual do Digesto os comen tá r i os mais per t i nen tes aos concei t os de Jus Naturale, Jus Gentium e Jus Civile, que, nessa ordem, passamos a descrever.

2. O INSTITUTO DO JUS NATURALE, DO JUS GENTIUM E DO JUS CIVILE

Con f o r m e expressa Ulp ian o, em seu Li v r o I:

Ius naturale est quod natura omnia animalia docuit; nam ius istud non humani generis proprium est, sed omnium animalium, quae in caelo, quae in terra, quae in mari nascuntur. Hinc descendit maris atque feminae coniugatio, quam nos matrimonium appellamus, hinc liberorum procreatio et educatio; videmus etenim cetera quoque animalia istius iuris peritia censeri6. (Direi t o natural é o que a natureza ensinou a todos os animais. Pois este di rei t o não é próp r i o do gênero humano, mas de todos os animais que nasceram no céu, na terra e no mar. Daqu i resul ta a união do macho e da fêmea, a que chamam os mat r i m ô n i o; daqu i a proc r iação e a educação dos fi l hos; vemos, por tan t o, que também os out r os animais estão con tados no úmero dos com conhec i me n t o deste dire i t o). (D.1.1.3)

Percebe-se, pois, o cunho natu ra l is ta do concei t o de dire i t o natu ra l, indicando um certo sent ido intu i t i v o ao seu conhec i me n t o. En t re tan t o, na observação de Vicen te Sobr i n h o Por t o, a redação supra é considerada in fe l i z pela quase unan im i dade dos roman is tas, pois que parece estende r a val idade do di rei t o natu ra l a todos os animais (PÔRTO, 1962, p. 30). Con f o r m e pondera Del Vecch i o, Ulp ian o teria apenas tenci onad o dizer que o fundamen t o básico do di rei t o natural reside naqueles atr i bu t os que, desenvo l v i d os acentuadamen t e nos homens, estão presen tes também nos animais infer i o res, evidenc iand o, assim, a estru t u ra natu ra l de alguns inst i t u t os jur í d i c os (DEL VECC H I O apud PÔR T O , 1962, p. 30).

Cícero detalha essa ordem de idéias que se aprox i ma do estoic ism o 7, afi rmand o que:

Princípio generi animantium omni est a natura tributum.

6 Esta mesma redação também está escr i ta em out r o livr o do Digesto, em Inst. 1.2 pr.7 Ou seja, viver em con f o r m i d a de com a natu reza, o que leva a admi t i r a existência de leis que a

mesma natu reza ensina aos homens e aos anima is, impond o- se a uns e out r os.

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Ut se, vitam corpusque tueatur, declinetque ea, quae nocitura videantur, omniaque, quae sunt ad vivendum necessaria, anquirat et paret, ut pastum, ut latibula, ut alia generis eiusdem. Commune autem animantium omnium est coniunctionis appetitus procreandi causa et cura quaedam eorum, quae procreata sunt. (Todos os animais receberam da natu reza o inst i n t o de conserva r a vida e seu corp o, de fugi r a tudo que lhes possa ser prejud i c ia l, de procu ra r e preven i r o necessár io à manu tenção, como o susten t o, o abrigo, e out ras coisas do mesmo gênero; por out r o lado, é comum a todos os animais o impu lso que leva os sexos a se uni rem para proc r iação, bem como aos cuidados com a pro le. (De of f. 1.4)

Um exemp l o de Jus Naturale, agora apresen tado por Flo ren t i n o no próp r i o Digesto, é a natural repulsa à força e à agressão, além do consenso inato que condena à injus t i ça qualquer ato que represen te traição de um homem a out r o. Têm- se, inclus i ve, neste exemp l o, os fundamen t os do atual inst i t u t o jur íd i c o da legí t ima defesa:

Nam jure hoc evenit, ut, quo quisque ob tutelam corporis sui fecerit, jure fecisse existimetur; et quum inter nos cognationem quandam natura constituit, consequens est, hominem homini insidiari nefas esse. (Pois por esse di rei t o acon tece que qualquer que tenha fei t o algo em defesa de seu corp o, se consi de ra havê-lo fei t o com just iça; e como a natureza const i t u i u ent re nós cer to paren tesco, a conseqüênc ia está que não é líci to a um homem armar ciladas cont ra out r o homem). (D.1.1.3)

Dian te dos três fragmen t os supra transcr i t os, em nossa opi n ião, a def i n i ção de Jus Naturale descr i ta por Ulp ian o, detalhada por Cícero e exemp l i f i cada por Floren t i n o, não signi f i ca que os animais irrac io na is con tem p l em reflex i vamen t e uma consciênc ia de just iça, mas apenas que, por seus inst i n t os de preservação e repr odu ção, todo animal compo r t a- se intu i t i vamen te segundo um ordenamen t o natural de sobrev i vênc ia. Assim, essa atr i bu i ção de um di rei t o a todos os animais soa-nos como uma mera radical i dade argumen ta t i va para se afi rma r a existênc ia de um di rei t o naturalmen te const i t u í d o, independen t e da arte humana.

No entan t o, Gaio lim i ta a abrangênc ia deste concei t o nos con t o r n os

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do Jus Gentium. Ou seja, se, por um lado, o Jus Naturale represen ta o di rei t o intu í do não só pelos homens, mas por todos os animais; por out r o, o Jus Gentium é aquele próp r i o aos seres prov i d os natu ra lmen t e de razão. É a raciona l i dade natural do homem que provem- lhe de um direi t o comum a todos, seja em di fe ren tes local i dades ou épocas. Por tan t o, o Jus Gentium signi f i ca uma especi f i cação do Jus Natrurale relat i vamen te ao homem. O próp r i o Ulp ian o trata de apresen ta r esta di fe renc iação:

Jus gentium est, quo gentes humanae utuntur; quod a naturali recedere facile intelligere licet, quia illud omnibus animalibus, hoc solis hominibus inter se commune sit (O Di re i t o das gentes é aquele uti l i zado pelas gentes humanas; o qual é fáci l de comp reende r, uma vez que se dist i ngue do natural, por que este é comum a todos os animais, enquan t o aquele é comum apenas entre os homens) (D.1.1.1.4)

Por tan t o, o concei t o de Jus Naturale do dire i t o roman o resgata o ideal grego de uma just iça perene e uni ve rsal, susten tada por um di rei t o erigido pela próp r ia natureza na medi da do inat ism o raciona l de todo ser human o. Essa referênc ia grega pode ser exemp l i f i cada na tragédia Antígona, de Sófoc les:

CRE O N T E :E, (mesmo conhecend o- as), atreveste a desobedecer às leis?

AN T Í G O N A :(Sim). Zeus não foi o arauto delas para mim, nem essas leis são as di tadas ent re os homens pela just iça, compan he i ra de mo rada dos deuses in fer na is; e não me pareceu que tuas determ i naç ões tivessem força para impo r aos mo r ta is até a obr igação de transgred i r normas div i nas, não escri tas, inevi táve is; não é de hoje, não é de ontem, é desde os tempos mais remo t os que elas vigem, sem que ninguém possa dizer quando surgi ram. E não seria por temer homem algum, nem o mais arrogan te, que me arr iscar ia a ser pun i da pelos deuses por vio lá-las. (SÓFOC L E S, 2001, P. 219)

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An t í g o na, como se viu, estando diante de uma incom pa t i b i l i dade entre a lei criada pelos homens e seu senso natural de just iça, pre fer i u, ainda que sob pena de mor te, inf r i n g i r o ordenamen t o art i f i c ia l a desrespei ta r o dire i t o prov i denc ia l intu í d o por sua razão. Esse conce i t o helênico de um ideal de just iça, imune às circuns tânc ias aciden ta is de tempo e espaço e igualmen te dist r i b u í d o ent re todas as criatu ras raciona is, const i t u i o signi f i cado cent ra l do Jus Gentium no Diges to.

Con f o r m e expl ica Cretel la Júnio r (1997, p. 27), Cícero extraiu das obras dos fi l óso f o s gregos uma das def i n i ç ões mais famosas de Jus Naturale: Est quaedam vera lex, naturae congruens, diffusa in omnes, constans, sempiterna (Há uma lei verdade i ra, segundo a natu reza, espalhada entre todos os homens, constan te e eterna) (De República, 3.22.33). Por tan t o, o Jus Naturale pode ser entend i d o estr i tamen te dent r o da abrangênc ia do conce i t o de Jus Gentium, sendo este uma espécie daquele. Ou seja, em uma acepção estr i ta do termo, Jus Naturale signi f i ca o dire i t o natu ra lmen t e comum a todos os seres raciona is, con f u n d i n d o- se com o concei t o de Jus Gentium.

No entant o, vale ressal tar que, em alguns trechos do texto, o termo Jus Gentium assume uma cono tação especí f i ca, signi f i cand o exatamen te o corpo de normas jur íd i cas criadas pelos homens e vál idas tanto para os cidadãos roman os quan t o para os estrangei r os. A necessidade de tal ordenamen t o fez-se na propo r çã o da intensi f i cação da ativ i dade comerc ia l, situação que exigiu um corp o legal estável e de tratamen t o igual i tá r i o entre os homens que comerc iavam entre si, sejam cidadãos, sejam estrangei r os, na Roma An t i ga. Assim, na expos ição de Riccobo n o (1975, p. 58), o Jus Gentium puede definirse como el derecho comercial de los romanos, que tiene validez para todos los hombres libres, sean cives o peregrini. (Pode def i n i r- se como o di rei t o comerc ia l dos romanos, que tem val idade para todos os homens livres, sejam civ is ou peregr i n os). Resum i n d o, o Jus Gentium, em senti do lato, deve ser entend i d o como deri vado de uma razão natu ral e comum a todo gênero human o e, em sent ido estr i t o, represen ta o di rei t o aplicado aos estrangei r os e aos cidadãos no Estado de Roma, sobre t ud o nas relações de comé rc i o.

Quan t o à fon te do Jus Naturale, segundo Cretel la Júni o r:

O di rei t o natu ra l é oriun d o da razão e duma espécie de prov i dê nc ia div i na (‘divina providentia’), exist i nd o desde épocas imemo rá ve is, encon t ran d o-se ent re todos os povos do mund o e reun i n d o, em si, o traço caracter ís t i co da peren i dade. Provém da razão inspi rada por uma entidade div i na, é imu táve l, perene, universal e perde-se na noi te dos tempos passados, pro je tand o- se para o futu r o. (CRET E L L A JÚN I O R , 1997. pp. 27 e 28)

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Por tan t o, o Jus Naturale advém da próp r ia cond i ção inata de raciona l i dade humana. Seu ordenamen t o não depende em nada das circuns tânc ias cul t u rais e tempo ra i s mani fes tas di fe ren temen te em cada povo, mas são iguais a qualque r ser humano de qualque r época ou nação. Assim, como info r ma o texto, o traço mais caracter ís t i c o do di rei t o natural é justamen te sua peren i dade, imu tab i l i dade ou universal i dade, exigi nd o apenas que o ser tenha natu ra lmen t e a facul dade raciona l.

Em out r o trecho do Digesto, fazendo uma compa ração ent re o dire i t o natu ra l e o direi t o criado para os cidadãos romanos, Gaio acaba por int ro d u z i r o concei t o de Jus Civile:

Omnes populi, qui legibus et moribus reguntur, partim suo proprio, partim communi omnium hominum jure utuntur. Nam quo quisque populus ipse sibi ius constituit, id ipsius proprium civitatis est, vocaturque jus civile, quasi jus proprium ipsius civitatis; quod vero naturalis ratio inter omnes homines constituit, id apud omnes peraeque custoditur, vocaturque jus gentium, quasi quo jure omnes gentes utuntur. (Todos os povos, que se regem pelas leis e pelos costumes, usam em parte o seu próp r i o dire i t o e em parte o dire i t o comum a todos os homens. Por isso o direi t o que cada povo const i t u i para si mesmo é o da próp r ia cidade, e chama-se jus civile, como di rei t o próp r i o daquela cidade, mas o que é estabelecid o pela próp r ia razão natu ra l entre todos os homens, e observado por todos, chama-se jus gentium, como di rei t o uti l i zado por todas as gentes). (D. 1.1.9)

Por tan t o, fica clara a pretensão do signi f i cad o de Jus Civile como aquele dire i t o art i f i c ia l, criado pelo homem e, assim, especí f i c o de cada povo em par t icu la r. Esse di rei t o, con f o r m e salien ta Ál var o Suárez (apud PÔR T O , 1962, p. 33), dom i na o pr inc í p i o da persona l i dade do Di re i t o, prepon de ra n te no mund o antigo, pelo qual o jus civile é o próp r i o da cidade, criado por ela e aplicável somen te aos seus cidadãos. Assim comp lemen ta o Digesto:

Ius, quo populus Romanus utitur, ius civile Romanorum appellamus vel ius quiritium, quo Quirites utuntur; Romani enim a Quirino Quirites appellantur. (Chamamos o di rei t o que o povo romano usa, dire i t o civ i l dos roman os ou di rei t o dos quí r i tes, que os Qu í r i tes usam; pois por causa de Qu i r i n o,

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os roman os são chamados Qu í r i tes). (Inst. Iust. 1.2.2)

Em seguida, o Diges t o regist ra o ensinamen t o de Papi n ian o, que, para concei t ua r Jus Civile, for nece suas pr inc i pa is fon tes: Ius autem civile est, quod ex legibus, plebiscitis, senatusconsultis, decretis principum, auctoritate prudentum venit (o jus civile, pois, é aquele que provém das leis, dos plebisc i t os, dos penatus-consultos, dos decre tos dos pr ínc i pes e da auto r i dade dos pruden tes) (D.1.1.7). Por tan t o, ao con t rá r i o do di rei t o natu ra l, que é conseqüênc ia perene da mani f es tação da natu reza e vál ido para todos os seres raciona is, o jus civi le é fru t o da criação humana e tem sua apl icação apenas em suas respect i vas cidades orig i nár ias.

Ul p ian o esclarece que este dire i t o pode ser estru t u rado tanto por leis escri tas, quant o por leis não escri tas, acol hend o elemen t os do direi t o natu ral e do dire i t o das gentes:

Ius civile est, quod neque in totum a naturali vel gentium recedit, nec per omnia ci servit; itaque quum aliquid addimus vel detrahimus iuri communi, ius proprium, id est civile, efficimus. § 1º - Hoc igitur ius nostrum constat aut ex scripto, aut sine scripto, ut apud Graccos: legum aliae scriptae, aliae non scriptae. (Jus civile é aquele que nem se apar ta de todo do natural ou daquele das gentes, nem em absolu t o se con f o r m a com eles; e, assim, quando acrescen tam os ou ret i ram os algo ao dire i t o comum, const r u í m os um di rei t o próp r i o, isto é, o jus civ i le. § 1º - Assim pois, este di rei t o nosso consta de di rei t o escri t o, ou não escri t o, como ent re os gregos, umas leis estão escri tas e out ras não). (D.1.1.6)

3. CONCLUSÃO

Do que foi analisado, três concei t os cent ra is na teor ia geral do Di re t o Roman o apresen tam di fe renc iadas facetas, as quais podem os dist i ngu i r resum i damen t e como:A) Jus Naturale – há duas cono tações dist i n tas:1) é aquele dire i t o natu ra l a qualque r animal, pois sustenta sua norma de condu ta nos inst i n t os de preservação e proc r iação presen tes em todos os animais, sejam raciona is ou irraci ona is. Assim, a natureza ensina-o a todos

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os animais;2) numa abordagem mais rest r i ta, diz-se jus naturale aquele di rei t o comum a todos os seres raciona is. Ou seja, é próp r i o de qualquer ser humano na medida em que este possui, natu ra lmen t e, a facul dade de razão. Por tan t o, é universalmen te comum a qualque r homem, independen te das circuns tânc ias espaço- tempo ra is, man te r- se nas di fe ren tes cul t u ras. Essa concepção revela um resgate do ideal de just iça helênico.B) Jus Gentium – há três cono tações dist i n tas:1) numa primei ra acepção do termo, jus gentium signi f i ca a reun ião do conj u n t o de normas e noções de just iça comuns aos vários povos, cujo fundamen t o para sua uni dade repousa no naturalis ratio, ou razão natu ra l, a qual se faz presente uni ve rsalmen te em qualquer ser humano. Neste caso, o termo con f u n de- se com o jus naturale em seu signi f i cado estr i t o;2) em out ra acepção, refere-se ao comp lex o de normas e inst i t u t os regulado res das relações, sobre tu d o comerc ia is, entre os estrangei r os (peregr inos) e cidadãos roman os. Por tan t o, este comp lex o acaba por ser aplicável a todos os homens livres, fossem cidadãos ou estrangei r os. Nesse sent ido, alguns afi rmam o jus gentim como um corp o de normas come rc ia is;3) pode signi f i ca r ainda o comp lex o de normas e inst i t u t os relat i v os às relações ent re os vári os Estados, comp lex o que, se se adotasse a term i n o l o g i a atual, poder ia ser chamado de Di re i t o In ter nac i o na l Públ i c o.C) Jus Civile – há duas cono tações dist i n tas:1) é aquele próp r i o às par t icu la r i dades de cada povo, const r u í d o pelo homem de acord o com suas circuns tânc ias cul tu rais. Ou seja, signi f i ca aquele con j un t o de normas regiona is, criadas e apl icadas à determ i nada popu lação;2) represen ta também o con j un t o de normas criadas e aplicadas especi f i camen t e aos cidadãos romanos.

Em homenagem, vale regist ra r a defesa do Pro f. Ronal d o Polet t i quan t o à impo r tâ nc ia do texto Digesto para todo o ordenamen t o jur íd i c o poster i o r dos países de inf l uênc ia romana:

Col ocadas essas lições, que atravessaram sécul os, o Digesto vol ta a oferecer-nos jóias do pensamen t o jur í d i c o romano, que ainda hoje nos ajudam a comp reende r o dire i t o como vida, como exper iênc ia, como mo ra l, como conhec i me n t o e como di ret r i z. Assim vêm as idéias de iustitia, de iurisprudentia e os iuris praecepta, em orações célebres de Ulp ian o: Iustitia est constans et perpetua voluntas ius

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suum cuique tribuendi. (A just iça é a von tade constan te e perpé tua de dar a cada um o seu ius). (POLE T T I , 1996, p. 33)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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POL E T T I , Ronald o. Elementos de direito romano público e privado. Brasí l ia: Edi t o ra Brasí l ia Juríd i ca, 1996.

PÔR T O , Vicen te Sobr i n h o. Direito Romano: Comen tá r i os a text os do Li v r o I das Ins t i t u t as de Justin iano. 2ª ed. Rio de Janei r o: Liv ra r ia Frei tas Bastos, 1962.

RICC O B O N O , Salvato re. Roma, madre de las leyes. Trad. J.J. Santa-Pin te r. Buenos Ai res: Depa lma, 1975.

SÓF O C L E S . Antígona. In.: A tri l og ia tebana. Trad. Már i o da Gama Ku r y. 9ª ed. Rio de Janei r o: Jorge Zahar, 2001.

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Resumo: O texto visa projetar a importância histórica da peça Antígona de Sófocles no direito contemporâneo. Aborda dois pontos principais: a concepção de antinomia e a construção do entendimento moderno sobre direito individual.

Palavras Chave: Antígona; lei divina; lei humana; antinomia; história do direito.

I. INTRÓITO

A peça An t í g o na é uma represen tação teatral dos valo res humanos con t rad i t ó r i os, caracter ís t i ca ineren te às tragéd ias gregas, porém tem como exclusi v i dade a ambien ta l i zação na esfera da colet i v i dade, tratando- se assim de um drama não só indi v i dua l mas, sobre t ud o, social.

Escr i ta por Sófoc les, di t o por alguns como o melho r drama tu r g o clássico 8 , final izando a hexal og ia 9 de Édi p o 1 0 , ou o ciclo de Édi p o, relata o final da famí l ia dos Labdác ias.

A peça foi apresentada pela pr ime i ra vez, provave l me n t e nos idos de 441 a.C., no Teat r o Grego em Atenas, na compe t i ção das Grandes D i o n í s ias

8 Sófoc les escreveu 123 peças, 20 destas ganharam o prêm i o de melh o r , e, todas as out ras tiveram a segunda colocação nos Fest i va is de D i o n í s i o. In: Sir Hugh Lloyd- Jones (ed.) Sophocles. Ajax. Electra. Oedipus Tyrannus, Har var d Un i ve rs i t y Press, 1994.

9 Sófoc les escreveu além das conhec i das (Édipo Rei, Édi p o Col on o e An t ígo na), out ras três peças sobre a famí l ia dos Labdác ias, ou seja, sobre Éd i p o, mas até o momen t o a existênc ia é somen te comp r o va da por referênc ias, ainda não tendo sido achado os or ig i na is.

10 Fil ho de Laio, que ordenou a per f u ração dos seus pés e que fosse abandonado para mor re r no mon te Ci tér on na tentat i va de fugi r da mald i ção do orácul o de mor re r pela mão de seu fi lho em razão de seu amor homossexua l com Crís i po. A cr iança sobrev i ve pela compa i xão do pasto r executan te, o qual dar ia-lhe o nome ao men i n o de Éd i p o (Oidípus = pés inchados), que mata seu pai sem o saber que o era, deci f ra o enigma da Esf i nge, salvando Tebas, e vê obr igado a casar com Jocasta (viúva do Rei Laio), sem saber que era sua mãe, tor nand o- se o Rei de Tebas, tendo com ela quat r o fi lhos: Etéoc les, Ismên ia, Ant í g o na e Pol i n i ces. In: Már i oa da Gama Ku r y, A tri o l og ia tebana / Sófoc les. 11 ed. RJ: Jorge Zahar ed.,2004. p.8-9.

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Bruno J. R. Boaventura*

ANTÍGONA: A MÃE DA INDIVIDUALIZAÇÃO DO DIREITO

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ou Di o n i zadas, event o sobre t ud o religi oso, realizado anualmen te, semp re no iníci o da pr imave ra grega (março).

A histó r i a passa na cidade de Tebas 1 1 . O pró l og o é a batalha dos sucessores do tron o de Édi p o, Pol i n i ces e Etéoc les, na ágora tebana local izada no fron t i s p í c i o do palácio real. Etéoc les não tendo honrado sua promessa de revezamen t o anual do tron o com seu irmão Pol i n i ces, sof re deste uma tentat i va de sublevação, através da exped ição armada que ficou conhec i da como “Sete con t ra Tebas” 1 2 . Nome da exped ição alusi vo às sete por tas que guarnec iam a cidade, sendo que em cada uma delas houve uma batalha di fe ren te entre os chefes de cada exérc i t o.

Na luta pelo poder, a batalha da sétima por ta foi travada num comba te homem a homem, ent re Pol i n i ces e Etéoc les. Nessa guer ra de espada cont ra espada, a como r i ê nc ia tem um dos seus pr ime i r os exemp l os 1 3 .

É erigido à coroa, Creon te, tio de ambos os falecidos. Este decide pelo enter r o com hon ra r ias de Etécoc les, e, por meio de um decret o 1 4 , interd i ta qualque r tebano sepul ta r ou chorar o corp o de Pol i n i ces, ficando assim este insepu l t o.

II. OS VALORES ANTINÔMICOS

A An t í g o na acredi tava que a obed iênc ia ao dever fami l ia r– re l i g i oso era atempo ra l, segundo o qual toda famí l ia tinha o dever de enter rar piedosamen te os paren tes, fora erigida ao patamar de norma social, ou seja, um di rei t o indi v i d ua l dela 1 5 . Imbu í da desta crença, An t í go na tenta demons t ra r bravamen te a transcendênc ia do dire i t o indi v i d ua l dela ao poder efêmer o de um Rei.

A atempo ra l i dade desse dever fami l ia r- rel igioso, de sepul ta r os

11 É a últ ima peça da Tr i l og ia Tebana de Sófoc les (a conhec i da), as out ras são: Éd i p o Rei e Éd i p o em Col on o.

12 Even t o que é relatado em drama satír ico de Ésqu i l o (conjun tamen t e com Sófoc les e Eur í pedes formam a tríade dos poetas trágicos mais impo r t a n tes da ant igui dade). A peça faz par te da tetralog ia: Laio, Éd i p o, Sete Con t r a Tebas, e a Esf i nge.

13 A simu l tanei dade das mor tes é inter p re tada nos versos 165,166,167 e 196 de Ant íg o na, e, sobret ud o na mald i ção lançada por Éd i p o nos versos 1617-1620 de Éd i p o em Col on o. Clara também está no verso 636 da tragédia Sete Con t r a Tebas, de Ésqu i l o.

14 Na peça também denom i na do de edi t o, prevê que Etéoc les, mor t o lutand o pela pát r ia, desça cercado de honras marcias ao túmu l o e leve para o seu repouso eterno tudo que só aos mor t o s mais ilust res se oferece; mas ao irmão ...,Pol i n i ces,..., quan t o a ele foi di tado que cidadão algum se atreva a dist i ngu i- los com rit os fúneb res ou comiseração; fique insepu l t o o seu cadáver (versos 225 – 235), e, impõe ao transgressor a pena de apedrejamen t o até a mor te peran te o povo todo (versos 40 e 41).

15 An t íg o na represen ta no pensamen t o de Sófoc les a responsab i l i dade no cump r i me n t o dos deveres fami l iares. Pr ime i r o não abandona o Pai (Édipo em Colo n o), e, segundo leva as últ i mas conseqüênc ias as súpl icas de seu irmão Pol i n i ces (versos 1664-1667 em Édi p o em Col on o).

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paren tes, é nos dada por Fustel de Coulanges que elucida que o cul t o aos mo r t os, que engloba o sepul tamen t o e a atr i bu i ção de poderes div i n os aos fami l ia res, talvez seja a origem do próp r i o sentimen t o humano de religi os i dade 1 6 . E, ainda, que o elo for te da famí l ia antiga não era o nascimen t o, e sim o cul t o de seus mo r t os 1 7 , ou seja, a religião não era só o todo da base da organ i zação da sociedade antiga, mas tinha o condão dos laços humanos mais ínt i m os 1 8 .

An t í g o na pro tagon i za o enf ren tame n t o em face dos valores preconce i t u osos inst i t u í d os pela sociedade tebana 1 9 . Prime i r o, luta para cump r i r com o seu dever rel igi oso, demons t rad o nas cont rap os iç ões às falas de Ismene, e, como conseqüênc ia, adqu i re uma consciênc ia liberal de tangi b i l i dade do edi t o real, evidenc iada nas falas de cont rap os ição a Creon te.

Já o fi l h o de Meceneu, em sua primei ra fala, como em um ato de posse, quer demons t ra r uma legí t ima autoconsc iênc ia do poder 2 0 . Pro tagon is ta que person i f i ca o valo r da possib i l i dade de o gover nan te sobrepu ja r a trajetó r i a da idealização dos valores sociais, nesse caso iniciado no campo religi oso, à conso l i dação em normas descr i t i vas de di rei t os

16 “Esta rel igião dos mo r t os parece ter sido a mais ant iga ent re os homens. An tes de conceber e de adorar Indra ou Zeus, o homem adoro u os seus mo r t os; teve medo deles e dir ig i u- lhes preces. Parece ser essa a or igem do sent imen t o rel igi oso. Foi talvez dian te da mor te que o homem, pela pr ime i r a vez, teve a idéia do sobrena tu ra l e quis abarcar mais do que seus olhos humanos pod iam lhe most r a r. A mor te fo i pois o seu pr ime i r o mistér i o, colocando- o no camin h o de out r os mistér i os. Elevou o seu pensamen t o do visí ve l para o invis í ve l, do transi t ó r i o para o eterno, do humano para o div i no.” In: Cidade An t i ga. Trad. Jean Mel v i l le. São Paulo: Ed. Mar t i n Claret. 2005. p.26.

17 “O que unia os memb r os da famí l ia ant iga era algo mais poder oso que o nascimen t o, o sent imen t o ou a for ça física: e esse poder se encon t r a na relig ião do lar e dos antepassados. A relig ião fez com que a famí l ia formasse um só cor po nesta e na out ra vida. A famí l ia ant iga seria, pois, uma associação relig i osa, mais que associação natu ra l.” Ob. cit. p.45.

18 “Quando a cidade começou a escrever as leis, achou esse dire i t o já estabelecid o, vivendo enraizado nos costumes, for ta lec i do pela unân ime adesão. A cidade aceit ou- o, não podend o agir de out r o modo e não ousando mod i f i cá- lo senão bem mais tarde. O ant igo di rei t o não é obra de um legislado r: pelo con t r á r i o, impôs- se ao legislador. Seu berço está na famí l ia. Nasceu ali espon taneamen t e, formad o pelos ant igos pr inc í p i o s que a cons t i t u í r am. Deco r r eu das crenças relig i osas unive rsalmen te aceitas na idade pr im i t i va desses pov os e reinando sobre a intel igênc ia e as von tades.” Ob.ci t. p.93.

19 Nas falas de Ismene e Creon te, como deute ragon i s tas da peça, são post os os valo res para serem cont r ap os tas por An t í g o na, temos: o machismo (e não nos esqueçamos de que somos mulheres e, por conseguinte, não poderemos enfrentar, só nós, os homens – Ismene/ve rsos 68,69 e 70), (Não me governará jamais mulher alguma enquanto eu conservar a vida. Se fosse inevitável, mal menor seria cair vencido por um homem, escapando à triste fama de mais fraco que as mulheres! – Creon te/ ve rsos 599-600, e, 771-773; o autoritarismo (Enfim, somos mandadas por mais poderosos e só nos resta obedecer a essas ordens e até a outras inda mais desoladoras – Ismene/ve rsos 71,72 e 73), (Devo mandar em Tebas com a vontade alheia? – Creon te/ ver so 836); a alienação política (Não fujo a ela; sou assim por natureza; não quero opor-me a todos os concidadãos – Ismene/ve rsos 87 e 88), (Não devem as cidade ser de quem as rege? – Creon te/ ver so838).

20 “Não é possí vel conhecer per fe i tamen t e um homem e o que vai no fundo de sua alma, seus sent imen t os e seus pensamen t os mesmos, antes de o vermos no exerc íc i o do poder, senho r das leis. Se alguém, sendo o supremo guia do Estado, não se incl i na pelas decisões melh o r es e, ao con t rá r i o, por algum receio mantém cerrados os seus lábios, consider o- o e sempre o considera re i a mais ignób i l das criatu ras; e se qualquer um tiver mais consideração por um de seus amigos que pela pát r ia, esse homem eu desprezarei ” (versos 199 – 210).

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indi v i d ua is. A peça desenvo l ve em um espi ral ent re laçado desses valores, num

plano ético jur í d i c o- rel igioso, de suspense incr í ve l, com a capacidade narrat i va de remete r a platéia a uma simb i ose de simpa t ia e empat ia pelos pro tagon i s tas (Antígo na e Creon te).

Um dado impo r tan te, trazido por Jean-Pier re Varnan t e Pier re Vidal-Naque t, é que na verdade Creon te e An t í g o na buscam em suas ideal izações signi f i cad os di fe ren tes para uma mesma palavra: nómos. A ambigü i dade traduz, então, a tensão ent re certos valo res, ou seja, os senti dos da palavra nómos, inconc i l iáve is a despei t o de sua homon í m i a 2 1 .

III. ENTENDENDO O SOLUCIONAMENTO DE SÓFOCLES

A solução desta anti nom ia signi f i ca t i va da palavra nómos, de ser div i n o ou ser human o, não está superada até hoje. A grande maio r ia dos intérp re tes, de mod o simp l ís t i c o, traduz a palavra como LE I, porém ao saber de Hen r i q ue Cai rus, no pensamen t o de Sófoc les, realmen te existe esta dico t o m i a, mas parece ainda só consi de ra r lídim o o signi f i cado que remon t a aos Deuses 2 2 .

Bem coloca Gi l da Naécia Mac iel de Bar ros que, na verdade, o

signi f i cad o desenvo l ve ao longo da histó r i a grega, que no pr ime i r o

momen t o os signi f i cados realmen te se con f u n dem, e, após há um

21 “Na boca de diversas personagens, as mesmas palavras tomam sent i dos deferen tes ou opos t os, por que seu valo r semân t i co não é o mesmo na língua rel igi osa, jur í d i ca, pol í t i ca, comum. Assim, para An t í g o na, nómos designa o con t r á r i o daqui l o que Creon te, nas circuns tânc ias em que está colocado, chama também nómos. Para a jovem a palavra signi f i ca: regra rel igi osa; para Creon te: decret o prom u l gado pelo Chefe de Estado. E, de fato, o campo semânt i c o de nómos é bastan te extenso para cobr i r, ent re out r os, um e out r o sent i do. A ambigü i dade traduz, então, a tensão ent re cert os valo res sent i dos como inconc i l iáveis a despei t o de sua homo n í m i a” .In: Mi t o e Tragéd ia na Grécia An t i ga. Tradução de Anna Lia de Alme i da Prado, Fi l omena Yosh ie H i ra ta, Mar ia da Conce ição M. Cavalcan te, Ber t ha Ha lpem Gur o v i t z e Hel i o Gu r o v i t z. São Paulo: Ed i t o r a Perspec t i va. 1999. p.74.

22 “Con t u d o, os ânimos enchem- se de coragem ecdó t i ca e acadêm ica quando o termo é nómos, que, dessar te, pode ser encon t r ad o faci lmen te seguido do termo “lei”, ent re parên teses. A prop os ta é simp les: nómos é o termo pelo qual os gregos, que herdam os como mode l os mais remo t os, designavam o que hoje é a lei. (...) Sófoc les parecia estar conv i c t o de que há dois nómos, um que vem dos deuses e out r o que vem da sociedade humana. E parece ainda só considera r líd im o o pr ime i r o, como vemos na An t í g o na e na bela estr o f e coral de Édi p o Rei (863-71)... O que faz os gregos pensarem esse nómos como algo que se opõe a phýsis? A figu ra usada pelo poeta trágico nesses versos prop õe o tempo como o grande vér t ice da oposição. A phýsis passa, e o nómos permanece. (...)Sófocles parece requere r para o nómos um estatut o div in o, aprox i man d o- o, agora sim, desse vasto concei t o de uma lei fundada sobre uma espécie de dire i t o natu ra l. O que não se pode deixar jamais de considera r é que esse poeta trágico acredi ta na comp l emen t a r i dade do novo e do velho modo de relaciona r- se com os deuses.” In: In f l uênc ia: Ar t e: Debates: Cul t u r a: D i r e i t o: Or ien te. São Paulo: Un i n o ve, 2004.

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rom p i me n t o , tendo como con t i n u i dade o signi f i cado de lei não escri ta 2 3 .

Na peça a antino m i a essencial iden t i f i cáve l realmen te é entre a Lei

dos Deuses e a Lei do Homem, podend o ser vista como uma das pr ime i ras

anti nom ias jur íd i cas relatadas na His t ó r ia.

Porém, por mais que nos deslum b rássemos, Sófoc les, como religioso

que o era, apresenta o soluci o namen t o da antino m i a por meio do

sentimen t o rel igioso, e não por meio de uma idealização da tangi b i l i dade do

poder estatal por uma humana raciona l i dade jur í d i ca. Assim o poder do Estado, forma de poder organ izada pelo homem,

sucumbe ao poder dos Deuses, ou seja, o mund o div i n o prevalece ao

mund o dos homens, como bem disse Mar ia do Socor r o da Silva Jatobá 2 4.A idéia cent ra l é a anti nom i a: se uma só mul he r pode questi ona r o

Estado ou o Estado é inquest i o náve l cont ra esta indi v i d ua l i dade (privado

versus púb l i c o), ou seja, se Creon te deve escutar An t í g o na. Em out r o plano

mais apro f u n dad o, se a colet i v i dade pode cont r o l a r o poder (públ ico versus

púb l i c o 2 5), ou seja, se Creon te deve escutar o Coro 2 6 . O que prevalece ao

23 “Dessa perspec t i va, caber ia dist i ngu i r dois momen t os - no pr ime i r o, a lei não escr i ta funda a ordem humana ou a comp le ta, e esta é, de certa fo rma, um ref lexo daquela, e ent re ambas a relação é de con t i n u i da de. Testemun h os dessa fase encon t r am- se em Hesí od o (Erga 276), nos círcul os ór f ic os (fr. 64), em Ésqu i l o (Suplican tes v. 673); em Herác l i t o, (fr. 114; Do Regime I, 11). Num segundo mome n t o dá-se uma solução de con t i nu i dade, a rup tu ra e oposi ção, com super i o r i dade para a lei não escr i ta, que aparece fundamen t ada na rel igião ou na mora l. I lust rações desse estágio encon t r am- se em Sófoc les - Rei Éd i p o, Ájax e sobret ud o An t í go na (450 et sqs), em Xeno f o n t e, Memo r á ve is IV, 4, 19, ent re out r os. Um pont o seria comum a ambos os momen t os: de or igem div i na ou não, as leis não escr i tas apresen tam- se com maio r ampl i t u de do que as leis escr i tas. D i f e r enc iam- se sempre dos costumes, daquelas leis comuns marcadas pela relat i v i dade uma vez que se dest i nam a um determ i nad o grupo social.” In: Agrap ho i Nom o i . D isp o n í ve l em: htt p://www. ho t t o p o s.com/n o t a n d3/agra f o i .h t m# 1 . Acessado em 27 de dezemb r o de 2006.

24 “Quando Creon te pro í be, em nome da pát r ia, que seja conced i d o ao cadáver de Poli n i ces os ri tuais funerár i os que lhe é devido e erige uma lei, um nómos para legi t i ma r uma decisão pessoal à qual emp rest ou um caráter colet i v o, atrai con t ra si não apenas as ações de An t í g o na como também a cólera dos deuses, pr inc i pa lmen t e de Hades e Di o n i so. A hybr is de Creon te condu z à hybr is de An t í go na. Impe l i da pela phy l ia à famí l ia, esta desaf iará e desobedecerá as ordens de Creon te em nome do nómos e da Di ke div i nas. Está marcada, desse modo, a oposi ção ent re o púb l i co e o pr i vad o, cr ia-se uma tensão ent re o oíkos e a cidade, ent re o mund o div in o e o mundo dos homens, ent re o tempo dos deuses e o tempo dos homens. In: Sócrates e An t í go na: os desobed ien tes. Cadern os de Atas da AN P O F . Disp on í ve l em: htt p://www. puc- rio.br/par cer ias/sbp/ pd f / 1 2-socor r o.pd f . Acessado em 27 de dezemb r o de 2006.

25 Neste plano a ant i no m i a é tratada no que entendem os hoje como di rei t o púb l i co. Nas falas de Hêmo m (versos 785/795 e no diálogo ápice de enf ren tamen t o com Creon te versos 836/839), são reveladas o que Tebas pensa, e poste r i o r me n t e con f i r m adas na últ ima estr o f e da peça pelo Cor o (que tem como papel, neste caso, expressar o pensamen t o dos cidadãos).

26 “Ago ra, o coro ganhou uma nova posição: a for ça natu ra l dos antagon ism os se legit ima e torna-se em Sófoc les e Ésqu i l o, a par t i r do impetu oso coto dion i s íaco, o “espectado r ideal izado”, o sereno represen tan te do pon t o de vista geral.” In: Fr ied r i ch N ie t z che. In t r o d u ção á tragédia de Sófoc les; apresen tação à edição brasi le i ra, tradução do alemão e notas Ernan i Chaves. RJ: Jorge Zahar, 2006. p.62.

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fi nal não é esta tempo ra l i dade do poder humano (indiv i dua l i dade, Estado ou

colet i v i dade), e sim a con f o r m i da de deste com o poder atempo ra l, o div i n o.

Não que todas as out ras anti nom ias não possam ser susci tadas através

do texto da peça, mas querer erigi-las ao pon t o cent ra l, é algo

cient i f i camen t e impossí ve l. A neut ra l i dade interp re ta t i va não demons t ra o

que querem os ver, mas sim o que é nos dado a ver. Não é a disto r ção do

texto que deve caber em nossa idéia, e sim a disto r ção de nossa idéia que

deve caber no ideal do texto.

IV. A IMPORTÂNCIA NA HISTÓRIA DO DIREITO

Os jusnatu ra l is tas que prob lema t i zam o dever-fami l ia r rel igioso de

An t í g o na como di rei t o natu ra l do homem, int r i nsecamen te enal tecendo o

poder dos opr im i d os e não dos opresso res. Vislum b ram assim um di rei t o

ineren te do homem (o da liberdade), prov i n d o da sua próp r ia natureza,

independen t e de atos norma t i v os, como por exemp l o fez Paulo Fer rei ra da

Cunha 2 7 .As antino m i as travadas na peça são de toda ordem. Ao longo dos

tempos cada um, de cada mod o, tent ou interp re ta r, inclus i ve a psique dos personagens, o embate dos interesses apresentados na peça do Sófoc les, con f o r m e Geo rge Steiner, tem neste emaranhad o de plur is ign i f i cações subjet i vas, em cada tempo, seguido um cami nh o próp r i o 2 8 .

A pr ime i ra impo r tânc ia da peça ao di rei t o é a inic ial i zação, e conseqüen te universal i zação da idéia de antino m i a jur íd i ca. Neste aspecto ganha impo r tâ nc ia histó r i ca, pois podemos enxergar o embr ião dos cri té r i os soluc i onado r es (hierárqu ico e crono l ó g i c o) das antino m i as. Ex is te a const r ução de patamares norma t i v os, o do div i n o e do human o, e, o tempo como cri té r i o, mas precisamen te a atempo ra l i dade da Lei-div i na como forma de soluci o namen t o do con f l i t o norma t i v o.

Ao tratar a solução de uma anti nom i a jur íd i ca, Sófoc les, também,

27 “Tenho para mim que essa preocupação pela Just iça e essa sinto n ia com di tames mais altos que a mera engenha r ia legal ao sabor dos vent os da efémera pol í t i ca, essa preocupação é o cr i tér i o verdadei ramen t e def i n i t ó r i o do jusnatu ra l ismo e do jusnatu ra l is ta. Ant í g o nas semp re clamarão por Leis mais altas que os decret os arbi t rá r i os dos ditado res Creon tes. O jusnatu ra l is ta está ao lado daquelas; o posi t i v is ta cump r e as ordens destes. Cien t i f i camen te, An t í go na não prova nada. Mas todos sent im os com o coração quem está cer t o.” In: Prob lemas do D i r e i t o Nat u ra l. D isp o n í ve l em: ht t p://www.h o t t o p o s.com/ v i de t u r 1 4/ pau l o.h t m . Acessado em 27 de dezemb r o de 2006.

28 “Imp r i m i n d o- se na nossa semânt i ca, na gramát i ca fundamen ta l das nossas percepções e declarações [sobre a just iça e a lei], a sintaxe de An t í go na e Creon te e o mi t o em que eles se nos revelam são “uni ve r sais concre t os” que se transf o r mam ao longo dos tempos.” In: An t í go na, trad. Miguel Serras Perei ra, Lisboa: Relóg io D’Água. 1995. p.168.

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através do mais sagrado dos sentimen t os human os da época (a religião), visual iza a mat r i z da indi v i dua l i dade humana em face do Estado- Cidade: o de ser livre 2 9 .

Alexand r e de Mo raes já destacou que a idéia defend i da por An t í go na 3 0 deve ser encarada como uma fon te histó r i ca da evol ução dos dire i t os do homem. A questão fundamen ta l é: An t í g o na represen ta no mund o ociden ta l a mãe da indi v i dua l i zação do di rei t o, pois na antigu i dade não havia sequer a idéia de di rei t os indi v i d ua is.

As pessoas eram subjugadas em tudo, tudo mesmo, até na inversão dos sentimen t os natu ra is 3 1 , à von tade do Estado- Cidade. Assim tudo deco r r i a das crenças rel igi osas, reinando estas sobre a inte l igênc ia e as von tades 3 2 .

A peça ao mesmo tempo em que inova no pensamen t o antigo, indi v i dua l i zando o di rei t o, rati f i ca a imu tab i l i dade do direi t o, existen te até

29 Sobre a liberdade dos ant igos: “É por tan t o erro singu la r, ent re todos os erros humanos, acredi ta r que nas cidades ant igas o homem gozava de liberdade, pois não tinha sequer idéia do que fosse isso. Ele não julgava possí vel que houvessem di rei t os em face da cidade e de seus deuses.” In: Fuste l de Cou langes. Ob.ci t. p.252.

30 “A or igem dos di rei t os indi v i d ua is do homem pode ser apon tada no ant igo Egi t o e Mesopo t âm i a, no tercei r o mi lên i o a.C., onde já eram prev ist os alguns mecan ismos para a pro teção indi v i d ua l em relação ao Estado. O Cód igo de Hamm u r a b i (1690 a.C.) talvez seja a pr ime i ra codi f i cação a consagra r um rol de di rei t os comuns a todos os homens, tais como a vida, a prop r i edade, a honra, a digni dade, a famí l ia, prevendo, igualmen te, a supremac ia das leis em relação aos gover nan tes. A inf l uênc ia fil osó f i co- rel igi osa nos dire i t os do homem pôde ser sent i da com a propagação das idéias de BU D A , basicamen te sobre a igualdade de todos os homens (500 a.C). Poster i o r me n t e, já de fo rma mais coor denada, surgem na Grécia vár i os estudos sobre a necessidade da igualdade e liberdade do homem, destacando- se as prev isões de par t ic i pação pol í t i ca dos cidadãos (democrac ia direta de Pér ic les); a crença na existênc ia de um dire i t o natu ra l anter i o r e super i o r às leis escr i tas, def i n i da no pensamen t o dos sof is tas e estóicos (por exemp l o, na obra An t í go na – 441 a.C -, Sófoc les defende a existênc ia de nor mas não escr i tas e imutáve is, super i o r es aos dire i t os escr i t os pelo homem). Cont u d o, fo i o Di r e i t o romano quem estabeleceu um comp lex o mecanism o de interd i t os visando tutelar os dire i t os indi v i dua is em relação aos arbí t r i os estatais. A Lei das doze tábuas pode ser considerada a or igem dos textos escr i t os consagrado res da liberdade, da prop r i edade e da pro teção dos dire i t os do cidadão.” In: D i r e i t os Huma n os Fundamen ta is. 3. ed. São Paulo: At las, 2000. p. 24-25.

31 Tendo Fuste l de Cou langes int i t u lado o capí t u l o XV I I I do Liv r o Tercei r o assim: Da oni po tê nc ia do Estado; os ant igos não conheceram a liberdade indi v i d ua l. No qual cita vár i os exemp l os da subjugação tota l das pessoas ao Estado, como: “Na hist ó r ia de Espar ta há um fato mui t o admi rado por Plutar co e Rousseau. Espar ta acabava de sof re r a der r o ta de Leuc t ra, na qual mui t os dos seus cidadãos haviam perecido. A essa not í c ia, os pais dos mor t os tinham de most ra r alegr ia em públ i co. Assim, a mãe que sabia que seu fil ho havia esacapado ao desast re e que ir ia revê-lo demons t r a r pesar e chorava. E aquela que sabia que nunca mais vol ta r ia a ver seu fi lho, most ra va alegr ia e percor r ia os temp l os agradecendo aos deuses. Aval iamos por isso qual fosse o poder do Estado que ordenava a inversão dos sent imen t os natu ra is e era obedeci do!” In: Ob.ci t. p.249-250.

32 “Quando a cidade começou a escrever suas leis, achou esse di rei t o já estabelecid o, vivendo enraizado nos costumes, fo r ta lec id o pela unân ime adesão. A cidade aceitou- o, não podendo agir de out r o modo e não ousando mod i f i cá- lo senão bem mais tarde. O ant igo di rei t o não é obra de um legislador: pelo con t r á r i o, impôs-se ao legislador. Seu berço está na famí l ia. Nasceu ali espon taneamen t e, fo rmado pelos ant igos pr inc í p i o s que a const i t u í ram. Deco r r eu das crenças relig i osas unive rsalmen te aceitas na idade pr im i t i v a desses povos e reinando sobre as intel igênc ias e as von tades.” In: Fuste l de Cou langes. Ob.ci t. p.93.

Revista do MP/GO • Goiânia, Ano X, N. 14, Mar/2007 41

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então. O di rei t o sagrado não cedia, não era revogado, era suprem o ao tempo 3 3 , este foi o respei t o enal tec id o por Sófoc les, como já di to, homem extramen t e rel igioso, que conced i da aos Deuses, e somen te a estes, o poder de di tar Leis. O pensamen t o sofoc leano fazia questão de enal tecer o respei t o a esta imu tab i l i dade, como o fez, por exemp l o, em versos da peça Édi p o Rei, quando concei t ua as Leis: “há um poderoso deus latentes nelas, eterno, imune ao perpassar do tempo.” 3 4

A imu tab i l i dade, ou seja, a impossi b i l i dade de revogação norma t i va era pri nc í p i o absolu t o na sistemat i c i dade jur í d i ca. Sendo assim, até o surgimen t o das codi f i cações antigas, como por exemp l o, as Doze Tábuas que afi rmava: “aqui l o que os suf rági os do povo ordena ram por úl t i m o, essa é a lei.” 3 5 , e, o próp r i o Sólon desejou, quando mui t o, que as leis elabo radas por ele fossem observadas duran te cem anos 3 6 .

V. APONTAMENTOS CONCLUSIVOS

Assim Sófoc les fez a histó r ia do mund o ociden ta l, não sendo mais um poeta trágico sentimen ta l is ta, e sim um grande ativ is ta pol í t i c o poét i c o, como bem ressal tou Fried r i c h N ie t zche 3 7 , revo l uc i o n o u o pensar dos antigos, erigind o a indi v i d ua l i zação do homem à norma super i o r, const r u i n d o a subjet i v i dade de dire i t o, através do único meio possível existen te: a religião. Inve r t eu o papel de cidadão, até então existen te, de fazer o que o Estado-indivíduo manda para o bem da coletividade, para mandar o Estado-coletivo fazer o bem da individualidade.

Por out r o lado, esta vangua r d is ta inversão da cidadan ia é conceb i da através do enal tec imen t o da atempo ra l i dade e da div i ndade da Lei. A indi v i d ua l i zação sofoc leana do direi t o, por mais parado xa l que seja hoje esta idéia, não foi const ru í da numa di ret r i z: o homem reconhece o direito ao próprio homem; mas sim, os Deuses concebem o bem da individualidade humana.

33 “Em princ í p i o, por ser div ina, a lei era imutáve l. Devem os nota r que nunca se revogam as leis. Pod iam se fazer leis novas, mas as ant igas subsist iam semp re, por mais con t r ad i ção que houvesse.” In: Fustel de Cou langes. Ob.ci t. p.209.

34 “Seja-me conced i d o pelos fados compa r t i l ha r da próp r ia sant i dade não só em todas as min has palav ras como em min has ações, sem exceção, mol dadas semp re nas subl imes leis or ig i ná r ias do alto céu div in o. Somen te o céu gerou as santas lei; não poder ia a cond i ção dos homens, simp les mo r ta is, falí ve is, prod uz i- las. Jamais o obl í v i o as adormece rá; há um poder oso deus latente neles, eterno, imune ao perpassar do tempo.” Éd i p o Rei, Sófoc les, versos 1029 – 1040.

35 Ti t o Lív i o, V I I , 17; I X, 33, 34. 36 Pluta rco, Sólon, 25.37 “Sófoc les não é poeta da per fe i ta harmon i a ent re o div i no e humano: subm issão e resignação

incond i c i o na i s, eis a sua dout r i na.” Ob.ci t. p.71.

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Resumo: Atualmente vive-se um estado de risco e medo qualificado pela modernização. A marca é um estado intervencionista e elevado à condição de protetor máximo e único garantidor dos direitos individuais afetados pelo risco e pelo medo de viver coletivamente. Nessa sociedade em que o risco e o medo são realidades criadas e constantes, o sstema punitvo ganha papel de destaque. O Estado Criminológico projeta fábricas de disciplina que nada mais são que fábricas de disciplina que nada mais são que fábricas de exclusão. Viver nessa sociedade é um risco, um risco criado pelo Estado.

Palavras-Chave: Risco, medo, sistema punitivo, sociedade, Estado.

O atual momen t o histó r i c o da human i dade ref le te uma era na qual vive-se um estado de risco e medo qual i f i cado pela “moder n i zação” que, segundo Ul r i c h Beck, citado por Mar ta Rodr i gues de Assis Machado, se subd i v i de em mode r n i zação simples e moder n i zação ref lex i va. Aquela teria oco r r i d o duran te o per íod o indus t r ia l e esta uma fase de transição em que “fo rmas cont í guas de prog resso técnico- econôm i c o podem se trans f o r ma r em autodes t r u i ção, em que um tipo de moder n i zação destró i out r o e o mod i f i ca” (ASSIS MAC H A D O , 2005)38. Na verdade, a const r u ção da moder n i zação ref lexa passa pelo con f r o n t o com as bases parad igmá t i cas da moder n i da de com as conseqüênc ias da mode r n i zação. É essa moder n i da de indus t r i a l que se superd i me ns i o n o u e gerou uma mode r n i dade qual i f i cada pelo risco e pelo medo. É assim que se pode imagi na r uma sociedade que pri v i legia a inter venção estatal nos vári os estágios dos relacionamen t os humanos. Um Estado inter venc i o n i s ta e elevado à cond i ção de pro te t o r máxi m o e único garant i d o r dos di rei t os indi v i d ua is afetados pelo risco e pelo medo de viver colet i vamen te. A idéia de uma moder n i da de ref lexa faz surgi r demandas mund ia is a serem tuteladas pelos Estados, à guisa do lado escuro do prog resso que é a pol u i ção, devastação da natu reza, o aquecimen t o global e o terro r i sm o. Todas essas demandas têm um pano de

38 ASSIS M AC H A D O , Mar ta Rod r igues de. SOC I E D A D E DO RISCO E D I R E I T O PEN A L – Uma aval iação de novas tendênc ias pol í t i c o- crim i na is, IBCCR I M , 2005, São Paulo, p. 29/30

João Porto Silvério Júnior*

SOCIEDADE DO PÂNICO - UMA ABORDAGEM CRÍTICA

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fundo, que é a idéia do risco de se viver em sociedade.Nesse mode l o de sociedade em que o risco e o medo são realidades

criadas e constan tes, o sistema puni t i v o ganha papel de destaque. Nu nca é demais salien tar que as relações existen tes entre o sistema penal, o sistema produ t i v o, as cond i ç ões sociais e o mercado de trabal ho têm ident i dade lógica. Essa relação perm i t i u comp reende r, segundo Vera Malagu t i Bat is ta, s con ju n t u ras de mão-de-obra abundan te com a imp lan tação de um direi t o penal con t ra as massas, em que pon t uavam execuções, mu t i lações e açoi tamen t os. Ou os sistemas penais do mercan t i l i sm o que associavam a escassez de mão-de-obra à sua explo ração na prisão, e às leis con t ra a vadiagem. Assim, histo r i camen te, associamos a prisão aos mov i me n t o s do capi tal para a Revo lução Indus t r ia l. Já no século X I X a prisão se conve r te r ia na pena mais impo r t an te para todo o mund o ociden ta l. 39

O grande desaf i o é comp reende r essas relações do sistema puni t i v o com o sistema de produção, notadamen te os ref lexos advind os desses mecan ism os selet i vos da mic r o f í s i ca do poder.

De fato, a ínt i ma relação entre o modo de produção e o sistema puni t i v o ficou clara com a obra Vig iar e Puni r de M iche l Foucau l t, na qual o auto r demons t ra com prop r i edade o nascimen t o das prisões e a estru tu ra dos estabelecimen t os penais. A eficiênc ia como pano de fundo a consagrar “prog resso” com o meno r custo possível. O preso deve trabal ha r e produ z i r para dim i n u i r o custo de sua pr isão e os estabelecimen t os penais devem ter o model o do panóp t i c o. A semelhança dos edi f í c i os das prisões com as fábr i cas, com os quar té is, escolas e hosp i ta is não é mera coinc i dênc ia, mas conven iênc ia de um mode l o capi ta l is ta indus t r ia l, no qual o meno r custo e o maio r resul tado (leia-se maio r produ t i v i da de) fazem a engrenagem social func i o na r.

A manu tenção de um regime de gover n o e o interesse econôm i c o semp re conduz i ram a pol í t i ca crim i na l no Brasi l e no mund o. Vi ve-se um momen t o no qual a missão do Estado Penal é se ajustar a cada mudança de rumo do sistema financei r o inter nac i o na l, pre fe renc ia lmen te nos povos da Amé r i ca Lat i na, eterno labora t ó r i o de crim i na l i zação da pobreza capi taneada pelos Estados Un i d os da Amé r i ca. O Estado Cr im i n o l ó g i c o pro je ta fábr i cas de discip l i na que nada mais são que fábr i cas de exclusão. Mas o impo r ta n te é que essas pessoas fiquem ali. A discip l i na do trabal ho que se impôs nas pr isões graças à revo l ução indus t r ia l criou uma sociedade do desemp rego.

39 BAT I S T A , Vera Malagu t i. Duas ou três coisas que sabemos (por causa) dele. Verso e Reverso do Con t r o le Penal – (Dês) Ap r is i o na nd o a Sociedade da Cul t u ra Pun i t i va – Vera Regina Perei ra de And rade Organ i zado r a, Home nagem a Alessand r o Barat ta, Vo l ume I, Fundação Boi teux, Flo r ian ó p o l i s, 2002, p. 190/19 1.

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Vi ve r nessa sociedade é um risco, um risco criado pelo Estado. Vi ve r nessa sociedade é cul t i va r uma paixão tr iste, é viver com um medo constan te, um medo arti f i c ia l do semelhan te, um medo fabr i cado, fabr i cado pelo Estado assessorado pela míd ia e pelos masoqu is tas de plantão.

O pio r de tudo é saber que se vive um risco constan te e um medo sem preceden tes, diga-se risco e medo gestados por esse Estado Penal da Prov i dênc ia, num momen t o histó r i c o que se diz “momen t o democ rá t i c o”. A inqu ie tação ganha espaço quando se imagi na que numa democ rac ia as pessoas dever iam ter uma part ic i pação nos negóc i os do Estado de forma livre e conscien te. Mas que liberdade se tem na atual democ rac ia brasi lei ra que pr i v i legia o medo e potenc ia l i za o risco ? Não vivem os numa democ rac ia, estamos vivenc iand o um ecli pse democ rá t i c o, no qual se tem posi t i vad o no texto da Lei Fundamen ta l todos os mecan ism os e garant ias desse regime, mas são todos sufocados pela cul t u ra do medo e do risco sociais. Tais sent imen t os são baseados na emoção da popu lação que é prop í c ia para a manu tenção da dom i nação, já que usa a mani pu lação daquele sent imen t o.

Não há a noção de cidadan ia no Brasi l, já que ninguém jamais prov o u do que seja, posto que aqui há uma fragmen ta r iedade dos dire i t os civis. O medo em relação ao crime talvez seja um dos maio res prob lemas colocados nesse perí od o que se diz democ rá t i c o. Essa cul t u ra do medo do crime enf raquece as pessoas e trans f o r ma o Estado num falso guard ião suprem o de todos aqueles di rei t os civ is fragmen tad os. Segundo Déb o ra Regina Pastana

A insegurança cul t i vada no âmbi t o da sociedade afasta o olhar da mul t i dão para seus reais prob lemas. Por out r o lado, ainda que a segurança seja um prob lema, algumas prop os tas pol í t i cas apresen tadas estão longe da solução, apenas alimen tam ainda mais o pânico. Essa é a lógica de se produ z i r um mecanism o que desvie a atenção do cidadão inde f i n i damen t e, ou seja, sempre afi rmar o prob lema e nunca resol vê- lo. 40

Por tal razão não se pode falar em democ rac ia se o que se pri v i legia é o mode l o de sufrági o uni ve rsal como um falso inst rumen t o de exerc í c i o dessa forma de gover n o. D i lacera-se a cidadan ia plena desejando- se o for ta lec imen t o do Estado inter ven t o r , eterno e soberano em detr i men t o do povo .

40 PAST A N A , Débo r a Ger i na. Cul t u ra do Medo – Ref lexões sobre a vio lênc ia cr im i na l, con t r o le social e cidadan ia no Brasi l, IBCCR I M , São Paulo, 2003, p. 19.

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É nesse caldo de cul tu ra de dom i nação que o cont r o l e social forma l ganha cont o r n o s de única solução da crim i na l i dade e, via de conseqüênc ia, o único modo de superarm os o nosso medo do crime. O que se nota é uma crescente tendênc ia de se admi t i r que a melho r forma de comba te à crim i na l i dade crescente é a também crescente inter venção estatal. É a fi l oso f i a dos defenso res da teor ia do Di re i t o Penal Máx i m o, no qual a inter venção do Estado deve ser sempre ampl iada para tip i f i car condu tas, aumen ta r as penas de deli t os mais graves, di f i cu l ta r a saída dos presíd i os e pr i v i legiar a pena de pr isão.

No regime capi ta l is ta é mais lógico man te r um Estado Crim i n o l ó g i c o que um Estado do Bem-estar-Social, afinal o crime gera emprego, faz a indús t r ia produz i r armas, faz empresas de segurança pri vada gerar riqueza e as prisões, ah as prisões!! Elas recol hem a “sujei ra” da sociedade, deixam afastados aqueles indi v í d u os, melho r, aqueles “elemen t os” (é assim que a pol í c ia, juízes e prom o t o r es par t i dá r i os dessa pol í t i ca crim i na l com der ramamen t o de sangue chamam auto res e até suspei t os de crimes) do conv í v i o com as “pessoas de bem”. Pura hipoc r i s ia. Vi ve-se um círcul o vicioso no qual a vio lênc ia se comba te com vio lênc ia (basta observar a situação em que o Estado de São Paul o exper i men t o u após a fi l oso f i a de que band i d o bom é bandi d o mo r t o inaugu rada na era Fleury), e mudar o curso dessa fi l oso f i a parece ter um custo enormemen t e pol í t i c o, que nenhum gover nan te quer se arr iscar a submete r. A emoção das massas em con ta t o com a crim i na l i dade crescen te só pode se mani f es tar em uma resposta vio len ta. Quere r atende r a essa demanda por just iça usando mais vio lênc ia só perpet ua uma situação na qual o crime no Brasi l compensa. Sérgio Salomão Schecai ra, citando Mar x, afi rma que:

O crime produz i r i a pro fesso res e livros, todo os sistema de cont r o l e social – juízes, pol ic ia is, prom o t o r es, jurados - , métod os de tor t u ra; ter ia fei t o evol u i r proced i men t os técnicos, dati l oscóp i c os, quím i cos e físicos, para detectar falsi f i cações; favo rece r ia, assim, fabr i can tes e artesãos, rompen d o a mono t o n i a da vida burguesa; enf im, daria, desta manei ra, um estímu l o às forças produ t i vas. 41

Não se ouvem vozes a incen t i va r o con t r o l e social in fo r ma l, aquele realizado pelos variados seguimen t os da sociedade: escola, igreja, clubes de serv iços, grupos de pessoas, fam í l ia, etc. Quand o se tem not í c ia que alguma cidade consegu i u baixar os índices de vio lênc ia, com certeza a vi tó r i a foi

41 Op. Cit. p. 330/331.

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consegu i da graças a uma ampla atuação de um con t r o le in fo r ma l, ou seja, antes do comet i m en t o dos crimes. Soluções simp les e baratas têm efei t os mui t o super i o res àqueles obt i d os pelo con t r o l e forma l. São exemp l os dessa tendênc ia mais lógica as inter venções em Medel l í n e Bogo tá na Colôm b ia. Al i, melh o ra ram- se os meios de transpo r te, arbo r i zaram- se e const r u í ram- se praças em áreas degradadas, pr i v i legiaram- se palest ras para pessoas envo l v i das com o crime, numa demons t ração das desvan tagens da prát ica crim i n osa, invest i u- se em saneamen t o básico, água tratada, dent re out ras medidas. É claro que uti l i zou- se dos mecan ism os do cont r o le forma l do Estado na forma preven t i va, instalando- se postos pol ic ia is permanen tes nas favelas, num mov i me n t o de aprox i mação da pol íc ia com o cidadão. Tudo medidas simp les que dão certo e que não são uti l i zadas aqui, talvez pelo pode r de devo l ve r cidadan ia ao povo, algo desin te ressante para a manu tenção da dom i nação pela fi l oso f i a do medo e do risco de se viver em sociedade.

Tal linha de pensamen t o tem susten tação na teor ia crí t i ca da crim i n o l o g i a, inaugu rada na Escand i ná v ia, com a criação por vol ta de 1966, do Kr um, sigla da Assoc iação Sueca Nac i o na l para a Refo r ma Penal. 42 A crí t i ca que se faz encon t ra ressonânc ia na ideol og ia da crim i n o l o g ia do consenso, na qual a busca pela resposta ao fenômen o crim i na l restou inf ru t í f e ra.

In fe l i zmen t e, as medidas de comba te à crim i na l i dade no Brasi l somen te ganham força nos momen t os de comoção social, regados pela onda de violênc ia desen f reada como as que vi t ima ram o meni n o João Hél i o. A resposta que os parlamen ta res dão nesses momen t os são imedia t is tas, com a aprovação de leis duras e de ocasião apenas para conter o sentimen t o de medo e insegurança potenc ia l i zados nesses momen t os. É per fe i tamen te natu ra l que a sociedade, abalada, procu re apoiar e dar sugestões mais opresso ras e puni t i vas. Ao Estado caber ia adotar a postu ra de catal izado r dessa comoção social para trans f o r má- la em ativ i dade conc re ta rumo ao cont r o le das condu tas noci vas, com pr i v i lég i o em invest i men t os na cidadan ia das pessoas.

Enquan t o esse sistema puni t i v o baseado na Dou t r i na da Lei e Ordem, na inter venção máxi ma do Di re i t o Penal, for selet i v o e estigma t i zan te, bur oc ra ta, concebend o o homem como um inim ig o de guer ra, deixando desamparada a ví t ima do deli t o, const r u i n d o prisões e mais prisões, dando pr i v i lég i o à pena de prisão, cont i nua rá a produ z i r dor inut i l men t e. A necessidade de um simbo l ism o da pena ainda é tão for te quan t o na época dos supl íc i os. Atua l men te, não se con ten ta apenas com o corp o do condenado, apode ra-se também da sua alma. Talvez o cárcere

42 SHEC A I R A , Sérgio Salomão. CR I M I N O L O G I A , edi t o r a Revista dos Tr ib u na i s, São Paulo, 2004, p.328.

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atin ja além do que os sof r i men t os visíveis do corpo exper i men t ava na Idade Méd ia. Não há como medi r os efei t os da pr isão, somen te passando pelo panóp t i c o. Segundo Shecai ra,

Cons t r u i n d o prisões, const r u i n d o ainda mais prisões, aprovand o leis que prevêem penas deten t i vas ainda mais severas, os autores da pol í t i ca moder na encon t ram um modo de fazer ver a todos, e em especial àqueles que trabalham sobre o crime como catego r ia compo r tame n t a l, que alguma coisa está se fazendo a esse propós i t o; qualquer coisa, especialmen te para que se possam afi rma r a ‘lei e a ordem’. 43

Mas parece crível que não basta apenas cri t i car o sistema puni t i v o e ser par t i dá r i o de uma teor ia abol ic i on i s ta radical, é necessár io assumi r uma postu ra mais pragmá t i ca e menos teór i ca, quando se limi ta o pensamen t o crim i n o l ó g i c o ao estudo somen te crí t i co do sistema cor re-se o risco do discurso cair no rid ícu l o, afinal os argumen t os da dou t r i na da Reação Social e da Lei e Ordem guardam harmo n i a com a sin fo n i a fúneb re de uma sociedade sof r i da com a fal ta de cidadan ia e com o aumen t o da vio lênc ia urbana. Mu i t o embo ra o crime seja uma reali dade const r u í da pela lei e pela ro tu lação da sociedade, tal const r ução pode ser mod i f i cada por uma perspec t i va menos inter venc i o n i s ta do Di re i t o Penal, como uma últ i ma razão, de caráter assessór i o; por uma preservação mais acentuada dos dire i t os humanos; por um melh o ramen t o da estru t u ra das agências de con t r o l e (polícia, Magis t ra t u ra, M i n i s té r i o Públ i c o), desbu r oc ra t i zand o- as, fazendo com que tais agências trabal hem em sinton ia; pr i v i legiando a part ic i pação da ví t ima do crime (que acaba sendo ví t ima ao quadrado, já que o sistema puni t i v o não lhe dá voz no processo, a sua von tade não interessa ao Estado); fazendo com que o sistema penal cause a meno r dor possível, que uti l i ze a pena de prisão apenas para casos graves de violênc ia e ameaça à pessoa (que sejam imp lemen t ad os as formas de mon i t o rame n t o elet rôn i c o em discussão recente no Brasi l – mui t o embo ra tal sistema ofenda a int i m i dade das pessoas); e, acima de tudo, despi r do preconce i t o de que o sistema puni t i v o seja a solução para todas as questões que nos afl igem, devendo ser dado um passo rumo à descr im i na l i zação sem tim idez. O que jamais pode ser abando nad o é este viés crí t i co moderado do sistema puni t i v o e o sonho da realização de uma sociedade verdadei ramen t e democ rá t i ca.

43 Op. Cit. p. 356.

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REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

ASSIS MAC H A D O , Mar ta Rod r ig ues de. SOC I E D A D E D O RISCO E D I R E I T O PE N A L – Uma avaliação de novas tendênc ias pol í t i c o- crim i na is, IBCCR I M , 2005, São Paulo.

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PAST A N A , Débo r a Ger i na. Cul t u ra do Medo – Ref lexões sobre a violênc ia crim i na l, cont r o l e social e cidadania no Brasi l, IBCCR I M , São Paulo, 2003.

SHEC A I R A , Sérgio Salomão. CR I M I N O L O G I A , Ed i t o ra Rev is ta dos Tr i b u na is, São Paulo, 2004.

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FRE I T A S, Wagner Cine l l i de Paula. ESPAÇ O URB A N O E CR I M I N A L I D A D E – Lições da Esco la de Chicago, IBCCR I M , São Paulo, 2002.

BAR A T T A , Alessand r o. Crim i n o l o g ia Crí t i ca e Crí t i ca do D i re i t o Penal – In t r o d uçã o à socio l og ia do D i re i t o Penal, Tradução e prefáci o de Juarez Cir i n o dos Santos, 3ª edição, Ed i t o ra Renavan, Ins t i t u t o Car ioca de Crim i n o l o g ia, Rio de Janei r o, 2002.

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Resumo: O presente artigo científico trata das questões básicas referentes à homoafetividade e a constitucionalização da família. Dentre outros aspectos, no seu desenvolver, faz-se uma incursão introdutória sobre a relevância jurídica do tema; sobre a omissão inconstitucional do Poder Legislativo diante do mesmo e sobre os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais atinentes ao caso. Conclui-se, por fim, que o próprio Pacto Social de 1988, escorado no fundamento republicano da dignidade da pessoa humana (e em vários outros princípios constitucionais), dá guarida para o desenvolvimento das uniões homossexuais, evidenciando, assim, um conceito pluralístico de entidade familiar.

Palavras-Chave: Homoafetividade – Entidade Familiar – Constitucionalização – Repersonalização do Direito Civil.

1) INTRODUÇÃO

É bem prováve l que um dos assunt os mais inst igan tes do Moderno Direito de Família seja atinen te ao reconhec i men t o jur íd i c o das uniões homoafetivas, como sendo uma das modal i dades do constitucionalizado e pluralístico concei t o de entidade familiar.

Tal assert i va se deve ao fato de que o aludi do reconhec i men t o, dent re várias out ras conseqüênc ias, conduz i rá a idéia segundo a qual ent re as famí l ias formadas por pessoas do mesmo sexo, da mesma forma que acon tece com as const i t u í das por pessoas de sexos dist i n t os (princi pa lmen t e através do casamen t o), também exist i rão os direitos sucessórios, o direito real de habitação, o direito a benefícios previdenciários, a obrigação alimentar, a possibilidade de adoção...

É certo que são das mais diversas ordens às discr i m i naç ões que giram em torn o das pessoas que têm orien tação sexual dist i n ta da que possui a

Vinícius Marçal Vieira* Liliane Jaime Mendonça de Araújo**

A HOMOAFETIVIDADE E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR

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maio r ia. A começar pelo próp r i o legislador que, igno rand o um fato da vida real, atrope la os integran tes deste segmen t o, não lhes emp res tando tratamen t o legal, em escancarada afronta por omissão ao precep t i v o const i t u c i o na l que dispõe ser um dos objet i v os da Repúb l i ca Federa t i va do Brasi l, o de “promover (inclusi ve através de lei) o bem de todos (inclusi ve os homossexua is) sem preconce i t os de or igem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer out ras formas de discr i m i nação” (artigo 3°, IV – orig i na l sem negr i t os).

Como dit o, as discr i m i nações e os preconce i t os são tão incisi v os quando se navega pelo tema das relações homossexua is que, como bem ponde r o u TA ÍS A RIB E I R O FER N A N D E S 44, “até quem escreve sobre elas é ví t ima de preconce i t o”.

Não obstan te o silênci o do Poder Legislat i v o, a comun i dade homossexua l, a cada dia mais, tem buscado no Judic iár i o o amparo de seus dire i t os. An te a fal ta de um regramen t o especí f i c o, os magist rad os, especialmen te, os integran tes da ul t ra respei tada Corte Gaúcha de Justiça, escorados em abal izadas dou t r i nadas vanguar d i s tas e na interp re tação sistêm ica da Lex Fundamentallis de 1988, da qual se extra i que o pulmão do ordenamen t o jur í d i c o brasi lei r o perpassa pelo fundamento basilar da Repúb l i ca (artigo 1°, I I I), o pr inc í p i o da dignidade da pessoa humana, e, ainda, pelos veto res da solidariedade social e da igualdade substancial, têm visual i zado no “afeto” a palavra de ordem na seara do Constitucionalizado Direito de Família e, nessa linha de idéias, reconhec i d o direi t os, deveres e a natu reza de entidade fami l ia r às famílias homoafetivas, em franca analog ia com o inst i t u t o da união estável heterossexual (artigo 1.723, caput, do Cód igo Civ i l).

Impende observar, todav ia, que essa estei ra de entend i men t o emanada do Tr i b u na l de Justiça do Rio Grande do Sul, não vem sendo seguida de manei ra uni f o r me pelas demais Casas de Justiça do país que, não raramen te, soco r rem- se do direito das obrigações (!) para tratarem dessas questões como se fossem meras “sociedades de fato” formadas por pessoas de sexo idênt i c o, o que somen te faz aumen ta r a gama de dúv i das, incer tezas e cont r o vé rs ias relat i vas ao tema que ora propusem os a escrever. Além disso, intensi f i cam- se ainda mais os reclamos por uma urgen te e porme n o r i zada codi f i cação do assunt o em test i l ha.

Na verdade, essa busca social pelo reconhec i me n t o de dire i t os é por demais antiga, sendo cer to que até mesmo as tradic i o na is uniões estáveis enf ren ta ram preconce i t os e discr i m i naç ões semelhan tes à que os casais homossexua is vivenc iam atualmen te. Nesse sent ido, MAR I A CLA U D I A CRESPO BRA U N E R e TA YS A SCH I O C C H E T 45, pro fessam que:

44 Uni ões Hom ossex ua is – efeit os jur í d i cos. São Paulo: Mét o d o, 2004, p. 17.45 O reconhecimento jurídico das uniões estáveis homoafetivas no Direito de Família brasileiro. Série Grandes

Temas do D i r e i t o Privad o – vol. 03. Ques tões Cont r o ve r t i das no di rei t o de famí l ia e das sucessões.

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“Se reavi va rm os nossa memó r i a seria possível lemb ra r que as uni ões estáveis heterossexua is sof reram idênt i ca resistênc ia impos ta atualmen te às uni ões estáveis ent re pessoas do mesmo sexo. As relações antes denom i nadas ‘concub i na t o’ foram reconhec i das como entidade fam i l ia r por meio do texto const i t uc i o na l. E, mesmo depois de reconhec i das expressamen te pela Const i t u i ção de 1988, havia grande resistênc ia e mesmo quem defendesse que ‘as uni ões estáveis geravam apenas efei t os prev i denc iár i os e obr igaci o na is, mas não fami l ia res”. 46

Final i zand o este int r ó i t o, é assaz necessári o perceber-se que um direito que não acompan ha a evol ução natural da sociedade está fadado a ser um não-direito, por descum p r i r , em vista disso, sua final i dade precí pua, qual seja: a prom o ção da just iça e a paci f i cação social.

2) A FAMÍLIA CONSTITUCIONALIZADA: UMA VISÃO PLURALÍSTA DO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR

A palavra “fam í l ia” ainda traz junt o a si, por ref lexo da in f l uênc ia judaico- cristã na formação cul tu ral do povo ociden ta l, os cont o r n os do model o mais convenc i o na l, o mat r i m o n i a l: um homem e uma mul he r que se uni ram pelo casamen t o e criaram seus fi l hos e netos.

A té bem pouco tempo, o mol de patr iarcal da famí l ia foi o que se

destacou ent re nós. O homem era considerado seu chefe. O senho r das

decisões tomadas no seio dela. A mul he r, subm issa ao seu mar i d o,

desempen ha va um papel de mera coadju van te. Somen te aos fi l hos

consi de rados legítimos eram resguardados dire i t os.

No entant o, esta reali dade mudou. O mund o se desenvo l veu. A era

da global i zação criou for tes raízes. D i re i t os reiv i nd i cados foram

consagrados. A mul he r se “emanc i p o u”. Saiu do lar em busca de sua

independênc ia, dando iníci o, assim, a um mov i me n t o de democratização familiar.

São Paulo: Mét o d o, 2005, p. 317.46 CZ AJ K O W S K I , Rainer. União livre à luz da Lei 8.971/94 e da Lei 9.278/96. Cur i t i ba: Juruá, 1996, p.

27.

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Pode-se afi rmar que o mov i me n t o supra refer i d o se robusteceu ainda

mais com a nova estru tu ra desenhada pelo Pacto Social de 1988, onde o

bal izamen t o mor dos di rei t os human os, o pr inc í p i o da dignidade da pessoa humana, fora alçado à cond i ção de subst ra t o jur í d i c o fundamen ta l da

Repúb l i ca (artigo 1°, I I I), ocupand o assim o mais elevado pico de todo

nosso ordenamen t o jur íd i c o.

Dessar te, par t i n d o- se do grande alicerce do núcleo essencia l dos

dire i t os fundamen t a i s, o paradigma da dignidade do ser humano – “verdadei ra mo la de propu lsão da intang i b i l i dade da vida humana, dele deco r ren d o o

necessári o respeito à sua integridade física e psíquica e às condições básicas de igualdade e liberdade, além da afi rmação da garant ia de pressupostos materiais mínimos para que se possa viver” 47 –, é de se ver que o moder n o D i re i t o de

Famí l ia passou a se vesti r com uma nova roupagem (constitucionalizada), despida das amar ras do preconce i t o e da desigualdade.

Nessa novel mo ld u ra, a idéia de família está totalmen t e desvi ncu lada

do caráter patr i m o n i a l is ta, indi v i d ua l is ta e mat r i m o n i a l is ta que di t ou o nor te

do Cód igo Civ i l de 1916. Atua lmen te, por tan t o, os traços caracter ís t i c os das

entidades familiares dei tam suas raízes no sent imen t o de afeto 48, de liberdade, de igualdade, de solidariedade social, enf im, de valo r i zação e consagração dos direitos de personalidade, dent re os quais, o de ser feliz.

É essa concepção que dá guar ida ao concei t o plural de famí l ia. Uma concei t uação aberta, fundada em ideais democ rá t i c os que pautam pelo

respei t o às di fe renças int r í nsecas de cada ser vivo que compõe um grupo

uni do pelo laço do amor.

Esco rada nessa visão pluralista da família, a intang í ve l

dou t r i nado ra, MAR I A BERE N I C E D I A S 49, leciona, com pro f i c iênc ia

ímpar, que:

47 FAR I A S, Cr is t iano Chaves de. Reconhecer a Ob r i gação Al imen ta r nas Un i ões Hom oa f e t i vas: Uma Questão de Respei t o à Cons t i t u i ção da Repúb l i ca, in Revista Brasi lei ra de D i r e i t o de Famí l ia - N° 28. p. 27.

48 Nesse con tex t o, BRA U N E R , Mar ia Claud ia Crespo e SCH I O C C H E T , Taysa (Op. cit., p. 318) ensinam que: “Impu ls i o na do pela nor ma t i va const i t u c i o na l de 1988, o reconhec i me n t o do afeto nas relações fami l iares, enquan t o elemen t o nuclear, conduz i u o Di r e i t o de Famí l ia ao fenôme n o da ‘repersona l i zação’. É impo r t an te perceber que o espaço conqu is tado pela dimensão afet iva do Di r e i t o de Famí l ia represen t ou um div iso r de águas. Quand o o afeto era presum i d o, o ordenamen t o jur í d i co valo r i zava sobre tud o os aspect os forma is das relações fami l iares. At ua lmen t e, com o caráter da essencia l i dade do afeto para as relações fami l iares, o dire i t o passou a considerá-lo elemen t o imp rescin d í ve l para tais relações”.

49 Manual de Direito das Famílias. 3ª ed. São Paulo: Ed i t o r a Revista dos Tr i bu na is, 2006, p. 37.

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“A Constituição Federal, rast reando os fatos da vida, viu a necessidade de ser reconhec i da a existênc ia de out ras ent idades fami l ia res, além das const i t u í das pelo casamento. Assim, enlaçou no concei t o de famí l ia e empres t o u especial pro teção à união estável (CF 226 § 3°) e à comun i dade formada por qualquer dos pais com seus descenden tes (CF 226 § 4°), que começou a ser chamada de fam í l ia monoparental. No entan t o, os tipos fami l ia res expl i c i tad os são meramen t e exemp l i f i ca t i v os, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecend o referênc ia expressa. Mas não só nesse limi tad o uni ve rso flagra-se a presença de uma famí l ia. Não se pode deixar de ver como fam í l ia a universalidade dos filhos que não con tam com a presença dos pais. Dentro desse espectro mais amplo, não cabe excluir os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm entre si relação pontificada pelo afeto a ponto de merecerem a denominação de uniões homoafetivas. Dita flexibilização conceitual vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados, adquiram visibilidade, o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas que as pessoas encontram para buscar a felicidade”. (original sem negr i t os).

Este desenho plural is ta da entidade fami l ia r é o único que se comp raz com um sistema que busca extrai r de todos os inst i t u t os jur íd i c os sua máxima efetividade. Adema is, a próp r ia reali dade que se instau r ou ent re nós, onde, a cada dia mais, pessoas de sexo idênt i c o unem- se com prop ós i t os de man te rem uma vida em comum sob o mesmo teto, de con f u n d i r em seus patr i m ô n i o s e fund i rem seus sent imen t os, impõe uma aber tu ra interp re ta t i va const i t u c i o na l i zada do concei t o de “fam í l ia”.

Nesse compasso, ao apresentar a obra de Peter Häbe r le, G I L M A R FERR E I R A ME N D E S 50 anota que:

“(...) Häberle propugna pela adoção de uma hermenêutica constitucional adequada à

50 Her menêu t i ca Cons t i t u c i o na l – a sociedade aber ta dos intér p re tes da Cons t i t u i ção: con t r i bu i ção plura l is ta e “proced i men t a l” da Cons t i t u i ção. Por t o Alegre: Sergio An t o n i o Fabr is Ed i t o r , 2002, p. 9.

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sociedade pluralista ou à chamada sociedade aberta. Tendo em vista o papel fundan te da Cons t i t u i ção para a sociedade e para o Estado, assenta Häbe r le que todo aquele que vive a Constituição é um seu legítimo intérprete.Essa concepção exige uma radical revisão da metod o l o g i a jur í d i ca tradic i o na l, que, como assinala Häber le, esteve mui t o vincu lada ao model o de uma sociedade fechada. A interp re tação const i t uc i o na l dos juízes, ainda que relevan te, não é (nem deve ser) a única. Ao revés, cidadãos e grupos de interesse, órgãos estatais, o sistema público e a opinião pública constituiriam forças produtivas de interpretação, atuando, pelo menos, como pré-intérpretes (Vorinterpreten) do complexo normativo constitucional”. (original sem negr i t os).

Dessa forma, com segurança, pode-se afi rma r que ao enunc iar que a famí l ia é a base da sociedade e tem especial pro teção do Estado, a Car ta Magna (artigo 226, caput) pretende tutelar o conceito vivo de entidade familiar 51, e não aquele de out r o ra, ret róg rado, mach is ta e desumano, que impero u nos meados do século passado.

3) O RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS

Não obstan te a já menc i o nada om issão (inconstitucional 52) do legislado r in f racons t i t u c i o na l, que insiste em fechar os olhos para um dado do mund o real, igno rand o que as uni ões ent re pessoas do mesmo sexo const i t uem um fato (tanto na sociedade brasi lei ra como também no resto do mund o), é possível buscar na próp r ia Const i t u i ção Federal de 1988 o fundamen t o jur í d i c o para o reconhec i me n t o de tais uni ões, como mais um dent re os vári os mode l os de grupos familiares por ela con tem p la dos (direta ou indi re tamen t e).

51 “É impo r t an te menc i o na r que nem o Cód igo de 1916 nem o Cód igo de 2002 def i nem o que é famí l ia. Deve-se entender, por tan t o, ext raind o- se do art. 226, caput, da Cons t i t u i ção, famí l ia com sent i do mais ampl o, abarcando tanto a famí l ia fundada no casamen t o, as uniões estáveis, as famí l ias mono pa r en ta is, bem como todas as fo rmas possíve is de comun hão, inclus i ve as hom ossexuais” (FERN A N D E S , Taísa Ribei r o. Op. cit., p. 49).

52 Asser t i va fir mada na introdução deste art igo.

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An tes de tudo, nunca se pode olv i dar que a pedra angular que const i t u i o fundamen t o maio r de nossa Repúb l i ca é, precisamen te, o pri nc í p i o que coloca o ser human o no ápice de todo o sistema jur íd i c o: o da dignidade da pessoa humana 53.

Par t i nd o- se desta prem issa, a de que o Pacto Social fi rmad o em 1988 coloca a vida digna das pessoas acima de todos os out r os valo res, a human i zação das relações inter pessoais e o direi t o de ser feliz 54, ainda que para isso seja preciso fugi r do model o tradic i o na l me n t e impos t o (direito de ser diferente), ganham um novo colo r i d o e passam a const i t u i r as vigas mest ras das entidades familiares.

Nessa linha de intelecção, com a maest r ia de semp re, um dos grandes responsáve is pelo fenômen o da repersonalização do Direito Civil, GUST A V O TEP E D I N O 55 pro fessa que:

“A escolha da digni dade da pessoa humana como fundamen t o da Repúb l i ca, associada ao objet i v o fundamen ta l de errad icação da pobreza e da marg i na l i zação, e de redução das desigual dades sociais, juntamen te com a prev isão do parágra f o 2° do art. 5°, no sent ido da não-exclusão de quaisque r dire i t os e garant ias, mesmo que não expressos, desde que deco r ren tes dos pri nc í p i os adotados pelo texto maio r, con f igu ram uma verdade i ra cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máx im o do ordenamen t o ”.

A i n da com os olhos vol tados para esta ótica civi l-cons t i t u c i o na l is ta, CR IST I A N O CH A V E S DE FAR I A S 56 dispara:

53 “A dign idade do homem reside no fato de ele ser inde f i n í ve l. O homem é como é, por que reconhece essa digni dade em si mesmo e nos out r os homens. Kan t o disse de manei ra maravi l h osamen t e simp les: nenhum homem pode ser, para out r o, apenas meio; cada homem é um fim em si mesmo” (ALV ES, Gláuc ia Cor rea Retamoz o Barcelos. “Sobre a dign idade da pessoa”, in MAR T I N S- COST A, Judi t h (org.), A reconstrução do Direito Privado. São Paulo: Ed i t o r a Revista dos Tr ib u na i s, 2002, p. 228).

54 Nessa arqui tet u ra, impende obser var que “a sexual i dade integra a próp r ia cond ição humana. É di rei t o humano fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimen t o, pois decor r e de sua próp r ia natu reza. Como dire i t o do indi v í d u o, é um dire i t o natu ra l, inal ienáve l e imp resc r i t í ve l. N i ng uém pode se real izar como ser humano se não tiver assegurado o respei t o ao exercíc i o da sexual i dade, concei t o que comp r eende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre or ien tação sexual. O di rei t o a tratamen t o igual i tár i o independe da tendênc ia afet i va. Todo ser humano tem o di rei t o de exigi r respei t o ao livre exerc íc i o da sexual i dade” (DIAS, Mar ia Bereni ce. Op. cit., 176).

55 Temas de Direito Civil. 2ª ed. Rio de Janei r o: Renova r, 2001, p 48.56 Op. cit., p. 32. O mesmo auto r, em out ra obra de leitu ra obr igat ó r i a (Direito Civil – Teoria Geral. 3ª ed.

Rio de Janeir o: Lumen Juris, 2005, p. 95), emenda seu racioc í n i o aduzin d o que: “surge, pois, em razão dessa nova perspec t i va jur í d i ca prop o r c i o na da pela Lex Mater, um conceito contemporâneo

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“(...) forçoso é reconhece r que, além da famí l ia tradi c i o na l, fundada no casamen t o, out r os arran j os fami l ia res merecem proteção constitucional (arts. 1°, I I I , 3°, 5° e 226, caput: ‘a famí l ia, base da sociedade, tem especial pro teção do Estado’) por cumprir a função que a sociedade contemporânea destinou à família: entidade de transmissão da cultura e formação da pessoa humana digna. Por isso, é necessári o comp reendê- la como sistema democrático, como um espaço aberto ao diálogo entre os seus memb r os, onde é almejada a felicidade e a realização plena.É nessa exuberante arquitetura civil-constitucional, construída para a proteção da pessoa humana, que sobreleva afirmar a compreensão das uniões homoafetivas como núcleos familiares merecedores de ‘especial proteção do Estado”. (sem negr i t os na redação orig ianal).

Dessa manei ra, com fulc r o nesta visão, que pauta pela filtragem constitucional de todos os inst i t u t os, inter p re tações e regras constan tes do

sistema, estr i bado ainda nos valo res basilares da igualdade matSerial 57

(artigos 3° e 5° da Magna Car ta), da não-discriminação e do repúd i o ao

preconceito (Art. 3°. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – prom o ve r o bem de TODOS , sem preconceitos de origem, raça, SEXO , cor, idade e quaisquer out ras formas

de discriminação” – sem destaques no or ig i na l) e, também, no desenvo l v i m e n t o pluralista do concei t o de entidade fami l ia r, conquan t o o

de personalidade jurídica, desenhada a par t i r de um ‘mínimo ético’ e de um ‘mínimo existencial’, que não podem ser vio lados nem pelo Poder Públ ico, nem pelos demais memb r os da sociedade pr i vada. Talvez por isso, Luís Rober t o Bar r oso, grande represen tan te do novo cons t i t u c i o na l ism o democ rá t i c o brasi lei r o, vat ic i ne que a efet i v i dade dos valo res cons t i t u c i o na i s resul ta na ‘vol ta aos valo res, na reapro x i mação ent re ética e Di r e i t o’”. Assim, seria “líci t o verberar que o reconhecimento da fundamentalidade da dignidade da pessoa humana produz como consectário lógico a reapreciação (revisita) dos velhos institutos (e dogmas) civilísticos, em particular a pessoa, a auton om ia da von tade, o pat r i m ô n i o, o con t r a t o, a prop r i edade e a família”. (negri tei).

57 “(...) ao elencar os dire i t os e garant ias fundamen t a is, proc lama (CF 5°): todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Esses valo res imp l i cam dota r os pr inc í p i os da igualdade e da isonomia de potenc ia l i dade trans f o r ma d o r a na con f i gu ração de todas as relações jur í d i cas. Fundame n t o de igualdade jur í d i ca deixa-se fixar, sem di f icu l dades, como postu lado fundamen ta l do Estado de D i r e i t o” (DIAS, Mar ia Bereni ce. Op. cit., 175).

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const i t u i n te não tenha se refer i d o de manei ra expressa às uni ões

homoa fe t i vas, é de se percebe r (facilmen te) que sua gênese emana da

próp r ia Lei Suprema.

G i zadas estas considerações, natu ra l o reconhec i men t o do art igo 226

da Const i t u i ção Federal como sendo uma cláusula geral de inclusão, pela qual se pro í be a exclusão de toda e qualquer entidade que preencha os

requisi t os mín i m os para que possa se con f igu ra r como familiar: afetividade, estabilidade e ostensividade.

Nessa rota de entend i me n t o, com espeque em PAU L O LU I Z NE T O LÔB O 58, temos que:

“Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecend o referênc ia expressa. As demais entidades fami l ia res são tipos imp l í c i t os no âmbi t o de abrangênc ia do conce i t o ampl o e indeterm i nad o de famí l ia indicada no caput. Como todo conceito indeterminado depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à atipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade”. (sem negr i t os no or ig i nal).

Ai n da sobre a menc i o nada cláusula geral de inclusão, vale transcreve r, por suas auto r i dades, os ensinamen t os que emanam das dou t r i nas mais abal izadas a esse respei t o:

“A Const i t u i ção, rast reando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhece r a existênc ia de relações afet i vas fora do casamen t o. Assim, emp res to u especial pro teção às entidades fami l ia res formadas por um dos pais e sua pro le, bem como a união estável entre homem e mul he r. Esse elenco, no entanto, não esgota as formas de convívio merecedoras de tutela. A norma (CF 226) é uma cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade,

58 Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do numer us clausus. In Revista Brasi lei ra de Di r e i t o de Famí l ia - N° 12, p. 45.

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estabilidade e ostensividade. Não se pode deixar de reconhece r que há relacionamen t os que, mesmo sem a divers idade de sexos, atendem a tais requisi t os. Têm or igem em um víncu l o afet i v o, devendo ser iden t i f i cad os como ent idade fami l ia r a merecer a tutela legal” 59. (original sem destaques).“É necessári o evi tar que persis ta uma hierarqu ia ent re os mode l os fam i l ia res, de modo a retoma r, novamen t e, como parad igma o casamen t o e, assim, ajustar arbi t ra r iamen t e todas as out ras entidades fami l ia res aos seus pressupos t os. A Constituição prevê a pluralidade de formas de constituir família e não estabelece qualquer hierarquia entre as mesmas. Além disso, os tipos familiares explicitados são meramente exemplificativos, uma vez que o caput do art. 226 da Cons t i t u i ção tem uma previsão aberta e genérica a part i r do termo família” 60. (sem destaques no or ig i na l).“(...) o const i t u i n t e limi t o u- se a menc i o na r algumas hipó teses (as mais comuns, habi t uais) de grupos fami l ia res – o casamen t o, a união estável e a famí l ia mon o pa re n ta l – sem, contudo, exaurir o rol e, naturalmente, sem excluir de seu agasalho protetivo outras entidades também alicerçadas no afeto” 61.“(...) percebemos que o rol de relações trazido pelo art. 226 é meramen t e exemp l i f i ca t i v o, pois o legislado r const i t uc i o na l, ao pro teger aquelas espécies, não exclu i u out ra que, mesmo não estando expressamen te prev is tas na Const i t u i ção, os citados pr inc í p i os reconhecem e tutelam. Ele não é exaust i v o no sent ido de que a única forma de união estável é a heter ossexual. (...) Pelo exposto, demonstrado que o caput do art. 226 da Carta Política é uma cláusula geral de

59 D I AS, Mar ia Beren i ce. Op. cit., p. 175.60 BRA U N E R , Mar ia Claud ia Crespo e SCH I O C C H E T , Taysa. Op. cit., p. 321. As auto ras ainda

incluem em nota de rodapé (N° 19), na mesma página citada, que “O art. 226, § § 4° e 8°, da Cons t i t u i ção de 1988 estabelece pro teção à famí l ia. E por não fazer referênc ia a determ i nad o tipo de famí l ia esses dispos i t i v os são considerad os normas de inclusão”. (negri tei).

61 FAR I A S, Cr is t iano Chaves de. Op. cit., p. 34.

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inclusão, inadmitindo exclusão de qualquer forma de entidade familiar; que o § 3° do mesmo artigo, que tem a diversidade de sexos como pressuposto para a configuração da união estável, deve ser interpretado conforme os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade e da afetividade jurídica e que seu § 4°, por possuir uma conjunção aditiva ‘também’, torna evidente seu caráter exemplificativo e permite-nos reconhecer as relações homoafetivas como entidades familiares” 62.

Para além desta argumen tação, há que ser fei ta uma impo r ta n te ponde ração: se a união ent re sobr i n h os e tios, ent re netos e avós e, ainda, ent re irmãos const i t uem entidades fam i l ia res, fáci l perceber que o rol prev ist o na Const i t u i ção é numerus apertus (meramen te exemp l i f i ca t i v o) e, em decor rênc ia disso, as uniões homoa f e t i vas também merecem ser reconhec i das como entidades familiares, dignas de idênt i ca tutela 63, “ou a República é democrática para todos, menos para os que têm uma orientação sexual diferente da maioria?” 64.

4) O PODER LEGISLATIVO E A AUSÊNCIA DE LEI SOBRE A HOMOAFETIVIDADE

Como já fixado em linhas vol v i das, não existe entre nós nenhum

62 AN D R A D E , Di og o de Calasans Mel o. Adoção entre Pessoas do Mesmo Sexo e os Princípios Constitucionais. In Revista Brasi lei ra de Di r e i t o de Famí l ia - N° 30, p. 108.

63 Com apoio em honr osa dout r i na, o Tr ib u na l de Just iça do Rio Grande do Sul já proc lamo u que as uniões estáveis cons t i t uem o paradigma supletivo no qual se escora as uniões ent re pessoas de sexo idên t i co. Assim ter íamos: uniões estáveis heter ossexuais e uniões estáveis homossexua is. À prop ós i t o, colha-se o julgado: “U N I Ã O HO M O SS E X U A L . REC O N H E C I M E N T O . PARTILHA DO PATRIMÔNIO . CO N T R I B U I Ç Ã O DOS PARC E I R O S. ME A Ç Ã O . Não se perm i t e mais o far isaísmo de desconhecer a existênc ia de uniões ent re pessoas do mesmo sexo e a prod ução de efei t os jur í d i cos der i vad os dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüênc ias semelhan tes às que vigoram nas relações de afeto, buscando- se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Des ta fo rma, o pat r i m ô n i o havid o na cons tânc ia do relacionamen t o dever ser part i l hado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação prov i da, em par te, para assegurar a div isão do acervo ent re os parcei r os” (TJRS. Ape lação Cível 70001388982. 7ª Câmara Cível. Relato r Desem ba rgado r José Car los Teixei ra Gi o r g is. Julgada em 14/03/2001) – sem negr i t os no or ig inal.

64 FER N A N D E S , Taísa Ribei r o. Op. cit., p. 69.

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disposi t i v o de lei regulamen ta nd o expressamen te as uniões homoa f e t i vas. O tremend o repúd i o social aos homossexua is term i na por inib i r o legislado r, que tem grande resistênc ia em criar leis (ou acelerar o proced i men t o legislat i v o de um pro je t o em trâmi te) que visem reconhece r dire i t os a uma parcela tão execrada pela sociedade 65.

Apesar da om issão legislat i va hoje existen te, alguns parlamen ta res, de manei ra corajosa, têm buscado soluci o na r esta tão del icada questão.

Em 1995, a então Depu ta da Federal, Mar ta Supl icy, apresent o u à Câmara dos Depu ta dos o Pro je t o de Lei n° 1.151, que propu n ha a união civil entre pessoas do mesmo sexo66. Emb o r a não esteja mais em discussão, dado que foi apresen tado pela Com issão Espec ia l um “Substitutivo”, de auto r ia do Ex-Depu ta do Federal Rober t o Jef ferso n, que se encon t ra atualmen te em trâm i te, merece ser reverenc iad o por sua imensa impo r tâ nc ia histó r i ca e por seu pione i r ism o.

Algumas di fe renças são faci lmen te perceb i das entre o Proje t o or ig i nal e o seu Subst i t u t i v o. Este trata da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo67, sem dar ênfase à or ien tação sexual dos parcei r os. Aquele objet i vava tratar diretamen te da união civ i l ent re homossexua is, sendo mais especí f i c o. Todav ia, mesmo sem contem p la r a homoa fe t i v i dade de manei ra precisa, TA ÍS A RIB E I R O FER N A N D E S 68, em observação digna de aplausos, aduz que:

“o Substitutivo atende a todas as pessoas de mesmo sexo – que façam sexo entre si ou não, que tenham ou não um relacionamento amoroso – que queiram garantir-se reciprocamente. Trata de dire i t os da maio r impo r tânc ia, e não agride a famí l ia, nem a sociedade, nem nenhuma religião. É uma propos ta que prest ig ia o amor, a sol idar iedade, e não o ódi o, a int rans igênc ia. (...)Vê-se, portanto, que o Substitutivo pretende ser mais abrangente, tratando das parcerias formadas entre duas pessoas de mesmo sexo, quer tenham uma relação afetiva decorrente da

65 “Por pur o preconce i t o (o legislador) não aprova leis vol tadas a mino r ias alvo da discr im i nação. Não são apreciados sequer pro jet os que possam desagradar o elei t o rad o e colocar em risco a reeleição” (DIAS, Mar ia Bereni ce. Op. cit., p. 176).

66 Ar t. 1°. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhec i me n t o de sua união civi l, visando à pro teção dos dire i t os à prop r i edade, à sucessão e dos demais assegurados nesta Lei.

67 Ar t. 1°. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhec i men t o de sua parcer ia civi l regist rada, visando à pro teção dos dire i t os à prop r i edade, à sucessão e aos demais regulados nesta Lei.

68 Op. cit., p. 140.

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sua homossexualidade, e de outras, também entre pessoas do mesmo sexo, sem que a sexualidade esteja envolvida, como num relacionamento entre tio e sobrinho, dois irmãos etc”. (sem negr i t os no orig i nal).

Ou t ra tenta t i va de regulamen tação do tema em comen t o, também apresentada pelo Ex-Depu ta do Federal Rober t o Jef ferso n, consta do Pro je t o de Lei n° 5.252/2001, que pretende criar e discip l i na r o pacto de solidariedade entre pessoas69. Como é de se ver, seu art igo 1°

“é quase uma transcr i ção, quant o às final i dades, do art. 1° do Subst i t u t i v o ao Pro je t o de Lei 1.151, e os demais art igos do Pro je t o de Lei 5.252 repetem, em linhas gerais, o que já diz o Subst i t u t i v o. Conc l u i- se, então, que o pri nc i pa l objet i v o deste Proje t o foi deixar de lado a referênc ia a pessoas do mesmo sexo, menc i o nand o, somen te, que duas pessoas podem estabelecer o pacto (...).As duas pessoas autorizadas a celebrar o pacto podem ser do mesmo sexo ou de sexo diferente, mantendo ou não um relacionamento amoroso entre si”70. (sem negr i t os na redação orig i nal).

Assim, apesar de não ser um pro je t o de lei que almeje atende r, especi f i camen t e, aos reclamos da comun i dade gay, da forma como o mesmo se encon t ra redig i do, nada obstará que duas pessoas homossexuais celebrem o menc i o nad o pacto de solidariedade.

A i n da com obje t i v o de ampara r legalmen te as sociedade de afeto entre pessoas de sexo idêntico, o Senador SÉRG I O CABR A L (PMDB/RJ), no dia 03 de setemb r o de 2003, apresent o u à Com issão de Const i t u i ção, Justiça e Cidadan ia do Senado a Propos ta de Emen da Const i t uc i o na l n° 70/2003 71.

Com tal medi da, almejou- se alterar o § 3° do art igo 226 do Pacto Social de 1988, para inclu i r no concei t o de entidade familiar reconhec i da pelo Estado os casais formad os por pessoas do mesmo sexo, sem, cont u d o, con fe r i r- lhes a possib i l i dade de se casarem.

69 Ar t. 1°. É assegurado a duas pessoas o estabelecimen t o do pacto de sol idar iedade, visando à pro teção dos dire i t os à prop r i edade, à sucessão e aos demais regulados nesta Lei.

70 FER N A N D E S , Taísa Ribei r o. Op. cit., p. 142-143.71 Mar ia Beren i ce D ias (op. cit., p. 176) também faz alusão a uma “prop os ta de emenda

constitucional, para inser i r ent re os objet i v os fundamen ta is do Estado (CF 3° IV) o de prom o ve r o bem de todos sem preconce i t o de or ien tação sexual (PEC 139/95)”.

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O menc i o nado precep t i v o const i t uc i o na l passaria, então, a ter a seguin te redação:

“Para efei t o de pro teção do Estado, é reconhec i da a união estável entre casais heter ossexuais ou homossexua is como entidade fami l ia r, devendo a lei faci l i ta r a sua conve rsão em casamen t o quando existen te ent re homem e mul he r”.

In fe l i zme n te, no dia 20 de outub r o de 2006, o proced i me n t o legislat i v o referen te à aludi da Propos ta de Emenda Cons t i t u c i o na l foi def i n i t i vamen te arqu i vado, por solic i tação do mesmo Senador (SÉRG I O CABR A L) que, antes, havia apresen tado- a para deli beração 72.

D ian te desse quadro, apesar de algumas poucas propostas legislat i vas no sent ido de con fe r i r jur i d i c i dade às uni ões homoa f e t i vas, a nuvem escura que ainda pai ra sobre nós é a da omissão inconstitucional do legislador que, mesmo diante deste fato social de tão impo r ta n te relevânc ia, fur ta-se ao dever de promover (por meio da lei) o bem de todos (heterossexuais e homossexua is) – artigo 3°, IV, da Const i t u i ção Federal de 1988 – e atrope la preconce i t u osa e discr i m i na t o r iamen t e, através de um abom i ná ve l silênci o, parcela expressi va de cidadãos brasi lei r os, deixando- os ór fãos de reconhec i men t o legal, pois, “é mais fácil acreditar que aquilo que não se ouve, que não se vê, não existe” 73.

Em vias de arrema te, impo r ta trazer à bai la o fato de prov i r do Poder Judic iár i o do Rio Grande do Sul um ato normativo (não se trata de lei em senti do estr i t o) que se repo r ta expressamen te às uniões homossexua is, reconhecend o, assim, a existênc ia jur íd i ca destas. Tra ta-se do parágra f o único do artigo 215 da Conso l i dação No r m a t i v a No ta r ia l e Regist ra l, o qual foi acrescen tado no citado diploma por meio do Prov i men t o n° 06/2004, da Cor regedo r i a-Geral da Justiça gaúcha, e tem a seguin te redação:

“As pessoas plenamen te capazes, independente da identidade ou posição de sexo, que vivam uma relação de fato duradou ra, em comun hão afet i va, com ou sem comp r o m i ss o patr i m o n i a l, pode rão regist ra r documen t os que digam respei t o a tal relação. As pessoas que pretendam constituir uma união afetiva na forma anteriormente referida também poderão

72 In f o r maç ões dispon i b i l i zadas no site: htt p://www.senado.gov.b r .73 Cf. D I A S, Mar ia Bereni ce. A voz do silêncio. Pub l i cado em: htt p://www.ma r iaberen i ce.com.b r .

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registrar os documentos que a isso digam respeito”. (original sem negr i t os).

É cer to que para serem expu rgadas todas e quaisquer discussões atinen tes a esta matér ia, uma mín i ma prev isão legislat i va faz-se necessár ia, pri nc i pa l men t e no Brasi l, onde a cul tu ra jur í d i ca dos operado res do di rei t o promana, em primei r o lugar, da lei 74. No entant o, “o fato de um prov i me n t o do Poder Judiciá r i o chamar de união estável a relação afet i va ent re pessoas do mesmo sexo é um impo r tan te marco na luta pela visib i l i dade do afeto, que – como qualquer out r o – não deve ter vergon ha de dizer seu nome” 75.

5) O IMPERIOSO AVANÇO JURISPRUDENCIAL

A inconstitucional omissão do legislador, tantas vezes aqui cri t i cada, além de exclu i r e margi nal i zar os casais homossexua is term i na serv i nd o de álib i para que o Judiciá r i o (na maio r ia das regiões do país) recuse dire i t os aos memb r os das uni ões homoa f e t i vas. No entan t o, como bem observa a maio r autor i dade neste tema, MAR I A BERE N I C E D I A S, “a ausência de lei não signi f i ca inexistênc ia de dire i t o. Tal omissão não quer dizer que são relações que não mereçam a tutela jur íd i ca” 76.

Fixada a prem issa de que o vácuo legislat i v o não se con f u n de com inexistênc ia de dire i t o, os magist rados, quando instados a decid i rem tais questões, devem ter sempre em men te que a próp r ia lei reconhece a possib i l i dade de valas no ordenamen t o legal, fato este que não avaliza a omissão do julgado r. O comand o é exatamen te o con t rá r i o. A determ i nação cont i da no art igo 4° da Lei de In t r o d u ção ao Código Civ i l e no 126 do Cód igo de Processo Civ i l é no senti do de que o juiz decida, não se exima de sentenc iar alegando lacuna ou obscu r i dade na lei, mesmo ante a om issão legislat i va.

74 Sobre esta asserção, a sempre citada Desem ba rgado r a Mar ia Beren i ce D ias, no art igo int i t u lad o Homossexualidade: a lei e os avanços (dispon í ve l em: htt p://www.ma r iaberen i ce.com.b r ), vai mais longe ao afir mar que: “Não se faz necessár ia a alteração da Cons t i t u i ção Federal nem sequer o adven t o de lei para que se comece a respei tar a livre or ien tação sexual em seus diversos aspectos, desde a possib i l i dade de adoção até as questões decor ren tes da alteração da iden t i dade sexual. De fo rma destem i da e corajosa, a Just iça precisa ver que os relacionamen t os hom oa fe t i v os não merecem tratamen t o diverso do que se out o rga aos demais víncu l os afet i v os. Configuram uma família e, por isso, devem estar ao abrigo das leis que regulam o casamento e a união estável. Não se trata de uma sociedade de fato relegada ao Direito Obrigacional. É uma sociedade de afeto, a ser enlaçada pelo Direito de Família para gerar direitos e deveres entre os parceiros, tais como obrigação alimentar, direito sucessório, pensão previdenciária, etc”. (sem negr i t os na redação or ig i nal).

75 D I AS, Mar ia Beren i ce. Afeto registrado. D isp o n í ve l em: ht t p://www.ma r iabe ren i ce.com.b r .76 Op. cit., p. 175.

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Além dos inst rume n t os for nec i d os pela próp r ia lei ao julgado r, para que este não se pronu n c i e com um non liquet (não está claro) – analog ia, costumes e pri nc í p i os gerais do dire i t o – nunca é demais lemb ra r que uma inter p re tação sistêmi ca da Const i t u i ção, à part i r do fundamen t o maio r da Repúb l i ca – o princípio da dignidade da pessoa humana – e de todos os demais veto res que nor te iam o intérp re te a pautar-se pela proteção e promoção do bem-estar de todos, pela igualdade substancial entre homens e mulhe res, pelo pr inc í p i o da liberdade e pelos valores suprem os de uma sociedade fraterna e pluralista, conduz, com tranqü i l i dade, a opi n ião segundo a qual as uniões homoafetivas encontram reconhecimento implícito na própria Carta Política de 1988 e, em deco r rênc ia disso, não se sustenta a denegação da just iça.

Dessa manei ra, basicamen te com arr im o no conteúdo doutrinário con t i d o no parágra f o ret ro, a Cor te de Justiça gaúcha começou a (re)defin i r os con t o r n os da jurisp r u dênc ia.

An tes, com o rom p i me n t o das “sociedades homossexuais”, quando mui t o, era defer i da a um dos compan he i r os uma indenização pelos serviços (domésticos e sexuais) prestados. A tôn ica era eminen temen t e o pat r i m ô n i o. Não se conceb ia falar em partilha de bens, direito real de habitação, direitos sucessórios, etc.

Poster i o r me n t e, as uni ões entre pessoas de sexo idênt i c o passaram a ser vistas pelos Tr i b u na is (e também pelos dou t r i nad o r es) pela ótica míope do Di re i t o Ob r i gac i o na l. Tais uniões eram tratadas como meras sociedades de fato (e não como sociedades de afeto). O foco cent ra l con t i nua va sendo o patr i m ô n i o, não a pessoa. Não se dava impo r tânc ia alguma para a afetividade. Buscava-se coib i r o enr iquec i men t o sem causa, aplicando- se, por analogia, a vetus ta Súmu la n° 380 do Suprem o Tr i b u na l Federal, edi tada em 1963, quando ainda não se sent ia nem o chei ro do Direito Civil Constitucionalizado.

Ho je, fel izmen t e, o fenômen o da despat r i m o n i a l i zação do dire i t o tem se robus tec i do, a jur isp r u dênc ia tem começado a ser (re)vista à luz da instrumentalização funcional dos institutos e, com isso, direi t os têm sido reconhec i d os.

Assim, tomand o como base toda a sistemat i zação civ i l-cons t i t u c i o na l is ta aqui desenvo l v i da, fulc rada nos pri nc í p i os da solidariedade e da justiça social, da igualdade material e, pri nc i pa l men t e, no basi lar fundamen t o repub l i cano da dignidade da pessoa humana, o mov i me n t o (doutr i ná r i o e jurisp r u denc ia l) no senti do de reafi rma r a natu reza familiar das uniões homoafetivas77 tem se for ta lec i d o e, como deco r rênc ia natural disso, já são

77 O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL , em 01 de outub r o de 2004, no Recurso Especia l Ele i t o r a l 24564/Viseu-PA, no qual figu r ou como Relato r o notável Mi n i s t r o G I L M A R ME N D E S , reconheceu (ainda que por via obl í qua) que a união afet i va formada ent re duas pessoas de sexo idên t i co é uma ent idade fami l iar. Con f i r a-se a ementa da aludi da decisão: “Regist r o de Cand i da t o –

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diversas as mani f es tações judic iais proc laman d o os mais variados direi t os aos parceiros homossexuais.

Nesse con tex t o, reconhecend o o di rei t o à partilha de bens78, colha-se o julgado:

“Relação homoe r ó t i ca – Un ião estável – Ap l i cação dos pr inc í p i os const i t u c i o na is da digni dade humana e da igualdade – Anal og ia – Princ í p i os gerais do direi t o – Visão abrangen te das entidades fami l ia res – Regras de inclusão (...) – In tel igênc ia dos arts. 1.723, 1.725 e 1.658 do Código Civ i l de 2002 – Preceden tes jur isp r u denc ia is. Const i t u i união estável a relação fát ica entre duas mul he res, con f igu rada na conv i vê nc ia púb l i ca, con t í n ua, duradou ra e estabeleci da com o objet i v o de const i t u i r verdadei ra famí l ia, observados os deveres de lealdade, respei t o e mútua assistênc ia. Superados os preconce i t os que afetam ditas realidades, apl icam- se, os pri nc í p i os const i t u c i o na is da dign i dade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos pr inc í p i os gerais do di rei t o, além da con tem p o r â nea modelagem das entidades fami l ia res em sistema aber to argamassado em regras de inclusão. Assim, def i n i da a natureza do conv í v i o, opera-se a part i l ha dos bens segundo o regime da comun hão parc ial. Apelações despro v i das” (TJRS. Apelação Cível 70005488812. 7ª Câmara Civ i l Relato r Desemba rgado r. José Car los Teixe i ra Gi o rg i s).

A té mesmo o direito sucessório já fora consagrado pela Casa Gaúcha de Justiça. Veja-se:

“UN I Ã O EST Á V E L HO M O A F E T I V A . D I R E I T O SUCESSÓR I O . AN A L O G I A . Incon t r o v e r t i da a conv i vê nc ia duradou ra, púb l i ca e

Cand i da ta ao cargo de prefe i t o – Relação estável hom ossexual com a pre fe i ta reelei ta do mun i c í p i o – inelegib i l i dade (CF 14, § 7°). Os sujei t os de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concub i na t o e de casament o, subme tem- se à regra da inelegib i l i dade prevista no art. 14, § 7°, da CF. Recurso a que se dá prov i men t o ”. (negri te i).

78 Com essa mesma intel igênc ia: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA . Apelação Cível. 4ª Tur ma. REsp. 148.897/M G. Relato r Mi n i s t r o Ruy Rosado de Agu ia r. Ai nda nessa estei ra de entend i me n t o, ver a nota de rodapé nº. 20.

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cont í nua entre parcei r os do mesmo sexo, impos i t i v o que seja reconhec i da a existênc ia de uma união estável, assegurando ao compan he i r o sobrev i ven te a total i dade do acervo hered i tá r i o, afastada a declaração de vacância da herança. A omissão do const i t u i n te e do legislado r em reconhece r efei t os jur í d i c os às uni ões homoa fe t i vas impõe que a just iça colma te a lacuna legal fazendo uso da analogia. O elo afetivo que iden t i f i ca as entidades fami l ia res impõe seja fei ta analog ia com a união estável, que se encon t ra devi damen te regulamen tada. (...)” (TJRS. Emba rg os In f r i ngen tes 70003967676. Quar t o Grup o Cível, Relato r Desemba rgado r Sérgio Fernand o de Vasconce l l os Chaves. Julgado em 09/05/2003).

Também não fugi u dos hol o f o t es do judic iá r i o, a concessão de alguns benefícios previdenciários. Segue-se, exemp l i f i ca t i vamen te, uma decisão do Tr i bu na l Regiona l Federal da 4ª Região:

“(...) 6. A exclusão dos bene f í c i os prev i denc iá r i os, em razão da orien tação sexual, além de discr i m i na t ó r i a, ret i ra da pro teção estatal pessoas que, por impera t i v o const i t u c i o na l, dever iam encon t ra r- se por ela abrang i das. 7. Ven t i la r-se a possib i l i dade de desrespei t o ou preju í z o a alguém, em função de sua or ien tação sexual, seria dispensar tratamen t o indign o ao ser humano. Não se pode, simplesmen te, igno ra r a cond i ção pessoal do indi v í d u o, legi t imamen t e const i t u t i va de sua iden t i dade pessoal (na qual, sem somb ra de dúv i da, se inclu i a or ien tação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dign i dade humana. 8. As noções de casamen t o e amor vêm mudand o ao longo da histó r ia ociden ta l, assumi n d o cont o r n o s e formas de mani f es tação e inst i t uc i o na l i zação plur í v o c os e mul t i face tados, que num mov i me n t o de trans f o r mação permanen te colocam homens e mul he res em face de dist i n tas possib i l i dades de mater ia l ização das trocas afet i vas e sexuais. 9. A

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acei tação das uniões homossexua is é um fenômen o mund i a l – em alguns países de forma mais imp l í c i ta – com o alargamen t o da comp reensão do concei t o de famí l ia dent r o das regras já existen tes; em out r os de manei ra expl í c i ta, com a mod i f i cação do ordenamen t o jur íd i c o fei ta de mod o a abarcar legalmen te a união afet i va entre pessoas do mesmo sexo. 10. O Poder Judiciá r i o não pode se fechar às trans f o r maç ões sociais, que, pela sua próp r ia dinâm i ca, mui tas vezes se anteci pam às mod i f i cações legislat i vas. 11. Uma vez reconhec i da, numa inter p re tação dos pr inc í p i os nor teado res da const i t u i ção pátr ia, a união ent re homossexua is como possíve l de ser abarcada dent r o do concei t o de entidade fami l ia r e afastados quaisquer impedi me n t os de natureza atuar ia l, deve a relação da Previ dênc ia para com os casais de mesmo sexo dar-se nos mesmos mol des das uniões estáveis entre heterossexuais, devendo ser exigido dos pr ime i r os o mesmo que se exige dos segundos para fins de comp r o v ação do víncu l o afet i v o e dependênc ia econôm i ca presum i da ent re os casais (...), quando do processamen t o dos pedid os de pensão por mo r te e auxí l i o- reclusão” (Revista do TRF da 4ª Região, vol. 57/309-348, 310, Relato r Desemba rgado r Federal João Batis ta Pin t o Silvei ra).

O sempre inovado r Tr i bu na l de Justiça do Rio Grande do Sul já teve, também, a opor t u n i dade de assegurar a um parceiro homossexual o direito real de habitação sobre o imóve l do casal que não entr ou na part i l ha da união homoa fe t i va (TJRS. Apelação Cível 70003016136. 8ª Câmara Cível. Relato r Desemba rgado r Rui Por tan o va. Julgado em 08/11/2001).

Na linha desta evol ução jur isp r u denc ia l, de fundamen ta l impo r tânc ia observa r que até mesmo o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já demons t r o u encarar com bons olhos a questão da const i t uc i o na l i zação do concei t o de ent idade fami l ia r. Cor r o b o r a n d o esta afi rmação, com as vênias de esti l o, final i zo este pon t o repro du z i n d o excer t os da decisão do M i n is t r o CE LS O DE ME L O , pro fe r i da na AD I 3300 MC/ D F (extraída das “Transcrições do Boletim Informativo n° 414”):

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“(...) o magistér i o da dou t r i na, apoiando- se em val iosa hermenêu t i ca const r u t i va, uti l i zando- se da analog ia e invocand o pri nc í p i os fundamen ta i s (como os da dign i dade da pessoa humana, da liberdade, da autode te r m i nação, da igualdade, do plural ism o, da int i m i dade, da não-discr i m i nação e da busca da fel ic i dade), tem revelado admi ráve l percepção do alto signi f i cad o de que se revestem tanto o reconhec i men t o do direi t o persona l íssim o à or ien tação sexual, de um lado, quan t o a proc lamação da legi t im i dade ético- jur í d i ca da união homoa fe t i va como entidade fami l ia r, de out r o, em ordem a perm i t i r que se extraiam, em favo r de parcei r os homossexua is, relevan tes conseqüênc ias no plano do Di re i t o e na esfera das relações sociais.Essa visão do tema, que tem a vir t ude de superar, neste iníci o de tercei r o mi lên i o, incom p r eens í ve is resistênc ias sociais e inst i t uc i o na is fundadas em fórm u las preconce i t u osas inadm issí veis, vem sendo externada, como anter i o r me n t e enfat i zado, por eminen tes autores, cuja anál ise de tão signi f i ca t i vas questões tem colocado em evidênc ia, com absolu ta cor reção, a necessidade de se atr i bu i r verdade i r o estatu t o de cidadan ia às uniões estáveis homoa fe t i vas 79 (...).Cump re refer i r, neste pon t o, a notável lição min is t rada pela eminen te Desemba rgado ra MAR I A BERE N I C E D I A S (“União Hom o ssexua l: O Preconce i t o & a Justiça”, p. 71/83 e p. 85/99, 97, 3ª ed., 2006, Li v ra r ia do Adv ogad o Edi t o ra), cujas ref lexões sobre o tema

79 Nesse mome n t o, o Min is t r o Celso de Mel o faz referênc ia aos seguin tes dou t r i nad o r es: LU I Z EDS O N FAC H I N , “D i r e i t o de Famí l ia – Elemen t os cr í t icos à luz do novo Cód igo Civ i l brasi le i r o”, p. 119/127, item n. 4, 2003, Renova r; LU I Z SAL E M VAR E L L A / I R E N E IN N W I N K L SAL E M VAR E L L A , “Hom o e r o t i sm o no Di r e i t o Brasi lei r o e Un i ve rsal – Parcer ia Civ i l ent re Pessoas do mesmo Sexo”, 2000, Agá Jur is Ed i t o r a, ROG E R RAU PP RI OS, “A Hom ossex ua l i dade no D i r e i t o”, p. 97/128, item n. 4, 2001, Liv ra r ia do Advogado Ed i t o r a – ESM A F E / RS; AN A CAR L A HAR M A T I U K MA T OS, “Un ião ent re Pessoas do mesmo Sexo: aspectos jur í d i cos e sociais”, p. 161/ 162, Del Rey, 2004; V I V I A N E G IR A R D I , “Fam í l ias Contem p o r â neas, Fi l iação e A fe t o: a possib i l i dade jur í d i ca da Adoção por Hom ossex ua is”, Liv ra r ia do Advogado Ed i t o r a, 2005; TA ÍS A RIB E I R O FER N A N D E S , “Un i ões Hom ossexua is: efei t os jur í d i cos”, Ed i t o r a Mét o d o, São Paulo; JOSÉ CAR L O S TE I X E I R A G I O R G I S , “A Nat u reza Jur íd ica da Relação Hom o e r ó t i ca”, “in” “Revista da AJUR IS” nº 88, tomo I, p. 224/252, dez/2002, v.g.

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merecem especial destaque:‘A Cons t i t u i ção out o rg o u especial pro teção à famí l ia, independen temen t e da celebração do casamen t o, bem como às famí l ias mon o pa ren ta is. Mas a famí l ia não se def i ne exclusi vamen t e em razão do víncu l o ent re um homem e uma mul he r ou da conv i vênc ia dos ascenden tes com seus descenden tes. Também o conv í v i o de pessoas do mesmo sexo ou de sexos di fe ren tes, ligadas por laços afet i v os, sem cono tação sexual, cabe ser reconhec i d o como entidade fam i l ia r. A pro le ou a capacidade proc r ia t i va não são essenciais para que a conv i vênc ia de duas pessoas mereça a pro teção legal, descabendo deixar fora do conce i t o de famí l ia as relações homoa f e t i vas. Presen tes os requ is i t os de vida em comum, coabi tação, mútua assistênc ia, é de se concede rem os mesmos di rei t os e se impo rem iguais obr igações a todos os víncu l os de afeto que tenham idênt i cas caracter ís t i cas.Enquan t o a lei não acompan ha a evol ução da sociedade, a mudança de men ta l i dade, a evolução do concei t o de mora l i dade, ninguém, mui t o menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades. Postu ras preconce i t u osas ou discr i m i na t ó r ias geram grandes injust iças. Descabe con f u n d i r questões jur íd i cas com questões de caráter mo ra l ou de con teúd o meramen t e rel igioso.Essa responsab i l i dade de ver o novo assum iu a Justiça ao empres tar jur i d i c i dade às uniões extracon j uga is. Deve, agora, most rar igual independênc ia e coragem quan t o às uni ões de pessoas do mesmo sexo. Am bas são relações afet i vas, víncu l os em que há comp r o m e t i m e n t o amor oso. Assim, impos i t i v o reconhece r a existênc ia de um gênero de união estável que compo r t a mais de uma espécie: união estável heter oa fe t i va e união estável homoa fe t i va. Am bas merecem ser reconhec i das como ent idade fami l ia r. Havend o conv i vê nc ia duradou ra, púb l i ca e con t í n ua entre duas pessoas, estabeleci da com o objet i v o de const i t u i ção de famí l ia, mister reconhece r a existênc ia de uma união estável.

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Independen te do sexo dos parcei r os, fazem jus à mesma pro teção.Ao menos até que o legislado r regulamen te as uniões homoa f e t i vas - como já fez a maio r ia dos países do mund o civi l i zado -, incum be ao Judiciá r i o empres tar- lhes visib i l i dade e assegurar-lhes os mesmos di rei t os que merecem as demais relações afet i vas. Essa é a missão fundamen ta l da jur isp r u dên c ia, que necessi ta desempen ha r seu papel de agente trans f o r mad o r dos estagnados concei t os da sociedade’. (...).”

6) CONCLUSÃO

No decor re r da realização deste artigo foi fei ta uma abordagem int r o d u t ó r i a sobre a singu lar relevânc ia jur í d i ca que as uni ões homoa f e t i vas têm assumi d o no mund o hodier n o.

Fo i denunc iada a inconstitucional omissão do legislado r brasi lei r o que, mesmo diante deste fato social que não pode ser hipoc r i tame n t e olv i dado, fur ta-se ao dever const i t u c i o na l de promover através da lei o bem de todos (heterossexuais e homossexuais), abstrai nd o- se de preconceitos e discriminações em vi r t ude de sexo, pre fe r i n d o igno ra r os anseios deste tão expressi vo grupo de cidadãos que tem uma or ien tação sexual di fe ren te da que possui a maio r ia.

De igual forma, foram analisadas algumas poucas e fracassadas (até agora!) tentat i vas de regulamen tação legal do assunt o e, também, alguns avanços jur isp r u denc ia is sobre o tema.

Ou t r o ssi m e, pri nc i pa l men t e, foi enfat i zada a novel caricatu ra das relações fami l ia res, desenhada à par t i r do adven t o da Const i t u i ção Federal de 1988, quando inic iou- se o mov i me n t o da democratização familiar (pautado em novos parad igmas).

Nesse mode r n o pano rama, foi visto que a afetividade torn ou- se a palavra “mãe” do atual Direito de Família. Ev i denc i o u- se o di rei t o persona l íssim o de ser feliz e que o exerc íc i o deste direi t o independe de orientação sexual. O “ser” ganhou nova luz. O “ter” min i m i z o u- se. As relações human is tas foram exal tadas em detr i men t o das pat r i m o n i a l is tas. A vida digna passou figu ra r no pico do sistema juríd i c o, na medi da em que o pr inc í p i o da dignidade da pessoa humana fora alçado à cond i ção de fundamen t o da Repúb l i ca.

Assim, a propos ta cent ra l deste trabalh o foi a de demons t ra r que

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nessa roupagem constitucionalizada do conceito de entidade familiar, apoiada no pulmão do ordenamen t o jur íd i c o – o princípio da dignidade humana – e, também, nos valo res da proteção e promoção do bem-estar de todos, da igualdade substancial ent re homens e mulhe res, da liberdade, da solidariedade social e, ainda, nos veto res inspi rado res de uma sociedade fraterna, aberta e pluralista, encon t ra- se contem p la da as uni ões homoa fe t i vas que preencham os requisi t os da: afetividade, estabilidade e ostensividade.

Em vias de conc l usão, faço coro, mais uma vez, às sábias palavras de TA ÍS A RIB E I R O FER N A N D E S 80:

“Enquan t o perdu ra r a om issão e o silênci o do legislado r, que não escuta os reclamos de nume r oso grupo social, o operado r do Di re i t o, se estiver comp r o m e t i d o com o Estado Dem o c rá t i c o e com a Justiça, deve estende r e aplicar às uniões homossexua is, no que coube r, as regras destinadas às uniões estáveis, tanto de dire i t o pri vado quan t o de direi t o púb l i c o. A analogia é paten te, eviden te, e a dilatação das normas posi t i vas a casos semelhan tes, não prev is tos expressamen te na lei (ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio), é uma exigênc ia da lógica e impera t i v o, no caso, do precei t o isonôm i c o ”.

De mais a mais, encampan d o a dist i n ta melod ia de um conhec i d o artis ta coevo: “vivemos esperando dias melhores / Dias de paz / Dias a mais / Dias que não deixarem os para trás / Vi vem os esperando o dia em que seremos melho res / Mel h o res no amor, melho res na dor, melho res em tudo (...) / Dias melho res pra sempre”.

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80 Op. cit., p. 156.

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Resumo: O instituto da culpa como fundamento da separação judicial demonstra que o Código Civil de 2002 não está em plena consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da afetividade nas relações familiares.

Palavras-Chave: Culpa. Separação Judicial. Dignidade da pessoa humana. Afetividade.

Diz- se que culpa é o resul tado da conv i cção do Estado sobre determ i nada condu ta vio lado ra de bens jur í d i c os. No Di re i t o Civ i l, a perqu i r i ção de culpa cabe tão-somen te nas órb i tas obr igaci o na l e cont ra t ua l, onde o agir está ligado a um ato vol i t i v o.

É de se estranha r a manu tenção do inst i t u t o da culpa no âmbi t o do Di re i t o de Famí l ia, gerado r de conseqüênc ias jur í d i cas na separação judic ial. A inclusão da culpa no Liv r o IV do Cód igo Civ i l (Lei n.º 10.406/02) é alvo de crí t i cas da dou t r i na e da jur isp r u dênc ia moder nas, que se arr imam na Const i t u i ção Federal para apon ta r o equí voc o do legislado r civi l is ta.

H is t o r i camen te, nota-se que o Código Civ i l de 1916 previa apenas a figura do “desqu i te”, cabível nas hipó teses taxat i vas de adul té r i o, tentat i va de mor te, sevícias ou injú r ia grave e abandon o volun tá r i o do lar, por mais de dois anos cont í nu os, além do mútu o consen t i me n t o dos conso r tes casados há mais de dois anos. Poster i o r me n t e, a Lei Federal n.º 6.515/77 revogou parte do Cód igo Civ i l e inst i t u i u a separação judic ial dos cônj uges, manejáve l em casos de condu ta deson r osa ou out r o ato que impo r tasse em grave violação do casamen t o e tor nasse insupo r tá ve l a vida em comum, além da superven iênc ia de grave doença men ta l. A lei passou a admi t i r também a separação judic ia l sem culpa e inco r p o r o u ao Di re i t o a figu ra do divó r c i o, sistema este man t i d o no Código Civ i l de 2002.

A Cons t i t u i ção Federal de 1988, ao inst i t u i r o Estado Dem o c rá t i c o de Di re i t o, alberga já em seu pr ime i r o artigo o pri nc í p i o da dign i dade da pessoa humana, relacionado à prom o ção dos dire i t os humanos e da just iça social. O postu lad o const i t u c i o na l impõe o respei t o à integr i dade física e psíqu ica das

Bruno Barra Gomes*

DA CULPA NA SEPARAÇÃO JUDICIAL

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pessoas, admi t i n d o a existênc ia de pressupos t os mater ia is mín i m os de sobrev i vênc ia. A pro teção da digni dade consubs tanc ia uma cláusula geral de pro teção da persona l i dade, que precon i za a busca de cond i ç ões básicas de liberdade e igualdade.

Na ótica das relações fami l ia res, o estudo da dign i dade da pessoa humana conduz ao fenômen o da despat r i m o n i a l i zação (ou persona l i zação) dos inst i t u t os jur íd i c os relacionados ao Di re i t o de Fam í l ia. Part i nd o dessa prem issa, a famí l ia abando na o caráter de inst i t u i ção jur íd i ca e passa a merecer tute la como inst rume n t o de afi rmação da realização pessoal do ser humano. Daí deco r re o pri nc í p i o da afet i v i dade, nor teado r de todo o Di re i t o Fam i l ia r mode r n o.

A Cons t i t u i ção Federal abarcou a afet i v i dade de forma expressa, garant i n d o a igualdade de todos os fi l hos independen temen t e da or igem (art. 227, § 6o), a adoção como escol ha afet i va com igualdade de dire i t os (art. 227, §§ 5o e 6o), a legi t im i dade da fam í l ia mono pa re n ta l (art. 226, § 4 o) e o di rei t o à conv i vênc ia fami l ia r como pr io r i dade absolu ta da criança e do adolescen te (art. 227). Lado out r o, estimu l o u a posi t i vação de dire i t os pela lei inf racons t i t u c i o na l, como a admissão de “out ra or igem” ao paren tesco civi l (CC/02 art. 1.593) e a irrevogab i l i dade da per f i l hação (CC/02 art. 1.604).

En t re tan t o, o mesmo Código Civ i l, à revel ia do pri nc í p i o da dign i dade da pessoa humana e da afet i v i dade das relações fami l ia res, man teve o inst i t u t o da culpa no Di re i t o Fami l ia r, prevendo hipó teses de separação judic ia l por culpa dos côn j uges e estabelecendo conseqüênc ias para essa modal i dade de resolução do mat r i m ô n i o.

De acord o com os arts. 1.572 e 1.573 do Código Civ i l vigente, qualquer dos cônj uges poderá propo r ação de separação judic ial, impu tand o ao out r o atos que impo r tem grave violação dos deveres do casamen t o e tornem insupo r tá ve l a vida em comum. Os “mo t i v os” caracter i zado res da impossi b i l i dade da comun hã o de vida são o adul té r i o, a tenta t i va de mor te, a sevícia ou injúr ia grave, o abando n o vol un tá r i o do lar con j uga l por um ano cont í nu o, a condenação por crime in faman te e a condu ta deson r osa do cônj uge. O rol é apenas exemp l i f i ca t i v o (numerus apertus) e perm i te que o juiz consi de re out r os fatos caracter i zado res da falência do mat r i m ô n i o (CC art. 1.593, parágra f o único).

A decre tação de separação judic ia l com culpa gera basicamen te três conseqüênc ias jur í d i cas. A lei pune o cônj uge culpado com a perda do di rei t o de usar o sobrenome do out r o, desde que requer i do pelo cônj uge inocen te e a alteração não acarre te um dos efei t os prev is tos no art. 1.578 do Cód igo Civ i l. O cônj uge culpado perde também o di rei t o a alimen t os como forma de manu tenção de sua cond i ção social, podend o plei tear apenas os alimen t os indispensáve is à sua sobrev i vê nc ia (CC art. 1.704, parágra f o único). Por fim, a culpa gera efei t os na sucessão do cônj uge separado de

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fato, nos termos do cri t i cado art. 1.830 do Cód igo Civ i l 81.Ai nda no tocan te aos efei t os da culpa na separação judic ial, cump re

regist ra r a sabedo r ia do legislado r civi l is ta ao deixar de puni r o cônj uge culpado na part i l ha de bens e na def i n i ção da guarda de fi l hos meno res, questões de maio r relevânc ia no romp i m e n t o da sociedade conj ugal.

Mesmo com efei t os lim i tados, a culpa não merece espaço no Di re i t o de Famí l ia contem p o râ neo. O simp les ajuizamen t o de ação de separação judic ia l imp l i ca a presunção da ausência de afeto entre os côn j uges, mot i v o sufic ien te para o fim do casamen t o. A subm issão das condu tas pessoais dos côn j uges à apreciação do Poder Judic iár i o não raramen te viola os dire i t os fundamen ta i s da int im i dade, da vida pri vada e da imagem dos conso r tes (art. 5o , X, CF/88), com bene f í c i os pí f i os para a sociedade.

O Estado deve evi ta r ingerênc ias desnecessár ias no Di re i t o Fami l ia r, exemp l o bem dado pela Lei Federal n.º 11.441/07, que perm i t i u em alguns casos a separação judic ial consensual por escri t u ra púb l i ca, e torn ou desnecessári o o compa rec i men t o dos cônj uges ao Fórum para a const rangedo ra audiênc ia de reconc i l iação, peran te o Juiz de Di re i t o e o Prom o t o r de Justiça.

A afet i v i dade das relações fami l ia res garante ao ser human o o dire i t o de não man te r o núcleo fami l ia r const i t u í d o, di rei t o este que recebeu da Const i t u i ção Federal cont o r n o s de indispon i b i l i dade e se torno u “potes ta t i v o extin t i v o ” para qualque r dos côn j uges. Descab i da, por tan t o, é a aver iguação de culpa.

A tese encon t ra- se encampada pela jur isp r u dênc ia. O Super i o r Tr i b u na l de Justiça apreci ou a matér ia, dent re out ras opor t u n i dades, no REsp 467184/SP 82, julgado pela 4a Turma em 05/12/2002. Já a 4 a Câmara Cível do Tr i b u na l de Justiça de Go iás, na Apelação nº 80838-8/188, julgada no dia 31/05/05, invoc ou o pri nc í p i o da dign i dade da pessoa humana e afastou a discussão da culpa na separação judic ial. O Tr i bu na l de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar a Apelação Cível nº 70005834916 83, em 02/04/03, anal isou com br i l han t i sm o a matér ia.

81 “Ar t. 1.830. Somen te é reconhec i d o dire i t o sucessór i o ao cônj uge sobrev i ven te se, ao tempo da mor te do out r o, não estavam separados judi c ia lmen te, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa conv i vê nc ia se tor nara impossí ve l sem culpa do sobrev i ven te.”

82 “Separação. Ação e reconven ção. Imp r o cedên c ia de ambos os pedidos. Possib i l i dade da decretação da separação. Ev i denc iada a insupo r t ab i l i dade da vida em comum, e mani f estad o por ambos os cônj uges, pela ação e recon venção, o prop ós i t o de se separarem, o mais conven ien t e é reconhece r esse fato e decretar a separação, sem impu tação da causa a qualquer das par tes. Recurso conhec i d o e prov i d o em par te.”

83 Trechos da ementa: “A anál ise dos restos de um consó r c i o amo r oso, pelo Judic iár i o, não deve levar à degradação púb l i ca de um dos parcei r os, pois os fatos ínt im os que caracter i zam o casament o se abr igam na preser vação da dign idade humana, pr inc í p i o solar que susten ta o ordenamen t o naciona l (...) Não há dor, aflição ou angúst ia para inden i za r quando não se perqu i r e a culpa ou se def i ne o responsáve l pelo abalo do edi f í c i o conj ugal.”

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Ao apl icado r do direi t o incum be, semp re que possível, valor i za r a apreciação da afet i v i dade mat r i m o n i a l em detr i men t o da averiguação de event ual culpa dos côn j uges pela separação. De lege ferenda, deve o ordenamen t o jur íd i c o exti r pa r do dire i t o posi t i v o a culpa como elemen t o da separação judic ia l, visando repud iar o caráter pun i t i v o do inst i t u t o. Aguarda-se a adequação da lei ao pri nc í p i o const i t u c i o na l da dign i dade da pessoa humana, para subme te r o encer ramen t o da sociedade con j ugal unicamen te à von tade dos cônj uges.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS :

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Resumo: A Lei 11.232/2005 trouxe significativas alterações para o âmbito da execução de título executivo judicial, eliminando a idéia de um processo de execução autônomo. A alteração legislativa busca um sistema processual que seja útil e capaz de garantir uma efetiva entrega da prestação jurisdicional, inclusive quando se trata de obrigação alimentar.

Palavras-chave: Reforma; Execução; Efetividade; Alimentos.

1. INTRODUÇÃO

No dia 22 de dezemb r o de 2005 ent rou em vigo r a Lei n. 11.232/2005 que, dando cont i nu i dade às refo rmas do Código de Processo Civ i l, trouxe relevan tes alterações na execução fundada em tí tu l o execut i v o judic ia l, estabelecendo a chamada “fase de cump r i m e n t o da sentença”.

A Lei 11.232/2005 integra o rol de inst rume n t os que vêm sendo empregados a fim de atender ao precei t o const i t uc i o na l do artigo 5º, inciso LX X V I I I , inclu í d o pela Emenda Cons t i t u c i o na l nº 45 que assegura a todos os lit igantes, no âmbi t o judic ial e admi n i s t ra t i v o, “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

No ta- se que a tendênc ia desse mov i me n t o de Refo r mas é de simp l i f i cação do sistema processual civi l como um todo, viabi l i zando um processo que seja cada vez mais úti l em seus resul tados e que perm i ta que o jurisd i c i o nad o efet i vamen t e obtenha – e de forma célere - o bem da vida plei teado.

É exatamen te este o pon t o em comum entre a Lei n. 11.232/2005 e as demais alterações inf racons t i t u c i o na is recentemen te ocor r i das e os pro je t os de lei que tram i tam no Cong resso Nac i o na l: prom o ve r maio r efet i v i dade na prestação jur isd i c i o na l para garant i r o acesso à just iça, possib i l i tan do assim a conc re t i zação da “tercei ra onda renova t ó r ia,” anunc iada há tempos por Maur o Cappel le t t i.

Renata Silva Ribeiro *

AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 11.232/2005 E SUA APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO DE

PENSÃO ALIMENTÍCIA

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2. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N. 11.232/2005

O mode l o tradic i o na l do processo civi l apresen ta uma estru t u ra tri par t i da, na qual processo de conhec i men t o, execução e cautelar são consi de rados processos autônom o s trazendo como conseqüênc ia a instau ração de nova relação processual em cada um deles.

A pr inc i pa l alteração oco r r i da diz respei t o à elim i nação do processo de execução de títu l o execut i v o judic ia l como inst rumen t o autônom o. O que passa a exist i r agora é uma fase poster i o r à sentença; uma fase de satisfação do comand o represen tado na sentença.

Nesse con tex t o, o legislado r tratou de inco r p o r a r à legislação processual um novo concei t o de sentença - já defend i d o por inúme r os dou t r i nad o r es – segundo o qual “é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei”.

Como se observa, a nova redação dada pela Lei n. 11.232 de 2005, não mais cor relac i ona a pro lação da sentença com a extinção da prestação jur isdi c i o na l, já que mesmo depo is de pro fe r i da a sentença, tem-se a fase de seu cump r i m e n t o sem a instau ração de um processo autônom o.

A mudança mais signi f i ca t i va trazida com a Lei n. 11.232 de 2005, encon t ra- se no acréscim o do Capí t u l o X – "Do cump r i m e n t o da sentença".

O art igo 475-I, em seu caput, prom o ve, de forma con tu n de n te, a execução por quant ia certa como uma fase do processo ord i ná r i o. O dispos i t i v o em questão tem o seguin te texto, in verbis:

"Ar t. 475-I. O cump r i m e n t o da sentença far-se-á con f o r me os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando- se de obr igação por quant ia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capí t u l o".

Assim, sendo obr igação de fazer ou não fazer, ou nas obr igações de dar, a sentença que decide tais obr igações será cump r i da em con f o r m i d ade com o artigo 461, para as obr igações de fazer ou não fazer, e 461-A para as obr igações de ent regar alguma coisa.

Nas modal i dades de obr igações de fazer ou não fazer, ou de entrega de coisa, há tempo que inexiste autonom i a da fase execut ó r ia, bastando, tão-somen te, que o magist rado int i me o devedo r a cump r i r a obr igação, fixando prazo hábi l para o cump r i m e n t o.

O artigo 475-I, porém, trata, em sua segunda par te da obr igação por quan t ia cer ta, que será fei ta nos termos dos demais artigos do Capí t u l o X, do Tí t u l o V I I I , Li v r o I, do Código de Processo Civ i l.

Este art igo traz dois parágra f os. O primei r o concei t ua execução def i n i t i va como aquela em que a sentença transi t o u em julgado, e a prov i só r ia em que houve impugnação da sentença median te recurso ao qual

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não foi atr i bu í d o efei to suspensi v o.A nov i dade do artigo 475-J caput é que não há mais citação do

devedo r para pagar em 24 horas. Condenad o o devedo r ao pagamen t o de quant ia certa ou já term i nada a fase de liqui dação, terá ele o prazo de qui nze dias para efetuar o pagamen t o.

Caso não o faça no prazo acima aludi d o, o mon tan te da condenação será acrescido de uma mul ta no percen t ua l de 10 (dez) por cento, exped i n d o- se ainda, a requer i men t o do credo r, mandado de penho ra e avaliação.

Proced i da a penho ra e elabo rado o auto de penho ra pelo of ic ia l de just iça, será o executado int i mado de imedia to, na pessoa de seu advogado, não sendo necessária a int i mação pessoal do devedo r.

Uma vez proced i da a int imação é que se começa a contar o prazo de 15 (quinze) dias para o oferecimen t o de impugnação, que somen te poderá versar sobre as questões tratadas no art igo 475-L do Código de Processo Civ i l.

Deve-se ressal tar que o legislado r exti r p o u da execução por quan t ia certa de tí tu l o de execut i v o judic ial a figu ra dos embargos à execução, que só tinha a função de torna r mo r osa a satis fação da obr igação represen tada pela sentença.

Por úl t im o, destaca-se ainda o parágra f o 5º do art igo 475-J que prevê um prazo máxi m o em que os autos deverão permanecer em cartó r i o, esperando que o credo r inicie a execução. Esse prazo é de seis meses, ao final do qual o juiz mandará arqui va r os autos, sem preju í z o de seu desarqu i vamen t o a pedi do da parte, qual seja, credo r ou devedo r.

3. EXECUÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA

A Lei n. 11.232/2005 não trouxe qualque r alteração para o Capí t u l o V do Tí t u l o I I do Li v r o I I, do CPC que trata "Da Execução de Prestação Al imen t í c ia". D ian te disso, boa parte da dou t r i na 84 sustenta que à execução de alimen t os não se apl ica a nova lei de execução, por ausência de prev isão expressa neste senti do.

Todav ia, a om issão da lei em não alterar os artigos 732 e 735 do Código de Processo Civ i l, não pode levar à simp les conc l usão de ser inapl i cável a fase de cump r i m e n t o da sentença nas execuções de alimen t os.

A análise do tema não pode ser dissociada da idéia de efet i v i dade do processo, especialmen te pelo caráter de subsistênc ia dos encargos de

84 Nesse sent i do: D I A S, Carol i ne Said. Execução de Alimentos, p.77.

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natu reza alimen ta r. Não se pode olv i da r que a intenção do legislado r inf racons t i t u c i o na l é semp re a de atingi r o meio mais ágil e eficaz para a ent rega da prestação alimen t í c ia, de modo que a discussão sobre se aplicar ou não as novas regras de execução de tí tu l o judic ial deverá levar em consi de ração o meio mais vantaj oso para o alimen tand o.

Há entend i me n t o conso l i dado na jurisp r u dênc ia de que o ri to do artigo 733 do Código de Processo Civ i l só se aplica às três úl t imas prestações venc i das, de modo que as demais devem ser cobradas em con f o r m i d ade com o art igo 732 do mesmo dipl oma legal.

Nesse diapasão, tem-se que a opção por uma ou out ra modal i dade de execução deverá estar associada ao perí od o do débi t o, ou seja, se venc i do ou não há mais de três meses.

Desta forma, no que se refere a dív i da pretér i ta, a forma de executar é por meio do cump r i m e n t o da sentença: int imação do devedo r para que pague em quinze dias. Não realizado o pagamen t o, incide a mul ta, e o credo r deve requere r a exped ição de mandado de penho ra e aval iação.

Por out r o lado, no que pert i ne às parcelas venc i das nos três úl t i m os meses, o credo r pode rá fazer uso do ri to do art. 733 do Cód igo de Processo Civ i l, já que a possib i l i dade de prisão civi l é ainda a forma mais efet i va de garant ia de cump r i m e n t o da obr igação de prestar alimen t os.

Assim, mesmo que o pedi do possa ser form u lado nos mesmos autos, impresc i n d í ve l a citação pessoal do devedo r para que proceda ao pagamen t o, no prazo de três dias. Não paga a dív i da ou rejei tada a just i f i cação apresentada, exped i r- se-á mandado de prisão. Sobre o valo r do débi t o não se inco r p o r a a mul ta. Emb o ra a lei diga que o mon ta n te da condenação será acrescido de mul ta no percen t ua l de 10% (CPC, art. 475-J), tal encargo não integra a obr igação alimen ta r quando o pagamen t o é exigido sob pena de prisão. No entant o, cump r i da a prisão e não fei t o o pagamen t o, como a execução prossegue pelo ri to do cump r i m e n t o da sentença (CPC, art. 475-J), a mul ta incide sobre a total i dade do débi t o.

É impresc i n d í ve l, por tan t o, que se proceda a uma inter p re tação da lei não apenas literal, mas sim teleol óg i ca e sistemá t i ca. A Lei n. 11.232/2005 deve ser interp re tada como mais um inst rumen t o da Refo r ma Processual Civ i l, dela devendo- se extrai r a maio r presteza e efet i v i dade na tutela jur isdi c i o na l, com maio r razão para a execução de alimen t os, cujo bem tutelado é a vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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77-78, jun./ago. 2006.

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Resumo: A Lei 11.232/05 pôs fim ao sistema dual do CPC que exigia processo de execução para satisfação de crédito resultante de condenação judicial. Atualmente, o credor busca a satisfação do crédito por meio do cumprimento da sentença, nos termos do artigo 475-J do CPC. Os dispositivos concernentes à execução de alimentos não sofreram alteração com a referida lei. Entretanto, interpretação sistemática do CPC impõe a conclusão de que o credor de alimentos também deve valer da reforma, e exigir seu crédito nos termos do artigo 475-J do CPC quando se tratar de débito pretérito. Em se tratando de débito recente (súmula 309 do STJ), e exigido o crédito nos termos do artigo 733 do CPC, impõe-se o processo de execução conforme sistema vigente antes da reforma, já que o não pagamento do débito implica em privação de liberdade.

Palavras-chave: Execução de alimentos na nova sistemática do CPC. Aplicabilidade do artigo 475-Jdo CPC. Interpretação sistemática do Código de Processo Civil.

Recen te alteração do Cód igo de Processo Civ i l pôs fim ao sistema dual formad o pelo processo de conhec i men t o e processo de execução. A part i r da Lei 11.232/05, inexiste execução do tí tu l o judic ial. O Capí t u l o X int i t u lado “Do cump r i m e n t o da Sentença – arts. 475-I a 475-R - está inseri do no títu l o V I I I , que cuida DO PROC E D I M E N T O OR D I N Á R I O , que por sua vez está entran had o no livr o I, que trata do PROC ESSO DE CO N H E C I M E N T O . O livro I I do CPC con t i n ua dedicado ao PROC ESSO DE EX E C U Ç Ã O .

Em razão do caráter pecul iar dos alimen t os, a Lei consagra duas formas de execução: a) prev is ta no artigo 732 do CPC, que é a execução comum de obr igação de quant ia certa; b) prev is ta no art igo 733 do CPC, que é execução especial, com possib i l i dade de sujei tar o executado à pr isão civi l. Pode-se acrescen ta r também a possib i l i dade de execução por meio de descon t o em fol ha, artigo 734.

Os artigos que tratam da execução da pensão alimen t í c ia não

Sirlei Martins da Costa *

EXECUÇÃO DE ALIMENTOS NA NOVA SISTEMÁTICADO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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sof reram mod i f i cação com as refo r mas havi das até então no Cód igo de Processo Civ i l. Parece bastan te tranqü i l o que os proced i me n t os prev ist os nos artigos 733 e 734 não teriam mesmo que ser atingi dos pela refo rma. Quan t o ao descon t o em fol ha, trata-se de proced i me n t o simp les e eficaz, que atende ao anseio de celer idade da prestação jur isd i c i o na l. Já a execução especial, artigo 733, parece não poder mesmo fugi r do sistema dual, inclus i ve com uma segunda citação, já que o não-adimp lemen t o imp l i ca rá na prisão do devedo r.

Como os refer i dos dispos i t i v os não sof reram alteração com as refo r mas havi das no Código de Processo Civ i l, aparen temen t e não há mui t o que se falar sobre a execução de alimen t os na nova sistemá t i ca do CPC. A questão, entre tan t o, não é tão simples. É que a aplicação literal do art igo 732 impl i cará na subm issão do credo r de quant ia certa de alimen t os à situação mais desfavo ráve l do que a do credo r de quan t ia certa proven ien te de out r o títu l o judic ia l. A obr igação de pagar alimen t os é sempre fundada em um títu l o judic ia l, mas o art igo 732 con t i nua remetend o o credo r ao dispos t o no Capí t u l o IV do Liv r o de execuções. En t re tan t o, a obr igação de pagar quan t ia certa proven ien te de títu l o judic ia l tem tratamen t o mui t o mais célere e vantaj oso para o credo r nos mo ldes do artigo 475-J do CPC.

Vár i os dou t r i nado res, ao comen ta rem as refo r mas havidas no CPC, não dedicaram mui ta atenção ao prob lema da execução de alimen t os na nova sistemát i ca do Cód igo de Processo Civ i l . i ii iii iv

Mon te neg r o Fi lho, sem apro f u n da r no tema, admi te a apl icação do artigo 475-J do CPC para exigi r o pagamen t o da pensão alimen t í c ia por par te do devedo r: “...sem preju í z o da adoção da técnica do cump r i m e n t o da sentença, por ser mais benéf i ca para o credo r, con f o r m e disposições dos arts. 475-J ss do CPC.” v

Theod o r o Júnio r enf ren t o u o prob lema e conc l u i u: “Com o a Lei n. 11.232/2005 não alterou o art. 732 do CPC, con t i nua prevalecendo nas ações de alimen t os o prim i t i v o sistema dual, em que acertamen t o e execução forçada reclamam o sucessivo manej o de duas ações separadas e autônomas: uma para condena r o devedo r a prestar alimen t os e out ra para forçá-lo a cump r i r a condenação.” vi

Parece claro, ent re tan t o, a apl icação literal do art igo 732 é con t rá r ia à conc l usão que se chega quando se faz uma interp re tação sistemá t i ca do Cód igo de Processo Civ i l: A part i r da refo r ma apresen tada pela Lei 11.232/05, o Processo Civ i l abando n o u o sistema adotado em 1973 - que man t i n ha a natureza de tí tu l o execut i v o da sentença condena t ó r i a. Sobre interp re tação sistemát i ca, Nade r leciona que: “Não há nenhum dispositivo, na ordem jurídica, que seja autônomo, auto-aplicável. A norma jurídica somente pode ser interpretada e ganhar eficácia, quando analisada no conjunto de normas que dizem

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respeito da determinada matéria.” e mais: “De igual modo, deve haver completa harmonia entre os dispositivos de uma lei, a fim de que haja unicidade no sistema jurídico, ou seja, uma única voz de comando.”vi i O próp r i o Theod o r o Jr. afi rma que a dico t o m i a impos ta pelo CPC impo r ta va na paral isação da prestação jur isd i c i o na l após a sentença.

É possível que o legislado r ainda cuide da redação do art igo 732, remetendo o credo r ao artigo 475-J, e não ao Capí t u l o IV do Liv r o I I.

Enquan t o isso não oco r re, cabe ao judic iá r i o fazer interp re tação sistemá t i ca do Cód igo, ao invés de fazer inter p re tação literal e isolada do refer i d o art igo. “Entre duas interpretações aceitáveis, deve pender por aquela que conduza a um resultado mais justo, ainda que aparentemente a vontade do legislador seja em sentido contrário.”vi i i Segui ndo a mesma linha de racioc í n i o, a mul ta prev ista no art igo 475-J deve ser executada quando se adota o proced i me n t o prev is to no artigo 732 do CPC, pois é automá t i ca e incide sempre que o devedo r condenado a pagar quan t ia cer ta não o faz em 15 dias. Sabe-se que tal mul ta tem caráter pedagóg i co e visa mo t i va r o pagamen t o imedia to, evi tando que o credo r tenha que adotar out ras medidas para receber seu crédi t o.

O ra, o art igo 475-J traz regra de abrangênc ia tota l para sentença que condena ao pagamen t o de quan t ia cer ta. A incidênc ia da mul ta no percen t ua l de 10% é automá t i ca, e se dá semp re que não houve r o pagamen t o em 15 dias, logo não há porque exclu i r a sentença que condena ao pagamen t o de alimen t os dessa regra geral. Nem é necessári o tecer argumen t os no senti do de que o alimen tand o encon t ra- se em situação que requer do intér p re te solução mais rápida que a regra geral. Assim, não se pode admi t i r que o cump r i m e n t o da sentença de alimen t os cont i nue sendo fei to na sistemát i ca anter i o r do CPC, subst i t u í da exatamen te com a final i dade de dar ao processo seu verdadei r o sent ido: ser inst rume n t o para a prestação jur isd i c i o na l, ou efet i vação do dire i t o mater ia l, sem buroc rac ia e com rapidez. Mon t e neg r o Fi lho, ao comen ta r o sistema subst i t u í d o, regist ra que “A sociedade civil brasileira já não pode mais conviver com essa realidade processual. Por conta disso, instituições comprometidas com a qualidade dos serviços forenses apresentaram projetos de modificação do CPC, em complemento ao movimento reformista inicial em meados de 90, dentre os quais se destaca o que resultou na aprovação da Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, impondo profundas motivações no panorama da execução” ix

Conc l usões: a) a mul ta prev is ta no artigo 475-J incide automa t i camen te semp re que o devedo r de alimen t os deixar de efetuar o pagamen t o em 15 dias; b) o credo r pode rá optar pela execução nos mo l des do art igo 733 do CPC, quando pretende r receber prestações recentes, (vide súmu la 309 do STJ), mas a mul ta prev is ta 475-J somen te é exigí vel por meio da execução por quan t ia cer ta, assim como hono rá r i os advocat í c i os e custas processuais resul tan tes da sucumbênc ia em ação de alimen t os; c) se o credo r

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optar pela execução por quan t ia cer ta, art igo 732 do CPC, apl icar-se-á a regra do art igo 475-J e não a regra do Capí t u l o IV do Liv r o I I, como levar ia a crer a interp re tação literal do refer i d o art igo.

i CAR N E I R O , At h os Gusmão. Cump r i me n t o da sentença civi l. Rio de Janeir o: Forense, 2007.ii MO N T E N E G R O FI L H O , Misael. Cump r i me n t o da sentença e out ras refo r mas processuais. São

Paulo: At las, 2006.ii i BU E N O , Cassio Scarp ine l la. A nova etapa da refo r ma do Cód igo de Processo Civ i l. São Paulo:

Saraiva, 2006, vol.1iv GREC O FI L H O , Vicen te. D i r e i t o processual civ i l brasi le i r o. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, vol.

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cump r i me n t o da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. Rio de Janei r o:Fo re nse, 2007, vol. 2, p.370.

vi i N A D E R , Paulo. I n t r o d u ção ao estudo do dire i t o. Rio de Janeir o: Forense, 1988.vi i i GR I N O V E R , Ada Pellegr i n i; CI N T R A , An t ô n i o Car los de Araú j o; D I N A M A R C O , Când i d o

Rangel. Teor ia Geral do Processo. 22. ed. São Paulo: Malhe i r os, 2006, p. 41.ix MO N T E N E G R O FI L H O , Misael. Cump r i me n t o da sentença e out ras refo r mas processuais. São

Paulo: At las, 2006.

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Resumo: Pretende-se com o presente estudo discutir a atividade financeira de arrecadação de receitas pelo Estado atual sob a ótica dos direitos fundamentais. Almeja-se uma abordagem muito além daqueles já consagrados direitos fundamentais contidos no capítulo do Sistema Tributário Nacional. A partir da compreensão do direito “por princípios”, pretende-se com o presente trabalho divulgar a cultura dos direitos humanos de forma a garantir-se efetividade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, fundamento constitucional da República Federativa do Brasil (art.1º, III, CRFB/1988). É justamente nesse sentido que, propõe-se ao final do presente trabalho, a tributação como um mecanismo de efetivação da dignidade da pessoa humana pretendendo-se, assim, ir além da garantia do mínimo existencial, utilizando-se da tributação com instrumento de adimplemento do princípio da indivisibilidade dos direitos fundamentais aos portadores de necessidades especiais.

Palavras-chaves: Direitos Fundamentais- Princípio da Indivisibilidade- Tributação- Ações afirmativas- Portadores de Necessidades Especiais (pne).

I. INTRODUÇÃO

Basicamen te podemos def i n i r o Estado brasi lei r o como um Estado Social, fiscal, democ rá t i c o de di rei t o. Ac resce-se ainda a este concei t o o caractere de um Estado Subsid iá r i o. De modo a comp reende r- se a tr i bu tação sob o in f l u x o dos D i re i t os Human os, essencia l é par t i r m o s da prem issa de que final i dade precí pua do Estado é a prom o ção dos direi t os fundamen ta i s.

A concepção atual de dire i t os fundamen t a is está umb i l i calmen te ligada aos pr inc í p i os const i t u c i o na is da digni dade da pessoa humana e da igualdade. O texto const i t uc i o na l ao preve r a dign i dade da pessoa humana como fundamen t o da Repúb l i ca Federa t i va do Brasi l assegura não apenas o

Lucas Bevilacqua Cabianca *

A TRIBUTAÇÃO COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DA INDIVISIBILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAISAOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS

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di rei t o a vida, mas, o di rei t o a uma vida digna. Dou t r i na 85 e jur isp r u dên c ias ainda osci lam na fixação de quais os dire i t os que estar iam comp reend i d os na noção de vida digna. Porém, cer to é que aí estar iam também comp reend i d os os di rei t os sociais osci lando apenas quan t o a sua abrangênc ia. Part icu la rmen te, por meio de uma comp reensão sistemát i ca do texto const i t uc i o na l, entende-se que estar iam comp reend i das no pri nc í p i o da dign i dade da pessoa humana as garant ias aos direi t os a morad ia, saúde, assistência, acesso à just iça, lazer e ao trabal h o.

A APLICAÇÃO DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO FISCAL

Tratando- se a propós i t o do âmbi t o de abrangênc ia dos di rei t os fundamen t a is, essencia l é apresen tar-se as caracter ís t i cas da universal i dade e da indi v i s i b i l i dade dos di rei t os fundamen t a i s. A dou t r i na const i t u c i o na l emanc i pa t ó r ia, a exemp l o de Flávia PIO V E S A N e An t o n i o Augus t o Cançado TR I N D A D E , elevam a caracter ís t i ca da indi v is i b i l i dade 86 à posição de pri nc í p i o, de forma a desempen ha r toda uma norma t i v i dade no sistema const i t uc i o na l. O pr inc í p i o da indi v i s i b i l i dade proc lama que a pessoa humana deve ser atend i da tanto em seus dire i t os indi v i dua is como nos di rei t os sociais, onde estar iam comp reend i d os também os dire i t os econôm i c os e cul tu rais.

A comp reensão dos dire i t os fundamen t a is a part i r do pri nc í p i o da indi v i s i b i l i dade repercu te sobremane i ra no Di re i t o Tr i b u tá r i o, até então, arraigado tão só a di rei t os fundamen ta i s indi v i d ua is. A próp r ia evol ução na dou t r i na da relação ent re o Sistema Tr i b u tá r i o Nac i o na l e os Di re i t os Fundamen ta i s ret rata isso com ni t i dez.

Real izando breve escorço a propós i t o do con teúdo do Sistema Tr i bu tá r i o para a dou t r i na, ÁV I L A 87 apon ta que o primei r o autor a tratar acerca da vincu lação ent re o sistema tri bu tá r i o e os di rei t os fundamen t a i s foi Geral d o AT A L I B A 88, tratando notadamente os direitos fundamentais de liberdade e de propriedade. Em seguida, CARR A Z A aprim o ra n d o a análise sistemá t i ca do di rei t o tri bu tá r i o realiza uma descr i ção da relação ent re a tr i bu tação e os

85 BARC E L L O S , Ana Paula. A eficácia dos princípios constitucionais: o pr inc i p i o da dign idade da pessoa humana. Rio de Janeir o: Renova r, 2003.

86 A propós i t o do pr inc í p i o da indi v is i b i l i dade vale con fe r i r o trabalh o “O Princípio da Indivisibilidade dos Direitos Humanos aos Portadores de Necessidades Especiais” apresen tada pelo auto r como relat ó r i o final do Programa de Ini c iação Cien t í f i ca, Con vên i o UFG/ C N P q , (PIV I C, 2003-4), sob or ien tação do Pro f. D r. Er ibe r t o Francisco Bevi laqua Mar i n

87 ÁV I L A , Hum be r t o B., Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.88 AT A L I B A , Geral do. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo:RT, 1968.

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pr inc í p i os const i t u c i o na is estru t u ran tes “que mantém íntima relação com as regras de competência, sobretudo o princípio republicano (e sua relação com a capacidade contributiva); o princípio federativo, o princípio da irretroatividade, o princípio da legalidade e o princípio da segurança jurídica (e sua vinculação com os direitos fundamentais).” Percebe-se que todos esses estudos dizem respei t o a di rei t os fundamen ta i s de pr ime i ra geração preocupand o- se, exclusi vamen t e, o resguardo da liberdade e da prop r i edade.

Con f o r m e nos indica ÁV I L A , a signi f i cação fundamen ta l do pr inc í p i o da igualdade somen te veio com obra do Pro f. José Sout o Mai o r BOR G ES, todav ia ainda circunsc r i ta ao aspecto da just iça fiscal, chegando a afi rmar o seguin te: “O princípio da igualdade não está apenas no texto da Constituição; o princípio da igualdade é a Constituição.” E mais: “A maior limitação ao poder de tributar é o princípio da igualdade.”

Conc l u i n d o acerca da relação do sistema tr i bu tá r i o e dos dire i t os fundamen ta i s, servim o- nos da lição de ÁV I L A que coloca com prop r iedade que as limi tações ao poder de tr i bu ta r expostas pela dou t r i na são, prepon de ra n temen t e, as lim i tações negat i vas, iden t i f i cam- se lim i tações como rest r i ções. Ol v i da- se, assim, das lim i tações posi t i vas (por exemp l o, conco r dânc ia prát ica), das lim i tações de segundo grau (por exemp l o, propo r c i o na l i dade) ou do signi f i cad o de out ras normas const i t uc i o na is que inst i t uem valo res posi t i v os (por exemp l o, pr inc í p i os e direi t os fundamen t a is) deixando de serem pro f u n damen t e invest igados no campo tri bu tá r i o. A propós i t o do assunt o e com o fi t o de dar estr i bo a propos ta aqui enunc iada, opo r t u na é a transcr i ção do trecho a segui r:

“A próp r ia expressão “lim i tação” conduz à uma descr i ção pri o r i ta r iamen te circunsc r i ta à dimensão negat i va, sem que out ras normas, que inst i t uem di ret r i zes posi t i vas e possuem apenas uma eficácia media ta relat i vamen t e ao poder de tr i bu ta r, sejam dignas da devi da atenção (dignidade humana, pro teção da famí l ia, desenvo l v i m e n t o regiona l, etc.)”

Tal orien tação aliada à comp reensão contem p o r â nea do pri nc í p i o const i t u c i o na l da igualdade em sua acepção mater ia l, i.é, de garant i r- se e prom o ve r- se uma igualdade não só perante a lei, mas, uma igualdade substanc ia l e efet i va, é a indicação da nova tare fa do Estado no exerc íc i o de seu poder de tr i bu ta r. Ou seja, é uti l i zar-se da ativ i dade financei ra do Estado de arrecadação de recei tas como meio de prom o ção dos direi t os sociais de forma a prop i c ia r-se, assim, efet i vação aos pr inc í p i os const i t u c i o na is da igualdade e da dign i dade da pessoa humana.

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O pr inc í p i o const i t uc i o na l da igualdade, aliado à comp reensão de que a limi tação que desempenha no exerc íc i o do poder de tri bu ta r comp reende a di ret r i z posi t i va da dign i dade da pessoa humana, exerce função de destaque na busca de just iça, seja fiscal, seja social con f o r me veri f i car-se-á em seção a segui r, na qual tratarem os da renda líqui da e do mín i m o existenc ia l.

ÁV I L A sentenc ia, com prop r iedade, que o pri nc í p i o da dign i dade da pessoa humana demanda do Estado a conser vação do mín i m o vi tal à existênc ia digna do cont r i b u i n t e, e que o pr inc í p i o da sol idar iedade social exige que o Estado pro teja mino r ias e avalie o interesse dos out r os como seu próp r i o interesse. Tra tarem os a segui r justamen te a propós i t o da incidênc ia do pri nc í p i o da dign i dade no Di re i t o Tr i bu tá r i o para, em seguida, tratarm os acerca da tri bu tação como mecan ism o de prom oção social de forma a adimp l i r m o s com o pr inc í p i o da indi v is i b i l i dade dos dire i t os fundamen t a is.

É justamen te nesse sent ido de uti l i zar-se o tr i bu t o como inst rume n t o de auxí l i o na efet i vação dos di rei t os fundamen t a is de tercei ra geração, a exemp l o do meio ambien te, que se inst i t u i u em alguns Estados o “ICMS ecol óg i co”. Ader i n d o à cul tu ra de efet i vação dos dire i t os humanos o ICMS Eco l óg i co é, simplesmen te, uma mudança nos cri tér i os para a dist r i b u i ção das parcelas const i t u c i o na is do ICMS que cabem aos mun i c í p i os. Um inst rumen t o econôm i c o posto à disposição da pro teção do meio ambien te. Os mun i c í p i os, pelos cri té r i os do ICMS Ecol óg i co, têm maio r par t ic i pação na dist r i b u i ção das parcelas const i t u c i o na is do ICMS em função de cri té r i os de pro teção ao meio ambien te, como o invest i men t o em saneamen t o básico.

Todav ia, as iniciat i vas do Estado de uti l i zar-se de seu poder de tri bu ta r como fer ramen ta de efet i vação dos dire i t os fundamen t a is garant i n d o- se, assim, just iça social ainda são tím i das diante do quadro social que vige no país. É na busca de garant ia dos di rei t os fundamen ta i s de segunda geração, sob a di ret r i z do pri nc í p i o da indi v i s i b i l i dade dos di rei t os humanos, que se prop õe neste trabalh o a tr i bu tação como ação afi rma t i va estatal.

II. TRIBUTAÇÃO COMO AÇÃO AFIRMATIVA AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS (PNE)

Dian te da necessidade de prom o ve r- se just iça fiscal e, simul taneamen t e, just iça social, os pr inc í p i os da igualdade e da dign i dade da pessoa humana são impo r ta n tes ferramen tas de fundamen t ação de ações afi rma t i vas.

As ações afi rma t i vas são medidas adotadas tanto pelo pode r púb l i c o

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como pela sociedade civi l com o fi to de rompe r com a discr i m i nação estru tu ra l através de prog ramas inclus i vos a grupos histo r i camen te marg i na l i zados, a exemp l o dos por tado r es de necessidades especiais. A Pro fª Flávia PI O V E S A N , aguer r i da na luta pelos di rei t os fundamen t a is, assim def i ne as ações afi rma t i vas ;“Trata-se de medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e a diversidade. Através dela transita-se da igualdade formal para a igualdade substancial.” De acordo com as lições de PIO V E S A N , a conc re t i zação do di rei t o à igualdade impo r ta a imp lemen t ação de duas estratégias: o comba te à discr i m i nação e a prom o ção da igualdade, considerando que ambas não podem ser dissociadas. Ou seja, além de normas pro i b i t i vas de compo r t ame n t o s discr i m i na t ó r i o s (discrim i nação negat i va), devemos nos atentar para aquelas que prescrevem uma discr i m i nação posi t i va de manei ra a inclu i r os grupos histo r i camen t e margi nal i zados ao núcleo da sociedade.

Os por tad o res de necessidade especiais cor respon dem a parcela signi f i ca t i va da popu lação brasi lei ra, no mund o cor respo n dem a 10% da popu lação con f o r m e pesquisa realizada pela Organ i zação Mun d i a l da Saúde. 89 Apesar da emerg ência de uma ética uni ve rsal no sent ido de respei t o e integra ção da pessoa por tado ra de necessidades especiais, como consectár i o de um processo de especi f i cação do sujei t o de dire i t o, veri f i ca-se a aus ência de pol í ticas p ú blicas efet i vas de inclusão do PNE.

Exem p l o de ação afi rma t i va uti l i zando- se do poder de tr i bu ta r do Estado, é a garant ia de isenção de IP I à por tad o res de necessidades especiais na aquisição de veícu l o autom o t o r como medida de garant ia de acessib i l i dade à essa min o r i a, faci l i tando, assim, sua inclusão social (Lei n. 10.741/03).

As lim i tações const i t u c i o na is posi t i vas, que estabelecem um dever de ação, devem ser pro teg i das em especial pelo Estado, porém, não apenas por ele. Fala-se aqui ao que a dou t r i na const i t uc i o na l is ta 90 denom i na da eficácia hor i z o n t a l dos di rei t os fundamen ta i s que nos indica que, também, os par t icu la res devem agir de acordo com os pri nc í p i os const i t uc i o na is fundan tes, a exemp l o da dign i dade da pessoa humana, de forma a con t r i b u i r com o Estado por meio do desempen h o de suas ativ idades para maio r efet i v i dade das limi tações do poder estatal. Ace rca do assunt o, leciona ÁV I L A :

“... as lim i tações não pressupõem apenas uma relação estát ica entre par t i cu la r e Estado, mas várias relações recípr o cas, ativas e passivas dos

89 Jornal O Popu la r, 18.01.2004, p.4.90 BARR OS O , Lu is Rober t o. Nova Interpretação Constitucional. (Org.) Rio de Janeir o: Reno var.2001.

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par t icu la res ent re si, deles fren te ao Estado e frentes econôm i cas e sociais radicadas na próp r ia sociedade. O concei t o de limi tações, com isso, vê-se ampl iado e enriqueci do substancialmen te.” 91

Ver i f i ca-se, então, que agente de ações afi rma t i vas não é apenas o Estado, mas também, toda a colet i v i dade. Incum be ao Estado prom o ve r ações afi rma t i vas que incen t i vem a iniciat i va pri vada na prom o ção dos di rei t os sociais de grupos histo r i camen te marg i na l i zados a exemp l o dos negros, def ic ien tes e idosos.

Da mesma forma que a Cons t i t u i ção prevê um tratamen t o di fe renc iado e favo rec i d o a mic r o e pequenas empresas com fi t o de implemen ta r just iça tr i bu tá r ia e, como final i dade extra f iscal, fomen ta r o desempen h o de ativ i dades pouco desenvo l v i das pelas mesmas, propõe- se aqui o uso da tr i bu tação como inst rume n t o de fomen t o de ações afi rma t i vas. Exemp l o que há é no prog rama de fomen t o à indus t r ia l i zação do Estado de Go iás (Lei n. 13.591/00 e Dec. n. 5.262/00) que cond ic i o na como fato r de descon t o do ICMS o emprego de por tad o res de necessidades especiais e idosos em mais de 5% do total de vagas. A par t i r da aplicação do pri nc í p i o de inter p re tação const i t uc i o na l da máxi ma efet i v i dade da norma (HESSE), sobre t ud o ao consi de ra r que a matér ia aqui versada é de di rei t os fundamen t a is, devemos empreende r a interp re tação que tal percen t ua l refere-se além das vagas já exigidas pela legislação federal (Dec. n.3.298/99).

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consi de rand o os esclarecimen t os prel im i na res a prop ós i t o do Estado atual e das funções que desempen ha, ver i f i ca-se que o Estado subsid iá r i o afasta-se a cada vez mais de seus afazeres sociais, olv i dand o- se de sua final i dade precí pua que é a garant ia dos di rei t os fundamen ta i s.

Nesse contex t o, a tri bu tação, a part i r da comp reensão da teor ia dos di rei t os fundamen ta is aliada ao conce i t o de lim i tação adotado, é impo r tan te ferramen ta de garant ia do pr inc í p i o da indi v is i b i l i dade dos dire i t os fundamen t a is.

Todav ia, ver i f i ca-se, apesar de todo esfo rço de fundamen t ação teór i ca, que as inic iat i vas de imp lemen tação de ações afi rma t i vas ainda são tím idas se compa radas com constan te exclusão social que afl ige grupos histo r i camen te peri fé r i c os, a exemp l o dos por tad o res de necessidades especiais. Propõe- se no presente trabal ho a criação de força-tare fas nas

91 ÁV I L A , op cit 2004:73

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admi n is t rações de cada ente pol í t i c o, consi de rand o tratar-se de atri bu i ção comum (art.24, X I V, CRFB/88), a fim de discut i rem e implemen ta rem um tratamen t o tr i bu tá r i o favo rec i d o a cont r i b u i n t es agentes de ações afi rma t i vas, que perm i tam a inclusão dos por tado r es de necessidades especiais.

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Resumo: A impossibilidade de vida extra-uterina é o elemento justificador para a ATP. O reconhecimento da ATP será solução alternativa para o sofrimento provocado pelo diagnóstico de não sobrevida fora do útero materno, onde quaisquer recursos biomédicos são incapazes de reverter ou intervir nas condições biológicas que impedem os fetos de viver. Deve ser uma decisão autônoma e livre, da mulher, a escolha da melhor forma de enfrentar a situação.

Palavras-chave: Antecipação. Terapêutica. Parto. Aborto. Bioética.

1. INTRODUÇÃO

O abor t o e sua legalização são assunt os polêm i c os e del icados. Prov ocam os limi tes da tolerânc ia mora l, ética e religi osa, causando opi n i ões díspares.

Con t u d o, o abor t o em casos de má formação fetal incom pa t í ve l com a vida extra-uter i na con ta com certo consenso ent re pro f i ss i ona is bioét i c os, médicos, jur is tas, represen tan tes de diversas rel igiões e de mov i me n t os de mul he res, no sent ido de aprova r um novo perm issi v o legal de inter r u pção gestaciona l, mais conhec i d o e melh o r concei t uado como sendo An tec i pação Terapêu t i ca do Parto.

O artigo visa ident i f i car e analisar imp l i cações éticas e jur íd i cas da An tec i pação Terapêu t i ca do Parto à luz dos fundamen t os bioét i c os e do arcabouço jur í d i c o brasi lei r o. Ded i ca enfoque especial ao uso especí f i c o e final i dades da aprovação desse novo perm issi v o legal de inter ru p ção gestaciona l, na vida da mul he r.

A tese substanc ia l consiste na impossi b i l i dade de se transpo r os argumen t os de imo ra l i dade e ilegali dade do abor t o volun tá r i o para os casos de antecipação terapêu t i ca do parto por anoma l ia fetal incom pa t í ve l com a vida extra-uter i na, pois os fundamen t os de uma e de out ra situação são essencialmen te di fe ren tes.

2. BIOÉTICA

Silvia Maria Apostólico Alves Reis * Felícia Franco Junqueiroz **

ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO

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O avanço cient í f i c o causa pro f u n das mudanças, desmo r o na velhas legi t imações, tornam ult rapassados concei t os jur íd i c os, requerendo adaptação do dire i t o ao estado atual de situações inusi tadas engend radas pelo prog resso bio tecno l óg i c o.

A liberdade da ativ idade cient í f i ca é um di rei t o fundamen t a l, o que não signi f i ca que seja absolu ta. Ex is tem out r os valores e bens jur í d i c os reconhec i d os const i t u c i o na l me n t e que podem ser gravemen te afetados pelo mau uso da liberdade de pesquisa cient í f i ca.

Na hipó tese de existênc ia de con f l i t o ent re livre expressão da ativ idade cient í f i ca e out r os di rei t os fundamen t a is da pessoa humana, a solução é o respei t o à dign i dade humana, fundamen t o const i t uc i o na l do Estado Dem o c rá t i c o de Di re i t o.

A bioét i ca não é um campo discip l i na r dogmát i c o. Ensi na o exerc í c i o de escol has democ rá t i cas que ampl iam valores éticos. Visa garant i r o respei t o à dign i dade da pessoa humana na trans f o r mação das cond i ç ões da existênc ia. Cons t i t u i o núcleo de um pro je t o de formação para ética das ciências e o compo ne n t e essencia l da cul tu ra do século XX I .

Mu i t o embo ra o abor t o seja tema freqüen temen t e discut i d o pelos prat ican tes da bioét i ca, pouco se produz i u ou avançou sobre este assunt o. A apatia fren te aos desaf i os impos t os pelo tema do abor t o é uma caracter ís t i ca da bioét i ca inter nac i o na l.

A bioét i ca é ferramen ta indispensáve l para a estru t u ração pol í t i ca dos estados democ rá t i c os e, deve ser considerada uma luz no fim do int ransigen te debate sobre o abor t o e a antecipação terapêu t i ca do parto.

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3. CONCEITUAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E REQUISITOS DO ABORTO

Abo r t o tem origem etim o l ó g i ca no latim abortus, aboriri, abortare, e signi f i ca mo r re r, perecer. O termo designa inter ru p ção do processo gestaciona l antes do termo norma l, de forma espon tânea ou prov ocada, com ou sem expu lsão do feto, resul tando na mor te deste.

O abor t o legalmen te perm i t i d o oco r re quando a norma legal ext i ngue a puni b i l i dade. São os casos de abor t o necessár io e abor t o sent imen ta l ou human i t á r i o.

Abo r t o necessár io ocor re quando prat i cado por médico, com ou sem anuênc ia da gestante, quando não houve r alternat i va para salvar a vida desta, que cor re perigo, independe de auto r i zação judic ial ou pol ic ia l.

Abo r t o sent imen ta l ou human i t á r i o decor re de gravidez resul tan te de estup r o, prov o cada por médico, a pedi do da gestante, independe de autor i zação judic ia l, mister comp r o v ação do deli t o sexual.

O abor t o crim i n os o é del i t o con t ra a vida. Consiste na inter r u pção intenc i o na l da gestação, efet i vada em qualque r etapa da evol ução fetal, independen t e da pessoa que o prat i ca, desde que haja mo r te do feto, seguida ou não de sua expu lsão do vent re mater n o, podend o, este, ser absorv i d o ou conservado pelo organ ism o matern o, bem como poderá oco r re r o óbi t o da gestante antes que se dê a expu lsão do feto.

4. CONCEITUAÇÃO E REQUISITOS DA ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO

A denom i nação antecipação terapêu t i ca de parto (ATP) é a mais indicada nos casos de inter r u pção de gravidez quando diagnos t i cada a inviab i l i dade fetal, pois a antecipação de part o, nesses casos, além de ser penalmen te atíp i ca, apresen ta garant ia à saúde men tal da mulhe r, sem causar per igo de dano à sua saúde física e à sua vida.

Os fundamen t os para anteci pação do parto devem ser comp reend i d os em senti do terapêu t i c o ampl o, que inclu i desde o bem-estar psico l óg i co, estabi l i dade afet i va dos pais, coesão fami l ia r, até a integr i dade física da gestante.

Os diagnóst i c os que just i f i cam a ATP são casos de anomal ia fetal em que não é possível a sobrev i da do feto fora do útero mater n o. Casos nos quais quaisque r recursos bioméd i c os são incapazes de rever te r ou inter v i r nas cond iç ões bio l óg i cas que impedem os fetos de viver.

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Cons i de rand o que o diagnós t i c o de inv iab i l i dade fetal é fato r decisi v o para a auto r i zação legal da ATP, impo r tan te ressal tar que o que determ i na a legi t im i dade do proced i me n t o é a von tade expressa e pr i va t i va da mul he r grávi da.

A prom o ção e o respei t o à autonom i a repr od u t i v a são fundamen t os éticos da ATP, sendo pr inc í p i os inal ienáve is para qualquer decisão nesses casos. O pr inc í p i o da dign i dade humana é fundamen t a l para a ética da ATP, e perm i te di fe ren tes expressões da autonom i a repro du t i v a.

5. INVIABILIDADE FETAL E ANOMALIA FETAL INCOMPATÍVEL COM A VIDA

Há dois tipos de inv iab i l i dade fetal. A inviab i l i dade ord i ná r ia deco r ren te da prematu r i dade; e, a inviab i l i dade extrao r d i ná r ia resul tan te de má formação fetal incom pa t í v e l com a vida.

O feto prematu r o tem um defei t o tempo rá r i o, uma def ic iênc ia de matu r i dade que o tempo cor r i ge a cada instan te. Tra ta-se de uma inviab i l i dade momen tâ nea.

O feto inviáve l por má-formação incom pa t í v e l com a vida tem um defei t o pato l óg i c o – fal ta-lhe vi tab i l i dade – sobre o qual o decurso de tempo não produz qualque r alteração. O feto inviáve l por má formação, não deixa de sê-lo e não sobrev i ve rá. Não existe ganho de vi tab i l i dade na manu tenção da gravidez.

Há, ent re os fetos, aqueles que apresentam defei t os insanáveis, fru t os da oco r rênc ia de uma cond ição pato l óg i ca. Fal ta-lhes, por uma má formação, a conven ien te regular i dade da vida extra-uter i na. Essa cond i ção pato l óg i ca leva à inv iab i l i dade fetal extrao r d i ná r ia, que trans f o r ma a gravi dez fisio l óg i ca em pato l óg i ca.

O acaso é o único responsáve l pela má formação fetal. A causa pato l óg i ca da inviab i l i dade extrao r d i ná r ia produz a mor te fetal duran te a gestação, duran te o part o ou logo após o nascimen t o. Não há meios medicamen t os os ou cirú rg i cos para rever te r esse quadro, nem int ra nem extra-útero.

A anencefal ia, popu la rmen t e conhec i da como “ausênc ia de cérebr o”, é concei t uada pela li teratu ra médica como “má formação fetal congên i ta por defei t o do fechamen t o neural”. Oco r re ent re o 23º e 28º dia da gestação. É fatal em 100% (cem por cento) dos casos. É o exemp l o mais comum de inviab i l i dade extrao r d i ná r ia.

Na anencefal ia não há estru t u ras cerebrais (hemis fér i os e cór tex), há apenas tronco cereb ral. Há ausência de todas as funções super i o res do

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sistema nervoso cent ra l, responsáve l pela consciênc ia, cogn ição, vida relaciona l, comun i cação, afet i v i dade e emot i v i dade. Restam apenas funções vegeta t i vas que con t r o l am parc ia lmen te a respi ração, funções vasomo t o r as e funções dependen tes da medu la espinha l. Ap r o x i ma damen t e 65% (sessenta e cinco por cento) dos fetos anence fá l i cos mor rem no perí od o int ra-uter i n o. Os nascidos vivos mo r rem logo após o parto. Não há relatos de sobrev i vênc ia de recém-nascidos com este tipo de má formação por longo per íod o de tempo. O prognós t i c o para casos de anoma l ia fetal incom pa t í ve l com a vida extra-uter i na é de sobrev i da de algumas horas após o parto.

As cond i ções do feto não melho ram com o tempo. Essa realidade não se dá apenas com a anencefal ia, mas também com a acrania, a agenesia renal, a agenesia pancreát i ca, e demais inv iab i l i dades.

Nesses casos, não há alternat i vas para salvar a vida do feto e, o mais impo r tan te é que a anteci pação terapêu t i ca do part o não prov oca danos ao feto. Parte-se da cer teza do diagnós t i c o da inviab i l i dade fetal e, diante da inexistênc ia de qualque r terapia capaz de rever te r o quadro clín ic o, a anteci pação terapêu t i ca é a alternat i va mais digna para aliviar o sof r i men t o dos futu r os pais.

6. LEGALIZAÇÃO DA ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO

O diagnós t i c o de má formação fetal incom pa t í v e l com a vida é, sem dúv i da, uma das exper iênc ias mais angust ian tes que uma mul he r grávida pode exper imen ta r. Por tan t o, o abor t o em caso de anomal ia fetal incom pa t í v e l com a vida deve ser considerado uma prát ica legal no país, e não deve ser qual i f i cad o como abor t o, sendo mais cor re t o denom i na r essas situações de antecipação terapêu t i ca de parto (ATP).

Há pro je t os de lei, mani fes tações de Prom o t o r es de Justiça, Al va rás Judicia is e recomen dações pro f issi o na is que apon tam para a possib i l i dade de mod i f i cação da legislação brasi lei ra, visando contem p la r a legal idade do abor t o em casos de anomal ias fetais incom pa t í v e is com a vida.

O processo jur í d i c o e ético de revisão da legislação brasi lei ra vem sendo bastante cautel oso e, o consenso em torn o da mora l i dade do abor t o por anoma l ia fetal grave é crescen te no país.

A legislação, em especial a penal, não pode acei tar o fanat ismo ou dogma t ism o como elemen t os de sua comp reensão, mas ao cont rá r i o deve ref let i r a divers idade mora l. O fanat ismo, geralmen te ligado ao dogmat i sm o, é a crença em uma verdade que, uma vez acei ta, não deve mais ser posta em discussão e rejei ta qualque r tipo de ref lexão.

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Vida, para o Di re i t o Penal, é um bem jur íd i c o integran te da persona l i dade, sujei t o à tutela penal. Essa tutela é prestada com base nos mesmos padrões estabeleci dos para a pro teção de todos os demais bens jur í d i c o- penais.

Tra ta-se de um sistema de codi f i cação totalmen te laico, com plena indi fe rença a concei t os que associam vida e religião ou qualque r dogma de fé. O Di re i t o Penal estru tu r o u os crimes com base em tipos penais, só havendo crime se houve r tip ic i dade. A expressão tipo penal signi f i ca supo r te fát ico ou pressupos t o fát ico.

O supo r te fát ico do crime de abor t o é exclusi vamen te um feto prematu r o, com potenc ia l i dade plena de nascer e de ser uma pessoa. Logo, o feto inv iáve l por má formação incom pa t í ve l com a vida não é supo r te fát ico do crime de abor t o. Conseqüen temen t e, a gestante e o médico que, com o consen t i m en t o dela, inter r o m p e a gravi dez de um feto com inviab i l i dade por má formação, não prat icam crime de abor t o, simplesmen te porque não há tip ic i dade.

No Di re i t o Penal a vida int ra-uter i na tem pro teção jur í d i ca vir t ua l, ou seja, o Di re i t o Penal, ao puni r o abor t o, está, efet i vamen te, pun i n d o a frus t ração da expecta t i va potenc ia l de surgimen t o de uma pessoa. O crime de abor t o é cont ra fu tu ra pessoa, e nesse pon t o reside sua vi r t ual i dade. Assim, somen te o feto com capacidade fisio l óg i ca de ser pessoa pode também ser sujei t o passivo do crime de abor t o.

Se não houve r a expecta t i va de que o feto, decor r i da a gestação, dê lugar a um ser humano, prev isi vel men te vivo, não há bem jur íd i c o a ser preservado, não há tip ic i dade penal e não há crime.

Assim, a inviab i l i dade fetal por má formação incom pa t í v e l com a vida não tip i f i ca o crime de abor t o. A mo r te é a perda de função. No caso de inviab i l i dade fetal não houve mo r te porque esta função nunca exist i u.

O feto inviáve l não é pessoa e não tem vida. Não é possível reconhece r um status mo ra l e um di rei t o fundamen ta l de um ser inexis ten te ou daquele a favo r de quem, mesmo potenc ia lmen t e, não é possível impu ta r uma expecta t i va de di rei t o. Não há como impu ta r o direi t o à vida na ausência do conteúd o do di rei t o, que é a próp r ia vida.

Para just i f i car a ATP, fundamen t a- se a legi t im i dade lançando mão da próp r ia interp re tação hegemôn i ca con t rá r ia ao abor t o: se o que fundamen ta a pro i b i ção do abor t o é o pr inc í p i o da pro teção à vida, este pr inc í p i o não está sendo vio lado com a auto r i zação do abor t o de um feto inviáve l, uma vez que a má formação impede a sobrev i da.

No crime de abor t o, a causa da mor te fetal pode ser dire ta ou indi re ta. Se o feto, lesionado, mo r re r, haverá crime de abor t o independen temen t e da sua expu lsão. Se a ação abor t i va, mesmo visando o feto, se vol ta r para a mul he r, prov o can d o o trabal ho de parto e a expu lsão

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do feto, causando indi re tamen t e a mo r te por prema tu r i dade, também haverá crime de abor t o. Nas duas situações, o feto mor re em conseqüênc ia de tais ações. Na primei ra, mo r re em conseqüênc ia da lesão prov ocada, independen t emen t e da idade gestaci ona l. Na segunda, mor re em conseqüênc ia exclusi va da prematu r i dade.

Situação di fe ren te ocor re na anteci pação de parto de feto inviável, em que não há nexo causal entre a ação médica vol tada para o térm i n o da gravidez e a mor te do feto. O feto cessa suas ativ i dades biol óg i cas em conseqüênc ia da pato l og ia prévia e não da inter venção médica.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A possib i l i dade de anteci pa r o part o em casos de inviab i l i dade fetal será uma alternat i va para as mul he res que consideram insupo r tá ve l o sof r i men t o prov ocad o pelo diagnós t i c o de má formação fetal incom pa t í v e l com a vida, pois este é uma situação de extrem o sof r i men t o para os futu r os pais.

Os diagnós t i c os que just i f i cam o abor t o por anomal ia fetal incom pa t í v e l com a vida são casos em que não é possível a sobrev i da do feto fora do útero matern o, e ainda, são casos nos quais os recursos bioméd i c os são incapazes de rever te r ou inter v i r nas cond i ç ões biol óg i cas que impedem os fetos de viver.

Nesses casos, não existem recursos cient í f i c os que possam rever te r o quadro da má formação ou salvar a vida do feto e, a anteci pação terapêu t i ca do parto não prov o ca danos a este. Parte-se da cer teza do diagnóst i c o de má formação fetal incom pa t í ve l com a vida, e diante da inexis tênc ia de qualquer terap ia capaz de rever te r o quadro clín i co. Desta forma, a ATP é a alternat i va mais digna para aliv iar o sof r i men t o dos futu r os pais.

Reconhece r a legi t im i dade legal da antecipação do parto dim i n u i rá a angúst ia prov ocada pela info r mação do diagnós t i c o, ao torna r o processo decisó r i o mais rápi do e simp les.

O reconhec i men t o de um novo perm issi v o legal para a ATP torna rá o impac t o do diagnós t i c o da inviab i l i dade fetal menos dramát i c o, pois as mul he res terão opções para escolhe r qual a melho r forma de enf ren ta r a situação. Nem todas as mul he res escolhe rão anteci pa r o parto, mui t o embo ra a grande maio r ia venha a fazer esta escol ha.

Há um certo consenso bioét i c o internac i o na l de que o abor t o por má formação fetal deva ser considerado uma situação di fe ren te das situações tradic i o na is de abor t o vol un tá r i o, pois todos os recursos cient í f i c os dispon í ve i s são inúteis, restando apenas a cer teza da inviab i l i dade fetal.

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Um feto anencefál ic o não exper imen ta rá jamais a vida, pois não sobrev i ve rá fora do útero. Isso não signi f i ca, no entan t o, que a existênc ia da vida ou inexistênc ia da potenc ia l i dade de viver a vida e não o reconhec i men t o do status de pessoa nos fetos inviáveis deva se conve r te r na obr iga t o r i edade da antecipação terapêu t i ca do parto.

Convém destacar que não se trata de obr igar as gestantes de fetos inviáve is de inter r o m p e rem sua gestação, negando- lhes o di rei t o de levar a gravi dez até o termo final, mas simp lesmen t e assegurar- lhes a liberdade de decid i rem se desejam sof rer mais, ou menos, optando pela antecipação do part o.

A An tec i pação Terapêu t i ca do Parto deve ser resul tado de uma decisão autônoma e livre de cada mul he r, sendo into le ráve l qualquer forma de pressão mora l.

A impossi b i l i dade da exper iênc ia da vida extra-uter i na nos casos de abor t o por anoma l ia fetal incom pa t í v e l com a vida se const i t u i na fron te i ra com as out ras situações de abor t o volun tá r i o.

O feto por tado r de inviab i l i dade extrao r d i ná r ia não é sujei t o passivo do crime de abor t o, pois não apresen ta aptidão para atingi r o status de pessoa, para ser invest i do, com o nascimen t o, dos demais atr i bu t os da persona l i dade. Essa é uma exigênc ia do tipo penal para que haja o crime de abor t o.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

D I N I Z , Débo ra e Ribe i r o, D iau las. Aborto por Anomalia Fetal. Brasí l ia: Let ras Li v res, 2004.

D I N I Z , Débo ra e Gu i l hem, D i r ce. O Que é Bioética. São Paulo: Ed i t o ra Brasi l iense, Coleção Prime i r os Passos, 2006.

D I N I Z , Débo ra e Costa, Sérgio. Ensaios: Bioética. São Paulo: Edi t o ra Brasi l iense; Brasí l ia: Let ras Liv res, 2006.

D I N I Z , Mar ia Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001.

N O G U E I R A , D’ama t o Sandro. Ainda sobre a anteci pação terapêu t i ca do par t o nos casos de anence fa l ia e a visão do STF – No vas considerações em face da dign i dade da pessoa humana, da legal idade e da auton om i a da von tade. http://trinolex.com/artigos_print.asp?id=741&icaso=artigos . Acesso em 19 de agosto de 2005.

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Resumo: O Conselho Federal de Medicina aprovou no dia 9 de novembro de 2006 a Resolução n. 1.805, que trata da limitação e da suspensão de procedimentos e tratamentos que prolongam a vida de doentes terminais e incuráveis. Referida norma faz surgir grandes questionamentos na órbita ética e jurídica, que merecem ser debatidos com maior seriedade.

Palavras-chave: Suspensão – Tratamento – Doente Terminal – Bioética.

O Consel h o Federal de Med i c i na aprov ou, por unan i m i dade, no dia 9 de novemb r o de 2006, a Resolução n. 1.805 x, que trata da limi tação e da suspensão de proced i men t os e tratamen t os que pro l o n gam a vida de doen tes term i na is e incuráve is.

O texto da Resolução afi rma que é “perm i t i d o ao médico lim i ta r ou suspende r proced i me n t os e tratamen t os que pro l o n guem a vida do doen te, garant i n d o- lhe os cuidados necessári os para aliviar os sintomas que levam ao sof r i men t o, na perspec t i va de uma assistência integral, respei tada a von tade do pacien te ou seu represen tan te legal”.

Para a edição da resolução, o plenár i o do Consel ho Federal de Med i c i na embasou- se, ent re out r os fundamen t os, em pr inc í p i os const i t u c i o na is, a exemp l o do art igo 1º, inciso I I I , da Const i t u i ção da Repúb l i ca, que elegeu o pr inc í p i o da digni dade da pessoa humana como um dos fundamen t os da Repúb l i ca Federa t i va do Brasi l, além do artigo 5º, inciso I I I , que precei t ua que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

O Conselho Federal de Med i c i na, na qual idade de órgão julgado r e discip l i nado r da classe médica, que tem por atr i bu i ção zelar pelo per fe i t o desempen h o ético da Med i c i na e pelo prest íg i o e bom concei t o da pro f issão e dos que a exerçam legalmen te, entendeu que, como o médico tem o dever pro f i ss i ona l, ético e mo ra l de zelar pelo bem-estar dos pacientes, lhe é facul tado lim i ta r ou mesmo suspende r proced i men t os e tratamen t os que pro l o n guem a vida de doen te de enferm i dade grave e

Renata Dantas de Morais e Macedo *

BREVES COMENTÁRIOS À RESOLUÇÃO N. 1.805/2006 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, QUE PERMITIU A LIMITAÇÃO E A SUSPENSÃO DE PROCEDIMENTOS E TRATAMENTOS QUE PROLONGAM A VIDA DE

DOENTES TERMINAIS E INCURÁVEIS

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incu ráve l em fase term i na l, quando tal proced i me n t o imp l i car em apenas um pro l o n gamen t o do sof r i men t o, sem previsão de melh o ra ou cura, desde que, obv iamen te, respei tada a von tade do doen te ou de seu represen tan te legal, na impossi b i l i dade de o paciente externa r liv re e plenamen te sua von tade.

O documen t o foi elabo rado pela Câmara Técn i ca sobre a Term i na l i dade da Vida do Consel h o Federal de Med i c i na, e resul ta de um trabalh o iniciado há dois anos pelo Cremesp – Consel h o Regiona l de Med i c i na do Estado de São Paulo, através de seu Cent r o de Bioét i ca e da Câmara Técn i ca In ter d isc i p l i na r de Bioét i ca.

No mês de julho do ano de 2006, o Consel ho Federal de Med i c i na e o Consel ho Regiona l de Med i c i na do Estado de São Paulo realizaram, em São Paulo, o fórum “Desafios Éticos na Terminalidade da Vida”, reun i n d o médicos, pesqu isado res, jur is tas e religiosos para discut i r o tema e aval iar uma propos ta mais detalhada para uma possíve l resolução. Desse encon t r o nasceu o documen t o final, apresen tado à plenár ia do Consel h o Federal de Med i c i na e que deu ensejo à Resolução n. 1.805, que acabou regulamen tand o a chamada or to tanásia, mo r te digna, assisti da pela medic i na.

A Resolução obteve ampla repercussão, não apenas entre as ent idades médicas, mas também na grande imp rensa de todo o país. A Igreja Cató l i ca apoi ou a medida em nota assinada pelo bispo D. Od i l o Pedro Scherer, Secretár i o-Geral da Con fe rênc ia Nac i o na l dos Bispos do Brasi l (CNBB). No documen t o, pub l i cado no site da entidade (http://www.cn b b. o r g.b r/), ele cita documen t os do Vat i cano, como a Enc í c l i ca Evangelium Vitae, que afi rma: “quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida”.

A classe médica, de uma forma geral, defende que a orto tanásia nunca foi considerada inf ração ética. Para grande parte dos médicos, a resolução represen ta r ia, em verdade, um con f o r t o para a classe médica, que freqüen temen t e hesi ta em adotar a prát i ca por medo da reação dos fami l ia res e dos colegas, ou mesmo por conv i cção pessoal.

Na ordem ética, considerando os pri nc í p i os básicos que regem a teor ia pri nc i pa l is ta, quais sejam, a autonom i a (respei tar a von tade par t i cu la r do sujei t o), a benef i cênc ia (fazer o bem ao out r o), a não male f i cênc ia (não causar dano a ninguém) e a just iça (procu rar a eqüidade no acesso aos serviços), a possib i l i dade de o médico suspende r, diante da conco r dân c ia do pacien te, o tratamen t o dispensado ao doen te em estado grave e term i na l que não imp l i ca em cura ou recupe ração, mas apenas signi f i ca um pro l o n gamen t o precár i o e penoso da vida, apresen ta-se-nos, prima facie, cor re t o.

O ra, se o paciente, diagnos t i cado com doença grave, incu ráve l e em estado term i na l, opta por não se subme te r a tratamen t o que não lhe trará a

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cura, mas apenas pro l o n ga rá, art i f i c ia lmen t e, o seu sof r i men t o, observa-se que restaram plenamen t e garant i d os os pri nc í p i os acima, não se antevend o a possib i l i dade de o médico lhe impo r a subm issão ao tratamen t o, devendo, por tan t o, respei ta r a decisão do pacien te.

No entant o, para que refer i dos pri nc í p i os sejam efet i vamen te resguardados, faz-se necessár ias algumas prov i dê nc ias.

Prime i ramen t e, para que o doen te possa mani f es tar de forma váli da seu consen t i me n t o (autonom i a ), ou seja, para que o doen te possa externa r, de forma livre e sem mani pu lação, a sua von tade, é indispensável que o mesmo seja plenamen te info r mad o acerca do seu diagnós t i c o, dos tratamen t os existen tes e dos resul tados que refer i dos tratamen t os poderão lhe propo r c i o na r, para que então, info r ma d o das possib i l i dades à sua disposição, possa decid i r pela sua subm issão ou não ao tratamen t o existen te ou, ainda, pela suspensão ou cont i n u i dade do proced i me n t o que já está sendo executado.

Também se most ra indispensável, para que o doen te possa exerc i ta r sua autonom i a , que ele receba supo r te emoc i o na l, social e às vezes até mesmo assistênc ia espi r i t ua l de equipe especial izada. Assim, tanto o pacien te quant o sua famí l ia devem ser atend i d os por equi pe mul t i d i sc i p l i na r, para que o doen te possa então externa r seus anseios e angúst ias e, ao final, tomar uma decisão mais conscien te.

Adema is, quan t o aos pri nc í p i os da bene f i cênc ia e da male f i cênc ia , deve-se estar atento para que a superva l o r i zação dos citados pri nc í p i os não se sobrepo n ham ao da autonom i a – que é o que se acredi ta que a Resol ução do CFM tent ou evi tar – a pon t o de tercei ras pessoas, no papel de ben fei t o res, se julgarem no di rei t o de impo r ao doen te, con t ra a sua von tade, um tratamen t o que ele próp r i o entende desnecessár io.

Assim, ao que parece, o texto da Resol ução n. 1.805 do CFM objet i va con j uga r, de forma equâni me, esses ci tados pri nc í p i os. Ou seja, ao se respei tar a von tade livre e conscien te do pacien te com doença grave, incuráve l e em estágio term i na l que opta por não se subme te r a tratamen t o que não lhe trará a cura, mas apenas lhe assegurará uma sobrev i da com sof r i men t o, está se consi de rand o que o tratamen t o dispensado não trará nenhum bene f í c i o real ao doen te, ao mesmo tempo que não impl i ca rá em nenhum male f í c i o a tercei ra pessoa.

Por fim, para que o pri nc í p i o da just iça seja efet i vado, faz-se necessári o que ao pacien te seja ofer tado eqüidade no acesso à assistência, ou seja, para que o doen te possa, de forma justa e eqüâni me, externar sua von tade, deve-se par t i r do pressupos t o de que não está numa situação de vulne rab i l i dade, na qual, em verdade, não pode decid i r livremen t e, já que não lhe são ofer tadas alternat i vas.

Assim, par t i n d o desse parâmet r o, não se antevê just iça na decisão de

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um doen te que deixa de optar por um tratamen t o em razão de não dispo r de recursos financei r os para custeá-lo, e por não consegu i r na rede públ i ca o tratamen t o adequado no tempo cer to.

De qualque r forma, ainda há mui tas questões éticas e mo ra is a se discut i r acerca da Resolução n. 1.805 do CFM: Quand o é que se perm i t i rá que tercei ra pessoa, denom i nada de represen tan te legal, tome refer i da decisão? Deve-se recor re r à legislação civ i l para a solução da questão? E quando se tratar de doen te, não interd i tad o e, a pr inc í p i o, plenamen t e capaz, que momen ta neamen t e não puder expr i m i r sua von tade? Quem estará habi l i tad o a toma r essa decisão?

A questão, como se vê, não é tão simpl ó r ia de se resol ve r no campo prát i co. Por óbv i o, serão poucas as pessoas que defende rão que uma pessoa diagnost i cado com câncer em estado term i na l seja obr igada a se man te r internada em um hosp i ta l, subme tend o- se a sessões dol o r osas de quim i o t e rap ia e radio te rap ia, quando se sabe que refer i dos tratamen t os, extremamen t e incôm o d os, não trarão a cura ao pacien te, mas apenas o força rá a passar seus úl t im os momen t os de vida dent r o de um hosp i ta l, passando por todo esse descon f o r t o. Nessa hipó tese, respei ta r a decisão do doen te que não quer se subme te r ao tratamen t o é mui t o fáci l e até mesmo con f o r t á ve l.

Mas e na hipó tese de uma pessoa que, por exemp l o, apresen ta um estado de inérc ia física e intelectual, que não tem mais prognós t i c o de recupe ração e que está sendo man t i da viva com o uso de aparelhos, como um respi rado r arti f i c ia l. Poder ia seu “represen tan te legal” decid i r pela suspensão dos recursos extern os sem os quais o paciente não sobrev i ve r ia? Como se disse, é uma questão di f í c i l de ser enf ren tada.

Por der radei r o, é de se salien tar ainda que as questões propos tas pela Resol ução n. 1.805 do Consel h o Federal de Med i c i na ainda devem ser abordadas sob a órb i ta jur íd i ca e a grande prob lemá t i ca que surge, no campo jur íd i c o, é se a suspensão do tratamen t o a doen tes term i na is graves poderá impl i car em responsab i l i zação crim i na l aos médicos ou mesmo aos responsáve is legais dos doen tes que toma rem a decisão.

In i c ia lmen t e, para que possamos debater acerca da questão, faz-se necessár io deli nearm os alguns concei t os básicos.

Pois bem. A eutanásia (do grego, “mo r te boa”) imp l i ca em uma inter venção para prov oca r ou adiantar a mor te de uma pessoa, seja ela prov o cada por um paren te, amigo, pelo próp r i o paciente ou pelo médico. Já orto tanásia (do grego, “mo r te cor re ta”) é um termo uti l i zado para ident i f i ca r a hipó tese em que a mor te ocor re ao seu tempo, sem ser adiantada ou adiada pelo uso excessivo de meios de supo r te avançado de vida, como respi rado res art i f i c ia is. No caso, o paciente recebe um tratamen t o pal iat i v o, que man tém a alimen tação e comba te a dor. Por fim, cump re ainda

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expl ic i ta r que a distanásia (do grego, “mo r te di f íc i l ”) é considerada o inverso da eutanásia, ou seja, imp l i ca na hipó tese em que o pacien te é man t i d o vivo art i f i c ia lmen t e por meio de recursos externos sem os quais ele não sobrev i ve r ia, pro l o n gand o sua agon ia, apesar de o doen te não ter mais prognós t i c o de recupe ração.

Segundo o nosso ordenamen t o jur íd i c o pátr i o, a prát i ca da eutanásia é vedada e pode con f igu ra r os crimes de hom i c í d i o (artigo 121, Códi go Penal xi) e de auxí l i o a suicíd i o (artigo 122, Cód igo Penal xii).

No entan t o, os defenso res da prát i ca dispos ta na Resol ução n.º 1.805 do Consel ho Federal de Med i c i na entendem que a facul dade conced i da pela resolução aos médicos não con f i gu ra a chamada eutanásia, tip i f i cada como crime no Brasi l, que é prov oca r a mor te do doen te, mas sim a ort o tanásia, que é o ato de não usar recursos que pro l o n guem arti f i c ia lmen te a vida.

Oco r re que, ainda nessa hipó tese, pode-se vislum b ra r a ocor rênc ia do crime de om issão de socor r o, tip i f i cad o no art igo 135 do Código Penal xiii. Adema is, não se pode olv i dar que para mui t os cer tas hipó teses fát icas podem con f u n d i r a ort o tanásia com a eutanásia, como na hipó tese antes descr i ta, em que uma pessoa apresenta um estado de inérc ia física e intelectual e que não tem mais prognós t i c o de recupe ração, man t i da viva com o uso de aparelhos, como um respi rado r. Se o seu “represen tan te legal” decid i r pela suspensão do uso do respi rado r art i f i c ia l, tal condu ta não con f igu ra r ia a próp r ia eutanásia?

Vê-se, por tan t o, que ainda há mui t o a se discut i r, seja no campo ético, seja no campo jur íd i c o, relat i vamen t e à Resolução n. 1.805 do Consel h o Federal de Med i c i na.

No entant o, não podemos deixar de elogiar a inic iat i va coraj osa e inovado ra do Consel h o Federal de Med i c i na por perm i t i r uma discussão mais conc re ta acerca do assunt o. Como bem disse o Di re t o r da Câmara Técn ica do Consel ho Federal de Med i c i na, Rober t o D’Á v i l a, “Nossa proposta é que em casos de pacientes graves e incuráveis, os médicos podem e devem suspender esforço terapêutico desnecessário e passem a oferecer um tratamento paliativo ao paciente, de combate à dor. Não é uma questão de abandoná-lo, mas de oferecer outro tipo de atenção, em um local onde ele possa ficar o dia todo perto dos familiares”, eis que assim estar-se-á perm i t i n d o ao doen te term i na l uma mo r te digna, garant i n d o- lhe passar seus úl t i m os momen t os de vida cercado da atenção da fam í l ia.

Adema is, digo que a iniciat i va do Consel ho Federal de Med i c i na é louváve l pois faz surgi r na sociedade brasi lei ra a idéia de que a questão tem que ser considerada com mais prop r i edade, ainda mais em um país como o Brasi l, em que o Sistema Ún i co de Saúde passa por uma séria crise.

x RESOLUÇÃO Nº 1.805, DE 9 DE NOVEMBRO DE 2006

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Na fase term i na l de enferm i dades graves e incuráve is é perm i t i d o ao médico limi ta r ou suspender proced i men t os e tratamen t os que pro l o ng uem a vida do doen te, garan t i nd o- lhe os cuidados necessár i os para aliv iar os sintomas que levam ao sof r i men t o, na perspec t i va de uma assistênc ia integra l, respei tada a von tade do pacien te ou de seu represen tan te legal.

O Conselh o Federal de Med i c i na, no uso das atr ibu i ç ões con fe r i das pela Lei nº 3.268, de 30 de setemb r o de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezemb r o de 2004, regulamen tada pelo Decre t o nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CO NS I D E R A N D O que os Conselh os de Med ic i na são ao mesmo tempo julgado res e discip l i nad o r es da classe médica, cabendo- lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo per fe i t o desempenh o ético da Med i c i na e pelo prest íg i o e bom concei t o da pro f issão e dos que a exerçam legalmen te;

CO NS I D E R A N D O o art. 1º, inciso I I I , da Cons t i t u i ção Federal, que elegeu o pr inc í p i o da dign idade da pessoa humana como um dos fundamen t os da Repúb l i ca Federa t i va do Brasi l;

CO NS I D E R A N D O o art. 5º, inciso I I I, da Cons t i t u i ção Federal, que estabelece que “ninguém será submet i d o a tor t u ra nem a tratamen t o desumano ou degradan te”;

CO NS I D E R A N D O que cabe ao méd ico zelar pelo bem-estar dos pacien tes;

CO NS I D E R A N D O que o art. 1° da Resolução CFM n° 1.493, de 20.5.98, determ i na ao diret o r clín ico adotar as prov i dênc ias cabíve is para que todo pacien te hosp i ta l izad o tenha o seu médico assistente responsáve l, desde a inter nação até a alta;

CO NS I D E R A N D O que incum be ao médico diagnos t i ca r o doen te como por tado r de enferm i dade em fase term i na l;

CO NS I D E R A N D O , finalmen te, o decid i d o em reun ião plenár ia de 9/11/2006, resol ve:

Art. 1º É perm i t i d o ao médico limi ta r ou suspende r proced i men t os e tratamen t os que prol o n guem a vida do doen te em fase term i na l, de enferm i da de grave e incuráve l, respei tada a von tade da pessoa ou de seu represen tan te legal.

§ 1º O méd ico tem a obr igação de esclarecer ao doen te ou a seu represen tan te legal as moda l i dades terapêu t i cas adequadas para cada situação.

§ 2º A decisão refer i da no caput deve ser fundamen ta da e regist rada no pron t uá r i o.

§ 3º É assegurado ao doen te ou a seu represen tan te legal o di rei t o de sol ici ta r uma segunda opin ião médica.

Art. 2º O doente con t i nuará a receber todos os cuidados necessár i os para aliv iar os sintomas que levam ao sof r i men t o, assegurada a assistência integra l, o con f o r t o físico, psíqui co, social e espi r i t ua l, inclus i ve assegurando- lhe o di rei t o da alta hosp i ta lar.

Art. 3º Esta resolução ent ra em vigor na data de sua pub l i cação, revogando- se as disposi ções em cont r á r i o.

EDS O N DE OL I V E I R A AN D R A D E - Presiden te do Consel hoL Í V I A BARR OS GARÇ Ã O - Secretár ia Geral(Fonte: D iá r i o O f i c ia l da Un ião; Poder Execu t i v o, Brasí l ia, DF, 28 nov. 2006. Seção 1, p. 169)

xi “Art 121. Matar alguém:Pena - reclusão, de seis a vin te anos.§ 1º Se o agente come te o crime impel i d o por mot i v o de relevan te valo r social ou mo ra l, ou sob o dom í n i o de vio len ta emoção, logo em seguida a injusta prov ocação da ví t i ma, ou juiz pode reduz i r a pena de um sexto a um terço.§ 2° Se o hom i c í d i o é comet i d o:I - med ian te paga ou promessa de recompensa, ou por out r o mot i v o torpe;I I - por mot i v o fut i l;

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I I I - com emprego de veneno, fogo, expl osi vo, asfix ia, tor t u ra ou out r o meio insid ioso ou cruel, ou de que possa resul tar per igo comum;IV - à traição, de emboscada, ou med ian te dissimu lação ou out r o recurso que di f icu l te ou tor ne impossi ve l a defesa do ofend i d o;V - para assegurar a execução, a ocul tação, a impun i da de ou van tagem de out r o crime:Pena - reclusão, de doze a tri n ta anos.§ 3º Se o hom i c í d i o é culposo: Pena - detenção, de um a três anos.§ 4º No hom i c í d i o culposo, a pena é aumen tada de 1/3 (um terço), se o crime resul ta de inobser vânc ia de regra técni ca de pro f i ssão, arte ou of íc i o, ou se o agente deixa de prestar imedia t o socor r o à ví t i ma, não procu ra dim i n u i r as conseqüênc ias do seu ato, ou foge para evi tar pr isão em flagran te. Sendo dol oso o hom i c í d i o, a pena é aumen tada de 1/3 (um terço) se o cr ime é prat icado con t ra pessoa meno r de 14 (quato rze) ou maio r de 60 (sessenta) anos. § 5º Na hipó tese de hom i c í d i o culposo, o juiz poderá deixar de apl icar a pena, se as conseqüênc ias da inf ração atingi rem o próp r i o agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessár ia.”

xii “Art. 122 - Induz i r ou inst igar alguém a suicidar- se ou prestar- lhe auxí l i o para que o faça:Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicíd i o se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentat i va de suicíd i o resul ta lesão corpo ra l de natu reza grave.Parágrafo único - A pena é dup l i cada:I - se o crime é prat icado por mo t i v o egoíst ico;I I - se a ví t i ma é meno r ou tem dim i n u í da, por qualquer causa, a capacidade de resistênc ia.”

xii i “Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possí vel fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou ext raviada, ou à pessoa invál i da ou fer ida, ao desampar o ou em grave e iminen te per igo; ou não pedi r, nesses casos, o socor r o da auto r i dade públ i ca:Pena - detenção, de um a seis meses, ou mul ta.Parágra f o único - A pena é aumen tada de metade, se da omissão resul ta lesão corp o ra l de natu reza grave, e tri p l icada, se resul ta a mor te.”

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PEÇA FUNCIONAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DAS FAZENDAS PÚBLICAS DE ITUMBIARA

“Ar t i g o 1.º (...)§1.º A responsab i l i dade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparen te, em que se previ nem riscos e cor r i gem desvi os capazes de afetar o equi l í b r i o das con tas púb l i cas, median te o cump r i m e n t o de metas e resul tados entre recei tas e despesas e a obed iênc ia a limi tes e cond iç ões no que tange a renúnc ia de recei ta, geração de despesas de pessoal, da segur i dade social e out ras, dív i das conso l i dadas e mob i l iá r ia, operações de crédi t o, inclus i ve por antecipação de recei ta, concessão de garant ia e inscr i ção de Restos a Pagar” (BRAS I L. Lei Com p lemen t a r 101/2000)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por seu órgão de execução nesta Coma rca, com fulc r o na Const i t u i ção Federal, artigos 37, caput e parágra f o 4.º; 129, inciso I I I ; na Lei Federal n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civ i l Púb l i ca); Lei Federal n.º 8.625/93 (Lei Orgân i ca Nac i o na l do M i n is tér i o Públ i c o); Lei Comp l emen ta r 101/2000 (Lei de Responsab i l i dade Fiscal); na Const i t u i ção do Estado de Go iás, art. 92, caput e parágra f o 4.º e, ainda, com base nas peças de info r mação, em anexo; vem ajuizar a presente

Ação Civ i l Púb l i ca de Nu l i dade de Proced i me n t o Lic i ta t ó r i o com fins de An tec i pação de Recei ta Orçamen t á r ia com pedid os lim i na r de suspensão do proced i me n t o em De fesa do Equ i l í b r i o Fiscal.

em desfavo r do

MUNICÍPIO DE ITUMBIARA, pessoa jur íd i ca

Reuder Cavalcante Motta *

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE NULIDADE DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO COM FINS DE ANTECIPAÇÃO DE RECEITA

ORÇAMENTÁRIA COM PEDIDOS LIMINAR DE SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO EM DEFESA DO EQUILÍBRIO FISCAL.

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de direi t o púb l i c o intern o, com sede no cent r o desta cidade de I tum b ia ra, represen tada por seu Prefei t o, José Gomes da Rocha, encon t rá ve l na Prefei t u ra Mun i c i pa l;

pelas razões de fato e de direi t o a segui r aduzi das:

SUMÁRIO

Segundo apurado em Inqué r i t o Civ i l Púb l i c o, o Mun i c í p i o de I tum b ia ra, por seu Prefei t o Mun i c i pa l de Itum b i a ra, apresent o u pro je t o de Lei Mun i c i pa l aprovado pela Câmara Mun i c i pa l de Itum b i a ra pelo qual se auto r i z o u ao Mun i c í p i o vende r pelo melho r preço toda a recei ta patr i m o n i a l a ser receb i da de maio de 2005 a dezemb r o de 2008 der i vada de “royal t ies de Itai pu e compensação financei ra pelo uso de recursos hídr i c os para fins de energia elét r i ca” – Lei Mun i c i pa l 3.198/2006 de 15 de feverei r o de 2006.

En tenden d o- se legi t i mado pela refer i da Lei, o Mun i c í p i o inici ou Proced i me n t o Lic i ta t ó r i o: conco r rê nc ia púb l i ca 001/2006. Em verdade, trata-se de arr iscada operação de crédi t o na modal i dade de An tec i pação de Recei ta O rçamen t á r ia que da forma prev ista pelo Mun i c í p i o de I tum b ia ra trata-se de condu ta vedada pelo ordenamen t o jur íd i c o naciona l por força no dispos t o na Lei Comp l emen ta r 101/2000, conhec i da como Lei de Responsab i l i dade Fiscal.

O M i n is té r i o Públ i c o do Estado de Go iás, por sua Prom o t o r i a de Justiça em Itum b ia ra, nesta Ação Civ i l Púb l i ca, em defesa da ordem jurí d i ca e, mesmo do risco que comp reende o negóc i o ao erário mun i c i pa l, postu la no Poder Judic iár i o a nul idade do proced i men t o lici tat ó r i o. Requer-se, lim i na r me n t e, a imedia ta suspensão do cont ra t o e, ao final, a decretação judic ia l de sua nul idade e de demais out r os atos jur í d i c os que o precede ram.

I – DOS FATOS

I.1. Em 15 de feverei r o de 2006, o Prefei t o Mun i c i pa l de I tum b ia ra, após processo legislat i v o de inic iat i va sua, sancion ou e prom u l g o u a Lei Mun i c i pa l N.º 3.198/2006. Segundo a refer i da lei foi criado o fundo Mun i c i pa l de Desenvo l v i m e n t o .

I.2. Nos termos da refer i da lei Mun i c i pa l, e para capi tal ização do refer i d o fundo, o Prefei t o Mun i c i pa l está auto r i zado a

“prom o ve r a cessão onerosa de até 100% (cem por cento) dos

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di rei t os pat r i m o n i a is de ti tu la r i dade do Mun i c í p i o de Itum b i a ra, relat i v os à compensação financei ra a que faz jus por força do dispos t o no § 1.º do Ar t i go 20 da Const i t u i ção Federal, a títu l o de compensação financei ra pelo uso de recursos híd r i c os para fins de geração de energia elét r i ca, devida nos termos da Lei n.º 7.990, de 28 de dezemb r o de 1989, e alterações poster i o res, da Lei n.º 8.001, de 13 de março de 1990, e alterações poster i o res, e demais leis apl icáveis, e (b) aos Royal t ies devidos nos termos do Tratado de I taipu de 26 de abri l de 1973 e demais leis e normas aplicáveis, relat i v o aos exerc íc i os de 2006, 2007 e 2008”.

I.3. Para conc re t i za r a venda de tais recei tas patr i m o n i a i s, a part i r do mês de maio de 2006, em 24 de maio de 2006, o Secretár i o Mun i c i pa l de Finanças, após homo l o gação do Secretár i o de Con t r o l e In ter n o e do Prefei t o Mun i c i pa l, encam i n h o u ao Depar tamen t o de Comp ras requisição para aber tu ra de lici tação, com a prev isão de arrecadar R$ 3.000.000,00 (três mi l hões de reais).

I.4. Em 28 de abri l de 2006, o Depa r tamen t o de Comp ras do Mun i c í p i o de Itum b i a ra lavrou o Edi ta l de Conco r rê n c ia Públ i ca N.º 001/2006 , cujo extra to foi pub l i cado no Diá r i o O f i c ia l do Estado de Go iás em 03 de maio de 2006, e também em peri ód i c os local, Fol ha de No t í c ias, e de âmbi t o estadual, “O Popu la r”.

I.5. O Mi n is té r i o Públ i c o do Estado de Go iás requ is i t ou em 28 de Ab r i l de 2006, cópia do Ed i ta l ao Depar tame n t o de Comp ras e, ao mesmo tempo, requ is i t ou info r maç ões comp lemen t a res ao Secretár i o de Finanças.

I.6. Con f o r m e o Ed i ta l da Conco r r ê nc ia, está prev ist o para o próx i m o dia 05 de Junho de 2006, às 9:00, na sede da Prefeitura Municipal de Itumbiara reun ião para receber e iniciar a abertura dos envelopes referentes aos procedimentos licitatórios.

I.7. Vislum b r a n d o a ilegali dade da operação de crédi t o e, mesmo o risco de preju í z o aos cof res mun i c i pa is, o M i n is tér i o Públ i c o recor re ao Poder Judic iár i o para que seja abor tada a operação.

I.8. Na defesa do pat r i m ô n i o púb l i c o e da ordem jurí d i ca, o M I N I S T Ë R I O PÚB L I C O DO EST A D O DE GO I Á S reco r re ao Poder Judiciá r i o com a pretensão de restabelecer a ordem jur íd i ca vio lada, para que determ i ne, limi na rmen t e, a suspensão do proced i me n t o lici tat ó r i o e, ao final a decretação de sua nul idade eis que eivados de nul i dades insanáveis, além de se most ra rem como operações potenc ia lmen te arr iscadas ao erário mun i c i pa l.

II – DO DIREITO

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II.1 – DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A legi t i m i dade do M i n is té r i o Públ i c o para prom o ve r a defesa do patr i m ô n i o púb l i c o advém de comand o const i t u c i o na l, bem como da legislação inf ra-const i t u c i o na l.

Cons t i t u i ção Federal:Ar t. 129. São funções inst i t uc i o na is do Mi n is té r i o Públ i c o:...I I I – prom o ve r o inquér i t o civi l e a ação civ i l púb l i ca, para a pro teção do patr i m ô n i o púb l i c o.

Igual norma é repetida na Constituição do Estado de Goiás em seu artigo 117.

Na Lei n.º 8.429/92:“Ar t. 17. A ação pr inc i pa l, que terá o ri to ord i ná r i o, será prop os ta pelo M i n is té r i o Públ i c o......§ 4.º. O Mi n is té r i o Públ i c o, se não inter v i r no processo como parte, atuará obr iga to r iamen t e, como fiscal da lei, sob pena de nul i dade”.

Na Lei n.º 8.625/93, tem-se, em seu artigo 25:

Ar t. 25. Além das funções prev is tas nas Cons t i t u i ç ões Federal e Estadua l, na Lei Orgân i ca e em out ras leis, incum be, ainda, ao Mi n is tér i o Públ i c o:...I V – prom o ve r o inqué r i t o civ i l e a ação civ i l púb l i ca, na forma da lei:...b) para anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações diretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem”.

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O Egrég i o Tr i bu na l de Justiça do Estado de Go iás con f i r m a o entend i me n t o.

“AÇ Ã O CI V I L PÚB L I C A . M I N I S T É R I O PÚB L I C O . LEG I T I M I D A D E . CO NS T I T U I Ç Ã O FE D E R A L , ART. 129, I I I . Tem o Mi n is té r i o Públ i c o legi t im i dade para propo r Ação Civ i l Púb l i ca que obje t i ve a pro teção do patr i m ô n i o púb l i c o e social, do meio ambien te, e de out r os interesses di f usos e colet i v os” (TJGO, Ag. Ins t r. n.º 5.942-0/180, Rel. Des. Mau r o Campos, acórdão de 27/2/92, pub l. no DJG O n.º 11.287, de 17/03/92, pág. 09)

II.2 – DA ORIGEM DA RECEITA

A Carta da Repúb l i ca previ u no parágra f o pr ime i r o do artigo 20 o seguin te :

“§ 1.º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como aos órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por esta exploração”.

Para dar cump r i m e n t o ao comand o const i t uc i o na l, o Cong resso Nac i o na l criou a Lei n. 7.990, de 28-12-1989 e Lei n. 8.001 de 13-03-1990. Havend o também a regulamen ta r as refer i das leis o Dec re t o n. 1, de 11 de janei ro de 1991.

Deco r re do Tratado de Itai pu de 26.4.1973 que a refer i da entidade binaci ona l efetuará o pagamen t o de royalties ao Brasi l. E, por força da Lei n. 8001/90, Mun i c í p i os afetados por reserva tó r i os a mon ta n te da Usina de Itai pu, que con t r i b uem para o incremen t o de energia nela produ z i da são benef i c iá r i os de parte dos royalties receb i dos pelo Brasi l.

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Como é fato notó r i o o Mun i c í p i o de Itum b i a ra teve par te de seu terr i t ó r i o inundad o pelos lagos de duas usinas hid re lé t r i cas: Itum b i a ra e Cachoe i ra Dou ra da, além de ser banhado pelo Rio Paranaí ba que alimen ta a bacia do Rio Paraná. Em razão de fatos, o Mun i c í p i o de I tum b ia ra é um dos bene f i c iá r i os das recei tas acima, con f o r me detalhados comp lex os cálcul os que, ao momen t o não se most ra opo r t u n o expl ic i ta r.

O Secretár i o de Fazenda do Mun i c í p i o de Itum b i a ra apresent o u histó r i c o dos valo res receb i dos a tí tu l o de royalties de Itaipu e compensações financei ras. Ao final do Inqué r i t o Civ i l, o M i n is té r i o Públ i c o junt o u consu l ta realizada no site da AN E E L com histó r i c o dos valores recebi dos pelo mun i c í p i o de Itum b i a ra.

O histó r i c o dos úl t i m os três anos e os primei r os meses de 2006 (Janeiro a Mai o de 2006) é, con f o r me a AN E E L o seguin te:

AN E E L – Compensação financei ra e “Royalties” de I taipu Binaci o na l(GO) Itum b ia ra

Ano Royal t ies de I tai pu

Com pensação Finance i ra

To ta l Méd ia/Me nsal

2003 R$ 475.301,96 R$ 1.568.828,34 R$ 2.044.130,30 R$ 170.344,20

2004 R$ 442.852,38 R$ 2.087.804,33 R$ 2.530.656,71 R$ 210.888,10

2005 R$ 368.988,51 R$ 2.650.050,43 R$ 3.019.038,94 R$ 251.586,60

2006* R$ 147.281,71 R$ 1.200.11 1,37 R$ 1.347.393,07 R$ 269.478,60

* janei r o a maio

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II.3 – DA OPERAÇÃO DE CRÉDITO PRETENDIDA PELO MUNICÍPIO DE ITUMBIARA

O Poder Execu t i v o de Itum b i a ra, supostamen t e auto r i zado pela Lei Mun i c i pa l N.º 3.198/2.006 inten ta realizar operação consisten te em receber um valor atual, determ i nado pela melh o r ofer ta apresentada por lici tan tes em conco r rê nc ia púb l i ca, cedendo- lhes em troca toda a recei ta patr i m o n i a l futu ra advinda das compensações finance i ras advi ndas da expl o ração de recursos hídr i c os e dos royalties que vier a receber de Itai pu binaci ona l, no per íod o de maio de 2006 a dezemb r o de 2008.

Est ranhamen t e, ou deliberadamen te, na operação pretend i da pelo Mun i c í p i o de Itum b i a ra, em momen t o algum se usou as expressões emp rés t i m o, anteci pação de recei ta ou operação de crédi t o, optando- se pelos termos “cessão onerosa de dire i t os” (Cf. Lei 3.198/2.006), ou “alienação, median te cessão onerosa dos crédi t os que coube rem ao mun i c í p i o” (Requisição de comp ras”. Oco r re que o tratamen t o do negóc i o jur íd i c o por out r o nome não o torna out r o negóc i o jur íd i c o. Tra ta-se, em verdade, de operação de crédi t o por anteci pação de recei ta. Vo l t em os ao concei t o de crédi t o.

“Et i m o l o g i camen te crédi t o vem do latim credi t um, de credere, que signi f i ca ter con f iança (em alguém). Di z- se também que o crédi t o é a troca de uma riqueza presente por uma riqueza futu ra.Man i f es ta-se de duas manei ras: adiantamen t o dum capi ta l posto à dispos ição de out rem e concessão duma mora t ó r ia para solvênc ia de uma obr igação.Daí a def i n i ção de crédi t o: é a con f iança pela qual nos incl i nam os a fazer emprés t i m os ou concede r prazos para pagamen t o. (Edgar Aqu i n o Rocha, Princ í p i os de Econ om i a, São Paulo, Cia. Edi t o ra Nac i o na l, 1970, p225)

Ora, no caso em tela, a riqueza presente que o Mun i c í p i o inten ta receber é o valo r em dinhe i r o da maio r ofer ta apresen tada pelos lici tan tes e a riqueza fu tu ra são os valores que têm expecta t i va de receber (expectat i va de di reto e não direi t o, eis que somen te com a produção de energia elét r i ca no futu r o por um conj un t o de hid re lé t r i cas é que surge para o mun i c í p i o o crédi t o). Não resta, out r ossim, dúv i da quant o ao fato de que estamos diante de uma operação de crédi t o. Operação conhec i da como An tec i pação de Recei ta O rçamen t á r ia. Eis que o pagamen t o do capi tal a ser recebi d o

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vincu la, desde o fi rmamen t o do con t ra t o de emprés t i m o, a destinação de recei ta orçamen tá r ia futu ra, in casu, a recei ta patr i m o n i a l advi nda de compensações financei ras e royalties, descr i tas na seção anter i o r.

Para estimar o valo r econôm i c o dos recebimen t os futu r os, o Mun i c í p i o de I tum b ia ra con t ra t o u a empresa FN Consu l t o r i a Econ ô m i ca Ltda., que apresent o u um relató r i o que consta do Edi ta l. At ravés de estudo matemát i c o estat ís t i co a empresa estabelece cenár i os de risco, tentand o in fer i r o quan t o invest i d o r es poder iam ofer ta r pelas recei tas do Mun i c í p i o. Para chegar aos cálcul os, a emp resa tenta acer tar qual seria a produção de energia elétr ica das usinas hidrelé t r i cas de Cachoe i ra Dou ra da, I tum b ia ra, São Simão, Ilha Sol tei ra, Jupiá (Engenhe i r o Souza Dias) e Por t o Primave ra (Engenhe i r o Sérgio Mo t ta) e de royalties da Usina de I taipu. No estudo, prev ia-se a operação em 24 de abri l de 2006 e a alienação de recei tas para o perí od o de 10 de maio de 2006 a 31 de setemb r o de 2008.

A emp resa deixa claro que:

“As usinas em questão não foram audi tadas, nem

passaram por anál ise de crédi t o. As estima t i vas

aqui elabo radas baseiam-se exclusi vamen te em

séries histó r i cas de geração de energia e pagamen t o

de royalties. Sua acurácia depende da hipó tese de

que o desempen h o passado dessas usinas seja

info r ma t i v o sobre o desempenh o fu tu r o.

Inev i ta ve l men t e, essa abordagem não inco r p o ra

riscos associados a event os inédi t os, devi do à sua

natu reza eminen temen t e subje t i va e inest imáve l.

Exem p l o de tais event os incluem: crises setor ia is

agudas e imp rev i s í ve is; mudanças na

regulamen tação do setor; variações na

per f o r ma n ce causadas por decisões inédi tas de

invest i men t o ou manu tenção. Even t os inédi t os

que levem as recei tas mensais def i n i d os na tabela 1

não bene f i c iam o cessioná r i o” (FN Consu l t o r i a

Econ ô m i ca Ltda., Laudo de Aval iação de Valo r

Econ ô m i c o de Recebi men t os Futu r os, fls. 4).

Em out r o trecho do laudo se lê:

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“Tal fluxo fu tu r o de trans fe rênc ias mun i c i pa is é

sujei t o a incer tezas de diversas naturezas, uma vez

que a pre fei t u ra mun i c i pa l não garante que suas

recei tas financei ras atingi rão de fato o teto mensal

def i n i d o na Tabela 1. Riscos Setor ia is, mudanças

de regulação, racionamen t o, alteração nos volumes

de produção e variação da Tar i fa At ua l i zada de

Referênc ia (TAR) são alguns dos fato res de risco

que podem gerar quedas nas recei tas financei ras.

(ob. cit., p. 6)

Como se vê, o Laudo Para estimar o valo r econôm i c o dos

receb imen t os fu tu r os, o Mun i c í p i o de I tum b ia ra con t ra t o u a empresa FN

Consu l t o r i a Econ ôm i ca Ltda., que apresen t o u um relató r i o que consta do

Ed i ta l. A t ravés de estudo matemát i c o estat ís t ico a empresa estabelece

cenár i os de risco.

O Laudo acompan ha o Edi ta l de Lic i tação, uma de suas metas

pri nc i pa is é apresentar elemen t os que favo reçam a tomada de decisão por

par te dos possíveis lici tan tes do valo r que devam apresentar como lance

para a realização da operação de crédi t o a realizar-se com o Mun i c í p i o de

Itum b i a ra.

Não se faz qualquer repreensão quant o à qual i dade do Laudo

realizado, até mesmo pelo cur r í cu l o de seu auto r. Con f o r m e o Laudo “essa

abordagem uti l i za as séries histó r i cas de geração de energia e royalties para medi r os riscos associados à operação de concessão. A precisão de nossas

estima t i vas depende da hipó tese de que o desempen h o passado dessas

usinas seja info r ma t i v o sobre o desempenh o futu r o” (Laudo, fls. 7).

A recei ta futu ra que será cedida ao lici tan te que ofer ta r a maio r ofer ta

(sujeita ainda a reajustes nos termos da cláusula Sexta da minu ta do

cont ra t o) é a prev ista na tabela a segui r, copiada do edi tal da conco r rên c ia

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Per ío do Mensal de Ar recadação Valo r da Parcela Mensal de Recebimen t o, a ser atual izada nos term os da fórm u la constan te do item 6.2 da Cláusu la Sexta (R$)

Maio de 2006 R$ 147.006,55Junho de 2006 R$ 143.828,47Julho de 2006 R$ 140.608,28Agos t o de 2006 R$ 137.604,90Setemb r o de 2006 R$ 134.527,29Ou t u b r o de 2006 R$ 131.679,73No vem b r o de 2006 R$ 129.168,84Dezem b r o de 2006 R$ 126.317,02Janei ro de 2007 R$ 123.786,61Fevere i r o de 2007 R$ 121.309,30Março de 2007 R$ 118.881,56Ab r i l de 2007 R$ 116.277,33Maio de 2007 R$ 114.079,1 1Junho de 2007 R$ 11 1.585,68Julho de 2007 R$ 109.140,46Agos t o de 2007 R$ 106.853,65Setemb r o de 2007 R$ 104.509,32Ou t u b r o de 2007 R$ 102.471,56No vem b r o de 2007 R$ 100.494,05Dezem b r o de 2007 R$ 98.362,83Janei ro de 2008 R$ 96.557,85Fevere i r o de 2008 R$ 94.600,98Março de 2008 R$ 92.683,76Ab r i l de 2008 R$ 90.843,86Maio de 2008 R$ 89.019,43Junho de 2008 R$ 87.054,85Julho de 2008 R$ 85.338,25Agos t o de 2008 R$ 83.421,24Setemb r o de 2008 R$ 81.627,90To ta l = 29 meses = 3.219.648,66Méd ia Mensal nos 29 meses =3.219.648,66/29 = 11 1.022,37

Pergun ta- se, como os lici tan tes apresen tarão suas ofer tas? Como dim i n u i rão para si os riscos de tal operação?

De f i n i r como chegarão a elabo ração de suas propos tas é tarefa hercú lea ou impossí ve l. Cert o é que estão ver i f i cand o a taxa de atrat i v i dade do invest i men t o.

“A taxa de atrat i v i dade de um invest i men t o é a taxa mín i ma de juros por que convém ao invest i do r optar em determ i nad o pro je t o de invest i men t o (...) Cor respon de, na prát i ca, à taxa ofereci da pelo mercado para uma apl icação de

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capi ta l, como a caderne ta de poupança, Open Market, depós i t os a prazo fixo etc. Assim, se um invest i men t o prop i c ia r uma rentab i l i dade abaixo do rend i men t o dessas formas de apl icação de capi ta l, ele não será atrat i v o ao invest i do r ” (Walter de Franc isco, Matemá t i ca Finance i ra, 5.ª ed., São Paulo, At las, 1985, 198)

En t re tan t o, é simp les consta tar que estabelecendo taxas de descon t o meno res, isto é, apresentand o ofer tas meno res estarão garant i n d o maio r lucrat i v i dade na operação. Os lici tan tes estarão compe t i n d o para apresenta r dent re as meno res das ofer tas de todos a maio r delas. E, quant o meno r a ofer ta vencedo ra, pio r o negóc i o para a admi n is t ração mun i c i pa l.

O risco da operação para as empresas se mos t ra mín i m o. Porque somen te uma catást ro fe na geração de energia elétr ica nos próx i m os 29 meses é que poderá ser comp r o m e t i da a recei ta patr i m o n i a l fu tu ra do Mun i c í p i o de Itum b i a ra, ademais porque os valo res dos repasses prev is tos guardam uma margem de segurança para que o invest i do r não conte com pequenas osci lações para baixo na geração de energia no perí od o. Comp r o v a- se pela média por que tem recebi do o Mun i c í p i o em função de compensação finance i ra e royalties nos úl t im os anos, acima dos duzen t os mi l reais, enquan t o que os repasses prev ist os tem em média cento e onze mi l reais, con f o r m e cálcul o supra. Para o mês de maio de 2006, con f o r me info r mação recém- consu l tada no site da AN E E L já calcul ou o pagamen t o a Itum b i a ra de R$ 280.120,37 (royalties + compensação), enquan t o que o valor a ser repassado pelo Mun i c í p i o de Itum b i a ra ao lici tan te vencedo r é de apenas R$ 147.006,55

Paradoxa l me n t e, enquan t o os Lic i tan tes contam com um risco mín i m o, o Mun i c í p i o de Itum b i a ra, entra em uma situação extremamen t e arr iscada, podend o chegar a aufer i r preju í z os patr i m o n i a is relevan tes.

O Mun i c í p i o no Edi ta l tenta se resguardar através de um valo r mín i m o para as ofer tas (item 4.2 do Ed i ta l = “serão consi de radas vál idas exclusi vamen t e propos tas não infer i o res a 75% do meno r valor de aval iação estabeleci do no Laudo de Aval iação”)1. Val o r mín i m o que sequer o Secretár i o de Finanças do Mun i c í p i o “sabe como se chegou a este valo r”, evidenc iand o que, de fato, o Mun i c í p i o de I tum b ia ra de fato, não conhece a operação de crédi t o em que está se metend o.

Ao refer i r ao “meno r valo r de avaliação” refer i d o no item 4.2 do

1 Trata-se, prat icamen te, da única cláusula que traz uma pro teção mín ima do Mun i c í p i o de Itum b ia ra no negóc i o.

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Edi ta l, entende-se que o redato r do Ed i ta l quei ra refer i r- se ao “Valo r

Econ ôm i c o da Ope ração”, item V do Laudo. E o meno r valo r de avaliação

é o prev is to na página 22 do Laudo (fls. 69) dos autos, em que se prevê um

Value at Risk de 99% e taxa de Descon t o de D I Futu r o + 1% de R$

2.921.81 1, 21. Por tan t o, a propos ta mín i ma acei tável pela com issão de

lici tação seria de 75% deste valo r o que eqüivale a: R$ 2.191.358,40 . Este

valo r é cerca de 1,1 mi l hão de reais a menos (encargos da operação para o

mun i c í p i o que aprox i mam a metade da ofer ta) do que o valo r nom i na l dos

repasses futu r os (R$ 3,2 mi l h ões). Sem con ta r com o fato de que sobre cada

parcela, será atual izada pela taxa D I (vide expl i cação adiante) mais 1% ao

mês, con tados da data do receb imen t o da ofer ta. Val o res que, a pr ime i ra

vista que, caso os lici tan tes apresentem ofer tas de valores próx i mas ao valor

mín i m o, a operação será altamen te lesiva ao patr i m ô n i o púb l i c o do Erár i o

Mun i c i pa l.

Cer to está o Mi n is té r i o Públ i c o que pelos cálcul os estimados acima

será cri t i cado pela admi n i s t ração mun i c i pa l de tentar imiscu i r em área

financei ra da qual não é peri t o. De antemão, este órgão M i n is te r ia l devo l ve a

crí t i ca sob o argumen t o que quem dever ia fazer um estudo técnico da

viabi l i dade econôm i ca do negóc i o e da preservação dos riscos, dever ia ser a

admi n is t ração, e isto não foi fei to.

À toda evidênc ia, trata-se de operação de risco e de mui t o risco para

o Erár i o Mun i c i pa l, risco este que aumen ta à medi da em que menos

lici tan tes par t ic i pa rem da conco r rê nc ia.. (Até a úl t i ma Sexta-fei ra, apenas

dois comp ra ram o Ed i ta l of i c ia lmen t e)

E este talvez seja o cerne da questão no tocan te à gestão fiscal, a

Adm i n i s t ração Públ i ca não pode se por ta r como um especu lado r do

mercado finance i r o, como um jogado r do mercado finance i r o, ao cont rá r i o

dela é exigida uma posição conservado ra na preservação do erário e a Lei de

Responsab i l i dade Fiscal impôs aos entes federa t i v os freios e lim i tes rígidos

para que não se compo r t e de forma temerár ia nos negóc i os púb l i c os. O

pr inc í p i o da legali dade é fundamen ta l no Estado Dem o c rá t i c o de Di re i t o, e

deve ser observado.

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II.4 – DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO E DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

II.4.1 – DO CONCEITO DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO E DA SUBSUNÇÃO DO NEGÓCIO ASSOCIADO À CONCORRÊNCIA 001/2006 A ELE

A Lei Comp l emen t a r 101/2000, conhec i da como Lei de Responsab i l i dade Fiscal, lei naciona l que “estabelece normas de finanças púb l i cas vol tadas para a responsab i l i dade na gestão fiscal e dá out ras prov i dênc ias”, dedicou um capí tu l o para o tratamen t o “D A D Í V I D A E DO EN D I V I D A M E N T O ” , em tal capí t u l o tratou das operações de crédi t o e seus lim i tes.

No art igo 29, na seção das disposições básicas, concei t u o u operação de crédi t o.

“Artigo 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:...III – operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;

Sobre o concei t o esclarece IV ES GA N D R A DA SIL V A MAR T I N S que “Não é a venda dos bens, nem a prestação de serv iços que const i t u i a operação de crédi t o, mas a “anteci pação” de valores que cor respon dam à retr i bu i ção pela venda e pela prestação de serviços”. (Comen tá r i os à lei de Responsab i l i dade Fiscal, Ives Gand ra da Silva Mar t i ns, Carl os Valder Nasc imen t o, organ izado res – São Paulo : Saraiva, 2001, p. 185)

A preocupação do legislado r para que se desse uma concei t uação ampla do que seja operação de crédi t o não se conten t o u com a figura final do inciso acima destacado (...e out ras operações assemelhadas), tanto que se

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valeu também do art igo 37 da mesma lei para tratar out ras operações equi pa radas a operações de crédi t o.

A operação que o Mun i c í p i o de I tum b ia ra inten ta realizar através da Conco r rê n c ia 001/2006, embo ra no nome que recebeu não conste a palavra operação de crédi t o como já di t o, assim o é.

A Qu i n ta figura do inciso acima citado expressa que “o recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviço”, é operação de crédi t o. No caso em tela, o Mun i c í p i o de I tum b ia ra inten ta receber antecipadamen t e um valor em dinhe i r o pela alienação dos dire i t os das recei tas patr i m o n i a is prev is í ve is e futu ras advi ndas de royalties e compensações financei ras. Há grande semelhança ent re a venda e a Cessão de Di re i t os eis que ambas são formas de alienação, por tan t o, trata-se de Ope ração de Créd i t o, que, no mercado finance i r o é chamada de Operação Est ru t u rada de Créd i t o eis que trata-se de operação de crédi t o incom um, não ord i ná r ia.

Tal Operação de Créd i t o na qual se vincu la o pagamen t o a recei tas fu tu ras sempre foi denom i nada Operação de Créd i t o por An tec i pação de Recei ta, as famigeradas AROs que tant os desequi l í b r i os fiscais semp re causaram nas admi n i s t rações mun i c i pa is.

II.4.2 – DAS CONDIÇÕES GERAIS PARA A CONTRATAÇÃO DE QUAISQUER OPERAÇÕES DE CRÉDITO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CONFORME A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

A Lei de Responsab i l i dade Fiscal estabeleceu rígidas regras para que os entes púb l i c os pudessem realizar operações de crédi t o. A pri nc i pa l delas é a inser ta no art igo 32 do refer i d o dip l oma legal.

“LRFSeção IVDas Operações de CréditoSubseção IDa ContrataçãoArtigo 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusi ve das emp resas por eles con t r o ladas, di reta ou indi re tamen te.

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§ 1.º O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento às seguintes condições:

I – existênc ia de prév ia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamen tá r ia, em crédi t os adici ona is ou lei específica;

I I – inclusão no orçamen t o ou em crédi t os adiciona is dos recursos proven i en tes da operação, exceto no caso de antecipação de recei ta;

III – observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal;

I V – auto r i zação especí f i ca do Senado Federal, quando se tratar de operação de crédi t o externo;

V – atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constituição;

VI – observância das demais restrições estabelecidas nesta Lei Complementar.

§ 2.º As operações relat i vas à dív i da mob i l iá r ia federal auto r i zadas, no texto da lei orçamen tá r ia ou de crédi t o nele ingressados e o das despesas de capi ta l executadas, observado o seguin te:

I – não serão compu ta das nas despesas de capi ta l as realizadas sob a forma de emp rés t i m o ou financ iamen t o a cont r i b u i n t e, com o intu i t o de prom o ve r incen t i v o fiscal, tendo por base tr i bu t o de compe tênc ia do ente da Federação, se resul ta r a dim i n u i ção, di reta ou indi re ta do ônus deste.I I – se o emprés t i m o ou financ iamen t o a que se refere o inciso I for conced i d o por inst i t u i ção financei ra cont r o lada pelo ente da Federação, o

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valor da operação será deduz i d o das despesas de capi tal;I I I – (vetado)

§ 4.º Sem preju í z o das atr i bu i ções próp r ias do Senado Federal e do Banco Cent ra l do Brasi l, o Ministério da Fazenda efetuará o registro eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas interna e externa, garantido o acesso público às info r maç ões que inclu i rão:I – encargos e cond iç ões de con t ra tação;I I – saldos atual izados e lim i tes relat i v os às dív i das conso l i dadas e mob i l i á r ia, operações de crédi t o e concessão de garant ias.§ 5.º Os con t ra t os de operação de crédi t o externo não con te rão cláusula que impo r t e na compensação automá t i ca de débi t os e crédi t os.

A lei é clara no sent ido de que toda operação de crédi t o por par te de entes da Federação dependem de auto r i zação do Mi n is tér i o da Fazenda que é o órgão federal que vai anal isar os requ is i t os expressos na Lei de Responsab i l i dade Fiscal, que são:

a) adequada relação custo-benef í c i o da operação;b) interesse econôm i c o e social da operação;c) existênc ia de prév ia e expressa auto r i zação para a con t ra tação com a inclusão no orçamen t o ou em crédi t os adiciona is dos recursos proven ien tes da operação;d) a observânc ia de lim i tes e cond i ções fixadas pelo Senado Federal;e) a existênc ia de auto r i zação especí f i ca do Senado Federal quando se tratar de operação de crédi t o externo;f) o atend ime n t o do dispos t o no inciso I I I do art. 167 da Const i t u i ção;g) a observânc ia das demais rest r i ções estabeleci das na LRF.

Há uma compe tê nc ia do M i n is té r i o da Fazenda que não pode ser usurpada. Tal compe tênc ia, con f o r me, not i c ia JOSÉ MA U R Í C I O CO N T I fora delegada ao Banco Cent ra l do Brasi l, por meio da Por tar ia n.162, de 25

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de maio de 2000, porém, mais recentemen t e, reassum i u tal função.Emb o ra sabendo que não cabe ao Mi n is té r i o Públ i c o fazer a anál ise

dos requ is i t os para a operação de crédi t o, nem mesmo o Juízo, antes que o faça o Mi n is tér i o da Fazenda, salta aos olhos desde já que o Mun i c í p i o de Itum b i a ra não conta com vári os requisi t os para realizar a operação de crédi t o que postu la.

Não houve a realização de nenhum estudo da relação custo-bene f í c i o da operação, como con f i r m o u o Secretár i o de Finanças em depo i men t o ao Mi n is té r i o Públ i c o. JOSÉ MA U R Í C I O CO N T I esclarece que o artigo trata da observânc ia do pr inc í p i o da econom i c i dade prev ist o no artigo 70 da const i t u i ção e que

“a fiscal ização quant o à econom i c i dade é aquela que analisa os atos admi n i s t ra t i v os do pon t o de vista econôm i c o, no senti do de ver i f i car se, por ocasião da sua realização, houve adequada observânc ia da relação custo-bene f í c i o, de mod o que os recursos púb l i c os tenham sido uti l i zados de forma mais vantaj osas” (Comen tá r i os..., ob. cit. p. 221).

Não se pode desdizer que haja interesse econôm i c o social na operação eis que segundo o Secretár i o de Adm i n i s t ração a aplicação do valor recebi d o se fará na moder n i zação do parque de ilum i nação públ i ca (em of íc i o às fls. **), embo ra a ilum i nação públ i ca já conte com recei ta vincu lada para tal, A COS I P . Mas, também tal anál ise deve ser fei ta pelo Mi n is té r i o da Fazenda.

O Mun i c í p i o conta com a Lei Mun i c i pa l 3.193/2006 a auto r i za r a operação, con tu d o, não atende ao fato de que “a operação deverá estar em rub r i ca próp r ia na lei orçamen tá r ia anual, ou em lei especí f i ca que faça constar esta prev isão, median te aber tu ra de crédi t o adici ona l, nos termos das normas gerais de dire i t o finance i r o” (José Maur í c i o Con t i, ob. cit. p. 222). Eis que, ainda não houve mod i f i cação nas leis orçamen tá r ias para contem p la r tal operação.

Também não se sabe se o limi te de endi v i damen t o do Mun i c í p i o compo r ta mais esta operação de crédi t o, porém também tal análise há de ser fei ta pelo M i n is té r i o da Fazenda/Banco Cent ra l.

II.4.3 – DAS CONDIÇÕES ESPECÍFICAS PARA A CONTRATAÇÃO DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO POR

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ANTECIPAÇÃO DE RECEITA ORÇAMENTÁRIA, CONFORME A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

No tocan te às operações de crédi t o por anteci pações de recei tas orçamen tá r ias, a Lei de Responsab i l i dade Fiscal estabeleceu cond i ç ões adiciona is, e como toda Lei é fru t o de uma exper iênc ia histó r i ca, as AROs que foram inst rume n t os mais uti l i zados no Brasi l em preju í z o a uma gestão fiscal responsáve l, estão cond i c i o nadas a regras ainda mais rígidas.

“LRFSeção IVDas Operações de CréditoSubseção IIIDas Operações de Crédito por Antecipação de Receita OrçamentáriaArt. 38. A operação de crédito por antecipação destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:I – realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;II – deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada ano;III – não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação, obrigatoriamente prefixada e indexada a taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;IV – estará proibida:A) enquan t o exist i r operação anter i o r da mesma natu reza não integralmen te resgatada;B) no último ano do mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.§ 1.º As operações de que trata este art igo não serão compu ta das para efei t o do que dispõe o inciso I I I do art. 167 da Const i t u i ção, desde que liqui dadas no prazo def i n i d o no inciso I I do caput.§ 2.º. As operações de crédito por antecipação de receita realizada por Estados ou

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Municípios serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil.§ 3.º O Banco Central do Brasil manterá sistema de acompanhamento e controle do saldo do crédito aberto e, no caso de inobservância dos limites, aplicará as sanções cabíveis à instituição credora.

Hou ve a preocupação do legislado r em se fr isar que os requ is i t os do artigo 32 também valem para a espécie, anteci pação de recei ta orçamen tá r ia, do gênero Operação de Créd i t o. Além disto, out ras exigênc ias acima elencadas no art igo 38 acima refer i d o.

Reite ram os que cabe ao M i n is té r i o da Fazenda/Banco Cent ra l veri f i cá-las, mas desde já se observa em relação à operação entabu lada em questão já se veri f i ca os seguin tes descum p r i m e n t o s.

Não poder iam estende r por mais de um ano, eis que deverá ser liqui dada, com juros e encargos inciden tes, até o dia dez de dezemb r o de cada ano. No caso em tela, não poder iam comp r o m e te r recei tas do ano de 2007 em diante. An tec i pações de crédi t o atendem a insuf i c iênc ias de caixa dent r o do ano da operação, con f o r me a nova regra.

Não poder ia ser auto r i zada se não se conhecesse a taxa de juros da operação, “ob r i ga t o r iame n t e pre f i xada ou indexada à taxa básica finance i ra, ou a que vier a esta subst i t u i r ”.

A Taxa básica de Juros refer i da é a taxa SEL I C (Sistema Espec ia l de Liqu i dação e Custód ia). “O SEL I C foi criado em 1979 e é admi n is t rad o pelo Banco Cen t ra l do Brasi l por meio do Com i tê de Pol í t i ca Mone tá r ia (COPO M) e tem por final i dade admi n i s t ra r o Mercado de Papéis Públ i c os. A Taxa SEL I C é a taxa média ajustada dos financ iamen t os diár ios, com lastros em tí tu l os federais, apurados no SEL I C. É também conhec i da como taxa do overnight (D0 – Dê zero ), é formada pela mov i me n tação de reservas ent re as inst i t u i ç ões financei ras lastreadas em tí tu l os púb l i c os federais”.

E neste pon t o temos algo crucia l a derr o ta r a operação que se entabu la. No caso em tela, os juros (taxa de descon t o) da operação são desconhec i d os da Adm i n i s t r ação Mun i c i pa l. E o comand o legal é claro que a taxa de juros deve ser pre f i xada ou indexada, isto é, não se concedeu aos entes públicos participar de qualquer atividade especulativa no mercado financeiro. Não se concedeu aos entes públicos a possibilidade de correr riscos demasiados com o patrimônio público no mercado financeiro. Regist re-se também que as parcelas a serem repassadas à conco r re n te lici tan te são atual izadas com base em produ t ó r i o

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de Taxas D I de datas fu tu ras que, naturalmen te, não são conhec i das no momen t o da operação.

Taxa D I (= Taxa de Depós i t o In te r f i na nce i r o) é uma taxa def i n i da pela CET I P (Central de Custód ia e de Liqu i dação Financei ra de Tí t u l os Pri vados) diar iamen te e espelha as operações diár ias realizadas ent re Bancos Pri vados para supr i men t o de def ic iênc ias de caixa de uns com out r os. Há violação da lei neste pon t o por duas vezes em relação ao reajuste das parcelas. Prime i r o, porque o reajuste não está indexado a Taxa SEL I C e, segundo, porque a Taxa D I não é pre f i xada, ao con t rá r i o é def i n i da diar iamen te pela CET I P (cf. www.ce t i p.com.b r ).

Em comen t o comp le ta JOSÉ MA U R Ï C I O CO N T I ,

“As AROs somen te serão auto r i zadas caso cont ra tadas com os juros e os encargos legalmen te prev ist os. Esses acréscimos rest r igem- se apenas às taxas de juros, que deverá ser obr iga t o r iamen t e pre f i xada ou indexada à TBF (Taxa básica finance i ra). A Taxa básica financei ra é um índice uti l i zado no mercado financei r o, tendo sido criada pelo art. 5.º da Med i da Prov i só r ia n. 1.875 (e sucessivas reedições) para ser uti l i zada exclusi vamen t e como base de remune ração de operações realizadas no mercado financei r o de prazo de duração igual ou super i o r a sessenta dias, sendo regulada pelo Consel ho Mone tá r i o Nac i o na l, op. ci t. P . 241)

Não pode haver operação de anteci pação de recei ta no úl t i m o ano do manda t o do pre fei t o Mun i c i pa l, e, por tan t o, no caso em tela, também não se poder ia realizar de forma alguma antecipação de recei ta orçamen tá r ia no ano de 2008.

Por fim, mais uma impo r ta n t e e essencial caracter ís t i ca das operações de crédi t o por antecipação de recei ta fei tas da forma legal. De forma expl íc i ta, a LRF determ i na, no parágra f o segundo do artigo 38, que a realização de operação de crédi t o para entes da federação deve ser realizada “em processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil”. (Conf i ra Seção I I.4.5.).

Em um processo compe t i t i v o elet rô n i c o prom o v i d o pelo Banco Cent ra l do Brasi l, presume- se que todo o mercado finance i r o está atento a ele, com mui t o maio r possib i l i dade da part i c i pação de vári os out r os bancos,

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aumen tand o- se a possib i l i dade de o Mun i c í p i o de Itum b i a ra consegu i r uma ofer ta mais vantaj osa, se é que venha a cump r i r os demais requisi t os junto ao Banco Cen t ra l. Esta é a posição de FL A V I O DA CRU Z em sua atual izada obra sobre a Lei de Responsab i l i dade Fiscal.

Em comen tá r i o ao parágra f o segundo, nos esclarece FL Á V I O DA CRU Z e out r os;

“O § 2.º provém de orien tações já vigen tes no Capí t u l o V I I , da Resolução 78 (art. 33) e depois con f i r m adas na Resol ução 43/01 (art. 37). Segundo eles, o Banco Cent ra l do Brasi l dará conhec i men t o das propos tas fi rmes, cor respon de n t es aos plei t os de realização de operações de ARO s, a todo o sistema finance i r o, em recin t o ou meio elet rôn i c o man t i d o por entidade auto-regulado ra auto r i zada pela Com issão de Valo res Imo b i l i á r i os (CVM) ou em meio eletrô n i co man t i d o pelo próp r i o Banco Cent ra l, sendo perm i t i d o a qualquer inst i t u i ção finance i ra, inclus i ve àquela que apresen t o u propos ta fi rma ao Banco Cen t ra l, oferecer a mesma operação com juros infer i o res aos da propos ta fi rme inic ial. Tra ta-se de um mecanism o eficien te na pro teção das finanças púb l i cas e que prop i c ia uma compe t i ção extremamen t e salutar ent re as inst i t u i ç ões financei ras. Essas medidas devem con t r i b u i r para a redução de custos e di f i cu l ta r o favo rec i men t o de qualquer out ra operação ilíci ta. (Vicari Júni o, Adau t o [et. Al.]; Flávi o da Cruz (coordenado r), Lei de Responsab i l i dade Fiscal Comen ta da, 5.ª ed., São Paulo, At las, 2006, p. 161)

Por tan t o, toda a forma pela qual está entabu lada a operação de crédi t o expressa na conco r rê nc ia 001/2006 está equi vocada.

II.4.4 – DAS CONSEQÜÊNCIAS EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES E LIMITES LEGAIS, CONFORME A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

A Lei de Responsab i l i dade Fiscal trouxe disposi t i v o que indica a

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conseqüênc ia jur íd i ca em caso de efet i vação da operação de crédi t o em desrespei t o às cond i ç ões e lim i tes ali estabelecid os.

“LRFSeção IVDas Operações de CréditoSubseção IDa ContrataçãoArtigo 33. A instituição financeira que contratar operação de crédito com ente da Federação, exceto quando relativa à dívida mobiliária ou à externa, deverá exigir comprovação de que a operação atende às condições e limites estabelecidos.§ 1.º A operação realizada com infração do disposto nesta Lei Complementar será considerada nula, procedendo-se ao seu cancelamento, mediante a devolução do principal, vedados o pagamento de juros e demais encargos financeiros.§ 2.º Se a devolução não for efetuada no exercício de ingresso dos recursos, será consignada reserva específica na lei orçamentária para o exercício seguinte.§ 3.º Enquanto não efetuado o cancelamento, a amortização, ou constituída a reserva, aplicam-se as sanções previstas no § 3.º do art. 23.2§ 4.º Também se constituirá reserva, no montante equivalente ao excesso, se não atendido o disposto o inciso III do art. 167 da Constituição, consideradas as disposições do § 3.º do art. 32.

2 Ar t. 23. ...

§ 3.º Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquan t o perdu ra r o excesso, o ente não poderá:

I – receber trans ferênc ias volun tá r ias;

I I – obte r garan t ia, direta ou indi re ta, de out r o ente;

I I I – con t ra ta r operações de crédi t o, ressalvadas as dest i nadas ao ref i nanc iamen t o da dív ida mob i l i á r ia e as que visem à redução das despesas com pessoal.

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A preocupação do legislado r foi tamanha com as operações de crédi t o que, acabou por criar mais uma fon te de con t r o l e, que são as próp r ias inst i t u i ç ões financei ras que cont ra tarem com os entes púb l i c os.

Em caso de descum p r i m e n t o das normas vigen tes para a realização de operações de crédi t o, a Lei estabelece o desfazimen t o do ato. Que, segundo auto res de renome a expressão “cancelamen t o, usada no prescr i t i v o em foco, possua o senti do de ‘desfazer por nul i dade’, obr igand o- se a apuração por responsab i l i dade” (Motta, Car los Pin t o... [et. Al.], Responsab i l i dade fiscal, Belo Ho r i z o n t e, Del Rey, 2000, p. 417).

Responsab i l i dade esta que não se rest r i nge a área civ i l e admi n i s t ra t i va, eis que a Lei 10.028, de 19 de outu b r o de 2000, prev i u o novo tipo crim i na l a figu ra r no Cód igo Penal, nos termos seguin tes:

Contratação de operação de crédito.Art. 359-A. Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem autorização legislativa:Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos. Parágrafo único. Incide na mesma pena quem ordena, autoriza ou realiza operação de crédito, interno ou externo:I – com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei ou em resolução do Senado Federal;II – quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite máximo autorizado por lei.

II.5 – DAS COMPETÊNCIAS DO SENADO FEDERAL EM MATÉRIA DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO DOS ENTES DA FEDERAÇÃO

Den t re as compe tê nc ias pri va t i vas do Senado Federal, prev is tas no artigo 52 da Carta da Repúb l i ca, há uma especialmen te impo r ta n te no caso em tela.

Constituição da República.Art.52. Compete privativamente ao Senado federal :...VII – dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno

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da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;

As resoluções do Senado são atos norma t i v os pr imár i os prev ist os na Const i t u i ção Federal, e por tan t o com a mesma força de lei federal. O Senado Federal exerceu sua compe tênc ia acima con fe r i da através da Resolução númer o 78, de 1.º de julho de 1998 que sof reu alterações da RSF n.º 58/00 e , por fim foi subst i t u í da pela Resol ução n.º 43/01 do Senado Federal.

Na refer i da Resol ução que já foi edi tada após o iníci o da vigênc ia da Lei de Responsab i l i dade Fiscal, repetem- se vári os dispos i t i v os dent re os já destacados nesta peça e, acrescenta out ras cond i ç ões tais como as que vincu lam out r os limi tes às operações de crédi t o; Por Exemp l o;

Resolução Senado Federal N.º 43, de 2991.DOU de 21.12.2001 e republicada DOU 10.04.2002.CAPÍTULO III.DOS LIMITES E CONDIÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO....Art. 7. As operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios observarão, ainda, os seguintes limites:I - o montante global das operações realizadas em um exercício financeiro não poderá ser superior a 16% (dezesseis por cento) da receita corrente líquida, definida no art. 4.II – o comprometimento anual com amortizações, juros e demais encargos da dívida consolidada, inclusive relativos a valores a desembolsar de operações de crédito já contratadas e a contratar, não poderá exceder a 11,5% (onze inteiros e cinco décimos por cento) da receita corrente líquida;III – o montante da dívida consolidada não poderá exceder o teto estabelecido pelo Senado Federal, conforme o disposto pela Resolução que fixa o limite global para o

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montante da dívida consolidada dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. ...

Como se vê, além das cautelas já existen tes na Lei de Responsab i l i dade Fiscal, também na Resolução do Senado Federal existem out ras, não menos impo r ta n t es, todos focados no Equ i l í b r i o das Con tas Públ i cas.

Há regist r os suf ic ien tes na histó r ia do Brasi l de gastança e irresponsab i l i dade com contas púb l i cas, que nos levou a criar tais cont r o les em atos norma t i v os (Lei comp lemen ta r e Resolução do Senado). Não cabe ao Mun i c í p i o de I tum b ia ra desconsi de ra r toda a evol ução naciona l no cont r o le das contas púb l i cas, em nome de uma única operação.

II.6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

De f l u i de todo expos t o, inclu i nd o aí as info r maç ões trazidas pelo Secretár i o da Fazenda do Mun i c í p i o de Itum b i a ra, que o Mun i c í p i o de Itum b i a ra não realizou estudos apro f u n dad os sequer técnicos- finance i r os, sequer jur í d i c os que lhe perm i t i ssem assegurar a econom i c i dade (artigo 70 da Cons t i t u i ção) do negóc i o que entabu la, mui t o menos os aspectos da Legal i dade. Não procu ra ram consu l ta nos órgão de fiscal ização: M i n i s té r i o da Fazenda, Banco Cent ra l, Senado e sequer do Tr i b u na l de Con tas local, que ainda não sabe acerca da operação.

A maio r fon te de info r maç ões para o negóc i o de que dispôs o Mun i c í p i o foram as in fo r mações de um dos Bancos que inten ta par t ic i pa r do Edi ta l, é mui t o pouco, é até desarrazoado imerg i r em operação de tal envergadu ra sem estudos independen tes e consu l ta ao Tr i b u na l de Con tas e demais órgãos de fiscal ização.

Mas, nem que venha a Adm i n i s t r ação e a part i r de agora, após a inter venção deste órgão min is ter ia l, com novos estudos , se convença de que o negóc i o é vantaj oso. O negóc i o é ilegal, con f o r m e demons t rad o. Não há como a admi n is t ração encam i n ha r para um negóc i o ilegal e inegavelmen t e arr iscado.

Ai n da recen te na memó r i a do povo goiano o lamen táve l bloque i o de R$ 74 mi l hões de reais do Tr i bu na l de Justiça do Estado de Go iás, onde a Adm i n i s t r ação cor reu riscos desnecessár ios, ao que tudo indica, e amargou preju í z o consideráve l. A Adm i n i s t ração Públ i ca, mormen t e aquela que não conta em seus quadros com agentes púb l i c os especial izados, não é vocaci o nada para especu lar no mercado finance i r o.

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A Lei de Responsab i l i dade fiscal é inst rume n t o de Con t r o l e das Finanças Públ i cas, deve ser prest ig iada pelos Adm i n i s t rad o res e pelo Poder Judic iár i o em sua função de frei o e con t rapeso às ações ilegais e desarrazoadas dos demais órgãos do Poder.

Nos termos do art igo 104, I I I do Cód igo Civ i l, a val idade do negóc i o jur í d i c o requer forma prescr i ta em lei, ou não defesa em lei. No caso em tela, a forma para a realização de operação de Créd i t o por An tec i pação de Recei ta é a prev is ta na LRF, somen te este argumen t o seria sufic ien te para susten ta r a pretensão do M i n is té r i o Públ i c o.

III – DOS PEDIDOS

III.1 – CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS AO PEDIDO

III.1.1 – DA NECESSIDADE DO ATENDIMENTO DA MEDIDA LIMINAR

A Lei da Ação Civ i l Púb l i ca, lei 7.347 prevê em seu art igo 12 a possib i l i dade de concessão da medida Lim i na r.

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“Artigo 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

“A tutela preven t i va tem por escopo imped i r que possam consuma r- se os danos na solução dos lit ígi os subme t i d os ao criv o do poder judic iá r i o. Mu i t o freqüen temen t e, tais danos são irrevers í ve is e irreparáve is, imposs i b i l i ta nd o o titu la r do di rei t o, de obte r conc re tamen t e o bene f í c i o deco r ren te do reconhec i men t o de sua pretensão. De grande relevânc ia, pois, para a tutela cautelar é o fato r tempo, como averbam os anter i o r me n t e. A simples demo ra, em alguns casos, torna inócua a pro teção judic ia l, razão porque as prov i dênc ias preven t i vas devem revest i r- se da necessária presteza” ( José dos Santos Carval ho Fi lho, Ação Civ i l Púb l i ca, Rio de Janeiro, Frei tas Bastos, 1995, p. 268 )

O perigo na demo ra advém de vári os fato res. A part i r da aber tu ra dos envel opes, a operação de crédi t o se fará imedia tamen te, con f o r m e con t ra t o. O Mun i c í p i o, diante do risco de cancelamen t o judic ia l da operação, pode rá acelerar o processo de uti l i zação do dinhe i r o arrecadado, realizando despesas, com o fim de se dizer imped i d o de devo l vê- lo. Have rá o lici tan te vencedo r que poderá pedi r inden ização aos cof res púb l i c os por descum p r i m e n t o do cont ra t o por par te do poder púb l i c o, susten tand o sua boa-fé e a lealdade da admi n is t ração. Surgi rá ainda com interesse na causa o Banco do Brasi l que pelo cont ra t o, atuará como Agen te Finance i r o do negóc i o a ser entabu lado. Amb os podend o vi r a argüi r eventuais reparações de danos em face do Mun i c í p i o de I tum b ia ra.

O per igo em reverso não há, eis que, após a Lei de Responsab i l i dade Fiscal, até hoje o Mun i c í p i o de Itum b i a ra nunca se valeu de exped ien te de An tec i pação de Recei ta para realizar novos invest i men t os. Não havia sequer prev isão na Lei de Di re t r i zes Orçamen t á r ias no tocan te a esta operação de crédi t o. O Mun i c í p i o pode rá se valer da obtenção do emprés t i m o seguindo as normas legais desde que se enquad re nos limi tes estabeleci dos em lei. O Mi n is té r i o Públ i c o não tem not í c ia alguma de que o Mun i c í p i o de I tum b ia ra estar ia imped i d o de obte r o financ iamen t o desejado através da intermed i ação do M i n is té r i o da Fazenda e do Banco Cent ra l, que se vê diante de ato vincu lado, se o Mun i c í p i o prova r que atende as cond i ções legais, o que acredi tam os. Não depende de apoi o ou favo r pol í t i c o algum, eis que, a operação de crédi t o com a intermed iação do Banco Cent ra l e do

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Min is té r i o da Fazenda não imp l i ca em qualque r crédi t o da Un ião para o Mun i c í p i o.

O fumus boni iuris é paten te em face dos dispos i t i v os const i t u c i o na is e legais apresentados que foram vio lados con f o r m e expos ição acima, e o con j un t o proba t ó r i o já inser t o no ICP que a esta acompan ha.

III.2 – DOS PEDIDOS PROPRIAMENTE

Em face de todo o expost o, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS requer a Vossa Excelênc ia:

01. Seja a presente ação receb i da, autuada e processada na forma e no ri to prev is to para a Ação Civ i l Púb l i ca, Lei. 7.347/ 85.02. Que a comun i cação pessoal dos atos processuais se proceda, nos termos do art. 236, § 2º, do Código de Processo Civ i l, e do art. 41, inciso IV, da Lei n.º 8.625/93.03 - LIMINARMENTE , Que, seja o Prefei t o Mun i c i pa l, José Gomes da Rocha, ou o Procu rado r- Geral do Mun i c í p i o D r. Apar í c i o Vasconce l os Mon t es, not i f i cad o para mani fes tar-se acerca da Med i da Lim i na r constan te no item 04, no prazo de 72 horas, nos termos do art igo 2.º da Lei 8.437 de 30 de junho de 1992. Para tant o, deverá o oficial de justiça certificar a hora exata da notificação, e o escrivão, a hora exata da protocolização do pronunciamento.04 - LIMINARMENTE , Que, após receb imen t o ou não da mani f es tação do Prefei t o Mun i c i pa l/P r o c u r ad o r- Geral do Mun i c í p i o, indicada no item 03 acima, ao final do prazo ali estabeleci do, que Vossa Exce lênc ia, acolha o pedi do limi na r e expeça Mandado Judicial determ i nan d o ao Prefei t o Mun i c i pa l e ao Presiden te da Com issão de Lic i tação que prom o va a suspensão conco r rên c ia púb l i ca 001/2006 imedia tamen te no estado em que se encon t re ou, em caso de atraso e a decisão se faça depo is da homo l o gação do cont ra t o e sua assinatu ra, que suspenda os efei tos de eventua is con t ra t os fi rmad os com base na conco r rên c ia púb l i ca 001/2006 e que se determ i ne o depósi t o ou trans fe rênc ia da ofer ta recebi da em conta judic ia l vincu lada a este juízo e não se proceda o repasse dos royalties e compensação finance i ras ao lici tan te vencedo r, até final julgamen t o da presença ação, sob pena de crime de desobed iênc ia 3/prevar i cação, prisão em flagran te e mul ta diár ia de R$ 10.000,00 (dez mi l reais) por dia de descum p r i m e n t o.05 - LIMINARMENTE , Que seja o Tr i bu na l de Con tas dos Mun i c í p i os Go ianos not i f i cado da decisão limi na r pro fe r i da, paras as prov i dênc ias que entende r cabíveis no âmbi t o de suas compe tê nc ias.

3 No caso do Prefe i t o Mun i c i pa l o del i t o prev is t o no Decre t o- Lei 201/67, artigo 1.º , inciso X I V – negar execução a lei federal, estadual ou mun ic i pa l, ou deixar de cump r i r ordem judic ial, sem dar o mot i v o da recusa ou da impossi b i l i dade, por escr i t o, à auto r i dade compe ten t e.

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06 - LIMINARMENTE , Que seja not i f i cad o o Adv ogad o- Geral da Un ião not i f i cand o- lhe da presen te Ação Judic ial para mani f es tar a este juízo, se quiser, o interesse da Un ião, notadamen te do Mi n is té r i o da Fazenda, em inter v i r na lide; 4. Idem em relação ao Procu rado r- Geral do Banco Cent ra l (BACE N).07. A citação do MU N I C Í P I O DE IT U M B I A R A , na pessoa de seu Prefeito Municipal José Gomes da Rocha ou de seu Procurador-Geral Aparício Vasconcelos Montes.08. A Final, Que seja decre tada a nul i dade do proced i men t o lici tat ó r i o do Mun i c í p i o de Itum b i a ra na modal i dade Conco r rê n c ia Públ i ca 001/2006;. E, caso não seja conced i da a tutela lim i na r a tempo e a sentença/acó r dão final acon teça após realização da operação de crédi t o obj u rgada, que o juízo determ i ne o cump r i m e n t o do desfazimen t o da operação nos termos já prev ist os no art igo 33 da Lei Comp l emen t a r 101/2000.09. Que seja o Réu condenado, também, ao pagamen t o das custas e emol umen t os processuais, como ônus da sucumbê nc i a.

Por fim, pro tes tand o prova r o alegado por todos os meios de prova em di rei t o admi t i d os, notadamen te a documen t a l, a testemu n ha l e a per ic ial, e requerend o, desde já, o depo i men t o pessoal dos represen tan tes do Réu, sob pena de con fesso quan t o à matér ia de fato.

Dá-se à presente causa o valor de R$ =3.219.648,66 (três milhões, duzentos e dezenove mil seiscentos e quarenta e oito reais e sessenta e seis centavos).

Term os em que pede e espera defer i men t o.

I tum b ia ra, 29 de maio de 2006.

REUDER CAVALCANTE MOTTA

Promotor de Justiça

4 O que ter ia por conseqüênc ia a remessa dos autos à just iça federal nos termos do art igo 109, I da Cons t i t u i ção Federal.

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NORMAS PARA tc "NORMAS PARA"APRESENTAÇÃO DE ARTIGOStc "APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS"

1. O Consel h o Consu l t i v o da ESMP- GO def i n i u que a Revis ta do Mi n is té r i o Públ i c o é de opi n ião dou t r i ná r ia, cujo obje t i v o é fomen ta r o debate jur íd i c o em temas que guardem pert i nênc ia e opor t u n i da de com a atuação min is te r ia l.

2. Os art igos deverão ser pre ferenc ia lmen te inédi t os.

3. serão acei tos artigos dou t r i ná r i os e peças func i o na is, observada gramát i ca norma t i va.

4. Cada artigo deverá vir acompan had o, na pr ime i ra lauda, de resumo com palavras-chave (ementa), bem assim o tí tu l o do trabal ho, o nome comp le t o do auto r (ou autores) e respect i v o min icu r r í c u l o (crédi tos).

5. Resumo, de caráter inf o r ma t i v o, aparecerá abaixo do títu l o, com o máxi m o de 70 (setenta) palavras, sem parágra f os.

6. Os descr i t o res (palavras-chave) são termos que expressam o assunt o e vêm obr iga to r iame n te após o resum o, sendo no máx im o 5 (cinco) palavras.

7. O tí tu l o do artigo deve ser breve, especí f i c o e descr i t i v o, contend o palavras que represen tem o con teúdo do texto.

8. O min i cu r r í c u l o (crédi tos) con te rá o nome do autor (ou auto res) com endereço, fax e e-mai l, situação acadêm ica, títu l os, inst i t u i ç ões às quais per tença e a pr inc i pa l ativ i dade exerc ida.

9. Fo rma tação: fon te Times New Roman, corp o 12, entre l i n ha 1,5, just i f i cad o, sem recuos, deslocamen t os ou espaçamen t os, antes ou depo is e, tampou c o, tabu lado r para determ i na r os parágra f os, os quais serão aber tos automa t i camen t e. Tamanh o de papel A4, margens super i o r e infer i o r 2,5 cm e laterais 3,0 cm. Os art igos deverão con te r de 3 a 6 laudas, salvados no processado r de texto Mic r os o f t Wo r d. Todo o mater ia l deverá ser gravado em disquete; 1.44 m (3 ½”) e/ou CD. Acom pa n ha d o de uma cópia impressa, devi damen te assinada pelo seu auto r (ou autores).

10. Bib l i og ra f i a: as referênc ias bibl i og rá f i cas seguem as normas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, atendendo ao dispos t o na NB T

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AB N T 6.023/2002. As citações deverão ser fei tas em sistema de chamada, numé r i co ou autor/da ta, con f o r me especi f i cado na NBR 10.520/2002. A exatidão e a adequação das referênc ias a trabal h os que tenham sido consu l tad os e menc i o nad os no corp o do art igo são de responsab i l i dade exclusi va do autor (ou auto res).

11. Remessa: via e-mai l, em arqui v o anexo, para o seguin te endereço eletrô n i co < esmp@m p.go.gov.b r >. É obr iga tó r i o, ainda, que sejam enviadas à ESMP- GO mais 02 (duas) cópias, sendo uma imp ressa devidamen t e assinada pelo seu autor (ou auto res) e a out ra em disquete 1.44 m (3 ½”) e/ou CD.

12. Ap r o vação: a ESMP- GO, ao receber os trabal hos, fará a sua anál ise pelo Consel h o Edi t o r i a l. O relato r designado analisará o art igo que lhe for dist r i b u í d o, con f o r m e as regras estabeleci das pelo Consel h o Consu l t i v o.

13. Trabal h o aprovado será subme t i d o a revisão gramat i cal e, se for o caso, será subme t i d o à conco r dânc ia do auto r.

14. Em caso de rejeição do art igo para pub l i cação, somen te será fei ta a comun i cação ao seu autor (ou auto res) havendo consu l ta pessoal à direção da ESMP- GO.

15. Os trabalh os recebi d os para seleção não serão devo l v i d os.

16. Não serão devid os dire i t os auto ra is ou qualquer remune ração pela pub l i cação dos trabal hos na revista.