156

Miolo 14

Embed Size (px)

DESCRIPTION

1 2 3 4 Cumprimos! LAF - Liga dos Amigos da Feira José Manuel da Costa e Silva 5 Pórtico José Manuel da Costa Silva 5 Mensagem Francisco Azevedo Brandão 7 Família Azevedo Aguiar Barndão Francisco Manuel do Couto Azevedo Brandão 8 I - D. Sebastião Soares de Resende nas Celebrações da Morte e Centenário de Nascimento, Sumário 6 Francisco Azevedo Brandão 7 Francisco Manuel do Couto Azevedo Brandão Apresentação Paços de Brandão, Julho de 2005 Paços de Brandão - Santa Maria da Feira 8

Citation preview

Page 1: Miolo 14

1

Page 2: Miolo 14

2

Page 3: Miolo 14

3

Page 4: Miolo 14

4Ficha TécnicaTítulo: Villa da Feira - Terra de Santa MariaPropriedade: LAF - Liga dos Amigos da Feira ®Director: Celestino PortelaDirector Adjunto: Fernando Sampaio MaiaColectivo Editorial - Fundadores LAF:Alberto Rodrigues Camboa; António Luís Carneiro; Carlos Gomes Maia; Celestino Augusto Portela; Joaquim CarneiroProcessamento de Texto: Carla Maria Costa FerreiraCoordenação Científi ca: J. M. Costa e SilvaSupervisão Editorial e Gráfi ca de Anthero MonteiroColaboração do TOC, Belmiro da Silva ResendePeriodicidade: QuadrimestralAssinatura anual: 30 eurosAssinatura auxiliar: 50 eurosEste número: 15 eurosPagamentos por:Transferência bancária NIB 007900001127152910124Cheque à ordem de LAF - Liga dos Amigos da FeiraCapa: Brasão da FamíliaAzevedo Aguiar Brandão Fotografi as: Óscar Maia, Arquivos particulares e LAF Redacção e Administração: Apartado 230 • 4524-909 Feira

Publicidade: Telef.: 256 362 028 | 256 379 604Fax: 256 379 607Tiragem: 500 exemplaresEdição: N.º 14 - Outubro 2006Pré-impressão, Impressão e Acabamento:Empresa Gráfi ca Feirense, S. A.Apartado 4 - 4524-909 Santa Maria da FeiraSede Social: Largo de Camões, 9, Apartado 230 4524-909 Santa Maria da FeiraEmail: [email protected]ósito Legal: 180748/02

ISSN: 1645-4480Reg. ICS: 124038Depositária: Livraria Vício das Letras Rua Dr. José Correia e Sá, 59 4520-208 Santa Maria da FeiraApoios: Câmara Municipal Santa Maria da Feira Irmãos Cavaco S.A. Zoo Lourosa - Parque Ornitológico Rohde - Sociedade Industrial de Calçado Luso-Alemã, Lda Termas das Caldas de S. Jorge Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira Patrícios, S.A.

Page 5: Miolo 14

5PÓRTICO

De novo nos encontramos neste Pórtico. Pórtico, como átrio ou entrada monumental por onde se entra em “Villa da Feira”. Local de partida para o deambulatório desta Revista que se construiu com os contributosde todos os que acreditaram que pedra após pedra pode nascer um projecto comum que ajuda arevelar, construir e a interpretar a realidade da“Terra de Santa Maria”. Desde a História pessoal aos temas mais controversos, “Villa da Feira” impregna-se deste manancial e oferece-o a todos que dele querem comungar na Ágora da leitura. Até ao momento, deu-se voz a escritos e Histórias que de outra forma fi cariam no esquecimento da memória, a imagens de locais e de pessoasque já com difi culdade se identifi cam, a trabalhosque qualquer revista gostaria de publicar mas com que os autores quiseram agraciar Todos os que navegam

neste projecto, quais vitrais de catedral que quando atravessados pela luz narram a História multicolor. “Villa da Feira”, em cada número, se oferece para permitir um maior conhecimento, outras leituras da História ou mesmo revelar pequenos dados ainda desconhecidos. É uma revista de Todos os que nela acreditaram, para Todos os que querem saber um pouco mais sobre o que nos rodeia. Um sonho transformado em realidade efémera já que constituída por desejos e vontades humanas...passível de morte e de ressurreição ou, numa perspectiva greco-latina, na Fénix renascida.

Cumprimos!

José Manuel da Costa e Silva LAF - Liga dos Amigos da Feira

Page 6: Miolo 14

6

Sumário

Pórtico José Manuel da Costa Silva 5

Mensagem Francisco Azevedo Brandão 7

Família Azevedo Aguiar Barndão Francisco Manuel do Couto Azevedo Brandão 8

I - D. Sebastião Soares de Resende nas Celebrações da Morte e Centenário de Nascimento,

Salão Paroquial de Milheirós de Poiares David Simões Rodrigues 62

Notas Camilianas Padre Manuel Leão 69

Poesia Ana Duque 74

Apresentação do Castelo após Conclusão da 1ª fase de obras Ludgero Marques 75

Aquele Dr. Ricardo Reis - Fernando Pessoa Abílio Ferreira da Silva 79

Edith Stein Serafi m Guimarães 89

Vitorino Nemésio e a Viagem Múltipa Maria da Conceição Vilhena 93

Poesia Edgar Carneiro 104

Antologia Prática de um Devocionário Tradicional Popular P.e Domingos A. Moreira 105

Poesia Henrique Veiga de Maceda 118

O Vidro (3) Jorge António Marques 119

Poesia Ilda Maria 125

Poesia Manuela Correia 126

Sobre algumas perspectivas da problemática da pré-latinidade do nome “Tarouquela” (Gaia) D. Moreira 127

Poesia Maria Fernanda Calheiros Lobo 136

Natal Joaquim Máximo 137

Poesia Maria Virginia Monteiro 142

A Medalhistica no Concelho de Santa Maria da Feira - X - Celestino Portela / Joaquim Carneiro 143

Postais do Concelho da Feira 147

Page 7: Miolo 14

7MENSAGEM

A pedido, que muito me honra, do Dr. Celestino Portela, homem generoso e bairrista de primeira água, pelo amor à sua terra e ao seu concelho, aqui estou a abrir mais um número da magnífi ca revista «Villa da Feira – Terra de Santa Maria», com uma mensagem que queria dirigir a dois protagonistas desta bela aventura cultural: A LAF – Liga dos Amigos da Feira e os leitores. À Direcção da Liga dos Amigos da Feira, para lhes testemunhar os meus mais sinceros parabéns pelo excelente trabalho que tem vindo a fazer ao longo destes anos, na divulgação do património social, económico, cultural e histórico do nosso concelho, através dos escritos de excelentes e probos investigadores que generosamente têm enriquecido a «Villa da Feira – Terra de Santa Maria». A missão a que se propôs não é fácil, mas é gratifi cante. Gratifi cante por vários motivos, entre os quais o do dever cumprido e o de assistir à construção, pouco a pouco, de um monumento cultural e histórico

que perdurará ao logo dos séculos como testemunho de uma identidade peculiar e de um modo de ser feirense. Por tudo isto, quero deixar aqui a minha homenagem e o meu agradecimento, como feirense que sou, aos dirigentes da LAF, por mais este valioso serviço à comunidade que servem com desvelo e amor. Aos leitores, um conselho amigo: guarde com muito carinho estas revistas, pois elas são pedaços da alma de cada um de nós, consubstanciada na memória dos nossos antepassados, transmitida pelas sucessivas gerações, servindo de lição para a nossa condutano presente e apontando os caminhos do futuro.A boa árvore conhece-se pela raiz, assim também um povo que conhece e preza as suas raízes, é um povo agradecido e por isso é um povo com um futuro promissor. Assim foi, é e será o concelho da Feira. Francisco Azevedo Brandão

Page 8: Miolo 14

8 FAMÍLIA AZEVEDO AGUIAR BRANDÃOPaços de Brandão - Santa Maria da Feira

Apresentação e coordenação deFrancisco Manuel do Couto Azevedo Brandão*

Apresentação

Foi a partir de um manuscrito genealógico da família Azevedo Aguiar Brandão, deixado por meu pai, Dr. Manuel dos Santos Azevedo Brandão, que elaborei o presente trabalho, acrescentando-lhe alguns documentos e outras informações, colhidas em livros, jornais e revistas, mencionadas na bibliografi a. O referido manuscrito é cópia do Livro de Assentos de Rio Meão e do Livro de Assentos de Paços de Brandão, cujos originais estão na posse da Casa da Portela, em Paços de Brandão. O objectivo deste trabalho foi tentar reunir em volume documentação e informação dispersa para legar aos vindouros a memória da sua família que implantou bem fundo as suas raízes em Paços de Brandão e Terras de Santa Maria, desde a fundação de Portugal até aos nossos dias, contribuindo generosamente para a sua História.

Ao longo destas páginas se verifi cará que muitos membros desta família foram deputados, autarcas, industriais e militares e que, pelos relevantes serviços prestados ao seu país, à sua terra, ao seu concelho e à sua região, foram agraciados com títulos honorífi cos como cavaleiros da Ordem de Cristo e da Ordem da Torre e Espada, comendadores da Ordem de Nossa Senhora de Vila Viçosa e Medalha de ouro do Município. Ao apresentar este trabalho, não me move a publicidade de vaidades ocas e vãs, mas registar o testemunho de uma família que sempre alimentou no seu seio o espírito desinteressado de servir a sua comunidade e o seu país, à custa, muitas vezes, do seu próprio sangue. É este o legado que quero deixar aos meus fi lhos e aos meus netos, para que vejam nele exemplos vivos de coragem, generosidade, honestidade e amor pela família, pela terra e pelo país.

Francisco Manuel do Couto Azevedo Brandão

Paços de Brandão, Julho de 2005

* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de “Anais da história de Espinho”, “O Associativismo em Espinho”, “Joaquim Pinto Coelho, um político de Espinho”, “O campo de Aviação de Espinho”, “O culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho” e “Manuel Laranjeira, por ele mesmo”.

Page 9: Miolo 14

9

A Vila de Paços de Brandão pertence ao Concelho de Santa Maria da Feira, tem 3 casas solarengas brasonadas: uma com o brasão dos Pinto de Almeida e as duas outras com o brasão dos Azevedo Aguiar Brandão (as casas do Engenho Novo e de Riomaior). O brasão que encima a porta principal das duas últimas casas é esquartelado: I e IV – de azulcom cinco brandões de ouro acesos de sua cor; II – de ouro com águia de vermelho, sancada e bicada denegro (Aguiares); III partido: o primeiro de ouro com uma águia de negro e o segundo de Azul comcinco estrelas de seis pontas de prata; bordadura cosida de vermelho, carregada com oito aspas deouro (Azevedos de S. João de Rei).

Origem das três famílias (Azevedo, Aguiar, Brandão)

No «Archivo Heraldico-Genealogico«, do Visconde Sanches de Baena, II vol. Lisboa – Tipografi a Universal, de Thomaz Quintino Antunes, impressor da Casa Real – Rua dos Calafates, 110 – 1872 vem o seguinte sobre cada uma destas famílias: «Azevedo – Em D. Arnaldo de Bayão dão todosos genealogistas princípio a descrever a antiguidade d’esta família, que tomou o apelido do couto de Azevedo de que foi senhor D. Pedro Mendes de Azevedo, descendente do sobredito, e o primeiro que se chamou de Azevedo. Tem ele ilustres casas neste reino.E tão aparentados, que quase toda a fi dalguia tem sangue dos Azevedos. São suas armas em campo de oiro uma águia negra estendida: timbre, a mesma águia. Desta forma as usou em todo o tempo a casados senhores de Azevedo, que são os chefes dela, e se vêem ainda no escudo de pedra que há mais de quatrocentos anos se conserva no alto da torre da casa de Azevedo. Porém, no livro de Armaria da Torredo Tombo, porque só consultaram os senhores deS. João de Rei quando se fez, esquartelaram o escudo, pondo no primeiro quartel a águia preta em campo de oiro, no segundo em azul cinco estrelas de prata, com uma orla sanguinha, e nela oito aspas de oiro e assim

os contrários; timbre a mesma águia, acrescentamento este que houvera pelas famílias a quem se tinha ligado»

«Aguiar ou Aguilar – É tudo a mesma família assim o segue Fr. Filipe de Lagandara, Francisco Coelho, rei de armas da Índia contra o parecer de outros que querem sejam diversas. São suas armas em campo de oiro uma águia vermelha, aberta e armada de preto, timbre, a mesma águia. Assim se acham no livro Armaria da Torre do Tombo, fl . 16. Os que querem que aos Aguilares acrescentem mais um crescente poderão advertir que esse acrescentamento pertence à família dos de Guivar.» «Brandão – Há sido vulgarmente julgadaesta família como oriunda da Inglaterra; porém de uns títulos conservados entre papéis que foram do padre José da Cruz, reformador do Cartório da Nobreza,consta ser esta família originária da Normandia, donde passaram a Portugal com o conde D. Henrique dois irmãos chamados um Charles, ou Carlos Brandão,e o segundo Fernão Brandão, que viveram junto aomosteiro de Grijó, em umas casas que depois foramcognominadas com o nome de paço dos Brandões,e jazem os ditos irmãos sepultados no mesmo mosteiro, tendo na sepultura um letreiro latino que vertido em português diz: Aqui jazem os cavaleiros Brandões.Não consta que o primeiro tivesse descendentes, porém do segundo são tantos, quantos são os que hoje se apelidam Brandões em Lisboa, Porto, Évora, Castelo Branco, Viana e outras muitas terras ondese estenderam. As suas armas estão no livro da Armaria da Torredo Tombo, e são: em campo azul cinco brandões,acesos de oiro, postos em santor; timbre três dos referidos brandões atados em roquete, com uma fi ta azul»

No «Armorial Lusitano - genealogia e Heráldica» do Dr. Afonso Eduardo Martins e na » Enciclopédia Verbo, Luso-Brasileira de Cultura, Edição Século XX!», vem o seguinte:

Page 10: Miolo 14

10

«Azevedo – Procedem os deste apelido deD. Pedro Mendes de Azevedo, chamando-se assim por viverem no couto e honra de Azevedo, no concelho de Barcelos. D. Pedro Mendes era fi lho de D. Mem Pais Bufi nho ou D. Mendo Bufi ão, e de sua mulher D. Sancha Pais, neto paterno de D. Paio Godins e de sua mulher, Maria Martins, bisneto pelo dito avô de D. Godinho Viegas de Baião, que edifi cou o mosteiro de Vilar de Frades. Nas margens do Cávado, junto de Barcelos, e de sua mulher, Maria Soares, fi lha de D. Soeiro Guedes da Várzea, fundador do mosteiro da Várzea, o qual D. Godinho, depois do nascimento do fi lho, a deixou, matando-o por tal motivo seu sobrinho D. Paio Guterres da Penha, fi lha de seu primo Egas Gosendes de Baião, rico-homem do Rei D. Afonso V de Castela, que em 1124 deu foral à vila de Sernancelhe, e de sua mulher D. Uzeu Viegas, fi lha de D. Egas Hermigues, o Bravo, e de D. Gontinha Eriz, que fundou o mosteiro de Freixo; quarto neto de D, Gosendo Araldes de Baião, esforçado cavaleiro do tempo do rei D. Fernando de Castela e de D. Garcia e seu fi lho, aos quais prestou valioso auxílio nas pelejas contra os Mouros, e senhor de Baião e de muitas fazendas nas margens do Cávado, possuindo também o senhorio de Penaguião e o ofício de Governador da Justiça, que exercitava no ano de 1030. Seu quinto avô, pai do referido D. Gosendo Araldes, foi D Arnaldo de Baião, senhor da mesma Terra, que serviu o Rei D. Afonso V de Leão contra os Mouros, na Galiza e no Entre Douro e Minho, onde povoou diversos lugares, e de sua mulher, D. Uffo que provinha de sangue real dos Godos. Alguns autores pretendem que D. Arnaldo de Baião era fi lho de Guido, Imperador de Itália, bisneto de Carlos Magno, Imperador dos Romanos. Mesmo que D. Arnaldo não provindo de tão ilustre tronco, quanto devia ser a sua nobreza, pois deu sangue às mais distintas linhagens da Península e princípio às mais respeitadas famílias. João Rodrigues de Sá dedicou aos Azevedos os seguintes versos:

Águea çelestealAve que mais alto voa,Sobre eycelente metalDa coroa imperial

Tyrada, sem a coroTouxerão daltalemanhaOs Dazevedo a Espanha,Por testemunha & certeza,De sua grande nobreza,& rrazão por que se ganha.

Manuel de Sousa e Silva também os cantou nesta quintilha:

Em o Concelho do PradoÉ o solar conhecidoDos Azevedo sabidoDos seus sempre no passadoTempo; e neste possuído.

As armas usadas dos Azevedos são: de ouro, com uma águia estendida de negro. Timbre: a águia do escudo. O ramo dos Azevedos que possuiu o senhorio de S. João de Rei acrescentou as armas trazendo: esquartelado: o primeiro e o quarto de ouro com uma águia estendida de negro; o segundo e o terceiro, de azul, com cinco estrelas de seis pontas de prata, e bordadura cosida de vermelho, carregada de oito aspas de ouro. Timbre: uma das águias do escudo.

Azevedo -Gen. – Este apelido é português, de origem toponímica, pelo que é de admitir que haja mais de uma família deste nome. A primeira personagem histórica que encontramos é D. Pedro Mendes de Azevedo, que, na ocasião em que D. Fernando, o Santo, cercava Sevilha, fi gurou num combate com os Mouros, em que fi cou gravemente ferido. O Livro de Linhagens dá-o como fi lho de D. Mundo Bofi no. O que é cronologicamente impossível. Os nobiliários dizem que esta família Azevedo procede de D. Arnaldo de Baião. Diz-se que a antiga família de Azevedo descende deD. Pedro Mendes e parece que o apelido deriva da Quinta de Azevedo, na freguesia de Pereira Jusão, ou de um casal de Azevedo, na freguesia de Santa Marinha de Real. Estas duas localidades não distam muito uma da outra, o que torna admissível que estes Azevedos

Page 11: Miolo 14

11

sejam descendentes de D Mundo Bofi no, que também vivia na mesma região. Esta família talvez se extinguisse em Portugal, mas dela fi cou descendência em Espanha. Outros Azevedos que ainda hoje têm descendência provêm de Lopo Dias de Azevedo, fi lho de Diogo Gonçalves de Crasto e de sua mulher Aldonça Coelha que em 1391 trocou a sua quinta de Pereira, no julgado de Vermoim, pela Quinta de Azevedo, no Julgado do Prado, que pertencia a João Rodrigues Pereira, Esta Quinta de Azevedo ainda hoje existe, embora tenha saído da família. De Lopo Dias descendem os senhores de S. João de Rei, os de Ponte de Sôr, etc. Outros Azevedos descendem de Ruy Gomes de Azevedo, alcaide-mor de Alenquer, que se diz ter sido fi lho de Gonçalo Gomes de Azevedo, alferes -mor de D. Afonso IV, que pertencia à antiga Família Azevedo; parece que de Ruy Gomes descenderam os Azevedos que foram almirantes do Reino, e os Azevedos Vasconcelos, de Elvas. A mesma família também pertencia Teresa Vasques de Azevedo, monja de Lorvão que teve um fi lho, Gonçalo Vasques, de quem parece serem descendentes os Azevedos de Castela. Um membro destra família casou com a condessa de Monterrey, casa hoje incorporada na dos duques de Alba. As armas dos Acevedos de Castela são de ouro com um azevinho (acebo) de verde e um lebreu branco atado ao tronco. Trata-se de armas falantes. As armas das famílias portuguesas deste apelido são muito diferentes: parece que as armas dos senhores da Quinta de Azevedo seriam primitivamente de ouro, águia de negro. Timbre :a águia do escudo.. Os senhores de S,. João de Rei esquartelavam estas armas, pondo no II e III quartéis, cinco estrelas de seis pontas de prata e uma bordadura cosida de vermelho, carregada deoito aspas de ouro. São estas armas que fi guram em Archivo da Madeira, onde as estrelas têm oito pontas. Outros Azevedos usam esquartelado no I e III em campo de seis setas atadas em faixa com as pontas para baixo, duas em pala, duas em banda e duas em contrabanda: o II e o IV liso de… Os Azevedos, descendentes do bispo D João de Azevedo usam as armas dos Malafaias. As armas dos Azevedos acham-se combinadas com muitas outras.

Gabinete de Estudos Heráldicos . Enciclopédia Verbo Luso- Brasileira de Cultura, Edição Séc. XXI)

Aguiar – Da antiga e ilustre família dos Guedes procedeu a dos Aguiares, que tomou o apelido dos senhores de Aguiar. Na província de Trás-os-Montes e a primeira a usá-lo foi D. Mendo Peres de Aguiar, que casou com D. Maior Garcia de Portocarreiro e viveu no tempo de D. Afonso Henriques, dele vindo os que assim se chamaram. Desta família saiu a dos Aguilares, muito qualifi cada em Espanha. Tanto no Continente como nas Ilhas teve larga expansão, mantendo sempre honrada nobreza, que procurou consolidar com acções dignas dos feitos dos seus maiores. D João Rodrigues Gaio, bispo de Malaca, cantou os Aguiares na seguinte trova:

D’Aguiar foram senhoresVerdadeiros e leaisDe antigos antecessoresMas não tiveram maisPor pertencer a Aguiares

Manuel de Sousa Silva, insigne linhagista, a seu respeito escreveu esta quintilha:

Desse Dom Guêda antigoTem os de nome honradoDe Aguiar sublimadoPor terem o seu abrigoN’esta terra assim chamado.

As armas que usam são: de ouro, com uma águia estendida de vermelho, bicada e sancada de negro. Timbre: a águia do escudo. (Armorial Lusitano – Genealogia e Heráldica. Direcção do Dr. Afonso Eduardo Martins Zuquete com a colaboração de António Machado Faria. Lisboa, 1961).

Aguiar – Gen . Segundo o Nobiliário do Conde D. Pedro. Os Aguiares descendem de D. Gueda, o Velho, mas os antepassados dele são, na opinião de alguns genealogistas, de origem galega ou, na de outros,

Page 12: Miolo 14

12

moçárabes de Toledo. De D. Gueda foi neto Mem Pires de Aguiar e terceiro neto Martim Pires de Aguiar, casado com D. Marinha Gonçalves, fi lha natural de D. Gonçalo de Sousa e de D. Góldora Góldores de Refonteira. Não se sabe donde provém o topónimo Aguiar, mas é certo que em 995 existe o castelo de Aguiar de Sousa que foi então tomado por Almançor, e é possível que dele tivesse sido senhor o primeiro que assumiu o apelido (Mem Pires de Aguiar). Ou porque parte da sua descendência, não conhecida, passasse à Galiza, ou porque já ali houvesse uma família desse apelido, tornam os Aguiares a aparecer em Portugal no tempo de D. Fernando. Provavelmente durante as guerras com D. Henrique II de Castela. A casa de Aguiar, próxima de Modonhedo. Parece derivar o seu nome do da família, mas os diferentes autores designam de forma diversa o cavaleiro que passou a Portugal. Uns chamam-lhe Rui Dias de Aguiar, como, por exemplo D. António Soares de Alarcão. Que se dava por descendente. Outros chamam-lhe Diogo Afonso de Aguiar, pai de Pedro Afonso de Aguiar que era alcaide-mor de Montemor-o-Novo em 1367. De Rui Dias de Aguiar parece ter sido fi lho João Afonso de Aguiar, que foi tesoureiro da Moeda e vereador. A maioria dos genealogistas afi rma ser comum a origem das famílias Aguiar – portuguesa e galega – e Aguilar – castelhana. O que é perfeitamente admissível e, até certo ponto, confi rmado pela semelhança das armas de uns e de outros. Muitos outros Aguiares fi guram na História de Portugal como: D. Estêvão de Aguiar, abade de Alcobaça; no ano de 1477 aparece Álvaro de Aguiar, no catálogo dos fi dalgos da Casa de El-rei D. Afonso V; Pedro Afonso de Aguiar foi fi dalgo do Conselho de D. Manuel e D. João III; ao Conselho de D. João - III pertenceu Pedro de Aguiar, fi lho de Estêvão de Aguiar, e dois irmãos seus: outro Pedro Afonso foi almirante em várias armadas no século XVI: Damião de Aguiar foi desembargador do Paço no século XVI; D. Benta de Aguiar foi abadessa de Santa Maria de Cós no século XVI e o seu epitáfi o é transcrito em Estrangeiros do Lima, de Manuel Gomes Lima Bezerra. A Diogo de Aguiar, fi lho de Estêvão de Aguiar, de que antes falámos, foram concedidas, em 1510, armas dos Aguiares, assim descritas: em Campo de ouro, uma águia de vermelho estendida, bicada e membrada

de negro e linguada de vermelho. Nuno de Aguiar,fi lho de Cosme de Aguiar, da cidade de Beja, foi servir na Índia e foi armado cavaleiro por D. João de Mascarenhas, no cerco de Diu, por alvará da dita cidade de 15-12-1546. Quando voltou a Portugal viveu em Castelo de Vide, casou com D. Isabel Mouzinho de Melo,fi lha de António Martins de Melo, comendador de Santa Maria da Deveza, da mesma vila, e tirou carta de brasão de armas a 14-2-1556, com a diferença de um crescente de lua azul. Baltazar Fernandes deAguiar, sobrinho de Roberto Fernandes de Aguiar, que tivera carta de armas a 18-1-1596 e como ele residente na ilha de Palma, do reino de Castela tirou carta de brasão a 16-4-1626, com a diferençade um trifólio de verde. Há outras cartas de armas em que fi gura o brasão dos Aguiares, que é, no Livrodo Armeiro-Mor, em campo de ouro águia estendida de vermelho, armada e membrada de negro. Timbre:a águia do escudo. No Tesouro da Nobreza, de Francisco Coelho, a águia é totalmente de vermelho: n’Os Estrangeiros do Lima, de Manuel Gomes deLima Bezerra, é armada de negro; nos Blasons de Portugal, do Padre Manuel da Purifi cação Magalhães, a águia é armada de prata, e no brasão pintado na Sala do Palácio de Sintra a águia está carregada com um crescente de prata no peito »

(Gabinete de Estudos Heráldicos – Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Edição Séc. XXI )

Brandão – Querem alguns genealogistas que os Brandões viessem do estrangeiro, enquanto outros lhes dão origem nacional. Parece que as mais antigas pessoas que usaram o apelido, ou pelo menos que se conhecem, são Carlos e Fernão Brandão. Dão-lhes por solar Paços de Brandão, na Terra da Feira. Carlos Brandão viveu em Riomeão, distante meia légua do Mosteiro de Grijó, onde se chama Paços de Brandão e sepultou-se no sobredito mosteiro. Fernão Brandão, que se supõe ser seu irmão, viveu no tempo do Conde D. Henrique e de seu fi lho o Rei D. Afonso I, e deixou fi lhos, pelos quais se continuou o apelido. João Rodrigues de Sá, senhor de Matosinhos, dedicou a esta linhagem os seguintes versos:

Page 13: Miolo 14

13

Çinquo brandões, non em cruz,em campo vermelho jazeme com resplendor que fazemdão clarydade, & dão luzde nobreza dos que os trazem

De terras & possessõesDos cavaleiros BrandõesAchey antygua memoreaEm muy verdadeira estoreaDantiguas inquyryções.

As armas que usam os Brandões são: de azul, com cinco brandões de ouro acesos de sua cor. Timbre: três brandões do escudo em roquete.

(Armorial Lusitano – Genealogia e Heráldica – Direcção do Dr. Afonso Eduardo Martins Zuquete)

Brandão – Gen. – Não sabemos se um certo Fernando Brandão que fi gura como testemunha numa escritura de doação que Paio Gonçalves fez ao Mosteiro de Lorvão em 1131 é ou não ascendente dos Brandões históricos. Frei António Brandão admite a possibilidade de parentesco: se assim foi, os descendentes viveram nas cercanias de Évora, ou, pelo menos, no Alentejo, donde passaram ao Porto e arredores. A referência mais antiga que encontramos a este apelido, está numa escritura original do Arquivo de Arouca, citada por Frei António Brandão em Monarchia Lusitana do ano de 1248 em que fi gura como presente a ela Pedro Martins Brandão que o cronista afi rma ser fi lho de Martins Brandão, o Velho. O apelido Brandão remonta a meados do século XII e os nobiliarquistas dão a família como residente em Paços de Brandão e protectores do mosteiro dos cónegos regrantes de Sto. Agostinho, de Grijó. Nas inquirições de 1258, fi gura na freguesia de Sto. Estêvão de Lordelo (Paredes) um mosteiro também dos cónegos regrantes de Sto Agostinho, era dos cavaleiros Brandões (militum brandorum) que também tinham quatro casais na mesma freguesia. Outros Brandões que não se verifi ca serem da mesma família embora nos pareça provável,

foram comendatários do 3º convento de cónegos regrantes de Sto. Agostinho na freguesia limítrofe de Vilela (Paredes). Não sabemos em que data o mosteiro passou a comendatário mas, segundo a Chorografi a Portuguesa, estes Brandões eram parentes de João Brandão, fi dalgo honrado do Porto e ascendente dos senhores da Torre de Coreixas. Não podemos deixar de chamar a atenção para o facto de todos estes mosteiros pertencerem à mesma ordem e terem sido em épocas diversas reunidos ao Mosteiro de Grijó. As armas usadas pelos Brandões são: de azul, cinco brandões de ouro acesos de sua cor. Timbre: três brandões postos em roquete, atados de ouro ou azul Gonçalo Brandão, escudeiro do infante, depois rei D. Duarte, era em 1427, provedor de uma capela em Elvas e continuou a servir o soberano.Era provavelmente de origem alentejana. Ou este ou Álvaro Gonçalves Brandão, deve ser, segundo Braamcamp Freire, pai de João Brandão que foi primeiro tesoureiro e, em 1472, contador da Fazenda do Porto, o qual teve pelo menos três fi lhos: Diogo Brandão, que lhe sucedeu na contadoria e faleceu em 1529, deixando o cargo a seu fi lho, Jerónimo Brandão; Fernando Brandão Pereira, que foi secretário de João Rodrigues de Sá numa embaixada a Castela e casou com Isabel de Pina, fi lha do cronista Rui de Pina: e Isabel Brandão, que casou com João Sanches, cidadão do Porto, e foi mãe de João Brandão, feitor na Flandres de 1509 a 1513 e de 1520 a 1526; este foi pai de Maria Brandão ou Brandoa, que, segundo um nobiliário do séc. XVI, que os outros copiaram, é chamada a do Crisfal. (Enciclopédia Verbo – Luso-Brasileira de Cultura - Edição séc. XXI,Vol.5 – Gabinete de Estudos Heráldicos).

FAMÍLIA AZEVEDO AGUIAR BRANDÃO

Casa da Torre ou da Capela em Paços de Brandão

Esta família começa com o casamento de José de Sá Pereira Brandão, considerado um dos descendentes do cavaleiro Fernando Brandão que, com

Page 14: Miolo 14

14

seu irmão Carlos veio no séquito do Conde D. Henrique para ajudar o rei D. Afonso na luta contra os mouros, com D. Jacinta Luísa de Azevedo e Melo, fi lha de Eusébio de Azevedo e Aguiar. O livro de Assentos de Paços de Brandão dá José de Sá Pereira Brandão como natural de Paços de Brandão e assistente no Porto, senhor da Casa do Prazo de Rio Maior e dos Prazos das Pousadas e da Fonte, em Paços de Brandão. Na Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida a 12 de Janeiro de 1771 (ANTT – José. Maço 126 nº 2662), regista-se o seguinte:

José de Sá Pereira Brandão, que vive das suas fazendas. Era natural de Santa Maria deLamas, Feira e morador na sua Quinta da Torre, freguesia de S. Cipriano de Paços de Brandão Era fi lho de Manuel de Sá Moreira e de Brites de Jesus Pereira, naturais da dita de Lamas onde residem no lugar da Ponte Nova. Neto paterno de João de Sá natural do lugar de Sá, Rio Meão,e de Cezília Jorge, natural da dita de Lamas,onde são moradores no dito lugar da Ponte Nova. Neto materno do Padre Simão Martins Pereira, abade da freguesia de Santa Maria de Lamas, natural da freguesia de Paços de Gaiolo, Benviver,e de Maria Lopes, mulher solteira, natural de Lamas, e aí moradora, o habilitando José de Sá Pereira Brandão estava casado com Jacinta Luísa de Azevedo e Melo, natural de Paços, fi lha de Eusébio de Azevedo e Aguiar da dita de Paços de Brandão e de Bernarda Caetano de Melo Teixeira, natural deS. Nicolau da Feira, e moradores no lugar de Beire,S. João de Ver. Neta paterna do capitão de milícias, João de Azevedo de Costa, natural de Alpossos, Rio Meão e de D. Leonarda de Aguiar, natural deS. Martinho da Várzea, Douro, moradores em Paços de Brandão, e materna do licenciado Matias Soares de Albergaria, que foi juiz de tombo de 1701 ou 1731, e D. Jacinta de Melo Teixeira, naturais e moradores na Vila da Feira».

No Livro de Assentos de Paços de Brandão, Fls. 170 v. diz que:

Jacinta Luísa de Azevedo Aguiar e Melo faleceu com testamento em Paços de Brandão a 1 de Fevereiro de 1783 e que tinha casado com escritura antenupcial de dote que lhe fez sua avó paterna D. Leonarda Pereira de Aguiar Godinho a 13 de Maio de 1734, lavrada nas notas de Bernardo Pereira Campos, tabelião da Vila da Feira, com José de Sá Pereira Brandão; que Jacinta Luísa de Azevedo Aguiar e Melo era fi lha de Eusébio da Costa Azevedo, senhor da Casa e Quinta de Alpoços,em Rio Meão, nascido na Casa da Torre ou da Capela em Paços de Brandão, casado com D. Bernarda Caetano de Melo, do lugar de Beire, freguesia de S. João de Ver, fi lha de Francisco Soares de Melo, vereador servindode almotacé da Câmara Municipal da Feira em 1715e de sua mulher D. Antónia Maria da Silva, moradores na Vila da Feira; que D. Jacinta Luísa era neta de João da Costa Azevedo, capitão de milícias da Vila da Feira em 1701, natural de Rio Meão; que João da Costa Azevedo tinha casado com escritura antenupcial dedote lavrada a 25 de Abril de 1687 nas notas de João Soares, tabelião na Vila da Feira, com D. Leonarda Pereira de Aguiar Godinho, senhora da Casa e Quinta da Torre ou da Capela da invocação das almas,sita na dita quinta em Paços de Brandão, e dos prazos chamados da Ponte do Fundo, na freguesia de Mozelos, de Lourozela, na freguesia de Lourosa e do Morgado e Vínculo da Capela de Estorninho, na freguesia de Mozelos, fi lha de João Pereira Pinheiro e de sua mulher D. Maria de Aguiar Godinho, moradores na freguesia da Várzea, concelho de Benviver, hoje Marco de Canavezes, comarca do Porto; que D. Leonarda fora dotada por sua tia materna, D. Isabel de Aguiar Godinho, viúva de Jorge Pereira de Miranda por escritura de 25 de Abril de 1687, lavrada nas notas de João Soares, tabelião da Vila da Feira.

Nota – Como se leu, a casa da Torre ou da Capela de Paços de Brandão, onde actualmente se encontra o edifício da Junta de Freguesia, que primitivamente foi a casa senhorial dos Brandões, pertencia no século XVII a D. Leonarda Pereira de Aguiar Godinho, da linhagem dos Azevedos, voltou à posse dos Brandões com o casamento da sua neta, D. Jacinta Luísa com José de Sá Pereira Brandão.

Page 15: Miolo 14

15

D. Jacinta Luísa era ainda bisneta de Domingos da Costa Azevedo que, segundo o Livro de Assentos de S. Tiago de Riomeão, actualmente na posse da Casa da Portela em Paços de Brandão, fl s. 120, tinha casado com D. Maria de Sá, moradores na freguesia de Riomeão. A casa de Alpoços, em Riomeão, dos Costa Azevedo tinha e tem o brasão de armas dos Azevedos de S. João de Rei. Do casamento de José de Sá Pereira Brandão com D. Jacinta Luísa de Azevedo Aguiar e Melo houve 4 fi lhos:

1 – Ana Maria Clara Sá Pereira Brandão Azevedo Aguiar e Melo

2 – Manuel José de Sá Pereira Brandão Azevedo Aguiar e Melo

3 – Jacinta Maria Luísa de Sá Pereira AzevedoAguiar e Melo

4 – Maria de Sá Pereira Azevedo Aguiar e Melo

1 – A Ana Maria Clara faleceu na Casa da Póvoa, em Paços de Brandão, a 27 de Fevereiro de 1808 com 70 anos de idade (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.186 v.). Tinha casado com Luís Almeida Pinto, também falecido na Casa da Póvoa a 30 de Dezembro de 1799 (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 182 v.). Deste casamento houve uma fi lha, Ana Matilde de Azevedo Pinto de Almeida. 2 – O Manuel José que, segundo o Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.197 v., foi senhor da Casa da Sobreira, em Paços de Brandão, faleceu na Casa da Torre ou da Capela a 19 de Agosto de 1820 e tinha casado com escritura antenupcial de dote lavrada a 15 de Abril de 1776 nas notas de José Caetanoda Silva, tabelião na Vila da Feira, com D. Maria Pais dos Santos, falecida na Casa da Torre ou da Capelaa 26 de Outubro de 1829, em cuja igreja foi sepultada (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 203), fi lha

de José dos Santos Pais, senhor da Casa de Moure, em Lamas, falecido com testamento na Casa de Riomaior em Paços de Brandão a 4 de Novembro de 1840, com 76 anos de idade e foi sepultado no adro da igreja / (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.215 v.), e de sua mulher D. Antónia Pais Coelho, falecida na Casa de Moure, em Lamas, a 25 de Março de 1799, com testamento feito a 5 de Maio de 1799, no dia seguinte aprovado por Teodósio Tomás Correia de Sá, cavaleiro fi dalgo da Casa Real e escrivão judicial e notas da Vila da Feira e seu termo. D. Maria Pais dos Santos era tia de D. Margarida Augusta Pais dos Santos que tinha casado com o Visconde de Albergaria de Souto Redondo. A 26 de Novembro de 1775, D. Jacinta Luísa tinha feito a seu fi lho, Manuel José, uma escritura de doação e nomeação lavrada nas notas de António José Correia, tabelião na Vila da Feira. Manuel José e sua mulher D. Maria Pais dos Santos deixaram testamento de mão comum feito e aprovado a 3 de Maio de 1820, por Teodósio Tomás Correia de Sá, tabelião na Vila da Feira. Deste casamento houve 7 fi lhos:

2.1 – Custódio José Pais de Azevedo Aguiar Brandão

2.2 – Manuel José Pais de Azevedo Aguiar Brandão

2.3 – António José Pais de Azevedo Aguiar Brandão

2.4 – José Francisco Pais de Azevedo Aguiar Brandão

2.5 – João José Pais de Azevedo Aguiar Brandão

2.6 – Francisco José Pais de Azevedo Aguiar Brandão

2.7 – Maria Margarida Pais de Azevedo Aguiar Brandão

2.1 – O Custódio José nasceu em Paços de Brandão a 6 de Junho de 1777, em cuja igreja foi baptizado pelo abade Jerónimo Lopes a 12 do referido mês, sendo padrinhos o Padre Caetano Coelho de Sá, da freguesia de Lourosa e D. Agostinha Pais dos Santos, sua tia materna (Livro de assentos de Paços de Brandão, fl s. 104 v.) Casou e faleceu no Brasil.

Page 16: Miolo 14

16

2.2 – O Manuel José deu início à Casa da Torre ou da Capela em Grijó e segue.

2.3 – O António José nasceu em Paços de Brandão a 9 de Junho de 1786, em cuja igreja foi baptizado pelo abade Jerónimo Lopes a 12 do referido mês, sendo padrinhos Manuel da Costa Passos,de Paços de Brandão e D. Rosa Pais dos Santos, solteira da Casa de Moure, em Lamas, sua tia materna (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 10). Foi vereador da Câmara Municipal da Feira em 1859.

2.4 – O José Francisco nasceu em Paços de Brandão a 31 de Agosto de 1791, em cuja igreja foi baptizado pelo abade Jerónimo Lopes a 1 de Setembro, sendo padrinhos António André de Carvalho, de Paços de Brandão e Maria, solteira, fi lha de Manuel Coelho de Castro, de Paços de Brandão (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.202). Faleceu solteiro emS. Martinho da Macieira a 11 de Junho de 1827(Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.201 v.)

2.5 – O João José deu início à Casa do Engenho Novo em Paços de Brandão e segue.

2.6 – O Francisco José deu início à Casa de Riomaior em Paços de Brandão e segue.

2.7 – De Maria Margarida nada se sabe.

3 – A Jacinta Maria faleceu em Paços de Brandão com testamento a 13 de Novembro de 1820 com 70 anos de idade (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 28). Tinha casado com João Francisco Moreira do lugar do Estremadouro em Paços de Brandão e ali faleceu a 9 de Outubro de 1799 e em cuja igreja foi sepultada (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 182 v.). Deste casamento houve fi lhos: Ana, Manuel…

4 – A Maria de Sá faleceu em Paços de Brandão com testamento a 12 de Janeiro de 1825 e em cuja igreja foi sepultada / Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 200 v.). Tinha casado com Agostinho da Rocha, senhor possuidor do Prazo da Laranjeira,

em Paços de Brandão, fi lho de Manuel da Rocha e de sua mulher Teresa Francisca Lobo, de Lamas, ali falecida com testamento a 9 de Setembro de 1825 (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 200 v).Deste casamento houve 5 fi lhos: Ana da Rocha e Sá Brandão; Manuel da Rocha e Sá Brandão; Francisco da Rocha e Sá Brandão; João da Rocha e Sá Brandão e José da Rocha e Sá Brandão.

Casa da Torre ou da Capela de Grijó

2.2 - Manuel José Pais de Azevedo Aguiar Brandão era fi lho, como já se disse atrás, de Manuel de Sá Pereira Brandão Azevedo Aguiar e Melo e de Maria Pais dos Santos, nasceu na Casa da Torre ou da Capela em Paços de Brandão a 7 de Dezembro de 1783,em cuja igreja foi baptizado pelo abade JerónimoLopes a 9 do referido mês, sendo padrinhos Manuel dos Santos Pais e D. Maria de Sá Pereira Azevedo Brandão, seus tios (Livro de Assentos de Paços de Brandão,fl s 15 v.). Capitão, graduado em Major de Milícias daVila da Feira, senhor da Casa da Torre ou da Capela em Grijó tinha casado com licença do Bispo do Porto na Capela de Casa da Torre a 4 de Agosto de 1805,na presença de Manuel Alves Lopes, abade coadjutorda freguesia, com escritura de dote lavrada a 13 de Julho de 1805 nas notas de Luís António Correiade Sousa e Sá, tabelião na Feira, com D. MariaRita Máxima de Castro, fi lha de Domingos Alves e de sua mulher Maria de Santo António Moreira, do lugarde Curveiros, freguesia e Couto de Grijó, fi lha doDr. Amaro Moreira do mesmo lugar e de sua mulherD. Mariana Peniche, da freguesia de Perosinho,comarca do Porto (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.124 ). O Major de Milícias da Feira, Manuel José Pais de Azevedo Aguiar Brandão foi aprisionado pelas tropas miguelistas e encarcerado com outros liberais em Vila Viçosa durante cinco anos. O Juiz de Fora Goulão, por ódio partidário, conseguiu transferir os detidos para o Castelo de Estremoz onde foram selvaticamente assassinados pelo povoléu, na presença de tropas miguelistas (Cavalaria 2) em 1833.

Page 17: Miolo 14

17

Este episódio vem descrito no romance histórico «Os Salteadores do Norte» ,de Eduardo Noronha. O relato do mesmo episódio foi publicado no jornal « Periódico dos Pobres do Porto», nº 136 de 24 de Junho de 1834 com o título «Horrorosa Mortandade» que se passa a transcrever: HORROROSA MORTANDADE Feita em todos os Presos Políticos que se achavam no castelo de Estremoz, no infausto dia 27 de Julho de 1833, com todas as circunstâncias que acompanharam tão inaudita catástrofe, e nomes dos assassinos, e presos assassinados. Relação das pessoas, que com a maior evidência promoveram as mortes dos presos políticos do Castelo de Estremoz, no dia 27 de Julho de 1833.

AUTORES 1º Eliodoro José Rodrigues de Aguiar, Juiz de Fora de Estremoz. Foi quem deu a ordem à plebe para matar todos os presos, sem que poupassem algum; acompanhando-a ele mesmo à porta do Castelo, onde se conservou até ao fi m da matança, aplaudindo a plebe, e infl uindo-a cada vez mais.

2º - Vitorino Pinto, Major de Cavalaria nº 2, e Comandante do Depósito da dita Cavalaria, que ali estava em Estremoz. Este, querendo os presos defender a entrada, foi enganá-los, dizendo-lhes que não se defendessem, que deixassem entrar o povo, e uma Guarda de Cavalaria do seu comando. Que esta os defenderia, e que ele fi cava garante das suas vidas: isto para os enganar, porque logo que entrou a dita Guarda, só tratou de roubar,e assassinar tanto, e mais que a plebe, como abaixo se verá.

3º - José Gonçalves, Tenente da 1ª Companhia de Cavalaria nº 2. Este foi um dos que induziram a plebe a continuar nos assassínios; porque sendo mandado para dentro da prisão, a

tempo de poder salvar dez infelizes da fúria da plebe, a que até então se haviam subtraído, em lugar de os proteger e defender, os entregou covardemente, mandando a dois Soldados, que os guardavam, se retirassem, deixando-os assim vilmente expostos ao furor dos assassinos! 4º - Joaquim Manuel Mendes - , 2º Sargento graduado da 4ª Companhia de Cavalaria nº2.Este foi o que capitaneou a plebe até à prisão para matar os presos. Ele mesmo a conduziu até lá; e sendo nomeado pelo Major para entrar na prisão com 30 Soldados para conter a plebe, foi ele o primeiro que deu o exemplo aos Soldados para cooperarem com a plebe já em mortes,já em roubos! 5º - O Alturas - , Estalajadeiro em Estremoz, que tem a maior infl uência na plebe, e que acompanhou nas desordens daquele infausto dia. Não matou nem roubou; mas tudo aprovou. Exposição de algumas circunstâncias que precederam e acompanharam os bárbaros assassínios praticados pela plebe de Estremoz, de mãos dadas com parte da Cavalaria nº 2, no infausto dia 27 de Julho de 1833.

1º - Deve notar-se que estando os presos políticos cinco anos no Castelo de Vila Viçosa, e portando-se sempre como era de esperar da sua qualidade, sem jamais darem o mais leve motivo de serem arguidos, e devendo pelo seu comportamento uma inteira confi ança ao Governador do Castelo, o Juiz de Fora de Vila Viçosa, Goulão, procurou sempre, e imaginou pretextos para os increpar, dando conta deles, criando-lhes crimes supostos para ter lugar de agravar a sua triste situação, metendo-os nos segredos, a fi m de que confessassem o que não haviam feito. 2º - Que alguns dias antes da mudança dos presos, chegando a Vila Viçosa a notícia de que ali viria em poucas horas uma guerrilha liberal, o dito

Page 18: Miolo 14

18

Juiz de Fora, Goulão, quis persuadir o Governador que devia mudar os presos políticos para a Cova, que é uma prisão de ladrões e desertores; e que não pôde conseguir do Governador, que não alterou a maneira por que os tratava; tomando contudo a medida de cortar a ponte do Castelo, tanto para mostrar a sua pontualidade; como para defender os presos de algum insulto popular, e da maldade do Juiz, o qual vendo que nada pudera obter do Governador, marchou para Estremoz a dizer ao General que ele não se responsabilizava pela segurança dos presos; então combinou com o seu digno colega de Estremoz o atroz plano, que depois executaria. 3º - Que no dia 5, às 7 horas da tarde, apareceu com efeito em Vila Viçosa um Secretário do General intimando ao Governador do Castelo ordem para serem removidos imediatamente os presos do Castelo de Vila Viçosa para o de Estremoz; o que com efeito se executou, partindo os presos às 11 horas da noite, escoltados por Ordenanças e Cavalaria nº 2.

4º - Que entrando estes infelizes em Estremoz no dia 6 de Julho às 6 horas da manhã, extenuados já pela fadiga, e já pelo receio dos insultos, logo à entrada houve um velho que principiou a insultá-los; porém como era muito cedo não se lhes juntou povo, porque ninguém sabia ainda da remoção dos presos.

5º - Que sendo todos introduzidos na prisão que lhes foi destinada, ali foram entregues a uma Guarda de Ordenanças, de quem sofreram os maiores insultos, sem terem a quem recorrer.

6º - Que tendo o General ali Tropa de 1ª e 2ª Linha e uma Companhia de Realistas de Monforte muito bem disciplinada, só achou Ordenanças para encarregar a guarda dos presos, sem que as representações que eles fi zeram para que houvesse alguma contemplação com eles tivesse algum resultado mais do que estéreis protestações do

General, de que estava certo da sua boa conduta; mas que era preciso dar satisfação ao povo, etc., etc..

7º - Que havendo ali um Governador, este nunca foi tomar conta dos presos, nem quis nunca saber deles; dizendo, quando lhe representavam alguma coisa, que ele nada queria saber de malhados; o que não obstante, nem se nomeou outro, nem se obrigou aquele, continuando os desgraçados presos a ser governados somente pelas Ordenanças de diferentes partes, sem instruções, fazendo o que queriam, impedindo até que entrassem as coisas de primeira necessidade, como água, vinho e tudo o mais; consentindo-se que as Guardas insultassem os presos, até prometendo-lhes bofetadas, tendo de dia e de noite dentro da prisão armadas as sentinelas.

8º - Que representando-se tudo isto ao General, e pedindo-lhe que desse alguma providência, este a não deu nunca, por temer a plebe, de quem estava mal visto.

9º - Que não podendo os malvados à força de maus tratamentos esgotar a paciência daqueles infelizes (que tudo sofriam com tanta coragem, como paciência) começaram a caluniá-los divulgando que os presos queriam fugir, já por uma maneira, já por outra.

10º – Que indo um rapaz, criado de umdos presos, buscar duas cordas de esparto paraseu amo fazer uma espécie de maca a fi m deprocurar alguns instantes de sossego, que a imensa bicharia lhe não permitia doutra maneira, o Comandante da Guarda prendeu o rapaz,que por não dizer o recado que à força queriam ensinar-lhe, e por dizer somente a verdade, foi asperamente castigado na prisão chamada dos Currais, onde levava todos os dias palmatoadas, para deste modo extorquirem dele uma confi ssão, ou depoimento falsíssimo.

Page 19: Miolo 14

19

11º - Que requerendo o amo do dito rapaz ao General, a fi m de o mandar soltar, e expondo-lhe no requerimento toda a verdade, o General o não fez, antes mandou dizer por um ofi cial aos presos, que ele estava certo da sua honra, probidade, obediência e bom comportamento; mas que nada podia fazer, porque estava mal visto pelo povo, e que por isso era necessário dar-lhe satisfação.

12º - Que sendo as cartas, não só de todos os presos, mas até de duas desgraçadas Senhoras (igualmente habitavam a prisão, participando dos incómodos de seu marido e pai) abertas e lidas publicamente na guarda, e depois pelo General, este as mandava ainda mostrar ao Juiz de Fora para as revistar de novamente.

13º - Que sendo conduzidos alguns outros presos para outra prisão próxima à que habitavam os do Castelo, a plebe os acompanhou apedrejando-os até ao momento de entrarem para a prisão já feridos; e então apedrejaram igualmente as janelas do Castelo, que foi necessário fechar para evitar os efeitos de tal chuva de pedras.

14º - Que notando os infelizes presos do Castelo nesta ocasião a indisposição da plebe contra todos os presos, pediram novamente uma Guarda de Tropa de Linha, que os defendesse; o que nunca puderam obter.

15º - Que chegando fi nalmente o infausto e tristíssimo dia 27 de Julho, aparecendo casualmente naquela Vila um homem de Elvas, que ali se havia refugiado, sendo conhecido por outro da Guerrilha de Elvas, este foi logo juntar a plebe a fi m de assassinarem o pobre homem; o qual vendo isto foi fugindo para casa do Juiz de Fora, onde a plebe o seguiu, e matou à vista do mesmo Juiz de Fora, sem que este cobarde se opusesse de maneira alguma.

16º - Que concluindo aquela grande façanha, pediram licença ao mesmo Juiz Aguiar

para irem matar os presos políticos do Castelo: ao que ele anuiu, dizendo-lhes que fossem, mas que não entendessem com os da Guarda Civil, porque por esses estava ele responsável.

17º - Que indo com efeito a plebe para o Castelo, conduzida pelo Sargento de Cavalaria nº 2, Joaquim Manuel Mendes, foi logo seguida daí a pouco pelo Juiz de Fora a fi m de melhor autorizar as crueldades da plebe, presenciando-as.

18º - Que mediando perto de uma hora desde o princípio do tumulto da plebe, até que fosse para o Castelo. Em todo este tempo não se deu providência alguma para segurança dos presos.

19º - Que só mais de uma hora depois da plebe estar à porta da prisão arrombando-a, é que a Guarda de Cavalaria chegou, a qual, apenas entrou na prisão, se uniu à plebe, cometendo tantos crimes, como ela mesmo;

20º - Que havendo na dita prisão dos presos políticos, chamada o Armazém, um muito pequeno quarto, que o General mandara dar ao Coronel Francisco Pereira da Silva, a requerimento deste, por ter em sua companhia sua mulher e fi lha, as quais o haviam acompanhado para lhe tornar menos insuportável tão longa como penosa prisão, e em cujo quarto apenas cabiam com muito custo duas camas; o dito Coronel se fechou com a sua pequena família no mesmo quartozinho, logo que viu a plebe em tumulto; porque a sua idade e moléstia, que cinco anos de prisão motivaram, o tornaram incapaz de menor defesa.

21º - Que vendo os infelizes presos que a Guarda de Cavalaria, que fora mandada para defendê-los, se unira à plebe para os assassinar, correram a refugiar-se no quarto do seu companheiro, onde ainda puderam entrar dez, e ainda se conservaram todos juntos ouvindo os horrores que em toda a prisão se praticavam, esperando todos a sua última hora.

Page 20: Miolo 14

20

22º - Que tendo a plebe de mãos dadas com a Guarda de Cavalaria, que fora mandada com pretexto de defendê-los, assassinados já todos os que encontraram, inclusive dois criados e duas meninas de seis anos, e não vendo já em todo o armazém nada que roubar, pois que tudo já haviam levado, se lembraram então de arrombar o quarto, onde os acima ditos até então só haviam sido espectadores; para o que começaram a forcejar, já com machados, e já com tiros, etc.

23º - Que vendo as duas tristes e afl itíssimas Senhoras que a morte ali era certa, se os tipos continuavam à porta, e vendo que não cessavam, se animaram, pelo desejo de salvar não só o objecto da sua ternura, mas os seus desditosos companheiros, a saírem ambas, a fi m de aplacarem o furor daqueles monstros, já com lágrimas, já com razões, e já oferecendo, para os aplacar, não só quanto possuíam, mas as suas próprias vidas.

24º - Que aparecendo ali o Tenente José Gonçalves, e instando inutilmente com as duas Senhoras para que saíssem do armazém e abandonassem os infelizes que estavam no quarto; e encontrando em ambas uma resistência inabalável, lhes deu afi nal a sua palavra de honra de que ele punha Guardas à porta do quarto os que estavam dentro; mas que para isso era preciso que elas deixassem a porta, a fi m de que o povo se persuadisse de que só elas estavam no quarto, e de que ninguém restava já na prisão; que desta maneira é que ele podia garantir-lhes as vidas.

25º - Que sendo esta razão convincente, e cedendo à necessidade, as duas Senhoras deixaram a porta; porém não a prisão; pois não houve forças que a isso as obrigassem, e por isso fi caram à porta do dito armazém, em uma pequena casa que serve ao Ofi cial de Guarda.

26º - Que poucos momentos depois de ali estarem, ouviram a fala de seu marido e pai, que gritava por socorro no meio da multidão, que já o

cercava para o matar, bem como a mais três, que com ele puderam ainda chegar à porta do armazém, os quais eram, o Coronel Francisco Pereira da Silva Sousa e Menezes, o Cadete José Maria de Queirós, o fi lho primogénito do Visconde de Ervidosa e o Major Manuel José de Azevedo.

27º - Que ouvindo as duas Senhoras estes infelizes, e vendo a fi lha do Coronel sobredito que seu pai ia sucumbindo com os seus companheiros, se atreveu a arrostar a fúria da gentalha, e abrir caminho aos quatro infelizes; e evitando os golpes que sobre eles descarregavam, conseguiu, ajudada por sua mãe, defendê-los por muito tempo, servindo-lhes elas de escudo, o que comoveu de alguma maneira a plebe, a qual se aplacou por alguns momentos, os quais aproveitou o Soldado Bernardino António Ferreira, escolhendo mais três Soldados contingentes e capazes, os quais fez com ele pôr em defesa dos quatro presos que restavam com vida, a fi m de os defender dos poucos que ainda trabalhavam na sua destruição; pois que a multidão estava aplacada, e só conservavam constantemente o mais implacável furor os que nas relações infra forem indicados com a letra M. 28º - Que vendo aqueles monstros que o furor da multidão já não era assaz forte para arrostar a defesa que os quatro Soldados lhe faziam, desceram a pedir ordem para completarem as suas crueldades, a qual imediatamente lhes foi dada pelo Juiz Aguiar, para que não poupassem pessoa alguma.

29º - Que em consequência desta ordem (ou de alguma insinuação mais, que tivesse dos seus superiores), apareceu novamente o Tenente José Gonçalves a fazer retirar os Soldados, que defendiam os presos, proibindo-lhes a oposição ao povo, e fazendo-os sair logo dali.

30º - Que fi cando unicamente em defesa destes desgraçados, as duas Senhoras, que não cessavam de empregar todos os meios para

Page 21: Miolo 14

21

abrandar aqueles tigres, e as poucas forças que lhes restavam para evitar aos desgraçados os golpes que lhes atiravam, e vendo aqueles bárbaros que o sangue, a ternura, o dever e a humanidade tudo, prestava forças às duas afl itas e desesperadas Senhoras, para se oporem, ou, pelo menos, retardarem o momento da destruição; tomaram o partido de as arrancar à força daquele lugar; e como o não pudessem facilmente conseguir, feriram a fi lha na cabeça, a fi m de lhe fazerem perder os sentidos, e neste estado a arrastaram para fora da prisão, onde a plebe a teria imolado ao seu furor, a não ser o Tenente Chichorro, e o mesmo Soldado acima mencionado, Bernardino António Ferreira, os quais a arrancaram das garras dos assassinos, salvando-a com iminente risco de vida, bem como a sua infeliz mãe, que conduziram no mesmo estado, enquanto que os malvados completavam seus atrozes atentados.

31º - Que restando ainda vivo o Cadete Queirós, já ferido de bala, mas ainda com desejo de conservar a vida, teve a coragem de passar por entre a plebe e saltar de um só pulo as escadas da prisão, então verdadeiro matadouro, a fi m de evadir-se; o que teria conseguido, se não fosse seguido pelos mesmos encarniçados monstros que gritaram para o que o apanhassem; e tendo-o feito cair com uma chuva de pedras e balas, foram os dois Soldados Joaquim Henriques e Marcelino José matá-lo com a maior crueldade, e mui voluntariamente.

Relação dos paisanos que assassinaram os presos políticos, que se achavam no Castelo de Estremoz, no tenebroso dia 27 de Julho de 1833, para cujo fi m tinham sido removidos para ali do Castelo de Vila Viçosa, no dia 6 do dito mês.

(M)- O Franco, Carpinteiro de Estremoz; (M) – O fi lho do escrivão Lopes; (M) – José Pepe, que foi criado do Consciência; António José, criado do Saúde; O Feliz, Ajudante de Ordenanças de Estremoz; Fernando Espanhol, Porteiro de Estremoz;

Joaquim Bengalinha e seu fi lho; O fi lho da Chouriça, moradora ao Lago; O Carvalho, Botiqueiro no Rocio e seu fi lho: O fi lho da Lançarote; O Barbeiro Felizardo; O Alfaiate Rafael; Francisco e António, fi lhos de André Hospital; José Ralha; O fi lho de Maria Joana Bibi; António Ramalhete; O fi lho do Robalo; Manuel, criado de José Inácio; Um criado que então era de D. Gertrudes, e hoje do Juiz da Ordem; (M) Giraldo, natural da Ribeira de Arronches; (M) – Paulo dito; (M) – Martinho, Moleiro dito; O criado do Governador de Estremoz; A Biscainha, moradora a Santiago; Maria Antónia, Aguadeira; A mulher chamada Lançarote; Maria Joana Bibi. Todos os mencionados nesta relação tiveram igual parte nos crimes daquele dia, executando todos à porfi a as maiores crueldades sobre os ilustres e infelizes vítimas do seu furor, porém nada iguala à barbaridade dos seis que vão indicados com a letra (M), para que seu castigo corresponda a seus delitos. Quanto às mulheres relacionadas, elas só se empregaram em roubar e cortar os membros moribundos dos desgraçados presos.

Relação dos indivíduos do Regimento de Cavalaria nº 2 destacado em Estremoz, que debaixo do Comando do Tenente José Gonçalves se envolveram nos roubos e mortes, que tiveram lugar no dia 27 de Julho de 1833, nos presos políticos do Castelo de Estremoz, de mãos dadas com a plebe.

1ª Companhia – Manuel Domingues Esteves; João Pinto; José Pepe. 2º Companhia – Jerónimo Antunes; Manuel Martins; João Correia; José Maria Correia. 3ª Companhia – Valentim Gazeta; Manuel Trianfão; José Farinha; Jones dos Santos; Francisco Inácio. 4ª Companhia – Matias de Matos; Manuel Garção; Mariano José; Teodoro Velez; Joaquim Henriques; Marcelino José. 5ª Companhia – João Henriques; António Esteves; Bernardino do Vale.

Page 22: Miolo 14

22

6ª Companhia – José Joaquim Mendes; Manuel Dias; João Lourenço; Francisco José. 7ª Companhia – Manuel Mendes; Lourenço Mota; Manuel Alves; Inácio Ferro; Manuel José da Avó; Jerónimo Maria. 8ª Companhia – António Alves; Simão Agostinho; José António; João António Passas; Manuel Galhardo; Manuel Joaquim Queimado; Félix Joaquim Baptista.

Relação dos presos políticos que foram assassinados dentro da prisão do Castelo de Estremoz pelos paisanos e Soldados acima mencionados.

Sebastião José de Mira, Brigadeiro de Cavalaria; Francisco Pereira de Sousa e Menezes, Coronel de Milícias de Évora; Os dois fi lhos mais velhos do Visconde de Ervedosa, Alferes de Infantaria nº 6; José Maria de Queirós Aguiar Mosqueira, Cadete de Infantaria nº 21; Manuel José de Azevedo, Major de Milícias da Feira; Francisco de Magalhães Costa Serpa, Tenente de Milícias de Tomar; Joaquim Teles e Menezes, Alferes de Veteranos de Manteigas, aliás de Matosinhos.Por Portaria da Junta Provisória em 1828,despachado Ajudante interino de Milícias dePenafi el. É natural de Paço de Sousa, da Quinta dos Gordos; Anselmo da Fonseca Morais Sarmento, Capitão de Milícias de Tomar; Joaquim dos Santos Cordeiro Capitão de Cavalaria nº 5; José AlvesGaspar, Quartel Mestre de Infantaria nº26;Januário Duarte de Matos, Tenente de Milícias de Tomar; António Joaquim da Ponte, Tenente de Cavalaria nº 6; José Gonçalves Teixeira, Ajudante de Cavalaria nº 11; Manuel José Ribeiro, Cirurgião –Mor de Infantaria nº 10; José de Oliveira e Silva, Tenente de Milícias de Tomar; Joaquim Tomé de Figueiredo, Capitão de Infantaria nº 9; João Esteves Ramos, Alferes de Cavalaria nº 11; José Fernandes Malhada, Alferes dito;José António da Silva, Tenente de Infantaria nº 9; O Padre Manuel José da Silva; O Capitão António Manuel Pimentel; João de Almeida Dinis; Prudêncio

José de Sousa Caldas; Luís de Sousa Caldas; José Ferreira Pinheiro; José Lourenço; João José Pereira, Pai; João José Pereira, Filho; José Ferreira Oleiro; Luís, criado do Brigadeiro Mira; Miguel, dito do Capitão Anselmo; Carlos, fi lho do dito, de 6 anos de idade.

N.B. – Os primeiros vinte presos assassinados tinham vindo do Castelo de Vila Viçosa para o de Estremoz; quanto aos mais, se lhe juntaram à hora da partida, em que foram removidos para o lugar do matadouro. Escaparam das garras dos assassinos, por estarem fora da prisão quando chegou a multidão, os seguintes: Manuel Jacinto, criado do Coronel Francisco Pereira; António Joaquim, criado do Cadete Queirós; Jerónimo, criado do Capitão Cordeiro; Diogo, criado do Tenente Magalhães;

Tem-se descoberto mais por autores dos assassínios os seguintes: Manuel Bernardo Pestana Goulão, Juiz de Fora de Vila Viçosa; O Governador de Estremoz;O Cirurgião Nobre Elias de Araújo, Capitão de Malta; Delfi no Cesário Veloso, Ajudante da Inspecção de Revistas; O Padre António Semedo; O Estalajadeiro Alturas, Há todos os motivos para crer que os acima ditos, com o Juiz de Fora de Estremoz, foram os que primeiro traçaram o plano dos assassínios dos presos: Os únicos homens que forcejaram quanto puderam, com risco de suas vidas, para salvar as infelizes vítimas, foram Francisco António Chichorro, Tenente da Companhia de Realistas de Monforte e Bernardino António Ferreira, Soldado de Cavalaria nº 7, e contingente em Cavalaria nº 2. Estes dois dignos e generosos homens foram os únicos que se arriscaram a benefício dos desgraçados presos, fazendo os maiores esforços, os quais não seriam inúteis, se as Autoridades os não frustrassem. Mas fi nalmente não podendo ser úteis àqueles por quem haviam exposto inutilmente, puderam ainda salvar duas infelizes Senhoras, que existiam na mesma prisão em companhia de

Page 23: Miolo 14

23

seu marido e pai, o qual também foi vítima, e elas testemunhas de tantos horrores.

Advertência 1ª – Apesar de todos estes factos serem públicos, e de se conhecerem os executores, e mesmo os autores, não houve até agora castigo algum; antes se andam gabando de tudo o que fi zeram, protestando continuar. 2ª – Estando ali tantas Autoridades, todas foram espectadoras, sem que alguma se opusesse. 3ª – O General, apesar de parecer de bons sentimentos, possuiu-se de tanto terror, que só cuidava na sua defesa. 4ª – Dias antes do dia dos assassínios apareceram pasquins contra o General, convidando o povo para se desfazer dele. À vista da exposição sobredita que nos veio ter às mãos e cuja veracidade abonamos, e por ela respondemos, está demonstrado que a lei fundamental da usurpação era não haver lei, e que o usurpador tem a propriedade da vinagreira, que azeda os melhores líquidos que se lhe comunicam; porque nos Anais da História Portuguesa não se encontra exemplo de que Portugueses armados e soltos assassinassem Portugueses desarmados e presos. Esse Capítulo de baixeza, desonra e crime de lesa humanidade estava reservado para entrar nos fastos de Miguel o usurpador: a tirania e a fraqueza, qualidades sempre inseparáveis, de que ele era possuído, eram tão epidémicas que logo se pegaram aos que com ele tiveram contacto. Destas verdades temos bastantes provas nos seis anos de usurpação. Quanto a tirania bastará lerem-se as Gazetas de Lisboa dos mesmos seis anos; e quanto a fraqueza, não é preciso mais do que recordar-nos de que o usurpador principiou a guerra civil à testa de setenta mil escravos bem armados e municiados, e com imensos recursos; e sempre vencido em grosso, e em detalhe por menos de dez mil homens livres, sem outros recursos mais do que a inteira confi ança que tem no Augusto

Chefe e Autor das Liberdades Portuguesas, que os comanda, e nas suas próprias forças, vai acabar a guerra, e a si mesmo, com um exército esfarrapado, aterrado e debandado; fi cando desta forma debelados os inimigos da Nação e da Rainha, sem auxílio estrangeiro. Não se nos diga que Espanhóis intervieram nisso por nossa conta; pois todo o mundo sabe que quem os cá chamou foi a alta política do conselho do usurpador. Temos ouvido gabar a alguém o carácter dos miguelistas pela sua constância e obstinação em se não renderem, nem aceitarem as amnistias depois de tantos revezes e no maior apuro; o que seria tão digno de louvor, se os direitos dos dois pretendentes fossem iguais na questão, como é criminoso para um partido perjuro, o qual ipso facto não pode ter alguma ideia de honra. Semelhante constância e obstinação do partido miguelista não tem sido mais do que uma teima brutal, só própria dos burros, que ninguém é capaz de os tirar da vereda que seguem, por mais que os ensinem e pancadas que lhes dêem.»

No «Periódico dos Pobres do Porto» nº 146 de 5 de Julho de 1834, vem publicada uma carta enviada por um dos supostos algozes dos assassinatos, assinada pelo ex. Tenente – Coronel de Cavalaria nº 2, Vitorino Pinto Barreto, datada de 28 de Junho de 1834, com o seguinte teor:

«Snr. Redactor. – Tive a satisfação de ler o seu Periódico n. 136; mas muito me magoei ao ler o artigo que trata do execrando crime perpetrado nas pessoas das inocentes vítimas, que jazeram no Castelo de Estremoz, onde eu então era, que a tamanho azar um infausto destino me levou, e fez a minha desgraça nesse dia e de todos enquanto conservar a triste memória de tão negro facto pelo sumo dissabor e consternação que sentiu e sente ainda a minha alma, sentimento e mágoa que só deixarão de ter cabida em homens que já estejam degradados da espécie humana por sua corrupção, e que por isso nem esse nome lhes

Page 24: Miolo 14

24

caiba. E como assim poderia eu ser um dos autores de tão nefanda maldade, como falsamente se me atribui, eu em toda a minha carreira militar nunca fui mais do que um instrumento passivo das ordens que me eram intimadas, sem me intrometer em partidos, nem tomar parte no calor das revoluções, que tanto têm fl agelado a nossa infeliz pátria, que a isso fui sempre determinado pela pureza das minhas intenções, e um génio demasiado pacífi co; apreciando mais que tudo o sossego na minha casa e quinta, entregue aos desvelos da lavoura; e só quando era chamado ao Serviço Militar, era com displicência como arrancado do meu repouso. Longe de mim inculcar a V. pelas falsas asserções e calúnias invectivadas que se levantam contra a minha honra e humanidade de que penas intrigantes e malévolas intenções de inimigos meus enganaram a V., e por isso lhe rogo que se digne inserir no seu bem conceituado periódico estas, ainda que grosseiras linhas, em que eu me proponho a desenvolver a verdade de entre o caos em que a confundiram. Estando eu aquartelado no dia 27 de Julho, dia de memória, na Estalagem do Recoveiro do Batalhão Realista de Vila Viçosa, seriam 9 horas da manhã, sem saber o que se passava na Praça, chegou uma ordenança do General para que eu acudisse ao tumulto que havia no Castelo; montei a cavalo e na marcha encontrei o mesmo Generaljá na rua, onde já se ouviam tiros no Castelo.Ordenou-me que acomodasse o povo com boas palavras e no caso de contravenção, que empregasse a força, o que assim sucedeu; pois não aproveitando com as minhas instâncias e com a força das razões com que procurei chamar os malvados à obediência e ao dever, marchei depois com doze cavalos para o Castelo; tendo primeiro ordenado a um Ofi cial que se aprontasse com os mais cavalos do Depósito. Ali observei muito povo amotinado dando tiros para as janelas; e repetindo as mesmas diligências, mas inutilmente, para cessar aquela infame e cruel tentativa, a este tempo chegou o Tenente José Gonçalves com um destacamento, a quem ordenei que entrando dentro fi zesse sair para fora o povo; e vendo que

as minhas ordens se não cumpriam, fui eu em pessoa, e vendo um Carniceiro com um machado na mão arrombando as portas, presente o Juiz de Fora, a este me dirigi para me coadjuvar; mas este monstro riu-se e me deixou; depois dirigi-me ao tal Carniceiro, quis arrancar-lhe das mãos o machado; mas como a força me não auxiliava, e eu só recebia insultos e ameaças, desci e, montando a cavalo dirigi-me ao General para que ele tomasse as medidas que julgasse oportunas; o qual julgando o mal irremediável disse - que os deixasse – e eu à vista disto me uni na Praça ao mesmo General; e foi depois que aquelas infelizes vítimas foram sacrifi cadas à ferocidade daquele bárbaros.Eis Snr. Redactor, o que se passou naquele triste dia; e a Viúva e Filha de Francisco Pereira de Menezes podem depor a meu favor, pois foram testemunhas do meu comportamento em todo o tempo do meu comando; elas mesmo sentiram os efeitos da minha benefi cência, evitando-lhes insultos, aprontando-lhes cavalgaduras e todos os misteres. Espero merecer-lhe o obséquio de inserir esta logo no seu periódico para que a minha inocência apareça às vistas do público, e eu lhe protesto os votos do meu perpétuo agradecimento. - Vitorino Pinto Barreto, ex -Tenente - Coronel de Cavalaria nº 2 – Lebra, 28 de Junho de 1834»

Meio século mais tarde, o mesmo episódio é relembrado pelo historiador Oliveira Martins no seu livro « Portugal Contemporâneo» 1881 , nos seguintes termos: «…Entretanto, a um e outro lado do Reino, para cujo centro vinha desenlaçar-se a tragédia, desenvolvem-se episódios fúnebres. Em Estremoz morriam a machado os presos do castelo; no Porto ardiam os vinhos numa fogueira gigantesca: Impenitente, o miguelismo acabava como principiara: com um punhal e um Brandão aceso. Crise de um desespero histórico, devia concluir com incêndios e matanças. Esta era a sua natureza, a sua fatalidade, contra a qual protestaram em vão, os espíritos rectos que a Nação por engano possuía.

Page 25: Miolo 14

25

O episódio trágico dera-se a 27 de Julho, como desforra da surpresa de Lisboa: Havia no castelo de Estremoz umas dezenas de presos políticos vindos de Vila Viçosa; e a plebe desenfreada, que debalde pedira forças, decidiu fazer justiça por suas mãos. Começaram os tumultos: os presos eram reféns e responsáveis. Assaltaram o castelo, e as autoridades da vila, frouxamente, enviaram a defendê-lo uma escolta de cavalaria que se bandeou com o povo. Começou o ataque, a tiros e pedradas.Os presos defendiam-se dentro conforme podiam, principiando a matança por um que, ferido de bala, se deitou do alto da torre de menagem.Em baixo despedaçaram-no. O Alturas, estalajadeiro, comandava a plebe, na qual como sempre, a ferocidade das mulheres excedia a fúria dos homens. Ficaram célebre o Franco, o José Pepe, o Félix e o fi lho da Chouriça, com o barbeiro Felizardo e o alfaiate Rafael; mais célebres ainda a Biscainha, o António aguadeiro, a mulher do Lançarote e a terrível Bibi de má nota. Num instante se arrombaram as portas e a turba rolou pela sala ladrilhada, onde o machado tinha tanto a derrubar. Imagine-se o que as mulheres sofreram com os desgraçados. Num quarto separado, estava o Coronel Silva com a esposa e a fi lha: quando os assassinos investiram, as mulheres defenderam o velho. Eles pararam obedecendo a um instinto; mas logo a rapariga ferida desmaiou, e o instinto cedeu à fúria, e o coronel foi trucidado com os demais: (Relatório autêntico dos assas., etc.). Assim acabaram a machado as trinta e três pessoas; e ainda hoje, quem visitar a sala do castelo de Estremoz, onde o trágico episódio se deu, verá sobre os tijolos os sulcos feitos pelos gumes dos machados: Não vê já, nem o sangue que alagou o chão, nem a lascas de osso, as pastas de medula, os farrapos de carne, que os machados levavam consigo e cravavam no tijolo, ao bater de cada golpe… ...Trucidados os infelizes de Estremoz, queimados os vinhos de Gaia, destruída a riqueza

por uma guerra longa e devoradora, rareada a gente pelos combates e pela peste, o Reino achava-se como devia…»

Quase um século depois, em 1925, Eduardo de Noronha no seu romance históricoOS SALTEADORES DO NORTE refere-se ao assunto no seguinte extracto:

D. Miguel demorou-se um instante em íntima cogitação e logo inquiriu: - E o caso de Estremoz? Contaram-me que se tinham revoltado. - Escute Vossa Majestade o sucedido: no castelo de Vila Viçosa encontravam-se presos, há cinco anos, uns quarenta ou cinquenta malhados. - Parece que gente graduada… - Um brigadeiro, coronéis, majores, ofi ciais de todas as graduações, padres, crianças, etc. O Juiz de Fora da vila, Goulão, queria ser agradável a V. M., dando cabo deles. É dos tais amigos… - …Dos diabos! - O governador do castelo não lhe dava ouvidos e cumpria o seu dever. O juiz incumbiu alguém de espalhar o boato de que uma guerrilha liberal iria a Vila Viçosa para os libertar; nessa conformidade, induziu o governador a transferir os detidos para a Cova, prisão de ladrões e desertores. Não conseguiu nada… - Continua. - O juiz zangado com a correcção do governador, partiu para Estremoz e declarou ao general que não se responsabilizava pela segurança dos detidos, e que estes, para completa segurança, deviam ser transferidos para Estremoz. - O ódio partidário é uma coisa terrível! - Os presos marcharam, na realidade, em virtude de uma ordem levada por um dos ajudantes do general, de Vila Viçosa para Estremoz, às onze da noite de 5, escoltados por ordenanças e um pelotão de cavalaria 2 às seis da manhã do dia seguinte entraram em Estremoz, sendo logo insultados à entrada por um velho. A essa hora ainda ninguém conhecia a remoção dos malhados.

Page 26: Miolo 14

26

- Que fazia a tropa? - Metidos na prisão que lhes foi destinada, deram-lhes, para os custodiar, uma guarda de ordenanças, que logo principiou por os ultrajar. - Mas o general, isso sei eu, tinha ali tropa de primeira e segunda linha e uma companhia de voluntários realistas de Monforte! - Na prisão existiam duas senhoras, a mulher e a fi lha do coronel Francisco Pereira da Silva Sousa e Menezes. Toda a correspondência era aberta, sem excepção das duas pobres mulheres. - Como ocorreu o morticínio? - Apareceu casualmente em Estremoz um homem de Elvas, um malhado, que ali se refugiara. Viu-o um guerrilheiro da mesma cidade: Sem perda de tempo juntou vários desordeiros para o agarrarem. O pobre diabo fugiu para casa do juiz de Fora, Heliodoro José Rodrigues de Aguiar.A plebe seguiu-o e postejaram-no mesmo à vista da autoridade, que não envidou esforços para o salvar. - Foi um rastilho… - Sim, meu senhor; o povoléu marchou daí para a prisão. Enviada uma força comandada pelo sargento de cavalaria 2, Joaquim Manuel Mendes, os soldados ou não se impuseram ou mesmo se uniram aos rixosos para a hecatombe em perspectiva. A ânsia e as torturas dessa gente! - observou D. Miguel que, no fundo não era mau. - Os presos malhados estavam numa espécie de enxovia chamada o Armazém. Nela havia um pequeno quarto onde mal cabiam dois catres. O general mandara dar esse cubículo ao coronel Francisco Pereira da Silva Menezes, a seu requerimento, por ter em sua companhia a mulher e a fi lha, que nunca o tinham abandonado ao longo do acidentado cativeiro de cinco anos. - Pobres mulheres! Consinta o leitor que a narrativa do trágico incidente substitua o diálogo entre D. Miguel e José Luís da Costa. Os detidos liberais, aglomerados no armazém presenciaram, transidos de horror, a

adesão da força regular aos insultos do bando de carnífi ces. Correram a refugiar-se no quarto do seu desolado companheiro. Só lá couberam dez. Ali se conservaram hirtos, afl itos, esmagando-se, diminuindo o próprio volume o máximo que lhes foi possível. Do Armazém saíam gritos estridentes, suplicantes de pavor, gemidos angustiosos, agonias, estertores, uma geenia não concebida por poeta de imaginação mais exaltada. - Misericórdia!- Não me matem!- Ao menos acabem de uma vez!- Socorro!- Um padre para não morrer sem confi ssão.

(O autor não inventa. Esta narrativa acompanha com fi delidade o exarado num folheto, hoje raro, intitulado «Horrorosa Mortandade», sem designação de autor, impresso em Lisboa, em 1834, na imprensa da rua dos Fanqueiros, nº 129-B, com licença da comissão de censura). No Armazém caíra tudo aos golpes desapiedados de machados, de facas de matar porcos, de espadas, de chuços, de navalhas, de quantos instrumentos de morte se tinha munido a horda ávida de sangue. À sede de massacrar não escaparam sequer dois servos e um menino de seis anos. Ao morticínio seguiu-se o roubo, a espoliação de quanto representava algum valor. - Agora arromba-se a porta daquele quarto que ainda lá estão mais malhados – bradavam os possessos. - Jesus, meu Deus, que eles aí vêm – murmurou num tremor convulso a fi lha do coronel Menezes. Não se enganava a pungida menina. Os sanguinários arruaceiros enfurecidos com a vista do sangue em que nadavam as suas desditosas vítimas, arrojavam-se quais sedentas feras de encontro à porta na canibalesca intenção de a arrombar. Não cedendo ela a estes desesperados esforços, desfecharam-lhe inúmeros tiros e por último vibraram-lhe coléricas machadadas.

Page 27: Miolo 14

27

A porta vem dentro! – balbuciavam os refugiados com o terror pintado no semblante. - O melhor, o único remédio, é nós sairmos, falarmos com esses homens, a ver se conseguimos aplacar as suas iras – propôs a mulher do coronel Menezes. - Assassinam-nos selvaticamente, sem obterem nenhum resultado favorável – argumentaram os detidos ali aglomerados. - Mais uma razão – ripostou a fi lha. Se é inevitável a nossa morte, tentaremos ao menos que ela sirva a alguém. As duas senhoras, heroicamente teimosas, insistiram em abrir a porta. Os energúmenos, ao desenharem-se os seus franzinos perfi s entre os umbrais e ao contemplarem os dois amargurados rostos, sulcados pelas lágrimas que lhes borbotavam aos cachões dos olhos avermelhados, recuaram. - Que querem? Estamos prontas a sacrifi car as nossas vidas para salvar as dos entes que nos são caros – propôs a mãe. - Estamos dispostas a entregar-vos o pouco que possuímos, contanto que não façais mal a quem nenhum mal vos fez – aduziu a fi lha. - Os magarefes de carne humana, quedaram-se, perplexos. Não contavam com esta intervenção. Não renegavam o sanguinário desígnio, mas, por um resto de tardia clemência, que lhes fi cara dentro da alma, lembrando-se talvez vagamente das mulheres, das irmãs, das fi lhas, suspenderam a onda de abominável rancor e procuraram com a vista alguém que lhes indicasse o procedimento adequado ao nefando intuito. Chamaram e veio o tenente da primeira companhia de Cavalaria 2, José Gonçalves. Com ele efectuaram uma rápida conferência. - Minhas senhoras: o melhor é saírem desse quarto e mesmo do Armazém. - Tal não faremos! – responderam as duas ansiosamente, com energia. - É melhor para as senhoras. - Somos nós a sua única protecção. - Não; tudo menos sairmos daqui. - Dou-lhes a minha palavra de honra que

ponho sentinelas à porta do quarto para defender os que estão cá dentro. As duas alanceadas damas mostraram um momento de indecisão. O tenente Gonçalves aproveitou-o. - Porque não põe os guardas connosco aqui? - Porque não cabem em espaço tão pequeno; os lugares deles são os que as senhoras ocupam; demais, há ainda outra razão… - Qual? - Saindo as senhoras, o povo imaginará que só as duas estavam no quarto, e que não há mais ninguém na prisão; só deste modo posso garantir as vidas aos que lá se encontram. A razão era convincente. Acederam. - Bem, deixaremos esta porta. - E a prisão também. - Ah, isso não! Por mais que o tenente Gonçalves teimasse em as fazer sair, não condescenderam. O coração adivinhava-lhes o tredo conluio. Permaneceram à entrada do Armazém, num pequeno repartimento que servia de quarto ao ofi cial da guarda. A ansiedade das duas confrangidassenhoras não as descreve o mais eloquente escritor. Ainda bem não tinham aí entrado, desviando os olhos do espectáculo sinistro dos cadáveres espalhados pelo vasto e lôbrego âmbito quando os seus ouvidos se alvorotaram com as exclamações dilacerantes: - Socorro! - Ai, que me matam! - Valham-me! - Misericórdia! Num supremo arranque de instinto de conservação, o coronel Sousa e Menezes, o cadete José Maria de Queirós, o fi lho primogénito do visconde de Ervidosa e o Major Manuel José de Azevedo, tinham, num esforço sobre-humano, vindo na ressaca do cubículo até ao Armazém: - Senhor! Deus! Meu marido! - Meu pai!

Page 28: Miolo 14

28

Soltando estas torturadas exclamações, as duas infelizes mulheres, num ímpeto de leoas, abriram caminho por meio do oceano encapelado da gentalha, de forma a rasgar um corredor para salvar os entes queridos, a despeito das cacetadas, dos golpes de machado e de outras armas que lhes vibravam. Servindo-lhes de escudos, defenderam-nos por largo tempo. Esta heróica resolução impressionou de certa maneira o sanguinário povoléu. Acalmou-se-lhe um tanto a dementada fúria. Então, um soldado, Bernardino António Ferreira, dirigindo-se a um dos seus camaradas, disse-lhe: - Eh, rapazes, então nós vamos deixar matar estas mulheres e estes homens como se fossem cevados?!... - Ah, isso não! – responderam os inter-pelados, decididos a tudo. Os quatro militares colocaram-se ematitude de opor efi caz defesa à violência da turba.Não era preciso. A canalha, saciada momentaneamente, repousava da hórrida e impiedosa tarefa. Talvez não tivesse continuação o repugnante drama, se alguém, mais ferino que os chacais ocultos nas selvas, não ateasse o bravio incêndio. Afi rma-se que o Juiz de Fora Aguiar, consultado, a correr, sobre o atroz incidente, ordenara: - Mata tudo! Que não escape nenhum! Nesta altura aparece de novo o tenente José Gonçalves que, dirigindo-se aos soldados, lhes determinou: - Saiam daí para fora! Retirem!

Extinguira-se a última esperança.Os desventurados iam ser implacavelmente imolados. Não desanimaram ainda desta vez as duas senhoras, Centuplicavam-lhes as forças a noção do dever, uma infi nita ternura, um inquebrantável espírito de sacrifício. Com a eloquência do perigo falaram aos canibais com um vigor, que ninguém suporia em corpos tão débeis, aparavam e desviavam as cutiladas despedidas pelos infames verdugos. Estes compreenderam que, enquanto

estivessem ali esses modelos vivos da abnegação, não realizariam o seu facinoroso objectivo. - Eh, fora! Lavra! - Saiam! - Não as queremos aqui. - Vamos, nem mais um instante! - Rua, que é sala de cães! - O que merecem é que se lhes faça o mesmo! Proferindo estas palavras, aferraram as infelizes e empuxaram-nas. A excitação em seres tão delicados tornara-se de tal modo intensa, que os seus esforços de resistência passiva inutilizavam os de uma porção de homens embravecidos por dementada sanha - Nada, tem que ser! Queixem-se de si! - O malvado que proferia estas palavras levantou uma enorme moca e descarregou-a na mais nova das senhoras. A inditosa menina, ferida de gravidade na cabeça baqueou sem sentidos. - Ai, que mataram a minha fi lha! A experimentada mãe não pôde proferir mais nenhuma palavra nem esboçar outro qualquer movimento; nova cacetada sibilou no ar e a piedosa dama deu consigo no chão, desfalecida. - Não se perde nada; não tornarão a gerar mais malhados! Os perversos arrastaram os corpos das duas senhoras para fora do Armazém. Preparavam-se par exercer nelas as mais imperdoáveis sevícias. Nesse instante o tenente Chichorro e o soldado já mencionado, Bernardino António Ferreira, com uma intrepidez digna de menção, interpuseram-se entre elas e os patifes. O tenente gritou: - Alto lá! Não se envergonham de tanta covardia?! Esquartejaram o marido e o pai; agora querem matar a mãe e a fi lha? Assassinos! O primeiro rompante dos miseráveis acentuou-se no manifesto intento de selançarem sobre os dois denodados militares e não deixarem deles senão gotejantes fragmentos.Não o fi zeram porquê? A coragem impõe-se sempre, muito em especial quando é sublime a justiça. Ambos arrastaram para fora do medonho tablado,

Page 29: Miolo 14

29

amparando-as com cuidado, arrancando-as à hedionda visão, as duas atormentadas senhoras. Em menos de meia hora tinham sido trucidados com os piores requintes de crueldade trinta e dois homens cheios de vida, na fl or da existência. No fi nal da mortandade escapara com feridas de menor importância o cadete Queirós. Uma bala atravessou-lhe o arcaboiço, sem lesar órgãos essenciais. Pretendeu salvar-se. Num formidável rasgo de audácia furou um trilho através da alcateia de lobos. Alcança, num esforço hercúleo, as escadas da prisão. Distende-se num salto, que qualquer celebridade acrobática invejaria. Calculava que os tipos fi cassem aturdidos e pudesse evadir-se do horrendo matadouro.Na realidade, a Morte, da mesma forma que o gato a brincar com o rato, consentiu-lhe a ilusão de salvamento durante segundos. Os monstros breve voltaram a si do pasmo inicial. - Agarra, agarra, que foge! - Matem-no. - A ele! - Não o deixem. A atmosfera enegreceu com a saraivada de pedras e o detonar de muitos tiros cobriu com estridência o uivar feroz da matilha. O perseguido caiu. Atacou-o, no meio de vaias, de impropérios, sangrando-o com todos os objectos perfurantes ali a jeito, a turba, entre a qual se evidenciavam os soldados Joaquim Henriques e Marcelino José. Horrores só possíveis nas guerras civis!»

Em 28 de Fevereiro de 1948 o «Correio da Feira» publicava um artigo sobre o Massacre de Estremoz de autoria de J. D. Milheiro Fernandes na sua rubrica «Notas para a História da Feira», no qual terminava assim: «…Mas neste massacre de Estremoz perdeu a vida o Major Manuel José de Azevedo, da Feira, tio-avô do meu querido amigo e antigo companheiro de Colégio, o Dr. Manuel de Azevedo Aguiar Brandão, da Casa de Rio Maior, de Paços de Brandão. Tem, pois, este meu e nosso amigo, pergaminhos familiares de Liberal, e quando alguns disserem que ele é absolutista, não acreditem».

O assunto ainda foi referido no mesmo jornal de 6 de Março pelo Dr. Vaz Ferreira na sua rubrica «Ferro Velho» e em 20 de Março, outra vez por J. D. Milheiro Fernandes.

Ainda hoje (2005) o episódio é recordado em Estremoz através de publicações turísticas referentes à história do castelo, publicadas pela Câmara Municipal de Estremoz e pelo Grupo Pestana, concessionária da Pousada Rainha Santa Isabel, mas sobretudo numa das crónicas que Joaquim d’Estremoz (prof. Joaquim José Vermelho) escrevia no jornal local «Brados do Alentejo», na rubrica «Nas Lavras do Tempo…sementes e raízes», a que deu o título de «Uma página de sangue e vergonha». Do livro que reuniu estas crónicas, publicado em 2003 pelas Edições Colibri e pela Câmara Municipal de Estremoz, transcrevemos em seguida a referida crónica: «Vinte e sete de Julho de 1833, último dia da feira de Santiago. Desde o início do mês que se observam localmente certos movimento que se afi guram geradores do agudizamento de tenções que têm vindo a marcar o dia a dia destes últimos anos. Alguns elementos, responsáveis pela segurança e paz local possíveis, denunciam comportamentos suspeitos, como o Juiz de Fora de Estremoz Heliodoro José Rodrigues Aguiar, Manuel Bernardo Pestana Goulão, Juiz de Fora de Vila Viçosa, o Comandante da Divisão General Augusto Pinto, pessoal do Quartel General e alguns graduados de Cavalaria 2. Algo se vem preparando e o alvo são os presos políticos liberais de Castelo. O Juiz de Fora de Estremoz e o de Vila Viçosa denunciam mesmo um qualquer entendimento que leve à provocação dum acto extremista, ao tentarem persuadir o governador de Vila Viçosa a transferir os presos políticos do Castelo ducal para os reunir aos do Castelo de Estremoz. Como o Governador não se vem mostrando disponível a cedências às variadíssimas manobras dos referidos juízes, estes actuam em Estremoz e conseguem que o Secretário

Page 30: Miolo 14

30

do General esteja presente em Vila Viçosa com uma ordem que intima o Governador da referida vila, à tão desejada transferência. E entre as 17 e as 23 horas de 5 de Julho, as ordens cumprem-se, os presos perdem a segurança do governador e partem daquela vila com chegada a Estremoz entre as 6 e 7 da manhã do dia 6, esgotados, pela caminhada e pelo terror, sempre escoltados por ordenanças de Cavalaria2, sendo desde logo introduzidos na prisão que lhes destinaram no Armazém do Castelo, guardados por ordenanças dos quais sofreram os maiores enxovalhos. E o processo continua a desenvolver-se nos dias seguintes, sem que os presos consigam, apesar de várias tentativas, melhorar as suas condições físicas e morais. Os seus carrascos são implacáveis porque os seus superiores o consentem e os estimulam mesmo. Com os acontecimentos a nível nacional, que ao longo do mês vão dando êxitos à actividade dos liberais nalguns pontos chaves do país, o nervosismo dos adversários cresce e leva-os à necessidade de uma demonstração de força. Aparecem mesmo pasquins, incitando o povo a desfazer-se do General que não dá a resposta que se impõe No derradeiro dia da Feira de Santiago, o assassinato de um indivíduo de Elvas, que é reconhecido por um elemento da Guerrilha daquela praça fronteiriça acende o rastilho. O desgraçado bem procurou fugir e refugiar-se na casa do Juiz de Fora, mas a plebe perseguiu-o e matou-o à vista daquela autoridade, que nada fez para o evitar. Depois deste acto, de sangrento desfecho, os ânimos exaltados, confrontam o juiz, o que lhe deu exigindo a liquidação dos presos do Castelo, ao que ele acaba por anuir. Seguiu a plebe endemoniada para o terreiro do Castelo, conduzida pelo sargento de Cavalaria 2, Joaquim Manuel Mendes. Mais tarde se lhe juntou o juiz, o que deu mais força loucura do grupo

assassino que de todos os meios se serviu para acabar com a vida dos prisioneiros. Uma outra versão dos acontecimentos refere que, no dia 25 de Julho, o Alturas, estalajadeiro conhecido pelo general Alturas, pelas quatro horas da tarde, apareceu no recinto da feira aos gritos de Vamos ao Armazém! Matem-se os malhados! À frente de um grupo de mariolas que havia sido encarregado de arregimentar e que com ele fazia coro para aquecer os ânimos. Nestes primeiros momentos do tumulto não se tomaram quaisquer medidas de segurança, nem da parte do Juiz nem de qualquer outra autoridade. Até mesmo, quando uma hora depois, chegou a guarda de cavalaria, esta nada fez em defesa dos presos, acabando por juntar-se à plebe, participando nos actos de cega selvajaria como ela. A forma como foram cevados os sentimentos de ódio sem olhar a meios, como se de outros seres humanos não se tratasse, indignou toda a gente de um e de outro lado dos campos adversários, localmente e país fora, mas foi bem ilustrativa de muitos e outros semelhantes actos que ocorreram durante aquele período em que os interesses e as conveniências de há muito instalados de alguns, ameaçados de liquidação e morte, os levava a um desespero não menos cego e a manipular a plebe para esta proceder às execuções que importavam, pela brutalidade da força física, fi cando-se nas retaguardas, de mãos limpas, permanecendo hipocritamente na sombra vestidos de falsa inocência e até de vítimas, eles, os verdadeiros carrascos. Ontem, como hoje… tudo se passa semelhantemente. Continuam a rolar cabeças e a surgirem clamores dum certo estado de coisas gerado e posto em prática por aqueles a quem as mudanças sociais mais atingem e incomodam.E o recurso à multidão que não pensa, não refl ecte, que a emoção domina, levada por ancestrais humilhações e espezinhamentos, por uma sede de justiça nunca saciada, sempre recalcada, continua

Page 31: Miolo 14

31

a ser usada a servir a perversão de outros sectores da sociedade com novos meios de crueldade só aparentemente menos brutais porque mais subtis. Trinta e oito elementos de Cavalaria 2 se confundiram com essa plebe que incitaram, deram força, matando e roubando. Dezanove paisanos identifi cados como de Estremoz, de entre os quais se destacaram pelos seus bárbaros instintos, três de Arronches, cinco mulheres que só se dedicaram a roubar. Nenhum deu mostra de piedade. Estavam senhores de que faziam justiça, satisfazendo antigas e adiadas contas por ajustar. Figuras principais: dois juízes de fora, um major, um tenente e um sargento de Cavalaria 2…e um civil – um conhecido e popular estalajadeiro, o Alturas, com certa infl uência na plebe. Cerca de doze anos depois de tão localmente festejada implantação do liberalismo que registamos na lavra anterior, o processo passou por distorções diversifi cadas, envolveu nacionais e estrangeiros nossos fi éis amigos, dois irmãos atirados um contra o outro – D. Pedro e D. Miguel – alimentando o jogo de interesses em campo.

Nunca é fácil alterar o que está de há muito instalado na sociedade, entendido como direito sagrado de uns tantos, esquecidos de que, afi nal, esta é algo que se encontra em constante transformação. Páginas de sangue e de vergonha marcaram em muitos pontos do pais esse período de lutas fratricidas – dum e doutro lado – sempre as mais cruéis e dolorosas que acontecem entre os homens, lamentavelmente até mesmo depois de assinada a Convenção de Evoramonte que procurou pôr termo ao confl ito que deixou o país de rasto».

No fi m da guerra civil todos os miguelistas, incluindo os assassinos de Estremoz, foram amnistiados por D. Pedro, contra a opinião de muitos liberais e a maioria do povo português, com nos conta o almirante Charles Napier, (que tinha entrado ao serviço dos liberais portugueses em 1832), no seu livro «A Guerra

da Sucessão – D. Pedro e D. Miguel», publicado em Inglaterra em 1836 e em Portugal em 1841:«A generosidade de D. Pedro em dar uma plena amnistia aos miguelistas, foi mal recebida em Lisboa, e o sentimento público manifestou-se fortemente na ópera, onde teve lugar uma cena muito desagradável. Miguel não merecia, por certo, tão brando tratamento: a sua má conduta, e a do seu ministro tinham arruinado algumas das mais respeitáveis famílias em Portugal, e muitos tinham estado emparedados em calabouços por alguns anos; e não posso deixar de pensar que algum saudável castigo não teria feito mal a Miguel, nem aos seus principais satélites …» Do casamento de Manuel José Azevedo Brandão com D. Maria Rita de Castro houve 3 fi lhos:

2.2.1 – Arnaldo de Azevedo Brandão

2.2.2 – Camilo de Azevedo Brandão 2.2.3 – Ana de Azevedo Brandão

2.2.1 – O Arnaldo nasceu na Casa da Torre ou da Capela em Paços de Brandão a 11 de Agosto de 1806, em cuja igreja foi baptizado pelo abade Jerónimo Lopes em 14 do referido mês, sendo padrinhos João de Azevedo Aguiar Brandão e D. Maria Pais dos Santos, seus tios (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 65 ). Foi tenente – coronel e coronel graduadode Infantaria 6; foi agraciado com a medalha deCavaleiro da Ordem Militar de S Bento de Avis e daOrdem da Torre e Espada. Faleceu solteiro comtestamento aprovado a 16 de Junho de 1860 peloescrivão do juiz de paz da freguesia de Grijó, na suaCasa da Póvoa de Baixo, na mesma freguesia deS, Salvador de Grijó a 18 de Junho de 1860(Livro de Assentos da freguesia de S. Salvador de Grijó, fl s. 38). De Margarida da Costa, do lugar da Póvoa de Grijó, viúva de António Pereira de Oliveira, teve dois fi lhos bastardos:

Page 32: Miolo 14

32

2.2.1.1 – Maria de Azevedo Brandão

2.2.1.2 – António de Azevedo Brandão

2.2.1.1 – A Maria nasceu no lugar da Casa da Póvoa de Baixo, freguesia de Grijó e casou com Vicente Pereira Maria, falecido a 12 de Abril de 1877 de quem teve 2 fi lhos: Angelina e António.

2.2.1.2 – Do António nada se sabe. 2.2.2 - O Camilo nasceu na Casa daTorre ou da Capela em Paços de Brandão a 15 de Julho de 1808, sendo baptizado pelo padre JerónimoLopes em 21 de do referido mês, sendo padrinhos Manuel Alves Lopes, abade coadjutor de Paçosde Brandão e D. Bárbara Margarida Amália de Castro, do lugar de Curveiros da freguesia de Grijó (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.69 v.). Faleceu solteiro.

2.2.3 – A Ana nasceu em Grijó e casou com escritura de dote que lhe fez sua mãe, lavrada a 26 de Janeiro de 1836 nas notas de José António de Araújo e Castro, de Vila Nova de Gaia, com Manuel João dos Santos, do lugar da Póvoa de Grijó a 9 de Outubro de 1870. Deste casamento houve 5 fi lhos:

2.2.3.1 – Quintino de Azevedo Brandão, que faleceu solteiro a 10 de Julho de 1865.

2.2.3.2 – Henrique de Azevedo Brandão, morador no Porto.

2.2.3.3 – Arnaldo de Azevedo Brandão, morador no lugar do Laborinho de Baixo, freguesia de S. Cristóvão de Mafamude, casado.

2.2.3-4 – Delfi na de Azevedo Brandão que faleceu solteira a 16 de Outubro de 1876.

2.2.3.5 – Albina de Azevedo Brandão que faleceu solteira a 22 de Outubro de1871.

Casa do Engenho Novo em Paços de Brandão.

2.5 - João José de Azevedo Aguiar Brandão foi, como se disse atrás, fi lho de Manuel José de Sá Pereira Aguiar e Melo e de D. Maria Paisdos Santos. Nasceu a 31 de Dezembro de 1793,em cuja igreja foi baptizado pelo abade Jerónimo Lopes em 2 de Janeiro de 1794, sendo padrinhos Manuel Pinto de Almeida, fi lho de José Francisco Lamase de sua mulher D. Maria de Almeida Pinto e Joana, solteira, fi lha de Manuel Pinto, de Paços de Brandão (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.31 v.).Foi o iniciador da Casa do Engenho Novo e senhorda Casa da Torre ou da Capela, de Quinta da Bréviae da Quinta do Matoso, em Paços de Brandão. Foi bacharel formado em fi losofi a e medicina pela Universidade de Coimbra, fi dalgo da CasaReal, comendador da Ordem de Cristo, cavaleiro da Ordem de Torre e Espada por serviços distintos prestados quando grassava em Portugal a epidemia da febre amarela e da cólera morbus (1848), deputado às cortes (1860-61), vereador da Câmara Municipal da Feira (1836) e Juiz de Paz do Distrito de Anta, comarca da Feira (1854). Como parlamentar vem mencionado no «Dicionário Biográfi co Parlamentar, 1834-1910, vol. I A-C», direcção de Maria Filomena Mónica, 2004, nos seguintes termos:

«AZEVEDO, João José de (?-?). Em 1861 foi nomeado, por um ano, substituto do juiz de Direito da Vila da Feira. Deputado em duas legislaturas, ambas pela Vila da Feira, 1860-1861 (não consta o dia do juramento) e 1861.1864 (juramento a 10.6.1861). Subscreveu duas propostas, uma, com mais 27 deputados, para renovar a iniciativa do projecto de lei, apresentado a 25.1.1859, para se pagarem, por inteiro, aos egressos das extintas ordens religiosas, as prestações que lhes eram devidas, revogando o Decreto de 22.8.1843, outra para alterar o projecto da estrada de Arouca a Oliveira de Azemeis. Enviou para a mesa várias representações relativas ao concelho da Feira, entre as quais: dos proprietários de fábricas de

Page 33: Miolo 14

33

papel contra a proposta de lei de contribuição industrial cujo cálculo os punha em risco de pagarem um tributo que excedia o rendimento; da Câmara Municipal pedindo nova lei do recrutamento porque os lavradores não achavam quem trabalhasse para eles; do povo da Vila da Feira apoiando o de Ovar e Oliveira de Azeméis, requerendo ramal de estrada que, partindo de Ovar, entroncasse com a do Porto a Lisboa. Ainda a propósito da rede viária interpelou o ministro das Obras Públicas sobre a urgente necessidade de mandar construir um ramal de estrada que ligasse a estação do caminho de ferro de Esmoriz à estrada real do Porto a Coimbra. Como membro da Comissão de Revisão das Pautas, subscreveu os projectos de lei que autorizavam o Governo a alterar a cobrança de direitos de portagem na ponte que, em Vila Meã, atravessava o rio Odres e o que atribuía uma nova pauta à Alfandega do Funchal. Subscreveu um projecto de lei que fi xava os ordenados dos procuradores da Coroa em 1.200$00 réis anuais e o que criava novas cadeiras na Academia Politécnica do Porto, possibilitando aos alunos que as cursavam o acesso aos diferentes cursos das escolas do Exército e Marinha. Foi, em 1864, um dos deputados designados para fazer parte da deputação que iria apresentar ao rei alguns autógrafos dos decretos da Câmara. Integrou as comissões de Revisão das Pautas Alfandegárias (1860-1861) e Comércio e Artes (1861-1863).M. J.M.»

Eis algumas das suas intervenções:

« O sr. João José de Azevedo: - Sr. Presidente, mando para a mesa uma representação da Câmara Municipal da Vila da Feira, em que pede a reforma das leis do recrutamento, porque naquele concelho muitos lavradores se queixam de que não têm quem lhes faça as suas lavouras; e outras de alguns povos do mesmo concelho, reclamando contra as medidas de fazenda apresentadas pelo governo»

Diário da Câmara dos Senhores Deputados, 25 de Maio de 1860

« O sr. João José de Azevedo: - Sr. Presidente mando para a mesa uma representação da Câmara Municipal do Concelho da Feira, secundando a suplica que os povos do seu concelho, de Ovar e de Oliveira de Azeméis dirigiram a esta câmara, em que se pede um ramal de estrada que, principiando na vila de Ovar, vá, por a freguesia de Souto, entroncar na estrada real do Porto a Lisboa na freguesia de Arrifana, ou S. João da Madeira. As vantagens que podem resultar da feitura daquela estrada são de tal transcendência e acham-se tão exactamente ponderadas, tanto nas representações como pelos seus apresentantes, que para esta câmara bem as avaliar Seria ocioso o repeti-los aqui, e por isso só me limito a pedir que sejam tomadas na sua devida consideração»

Diário da Câmara dos Senhores Deputados, 1 de Junho de 1860

Discussão na especialidade do projecto de lei nº 45 sobre o aumento de contribuições. «O sr. João José de Azevedo: - Vou mandar para a mesa a seguinte proposta. (Leu). Eu abstenho-me de fazer largas considerações em sustentação desta emenda, mas não posso deixar de dizer à Câmara que ela é justíssima, e que se as fábricas de papel forem obrigadas a pagar mais do que aquilo que proponho, o resultado será fecharem-se. Não digo por espírito de partido; porque quem votou os caminhos de ferro e as estradas tem obrigação de votar os meios para eles se fazerem; mas parece-me que a taxa que no projecto se estabelece para esta indústria é demasiada, e podendo acontecer que se ela for obrigada a pagar aquilo que se propôs no projecto, muitas fábricas se fechem, isto será um grande transtorno para os povos que daí se sustentam. Mando pois para a mesa a minha PROPOSTA: Artigo 3º nº1 – Tabela A:Papel de escrever, cada tina 2$400Papelão ou papel pardo, cada tina 1$200Foi admitida»

Page 34: Miolo 14

34

Diário da Câmara dos Senhores Deputados, 5 de Junho de 1860

Ainda sobre esta personalidade a Drª. Maria José Santos no seu livro «A Indústria de Papel em Paços de Brandão e Terras de Santa Maria (Séc. XVIII-XIX)», Ed. Câmara Municipal da Feira, 1997, escreve o seguinte:

«Nasceu em Paços de Brandão, em 1793. Sem desmerecer as restantes actividades a que se dedicou, teve uma vida preenchida pela política nacional e autárquica e por uma actividade intensa como médico – cirurgião. Foi, sem dúvida, um grande industrial. De facto, não o podemos classifi car de modo diferente quando pensamos que, em meados do século XIX, este senhor do papel chegou a ser proprietário da Fábrica do Engenho Novo, da Fábrica do Zabumba e da Fábrica da Azenha de Baixo. Se é verdade que as duas primeiras lhe chegaram às mãos pela bondade do Padre José Pinto de Almeida, a Fábrica de Papel de Azenha de Baixo foi por si fundada em 1844»

Numa tentativa de conseguir uma equiparação aos privilégios de que gozava a Fábrica de Alenquer, e esperando ser melhor sucedido do que fora o Padre José Pinto de Almeida em 1816, João José apresentou um requerimento em 1826, alegando não se ter poupado a esforços para aperfeiçoar o papel manufacturado na fábrica, contribuindo deste modo para «tolher a exportação de mui grossas somas em género de diário consumo e urgente necessidade Na sequência deste pedido, é feito um auto de exame e averiguação à Fábrica do Engenho Novo mas, apesar do parecer favorável do Governo Civil do Porto, mais uma vez a Fábrica do Engenho Novo foi preterida relativamente às de Alenquer e de Soure. O pedido de concessão dos mesmos privilégios atribuídos à Fábrica de Alenquer, apresentado por João José, foi do seguinte teor:

«22 de Julho de 1835 Senhora

Diz João José de Azevedo, Proprietário Nacional da Real Fábrica de papel de Passos de Brandão, que Estabelecia seu Tio o Padre José Pinto de Almeida da mesma, Termo da Villa da Feira, em que se lhe consedeo a Graça de todas as Izensoens, Liberdades, e Previlegios que Gozão tais Estabelecimentos na Conformidade da Provizão incluza, 31 de Julho de 1816. E sendo notório os grandes benefícios que a Augusta e Generosa Mão de V.M. derrama sobre os seus afurtunados súbditos, Honradas as Siencias Premiando as Artes, e Protegendo o Commercio. O suplicante porem Súbdito sempre Fiel a maior de todas as Rainhas e como Português Honrado que deseja Patrizar, e ser útil à sua Nação, não se tem poupado a nenhum sacriffi cio, e dispêndio para levar à maior perfeição pocivel, o papel manufacturado na dita sua Fabrica, que vai tolher a exportação de mui Grossas Sommas de diário consumo, e urgente neseçidade: E para mais augmento da mesma Fabrica, e suavidade de manter, e conservar os Emoregados nella, Supplica a V.M.F. a Graça de confi rmar no Supplicante a Portaria incluza, Communicando-lhe todas as Graças, Liberdades, e Privilégios Consedidos a Fabrica de papel d’AlemQuer, no Alvará 2 de Agosto de 1802, e assim da Nobreza, e Habito de Christo. Pede a V.M.F. se digne tomar debaixo da sua emediata Proteção, hum tão importante Ramo da Industria Portugueza facultando ao Supplicante todas as Graças Consedidas a Fabrica de AlemQuer, em forma especifi ca, e pleno Poder Real por ser em beneffi cio do bem Publico e commercio interno Nacional João José d’Azevedo Lisboa 22 de Julho 1835»

AHMOP, MR 59, Processos de concessão de títulos a fabricantes par continuarem a laborar nas suas indústrias, 1835-1842»

Page 35: Miolo 14

35

Em Agosto de 1835, a Fábrica do Engenho Novo é sujeita a um auto de averiguações sobre o estado da fábrica, do seguinte teor:

«31 de Agosto de 1835

Auto de Exame aberigoação do estado actual em que se acha a Fabrica de papel de João José de Azevedo de Passos de Brandão. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos trinta e cinco aos trinta e um dias de mez de Agosto nesta Freguesia de Passos de Brandão e caza do engenho de papel do requerente João José de Azevedo onde foi vindo o Sub Prefeito desta Comarca Pedro Alexandrino Chaves para effeito de satisfazer ao que lhe era ordenado pelo Excelentíssimo Prefeito do Douro em Offi cio do primeiro deste mez quarta repartição segunda Sessão Numero quarto que acompanhava o requerimento do mesmo requerente para cujo fi m o mesmo Sub Prefeito fez vir perante si a Antonio André de Carvalho desta Freguesia, o Reverendo Jeronimo Joze Lopes Abbade da mesma e ao Reverendo João Baptista Abbade de Lamas e vezinho do engenho, por ser bem informado de que erão pessoas boas, intelligentes e conhecedores da Fabrica, e sendo elles prezentes lhes mandou, debaixo de juramento que lhes (ilegível) vissem e observassem o estado em que se achava a mesma Fabrica com todos os seus apprestes e utençilios pertencentes a ella, e do que achassem dessem sua informação com verdade e clareza, o que prometterão fazer, e procedendo a ver e examinar o referido na prezença do Sub Prefeito achavão que a Fabrica estava em grade tõm que tinha todas as maquinas imprensas de primeira e segunda ordem, e em duplicado para a manufactura do papel: que tinha três grandes selindros incluzive hum de bronze de nova invenção e custo exorbitante que fazião excelente papel. Informarão que este engenho empregava diaramente de quarenta a secenta pessoas: Que anualmente fazia e vendia cinco a seis mil resmas de papel de diferentes qualidades: Ultimamente dissérão que dipois que

o requerente era o Senhor da Fabrica e a estava deregindo tinha levado a grande perfeição o papel: Que era a melhor de todas as fabricas e por conhecerem o talento, actividade, génio e grandes meios que tinha o requerente em poucos annos faria o papel de todas as qualidades sem difernça alguma na qualidade dos papeis estrangeiros. E por ser verdade o que os informadores acharão e disserão assignarão este auto com o Sub Prefeito. Eu Manuel Pereira da Cunha e Costa Monteiro Amanoense da Sub Prefeitura da Comarca da Feira o escrevi no impedimento do Secretario. Chaves Sub Prefeito O Abbade interino Jerónimo Joze Lopes O Abbade João Baptista Pinto António André de Carvalho

AHMOP,MR 59, Processos de concessão de títulos a fabricantes para continuarem a laborar nas suas industrias, 1835-1842.«

Em 12 de Março de 1836 o Governo Civil do Porto exara o seguinte parecer sobre o pedido de privilégio apresentado por João José de Azevedo:

12 de Março de 1836

Governo Civil Do Porto Ex.mº e Dig.mº Senhor João José de Azevedo

Devolvo a V. Excia o requerimento de João José d’Azevedo que acompanhou a Portaria de 27 de Julho, pedindo confi rmação da Provisão para a sua fabrica de papel, sita em Passos de Brandão, Commarca da Feira. A Authoridade Administrativa local, a quem foi a informar o requerimento, participa que esta fabrica estabelecida há muitos annos, tem progressivamente melhorado pela acquisição

Page 36: Miolo 14

36

de novas, e custosas maquinas, e que fabrica actualmente muito bom papel como se vê das amostras adjuntas; que no seu trafi oo, e laboração emprega muita gente, o que evidentemente he demonstrado pelo augmento da população, e edifi cação do logar em que se acha a Fabrica, depois do seu estabelecimento. A vista pois desta informação, e do auto d’exame adjunto parece que o Supplicante está inteiramente nas circunstancias de merecer a Graça que solicita. Deos Guarde a V. Excia Porto 12 de Março de 1836 Ill.mo e Ex.mo Snr. Luiz da Silva Mousinho de Albuquerque Pelo Governador Civil António Luís d’Abreu Secretario GeralGoverno Civil do PortoDeve-se passar provizãoPara as legitimas isenções nosTermos da Lei e estilo.Lisboa 14 de Abril de 1836

Datado de 18 de Agosto de 1838, João José de Azevedo apresenta um requerimento a oferecer ao Estado a produção de papel sem recorrer ao trapo, durante um período de 4 anos:

1838

Senhora

Diz João José de Azevedo, Proprietário da Real Fabrica de Papel de Paços de Brandão, Julgado da Feira, que tendo lido no Diário do Governo de 9 de Abril corrente anno Nº 85, a offerta, que se fazia ao mesmo Governo de fazer papel sem empregar matéria de trapo, pedindo o exclusivo de cinco annos, sobre o que o Governo mandou pôr en concurso para convidar quem o fi zesse por menor prazo de tempo, segundo o artº 14. til. 2 do Decreto de 16 de Janeiro de 1837: em vista do que o Supplicante faz a mesma Offerta pelo espaço de

quatro annos, e espera desempenhala dignamente, porque a muitos annos he Fabricante de Papel

Pede a Vossa Magestade seja servida acceitar com perferencia à offerta do Supplicante, concedendo-lhe sua Patente, e para o que se promptifi ca a satisfazer aos Requezitos que forem Legais. Como Procurador Manuel do Nascimento Figueiredo Lisboa 18 de Agosto de 1838 João José de Azevedo

Não tem logar a concessão de Patente Por este fabrico, visto não se tratar de Novo invento, nem da introdução dele (1)

AHMOP, MR, Processos de concessão de títulos a fabricantes para continuarem a laborar nas suas industrias. 1835.1842.

Nota escrita a lápis, no original

Em 1860 assina com seu irmão Francisco José e outros industriais do papel a seguinte «Convenção dos Fabricantes de Papel do Concelho da Feira»

5 de Outubro de 1860

Nos abaixo assignados proprietários de papel, digo, de fabricas de papel no Concelho da Feira, considerando:

1º Que os nossos papeis são, em geral, dos menos conceituados em relação aos de outras fabricas do Paiz de idêntico systema, que se os não apurarmos de modo que possão competir uns com os outros em qualidade e preço, teremos necessariamente de suspender a sua fabricação por nos não ser possível comportar tão grande differença, muito principalmente se continuara alta do preço a que tem, chegado a sua matéria prima;

Page 37: Miolo 14

37

2º Considerando que hua das cauzas constituintes da depreciação e baixa dos nossos papeis provem do modo irregular pouco apreciado e menos respeitozo, com que os nossos operários cuidam dos seus deveres, cada qual no seu mister a seu cargo; 3º Considerando fi nalmente, que para se mover similhantes defeitos o não poderemos fazer cabalmente, ainda que para isso nos esforcemos com todos os meios e sacrifícios emquanto nos conservarmos izolados, independentes, e não formarmos entre nos um compromisso, que ponha termo a similhantes abuzos.

He por todas estas considerações, que estamos justos e contactados em assignar e sustentar a convenção seguinte:

Art, 1º Fica desde já prohibido aos signatários deste compromisso o admitir nas suas fabricas operário algum de um ou outro sexo, que tenha saído das suas fabricas, sem pleno consentimento por escripto do proprietário, ou gerente dessa fabricas, donde tenha saído, ainda mesmo que tenha sido despedido; Art. 2º Haverá um exemplar do theor deste contracto para cada um dos signatários; Art.3º Quando algum dos compromettidos neste tractado não quizer continuar no compromisso, o que não he de esperar, assim o fará saber, com as suas razões escriptas, aos outros signatários, enviando-lhes o seu exempla. Feita aos 5 dias do mez de Outubro de 1860 e sessenta.

João Jozé d´Azevedo Joaquim de Sá CoutoFrancisco Jozé d’Azevedo Jozé Moreira Pinto Francisco Alves da Cruz Manuel Pinto d’AlmeidaJosé Moreira da Costa Jozé Joaquim dos ReisJozé de Sá Couto Lourenço Alves da Silva

João José de Azevedo Brandão foi o principal herdeiro do Padre José Pinto de Almeida, o fundador da Fábrica do Engenho Novo, por volta de 1820/25,

na altura em que ele entra para a família dos Pinto de Almeida, através do seu casamento com D, Inácia dos Anjos Athaíde de Sousa, viúva do capitão Custódio Pinto de Almeida, realizado a 25 de Dezembro de 1822 na igreja paroquial de S. Cipriano de Paços de Brandão, na presença do abade Jerónimo Lopes. Deste casamento houve 4 fi lhos:

2.5.1 – Maria Augusta de Azevedo Aguiar Brandão

2.5.2. – Josefi na de Azevedo Aguiar Brandão

2.5.3 – José Azevedo Aguiar Brandão

2.5.4. – João de Azevedo Aguiar Brandão

2.5.1 – A Maria Augusta nasceu em Paçosde Brandão a 9 de Agosto de 1823 e nesse mesmo dia foi baptizada na igreja desta freguesia pelo abade Jerónimo Lopes de Sousa, sendo padrinhos seu tio paterno Francisco José de Azevedo Aguiar Brandão. Casou contra vontade de seu pai na Capela doSolar do Morgado de Paramos, Francisco Pinto Henriques de Menezes a 11 de Novembro de 1844, com Manuel Pinto de Almeida, senhor da Casa da Portela emPaços de Brandão, fi dalgo cavaleiro da Casa Real, capitão da 6ª companhia do Extinto Batalhão Nacional de Caçadores da Vila da Feira, Comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora de Vila Viçosa, Procurador à Junta Geral do Distrito de Aveiro, Administrador do Concelho da Feira. Juiz de Paz Substituto de Anta, Comarca da Feira, tendo sido chefe do Partido Progressista da Feira 1865-1869). Foi senhor da Casa da Portela, da de Linhares e Barroso, da Azenha, da Capela de Santo António, no lugar da Portela de Baixo e faleceu na sua Casa da Portela a 10 de Fevereiro de 1889, estando sepultado no jazigo de família em Paços de Brandão. A Maria Augusta faleceu no Porto a12 de Março de 1889.

Do seu casamento com Manuel Pinto de Almeida houve 2 fi lhos:

Page 38: Miolo 14

38

2.5.1.1 – Augusto de Azevedo Pinto de Almeida

2.5.1.2 – Manuel Pinto de Almeida

2.5.1.1 – O Augusto nasceu na Casa da Azenha a 3 de Novembro de 1847 e faleceu com testamento na Guarda a 1 de Outubro de 1897, onde se tinha retirado para cura da tuberculose que tinha contraído, estando sepultado em jazigo de família no cemitério de Paços de Brandão. Tinha casado no Porto a 10 de Outubro de 1883 com D. Leopoldina Geraldes Vilar, nascida a 17 de Dezembro de 1865, fi lha de Francisco Alves Pinto Vilar, 1º ofi cial da Repartição da Fazenda do Distrito do Porto e de sua mulher D. Genoveva de Castro. Cursou a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, fi dalgo cavaleiro da Casa Real (Documentação da Casa da Torre de S. João de Ver), secretário do Tribunal Administrativo do Porto e era senhor da Casa do Engenho Novo, da Portela de Baixo e da Azenha. Ficou com a Fábrica do Engenho Novo por testamento de seu tio, João de Azevedo Aguiar Brandão. Do casamento de Augusto de Azevedo com D. Leopoldina Geraldes Vilar houve 2 fi lhos:

2.5.1.1.1 – Maria do Céu Azevedo Vilar Pinto de Almeida

2.5.1.1.2 – Augusto de Azevedo Vilar Pinto de Almeida

2.5.1.1.1 – A Maria do Céu nasceu na Casa do Engenho Novo e casou com D. António Fernandez, cidadão espanhol, e foi senhora da Casa e Quinta do Engenho Novo. A Casa da Portela de Baixo, à morte de seu pai, fi cou para a sua mãe que casou segunda vez, em Lisboa, com Luís Andrade Fino. Maria do Céu faleceu sem fi lhos.

2.5.1.1.2 – O Augusto faleceu criança.

2.5.1.2 – O Manuel Pinto de Almeida nasceu

na Casa da Portela em Paços de Brandão e faleceu em Matosinhos em 1914. Casou com D. Maria Eugénia Bastos de Pinho. Deste casamento houve 2 fi lhos: 2.5.1.1.2.1 – Eduardo Pinho de Almeida

2.5.1.1.2.2 – Ema Pinto de Almeida

2.5.1.1.2.1 – O Eduardo foi licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, senhor da Casa da Portela. Casou com D. Maria Perfeito de Magalhães Vilas Boas. Deste casamento não houve fi lhos. Faleceu em Paços de Brandão a 18 de Maio de 1926.

2.5.1.1.2.2 – A Ema faleceu criança.

2.5.2 – A Josefi na foi senhora da Casa do Engenho Novo, da Torre ou da Capela e dos Prazos chamados das Pousadas e da Fonte em Paços de Brandão. Nasceu na Casa do Engenho Novo a 24 de Fevereiro de 1826, foi baptizada pelo abade Jerónimo Lopes a 26 do referido mês, sendo padrinhos José Francisco Fernandes Sanctin, por procuração do Padre José Pinto de Almeida e Francisco José de Azevedo Brandão, seu tio paterno, por procuração de Bento José Soares, da cidade do Porto (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 107 v.). Faleceu solteira na Casa do Engenho Novo a 24 de Maio de 1894, com testamento feito a 29 de Janeiro de 1893, aprovado no mesmo dia por Manuel Maria Correia de Sá, tabelião na Feira.

2.5.3. – O José foi senhor da Casa da Portela de Baixo em Paços de Brandão e nasceu na Casa do Engenho Novo a 22 de Agosto de 1828, em cuja igreja foi baptizado pelo abade Jerónimo Lopes, sendo padrinhos José dos Santos Pais, senhor da Casa de Moure, freguesia de Lamas, seu bisavô materno, Dr. Maria Pais dos Santos, sua avó materna (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.226). Faleceu solteiro na Casa da Portela de Baixo a 24 de Junho de 1887, estando sepultado em jazigo de família no cemitério de Paços de Brandão.

Page 39: Miolo 14

39

2.5.4. – O João foi fi dalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo, Vereador da Câmara Municipal da Feira (1876), procurador da Junta Geral do Distrito de Aveiro (1882), Juiz Ordinário do Distrito de Paços de Brandão, senhor das Casas do Engenho Novo e da Torre ou da Capela. Nasceu a 19 de Agosto de 1830 e foi baptizado na igreja de S. Cipriano de Paços de Brandão pelo abade Jerónimo Lopes que foi seu padrinho (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s 232. Dirigiu a Fábrica do Engenho Novo ainda em vida do seu pai, pois este havia-lhe dado sociedade conforme consta no testamento de João José Azevedo Aguiar Brandão (Livro de Registos de Testamentos, 1866, fl s. 12 a 25 v.) – Arquivo Histórico de Santa Maria da Feira. Pinho Leal no seu livro «Portugal Antigo e Moderno» (Pág. 395), referindo-se à Fabrica do Engenho Novo, escreve: «Há n’esta freguesia várias fábricas de papel, sendo a mais notável a do logar do Engenho Novo, do senhor João d’Azevedo Aguiar Brandão, por ser a mais importante, no se género, em todo o concelho» Faleceu solteiro na Casa do Engenho Novo a 3 de Fevereiro de 1885 legando a Fábrica do Engenho Novo a seu sobrinho Augusto de Azevedo Pinto de Almeida.

Nota: - A última proprietária da Casa e Fábrica do Engenho Novo, D. Maria do Céu Azevedo Vilar Pinto de Almeida, depois de viúva vendeu as mesmas propriedades a uma fi rma do Porto que, por sua vez, as vendeu à Câmara Municipal de Santa Maria da Feira que transformou a Quinta em Parque Municipal.

Casa de Riomaior em Paços de Brandão

2.6 – Francisco José de Azevedo Aguiar Brandão, era, como se disse atrás, fi lho de Manuel José de Sá Pereira Brandão Azevedo Aguiar e de D. Maria Pais dos Santos. Nasceu na Casa da Torre ou da Capela, em Paços de Brandão, a 10 de Abril de 1796,

em cuja capela foi baptizado pelo abade Jerónimo Lopes de Sousa que lhe deu os santos óleos em 11 do referido mês, sendo padrinhos, Manuel, seu irmão e D Teresa Fernandes Carvalho, de Paços de Brandão (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s. 40). Foi o iniciador da Casa de Riomaior, Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo (Decreto de 28 de Abril de 1837), vereador da Câmara Municipal da Feira e Juiz de Paz e Órfãos na freguesia de Paços de Brandão. Casou na igreja paroquial de Paços de Brandão a 9 de Novembro de 1837, na presença do coadjutor da freguesia de Lamas, padre João Baptista Pinto, com licença do encomendado da freguesia, padre Jerónimo Lopes, com D. Maria José de Portugal e Vasconcelos, fi lha de António Bernardino Vasconcelos, tenente-coronel comandante do Regimento de Milícias da Vila da Feira (1823),vereador do Senado da Câmara da Feira (1836), senhor da Quinta do Murado, na freguesia de Moselos e de sua mulher D. Maria Isabel Calhordas Portugal, fi lha de José Leandro Bettencourt e de sua mulher D. Maria Isabel Calhordas Vasconcelos (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.152 v.). Manuel José e D. Maria Pais dos Santos fi zeram a seu fi lho Francisco José, a 6 de Novembro de 1818, uma escritura de doação e nomeação nas notas de Manuel Ferreira de Oliveira, tabelião. Do casamento de Francisco José com D Maria José houve uma fi lha, Rosina que nasceu na Casa de Riomaior a 25 de Maio de 1839, em cuja igreja foi baptizada pelo encomendado padre Jerónimo de Sousa em 30 do dito mês sendo padrinhos, João José de Azevedo Aguiar Brandão e sua mulher D. Luísa Inácia dos Anjos Ataíde e Sousa (Livro de Assentos de Paços de Brandão, fl s.167 v.) e faleceu a 31 de Julho de 1839. Francisco José divorciou-se de sua mulher em 1845, depois de um longo processo litigioso. Sobre esta personalidade, a Drª. Maria José Ferreira dos Santos no seu livro «A Indústria doPapel em Paços de Brandão e Terras de Santa Maria (séculos XVIII-XIX), Edição da Câmara M. de Santa Maria da Feira, 1997, traça o seguinte perfi lpolítico e humano:

Page 40: Miolo 14

40

«Francisco José de Azevedo Aguiar Brandão, da Casa de Riomaior, foi indiscutivelmente o fabricante que mais nos seduziu ao longo de todo este trabalho, não só pelo seu temperamento controverso e polémico mas, acima de tudo de uma forma apaixonada e fascinante. Os princípios liberais que norteavam Francisco José de Azevedo levaram-no a uma participação activa na guerra civil, colocando-se, sem medos, ao lado da facção progressista. Durante o cerco do Porto afi rmou-se como um liberal, «concorrendo para o bom êxito daCausa da Rainha e da liberdade da Pátria, e por íngremes e espinhosos caminhos e com perigode sua vida e bens deu as mais exaustas notícias e movimentos do exército sitiante, escritas pelo seu próprio punho (…) – palavras do Marquês de Saldanha, a quem Francisco José deAzevedo Brandão, em 6 de Outubro de 1834, enviara uma petição para que lhe fossematestados os serviços que prestara à CausaLiberal durante o Cerco da Cidade do Porto,dando parte de todos os movimentos dos Rebeldes. Neste contexto de guerra civil, Francisco José de Azevedo foi correspondente dos jornais «Chronica Constitucional do Porto» e do «Periódico dos Pobres do Porto». Seria interessante proceder a um levantamento dos artigos de FranciscoJosé de Azevedo, nestes dois periódicos liberaisda cidade do Porto, embora o facto destes artigos não serem assinados pelo autor difi culta uma atribuição correcta dos mesmos. Porém,quando é indicada a procedência dos artigos, esta análise simplifi ca-se: (« carta que recebemos do Distrito da Feira, Periódico dos Pobres do Porto, nº13, 29 de Janeiro de 1834). E quando a esta indicação se segue um discurso. Frontalmente denunciador de situações pouco transparentes em volta da autarquia do concelho, todas as nossas reservas críticas caem por terra, porque o estilo deste fabricante de papel é, de facto, inconfundível. Vejamos um exemplo retirado do Periódico dos Pobres:

«Notícias do interior

Immediações da Feira, 7 de Julho Queira inserir no seu Peródico o desengano dos Portugueses, para que se não deixem iludir dos embustes dos Miguelistas , que trabalham com todas as suas forças para serem votados nas eleições Parochiaes, como acontece nesta Comarca, onde os mais perversos andam a subornar os Povos para votarem nelles» ( Periódico dos Pobres de Porto, nº 43. 29 de Janeiro de 1834).

«Finda a guerra, em 1835, o editor da «Crónica Constitucional, João Nogueira Gandra, editor e membro da comissão de Redacção da «Chronica Constitucional do Porto», entre 1832 e 1834, dando testemunho do papel deste nosso fabricante em favor da causa da Rainha D. Maria II declara ter sido Francisco Azevedo (…)«o correspondente para apontar e enviar ao papéis impressos do inimigo, para se haver conhecimento delles, e refutar as doutrinas, mandando-se-lhe os nossos periódicos para passarem por aquellas paragens». Reconhecendo-lhe o valor, D. Maria II agraciou-o, anos mais tarde, com a Ordem de Cristo. Mas a luta pela liberdade e justiça não acaba para Francisco José de Azevedo com o fi m da guerra civil. Pelo contrário. Nem o casamento entretanto realizado contribuíra para acomodar este temperamento participativo, impulsivo e um tanto confl ituoso. Nem mesmo o Engenho de fazer papel lhe conseguia absorver tanta vontade de viver. Assim o explica o profundo envolvimento de Francisco José de Azevedo na autarquia como Juiz de Paz e Órfãos na freguesia de Paços de Brandão e como vereador da Câmara Municipal da Feira. É na qualidade de vereador que, em 1846, encontramos o seu nome à cabeça de uma lista de quatro procuradores das freguesias do Concelho da Feira, denunciando a arbitrariedade por parte do presidente da Câmara na distribuição do orçamento e lembrando as atribuições das Câmaras Municipais.

Page 41: Miolo 14

41

Este abaixo - assinado ter-lhe-ia custado algumas inimizades. De facto o documento é polémico para a época. Aliás, sê–lo-ia para qualquer época como podemos ver a seguir:

Ill.mº e Ex.mo Snr Prezidente, e Membros do Conselho de Distrito Os abaixo assignados Eleitos Procuradores das freguesias do Concelho da Fira vem perante este retissimo Conselho de Distrito reclamar o seu direito ofendido, e a Justiça do Povo, que representão; direito, que lhes foi tolhido pelo Prezidente da Camera Municipal, na Reunião, em que todos juntos havião de tomar em consideração a emportancia dos Rendimentos, e dispesa do Município, e o meio d’acorrer a ellas. Ao abaixo assignados observarão, que muitas economias se podião fazer no Orçamento; que a Câmera lhes apresentou, porem inhividos de votar, só lhes resta o dezafogo do seu Protesto exarado na Certidão junta, e o doce meio do seu recurso perante este Respeitável Conselho, aonde esperâo obter Justiça. A Portaria que o Prezidente da Câmera se fi rma para restringir a Votação aos Membros da mesma Câmara he estranha no prezente cazo, e alheia de todo o fundamento porquanto a incalcada Portaria caduca desde a reação do Código Administrativo em vigor: Bella lembrança foi por certo a da Portaria para as Câmeras Municipais faxerem, o que quizerem. As atribuiçõens das Câmeras Municipaes com toda a sua amplitude tem todavia suas restriçons, marcadas no Codigo, e se limitão a Consultivas, e deliberativas nos termos do Artº82551; Os deveres das Cameras Municipaes são consultar, e deliberar sobre todas as necessidades do Município; e que a maior necessidade, que a da economia, onde não há dinheiro? Se os povos de fora da Villa tem sido sempre victimas do abuso do Poder e dos Partidistas, porque hão de continuar a sellos? É como pagar-se o Jornal, a quem não trabalha.

Muitas Municipalidades há no Reino,aonde não há Medico nem Cerurgião, e para que há-de a Camera da Feira a Commullar os dois Partidos por mero Luxo, aonde não há Hospital, nem azillo de Mendicidade, e menos ainda Botica paga? Tempo houve, que para se obter hum Partido Pago pelo sobejo das Sizas (havendo-o) se requeria Provizão ao Dezembargo do Paço, e este mandava à Camera ouvir o Clero, Nobreza e Povo; E como então podem as Cameras agora crearem Partidos a seu belprazer sem o Consenço dos Povos,e por elles pagos? Assas temos mostrado, que as Cameras Municipaes exurbitão das suas atribuiçons:que ellas não podem tolher os Procuradores Eleitos do Direito de Votação, Direito, que se acha consignado no Citado Artº 82 nº2º; que toda adeliberação tomada sem a maioria relativa he nulla; que não devem haver Partidos aonde não ha Hospitaes, ou Azillos de Mendicidade, e Botica paga. Não obstante o Contraprottesto do Procurador Fiscal, elle para a cobertalhar o seo Prezidente; melhor elle pugnara pelo Império da Ley; parece que os Dereitos do Povo, Seos Constituintes merecem algum sufragio. Hé nesse sentido, que ao abaixo asignados relamão Perante este Rectíssimo Conselho de Districto os seos votos prejudicados, e os declarão pela Supressão de hum dos Prtidos, e pella redução do outro na forma do seu protesto. A alta Sabidoria deste Respeitavel Conselho se dignará tomar na Sua emediata consideração o exposto, servindo-se ordenarà Camera a Supressão do Partido da inportancia de 200 000 reis e aredução de 100 000 reis para quarenta mil reis, e que tanto basta para tratar dos Expostos, Prezos, visto, que o Povo se nega a Contribuir para mais Partidos, de que não tem partilhado beneffi cio algum: E no que este rectíssimo Conselho ganhará novos Dereitos ao amor, e gratidão dos Povos, se de novos Dereitos carec. Os Procuradores Eleitos às freguesias do Concelho da Feira

Page 42: Miolo 14

42

Francisco Jozé d’Azevedo Joaquim Fernandes Joaquim Joze Milheiro Coelho António de Souza e Silva João Cardozo da Cruz António Domingues da Siva Joze Pinto Carvalho Manoel Dias António de Souza Manoel Alves da Silva Manoel Alves ds Santos Manoel Gomes Pinto Manoel da Motta Valente Manoel Luiz Vieira Manoel Antonio Manoel Alves Moreira António Alves da Silva Luís Fernandes da Motta António Domingues Antonio Joze Alves Joze dos Santos João de Fontes António Henriques João da Silva É um discurso marcado pela simplicidade e frontalidade, sendo também revelador da mentalidade capitalista deste industrial: Num contexto autárquico provinciano, não é um qualquer vereador que tem a coragem de desmontar os compadrios partidários ou de apontar a necessidade prioritária de uma política social: «Muitas municipalidades há no Reino, aonde não há medico nem Cerurgião, e para que há-de a Comarca da Feira acommullar os dois Partidos por mero Luxo aonde não há Hospital, nem Azillo de Mendicidade, e menos ainda Botica paga.» É um homem do papel que assim fala em meados do século XIX. É de facto uma personalidade sedutora pelos princípios que defende e pelo sentido de justiça e de solidariedade que demonstra. A actualidade das suas palavras é bem demonstrativa da forma de estar na vida deste nosso primeiro industrial.

A vida não lhe passou ao lado de um modo sereno. O seu espírito activamente crítico não o permitiu. Decerto por isso mesmo foi, em termos autárquicos, um exemplo de modernidade. As suas intervenções são marcadas por uma agressividade contida, mas sempre humanitária e social».

Francisco José fundou a sua Fábrica de Cima, em Riomaior, Paços de Brandão, em 1825 e foi a mais importante fábrica de papel de Riomaior durante todo o século XIX. Na Exposição Nacional das Indústrias Portuguesas realizada em Lisboa em 1863, foi concedida uma medalha de cobre a Francisco José de Azevedo, pela qualidade do papel de escrita produzido na sua fábrica. Por volta de 1840, Francisco José de Azevedo construiu uma segunda fábrica, contígua à primeira, conhecida no lugar de Riomaior, por Fábrica de Baixo, por oposição à fábrica mais antiga – a de Cima Francisco José de Azevedo, requereu, em 1826, ao rei D. Pedro IV que lhe fosse concedida a isenção do pagamento de Portagem na cidade do Porto à semelhança de outra fábricas de papel do país, nos seguintes termos:

1826

Senhor

Diz Francisco Jozé d’Azevedo da freguesia de Passos de Brandão, da Villa da Feira,que depois de varias Fabricas de Papel estabelecidas na quella situação , e seos Admenistradores,e Proprietários obterem Graça de V. Magestade para fi carem izemptos de pagar Portagem na cidade do Porto, onde se consomem os productos das ditas Fabricas, tem o Supplicante huma do mesmo, que para mais augmento della, e suavidade de manter, e pagar aos seos Empregados,e Jornaleiros, e ainda mesmo a competente Decima, q que hé obrigado, Roga a idêntica Graça de não pagar a mesma Portagem na quella

Page 43: Miolo 14

43

Cidade, sendo-lhe Livre da mesma a exportação que pratica do dito Papel. Pede a V. Magestade se digne conceder-lhe a Graça, que implora. Como procurador Caetano Joaquim de Valladares Por Ordem para informação ao Superintendente da Alfandega respectiva(…) Lisboa 21 de Junho de 1826.

Dom Pedro por Graça de Deos Rey de Portugal e dos Algarves d’Aquem, e d’Alem Mar em Africa Senhor da Guine. Mando a vós superintendente da Alfandega do Porto, que vendo o requerimento retro de Francisco Joze de Azevedo, Me informeis por este Tribunal do Conselho da Fazenda sobre o seu contheudo interpondo o vosso parecer. Cumprio assim. El Rey Nosso Senhor o Mandou pelos Ministros abaixo assignados do seu Conselho e do de sua Real Fazenda. Custodio Canuto do Coutto Lopez, a fez em Lisboa aos dezoito de Julho de mil oito centos vinte e seis Joaquim de Souza Pereira P. a fez escrever. A 5 de Julho de 1827, Francisco José de Azevedo recebe a real concessão de Privilégio da Fábrica de Papel de Escrever, concedido pela Infanta Regente dos Reinos de Portugal e Algarve, D. Isabel Maria, nos seguintes termos: 5 de Julho de 1827

Registo da Provizão de Privilegio da Fábrica de Papel de Escrever de Francisco Joze de Azevedo de Passos de Brandão.

Donna Izabel Maria Infante Regente dos Reinos de Portugal e Algarves, e seus Dminios em nome de El Rey: Faço saber que Francisco Joze de Azevedo da freguezia de Passos de

Brandão termo da Villa da Feira, Me representou ter estabellecido em Rio Maior huma Fabrica com todas as Maquinas, e utensis necessários par fazer papel de Escrever, e por tanto Me Suplicava aGraça de a Authorizar com os conpetentesPrivillegios: Ao que tendo respeito, e constandome pela informação do Corregedor da respectivaCommarca, auto de Vistoria e mais diligencias a que o mesmo procedeo, que o Suplicante por sua capacidade bom arranjo em, que se acha a mesma Fabrica, se faz digno da Graça aque implora;Hei por bem authorizar a dita Fabrica de Papel de Escrever de que o Suplicante he Senhor;e lhe concedo todas as Graças izenpçoens, e privilégios que Legitimamente lhe competireme gozar tais estabelecimentos; Pello que:Mando a todas as Justiças e mais pessoasa quem o conhecimento esta pertencer que a cumprao, e goardem como nella se comtem e declara. A Senhora Infanta Regente em nomede El Rey o Mandou pelos Ministros abaixo assignados, Deputados da Real Junta do Commercio, Agricoltura, Fabricas e Navegação deste Reino e seos Dominios: Anselmo deSouza Machado Correia e Melo a fez.

Lisboa cinco de Julho de mil oito centos vinte e sette.

Desta oito centos reis; Joze Acursio das Neves a fez escrever; Joze António Gonsalves;Joze Acursio das Neves; Por despacho de cinco de Julho de mil oito, digo por Despacho do Tribunal de cinco de Julho de mil oito centos vinte sete; Registada a folhas cinquenta, e hum verso Livro primeiro; Cumprasse e registese. Feira trezede Julho de mil oito centos vinte e sette; Albano Pinto; Cumprasse e registese. Feira treze deJulho de mil oito centos vinte se sette. Nada mais comtinha a dita Provizão que da própria foi fazer o presente Registo a qual tornei a intregar ao próprio Suplicante que de como a recebeo assignou. Feira treze de Julho de mil oito

Page 44: Miolo 14

44

centos e vinte sette e Eu Luiz António Moutinho o sobscrevi e assignei

Luiz António Moutinho Francisco Jozé d’Azevedo

AHMSMF, Livro de Registo da Câmara da Feira do ano de 1827 a 1834, fl . 8/v.

Francisco José de Azevedo Brandão faleceu na sua Casa de Riomaior a 6 de Maio de 1872. De Teresa Pereira de Jesus, de Paços de Brandão solteira, teve 3 fi lhos que perfi lhou por escritura pública de 27 de Janeiro de 1860, lavrada nas notas de Joaquim Vaz de Oliveira, tabelião na Feira e que foram legitimados por Carta Régia de 6 de Fevereiro de 1861. Os três fi lhos foram:

2.6.1 – Maria José de Azevedo Aguiar Brandão

2.6.2 – Francisco de Azevedo Aguiar Brandão

2.6.3 – José de Azevedo Aguiar Brandão

2.6.1 – A Maria José nasceu em Paços de Brandão. Casou com Feliciano José Gomes. Deste casamento houve 2 fi lhos: Feliciano de Azevedo Brandão, bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra e residente no Brasil; e Augusto de Azevedo Brandão, que também faleceu no Brasil. A Maria José faleceu no Porto em 1903.

2.6.2 – O Francisco nasceu a 4 de Março de 1848. Foi vereador da Câmara Municipal da Feira, Juiz de Paz do Distrito de Paços de Brandão e senhor da Casa de Riomaior. Faleceu solteiro a 16 de Fevereiro de 1891.A ele pertenceu a Fábrica de Papel de Riomaior que dirigiu até à sua morte , passando para seu irmão José que também passou a viver na Casa de Riomaior.

2.6.3 – José de Azevedo Brandão nasceu em Paços de Brandão a 25 de Janeiro de 1851.Foi

Comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora de Vila Viçosa (Decreto de 21 de Novembro de 1907, publicado no «Diário do Governo» nº 275 de 25 de Dezembro de 1907). Foi vereador da Comissão Administrativa Municipal da Feira em 1908, tendo tomado posse no dia 2 de Janeiro conforme o «resumo do acto de juramento e posse da comissão da C. M. do Concelho da Feira, até se proceder à respectiva eleição», publicado no jornal «Correio da Feira» de 4 de Janeiro de 1908 e que a seguir se transcreve:

«Sendo 11 horas da manhã do dia 2 de Janeiro de 1908 pelo Secretário da Câmara, foi lido um ofíciodo Exmº. Sr. Administrador do Concelho em que comunica ser este o dia designado e às 11 horas da manhã, para tomar posse e prestar juramento a referida Comissão que é composta do presidente, bacharel Eduardo Vaz de Oliveira; vice-presidente, comendador José Azevedo Brandão; vogais efectivos, AntónioAlves Gomes, António Augusto de Brito, Henriqueda Mota Pereira, José Alves da Fonseca e JoséMoreira Garcia. Foi também presente um ofício do Exmº. Sr. Administrador do Concelho, em que comunica terem sido nomeados vogais substitutos da mesma comissão que hoje tomou posse, os Exmºs. Srs. José Joaquim da Volta e Silva, de Nogueira; Guilherme Alves Ferreira da Silva, de Louredo; Manuel da Costa Reis, de Riomeão; Francisco José de Pinho, de Travanca: Bernardino Ferreira, de Mozelos; Domingos Alves, de Mosteiro; e Joaquim da Rocha Couto, de Anta. O sr. Presidente apresentou os seus cumprimentos aos seus colegas, congratulando-se com o concelho por ver esse lugar desempenhado por um magistrado digno, como é o Exmº. Sr. Dr. Hermenegildo José da Silva Tavares, que pela sua muita ilustração, inteligência e correcção tem conquistado a simpatia do concelho. Disse ainda que confi ava que o sr. Secretário da Câmara prestaria à Comissão todo o auxílio que com toda a imparcialidade tem dispensado às vereações transactas, com a inteligência, ilustração e capacidade com que sempre tem desempenhado esse lugar.

Page 45: Miolo 14

45

A Comissão deliberou que as suas reuniões ordinárias tivessem lugar na sala dos Paços do Concelho, às quartas-feiras pelo meio - dia. Deliberou também que na forma dos anos anteriores se celebrasse a festividade do mártir S. Sebastião. Mais deliberou dividir o concelho em pelouros pelos srs.Vogais da Comissão pela forma seguinte: ao sr. Presidente, as freguesias da Feira, Sanfi ns, Fornos e Mosteirô; ao sr. Vice-presidente, as de Paços de Brandão., Oleiros, Lamas, Mozelos e Lourosa; ao sr. António Alves Gomes, as de Silvalde, Paramos, Anta e Nogueira; ao sr. António Augusto de Brito, as de Espargo, Travanca e Souto; ao sr. Henrique da Mota Pereira, as de Canedo, Lever, Gião, Vila Maior, Vale, Louredo, Fiães, Sanguedo, Lobão, Guisande e Argoncilhe; ao sr. José Alves da Fonseca, as de Riomeão e S. João de Ver; ao sr. Joaquim Maria Garcia, as de Arrifana, Escapães, Milheirós, Pigeiros, S Jorge e Romariz» Sobre a actuação política da comissão administrativa o Correio da Feira de 25 de Janeiro de 1908 insere a seguinte notícia: «A Comissão Administrativa Municipal decidiu, em sessão de 22 do corrente, que fi casse sem efeito a deliberação da Câmara municipal transacta que, em 18 de Dezembro pretérito, abrira concurso para adjudicação da exploração das águas minero-medicinais de S. Jorge e do exclusivo da sua venda. A Comissão Administrativa fundamentou a sua decisão no facto de serem prejudiciais ao município as bases daquele concurso».

Sobre o mesmo assunto e vindo em defesa da decisão da Comissão Administrativa o Correio da Feira de 1 de Fevereiro de 1908 insere o seguinte artigo: «O Comércio da Feira» responde brilhantemente ao último artigo do «Progresso» em que se combatem por uma forma infantil e impertinente as acertadas resoluções da comissão administrativa municipal. Essas resoluções não podiam deixar de merecer o nosso aplauso e são dignas também do apoio do concelho, foram as seguintes:

– anulação da deliberação da vereação transacta quanto ao concurso que abriu para a adjudicação da exploração das caldas de S. Jorge e exclusivo da venda das águas minerais. – suspensão da convocação dos quarenta maiores contribuintes para serem ouvidos sobre um novo empréstimo municipal como resolvera a mesma vereação substituída. - suspensão dos subsídios de lactação que assumiam proporções verdadeiramente fantásticas. Ora o «Progresso» pela pena impensada e sempre agressiva do seu director, que era também o presidente da última vereação, vinha atacar a comissão administrativa por actos que só merecem o melhor e o mais decidido louvor, perdeu uma boa ocasião de estar mudo e quedo qual outro penedo… Pretendendo mais uma vez enganar o concelho, cujos negócios há muito reclamavam uma orientação mais consentânea com o estado paupérrimo das fi nanças municipais, o «Progresso» anda mal avisado em vir provocar os que têm consigo provas esmagadoras contra a perniciosa gerência da última vereação. O artigo do «Comércio da Feira», ao mesmo tempo que defende sensatamente as justas resoluções tomadas pela comissão administrativa, justifi cando-as plenamente, increpa com toda a razão o «Progresso» e a vereação transacta. Quanto à adjudicação das Caldas de S. Jorge, repudiada por serem prejudiciais ao município as bases anunciadas, demonstra o «Comércio que o assunto é complexo e se prende com o plano de uma administração escrupulosa, que a anterior vereação não pôs em prática; e que, sendo as caldas de S: Jorge a melhor propriedade do município, a pretendida adjudicação não resolvia o problema das fi nanças municipais. Como criteriosamente se lê no «Comércio». As bases organizadas para tal concurso não continham lógica nem gramática, nem as mais rudimentares noções de aritmética, nem principalmente garantias para o município: parecem que eram feitas para ser aplicadas na lua. Não havia nessas bases coordenação de ideias nem sequência lógica e metódica. Havia, isso sim, incontestáveis proveitos para os adjudicatários em

Page 46: Miolo 14

46

prejuízo manifesto do município, pois que tudo se lhe dava por dez reis de mel coado». A respeito do novo empréstimo que a vereação cessante contraiu com o Crédito Predial prova que essa ruinosa operação seria «o preço do desleixo, da incúria dessa vereação e do favoritismo de que fez uso enquanto estava à frente dos negócios do município». E conclui o colega local por este período: «... de joelhos é que a vereação transacta e o snr. Dr. João de Magalhães, seu presidente, se deviam apresentar perante o concelho da Feira». Plenamente de acordo. Relativamente aos subsídios de lactação, mamadeira incomportável nas emagrecidas e desprovidas tetas do município, o «Comércio» responde não menos eloquentemente ao ataque do «Progresso». De facto, como aponta o «Comércio», « o que se estava passando com esses subsídios era uma vergonha perante a crise municipal e a própria lei, e favoritismo, sim, e dos mais desbragados e descarados» A frase é dura mas merecida. Realmente não tem desculpa a vereação transacta por conceder esses subsídios a quem não estava nos precisos termos da lei gastando por mês vinte e seis mil setecentos e cinquenta reis enquanto deixava de pagar à maior parte dos funcionários municipais, à Companhia do Crédito Predial e outras despesas obrigatórias fi cavam por satisfazer, com a agravante de que os subsídios não eram obrigatórios mas sim facultativos. E assim fi ca apagada a poeira que o «Progresso» quis levantar em volta das prudentes e atiladas medidas adoptadas pela comissão administrativa em contraposição de outras prejudiciais e intoleráveis. Como o «Correio da Feira» aplaudiu essas medidas da comissão administrativa e por tal motivo foi increpado pelo «Progresso», não podíamos deixar de vir a campo para sustentar as nossas ideias e acompanhar o «Comércio» na justa defesa de actos dignos de aplauso de todos os que – políticos e não políticos – se interessam pelos negócios municipais…»

Em 1905 fazia parte da Comissão de Benefi cência de Paços de Brandão, conforme notícia publicada no Correio da Feira de 24 de Março:

Pela Direcção Geral de Instrução Pública foi publicada na folha ofi cial de 19 de corrente a relação dos cidadãos que, nos termos do artigo 383 do regulamento do ensino primário, constituem, com o pároco e o professor respectivo, as comissões paroquiais de benefi cência neste concelho. Paços de Brandão: Manuel Pinto de Almeida, Dr. Eduardo Pinho de Almeida, Luís Ferreira Alves, Manuel Gomes Teixeira e José de Azevedo Brandão» Em 1915 pertencia ao Partido Republicano Evolucionista como nos confi rma a seguinte notícia inserta no «Correio da Feira» de 12 de Junho de 1915: «São delegados evolucionistas nas mesas eleitorais os seguintes cidadãos em Paços de Brandão: Comendador José de Azevedo Brandão, efectivo Padre António Augusto da Cunha Sampaio Maia, suplente»

A acção política e social de José de Azevedo Brandão não se confi nou ao seu concelho da Feira. Como proprietário em Espinho fez parte de uma comissão de cidadãos daquele concelho que se deslocou a Lisboa para solicitar junto do governo medidas urgentes para a defesa da Costa de Espinho que tinha sido invadida pelas ondas do oceano e tinha destruído quase todas as casas dos pobres pescadores, como nos informa a seguinte notícia publicada no jornal «O Dia» e transcrita no «Correio da Feira de 14 de Março de 1908: «Há quase dezanove anos que o mar furiosamente investe contra uma das mais pitorescas e mais laboriosas povoações da beira-mar e desde então, Espinho – é esta encantadora estância marítima a devastada pela fúria do Oceano – tem continuadamente, pouco a pouco, sido engolido pelas ondas que nada poupam, destruindo e submergindo dois terços já talvez da linda praia de Portugal. De tempos a tempos, desse pedaço do nosso litoral, erguem-se brados angustiosos. São os pescadores, essa boa e rude gente do mar que vê fugir-lhe, Oceano fora, as tábuas das suas casitas, do lar miserando onde albergam a sua pobreza, onde existem os seus afectos queridos, mães, esposas, fi lhos. As choupanas são destruídas, e eles sem abrigo e sem pão, invocam socorro, pedem pão, protecção, conforto, olhos

Page 47: Miolo 14

47

marejados de lágrimas a contemplarem a ingratidão do mar, o seu amigo, o seu companheiro de toda a vida. E nem preces nem rogos são ouvidos; e o Oceano continua a persegui-los, as ondas prosseguem sempre, sem descanso na sua fúria devastadora. Ao princípio as suas investidas destruiu apenas as habitações dos pescadores, da praia; depois foi o resto dessas pobres choupanas desconfortáveis e pouco higiénicas, mais tarde a água invade a Vila propriamente dita e são já propriedades de certo valor as devastadas, o novo mercado, a igreja e muitos outros edifícios de importância. O horizonte que a população antevê é tétrica, desolador, fúnebre. Tomem-se urgentes medidas radicais, obras especiais que impeçam o mar de avançar, de modo que se salve ainda o resto da pitoresca Vila, bem digna de melhor sorte pela sua indústria, pela belezas naturais que encerra, pela bondade dos seus habitantes, pela população laboriosa que dia a dia, vai arrancar ao mar, arriscando a vida, o pão quotidiano. É o que veio fazer a Lisboa uma comissão de proprietários, industriais, negociantes de Espinho que ontem chegou a Lisboa, composta dos srs. Marquês da Graciosa, capitalista; Augusto Gomes, industrial; Conde de S. João de Ver, capitalista; engenheiro André Proença, representante da Companhia do Vale do Vouga; Conde da Borralha, capitalista; engenheiro Fernando Bourbon, representante da Câmara Municipal; José Marques dos Santos, capitalista; António Sereno, negociante; Manuel Vicente Ribeiro, capitalista: Manuel Joaquim Simões Pedro, proprietário; José António Pires, farmacêutico; Padre Joaquim Teixeira do Amaral, representante da Junta da Paróquia; Comendador José de Azevedo Brandão, capitalista e Luís Andrade Fino, funcionário público, e que deve ser recebida pelo sr. Presidente do Concelho a quem solicitou uma conferência…:» Como industrial, foi proprietário e fabricante de papel na sua Fábrica do Zabumba, e mais tarde, à morte de seu irmão Francisco, em 1891, nas Fábricas de Cima e de Baixo, em Riomaior. Não podendo gerir as duas fábricas, José Azevedo arrenda, em 1891 a fábrica de cima, em Riomaior com o seguinte contrato:

30 de Dezembro de 1891

Pelo prezente a nosso rogo escrito e assignado, na prezença das testemunhas, no fi m nomeadas e assignadas, declaramos nõs Bernardo Rudrigues d’Amorim e mulher Maria de Sá Belleza, proprietários, do logar das Pedras da Freguesia d’Oleiros, que estamos justos e contractados em tomar de arrendamento ao Exmº. Sr. Joze de Azevedo Brandão, solteiro, proprietário, do logar de Riomaior, da freguesia de Paços de Brandão, a sua fabrica de papel, denominada «a de Cima» cita no referido logar de Riomaior, compsta de uma fabrica de fazer papel continuo, um Cilindro, trez quartos no fundo do espando, lixador, espande de cima, pelo tempo de trez annos que principião no dia seis de Janeiro próximo fucturo de mil oito centos noventa e dois, e terminarão em igual dia de mil oito centos noventa e trez; e assim sucessivamente athe terminar o prezente contracto, com as condições e obrigações seguintes: Primeira: Que nós cazeiros saptisfaremos pontualmente a referida renda em dinheiro corrente neste reino nos prazos suppra declarados com a penna de não o fazendo, pagarmos ao Senhorio a quantia de trinta mil reis por cada falta de pagamento nos prazos e tempo referidos, a titulo de penna convencional por nós estipulada allem da importância da renda, e mais estatuído pelo Código Civil, fi cando incurso senhorio na mesma penna se não cumprir o prezente contracto. Segunda: Que nós referidos cazeiros tomamos conta da Fabrica com os seguintes utencilios e seus valores, a saber: Huma maquina de fazer papel, no valor de cento quarenta e nove mil e oito centos reis; Uma roda de fora e eixo, no valor de trinta mil reis; Uma entroza no de treze mil e quinhentos reis; Uma roda de Croua, no valor de dezesete mil reis; Um tambor e pião, no valor de quatro mil e duzentos reis, grade do assento no valor de mil reis; Uma caicha e sobre caixa do cilindro, no valor de dezeseis mil reis; Um cilindro e veio no valor de trinta e quatro mil reis; Uma platina no valor de seis mil reis; Carrete, no valor de mil e quinhentos reis;Um caleirão do cilindro no valor de mil reis,

Page 48: Miolo 14

48

vinte e seis tezas e tarecos , no valor de seis mil e quinhentos reis, Empanadas do mesmo espande, no valor de seis mil reis, Um caixão de butar os folhos ou trapo, no valor de mil e quinhentos reis; vinte tezas, tarecos conformes e empanadas no espande de cima, no valor de doze mil reis; duas emprensas no lixador, no valor de nove mil e oito centos reis; Um ferro e uma machada de cortar trapo, no valor de trezentos reis; e tudo no valor trezentos dez mil e cem reis. Terceira: Que no fi m deste contracto, se procederá a nova avaliação dos obgectos descriptos e existentes, os quaes se valerem mais seremos endmnizados pelo senhorio, do excedente, e se valerem menos lhe reporemos em dinheiro, a falta. Quarta: Que elle senhorio se poderá utelizar da agua de rega e mereugem, como é custume para a sua quinta. Quinta: Que a agua da preza será governada um dia, por nós cazeiros, e outro pelo cazeiro da fabrica de baixo, pertencente também a elle senhorio, não podendo uns e outros impedir o senhorio ou seu cazeiro da quinta de abrir a preza para rega e lima. E por tudo isto ser verdade e estarmos plenamente d’accordo neste contracto, e nós cazeiros não sabermos escrever, rogamos a Joaquim Moreira Dias, cazado, do logar da Lapa de Cima da freguesia de Oleiros que este nos escrevesse e a rogo de mim cazeiro assignasse, assignando a rogo da cazeira, Pedro da Silva Godinho, cazado, fabricante de papel do logar do Candal da mesma freguesia, com as testemunhas prezentes João Francisco do Couto, solteiro, fabricante de Papel, do logar de Riomaior, de Paços de Brandão, e Joaquim Francisco de Oliveira, cazado, também fabricante, do logar da Povoa, da mesma freguesia, que vão assignar, depois deste lido perante todos. Paços de Brandão 30 de Dezembro de 1891 A rogo do cazeiro Joaquim Moreira Dias A rogo da cazeira Joaquim Francisco de Oliveira João Francisco do Couto Joaquim Francisco de Oliveira Jose d’Azevedo Brandão

Recebi a renda dos primeiros seis mezes de 1892 - AzevedoRecebi a renda dos 2º seis mezes no dia 9 de Março de 1893 - AzevedoRecebi a renda vencida em 6 de Julho de 1893 -AzevedoRecebi a renda vencida em 6 de Janeiro de 1894 - AzevedoPaços de Brandão 29 de Abril do mesmo annoRecebi a renda vencida em 6 de Julho de1894Paços de Brandão 11 de Outubro do anno supra - AzevedoEstou pago de todas as rendas até 26 de Agosto de 1895 e cinco - Azevedo.

Em 1954 as Fábricas de Cima e de Baixo que, desde a morte de José de Azevedo em 1925, passaram a ser geridas pelo seu fi lho José Augusto, foram destruídas por uma tromba de água que se abateu sobre a região no dia 24 de Outubro daquele ano, como relata numa extensa reportagem o jornal «Primeiro de Janeiro» de 25 daquele mês, da qual respigamos as seguintes passagens: «Sobre a vila de Espinho e concelho da Feira uma tromba de água acompanhada de violenta trovoada causou duas mortes e ocasionou importantes destruições, espalhando ruínas e desolação e milhares de contos de prejuízo. Na manhã de ontem uma tromba de água, seguida de violenta trovoada, caiu sobre a vila da Espinho e pelo concelho da Feira, estabelecendo pânico, causando ruínas, espalhando desolação e dor. A água da chuva, em caudais inconcebíveis, produziu tremendas inundações, cobriu as estradas, atingiu espantosa altura, invadiu as casas de habitação, destruiu sementeiras, matou animais domésticos, e para tornar o quadro mais sombrio, mais dramático, ocasionou a morte de um homem e de uma criança! E a ciclónica destruição não se limitou ao que em síntese, mencionamos.O temporal envolveu importantes fábricas de papel, instaladas no concelho da Feira, inutilizando umas por completo e causando grandes prejuízos parciais noutras.

Page 49: Miolo 14

49

Percorremos a região sacrifi cada em terras da Feira, onde a fúria do temporal acabava de marcar os seus profundos traços de ruína. Ao entrarmos em Rio Maior, freguesia de Paços de Brandão, a cortar o silêncio, ouvia-se o cachoar das águas revoltas. Panorama de tristeza, envolta em luz sem cor! Grupos de pessoas da localidade, vivendo o drama inesperado, silenciosas lágrimas pelos olhos. Lamentam os prejuízos. Manifestam a sua angústia. - Uma tristeza, senhor! Uma desgraça! Nunca se viu coisa semelhante, senhor!...exclamam. Na maioria eram operários modestos da indústria papeleira agarrados à dor de terem perdido o seu pão. Fábricas arrasadas pelo ímpeto das águas. As fábricas de papel da fi rma Luís de Oliveira Santos e Irmão, situadas dum e doutro lado do rio de Paramos, foram das mais atingidas. Há ruínas duma ponte de dois arcos que estabelecia a comunicação entre as duas margens. Tudo fora arrastado pela enxurrada. Do outro lado, uns tantos vultos observavam-nos, vergados ao peso deste espectáculo. No interior da fábrica o panorama que se nos oferece é de profunda desolação. As águas que subiram cerca de 10 metros acima do nível normal, invadiram as dependências, estragando todo o recheio. Arrombaram paredes, arrastaram bobinas de papel e bidões de gasólio. Tudo desaparecera! Por milagre, uma cabina eléctrica está ainda de pé! Cerca de três quintos da base de sustentação desapareceram, mas ela continua ali, como um fantasma, um marco que no seu mutismo nos conta a violência da tragédia: Um dos sócios da fábrica dir-se-ia um espectro, vagueando naquele quadro dramático onde há árvores caídas, postes telegráfi cos sustentam lá no alto a «cabeleira» dos seus fi os metálicos que emudeceram. Entretanto o riacho – o Paramos – segue teimosamente o seu caminho desordenado, agitado em fúria barrenta, rumo a Oleiros. Pelo seu leito correu o gado que o vendaval não poupou, vacas, porcos e todo um mundo de destroços.

Uns metros abaixo, só se vêem ruínas! Pelo caminho «descarnado» seguimos a custo, ouvindo os habitantes da localidade em seus lamentos. - Ai, senhor! Parecia o fi m do mundo! A gente a gritar, sem poder fazer nada! Uma desgraça! É isto que o senhor vê! Das fábricas de papel de embrulho do sr. José de Azevedo Aguiar Brandão, quase só existe o local! Os prejuízos foram totais! Qualquer coisa como 1600 contos, segundo nos disse o seu proprietário! E enquanto caminhamos por cima dum emaranhado de fi os eléctricos caídos no chão, juntamente com os postes-suporte, olhamos os campos completamente devastados e submersos. Só há destruição e ruínas. A torrente arrastou bobinas de papel das fábricas arrazadas, Vai ali o trabalho de muitos braços e o pão de muitas bocas. Famílias houveram que tiveram de ser recolhidas noutras casas. Perderam todos os seus haveres! Há crianças vestidas com roupas emprestadas por adultos. Por toda a parte, rostos contristados sem poder esconder o pesadelo da situação…» José de Azevedo Brandão casou em Ovar a 5 de Agosto de 1897 com D. Margarida Ferreira dos Santos, fi lha de Francisco Gomes Pinto Ramalhadeiro, alferes de Milícias e vereador da Câmara Municipal de Ovar, e de sua mulher D. Maria Ferreira Pinto. José de Azevedo faleceu na sua Casa de Riomaior a 14 de Fevereiro de 1925. Do seu casamento com D. Margarida Ferreira houve 6 fi lhos:

2.6.3.1 – José dos Santos Azevedo Brandão, nascido a 16 de Agosto de 1898 e falecido a 21 de Setembro do mesmo ano.

2.6.3.2 – Manuel dos Santos Azevedo Brandão, que segue

2.6.3.3 – Irene da Conceição dos Santos Azevedo Brandão, nasceu em Paços de Brandão a 11

Page 50: Miolo 14

50

de Setembro de 1901 e faleceu, solteira, a 22 de Agosto de 1979.

2.6.3.4 – José Augusto dos Santos Azevedo Brandão nasceu em Paços de Brandão a 11 de Setembro de 1903 e faleceu solteiro a 29 de Novembro de 1966. De Adosinda Alves Ricardo teve um fi lho, Fausto Alves Ricardo Azevedo Brandão. O José Augusto foi o continuador do seu pai nas fábricas de papel de cima e de baixo, em Riomaior.

Em 1954, depois das duas fábricas de Riomaior terem sido destruídas pela tromba de água, como já foi mencionado anteriormente, José Augusto, com o acordo dos seus irmãos, reconstruiu a fábrica de cima, e pô-la a produzir o que as duas fábricas produziam antes.

2.6.3.5 - Ana Arménia dos Santos Azevedo Brandão nasceu em Paços de Brandão a 7 de Dezembro de 1905 e faleceu, solteira, em Espinho a 8 de Dezembro de 1997.

2.6.3.6 – Jaime dos Santos Azevedo Brandão nasceu em Paços de Brandão em 1906 e faleceu bebé.

2.6.3.2 – Manuel dos Santos Azevedo Brandão nasceu na Casa de Riomaior a 23 de Agosto de 1899. Licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa. Foi condiscípulo do Dr. Belchior Cardoso da Costa e fez estágio de advogado com o Dr. Paulo de Sá, natural da Vila da Feira. Curiosamente o semanário «Correio da Feira» de 20 de Abril de 1929 descreve assim o seu primeiro julgamento: «No dia 15 do corrente estreou-se como advogado no tribunal judicial desta comarca o snr. Dr. Manuel de Azevedo Brandão, da casa de Riomaior, freguesia de Paços de Brandão, que defendeu com brilho uma pobre rapariga acusada de ter espancado o seu namorado sedutor. Este julgamento e a apresentação do novel advogado deu motivo a que o tribunal se enchesse por completo havendo um injustifi cado alarme de salve-se

quem puder, pelo ruído produzido pela quebra de um banco. O alarme foi pavoroso, chegando-se a arrombar portas e a ser chamados os bombeiros. Felizmente não se registaram outra graves consequências.» Na sua juventude fundou o Paços de Brandão Futebol Clube, onde foi atleta com o seu irmão José. Foi fundador no clube da primeira equipa de futebol feminino do Distrito de Aveiro. Em 1935 foi nomeado 1º secretário da Associação de Futebol de Aveiro, segundo notícia do «Correio da Feira» de 26 de Outubro: «Este ano os nossos grupos fi caram admiravelmente representados na A.F.A. O Paços de Brandão viu o seu presidente, Dr. Manuel de Azevedo Brandão, eleito 1º secretário da direcção e a U.S.P viu-se eleita para a mesa da assembleia geral. Também em 1935 fez parte de uma comissão para organizar um grupo dramático em Paços de Brandão como escreve o correspondente do «Correio da Feira na sua edição de 23 de Fevereiro: «Continuando na narrativa do programa progressivo desta sedutora terra, não posso passar sem prestigiar e felicitar a comissão que há pouco aqui se formou e que afi ncadamente trabalha para a organização de um grupo dramático e a qual, segundo consta, é composta por um grupo de rapazes aliados de boa vontade e pertencentes à nossa melhor sociedade, tendo como componentes principais os srs. Dr. Manuel Brandão, Américo Carvalho, Serafi m Moutinho, Luís Ferreira Alves e Afonso Pericão. Oxalá que os seus esforços sejam coroados de bom êxito que todos esperam e que todos os brandoenses saibam corresponder a quem tanto se dedica ao engrandecimento da terra que lhes deu o ser e da qual são fi lhos adoptivos. Foi editor do semanário «O Povo Feirense», fundado no dia 1 de Abril de 1938 pelo director, proprietário e administrador Ernesto José Correia. O nº 2 de 10 de Abril o director passou a ser o Dr. Paulo de Sá e o jornal tinha como subtítulo Jornal nacionalista, defendendo a doutrina do Dr. Oliveira Salazar como nesse mesmo número as Palavras preambulares assim estabelecia: « O lema… Tudo pela Nação, nada contra a Nação, que o Estado Novo arvorou como preceito basilar, como imperativo fundamental da

Page 51: Miolo 14

51

sua doutrina, é uma síntese viva e perfeita da acção, imposta a todos quantos sintam a obrigação de servi-la.. Este jornal será, pois, por raciocínio e por patriotismo nacionalista – será portanto contra as desordens ruidosas, estéreis, funestas do partidarismo minúsculo e impotente em que se dissolve o parlamentarismo, será contra o individualismo do romantismo político e revolucionário que, durante um largo ciclo de agitações sem sentido e sem fi nalidade subverteu neste país os princípios fundamentais da disciplina social, e pugnará pela paz, pela utilidade, pela ordem, pela autoridade, por tudo enfi m quanto constitui o superior e imprescritível interesse da Nação – estará, pois, ao lado da actual situação política acerca da qual o citado Bainville escreveu estas palavras criteriosas. «é a ditadura mais honesta, mais prudente e mais comedida da Europa, e ao mesmo tempo uma das mais fi rmes e perseverantes nas suas aplicações» Em 1941 Manuel Azevedo Brandão é convidado a ser candidato à Câmara Municipal da Feira. Aceita apenas ser eleito substituto como nos informa a seguinte notícia inserida no jornal «O Povo Feirense» na sua edição de 11 de Dezembro de 1941: «No dia 25 do mês fi ndo pelas 15 horas, reuniram nos Paços do Concelho os membros do Conselho Municipal eleito no dia 19 e em obediência ao que preceitua o artigo 38 do Código Administrativo, elegeu a nova Câmara Municipal que tem de dirigir os destinos deste município no quadriénio de 1941-1945. Foram eleitos os snrs.: Efectivos: Dr. Roberto Vaz de Oliveira, advogado Dr. Serafi m Guimarães, médico Arnaldo Borges da Silva Neto, proprietário Dr. Augusto César A. Seabra, advogado Francisco de Pinho Pestana, industrial José Valente Pinho Leão

Substitutos: Dr. António Augusto da Fonte, notário Dr. Manuel de Azevedo Brandão, industrial Domingos Gomes Ferreira, proprietário Antero Andrade e Silva, industrial

Já em 1928 tinha sido presidente da Assembleia Eleitoral para a eleição do Presidente da República, como noticia o «Correio da Feira de 24 de Março desse ano: «Como foi decretado, realiza-se amanhã em todo o país e nas colónias a eleição para Presidente da República, sendo único candidato o snr. General Carmona, visto os partidos constitucionais não apresentarem candidato ao sufrágio eleitoral. As mesas eleitorais, presididas pelos seguintes snrs. LAMAS (Lamas, Paços de Brandão e Moselos) Presidente: Dr. Manuel dos Santos Azevedo Brandão Suplente: Florentino Domingues Monteiro»

Em 1949 é presidente da Comissão Política da União Nacional de Paços de Brandão como nos diz a seguinte notícia publicada no jornal «O Povo Feirense» de 29 de Janeiro de 1949: « Estão defi nitivamente constituídas as Comissões Políticas da União Nacional de quase todas as freguesias do Concelho, trabalho a que se tem devotado com o maior afi nco a Comissão Concelhia daquele organismo de apoio à situação política vigente. Os nomes que constituem essas comissões quer pela sua representação, quer pelo seu valor político, são bem a prova e a garantia de prestígio que, mesmo nos meios rurais, goza o Estado Novo. A seguir e números seguintes, damos, por freguesia, a constituição das referidas comissões. Paços de Brandão: Dr. Manuel Santos de Azevedo Brandão Joaquim Francisco de Sousa Carvalho Diamantino dos Santos Silva Joaquim Rodrigues do Couto Agostinho Marques Alves de Carvalho Manuel Nunes de Pinho» Manuel de Azevedo Brandão foi também presidente do Grémio Nacional dos Industriais de Papel. Casou com D. Maria Pereira do Couto, nascida a 7 de Dezembro de 1905, em Nogueira da Regedoura, fi lha de António Pereira do Couto e de Rita Pereira do Couto. Faleceu em Espinho a 6 de Fevereiro de 1979.

Page 52: Miolo 14

52

Sua mulher faleceu em Paços de Brandão a 23 de Novembro de 1996.

Deste casamento há 2 fi lhos:

2.6.3.2.1 – Francisco Manuel do Couto Azevedo Brandão 2.6.3.2.2 – Maria Manuela Pereira do Couto Azevedo Brandão 2.6.3.2.1 - Francisco Manuel do Couto Azevedo Brandão nasceu em Nogueira da Regedoura a 26 de Maio de 1939. Frequentou o ensino primário na Escola nº 1 de Espinho e os estudos secundários no Colégio de S. Luís também em Espinho. Matriculou-se na faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1962. Em Janeiro de 1964 é chamado à vida militar e é incorporado no Curso de Ofi ciais Milicianos na Escola Prática de Infantaria, em Mafra. Depois do tirocínio é colocado como ofi cial instrutor no Regimento de Infantaria nº 10, em Aveiro, com uma passagem no curso de «Rangers», em Lamego. Casou a 29 de Abril de 1965, na Sé deAveiro, com D. Ismália Fernanda Pinto dos Santos, natural de Espinho onde nasceu a 10 de Fevereiro de 1941, fi lha de Henrique Pinto dos Santos, natural de Mozelos e de Rita de Oliveira Santos, natural de Paços de Brandão. A 13 de Maio de 1965 é mobilizado com a patente de Alferes para Moçambique onde é colocado no Batalhão de Caçadores de Porto Amélia, no comando de um pelotão da 1ª Companhia operacional em zona de guerra. Neste Batalhão foi ainda comandante de um Pelotão de Reconhecimento e director da Biblioteca. Em Fevereiro de 1966 é transferido para a Escola Prática de Infantaria em Boane onde desempenha as funções de ofi cial instrutor do Curso de Sargentos Milicianos e de Ofi cial da Polícia Judiciária Militar. Entretanto como Boane fi cava a escassos quilómetros de Lourenço Marques, matricula-se na Faculdade de Letras dos Estudos Gerais de Moçambique, no Curso de Professores Adjuntos do 8º Grupo.

Regressado à Metrópole, pede a transferência para a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra onde termina o Curso. De 1967 a 1971 foi funcionário bancário no Porto. Em Outubro de 1972 é colocado como professor provisório na Escola Sá Couto, em Espinho. No ano seguinte faz estágio na Escola Gomes Teixeira, no Porto e é depois colocado como professor efectivo novamente na Escola Sá Couto em Espinho. Aqui leccionou as disciplinas de Português e Francês durante trinta e dois anos. Para além da sua actividade como docente exerceu ali as funções de Membro do Conselho Directivo, Delegado de Disciplina, Delegado de Turma, Coordenador de delegados de turma e director da biblioteca. Entretanto tirou o Curso de Ciências Pedagógicas, em 1971 e a Licenciatura em História em 1978. De 1973 a 1976 foi professor de francês no Colégio de Santa Maria de Lamas, em regime de acumulação e de 1977 a 1996 foi professor de Português e Francês no Externato Oliveira Martins, em Espinho e professor de História da Comunicação e Teoria da Comunicação na Escola Técnico - profi ssional de Espinho em regime de acumulação, autorizado pelo Ministério da Educação. Desde 1999 é professor de Cultura Geral na Universidade Sénior de Espinho. A quando da sua aposentação, em 26 de Novembro de 2004, o jornal da sua Escola E.B.2.3 Sá Couto («Gaivota» nº. 60 de Fevereiro de 2005), dedicou-lhe as seguintes palavras: Ao Professor Francisco Brandão. A longa estrada da vida chegou a uma das suas metas. Agora, resta descansar da caminhada até agora percorrida na nobre arte de ensinar. Olhando para trás, o balanço é muito positivo, pois vê a certeza de um dever que foi zelosamente cumprido. Profi ssionalismo, carácter, dignidade, aprumo e nobreza de alma foi o legado que o colega Francisco Brandão deixou a esta escola e a tantas gerações que aqui ensinou. Ao grupo dinamizador da Biblioteca/CRE só resta agradecer o saber e a enorme experiência que nos transmitiu.

Page 53: Miolo 14

53

O nosso muito obrigado. Até sempre». Para além de ter exercido funções docentes, Francisco Manuel dedicou-se também ao jornalismo, ao associativismo e à actividade autárquica, Foi redactor e director do semanário «Defesa de Espinho»; director e co-fundador do semanário «Espinho Vareiro; director e co-fundador do «Notícias de Paços de Brandão»; director do «Boletim Cultural de Espinho» editado pela Câmara Municipal de Espinho. No associativismo, foi presidente da Associação Académica de Espinho; presidente da Liga dos Combatentes da secção de Espinho; presidente do Rotary Clube de Espinho; presidente da Assembleia geral do Orfeão de Espinho e do Núcleo Sportinguista e presidente do Conselho Fiscal da Universidade Sénior de Espinho. Na actividade autárquica foi membro do Conselho Municipal, da Comissão Municipal de Turismo e vereador da Câmara Municipal de Espinho (1986-1990). Como historiador local publicou «Anais da História de Espinho» em 2 volumes, «O Associativismo em Espinho», «Manuel Laranjeira por ele Mesmo»,» «Joaquim Pinto Coelho, um político de Espinho» e os opúsculos «O Campo de Aviação de Espinho» e «O Culto de Nossa Senhora da Ajuda em Espinho» e vários artigos de índole histórica no «Boletim Cultural de Espinho». Sobre esta actividade Carlos Morais Gaio na introdução ao seu livro «A Génese de Espinho – Histórias e Postais» diz o seguinte: Francisco Azevedo Brandão é, ao contrário dos anteriores, um autor distanciado, que opta pela recolha de documentos e continua nos dias de hoje, a publicar alguns dos frutos da sua investigação (abordando questões relativas à história das festas a Nª Sª da Ajuda, às origens da Misericórdia de Espinho ou às dinâmicas do movimento associativo). O primeiro volume de «Anais da História de Espinho» é um esboço cronológico, não exaustivo, mas sufi ciente para orientar qualquer viagem. A colecção «Espinho - Boletim Cultural», que dirigiu durante 24 números, com o patrocínio da Câmara Municipal, reúne documentos, artigos e outros trabalhos, facilitando quem se atreve a andar por estes caminhos. Digamos que Azevedo

Brandão desempenhou o papel de formiga infatigável, ao armazenar recursos com afi nco, a fi m de garantir a sua utilização futura….». Em 1981, descobre com outros elementos, a localização do Castro de Ovil na freguesia de Paramos como testemunha João Quinta no seu livro «Espinho»: «A descoberta foi feita no dia 2 de Fevereiro de 1981 pelos Drs. Francisco Azevedo Brandão e Carlos Jorge Ferreira, formados em História, mas o último com prática de arqueologia, Margarida Santos, aluna de arqueologia da Universidade do Porto e João Quinta, membro do GEDAPE. Nesse dia visitaram o monte Castelo, em Paramos, com o propósito de descobrir vestígios do desconhecido castro. Após umas ligeiras remexidas no solo apareceram alguns fragmentos de cerâmica castreja e parte de uma mó partida. Estava desvendado o mistério que tanto preocupara arqueólogos e estudiosos ao longo dos anos. O achado foi comunicado à Câmara Municipal de Espinho e ao Instituto Português do Património Cultural. Em Setembro de 1981 foram autorizadas superiormente sondagens no terreno que confi rmaram o Castro, tendo-se encontrado mais fragmentos de cerâmica. Em 14 de Julho do ano seguinte começaram as primeiras escavações tendo como responsável o arqueólogo Carlos Jorge. Os trabalhos prolongaram-se até Setembro, tendo sido descobertas partes inferiores de paredes de três habitações e recolhido mais material de cerâmica, uma peça de uma seta em ferro, parte de uma ânfora e uma conta de colar. Em 1985 a Câmara Municipal de Espinho adquiriu o terreno de implantação do Castro de Ovil, classifi cado como imóvel de valor concelhio pelo Decreto nº 29/90, da Presidência do Conselho de Ministros, publicado no Diário da República – I série nº 163 de 17 de Julho de 1990…» Em 2001 é-lhe concedida pela Câmara Municipal de Espinho a medalha de ouro do município e o diploma de cidadão de Espinho.

Page 54: Miolo 14

54

Do seu casamento com D. Ismália Fernanda há 2 fi lhos:

2.6.3.2.1.1 – Alexandre Manuel dos Santos Azevedo Brandão

2.6.3.2.1.2 – Miguel José dos Santos Azevedo Brandão

2.6.3.2.1.1 – O Alexandre Manuel nasceu em Espinho a 1 de Janeiro de 1970. Fez os seus estudos primários e secundários em Espinho, tendo tirado o curso de técnico de electrónica no Colégio dos Carvalhos. Frequentou o Instituto Superior de Engenharia do Porto e é técnico de electrónica na secção da Qualidade numa empresa de S. João da Madeira. Foi presidente do Rotaract Clube de Espinho. Casou a 22 de Setembro de 2001 com D. Inês de Seabra Loureiro.

2.6.3.2.1.2 – O Miguel José fez os seus estudos primários e secundários em Espinho. Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa do Porto e montou banca de advogado primeiramente em Matosinhos e depois em Espinho. Foi secretário, tesoureiro e presidente do Rotaract Clube de Espinho e do Orfeão de Espinho. Foi Presidente do Rotary Clube de Espinho, sendo o presidente mais novo do país a assumir tais tarefas. Casou em Espinho a 2 de Setembro de 1995 com D. Ana Paula Costa Vasconcelos, de quem se divorciou em 2003. Casou em 10 de Junho de 2005 com D. Matilde Maria Oliveira Pinto do Couto.

Do primeiro casamento há dois fi lhos:

2.6.3.2.1.2.1 – Ana Filipa Vasconcelos Azevedo Brandão, nascida a 8 de Julho de 1996 na Venerável Ordem do Terço do Porto.

2.6.3.2.1.2.2 – Francisco Miguel Vasconcelos Azevedo Brandão, nascido a 27 de Outubro de 1999, na Venerável Ordem do Terço do Porto.

2.6.3.2.2 – A Maria Manuela nasceu a 8 de Junho de 1941 em Espinho. Frequentou o Colégio de Nossa Senhora da Conceição e a Escola do Magistério Primário do Porto onde tirou o curso de professora do ensino primário. Casou em Espinho a 17 de Setembro de 1967 com Carlos Manuel Amaral de Paiva, natural da Ilha de S. Miguel, Açores. Deste casamento há duas fi lhas:

2.6.3.122.1 – Maria de Fátima Azevedo Brandão Amaral Paiva.

2.6.3.2.2.2 – Silvana Margarida Azevedo Brandão Amaral Paiva.

2.6.3.2.2.1 – A Maria de Fátima nasceu em Espinho a 23 de Março de 1969. Licenciou-se em ciências farmacêuticas, é professora na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, com provas públicas em Mestrado e Doutoramento, pela mesma Universidade com ligação à Universidade de Reding (Inglaterra). Casou a 17 de Setembro de 1994, na igreja paroquial de Paços de Brandão, com Francisco André Fonseca do Nascimento Martins, licenciado em Ciências Farmacêuticas. Deste casamento há dois fi lhos:

2.6.3.2.2.1.1 – Manuel Pedro Azevedo Brandão Paiva Martins, nascido no Hospital de Vila Real a 9 de Fevereiro de 1997.

2.6.3.2.2.1.2 – Maria Teresa Azevedo Brandão Paiva Martins, nascida no Hospital de Vila Real a 8 de Abril de 2004.

2.6.3.2.2.2 – A Silvana Margarida nasceu em Espinho a 23 de Março de 1970.Licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, fez pós-graduação em Ciências Empresariais, especialização em Contabilidade e Auditoria ( Mestre em Ciências Empresariais). Casou a 20 de Julho de 1996 na igreja paroquial de Paços de Brandão com Eduardo José Torres Fardilha,

Page 55: Miolo 14

55

licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade de Coimbra. Deste casamento há dois fi lhos:

2.6.3.2.2.2.1. – Bárbara Azevedo Brandão Paiva Fardilha, nascida no Hospital de Stº António no Porto a 24 de Abril de 1997.

2.6.3.2.2.2.2 – Beatriz Azevedo Brandão Paiva Fardilha, nascida no hospital de Stº. António no Porto, a 15 de Maio de 2004.

Bibliografi a

Livros

BAENA, Visconde Sanches de, Archivo Heráldico – Genealógico II volume, Lisboa, Tipografi a Univresal de Thomaz Quintino Antunes, Imprensa da Casa Real, rua dos Calafates, 110, 1872.

BRANDÃO, Francisco Azevedo, Anais da História de Espinho, 2 volumes, edição da Câmara Municipal de Espinho e Junta de Freguesia de Espinho, 1991.

BRANDÃO, Francisco Azevedo, Vida Associativa de Espinho, edição da Câmara Municipal de Espinho e Junta de Freguesia de Espinho, 1995.

FREIRE, Anselmo Braancamp, Brasões da Sala de Sintra, Imprensa Nacional, Lisboa 1996.

GAIO, Carlos Morais, A Génese de Espinho – Histórias e Postais, edição Campo das Letras, Porto, 1999.

LEAL, Pinho, Portugal Antigo e Moderno, Editora de Mattos Moreira & Companhia, Lisboa, 1875.

MARTINS, Oliveira, Portugal Contemporâneo, Editora Livraria António Maria Pereira, 1895.

MÓNICA, Maria Filomena, Dicionário Biográfi co Parlamentar (1834-1910), Vol. I (A-C), Imprensa de Ciências Sociais, Assembleia da República, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2000

NORONHA, Eduardo de, Os Salteadores do Norte, Edição de O Primeiro de Janeiro, Porto, 1925.

OLIVEIRA, Roberto Vaz de, Imprensa Periódica da Vila e Concelho da Feira, separata da revista «Aveiro e o seu Distrito», 1969-1970

QUINTA, João, Espinho, Edição do autor, 1999.

Rocha, Joaquim Correia da, Recordar 900 Anos de Paços de Brandão, Edição da Junta de Freguesia,1995.

RODRIGUES, David Simões, Rio Meão, a Terra e o Povo na História, 3 vols., Edição da Junta de Freguesia, 2001.

VERMELHO, Joaquim José, Nas Lavras do Tempo…Sementes e Raízes, Edição Colibri, Câmara Municipal de Estremoz, 2003

ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins, Armorial Lusitano, Edição Representações Zairol, Lisboa,

Page 56: Miolo 14

56

Publicações

Actas da Câmara Municipal de Espinho (1986.1990)Arquivo do Distrito de AveiroAveiro e o seu DistritoBoletim Cultural de Espinho Brados do AlentejoCorreio da FeiraCrónica Constitucional do PortoDefesa de EspinhoDemocrata FeirenseDiário da Câmara dos Senhores Deputados (1860-1865)Diário de Lisboa (1860-1865)Espinho VareiroNotícias de Paços de Brandão Paços de Brandão – Um Modo de SerPeriódico dos Pobres do Porto ( 1833)Povo FeirensePrimeiro de Janeiro (1954)TradiçãoVilla da Feira, Terra de Santa Maria

Pormenor do Brasão da Casa de Riomaior 1831.

Francisco José Azevedo Aguiar Brandão (1796-1872).

Page 57: Miolo 14

57

Brasão da Família Azevedo Aguiar Brandão, Casa de Riomaior, 1995. Solar da Família Azevedo Aguiar Brandão, fi nais dos anos 40.

Vista parcial da Casa e Fábrica do Engenho Novo em ruínas (2005).

Fábricas de Papel dos Azevedo, em Riomaior: a de cima reconstruída em 1955, depois da primitiva ter sido destruída por uma tromba de água em 1954; as ruínas da de baixo também destruída pela mesma tromba de água. Actualmente fazem parte do Museu de Papel de Paços de Brandão e Terras de Santa Maria.

Page 58: Miolo 14

58

Manuel dos Santos Azevedo Brandão (1899-1979). Francisco Manuel do Couto Azevedo Brandão, Mocambique, 1966.

Comendador José de Azevedo Aguiar Brandão, (1851 - 1925).

Page 59: Miolo 14

59

Francisco Manuel Couto Azevedo Brandão na tomada de posse como Vereador da Câmara Municipal de Espinho, 1986.

Francisco Manuel Couto Azevedo Brandão recebendo a medalha de ouro da cidade e título de cidadão de Espinho, 2001.

Page 60: Miolo 14

60

Francisco Manuel Couto Azevedo Brandão com a sua esposa, Ismália Fernanda, e os seus fi lhos Alexandre Manuel e Miguel José, 1995.

Page 61: Miolo 14

61

Page 62: Miolo 14

62 I – D. Sebastião Soares de ResendeNas Celebrações da morte ecentenário de nascimento, Salão Paroquial de Milheirós de Poiares29.4.2006

David Simões Rodrigues*

Ex.mos Senhores

- D. Carlos de Azevedo - Presidente da Câmara, Alfredo Henriques - Presidente da Junta - Padre Fernando Correia Gonçalves - Familiares de D. Sebastião - Senhoras, senhores e - Jovens desta nobre terra de Milheiros de Poiares.

D. Sebastião Soares de Resende sai desta refrescante várzea de Milheirós de Poiares quando iniciávamos estudos em Leiria. No fi m de Novembro aporta na Beira e no primeiro de Dezembroinicia a sua vida de bispo missionário fazendoas primeiras prospecções-investigações geográfi cas, sociais, culturais e naturalmente religiosas-missionárias.

Leva consigo o espírito do cientista consciente de que é investigando que se aprende, objectiva e correctamente, e se faz ciência de conhecimento de experiênciasfeito nesse contacto directo com a realidadeconcreta circundante em ordem à formação de juízos que hão-de presidir a uma planifi cação de acção acomodada à realidade de modo a evitar esforço e tempo preciosos. Mas ao desembarcar na cidade e diocese da Beira como seu primeiro bispo vai ali encontrar-se com o missionário, em Quelimane, Padre Manuel Alves Guerreiro, que fora prior de Seiça, de 1928 a 1939, e que em 1930 deixa no livro de Baptismos: «...baptizei uma criança ... a quem pus o nome de David...». E David é quem hoje vem falar de D. Sebastião. Em 1949 funda na Beira o Colégio-Liceu.E a quem entrega a sua direcção e toda a responsabilidade do corpo docente? Aos Irmãos das Escolas Cristãs, vulgarmente conhecidos por Irmãos Maristas. O curioso é que quem está à frente da equipa como director é precisamente o nosso primo materno, o Irmão Cláudio, nome religioso do civil José Maria Pereira Cravo, que se tornou precioso auxiliar de D. Sebastião na execução do seu projecto de escolarização e aculturação da sua diocese. A História oferece mistérios e agradáveis surpresas.

* Licenciado em Filologia e Literatura Grega e Latina, Clássicas, com as variantes de Literatura Brasileira e Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. Diplomado em Histórico e Filosófi ca. Curso de Teologia. Dedica-se à investigação Histórico-Científi ca.

Page 63: Miolo 14

63 Caríssimos ouvintes

Grande a fi gura de D. Sebastião, porque nobre a sua terra, feita da nobreza dos seus habitantes que exornam as páginas da sua história, ainda o comum cidadão. Sabemos de muitos ilustres fi lhos seus de que justamente se pode orgulhar. Porém, se nenhum outro mais houvesse, D. Sebastião Soares de Resende bastaria para aquilatar da grandeza da alma deste povo de Milheirós, cujo solo pisámos pela primeira vez quando viemos à procura de elementos para o nosso trabalho, este para a publicação sobre o mesmo tema feita na LAF e hoje lançada a público. Por tudo quanto nos foi dado observar, investigar, ler e consultar, pelo que a nossa memória retém a estas distâncias da sua vida e da sua morte forçoso é reconhecer:

Defunctus adhuc loquitur, D.Sebastião estará morto, mas ainda fala.

A começar pelo seu testamento:

«Quanto a bens materiais, nada tenho a dispor, porque nada possuo.

Os bens de família, há muito que me desfi z deles; Os bens que porventura da igreja ou por meio da igreja haja recebido são exclusivamente para a Igreja, sem tolerância de outra partilha... O meu enterro será ... simplíssimo... Desejaria também que fosse sepultado na principal via interna do cemitério... mais calcada pelos visitantes do mesmo ... simples campa rasa ... pequena pedra por cima» e escrito somente: «Sebastião, primeiro Bispo da Beira».Aí ... esperarei a ressurreição ... para o Juízo Final.»Em dia de «N.a Sra de Lurdes, 11 de Fevereiro de 1966» E, em 25.1.1967, D.Sebastião, alma de português e de missionário de Deus para os Homens nos territórios que constituíram a sua vasta e variada diocese, defi nitivamente entra no processo da História. E por isso aqui estamos. Não por causa de um morto, mas chamados pela vida, por amor a um vivo que vive e fala da vida nos seus escritos. Aqui estamos, chamados a uma terra cheia de vida e o nome da terra é Milheirós de Poiares. Atraídos por um nome identifi cador de uma pessoa espiritualmente muito grande, que ainda mete medo a

1943 - Paços do Concelho - Vila da Feira

Identifi camos: Prof. José Leão, Borges Neto, Domingos Ribeiro,Dr. Alexandrino Albuquerque, Padre Manuel Guimarães, Aires Lopes, Domingos Toscano, Padre Manuel dos Santos, Padre Pinho Nunes, Padre Albano Alferes, Padre Joaquim Salgueiro, Manuel Correia Marques, Dr. Domingos Caetano de Sousa, José Santos, Dr. Bernardo Costa, Dr. Henrique Vaz Ferreira, Dr. Serafi m Guimarães, Álvaro Sousa (Bombeiro), Francisco de Pinho Pestana e Dr. Roberto Vaz de Oliveira, ao redor de D. Sebastião Soares de Resende.

Page 64: Miolo 14

64

muita gente, medo que se mete numa coisa chamada medo. E o nome da pessoa que ainda mete medo, sinal de que vive, é D. Sebastião Soares de Resende. Aqui estamos nós integrados nas celebrações dos 100 anos do seu nascimento, 14 de Junho de 1906 em Milheirós de Poiares. Não sabemos claramente se os nomes marcam ou não a personalidade do seu portador e por isso em que medida terá a ver também com muita da biografi a de cada um de nós.

A verdade é que, e isto sabemos, falamos deD.Sebastião. E, ajustando o nome à pessoa, ele é como o «símbolo». Encaixa perfeitamente e nesse encaixe prova a verdade e a aceitação tal como soldado que regressava da guerra anos depois e com cicatrizes que o tornavam difícil de reconhecer. Sebastião, chega até nós do grego Sebastianós, nome que por sua vez deriva de Sebastós, com raiz no verbo sebo cujo signifi cado é: Experimentar pudor e temor religioso. E também: venerar, honrar, honorifi car o divino. Donde se infere que: Sebastianós, «digno de veneração, de respeito», «honorável» ou «honorificado», o venerável pela sua fé e religiosidade, entrega ao divino. Soares: medieval de origem obscura. Resende: Do germânico latinizado «Redisindi», genitivo latino de «Redisindus», que por sua vez se apresenta, no germânico, composto de: «reths», «conselho», «aviso»; e «sinths»: caminho, expedição.

Donde, em síntese, tudo isto signifi ca:

«Sábio e avisado expedicionário. Efectivamente todo o seu peregrinar sobre a terra, expedicionário, foi cheio de sabedoria e de prudência.» Razão confi rmativa de que - «Defunctus adhuc loquitur». Pode estar morto, mas aos nossos ouvidos chegam as vozes de uma vida de Missionário cheia de amor aos Homens fruto do seu Amor a Deus; as vozes dos seus escritos e dos seus nobres exemplos vividos nas duras batalhas que nos soam a épico e nos evocam o divino mártir S. Sebastião.

Daí, pertinentemente, nos interrogarmos sobre a marca do nome que transportamos.

1. Falam: - O famoso diário «Diário de Moçambique», o melhor e mais independente jornal que em Moçambique alguma vez se publicou e que por isso mesmo e porque fundado pelo bispo, nascera condenado a sofrer e a morrer de morte violenta. - Os grandes e invejados colégios feminino e masculino da Beira, viveiros de cultura e humanismo cristão, alvos de ataques próprios de quem não é portador de marcas como as suas; - As dezenas de missões fundadas por extensas áreas em processo de cristianização e elevação cultural; dotadas dos indispensáveis meios geradores de cultura e progresso social, económico, familiar sem distinção, sendo especial a atenção na defesa dos nativos. - As muitas escolas e igrejas, professores, catequistas e missionários, travando sempre lutas tenazes contra a oposição governativa e o colono menos humano que via reduzido o seu campo de manobra na exploração humana e consequentemente o enriquecimento fácil e rápido à custa da miséria do indefeso nativo. - Fala o socorro aos mais carenciados e destes ainda aos mais frágeis. - a defesa intrépida dos que via com fome e sede de justiça, escandalosamente oprimidos.

2.Fala o cidadão modelo, Às gerações que se lhe seguiram legou o seu nome abençoado, numa época de crise de valores, de confusão de comportamentos que preterem virtudes essenciais humanas, em que se desonram e insultam estesmortos condecorando vivos de vidas mais que duvidosas e obscuras, de mãos, ao menos indirectamente,tintas de sangue do crime. (Isabel do Carmo, Palma Inácio e outros) Onde encontra o nosso caro ouvinte/leitor a condecoração por tantos e tão grandes e relevantes serviços prestados à Humanidade e a este pobre País? Onde? Podia, erradamente, sentir-se a «outra senhora» traída, mas a senhora presente?

Page 65: Miolo 14

65

3. Fala o missionário intrépido Soube realizar uma acção evangelizadora que autenticamente proporcionava o encontro de muitos povos e de muitas culturas, no íntegro respeito pelas diferenças e pela liberdade sem espaço para a proliferação da libertinagem de qualquer natureza. E porque esta sua voz ecoou funda em todos, diante dele se curvaram respeitosamente ortodoxos, hindus, protestantes, maometanos, e outros. Para desgraça de todos os envolvidos, nem sempre a miopia insana do poder civil entendeu assim esta missão civilizadora. Como doença hereditária essa miopia continua com outros nomes, com outras vestes e muito mais agravada. Muitas fi guras de missionários ao largo e ao longe, à China e ao Japão, levaram o nome de Portugal e com ele a cultura europeia. E exemplos maiores fi caram-nos de São Francisco Xavier que a Índia não cristã venera conservando ainda hoje bolsas de língua portuguesa que denomina de «papiá cristão», fala portuguesa. São João de Brito, D. António Barroso, e na esteira destes o nosso D. Sebastião Soares de Resende: No princípio era o Homem e o Homem em Deus se fez Cristão e o cristão se fez Padre e este foi feito Bispo e o Bispo era o Missionário de Deus entre os Homens. E os Homens eram Negros e os Negros o receberam.... Mas aos que o receberam deu-lhes o poder de se tornarem Filhos de Deus que não tem cor. E nasceu o grande Missionário abnegado, sacrifi cado, ensinando, civilizando, aculturando, rasgando horizontes largos e fundos, como os bandeirantes. Demonstram-no as conferências, as pastorais e a doutrinação.

4. Falam as gentes que pararam diante do desassombro do bispo defendendo os sem voz, e por isso falam os poderes que tremeram. Disso falam as 400 folhas do processo da Polícia Política, na Torre do Tombo. Falam os jornais de todo o mundo, eco das notáveis intervenções de D. Sebastião como Padre Conciliar do Vaticano II. Ao bispo quiseram amordaçar. Como Paulo de Tarso responde: não posso deixar de falar. Fiel à sua

vocação humana, sagrado para Deus e para a Humanidade sofredora dos fi lhos de Deus, nascidos no mesmo lar sob o mesmo tecto com destino comum, a alma paternal de D. Sebastião não sofria multidões sujeitas a roer ossos a que outros haviam devorado a carne. Angustiava-lhe a alma de cristão e de europeu civilizado e Missionário, o degradante e vergonhoso espectáculo da escravatura. Mesmo escravatura? Sim escravatura em todo o sentido e dimensão que a História e a Sociologia reportam. Os seus olhos vêem e o coração sangra-lhe. Disso deixa, sobretudo no seu Diário, palavras rastos de sangue de uma dolorosa Paixão do Negro às mãos do Branco. D. Sebastião, para além da vergonha de branco era o entrave que sentia à obra missionária.

5. Fala e grita a evidência do imperativoda Justiça e da Fraternidade geradoras da Igualdadeperante a lei nas mesmas circunstâncias Políticos e colonos querem impor-lhe outros caminhos ditados por escusos interesses políticos e económicos, contra-ditórios da sua missão evangelizadora de libertação integral. Sob o imperativo da coerência e dafi delidade aos princípios da sua missionação edo seu carácter, impossível outro caminho, apesar de conhecer claramente as consequências.Para D. Sebastião, Homem singular, impossíveloutro caminho.

6. Falam, por isso, os constantes e ingentes combates, cruéis por vezes, desesperantes, destruidores de energias físicas e morais, consumidores de tempo. Ora chamado pelos ministérios de Lisboa, ora de motu próprio impelido pela necessidade de esclarecimentos e de soluções de problemas levantados pela estreiteza mental de uns e pela maldade de outros, ei-lo correndo, voando, para Lisboa, embaixadas, nunciatura, vitima até de interesses de promoções eclesiásticas de carreira longe do que é espírito de Missão. No caso concreto os aspirantes a cardeais, núncio Maximiliano Fustenberg e o bispo D. José da Costa Nunes.

7. Falam milhares e milhares de crianças e de jovens sem futuro digno, que socorreu e a quem

Page 66: Miolo 14

66

proporcionou oportunidades de promoção social arrancando-os às garras de exploradores sem escrúpulo, de que o Estado, sempre os Estados, não era o menor.Incalculável o seu património moral, abundante e de inestimável riqueza, fundamentados e cultivados nos valores humanos e virtudes cristãos da Bondade, da Coragem, da Prudência, sempre longe os calculismos de autodefesa. Tudo se tornou num permanente estado de espírito e de vida. Foi assim que D. Sebastião Soares de Resende, até à morte, e ainda na sua própria morte, foi aumentando as reservas do País e da Humanidade como fi gura de referência.

8. Fala até o próprio silêncio do oferecido climatizador, único, arrumado a um canto dovasto quarto do moribundo. Nunca serviu, porrespeito para com todos os da casa. D. Sebastião preferia o incómodo calor húmido a suportar omoral da diferença de tratamento. Não há paratodos, não há para ninguém. A tanto em coisas aparentemente tão pequenas se definem as grandes almas. Falam os seus funerais onde as multidões de todas as condições sociais e cores da pele e credos religiosos, enchiam literalmente ruas e praças, varandas e janelas, árvores e muros da Beira, chorando a sua orfandade. Falam ainda hoje as fl ores que nunca faltam sobre a campa rasa, simples e pequena. Todas estas vozes chegam até nós, testemunhando que «defunctus, adhuc loquitur».D. Sebastião Soares de Resende, estará morto, mas prossegue falando, ao qual se unem as vozes dos seus nobres exemplos de vida em sacrifício constante.

8.1. Mas este morto que assim fala continua a fazer transir de medo muitos vivos, porque o problema não reside no estar morto, mas em ele falar e falar deste modo, com esta vida, com estes factos e do quadrante donde fala. E Ele é este Bispo cristão. Nesta sociedade do silêncio de conveniência, silêncio sobre ele é a voz de ordem. Mas felizmente que há silêncios gritantes que por isso mesmo fazem história. Fora inverso

D. Sebastião e outra a vida e os senhores desses silêncios se ergueriam gritando aos quatro ventos e sobre ele cairiam com o destruidor barulho em que são magistrais e profi ssionais. Quem não conhece o barulho destes silêncios desse mundo? E pisam e repisam e fazem infernal propaganda e enchem jornais e revistas e as casas de espectáculos e de cinemas, obedecendo ao «voltairiano» «Écrasons l’infame».

9. Obedecendo a estas e a tantas outras vozes deste morto-vivo:

9.1. Aqui estamos todos conscientes de que estes são os ventos da nossa história a soprar gritos de vida, conscientes dessa Vida que nos invade, conscientes da asfi xia que na ausência-silêncio tem a mais sub-reptícia expressão de morte, nem sempre assim entendida, e ainda mal.

9.2. Aqui estamos, porque essoutros ventos da história sopram silêncios a repregarem-se nas consciências gerando ambientes de vazio, sabendo que nada do nada se colhe. Mas os fi lhos do nada estão vivos, gerando silêncios porque os incomoda sobremaneira estes mortos que desta forma falam. Anda por aí o camaleão Ariel e seus perigos silenciosos, sob formas poéticas, vestidos de arte, de fi losofi as, e até de detergentes. Quem se dá como de múltiplas formas lhe invade os mais escusos recantos da sua casa e da sua vida? Prouvera estivessem também as nossas, e até as nossas igrejas cristãs, imunes à invasão de Ariel que de muitas e capciosas formas nos vai enchendo do que ama e esvaziando do que odeia. Mais ainda. Com tal desfaçatez que se atreve a sentar-se às nossas próprias mesas metendo a própria mão em nosso próprio prato. 9.3. Senhoras e senhores, Defunctus adhuc loquitur. Só os Homens com a dimensão e a estatura de D. Sebastião falam mais alto que muitos vivos, por que nesses não tem a morte poder total. Por isso, aqui estamos em nome do Tempo e da Vida de D. Sebastião, desta mesma Vida que o

Page 67: Miolo 14

67

mesmo tempo gera e logo devora. Mas, não é o Tempo esse monstruoso Pai que devora os próprios fi lhos que gera?. Mas como suspender o curso do tempo, aspiração de poetas e de místicos? «Tu próprio és o tempo, os teus sentidos são o teu pêndulo. Se páras o movimento, o tempo partiu.» (Angelus Silesius, séc. XIV).

9.4. Aqui estamos em Nome da Palavra que somos nós e as nossas vidas. A palavra é Vida. Aqui estamos com a vida das palavras recordando e homenageando D. Sebastião Soares de Resende, que esperamos seja o fi lho querido desta terra de Milheirós de Poiares. Recordamos com a Palavra, que recordar é viver. Não foi a Palavra durante muito tempo considerada portadora de poder mágico? Para os egípcios, conhecer as palavras queridas era condição para assegurar a imortalidade da alma. Palavra, imortalidade. Adão e Eva tiveram o primeiro privilégio: pôr nomes aos animais e às coisas. E as coisas e os animais passaram a ser identifi cados e reconhecidos pelas palavras. Pelas palavras e vários outros símbolos anunciamos que em nós estão vivos todos os nossos que antes de nós partiram. Por todas essas palavras os trazemos ao nosso convívio fraterno. O Logos grego, ou o Verbum latino, no princípio, era Deus e Deus era o Verbo e o Verbo se fez carne e habitou entre nós e por ela, Fiat, todas as coisas foram feitas e sem Ele nada foi feito de quanto está feito. Eis a fundamental razão da nossa palavra hoje e aqui: a Vida. Por isso, feliz o povo que, para seus entes queridos, recusa a vala comum do esquecimento. Não a esta vala comum que o silêncio determina lançar tudo e todos quantos caem sob o seu domínio como aliado do Tempo? Silêncio e Tempo aliados da Morte. Feliz o povo que baniu da sua vida omais cruel e desumano dos túmulos e das mortes,o silêncio daqueles a quem foi roubada a voz.Por isso, para os libertar desse túmulo e dessa morte os

recordamos embalados na palavra e nela os trazemos à Vida.

Excelências, Senhoras e Senhores, Jovens: Permitam-me breve apontamento de homena-gem à vida deste recordado. D. Sebastião, indubitavelmente, tinha aqui, em Milheirós, o seu coração de fi lho. É humano.Aqui, na partida para tão longínquas terras, deixara saudoso da terra e da mãe Margarida, o seu coração de fi lho extremoso. Natural é o retorno às raízes à medida que os anos vão pesando e as debilidades humanas corroendo o corpo concentram o espírito. Quanto mais a doença precipitava o fi m do seu percurso terrestre mais a terra-berço e a mãe Margarida se tornavam presentes. E que leito mais doce para um fi lho moribundo exalar o último suspiro que o regaço materno? Pois isto observou o jornalista o silencioso na visita a poucos dias do seu passamento fi nal. D. Sebastião, sereno, muito sereno, olhos cerrados parecia dormitar. Cobria-lhe o mirrado e martirizado corpo lençol de linho. Na dobra do lençol de linho, criado por aqui nos campos de Milheirós, sobressaíam dois grandes Bês que, em 1943, a mãe Margarida bordara para o seu menino, – para as mães os fi lhos são eternos meninos. Os dois grandes BÊS eram o seu menino Bastião Bispo. Agora, Janeiro de 1967, o fi lho, doce e repetidamente deslizava a ponta dos dedos pelas letras bordadas, – observa o comovido e meditativo jornalista. Mas que mistérios encerra a vida por descobrir? Que voz longe perto soa? Eram as mãos do fi lho, nas vésperas do reencontro, acariciando o rosto materno, naquelas letras bordadas. Lá longe, no outro lado da África, já a caminho perto do Sol Nascente, Milheirós de Poiares e a Beira, de Moçambique, uniam-se no insondável mistério do momento que a ambos em breve uniria na Vida Eterna. Ex.mas Autoridades, minhas Senhoras, meus Senhores, Caríssimos jovens.

Page 68: Miolo 14

68

Terminemos. É certo que «quem meufi lho beija minha boca adoça». Confi rma-o a simpática e carinhosa atenção prestada às nossos palavrassobre o fi lho maior desta vossa terra, o que muito grato nos deixa. Porém a ninguém assiste o direitode abusar. Vosso é este fi lho maior. Mas, permitam-me duvidar se estaríamos todos aqui e desta forma, não fora a atenção da Liga dos Amigos da Feira, LAF, e esta pela acção do Sr. Dr. Celestino Portela, cujo evidente desvelo, amor às Terras da Feira, seu torrão natal, e atenção aos seus valores, em boa hora envidou esforços para dar todo o relevo possível à extraordinária fi gura de D. Sebastião Soares de Resende, o Feirense, o Homem, o Bispo Missionário. Dessa notável acção sai agora solenemente a público esta obra a ele inteiramente dedicada.

Deixai sonhar quem já admirava D. Sebastião, mas agora apaixonado pela sua extraordinária fi gura paixão gerada no decurso do aprofundamento da investigação biblio-biográfi ca. Mas qual o sonho do apaixonado investigador? No exemplar(1) entregue a cada um de vós vai um relicário não das cinzas, mas da alma deste vosso conterrâneo. Ainda bem, porque o vemos devotamente embalado pelo carinho das vossas mãos e aquecido pela leitura do vosso coração. Lê-lo, eis a melhor forma de o amar e venerar, pois ninguém ama o que não conhece. Conhecimento é o que a palavra nos transmite. Também nós começámos com vaga admiração e terminámos possuídos de verdadeira paixão pela sua fi gura. Assim, Senhoras e Senhores, aqui, nas vossas mãos, o deixamos. E fi ca bem. Muito obrigado D. Sebastião Soares de Resende. Muito obrigado, Milheirós de Poiares. Tenho dito.

(1) Separata do nº 12 da revista Villa da Feira, dedicada a D. Sebastião Soares de Resende.

Page 69: Miolo 14

69 Notas Camilianas

Padre Manuel Leão*

A fi gura humana e estatura de escritor de Camilo Castelo Branco criaram um numeroso grupo de admiradores. No Porto oitocentista, chegou a funcionar um grupo ofi cial, com características sociais e literárias, que escolheu o seu nome como uma bandeira. A desgraça que o perseguiu encontrou várias modalidades para o atormentar, começando pela orfandade. Foi o único escri tor português que teve de viver da escrita da sua lavra. Não conseguiu amesendar-se a nenhuma sinecura ofi cial. Vamos abordar dois aspectos da sua passagem pelo Porto. O primeiro será sobre o seu comportamento no meio portuense e o segundo versará os negócios feitos por outrem, das suas obras. As principais fontes para a primeira parte deste estudo foram a imprensa portuense, nomeadamente o Echo Popular e Periódico dos Pobres no Porto.

Muito novo, começou a escrever para sobreviver, sem dependência de seus parentes. Em 1841(1), era considerado fo lhetinista de O Echo Popular, quando foi publicamente insultado por ter escrito uma crítica teatral desfavorável aos interes sados no êxito da peça representada. O folhetim era um meio a que recorreu a maioria dos escritores, mesmo com nomeada, como foi Almeida Garrett. O público leitor era bastante raro para suportar a edição de qualquer obra. Esta crítica feita a Camilo era despertada pela produção literária

muito vasta que ia lançando na imprensa: poesia, crítica literária, peças de teatro, acontecimentos de carácter social. Muitas destas obras nem chegaram a ser incluídas na publicação das suas obras, chamadas completas. Em 1848, publicou, em O Echo Popular, um trabalho de fi cção chamado romance, com o títuloA Última Vitória de um Conquistador. Mesmo deslocando-se a Vila Real, ainda em 1848, publica no mesmo periódico, em folhetins, Um Episódio de Alcácer Quibir. Em 1850, foi redactor de A Pátria, tendo-se envolvido à

(1) Periódico dos Pobres no Porto, n.º 33 de 3 de Fevereiro.

* Natural de Milheirós de Poiares, concelho de Santa Maria da Feira, fez os seus estudos no Porto, tendo concluído o curso de Teologia e sido ordenado presbítero, na Sé do Porto, em 1943. Dedicou-se à educação e ensino, dirigindo o Colégio de Gaia, durante décadas. Esteve ligado à Fundação do Instituto Superior Politécnico de Gaia e Escola Profi ssional de Gaia, a cujas direcções pertence. Tem publicado numerosos estudos sobre história cultural do Porto e Vila Nova de Gaia, com incidência nos domínios da arte, da actividade livreira e do teatro portuense antigo. Tem promovido várias iniciativas de carácter social. Criou, em 1996, a Fundação Manuel Leão, com fi ns culturais e sociocaritativos.

Page 70: Miolo 14

70

pancada com o director desse jornal, em plena sessão no Teatro de S. João. No mesmo ano, em Braga, entrou em vias de facto, devido aos seus escritos e ao seu feitio de reacções imediatas. Uma das peripécias de maior relevância social foi um artigo que publicou no Nacional. Estava em curso um litígio entre a Baronesa do Bolhão e o marido. Com elementos forne cidos pelo Barão, Camilo vinga o seu amigo, humilhando a Baronesa. A inconstância temperamental de Camilo não lhe permitiu concluir qualquer curso, embora fosse dotado duma faculdade que lhe garantiria um fi nal brilhante de curso: uma prodi giosa memória. Chegou a matricular-se em Teologia, em 1850. A sua implicação com a Baronesa não terminou sem que Camilo afi rmasse que não era mercenário de ninguém e naquele caso era apenas amigo do Barão. Fisgou tão seriamente o sobrinho da Baronesa, Constantino António do Vale, que a família do atingido fez uma espera para agredir o escritor, em plena rua de Santo António. Em 1854, colaborou em A Grinalda, jornal que conquistou lugar na história literária portuense.Uma fase signifi cativa da evolução pessoal de Camilo foi a sua passagem pela direcção de dois jornais de cariz religioso. Não é de estranhar, porque a fi gura superior do seu familiar, P. António de Azevedo, marcou-o para sempre, não obstante os desvios ocorridos no seu percurso humano. Este sacerdote, sem querer impor, deu-lhe uma imagem inconfundível de prática religiosa sã e simpática. Pois, Camilo foi director de O Christianismo, começando a sua tarefa em 5 de Janeiro de 1852(2). Escreveu poesia religiosa e um juízo crítico a um sermão de Câmara Sínval, que tinha deixado a docência universitária para abraçar o sacerdócio. Entrou na

discussão de temas escaldantes para aquela época,por exemplo, a defesa dos jesuítas e a questão do poder temporal do papa. Esta ordem de ideias percorreu bastantes números deste órgão da imprensa local. Houve mesmo um trabalho sobre os salmos penitenciais e as Sete Dores de Nossa Senhora que mereceuuma edição própria. Neste mesmo Jornal, foi noticiadaa sua passagem para outro jornal A Cruz, tendo apessoa do escritor merecido esta informação queo dava no novo jornal, em Janeiro de 1853: «Muito folgamos de que um tão hábil soldado continue a combater debaixo da bandeira da legitimidade religiosa(3).» Percorrendo as páginas do jornal que Camilo trocou por outro, houve um artigo, com o título Razão e Fé, que suscitou ataque da parte de Amorim Viana. Num extenso rebate sereno, longe do tom truculento das polémicas, Camilo responde até com manifesta paciência e humildade. Sentiu-se injustamente tratado, por lhe ter sido negada, pelo seu adversário, a glória de pertencer ao grémio da Igreja. Com densidade humana, mais que bastante, Camilo escreveu:“Sua Senhoria, antes de analisar os meus artigos, analisou a minha vida. Viu a corrupção do meu passado e tirou daí partido para as suas ovações, quando devera lamentar-me, a não poder favorecer-me com um outro sentimento mais generoso”. Ainda antes de entrar na defesa das ideias que o seu adversário quis baralhar para criar confusão, Camilo escreveu: «Nem infi el, nem herético, nem apóstata, nem cismático, nem excomungado... eu estava no caso dos muitos pecadores que a Igreja suporta no seu seio, enquanto pode esperar a sua conversão(4).»

(2) O Christianismo, n.º 1, de 5 de Janeiro de 1852.(3) Ibid. N.º 37.(4) Ibid. Nº 15, de 27 de Março de 1852.

Page 71: Miolo 14

71

No primeiro número de A Cruz, escreve que não foi levianamente que colocou o seu nome obscuro no extenso catálogo dos escritores religiosos.Termina esta nota autobiográfi ca com esta frase: «Houve quem aventasse, no futuro, que só Deus conhece a hora em que devia descer do meu voo religioso ao raso da indiferença donde subira(5).» Os outeiros ou abadessados tinham a presença de poetas e poetastros. Quando era eleita a responsável do convento, havia festa no exterior, as freiras assomavam às janelas, distribuíam doces e serviam vinhos aos participantes. Por vezes, as freiras davam o mote para o poeta desenvolver; outras, deixavam à inspiração dos autores a iniciativa. Houve um abadessado em que Camilo teria levado no bolso a poesia, fugindo à norma vigente que obrigava ao impro viso. Não podemos deixar de nos situarmos na época. As ordens religiosas tinham sido extintas, mantendo-se os conventos até que morresse a última freira. A decadência, atiçada pela falsa ideia da liberdade, deu origem a abusos, mesmo nos outeiros. Isso, por exemplo, aconteceu, em 1853(6), no abadessado, em Vila Nova de Gaia, no convento de Corpus Christi. Camilo critica o desalinho, com esta frase: «Saímos com o coração magoado, sem pieguice o dizemos.» Descreve que, na primeira noite, até as religiosas se reti raram das janelas. Na segunda, apareceram ao engano. Na terceira, os ouvintes com suas famílias retiraram envergonhados. Oito dias (o oitavário) depois, “os licenciosos podiam vozear livremente, porque eram eles e quase só eles os que se ouviam e aplaudiam.” Mais tarde(7), Camilo, apresentando poesia de Faustino

Xavier de Novais, escreveu que este autor satírico soube associar-se ao sofrimento das freiras do mosteiro de Lorvão que pediam esmola. Em 1857, Camilo publicou Purgatórioe Paraíso, Espinhos e Flores. Em 1858, esteveligado a Aurora do Lima, de Viana do Castelo.Escreveu Vingança, um romance, em 1858. Naquele tempo, a teoria literária ainda não tinha apurado a diferença entre novela e romance. Em 1859, escreveu uma peça de teatro Último Acto, que foi representada em Lisboa.

O Coração dum Romântico

Dois anos antes da sua morte trágica, Camilo já não conseguia escrever por sua mão. É desta época uma carta que parece ser pouco conhecida, que foi escrita em resposta à reacção dum condenado que se lhe tinha dirigido. Na verdade, o alferes Marinho da Cruz escreveu uma carta a Camilo, agradecendo as palavras de comiseração recebidas. Camilo responde num tom literário empolado, certamente prevendo a divulgação dela. De facto, as cartas de um e outro foram lidas no julgamento.O diário A Actualidade publicou-as textualmente em 7 de Agosto de 1888(8). Aqui reproduzimos a de Camilo, em ortografi a actualizada:

«Ex.mo Snr. Marinho da Cruz:

Em um dos três dias tormentosos que estive em Lisboa, sob o exame dos especialistas que assistem aos condenados à cegueira irremediável, recebi de

(5) A Cruz, n.º 1, de 8 de Janeiro de 1853.(6) Ibid. n.º 23, de 11 de Junho de 1853.(7) (7) Ibid. n.º 29,1853. (8) n.º 188.

Page 72: Miolo 14

72

V. Exª uma carta dolorosíssima. Não lhe respondi, porque só agora, com os olhos torturados, o posso fazer por mão estranha. Penaliza-me o receio de que V. Exª me imaginasse tão insensível à sua desgraça como tem sido cruel e acerba a desumanidade de alguns que têm vertido nas chagas que a natureza abriu na alma deV. Exª o fel de um rancor implacável. Eu sou um dos que deploram com vergonha que um homem a quem Deus concedeu cérebro e coração constituídos no trabalho harmónico, que faz a felicidade da existência, se ergam inexoráveis contra aqueles que vieram a este mundo mutilados nas suas faculdades. V. Exª faz-me uma grande compaixão, faz vontade de pedir a Deus que o resgate desta vida que lhe foi um verdadeiro inferno, mas na sua situação, comove até às lágrimas, quando vejo que se pede o seu castigo como se pediria a condenação de um cego, porque ele não vê a luz. Tenho esperanças. A palavra salvadora de Tomás Ribeiro deve fazer relâmpagos na consciência humana. V. Exª será salvo por ele e para honra dos que hão-de jul gá-lo com a razão e com a misericórdia. De V. Exª o mais inútil respeitador dos seus infortúnios. S. Miguel de Seide, 12 de Dezembro de 1887 Camillo Castello Branco»

Editores de Camilo

Ainda Camilo estava vivo e as suas obras andavam em bolandas, como objecto de negócio.A propriedade intelectual não tinha ainda encontrado

defesa legal. Em 1889(9), Joaquim Antunes Leitão, da rua de Almada, vendeu a Pedro Correia da Silva, da Trav. da Queimada, Lisboa Agulha em Palheiro O Judeu Doze Casamentos Felizesobras de Camilo Castelo Branco, hoje Visconde de Correia Botelho, por 600$000 reis. Pedro Correia da Silva é classifi cado como escritor público, expressão que encontramos corrente nesse tempo. Joaquim Leitão foi pai de Joaquim Leitão, fi gura literária que escreveu muito, tanto no jornalismo como em vários géneros literários. Durante muito tempo, foi secretário da Academia de Ciências de Lisboa. O pai dedicou-se à actividade livreira e tipográfi ca, sendo sócio de sociedade com essa actividade profi ssional, em 1903 (10). Negócio mais volumoso foi assinado em 1 de Fevereiro de 1890 (11). Pedro Correia da Silva, da rua das Flores, comprou a António Rodrigues da Cruz Coutinho, da rua dos Caldeireiros, os direitos que tinha sobre as seguintes obras de Camilo: Anátema Carlota Ângela Duas Horas de Liteira A Filha do Arcediago Lágrimas Abençoadas O Livro Negro do Padre Dinis Mistérios de Lisboa (dois Volumes) A Neta do Arcediago Onde está a Felicidade? O que fazem Mulheres Cenas Contemporâneas Cenas da Foz

(9) ADP Po 9, 4ª s., 402, 52v.

(10) Ibid. Po 9, 4ª s., 438,3-4(11) Ibid. Po 9, 4ª s., 403, 97-97v.

Page 73: Miolo 14

73

Vingança Agostinho de Ceuta Espinhos e Flores Justiça Marquês de Torres Novas Poesia ou dinheiro Purgatório e Paraíso Horas de Paz Tradução do romance francês Fanny de Ernesto Frideau

Estavam todas registadas na Biblioteca Nacional, excepto: O Livro Negro do Padre Dinis Agostinho de Ceuta Justiça Marquês de Torres Novas Fanny Horas de Paz

Joaquim Antunes Leitão foi testemunha.

Page 74: Miolo 14

74 Toponímia de AgoraAna Duque*

Há uma placa novaem frente à nossa casa.Verde.Ergueram-na durante a noitetalvez depois da Lenha ter ardidona fogueira presade um disco brasileiro.O mesmoque tocousó para nósquando a clandestinidade era uma porta das traseiraspor onde entravamos meus sentimentos.A mesma saídadas vezes passadas.Na nossa ruahá uma árvore rosaem frente à varanda da salacom ramos pintados de fresco.E o sol

o mesmo que agora abraça a verdade – porta da frente da nossa casa –é um carinhofeito ao fim de semana.

Há uma placa verdenovaque se chama Alegriapela vitória do liberalismode havermos nós.Atrás a afixação proibida.Permite-se apenas um cartazque anunciao futuro de sermos um só.Talvez três dentro de tempos.

* Pseudónimo de Arminda Rosa Pereira, natural do Porto.Foi actriz do Teatro Experimental do Porto e colabora na tertúlia Onda Poética de Espinho.Colaboradora da Notícias Magazine e do Jornal de Letras.

Page 75: Miolo 14

75Apresentação do Castelo após conclusão da 1ª fase de obras

Ludgero Marques*

Senhores Associados Senhores Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Desde os fi nais dos anos 90 que o Castelo de Santa Maria da Feira tem vindo a ser objecto de um conjunto mais rigoroso de intervenções que visam torná-lo moderno em termos de utilização, mantendo o seu carácter de marco histórico. Hoje apresentamos o resultado da fase mais recente desse conjunto de obras.

Foi a Comissão de Vigilância do Castelo que tomou a seu cargo esta tarefa de velar pela conservação e pela manutenção do carácter deste Monumento Nacional, tendo sempre as intervenções que nele, ao longo dos tempos, foi efectuando, sido feitas em

consonância com os departamentos da Administração

Central, como mais recentemente o IPPAR, responsáveis

pela preservação do nosso património histórico.

Devo dizer que esta conjugação de esforços

entre entidades de raiz privada e pública tem vindo a

gerar resultados de que nos devemos orgulhar. Olhar

para este Castelo, bem conservado, escorado ainda

numa envolvente com qualidade ambiental e também

ela correctamente protegida, é extraordinariamente

compensador para todos quantos desinteressadamente

têm trabalhado para alcançar esses objectivos.

Podemos congratular-nos, eu e os meus colegas

da Comissão, pela actividade que desenvolvemos, e

sinto-me alentado quando nos é dado o reconhecimento

pelo trabalho e dedicação que nós próprios entregamos

ao país. Mas, é indispensável que os poderes públicos

compreendam que as acções que a sociedade civil realiza

nestas áreas não são concorrenciais, nem procuram

disputar qualquer protagonismo, nem pretendem obter

resultados materiais directos para os seus membros.

* Presidente da Comissão de Vigilância do Castelo da Feira.

Page 76: Miolo 14

76

A sua condição, a par do Castelo de Guimarães, de último vestígio monumental do nascimento de Portugal, merece o reconhecimento dos portugueses de hoje. Nos princípios do séc. XII, participou juntamente com os Castelos de Neiva, Faria e Guimarães, no princípio da revolta que levou mais tarde à independência de Portugal. E foi a cabeça da importante, pela estratégia e pela riqueza económica, Terra de Santa Maria, situada entre os rios Douro e Vouga, por um lado, e as serranias de Arouca, Cambra, Sever e o Oceano, por outro.

Hoje, o Castelo já não tem valor militar nem qualquer poderosa família medieval necessita dos seus muros para marcar o seu poder. Os tempos são diferentes e a importância do Castelo está na sua capacidade de, mantendo-se como memória desses tempos históricos, trazer à região e ao país outros serviços e com as intervenções que têm sido feitas possui hoje todas as condições para adquirir as valências que lhe permitem desempenhar um papel importante em áreas de intervenção como a cultural, a formação, a divulgação histórica, o turismo e também na área da dinamização económica desta região e do país.

O que podemos ver hoje é o resultado da primeira fase – ou da segunda parte da primeira fase – de um projecto de intervenção ambicioso levado a cabo pela Comissão. Os trabalhos desta segunda parte da primeira fase da actual intervenção duraram pouco mais de um ano e custaram cerca de 580 mil euros fi nanciados por fundos comunitários na sua maior parte, mas também pelo IPPAR, pela Comissão e pelos seus patrocinadores.

O principal propósito desta intervenção foi o de permitir que, mantendo a traça histórica do Castelo,

ele se tornasse não só num equipamento multifacetado apto a receber eventos culturais e empresariais, mas igualmente que se tornasse visitável, que os arranjos, as recuperações, as diversas obras feitas, tornassem o Castelo apetecível como local de visita, como memória viva da história que atraísse o visitante.

Nesta ordem de ideias na presente intervenção foram tomados enormes cuidados no sentido de que quaisquer vestígios arqueológicos existentes, e até aqui desconhecidos, não fossem ignorados ou destruídos, cumprindo regras precisas e exigentes de preservação do património. Esses cuidados e a dedicação e qualidade dos nossos arqueólogos permitiram a descoberta de peças arqueológicas de signifi cativo valor histórico que irão enriquecer o recheio do próprio Castelo, no qual fi carão expostas e onde constituirão nova razão para uma visita. Foi a primeira vez que, nas intervenções feitas no Castelo, se recuperaram peças arqueológicas deste género.

Aproveitou-se, igualmente, para limpar o Castelo dos vestígios de anteriores intervenções que esconderam aspectos da construção original que agora é visível como o era no Século XII. Esta acção inseriu-se na nossa intenção de pôr a descoberto o carácter medieval do Castelo. A sua envolvente, que inclui a chamada Quinta do Castelo a propósito da qual continuamos conversações que vão bem encaminhadas, é de importância vital para que o Castelo desempenhe o seu papel.

As escavações feitas permitiram, ainda, criar um outro piso no Castelo bem como conhecer a sua cisterna original, que agora pode ser visitada. E, para facilitar a visita, foi construído um elevador embebido nos

Page 77: Miolo 14

77

próprios muros da muralha que permite a comunicação entre esse novo piso (onde se encontra a cisterna), a Sala D. Manuel e o Salão Nobre. Além disso, o conforto foi melhorado com a criação de instalações sanitárias e com outras áreas de apoio a eventos.

Não posso, também, esquecer as obras de restauro da Capela de Nossa Senhora da Encarnação, cujos resultados da qualidade são bem visíveis.

Mas não têm sido apenas as obras de conservação do Castelo que tem ocupado a actividade da

Comissão. Para além dos trabalhos e estudos que estão a ser desenvolvidos para a gestão da Quinta do Castelo pela Comissão, o que permitirá o enquadramento do Castelo num espaço onde novas actividades se podem estender, não posso deixar de referir o lançamento do primeiro volume do livro TERRA DE SANTA MARIA, Terra-Mãe do Primeiro Portugal, da autoria do Professor Eduardo Vera-Cruz Pinto, que confi rma e relança a importância desta Terra no contexto histórico-português.

Espero, pois, que as entidades responsáveis, principalmente o Ministério da Cultura, apoiem e

Cisterna

Page 78: Miolo 14

78

potenciem os efeitos deste espírito de colaboração e ajudem a tornar realidade este potencial de desenvolvimento que assenta na vontade da sociedade civil, para que seja possível realizar muito mais, com menor esforço e maior satisfação, em termos de empreendimentos que ajudam a valorização de Portugal em todas as áreas.

Gostaria de endereçar os meus agradecimentos a todas as personalidades que nos ajudaram no desenvolvimento das acções da Comissão, ao IPPAR pela confi ança que em nós souberam depositar e aos nossos Associados e patrocinadores.

Ao Arquitecto Francisco Barata pela sentido e empenho com que viveu cada traço do seu projecto, para que este magnífi co restauro mantivesse intactas as características da história e lhe conferisse as funcionalidades necessárias.

Aos meus colegas da Direcção agradeço o empenhamento e apoio e, não querendo diminuir a importância do papel que todos desempenharam, permitam-me que destaque a participação empenhada do Eng. Cabral Figueiredo na concretização desta obra.

De todos quantos vêm tornando possível o desenvolvimento da actividade da Comissão, agradeço muito vivamente a todos os mecenas, desde empresas a autarquias, que nos têm empenhadamente apoiado. Como vêem, os vossos contributos estão a ser correctamente empregues.

Muito obrigado a todos.

Page 79: Miolo 14

79AQUELE DR. RICARDO REIS- Fernando Pessoa

Abílio Ferreira da Silva* “Pus em Ricardo Reis toda a minha disciplina mental, vestida da música que lhe é própria”

Fernando Pessoa Fernando Pessoa faz parte do primeiro grupo do modernismo, movimento estético pós-simbolista, surgido em Lisboa no primeiro quartel do século XX.A este grupo pertenceram também Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor, todos três de infl uência cultural parisiense. Como assinala José-Augusto França: “O salto mortal da moderna pintura portuguesa teve exercício futurista e foi executado em Lisboa, em Abril de 1915, nos quatro hors-textes do n.º 2 da revista Orpheu assinados por Santa-Rita Pintor,

que de Paris regressara, com a guerra, no ano anterior, proclamando-se único futurista nacional e dando-se a incumbência de instaurar o movimento em Portugal – onde Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Sá-Carneiro lhe andavam à volta, em poesia e atitudes”. Acrescente-se que no ano seguinte surgiao polémico “Manifesto Anti-Dantas”, assinado por “José de Almada-Negreiros, Poeta d’Orpheu, Futurista e Tudo”. Fernando Pessoa, que fora marcado pela cultura inglesa, pois passara a adolescência na África do Sul, é, sem dúvida, o mais importante escritor português das tendências pós-simbolistas. A distribuição da sua obra, nomeadamente a poética, por vários heterónimos, tem provocado um sem número de discussões e especulações sobre a sua unidade e pluralidade. Homem tímido e pouco comunicativo, Fernando Pessoa é um solitário. E na desmultiplicação dos seus heterónimos manifesta a complexidade dos seus pensamentos e a percepção da vida e do mundo

* Médico e escritor.

Page 80: Miolo 14

80

no contexto de uma época – fi nais do século XIX e início do século XX – caracterizado por contradições, perplexidades e exaltações. Procurando justifi car os seus heterónimos, Fernando Pessoa diz que “cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmo (...) Na vasta colónia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente (...). Minha alma é uma orquestra, não sei que instrumentos tange e range, cordas e harpas, timbales e tambores dentro de mim. Só me conheço como sinfonia”.

Enfi m, Fernando Pessoa esteve sempre na pessoa dessa gente, desses heterónimos todos, que tirou do homem múltiplo que realmente é. “Homem uno e múltiplo”, no dizer de Cruz Malpique. Dos seus heterónimos principais, um tem a profi ssão de médico – Ricardo Reis. Terá sidopor mero acaso? O que me parece é que hásubjacente um marcado interesse pelas CiênciasMédicas. Como vamos ver. O conteúdo de qualquer biblioteca, além de poder testemunhar várias facetas da vida do seu

Rosto do nº 1 de “Orpheu”.Barrett - Fernando Pessoa.

Page 81: Miolo 14

81

proprietário, quando ele próprio a foi fazendo, refl ecte fundamentalmente os seus interesses. Ora, da biblioteca de Fernando Pessoa fazem parte várias obras relacionadas com as Ciências Médicas, nomeadamente de Física, Anatomia, Fisiologia e Psicologia, com incursões pela própria Psiquiatria. Eis algumas dessas obras: Physical Research, de V. Barret; La Timidité – étude psychologique et moral, de L. Dugas; Nerves, deD. Harris; The Human Body, de A. Keith; Os neurasténicos – esboço de um estudo médico e fi losófi co, deJ. Makendrick; La inferioridade mental de la mujer, de

P. Moebus; Un souvenir d’enfance de Leonard da Vinci, de S. Freud. O interesse pelas teorias de Freud está bem patente numa carta a João Gaspar Simões, datada de 11 de Dezembro de 1931. Nela analisa, “a seu ver”, o Freudismo: “O êxito europeu e ultra-europeu de Freud procede, a meu ver, em parte da originalidade de critério, em parte do que este tem de força e estreiteza de loucura (...) mas principalmente de o critério assentar (salvo desvios em alguns sequazes) numa interpretação

Costa Pinheiro - Fernando Pessoa e Heterónimos.

Page 82: Miolo 14

82

sexual (...). Ora, a meu ver (é sempre a meu ver), o Freudismo é um sistema imperfeito, estreito e utilíssimo. É imperfeito se julgarmos que nos vão dar a chave, que nenhum sistema nos pode dar, da complexidade indefi nida da alma humana. É estreito, se julgando, por ele, que tudo se reduz à sexualidade, pois nada se reduz a uma coisa só, nem sequer na vida intra-atómica.É utilíssimo porque chamou a atenção dos psicólogos para três elementos importantíssimos na vida da alma, e portanto na interpretação dela: 1.º - o subconsciente e a nossa consequente qualidade de animais irracionais;

2.º - a sexualidade, cuja importância havia sido, por diversos motivos, diminuída ou desconhecida anteriormente; 3.º - o que poderei chamar, em linguagem minha, a translação, ou seja a conversão de certos elementos psíquicos (não só sexuais) em outros, por estorvo ou desvio dos originais e a possibilidade de se determinar a existência de certas qualidades ou defeitos por meio de efeitos aparentemente irrelacionados com eles ou elas.” (...) De resto, Fernando Pessoa, que se queixa de sofrer “por vezes de uma mortal neurastenia” ou de

Segismundo Freud. Mário de Sá-Carneiro.

Page 83: Miolo 14

83

“verdadeiras tempestades mentais”, salienta a marca psiquiátrica na génese dos seus heterónimos: “(...) Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeriaque existe em mim. Não sei se sou simples-mente histérico, se sou, mais propriamente, um histeroneurasténico, tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que ahisteria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânicae constante para a despersonalização e paraa simulação (...)”

Quanto a Ricardo Reis, cuja personalidadese lhe esboçara em 1912, mas só se defi nindoem Março de 1914, Fernando Pessoa fá-lo nascerem 1887 na cidade do Porto. Tem a profi ssão de médico e a ideologia de monárquico, pelo que se expatrioupara o Brasil em 1919. Tendo frequentado umcolégio de jesuítas, recebeu uma educaçãoconservadora, mas uma formação clássica greco-latina. Com esta formação greco-latina, natural é que fosse imbuído do neopaganismo, então em voga na Europa, e de que Nietzsche se pode considerar um exemplo paradigmático.

José de Almada Negreiros. Friedrich Nietzsche.

Page 84: Miolo 14

84

Este escritor e fi lósofo alemão, que se dedicara profundamente ao estudo das Literaturas Clássicas grega e latina, e que foi depois entusiasta seguidor das doutrinas estéticas de Schopenhauer, chegou a ser professor de Filosofi a da Universidade de Basileia. Perdendo a crença cristã e a sua tradicional ética e princípios de humanidade, o seu ideal passou a ser a satisfação dos instintos vitais, com a aplicação às relações entre os homens da teoria darwiniana de luta pela vida entre os animais, culminando com o nefasto símbolo do super-homem.

Ricardo Reis, porém, reivindicava um neopaganismo verdadeiramente greco-latino, sem cariz germânico. Com ele propunha acabar com uma subjectividade, que o Cristianismo criara, e que se interpunha entre nós e as coisas. Chegar-se-ia, assim, à imediatineidade nos conhecimentos das coisas. Fortemente infl uenciado pelos poetas latinos, Ricardo Reis é marcado por uma concepção de vida de grande simplicidade e serenidade, que deve ser gozada com calma e prazer, pois é breve. E isto refl ecte-se nas suas Odes:

Brasão de Família desenhado por Fernando Pessoa.

Page 85: Miolo 14

85

Alberto Caeiro.

Ricardo Reis. Álvaro de Campos.

Almada Negreiros - Heterónimos.

Page 86: Miolo 14

86

“Ouvi contar que outrora, quando a PérsiaTinha não sei qual guerra,Quando a invasão ardia na CidadeE as mulheres gritavam,Dois jogadores de xadrez jogavamO seu jogo contínuo.À sombra de ampla árvore fi tavamO tabuleiro antigoE, ao lado de cada um, esperando os seusMomentos mais folgados,Quando havia movido a pedra, e agora

Esperava o adversário,Um púcaro com vinho refrescavaSobriamente a sua sede. (...)Aprendamos na históriaDos calmos jogadores de xadrezComo passar a vida. (...)”

Ou:

“Quão breve tempo é a mais longa vidaE a juventude nela. (...)”

Horóscopo de Ricardo Reis.

Page 87: Miolo 14

87

Ou ainda:

“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.Sossegadamente fi temos o seu curso e aprendamosQue a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas (Enlacemos as mãos)Depois pensemos, crianças adultas, que a vidaPassa e não fi ca, nada deixa e nunca regressa.Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,Mais longe que os deuses. (...)”

Mas:

“Para ser grande, sê inteiro: nadaTeu exagera ou exclui.Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes.Assim em cada lago a lua todaBrilha, porque alta vive.”

Esta noção de brevidade da vida é com certeza refl exo da sua formação em Medicina, que, no entanto, nunca exerceu.Ricardo Reis foi, assim, um “médico” que, em vez de exercer medicina, “exerceu poesia”.

BIBLIOGRAFIA:

- COSTA, Dalila L. Pereira – O ESOTERISMO DE FERNANDO PESSOA (Lello e Irmão, Porto)- LANCASTRE, Maria José – FERNANDO PESSOA – UMA FOTOBIOGRAFIA (IN-CM e Centro de Estudos Pessoanos, 1981)- FRANÇA, José-Augusto – A ARTE EM PORTUGAL NO SÉCULO XX (Ed. Correios de Portugal, 1990)- MALPIQUE, Cruz – FERNANDO PESSOA, UNO E MÚLTIPLO (PJ de 4 de Dezembro de 1985)- MOURÃO FERREIRA, David – FERNANDO PESSOA – O ROSTO E AS MÁSCARAS (Ática, Lisboa, 1976)- QUADROS, António – FERNANDO PESSOA (Arcádia, Lisboa)- SARAIVA, António José e LOPES, Óscar – HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA- SERRÃO, Joel – FERNANDO PESSOA, CIDADÃO DO IMAGINÁRIO (Livros Horizonte)- JL (Ano V, n.º 177 – Especial Cinquentenário da morte de Fernando Pessoa)- NOTÍCIAS MÉDICAS (N.º de 5 de Novembro de 2003)- ODES de Ricardo Reis

Santa-Rita Pintor.

Page 88: Miolo 14

88

Edição de: “Círculo de Leitores”. M. Yeco - F. Pessoa.

Page 89: Miolo 14

89 Edith Stein Serafi m Guimarães*

Edith Stein nasceu judia, era fi lósofa e é santa! Eu, não sou judeu, nem fi lósofo, nem santo.

Porquê, então, o fascínio, consentido e grato que, a partir de certo momento, passou a exercer sobre, essa senhora simples, remota, solitária? Há tantos judeus que foram meus modelos nas metas científi cas que persegui, tantos fi lósofos que me ajudaram a ajustar o pensamento, tantos santos a quem rezo?

Será porque um dia, entre a surpresa, a ansiedade e a revolta visitei perplexo e consternado o sinistro campo de Auschwitz-Birkenau, vi a câmara onde ela morreu sufocada pelos gazes e ouvi o anúncio do seu nome, incluído numa longa lista de condenados? Foi no dia 8 de Julho de 1999, sem dúvida o passo mais marcante de uma visita à Polónia, esse

país irmão, pela natureza do seu povo e pela vizinhança sufocante de nações poderosas e ávidas de domínio, esse país mártir que, apesar de espremido ao longo dos séculos pela pressão violenta de poderes arbitrários exercidos, ora de um lado ora do outro, ora dos dois, tem resistido, heroicamente, fi el à sua identidade. Foi num dia de verão que, após uma estadia científi ca em Budapeste, aonde fomos participar num congresso científi co europeu, decidimos acoplar a cultura à ciência e dar uns passos mais, para ver como eram Cracóvia e Varsóvia. Entrámos por Cracóvia, que nos surgiu numa manhã radiosa, depois de uma noite inteira sem dormir e de um pequeno almoço racionado, apesar de bem pago, que nos foi entregue no comboio, dentro de um saquinho de plástico, após uma longa viagem de 12 horas, recheada de peripécias patuscas, fruto das singularidades processuais fronteiriças, que visavam o escrupuloso controlo das nossas pessoas e das nossas malas. É que, nessa Europa, não tinha havido, ainda, tempo para desfazer as amarras das mais amplas liberdades.

* Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Page 90: Miolo 14

90

Os guardas que nos apareceram pela frente tinham um aspecto republicano e o seu comportamento era todo marcial e soviético. Munidos de volumosos dossiers onde deviam fi gurar os elementos identifi cadores das nossas “suspeitas” personagens, esses brutamontes rubicundos, de bigodes fartos e ar carrancudo, entraram pelas nossas cabines-cama adentro, a altas horas da noite, sem pedir licença e começaram a inspecção: fi zeram o exame físico exterior, mirando-nos demoradamente, confrontaram, repetidamente, os nossos passaportes com as páginas do livro de

registos que traziam, revistaram minuciosamente as nossas bagagens. Só não nos interrogaram porque não conheciam uma letra de qualquer léxico que não fosse o deles, nem nós estávamos dispostos a facilitar-lhes a tarefa, dando o mínimo passo de aproximação. Quatro vezes fomos interceptados por estas sinistras personagens: na fronteira da Hungria com a Eslováquia, do lado de cá e do lado de lá e, depois, na fronteira da Eslováquia com a Polónia, também de cada um dos lados: sempre sujeitos com ar agressivo e comportamento malcriado, movidos pela inabalável esperança de nos apanhar em falso. E o comboio parado, e nós, ali, com os mosquitos a zunir à roda das orelhas e a suportar um calor de 40 graus, que não dava tréguas às glândulas sudoríparas. Ficaram quase felizes na expectativa de sucesso, quando verifi caram que no passaporte de uma nossa colega apareciam duas fotografi as, a sua e a do marido, e só ela se apresentava, ali, naquela fronteira, para ser identifi cada! Onde estava o outro fi gurante? Pelos vistos, nunca tinha passado, por ali, um passaporte com dois titulares! Foi uma cena heróica de sons e gestos, de cantinho de écran de televisão, quando se informam surdos-mudos. Só as diligentes vocações de intérprete subitamente despertadas nas pessoas dos outros passageiros, vítimas, como nós, daquela paragem, é que deu a resposta que permitiu que o comboio pudesse, fi nalmente, seguir viagem. Mas levou tempo! Uma vez em Cracóvia e depois de uma visita a quase tudo (e é muitíssimo) que de bonito se podia ver nessa cidade, que cheirava a João Paulo II, que por lá tinha passado uns dias antes – as bandeiras e os posters com a sua fotografi a povoavam, ainda as janelas e as praças -, era inevitável a visita ao campo de Auschwitz, o mais dramaticamente célebre dos

Page 91: Miolo 14

91

campo de concentração que o regime nazi criou e onde mais de três milhões de pessoas foram eliminadas(mais de dois milhões e meio abatidas e meiomilhão mortas à fome). Arbeit macht frei (O trabalho liberta) lê-se no friso que coroa o grande portão de ferro que, desde 1940, espera quem entra no campo. Seguem-se-lhe uma sucessão de ruas tenebrosas, pavimentadas a saibro ferrugento, horrivelmente rectilíneas, vedadas por arame farpado e estreitecidas por edifícios medonhos de tijolo de fábrica. Mas a escuridão das paredes, a viscosidade salobra dos pavimentos e a ferrugem das grades de janelas sem saída é, apenas, a epiderme de um monstro que devorava, em média, 2.000 seres humanos, por dia! Até o envólucro entrou nos acontecimentos! Mas a entrada para os edifíciosé a passagem da tona que anuncia para o miolo que revela, do medonho para o inacreditável. Toda a negrura do passado volta, ali, de novo, à superfície.É que estão lá, ainda, os restos que a pressa ou a surpresa impediu que fossem destruídos ou dissimulados: amontoados de malas grandes, pequenas, de papelão, de couro, com nomes de pessoas ou números de código, fotografi as, montras onde se guardamnovelos de cabelos de criança1, brinquedos, óculos, sandálias, escovas de dentes, coisas que falam de ausências e lembram solidões e desesperos, restos que cheiram a gente e que falam dos gritos de impotência perante a mais desumana e cruel prepotência concebida e exercida pela loucura de um homem. Não vi lágrimas nos olhos de ninguém, talvez porque as lágrimas são formas doces de exprimir

comiseração, que signifi cam compaixão mais do que protesto. Vi faces tensas de revolta. Rostos enxutos pela secura da raiva! Como quem pisa um terreno sagrado que se não pode profanar ou como quem tem medo de acordar daquele silêncio tumular recados acusadores, os visitantes seguiam, de sala em sala, como autómatos, o caminho indicado pelos guias, procurando ser leves nos seus passos! Nos vastos dormitórios que se espalham por 48 hectares, as camas lembram leitos de estábulo em feiras de gado; vimos, também, celas individuais; a nº 18, alojou Maximillian Kolbe, o monge que se ofereceu para morrer em vez de um pai de família sendo, assim, mais uma vítima dos fornos crematórios. A Igreja santifi cou-o. É tão densa a atmosfera mística deste pequeno espaço onde, hoje, se colocam fl ores e ardem velas que, apesar do chão sujo, caí de joelhos, indiferente a presenças e pudores. A excursão termina com a visita a um dos fornos crematórios, aquele onde Edith foi exterminada. Em frente, vê-se a forca onde, em 16 de Abril de 1947, Rudolf Höss, o primeiro comandante dessa sinistra fábrica de morte, foi pendurado.

Será porque um dia, ao visitar uma pequenae velha capela em St. Märgen, no alto da FlorestaNegra, soube que uma fi lósofa judia convertida ao catolicismo aí ia, frequentemente, em peregrinação carmelita solitária? No interior dessa capela antiga tipicamente alemã, até pelo cheiro denso de uma mistura de cera e idade, o ícone mais veneradoé um quadro com a sua fotografi a e uma longalegenda, que lembra aos romeiros os pormenores dessa peregrinação e a biografi a dessa peregrina.Desde então, sempre que visito Freiburg, nunca

(1) Vi escrito, num desdobrável informativo, que nos despojos de Auschwitz tinham sido encontradas 70 toneladas de cabelo de criança e de senhora. Vi, também, exemplares de tapetes e passadeiras tecidas com cabelos dessa origem!

Page 92: Miolo 14

92

mais deixei de lá ir, numa romagem de crente, como quem paga uma promessa. Será porque Freiburg, uma das Mecas científi cas a que me sinto tão preso, é a Universidade onde Edith ensinou fi losofi a? Foi aí que ela ensinou e foi aí que ela produziu a sua Tese de doutoramento, que Husserl, seu mestre, classifi cou como a mais brilhante dissertação de quantas lera. Foi, também, aí, que Husserl produziu e publicou os trabalhos que fi zeram dele o criador da fenomenologia. Estou a ouvir o meu amigo Klaus Starke falar de todos estes grandes nomes da fi losofi a, que por ali passaram, a começar por Martin Heidegger, com quem muitas vezes se cruzou nos jardins da Universidade, onde o grande fi lósofo gostava de passear. A Universidade de Freiburg é uma das mais notáveis da Alemanha e do Mundo. Aí ensinaram Ludwig Arschoff, Adolf Küssmaul, Albrecht Fleckenstein, Martin Heidegger, Walther Staub, Paul Trendelenburg, Klaus Starke e tantos outros grandes, enormes nomes da ciência!

Em Junho de 2003, na minha última estadia prolongada em Freiburg, tive a alegria de poder participar numa festa organizada para celebrar a colocação de um vitral com a efígie de Edith Stein, na consagrada catedral que ostenta a mais bela torre da cristandade. A cerimónia foi cantada por todos os meios de comunicação, com uma naturalidade, uma alegria e uma liberdade impossíveis no nosso país. Parece que é necessário ser uma grande nação e ter sido alvo de um fatalismo histórico que, por razões ora religiosas, ora políticas, foi dividida a meio, para que se entenda o que é tolerância e para que se desenvolva o respeito pelo que são os grandes valores da vida, aqueles que

dão fundamento à civilização ocidental! No nosso pequeno rectângulo periférico, triste e sem memória medra a omnipotência de uma antireligiosidade radical e o absolutismo demagógico da imoralidade designado, eufemisticamente, por respeito pelas minorias.

Será, seguramente, por tudo isto que se foi concentrando no meu espírito, um estado de homenagem permanente a esta fi gura mítica que nasceu judia em 1891, se tornou fi lósofa cristã em 1934 e morreu santa em 1942!

Serafi m Guimarães13 de Maio de 2006

Page 93: Miolo 14

93VITORINO NEMÉSIOE A VIAGEM MÚLTIPLA

por Maria da Conceição Vilhena*

Segunda a crítica actual, V. N. é um daqueles talentos multiforme e espírito polifacetado. Daí o ter sido um eminente professor universitário e um dos maiores escritores do nosso tempo. Grande humanista, e de uma curiosidade universal, V. N. dedicou-se,

nos últimos anos da sua vida, ao aprofundamento das ciências da natureza: Genética, Biologia e Física Nuclear. A esta multiplicidade de interesses, juntava-se uma capacidade de desdobramento de realizações: as de facto e as pelo sonho, o que levou alguns poetas maliciosos a considerarem-no “um sábio enganado no número da porta” (Críticas sobre V. N., p. 23). Ensaísta, critico, prefaciador, tradutor, biografi sta, fi lósofo da cultura, historiador, cronista, poeta e fi ccionista, a sua vida foi forçosamente rica de deambulações, tanto dentro como fora do país. E essas

deambulações teriam certamente de deixar marcas nas suas obras. Em quase todas, sem dúvida; no entanto apontaremos aquelas que têm um laço mais profundo com a viagem: Corsário das Ilhas; Viagens de ao Pé da Porta; O segredo de Ouro Preto e outros caminhos; e Caatinga e Terra Caída; Viagens no Nordeste e no Amazonas. Note-se que Corsário, como título da obra de V. N., nada tem a ver com o signifi cado de pirataria. Contém sim o seu sentido etimológico do latim cursus, que deu corso = corrida, passeio; e que se encontra como elemento de formação de algumas palavras, como p. e. percurso ou incursão. O Corsário das Ilhas é um conjunto de crónicas de viagens, apresentando no seu índice títulos de capítulos como “Primeiro corso”, “Segundo corso”, quer dizer, primeira viagem, segunda viagem... Poderemos ainda citar o Jornal de V. N., que é a obra em que traça a vida íntima do dia a dia da sua existência, caminhada verbal e existencial num deambular de regressos e partidas, para conhecer e para se conhecer. A par destas obras em prosa, referiremos frequentemente algumas poesias que mantêm laços íntimos com essa viagem à “ilha ao longe”, feita de espuma e sonho, como uma “cidade santa” que o espera no fi m da caminhada. Finalmente, podemos apontar “O Ilhéu”, artigo publicado no Diário de Lisboa (em 20 de Maio de 1936), pelo que manifesta da atitude nemesiana relativa ao viajar. Desse artigo, transcrevemos o seguinte passo, em que V. N. refere o seu gosto pela viagem: “se pudesse ser, fazia-me pomba do mar (...), gostava de ser assim uma coisa ou um bicho livre, sem passagem a pagar nos paquetes, sem contas a dar a ninguém, e

* Licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras de Lisboa, 1965. Doutoramento de Estado ès-Lettres, pela Sorbonne, Paris, 1975; Professora Catedrática. Leccionou na Universidade de Aix-en-Provence, França; na Universidade dos Açores; na Universidade Aberta de Lisboa e na Universidade da Ásia Oriental, em Macau. Tem publicado perto de cento e cinquenta trabalhos (livros e artigos) sobre literatura, linguística, etnografi a e história. Actualmente é aposentada e Presidente da Associação de Solidariedade dos Professores (4º mandato).

Page 94: Miolo 14

94

ir de tempos a tempos à minha ilha ver as pessoas que me interessam e os sítios que deixei”.

V. N. nasceu na Ilha Terceira, Açores, em 1902, facto que assinalamos por ter um elo profundo com a viagem intermitente que vai ser toda a sua vida. V. N. é, portanto, um ilhéu, alguém que o mar sufoca e afoga num espaço de curtas dimensões, aquele mesmo mar que lhe aponta longes terras e para elas o atrai. V. N. viaja por necessidade nos seu primeiros tempos, entre a Ilha Terceira e o continente. Mas V. N. viajará mais tarde, por prazer intelectual, através de saberes e culturas; um escritor - peregrino no espaço, no tempo e na cultura. V. N. é um ilhéu, portanto tem uma vocação de viajante, ou antes uma sina, um fado de marinheiro que é o de estar “sempre partindo”. O ilhéu parte, mas não se desliga. Não cabe no espaço em que nasceu, mas aí deseja regressar: como o feto, pleno de ânsia de viver, mas ávido de retorno ao seio materno. Por isso o viajar está no sangue do ilhéu. Não tem ali cumprimento, traz um algures no pensamento, e leva uma ilha no coração. V. N. é “o afogado azul que o verbo arroja,/ Para sempre entre os sons “equívoco, indecifrável “ (Limite de idade, 25-08-1971). V. N. viajou, bastante: à França, à Suiça, à Bélgica, à África do Sul, ao Brasil, dentro de Portugal e, frequentemente, entre os Açores e o Continente. Dessas viagens nos fala nas suas crónicas. Mas não são propriamente os mundos que atravessa, que aí deixa gravados. Mais que relatos e descrições, aí se descobre a alma do escritor, ávida do secreto e do misterioso, inquieta de curiosidade universal.

Todas estas viagens se entrecruzam na sua obra; e V. N. não só colhe, analisa e relaciona conhecimentos locais, como se emociona diante das paisagens, descreve lugares e gentes, cujas vicissitudes sente humanamente. Na descrição de ambientes, se não falta o enquadramento e o pormenor, também não dispensa a imagem e a metáfora que dão à sua prosa uma acentuada faceta poética. Tanto perante a savana africana como na contemplação das grandes montanhas cobertas de neve: (V. Jornal do Observador, “ Cabula Africana” e “A roulotte de Mountain. – Inn”). É por isso que V. N. tem o seu jornal de viagem: “... através deste Jornal talvez me realize um pouco e os leitores me entrevejam e ao que penso. Sobretudo ao que sinto” (Jornal do observador, p. 16). E assim escreve o seu jornal, não como um puro livro de notas de viagem, mas como um relato que compreende um pouco de tudo, até de notas íntimas e memórias de um passado que é presente. Trata-se de uma espécie de “roteiro do escritor”, como já lhe chamou J. Martins Garcia. Por isso os leitores poderão talvez, por ele, conhecer melhor o escritor.

Ao viajar, V. N. conhece-se; é assim que, no Brasil, se descobre brasileiro:

Lá em Água de mininosPra cá de MontesserrateFui bahiano uma manhãBebi meu leite de coco, Comi o mamão gostoso,Cheirei a pele moreninha;.........................................Foi em Água de Mininos,Na Bahia, à fl or do mar,

Page 95: Miolo 14

95

Que o português percebeuQue isto de ser brasileiroÉ questão de começar.

(Poemas brasileiros)

Daí que, ser-se peregrino na América do Sul, corresponde para o português a estar-se repatriando(O segredo de Ouro Preto, p. 376) Mais que a descrição dos trajectos, com as suas peripécias habituais, o que interessa para V. Nemésio são as viagens interiores que esses trajectos permitem. Viagem é, para V. N., pretexto para associação de ideias, rememoração do passado, apreensão do presente, pois “leva uma Lusitânia na alma, Portugal e o Brasil no corpo” (Caatinga e ..., p.170).

O seu diário transforma-se então num exercício intelectual – crónica, e ensaio, sem esquecer a actividade poética:

Os meus olhos emigraramNa barca Flor das Marés,Minha mãe fi cou chorando,Meu pai, de pobre, morreu;Lá no Varejo da RampaAquele moleque sou eu.

(Romance do emigrante)

V. N. vê-se emigrante, e revive toda a dor desses tempos de viagens dolorosas, a bordo das naus sem conforto, em luta com a fúria das tempestades. Viagens hospital e cemitério, em que grande parte dos emigrantes perdia a vida:

O capitão do Flor d’AngraLeva marçanos em FlorPara Belém do Pará.Foi arribar à BaíaCom nome de Salvador.Vinte levou, dez trazia;Nas ilhas, o que dirá?

(Romance do Lugre “Flor d’Angra”)

V. N. joga com o vivido e o criado literariamente:

Eu que em palavras insensatas Fabrico o que me apetece.

(“Violão de Morro”, O segredo de Ouro Preto)

Deste modo, também o Brasil se torna cais onde o poeta acosta na sua viagem, através da memória e do sonho. Nele reencontra a casa da infância e por isso se sente regressar à sua ilha, pela palavra, pela escrita, com a qual construiu a sua obra O segredo de Ouro Preto. O tempo parou, V. N. é um emigrante a construir o Brasil e da açorianidade irrompe a brasilidade, unidas em “sinais de um mundo genésico como este, que nunca se nivela bem” (Caatinga e ... , p. 346). A viagem por mar é, para V. N., um momento privilegiado da criatividade literária, pois o balançar do barco pela agitação das ondas como que activa a sua mobilidade criadora, por uma excitação das ideias, das palavras e dos sentimentos. “Navegamos ambos, o coração e eu”, escreve no Corsário das Ilhas. Sim, navega o escritor e navega a sua “imaginação vagabunda”, através dos vários campos do saber científi co e humanístico, sem nada descurar das terras

Page 96: Miolo 14

96

visitadas: fauna, fl ora, geologia, história, geografi a, poesia popular, em que mistura recordações da infância, enfi m todo um mundo passado e presente, próximo e distante. Do seu peregrinar através de Portugal, V. N. deixou-nos Viagens ao pé da porta, volume em que estão reunidos os relatos das suas andanças, vindas a público de 1935 a 1966. Estes relatos são, como é seu hábito, mais que descrições de paisagens ou narração de episódios: são isso tudo e também, como habitualmente, incursões através da cultura, para as quais lhe dão inspiração as suas divagações através do centro e norte de Portugal: Coimbra, Minho, Beira Alta, Trás-os-Montes. Na carta – prefácio desta obra, V. N. diz a Nuno Simões que os relatos que a compõem são “confi ssões de pequeno fi lósofo”, isto é, impressões trabalhadas pela “liberdade interior da refl exão e da poesia”.Nas viagens reais de “ao pé da porta”, V. N. foge aos circuitos turísticos e procura a vereda, o monte e o prado silenciosos, lá onde pode captar a palpitação da vida, em tranquilas refl exões. Com essas refl exões, impressões e meditações, faz literatura, mas não uma literatura “fl oral”, de “puro inventário campesino”, como afi rma. Literatura é, para ele, não o texto científi co, mas algo de “heteróclito”, feito de uma imprevisível “associação vocabular”. Como escreve em “meditação ocasional”, não há nada “mais compósito, mais híbrido, mais complicado” do que aquilo a que chamamos literatura. Vejamos a descrição do paquete que faz a ligação entre Lisboa e Açores: “Não... Isto já não é o clássico vapor das Ilhas, cheio de estudantes estúrdios, de caixeiros-viajantes opiniosos, de proprietários ilhéus de volta ao lar e de funcionários continentais enjoados e tristes do seu

primeiro desterro (...) Morreu a alegria a bordo (...)Mas o enjoo continua a ser um grande escultor, escavando as feições e enchendo-as de uma luz muito lúgubre (...) Para que tudo mude e o antigo encanto destas viagens me pareça de todo perdido, substituíram a bordo as valentes campainhadas, que anunciavam as refeições, pelas macetadas de gongue de uma marimba javanesa (...). Era desta maneira que Montaigne queria que acordassem os meninos em seus quartos”. (Corsário, p. 81). O relato de viagem coaduna-se assim com a vocação ensaística de V. N.: passeia, contempla e escreve, alargando-se em explanações de carácter cultural – literárias, históricas ou sociológicas. De forma que os seus escritos de viagem surgem como crónicas – ensaio e, até por vezes, como crónicas – poema.Os seus escritos falam de paisagens, têm cor e têm som, têm ritmo, são cheios de poesia. Podemos dizer que Viagens de ao pé da porta é um conjunto de autênticos poemas em prosa, apesar do seu conteúdo informativo. É que o tom de crónica é profundamente abalado pelas impressões de carácter pessoal e afectivo. Veja-se, p. e., “Páscoa na aldeia”, texto encantador pelos “murmúrios” das paisagens e pelo cheiro “acre e puro” que se desprende dos cereais. Em todas estas crónicas estão presentes os Açores, como ponto referencial; o que permite adivinhar a presença quase obsessiva, no observador em viagem, da terra que o viu nascer. Viaja o corpo através do Continente e viaja o espírito através da memória.É o etnógrafo, o geógrafo e o historiador que são suscitados pelo circunstancial; mas é também o homem do coração e o poeta a viver e a produzir, situados num passado tornado presente, naquela ilha da infância perdida, perante um tempo para coar ”os pecados no remorso e esperar a misericórdia de Deus”

Page 97: Miolo 14

97

(“Terceira crónica das águas novas”). V.N., enquanto ilhéu, é forçosamente um embarcadiço, um viajante por necessidade. Contudo viajar é também, nele, para além do percurso através da cultura e da literatura, uma procura incessante de Deus. Na obra Viagens ao pé da porta, o escritor apresenta as suas refl exões de “pequeno fi lósofo” (título que atribui a si mesmo, como já dissemos); e, paralelamente com a sua itinerância por terras de Portugal e pelos recônditos da memória, V. N. assume uma posição de pecador que quer ser perdoado, como

a assume igualmente no seu livro de poesia O pão e a Culpa. O poeta vive numa angústia religiosa que o atormenta não apenas no silêncio do seu quarto, nos momentos da criatividade poética, mas também no deambular por estradas e caminhos. Viagens ao pé da porta é, enfi m, um cântico à terra e à vida campesina, a essa terra que soube guardar as reminiscências duma cultura quase esquecida: a música e os cantares das aldeias, a apontar para civilizações celtas ou mouras, como o apontam os dólmanes e menhires dos bretões, e que o fazem escrever: “Um caracol do meu avô troglodita deixou a sua espiral gravada num pouco de sílex, mandando-me a boa nova pela Associação dos Arqueólogos. Deixarei eu do mesmo modo as papilas do polegar da mão direita que imprimi a alcatrão e petróleo nos dossiers de um arquivo antropométrico?” (p.55). Os relatos de viagem de V. N. contêm um pouco de tudo isto, neles desfi lando como dominantes de maior relevo a evocação da infância e da natureza a ela associada, bem como as observações de carácter cultural: “... não passo de um homem que viaja e tem um caderno de notas à mão. Sou também um examinador de consciência, mas isso é mais delicado e menos para notas. Temo falar à confi ssão que projectei . . . como descarga de mim ... e criação literária. Tenho o vírus da escrita, mas já raramente a virose. Só em viagem me ataca” (“Andamento Suíço”, p. 395-396).

É a apetência pelo misterioso, pelo distante, pelo enigmático, desejo de conhecimento de tudo o que está fora do tempo e do espaço em que o escritor se situa, que leva V.N. a fazer da sua vida uma viagem constante. Não de deambulação através do mundo,

Vitorino Nemésio.

Page 98: Miolo 14

98

mas viagem na e pelas palavras, fazendo dos mitos viagens e das viagens mitos. O seu pensamento é de avidez de conhecimento e de ludismo vocabular, na procura de um mundo perdido, o mundo da infância vivida na ilha açoriana. Tempo perdido e recuperado pela memória, tempo abolido que tenta resgatar e recuperar pela palavra, no fi ngimento da poesia:

Carregado de sonhos, vou de leve,Ao comprido do mar (Eu, comovido a Oeste)

Pelo mito, como modo de signifi cação (Barthes), é que V.N. se libera desta infância e desta ilha perdida que o perseguem. Mito é linguagem e nele a palavra se descobre como ambiguidade e terreno de sentidos múltiplos: um cais é ilha, é ancoradouro, é ponto de partida e de chegada; só que o cais de V. N. está dentro dele próprio:

Ao cais que eu pensoNão chega vela, nem jamaisAsa ou ponta de lençoEnsina porto de saudade- Que é pura pedra sem idade,Dentro de mim, o cais. (Eu, Comovido a Oeste)

É a esse procurar intermitente da infância longínqua que se referem também os versos de Limite de idade:... “com um saco às costas / Busquei as pinhas verdes de rapaz”. Ou ainda estes de Canto de véspera: “E seja a hora de morrer regresso/ Só à infância sonhada”.

O poeta é um fi ngidor. Tal como Fernando Pessoa fi nge a dor, assim V. N. fi nge o cais: este é apenas um pretexto poético para cantar sentimentos que nele viajam e nos quais o poeta viaja igualmente. O seu espaço psicológico de adulto deixa-se possuir, penetrar e transfi gurar pelo espaço psicológico da criança; e assim vão os dois navegando:

Tu no vestido de espuma,Eu de palavras toucado:No mais, amor, sem coisa algumaQue tudo o mais foi separado.

Viagem é separação. Mas pela viagem se realiza igualmente o reencontro. E V. N., viajando na recordação, tenta fazer a unidade da sua alma dividida entre passado e presente. Pela incursão num mundo imaginado, como supra realidade, a sua vida transfi gura-se, volta a ser o que já não é, e o sentimento do homem–universal reencontra a criança açoriana. É o que nos sugere o poema “Navio”:

Ponho-me a olhar para o mar:- Olha um navio sem rumo!

O homem olha recordando e descobre a inconsciência da criança perante a vida, como um navio sem rumo. Também o poema “desengano” nos leva a pressentir esta estrutura bi-partida espaçio – temporal:

Que grande vela de repente!O que eu gostei de navegar!

Page 99: Miolo 14

99

“Grande vela”, a vida que se abre em toda a sua dimensão e que destrui o prazer ingénuo e descuidado do devaneio infantil. Na saudade, V. N. evoca essa infância; e a sua evocação torna-se como que um refrão no poema “desabafo”: “O menino que eu fui. . . O garoto que eu fui...” V. N. procura a sua própria identidade, contraditoriamente preso à sua ilha e ao mesmo tempo ansioso de distância:

Ah! A saudade dessas milhas salgadas, sem corpo,E a névoa e extensão que elas mesmas criavam!O desejo de ser o lado de lá de tudo isso,Muito mais que horizonte – e ali sempre pregado!

Para um ilhéu, o mar é estrada, é caminho para a viagem desde os tempos mais remotos do género humano. Sobre o tronco da árvore, no início, depois no barquinho e na piroga; em seguida no veleiro e na nau, o ilhéu prolongou o espaço da sua ilha, descobrindo mares e novas terras que povoou. A ânsia de espaço o leva, a saudade o traz de regresso. E a apetência de aventura, como o apego ao torrão natal, passa de pais a fi lhos como uma mensagem milenária. Para V. N. , ilha torna-se “névoa e extensão” dobrada sobre si mesma, ávida de estender-se e desdobrar-se. Ilha deixou de ser materialidade para se tornar mistério e sonho. O passado do ilhéu é o mar, a baleia, a nau, a viagem. O seu mundo é espaço de mutações, de ir e voltar, da angústia em que se entrecruzam o real e o imaginário – ambição e partida, desilusão e regresso, num vaivém de hesitações e fugas, de possível e impossível:

Esta saudade é uma maré que eu sou; Esta tristeza é já meu mar rolando. (“Áspera vida”)

Versos que poderemos relacionar com “Ulisses” de F. Pessoa, na Mensagem: Este que aqui aportou, / foi por não ser existindo, / sem existir nos bastou. / Por não ter vindo foi vindo / E nos criou”. V. N. é um Ulisses à procura da sua pátria e do seu eu: um “eterno perdido”, certo do seu regresso: “Mas descansem! Perdido, Eu torno”. O poeta imagina-se viajante, náufrago, escolho. Finge um sentir que é a sua realidade, e o seu verso constrói-se de elementos náuticos e aquáticos:

Tudo o que digo em verso fi nge a sedeE se falo de formas verdadeiras,Saltam peixes poéticos na rede! (“Áspera vida”)

Ser ou ter é sonhar-se. A sua existência é percurso de remorso por ter abandonado; e percurso de recuperação pela palavra poética: alcançar a ilha perdida tornou-se espaço de escrita. A ilha – espaço físico em que viveu a sua infância é uma ilha perdida que se torna espaço mítico, só recuperável pela conjugação da memória afectiva e da imaginação. Por isso a sua poesia se projecta no papel como uma viagem sem porto, um procurar por veredas sinuosas – viagem mítica em que transforma a sua existência como uma saga de saudosismo e nostalgia. A ilha da infância de V. N. tornou-se “ilha perdida”, situada em nenhuma parte, espaço indefi nível e inlocalizável. Assim se compreende que a viagem a empreender, para recuperar tal ilha, seja uma viagem a parte alguma; uma viagem que se processa apenas no espírito do poeta; viagem ideal, através da palavra e da fantasia. Nesta viagem, V. N. oculta a paixão pela sua

Page 100: Miolo 14

100

terra açórica, que depura do que nela há de efémero, como diz J. Martins Garcia, e torna cântico superior à morte. Doente de solidão e isolamento, o ilhéu éum misto de estatismo indolente e de dinamismo oculto que o atrai à aventura. A sua força vem-lhe,sem dúvida, daquele seu enraizamento veladona rocha de basalto, constantemente batida pela fúria das marés, que atrai e afugenta, convida e recusa. Sempre que o homem, tiranizado por esta dupla apetência, deixa que a primeira vença, o que é muito frequente, vem-lhe depois o remorso e a saudade. O saudosismo, tão tipicamente português, e que é a tónica mais transparente na obra de V. N., toma nesta uma tonalidade mítico – simbólica, pois o poeta dá aos acontecimentos, objectos, pessoas e animais, ligados à sua infância, uma dimensão imaginária que os vela tal como são e os revela transfi gurados. Eles são ponto de referência, informativa, sem dúvida, mas eles são ainda, e mais que tudo, matéria utilizada pelo criador literário. Margarida Gouveia admite, como hipótese, que “os ambientes familiares se tornam refúgios paradisíacos e que só a aventura linguística os pôde reconquistar (A viagem em V. N.) pois V. N. defi ne-se no poema “Química oceânica” como:

“Feito de altas vogais, como o mar de cloreto e medusas, De consoantes ligadas nos abismos salgados de sangue.”

Aliás, no romance Varanda de Pilatos, obra profundamente marcada de traços autobiográfi cos, a personagem Venâncio, alter – ego de V. N., declara que, na casa das tias, não restava um recanto que cheirasse

a este mundo (p. 59-60). É por uma linguagem carregada de conotações religiosas, que o poetaexprime o seu tempo e ambiente vivido na ilha: tempo perdido a recuperar e ilha perdida a reencontrar;tempo que é eternidade e ilha que é sonho; tempo inextinguível e espaço irreal, num duo cósmico que inquieta e angustia o poeta, pelo desejo de “ser o lado de lá” e, teimoso, fi car “ali sempre pregado”. Este “lado de lá” enigmático o que poderá ser? V. N. é o poeta que vive perenemente numa atitude de partida e não aquele viajante que precisa de comprar um bilhete, fazer a mala e tomar um meio de transporte que o leve a um determinado porto. V. N. tem a viagem dentro de si:

Não subo a Monte BrasilNão sou facheiro nem facho:Tenho o navio no peito,Quando o quero, sempre o acho (Festa Redonda)

A sua viagem imaginária é circular, jamais terminada. O viajante comum segue um percurso linear que se situa entre o ponto de partida e o ponto de chegada. Ulisses vagueou, vagueou, até que chegou a sua casa e pôde descansar. V. N. não: a sua viagem não tem princípio nem fi m. Antes nos faz pensar que só “viagem derradeira”, chegará fi nalmente ao porto desejado:

Faça-se ao mar a gaivotaE leve a boa nova em sua anilha,Que enfi m, na última derrota,A nau sem leme achou a ilha (“Cantar de Amor”, Nem Toda a Noite a Vida)

Page 101: Miolo 14

101

Margarida Gouveia (o. c.) considera-o como “fi gura paradigmática do embarcadiço fatídico”; daquele homem que nasceu destinado para viver a bordo e que não pode fugir ao seu fado. V. N. transporta no seu coração um viajante sempre pronto a partir, tal como aqueles barcos de carreira, que estão constantemente a recomeçar.O poeta vive, pois, um dilema que divide entre fi car ou partir e que se torna inquietação angustiante:

“a inquietação é o signo do nosso tempo. Na angústia colectiva cada um tem então o seu casilho. O meu será talvez o da inquietude – não só como tendência à ubiquidade, mas como futuração, isto é: trabalho adiantado, precipitação ou provocação do que só a seu tempo viria”.

(“ Mais Oeste na praia”, Jornal do observador, p. 84)

V. N. sente-se impelido ao regresso, maseste inquieta-o igualmente, pois regressar implicaum voltar novamente: acaba de chegar e já pensa na partida – é a sua ubiquidade como futuração, como um estar em dois lados ao mesmo tempo É o dilema dos espaços descontínuos cujo contacto sempre implica mar, ondas, barco e cais. Jogo dialéctico que procura a síntese de um aqui e um acolá, que só pela palavra conseguirá realizar: do seu mundo real, açoriano, passa a um outro que o supera, e que só no sonho é alcançado:

És isto, ilha da noite,Evocação de légua:O que me deste dou-teComo ao pêlo do poldro a saliva da égua. (“Ilha ao longe”, O verbo e a morte)

V. N. sente e imagina, voa e transforma, incansável, só Deus o retendo no seu viajar: “Paro à porta de Deus e choro” (“O cavalo sidério”, Limite de idade).Procura a sua ilha, aquela casca de ovo ainda quente – o berço em que foi embalado, talvez ainda lá à sua espera:

Ah! Ovo que deixei, bicado e quente,Vazio de mim, no mar, E que ainda hoje deve boiar – ardente Ilha!E que ainda hoje deve lá estar! (“O canário de oiro”, O bicho harmonioso)

A “ilha perdida” fl utua na sua mente, impele-o à viagem, mas, porque fl utua, o poeta está sempre de partida sem nunca conseguir recuperá-la: “Nosso ir – sempre é que rasga a esperança da lonjura” (Canto de véspera).

Vem aqui a propósito falar de uma quase heteronímia que existe na obra de V. N., e que se manifesta sobretudo em Le mythe de M. Queimado, conferência proferida em França, em 1940. Aí o poeta dialoga com M. Queimado, homem do mar, açoriano, constantemente em viagem, que vive o mito da raça açoriana, gente marcada pela presença do mar e do basalto. M. Queimado, açoriano, mostra a sua ilha ao poeta, um pseudo–turista qualquer, que a deseja conhecer. Há, pois um “je”, sujeito enunciador, o conferente, que é realmente V. N. mas a funcionar como não açoriano. A conferência situa-se assim no campo da fi cção, em que esse tal M. Queimado fi gura como um duplo de V. N., isto é, o poeta e escritor dialoga consigo

Page 102: Miolo 14

102

mesmo. Ele é o seu próprio interlocutor, que refl ecte e expõe o resultado das suas “refl exões míticas”, sob a forma fi ccional.(1)

Para Margarida Gouveia, Mateus Queimado é uma máscara literária que se radica na esfera das dinâmicas e ininterruptas solicitações do eu. Como diz V.N. em o Corsário das Ilhas, Mateus Queimado “pede-lhe a pena emprestada” e põe-se a falar por sobre o seu ombro. É um “pseudo – cosmopolita que perdeu a metrópole e o microcosmo”, quer dizer, não consegue ser continental e nem é já plenamente açoriano.(2)

É a esta personagem Mateus Queimado, naturalista na conferência citada, e contador de histórias no Corsário das Ilhas, que V.N. endossa as várias histórias reunidas num capítulo desta obra, sob o título “Histórias de Mateus Queimado”. Mas é também esta mesma personagem que funciona como seu duplo lírico, referido no poema “Poesia e metafísica”, e que comenta em O bicho harmonioso. Trata-se, pois, de um “ Alter-ego” de V. N., como o próprio nos sugere, ao identifi car-se com ele: “quelque chose de la nature de M. Queimado m’ a atteint à jamais”. Como V. N., Mateus Queimado não só sofre de isolamento e da solidão da ilha, como é um traumatizado pela distância, uma espécie de apátrida, situado algures no sonho, num espaço não corporalizado, em que tenta recuperar os Açores da sua infância e sem conseguir nunca tornar-se um continental:

Ave que fui na Ilha,Não voltarei ao ninho:Perdi a asa e a anilhaPelo caminho. (“Anjo da guarda”, Canto de véspera)

Mateus Queimado é um duplamente desen-raizado, como o foi V.N.; e é, acima de tudo, o produto de um recurso ao fi ngimento. Por isso escreve o poeta: “a hipocrisia lavrou a terra e o mar como um verdadeiro escalracho. Já não se dizem as coisas directamente; todos fi ngem o que não são e armam ao que não têm” (Corsário, p. 83). A obra de V. N. é campo aberto ao mito, tanto no relativo a sentimentos e pensamentos, como no concernente a coisas e pessoas: o ovo é berço e ilha; a casa é areal e concha, é ele próprio na vivência da memória, como ele próprio é Mateus Queimado, discursando sobre a identidade açórica. A terra confunde-se com a pessoa num todo de elementos marinhos que, porque são do mar, apontam para a viagem:

“À beira de água fi z erguer meu PaçoDa Rei - Saudade das distantes milhas:Meus olhos, minha boca eram as ilhas;Pranto e cantiga andavam no sargaço.

Atlântico, encontrei no meu regaçoAlgas, corais, estranhas maravilhas!Fiz das gaivotas minhas próprias fi lhas,Tive pulmões nas fi bras do mormaço.

Enchi enfusas nas salgadas ondasE oleiro fui que as lágrimas redondasPor fora fi z de vidro e, dentro, de água.

Os vagalhões da noite me salvavamE, com partes iguais de sal e mágoa,Minhas altas janelas se lavavam”.

(1) Esta conferência foi publicada no Bulletin des Etudes Portugaises deL’ Institut Français ou Portugal, t. VII, 1940.(2) Corsário, p. 82.

Page 103: Miolo 14

103

A obra de V.N. é marcada pela insularidade, não só por referências e situação espacial diegética, mas também, e sobretudo, na poesia lírica, por um elevado número de vocábulos do domínio marítimo: Atlântico, ilha, mar, barco, água, sal, sargaços, algas, corais, búzios, gaivotas, ondas, vagalhões, mormaço. Léxico que serve não apenas para a signifi cação directa de uma paisagem marítima, mas que também é utilizado, por uma antropomorfi zação signifi cativa, para designar o próprio poeta:

Atlântido, encontrei no meu regaçoAlgas, estranhas maravilhasFiz das gaivotas minhas próprias fi lhas

“Tive pulmões nas fi bras do mormaço / Meus olhos, minha boca eram as ilhas”. Aquilo que poderia ser apenas reminiscência torna-se assim “reconversão fantástica”, como lhe chama Margarida Gouveia. V. N. projecta-se nas coisas e projecta as coisas em si, o que faz surgir uma poesia feita de memória sublimada e transfi gurada, meio realidade evocada e meio fi cção. É nesta atmosfera de real sonhado que Mateus Queimado é inventado como uma outra face da sua personalidade, ou, melhor, como uma projecção da personalidade de V. N. É, aliás, o que diz o próprio escritor no artigo “O problema do romance” (Diário Popular, Lisboa, 8-5-1946). As suas personagens são “convividas” ou “sonhadas”, como vividas ou sonhadas são as suas viagens. E há uma unidade nesta multiplicidade, por tudo o poeta converter em experiência literária – a vida e a viagem através das palavras e através da sua própria personalidade. Mateus Queimado não é um marinheiro que mostra ao turista a ilha Terceira;e a ilha Terceira não é concretamente a ilha perdida que

V. N. procura, mas um espaço supra-real. O poeta traz um navio no peito, como escreveu, para chegar a essa ilha, após uma viagem metafórica, porque só assim poderá responder à ubiquidade da ilha perdida. Heterónimos e viagens, tudo é “uma atitude mental convertida em experiências literárias” (Margarida Gouveia). Como conclusão, podemos, pois, afi rmar que a ideia de viagem está presente, e com uma certa frequência, em toda a obra nemesiana: viagem real e viagem através do mundo das palavras; viagem no espaço, viagem espiritual do pecado à redenção, viagem através da memória, nostálgica, saudosa, à sua infância, naquela ilha perdida, no meio do Atlântico:

E seja a hora de morrer regresso Só à infância sonhada. Menino é em Deus o homem: ofereço O ardor da vida ao fi m da caminhada (“Oferenda”, Canto de Véspera)

V. N. não foi o que partiu e voltou mas o que voltou e partiu. V. N. pode, pois, entrar na literatura de viagens como um exemplo do navegar metafórico nos mares da escrita, em barcos de palavras, sem rumo, que fazem escala em vários portos, não para fi car, mas para se abastecer de novas energias.

Page 104: Miolo 14

104 PoesiaEdgar Carneiro*.

Paisagens

Contigo adoreio campo floridocom ramos e frutos,com lapas e musgose a sede afogadana boca das fontes.

Sozinho revejoo campo mudadomais seco e sombrio,sem erva nos montes,sem água nas fontese uns olhos de sapo vidrados no rio.

* Nasceu em Chaves em 1913.Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra.Foi professor dos ensinos técnico-profissional e secundário. De 1967 a 1974, dirigiu a Escola D. Pedro V, a primeira a funcionar em Fiães, neste concelho.Reside há 36 anos em Espinho, foi distinguido pela Câmara local com a Medalha de Mérito.Tem 11 livros de poesia publicados, o último dos quais saiu a lume em 2003 e tem por título «Depois de Amanhã».

Page 105: Miolo 14

105ANTOLOGIA PRÁTICADUM DEVOCIONÁRIOTRADICIONAL POPULAR

Domingos A. Moreira*

Orações durante o dia

Orações de dia em geral:

Nome de Deus adiante, paz e guia,Encomendo-me a Deus e à Virgem Maria.O Senhor é meu Pai,A Senhora é a minha Mãe,Os santos Apóstolos são os meus irmãos.Eles me levam, eles me trazemPara que este meu corpoNão seja preso nem morto Nem as minhas falas mal dadas(...)

Seja tudo guardadoComo o Filho nove mesesNo ventre da Virgem Maria(L 78-79)

Entrego-me a Jesus Virgem,Que me livre de todo o perigo.Entrego-me a Jesus mortoQue me livre dos maus encontros.Entrego-me a Jesus crucifi cadoQue me livre de todo o pecado(F 176)

Sempre a pecarSem emenda ter,Ninguém consideraQue há-de morrer(PL 263)

Eu não Vos quero deixar,Por mais que seja atentado.

* Pároco de Pigeiros.

Page 106: Miolo 14

106 Mas, se no meio da lutaMe vireis em afl ição,Não me deixeis sozinhoNem retireis a mão.Fazei que sempre Vos sirvaFielmente até morrer.Que Vos ame ardentementeAté quanto puder ser.Depois Vos verei no céuQue Vós prometeis e daisAos vossos servos fi éis eOnde Vos glorifi cais.Eu bem sei que essa ditaPor mim não posso alcançarMas por Jesus e MariaEspero de me salvar(L 84)

Ave, Maria, puríssima,Cheia de graça na terraE no céu cheia de glória!

Valei-lhe, Senhora nossa,Pela vossa misericórdiaNesta afl itíssima hora(L 91)

Jesus vai comigo,Eu vou com Ele.Jesus vai à frente,Eu vou atrás d’Ele(CPR 25)

Com a Cruz de Cristo adiante vai Deus,Eu cá vou na minha jornada.Que a Virgem Maria vá na minha companhiaE seja minha advogada(F 176)

Meus pés ponho em terra,Minha alma em guia. Nossa Senhora andeNa minha companhia(RL 11. 105)

Page 107: Miolo 14

107

Com Deus vás,Com Deus venhas,Bom processo tu tenhas,No colo da Virgem Mãe sejas envolvido,Que o teu corpo não seja morto nem feridoNem o teu sangue derramado.Que Deus te dê uma companhiaComo o anjo S. Rafael ao menino Tobias.Pai-Nosso e Ave-Maria(F 175)

Por esta porta vou sair,Minha vida vou governar.Tomo a Deus por meu pai,A Virgem por minha mãe,Os anjos por meus parentes,Os santos por advogados(CPR 26)

Orações durante o dia em especial:

Ao sair de casa:

Vou sair de minha casa,Vou fazer minha jornada.Jesus Cristo vá comigoE sua Mãe de camarada(ET 54)

A Lei de Cristo esteja aqui,adiante e atrás de mim(RL 38. 75)

Anjinho da minha guardaA quem Deus me entregou.

Page 108: Miolo 14

108

Tomai conta da minha almaQue eu não sei p’ra onde vou(C 151)

O Senhor te leve nas boas horas,S. António vá com Ele(C 167)

Ao começar o trabalho:

Pelo sinal da Santa CruzEm nome de Deus começo(OPP 85)

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.Nas horas de Deus começo,No Rosário da SenhoraQue Ela me queira valerE seja a minha intercessora(OPP 94)

Ó pecador, ama a Deus,Não digas que não tens tempo.Podes andar no trabalhoCom Jesus no pensamento(O 33)

Ao acabar o trabalho:

Pelo sinal da Santa CruzEm nome de Deus acabo(OPP 85)

Page 109: Miolo 14

109

Ao dar as horas:

Senhor, eu bendigo a hora do vosso santo nascimento,Abençoai, Senhor, a hora da minha morte(Foz 28)

Ao meio-dia:

Ó Virgem dos céus sagrados,Mãe do nosso Redentor,Que entre as mulheres tens a palma,Traz a alegria à minha almaQue geme cheia de dorE vem depor em meus lábiosPalavras de puro amorEm nome de Deus dos mundosE também do Filho amado,Onde existe o sumo bem.Seja p’ra sempre louvadoNesta hora bendita, Amém(CP 237)

Antes da refeição:

Abençoai, Senhor, esta refeiçãoQue vamos tomar.Que ela sirva para recuperarAs minhas forçasPara melhor vos servir a amar.Nosso Senhor nos dê muito bom-diaE salvação p’ràs nossas almasNosso Senhor, aqui nos ajuntouNos ajunte no Seu Santo Reino.

Page 110: Miolo 14

110

Abençoai, SenhorO pão que eu vou tomarTenha eu saúde a forçasPara sempre Vos amar.(BB 323)

Santas graças e louvoresSejam dados, meu Senhor(OPP 82)

Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo,Deus que nos deu para agoraQue nos dê para toda a hora(OPP 81)

Abençoai, Senhor,O alimento que vamos tomarPara melhor podermosServir e amar(CP 235)

Depois da refeição:

Graças a Deus que já comi,Queira Deus que me aproveite.Se eu graças a Deus dei,Nossa Senhora me aceite(OPP 79)ou: Os anjos do céu aceitem(OPP 80)Graças Vos dou, Ó Senhor,Que me destes de comerSem eu o merecer.Dai-me a salvação

Quando eu morrer.E, como destes p’ra agora,Dai-me sempre a toda a horaRemédio p’ra esta vida,Salvação p’ra minha alma(L 96)

Graças Vos dou, meu Deus,Que me destes de comerSem eu merecer.Dai-me o céu Quando eu morrer(CP 235)(F 178)

Senhor, o que nos destes p’ra agoraDai-nos para toda a horaE bom proveito nos façaCo’a vossa divina graça(L 95)

Santíssimas graças sejam dadas e apresentadasÀ mesa de Nosso Senhor Jesus Cristo,Tantas esmolas Ele nos fazE muito mais tem para nos fazer.Em sua honra Pai Nosso e Ave Maria(RP 85)

(Oração a propósitodo pão material,rezada tambémcom dimensão espiritual):

Graças vos dou, SenhorP’lo merecimento

Page 111: Miolo 14

111

Que me deste.Dai-me o comerQuando eu o merecerE o Céu, aquando eu morrer.(BB 323)

Senhor nosso Deus,Dá-nos a candura,Dá-nos a alegria,Dá-nos a humildade,Dá-nos o martírio,Dá-nos paz e amor,Dá-nos tudo isso.Faz-nos pão de Cristo,Faz-nos pão de Deus,Faz-nos pão de bem,Pão de eterna glória,Pão dos pães, Amém(L 71)

Ao levantar a mesa:

Migalhinhas de pão,Migalhinhas de Deus.Quem vos apanhar,Seja pelo amor de Deus(L 95)

A pedir a Deus que nos defenda dos perigos e tentações:

Sangue de Deus vivo,Saíde comigo,Metei-vos em mim,

Livrai-nos de todo o perigo(RL 9. 234)Deus connoscoE S. Miguel com as almas(PE 50)

(Oração contra os maus pensamentos):

Escutai-nos, Senhor,Pelo Vosso preciosíssimo Sangue.Salvai-nos, Senhor,Agora e sempre Amen(RL. 38.11)

Valha-me Deus morto,Guarde-me Deus vivo,O Senhor Crucifi cado esteja comigo,O Senhor Crucifi cado esteja comigo(O 13)

Jesus, Jesus,Cordeiro da cruz,Custódio divino,Salvai-nos Jesus,Espinhos e cravosE a coroa e a cruz.Ave Maria, Menino Jesus(CPR 105)

A boas horas ande comigoJesus Cristo no meu corpoPara que me livre de ser f’rido,Morto, preso, chagadoE de falar desaustinado.A Virgem Nossa Senhora me faça

Page 112: Miolo 14

112

Muito boa companhiaAssim como o Verbo DivinoAndou no Sagrado ventre da Virgem Maria.Em Vosso louvor sejaPai Nosso, Ave Maria(C 157)

Eu me entrego a JesusE à santa e bela cruzE à Senhora da VerdadeE à Santíssima TrindadeE às três missas do natal(L 91)Para não me vir nenhum mal(L 91)

Santo António meu padrinho,Nossa Senhora minha madrinha,Que me levaram à igreja,Me guardem e me defendam,Que o demónio comigo não sejaNem de noite nem de dia.Pai Nosso, Ave-Maria(CPR 105)

Ó meu Senhor Jesus Cristo,Livrai-me do demónio maldito(CPR 103)

Ó Senhor Crucifi cado,Amor do meu coração,Que a minha alma se não percaNem morra sem confi ssão.Contrito e arrependidoPeço mil vezes perdão

(CPR 106)Pelas vossas cinco chagas,Pela vossa santa cruz,Livrai-me do mal,Meu doce Jesus(CPR 104)

Jesus Crucifi cado,Pregado na santa cruz,Livrai-me do pecadoPara sempre, Amém, Jesus(CPR 106)

Salvai-me Jesus,Que a todos salvais.Salvai minha alma,Bendito sejais(CPR 104)

Ó Senhor crucifi cado, Amor do meu coração,Que a minha alma se não percaNem morra sem confi ssão.Contrito e arrependido,Peço mil vezes perdão.(CPR 106)

Em qualquer altura, para dar graças:

Obrigado, meu bom Jesus,P’lo Vosso infi nito amor.Perdoai-me as minhas culpasE ajudai-me a ser melhor.Senhor, curai as chagasDa minha alma,

Page 113: Miolo 14

113

Que as do corpoSerão curadasP’lo Vosso amor.(BB 330)

Outra versão (Antes de fazer uma viagem)

Bendito e louvado, glorifi cado e incensadoSeja o Filho da Virgem MariaCom o leite da Virgem,Eu seja consolada.Com as armas de Nosso Senhor Jesus Cristo,Eu seja guardada.Por onde quer que eu estiver a andar,Que ninguém me possa prender,Nem ferir nem matar.Ó Virgem pura e Sacramento divinal, (sic) Aonde vos encerrastes numa HóstiaTão perfeita!Antes que os meus olhos Vos não vejamO meu coração Vos deseja, A minha alma convosco esteja.Ó bom Jesus, eu Vos adoroNa Hóstia consagradaNa corte aonde nascestesNa cruz aonde morrestes.Pai d’Ele que vens na guia, (sic)Filho da Virgem Maria.Jesus Cristo por mim, Padre!A Virgem por mim, Madre!Santos Apóstolos, irmãos meus,Dai-me a arma de S. Jorge.Que as minhas súplicas sejam atendidas

E o meu sangue não seja derramado,E que eu seja tão guardadaNesta noite e neste diaConforme foi Nosso Senhor,No ventre da Virgem Maria.(Pai-Nosso cantado)(BB 331)Antes de fazer uma viagemÓ pecado não m’atentesQue eu vou dar uma jornada.Vou falar com Jesus CristoQue está na Hóstia Consagrada.Na Hóstia ConsagradaEstá um cravo fl oridoPerdoai-me rneu Senhor;P’lo que Vos tenho ofendido.(BB 330-331)

Ao ir em viagem:

Vou sair da minha casa,Vou fazer minha jornada,Jesus Cristo vá comigo,Sua Mãe por camarada(L 78-79)

Jesus vai comigo,Eu vou com Ele,Ele vai adiante de mim,Eu vou atrás dele.Ah! Jesus, Filho de Deus Vivo,Andas sempre comigoNo caminho que eu sigo.Livrai-me de todo o perigo.Anjo da minha guarda,

Page 114: Miolo 14

114

Pois Deus me enviou,Guardai a minha alma,Guardai o meu corpo,Que eu não sei para onde vou.Santo António, andai sempre comigo,Livrai-me de todo o perigo(TP 169)Ó meu Jesus, segurai-me,Prendei-me, ó Virgem Maria,Para que este vosso servoNão vos fuja noite e dia.E se vos quiser fugirNo delírio da paixão,Não permitis, por quem sois,Que eu caia na tentação.Dai-me bem a conhecer(L 83)

Com bem vás,Com bem venhas.Nunca mau sucesso tenhas,Deus te dê por companhiaO Filho da Virgem Maria(CPR 26)

Tão guardado seja euComo o Padre São Francisco.Eu me entrego às cinco chagasDe Nosso Senhor Jesus Cristo;Deus adiante que me guia,Deus nos dê a companhiaQue deu à Virgem MariaDe Belém a Jerusalém.Pai Nosso, Ave Maria(CPR 23)

Eu te encomendo a Deus PaiE a Deus Filho JesusE a Deus Espírito SantoE à Santíssima TrindadeE às três missas do NatalE a Nossa Senhora da guiaE ao teu Anjo da guarda,Que te guardem neste dia.Pai Nosso, Ave Maria(L 89-90)

Jesus é meu,Eu sou de Jesus,Jesus vá comigo,Eu vou com Jesus.Só a Jesus amo,Só por Jesus suspiro.Neste amor quero viver,Neste amor quero morrerE nele continuarPor toda a eternidade(L 80-81)

Jesus Cristo esteja sempre connosco!Junto de nós para nos acompanhar,Dentro de nós para nos conservar,Diante de nós para nos guardar,Sobre nós para nos abençoar(L 80)

Por esta porta vou sair,Minha vida vou governar,Tomo a Deus por meu pai,A Virgem por minha mãe,

Page 115: Miolo 14

115

Os anjos por meus parentes,Os santos por advogadosPara que meus inimigosNão me possam ferir nem matarNem sangue do meu corpo tirarNem à Justiça me entregarNem aos juízes me acusarNem por animal danado mordidoNem preso por ninguém(CPR 26)

Deus adiante por guiaVá na minha companhia.Jesus Cristo vá comigoCom a sua divindadeE a Santíssima Trindade.Que a cruz desça do céuE vá adiante de mim.Jesus, que nela morreu,Fale e responda por mim(L 80)

Deito os pés em terra,guarde-me Deus e a Virgem MariaQue minhas passadas guia.E os doze apóstolos meus irmãosMe levem e tragam nas suas mãos(L 85)

Eu vou com Jesus,Jesus vai comigo.Quem vai com Jesus,Não tem medo ao p’rigo(L 83)

S. José e a Virgem MariaSão a minha companhia.E o Menino JesusÉ a minha luz(L 83)

Eu vou para a sua agoa,Deus queira que vá em boa hora,O nome de Cristo levo escrito(L 85)

Que o Anjo da guardaSeja o teu guia.Que Deus vá e venhaNa tua companhia.Como S. Pedro e S. PauloForam ao rio Jordão,Foram bem e vieram bem,Assim tu vás e venhas também(L 89-90)

Anjinho da minha guarda,A quem o Senhor me entregou,Eu te entrego a minha alma,Que eu não sei p’ra onde vou.(MT 3)

Ó anjo a minha guarda,A quem me Deus entregou,Entrego-vos a minha alma,Que eu não sei p’rá onde vou!(OD 244)

Page 116: Miolo 14

116

Ao Pôr do Sol:

Sangue Sagrado por mim derramadoNo verde madeiro no monte Calvário,O sol escurece e o mundo sem luz,Lá pela tarde suspira Jesus.Meu Pai amoroso em grande amarguraDesconjuntado vai para a sepultura.As pedras se abrem de sentimentoEm ver a Jesus em triste tormento(OL 125)

Às Trindades:

Que a Santíssima TrindadeSempre acompanhe os meus passosE me estenda amigos braçosNas horas da infelicidade.Que me ajude o Pai EternoE me abençoe Jesus Cristo.Que o Espírito Santo me dê luzContra as tentações do inferno.Que eu passe toda a existênciaA praticar sempre o bemE a Trindade SantíssimaMe guie na terra Amém(AB 3. 269)

Page 117: Miolo 14

117

Em vez do mal faça o bem.A Santíssima TrindadeMe acompanhe sempre, Amém(CP 237)

Santíssima Trindade Divina seja connosco,Filho de Deus que vive connosco.Anjo do Senhor anunciou a Maria,Concebeu pelo Espírito Santo, Ave Maria(C 152)

A Santíssima TrindadeMe acompanhe toda a vida,Sempre Ela me dê guarida,De mim tenha piedade.O Pai Eterno me ajude,O Filho bênção me lance,O Espírito Santo me alcanceProtecção, honra e virtude.Nunca a soberba me inveje,

Page 118: Miolo 14

118 Guerra JunqueiroHenrique Veiga de Macedo*

São Paulo, 2 de Janeiro de 1981

Poeta do ritmo, da forma e da imagem. Criador de novos sons e novas cores.Voz de maravilha entre as vozes maiores.Pensamento fundo em rútila roupagem.

Sarcástica a tua primeira mensagem - Versos virulentos e demolidores - ,Investiste contra vigentes valores, Foste tempestade, assanhada coragem.

Passa a juventude e a ti chega a bonança.E a luz que não queima, a luz serena e mansa.Já guerra não és, mas a flor do junquilho.

Diz-te então sorrindo a Madre-Poesia: - Perfeito és agora, e puro como o dia.És rei de poetas, meu dilecto filho!

* Poeta.Foi Ministro de PortugalFaleceu em 25/01/2005

Page 119: Miolo 14

119 O Vidro (3)

Jorge António Marques*

Sobre esta petição, na forma de requerimento, mandou a Real Junta que o Juiz-de-Fora da Villa da Feira, declarando o estado actual em que se encontrava a fábrica do suplicante.

É evidente que o dito Ministro, no exímio proceder daquele seu labor, a tempo e a horas, no contraste destes trastes, de hoje, que a nada respondem, escrevi o seguinte:

“em consequência desta ordem informou o ditto ministro, expondo que pelo sumário des testimunhas e pelo auto de vestoria a que procedera se mostrava que a quinta do suplicante chamada do Côvo tem hua grande extenção em sítio montuozo e próprio para produzir matos, pinhaes e arvoredos de lenha em grande quantidade e além de hum rio que a atravessa tem muita abundância de excelentes águas; que na refferida quinta fundarão os antepassados do suplicante

a fábrica de vidros de que se trata a qual há muitos tempos se tem conservado sempre em exercício não só pela multiplicidade das agoas e lenhas próprias mas porque tem nas suas vizinhanças com grande abastança o seixo próprio para a manufactura dos vidros muito melhor do que as áreas com que se costuma suprir, sendo lhe necessários de fora muito poucos materiaes a excepção da magnezia e da barrilha; que afroxando nunca a actividade dos antepossuidores da ditta fabrica, se acha actualmente muito melhorada e augmentada pela industria do suplicante, tomando um fl orista que athe agora não tinha para polir e adornar os vidros e fazendo construir de novo em melhor sitio o forno onde se cozem as vidraças de forma que se extrae prezentemente da sobreditta fábrica o dobro dos vidros que dantes se extrahia sendo já em tanta quantidade que athe se exportão para Castela e para o Brasil de todos os tamanhos, feitios e cores e suposto que não sejam dos mais fi nos e preciozos, são contudo bons, bem temperados e de bastante duração; que as ofi cinas da sobreditta fábrica são hum engenho de moer

* Historiador

Page 120: Miolo 14

120 os materiaes com uma grande roda tocada por água, por cima delle hum armazém assas provido de seixo, barrilha e potassas, huma casa com dois fornos, hum para cozer e calcinar o seixo e outro para calcinar os materiaes já preparados, outra caza com hua grande caldeira, para extrahir os saes das cinzas, outra grande caza aonde se fazem os vidros com os instrumentos necessários que tem hum forno de dez bocas em que trabalham seis mestres com os seus ajudantes, outro forno onde se temperão os morteiros e huma arca em

que se tempera o vidro depois de feito, outra caza onde se pulle e abre fl ores e letras no vidro, hum forno de fazer mangas para vidraças, outro para as estender e outras mais ofi cinas de se encaxotarem os vidros; que em todas estas repartições se ocupão continuadamente muitas pessoas que adquirem pelo seu trabalho a sua sustentação e de sua famílias e que rezultando deste estabelecimento tão reconhecidas utelidades, se persuadia elle o informante que o suplicante está nas circunstancias de marecer as graças e privilégios que suplica.”

Esta parte transcrita revela um cuidado estudo do inspector daquele tempo.

E, face ao mesmo relato, o Desembargador Procurador Fiscal tem o seguinte despacho:

“que a antiguidade da fábrica de vidros na quinta denominada do Covo e a sua conservação que attesta o Ministro informante, a fazem digna de ser auxiliada com as inzençoens requeridas pelo suplicante, a exemplo das liberdades concedidas a outra fábrica da Marinha de Leiria, pois que a igualdade e prepectua em

consequência do seu estabelecimento cuja identidade de razão se contemplou no Avizo da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino expedido ao Administrador Geral da Alfândega em 31 de Outubro de 1776 para serem livres de direitos os vidros manufacturados na fábrica do suplicante; que a confi rmação do privilégio excluzivo depende de imediata mercê de Vossa Magestade para então se defferir na mesma conformidade praticada com a maay do suplicante. A vista de todo o referido parece à Real Junta que não pode ter lugar a prorrogação e confi rmação do antigo privilégio exclusivo

Oliveira de Azeméis.

Page 121: Miolo 14

121concedido à Fábrica do Covo continuado athe à may do suplicante em quem caducou; porque além de se mudarem e transtornarem com o decurso dos tempos as razoens e as circunstâncias sobre que então recahio, hé incontestável que semelhantes privilégios se não devem conceder em regra geral, por serem opostos ao augmento da indústria e ao interesse do Estado, que exige a propagação e difusão dos estabelecimentos úteis para se conseguir não só a maior abundância e perfeição nas manufacturas mas a comodidade dos

seus preços, o qual deriva necessariamente do concurso de humas e outras, devendo portanto prevalecer as razoens de pública utelidade aos particulares fundamentos sobre que o suplicante estabelece a sua pretenção. Pelo que respeita porém a outras graças que o mesmo suplicante igualmente pretende parece que outro sim ao Tribunal que, em attenção a antiguidade e conservação desta Fábrica ao melhoramento e perfeição em que prezentemente se acha ao benefi cio que delle rezulta seja Vossa Magestade servida de lhe conceder os idênticos privilégios izençoens e liberdades

que se achar concedidas à Fábrica de Vidros da Marinha Grande em tudo o que lhe puderem ser aplicáveis, sendo qualefi cados por este Tribunal os materiaes de que carecer para sua laboração da mesma forma que se pratica em todas as Fábricas do Reyno que gozão de semelhente isenção.

Vossa Magestade com tudo mandará o que for servida.

Real Junta do Comércio, 14 de Mayo de 1793. Como parece. Queluz, 16 de Mayo de 1796.” (in da

Torre do Tombo – Junta do Comércio – livro XXV, a folhas 182.)

Constata-se, pelo traslado, que a Fábrica do Covo era, de facto, um império, no seu meio, movida por pessoas pensantes e de muito prestígio, embora as ligações fi dalgas à Casa Real, pelo menos, em parte, tenham conseguido os benefícios tão desejados.

O caso da Fábrica da Coina dá que entender.A Coina era uma terreola localizada ao sul do

Oliveira de Azeméis.

Page 122: Miolo 14

122 Tejo, no concelho de Almada, mais conhecida, em outros tempos, por Aldeia Galega.

Zona de imensa fl oresta e abundante em águas, o monarca D. João V, apercebendo-se da necessidade do desenvolvimento industrial do reino e com capitais da Fazenda Pública funda a Real Fábrica da Coina, tendo como seu mestre um tal João Butler.

Ao constituir, aquela fábrica, um fracasso, em 1714, cinco anos decorridos – 1719 – essa unidade fabril constitui um sucesso.

João Butler morreu em 1737 e veio a ser substituído por João Poutz em 20 de Fevereiro de 1741.

Mas a invocação de determinados aspectos económicos surge.

Com o desaparecimento de João Poutz, toma a direcção da Fábrica João Beare, que consegue novas regalias do rei.

O rei vê-se na necessidade de liquidar a fábrica Coina transferindo-a para uma aldeia a quem chamaram Marinha e, aí, a instala em barracão apropriado.

As gentes de Aldeia Galega deixam de reclamar a falta de lenhas.

João Beare recebe instruções para não utilizar qualquer parte das lenhas da zona de Coina, mas não vê inviabilizada a laboração da fábrica, por mais algum tempo, dado o armazenamento de lenhas.

Sabe-se que, em 1750, ainda João Beare está a frente da Coina.

E uma certa campanha é movida à Coina, com acusações de mau fabrico e pouco labor.

As gentes do Covo eram preponderantes.O monarca deixa de ter preocupações com as

Fábricas Reais e, no velho casarão da Marinha, se estabelece Guilherme Stefens, homem de inegáveis méritos que, aliado a seu irmão, fazem da marinha o primeiro centro vidreiro deste nosso reino.

Aos 9 dias de Novembro de 1748, sua majestade manda o guarda-mor do pinhal de Leiria executar as suas determinações, como se demonstra:

Oliveira de Azeméis.

Page 123: Miolo 14

123

“Passe-se ordem para o guarda-mor do Pinhal de Leiria mandar notifi car os administradores da Fábrica de vidros para não continuarem a cortar lenhas no Pinhal por sua magestade haver resoluto em vinte e três do corrente em consulta deste conselho de nove de Novembro de mil sete centos e quarenta e oito a extinção da dita fábrica e seus privilégios fi cando franca a entrada dos vidros estrangeiros pagando os devidos direitos em cuja observância não consentirão o dito guarda-mor se faça corte algum para a dita fábrica procedendo contra os transgressores na forma do Regimento; e se porão editaes da sobre ditta resolução para se fazer notório que tem cessado a prohibição da entrada dos vidros estrangeiros, aos quaes na Alfandega se derá despacho para o que se passem as Ordens necessárias as Alfândegas com a cópia deste despacho a vinte e cinco de Agosto de mil sete centos e quarenta e nove annos. Com seis rubricas dos Ministros do Conselho. Passaráo se Ordens para o Guarda-mor dos Pinhaes de Leyria e Juízes das Alfândegas dos Reynos a vinte e seis de Agosto de mil sete centos quarenta e nove. Em consulta de vinte e hum de Janeiro de 1750 sobre o pedir João Beare e mandasse declarar ao Guardador-mor dos Pinhaes de Leyria não puzesse impedimento à laboração da Fábrica de vidros com as lenhas que tinha cortado e recolhidas ao tempo que mandou fazer a notifi cação para se não continuar com a dita fábrica na forma da resolução de sua magestade sobre a extinção da mesma fábrica, foi o mesmo senhor servido por sua real resolução de três de Abril do ditto anno tomada na ditta consulta de lhe difi rir ponderada digo de lhe difi rir porque bem ponderada a maneira não podia haver algum jurídico impedimento para ser o suplicante prohibido de consumir o trabalho da sua fábrica enquanto não consumisse os materiaes próprios

que tinha junto para o mesmo fi m; nem continuar depois com o mesmo trabalho porque fazia grande diferença consentir a fábrica com privilégios isenções e monopólio que tudo isto depende da graça; ou permitir-lhe que a Fábrica sem alguma isenção; porque isto não era prohibido por alguma ley, mesmo que deste facto resultasse algum danno.”

Do que fi cou dito, agora, por transcrição, outra ilação se não consegue que não seja a de que a Fábrica, mesmo saída de Coina, ainda laborou, na Marinha.

Mas pobre dela! Estava condenada!

A Junta do Comércio entendeu que os empórios monopolistas eram – como sempre foram – indesejáveis e, por via da sua análise à Majestade deu conhecimento dos seus estudos sobre o assunto.

A família Lemos e Menezes era, porém, altamente conceituada, na Casa Real, desde os tempos do Pero Moreno.

E não se apagam, com ânimo leve, os laços de profunda amizade desde séculos, entre gerações.

Ignácio de Castro Lemos e Menezes, contudo, não ignorando o destino da Coina e sabendo que ele não era, evidentemente, o honrado e humilde vidreiro Beare, mas sim o fruto da alta estirpe, insiste no monopólio e nas benesses.

E se não consegue, no seu todo, alterar decisões baseadas em trabalho imparcial da Junta do Comércio, benefi cia face ao transcrito:

Page 124: Miolo 14

124

“Alvará de 22-XI-1796, pelo qual a fábrica do Covo é posta sob protecção régia e lhe são concedidos os mesmos direitos e regalias que a da Coina tinha pela provisão de 20-11-1741”.

“Eu a rainha, &. – Faço saber aos que este meu Alvará virem que na minha Real Fazenda se verifi cou ser a fábrica de vidros estabelecida na Quinta do Covo do termo da Villa da Feira, huma das mais antigas das Espanhas e a primeira destes Reynos que há muitos séculos existe no domínio dos Possuidores que cuidadosamente a tem sustentado e promovido a custa de muitas despezas e fadigas e que Ignácio de Castro Lemos e Menezes, sucessor tanto nos bens da Coroa e Ordens que adquirirão os seus proprietários como nos vínculos que estes instituirão actualmente possui como hum dos mesmos vínculos a ditta Fábrica em cuja conservação e as mais que me foi presente em Consulta da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação deste Reyno e seos domínios e querendo dar à mesma fábrica toda a ajuda a favor como o fi zeráo em todos os tempos os Senhores Reys meos Augustos Predecessores conformando-me com o parecer do referido Tribunal. – Hey, por bem, tomar debaixo da Minha Real Protecção a sobreditta Fábrica de Vidros do Covo: concedendo-lhe como por este lhe concede os Privilégios, Izenções e Liberdades contheudas nas oito condições que baixao asignadas por Theotonio Gomes de Carvalho do meo Despacho, Deputado Secretário da ditta Junta Real do Comércio. E quero e Ordeno que as mesmas condições como parte deste Alvará sejão guardadas inteiramente assim e da forma que em cada huma dellas se conthem, sem embargo de quaesquer Leys, Dispoziçoens, Ordens ou Estillos em contrário que hey por derrogado para este effeito somente como se de tudo fi zesse especial menção. – Lisboa vinte e dous

de Novembro de mil sete centos e noventa e seis. – Príncipe. Por imediata resolução de Sua Magestade de dezasseis de Mayo de mil sete centos e noventa e seis e despacho da Real Junta do Comércio de vinte e sete de Junho do mesmo anno.”

NotaTraslado obtido, por cópia, a pedido, de Dona Maria Isabel de Melo e Menezes, aos 27 de Outubro de 1824.

Page 125: Miolo 14

125“ANTES” Ilda Maria*

22-9-72

Depois da minha carne consumida Pelos vermes da morteQue mais me interessaAs coisas desta vidaNesse meu novo norte?Depois deste meu corpo corrompido Livre de mal e doresQue mais me interessaEsse jardim floridoMinha tumba coberta de flores? Depois de minha alma ultrapassadaE de minh’alma solta pelo espaçoQue mais me interessaEssa oração salgadaQue vens depositar no meu regaço? Depois do meu olhar já ressequido Pela terra, sem dóQue mais me interessa

* Poeta.Faleceu em 20/07/1981

Vosso luto vestidoSe não sou mais que pó!Agora que o meu corpo vive e grita E minh’alma se agita vivamente, Agora é que preciso docementeDe orações e favores,Agora é que agradeço comovidaUm bouquê de floresSem o preço da vida!

Page 126: Miolo 14

126 Apetecia-me HojeManuela Correia*

Apetecia-me hojea ternura de um nomeum verso em vez da sedeum barco em vez da fome

Um sol mesmo de Invernouma estância vaziaum pássaro a habitar-meem vez da letargia

O vulto de uma árvorea cadência de um passouma rosa de orvalhoum ombro em vez de um braço

A brisa nos joelhosum rasto a despertarareia em vez de murosdentro de casa o mar

* Nasceu na aldeia de Cabrum, concelho de Vale de Cambra,em 1961. Em Vale de Cambra, durante a frequência do liveu, aprendeu o gosto pela poesia. Iniciou a sua actividade profissional aos 18 anos e aí viveu durante anos. Actualmente exerce a sua actividade profissional no Porto e reside em Santa Maria da Feira, Vila Boa. Tem colaborado em muitas sessões e tertúlias de poesia.Livros publicados: - “As nuvens não são mais de algodão”, de 2000. - “Poemas Tri Angulares”, de 2002. - “Interlúdio d’ Eros”, de 2003. - “Escritos de Areia” de 2005.

Page 127: Miolo 14

127Sobre algumas perspectivas da problemática da pré-latinidadedo nome “Tarouquela” (Gaia) (*)

Domingos Moreira*

O nome geográfi co “Tarauquela”, em 1018, em Vilar de Paraíso – Gaia(1), e que lembra “Taraukella”, em 995 (?) (2), hoje freguesia de Tarouquela, em Sinfães, e Tarouca, já escrito “Tarauka”, em 1128 (3), tem sido considerado de ascendência pré-romana, bem como Tarouba, em Cerdal – Valença (4), que parece conter o mesmo elemento sufi xativo dos antropónimos Pintovius, Vacobia, etc. (5). A comparação do topónimo “Taranca”, em 1258 (6), em Rio de Moinhos – Arcos de Valdevez, com “Tarauka” / Tarouca, legitimada pelos casos paralelos dos duplos toponímicos Bajanca e Bajouca, Barranca e Barrouca, indica estarmos perante uma base radical Tar-. O carácter da procedência arcaica dos sufi xos –auk / -ouc e –anc (7) sugere e condiz com a pré-latinidade da referida base Tar-.

Nos falares pré-indoeuropeus do sector linguístico do Substracto Mediterrâneo é conhecido o elemento inicial t- com valor análogo ao de artigo feminino (8), elemento esse conhecido no antigo egípcio como se vê de ta hemt “a esposa”, ta ant “o vale”, tw “esta” perante pw “este”, tyi “minha” perante pyi “meu”, etc.(9), berbere ta-metouthe “a mulher”, etc. (9b), em líbico e ainda em berber, como se vê de exemplos como Tacape / Gabes, Tabarka / Barka, izem “leão” e tizemt “a leoa”, etc. (10), em sardo e vasco, como se vê de

arte e tarte, alde e talde, onio e tunnu (11), na antiga toponímia norte-africana e hispânica, como se vê de Ibili e Tibilis, Iliberris e Tillibaris, Aratoi e Taratoy, alutiae e talutium, etc. e talvez Arragona e Tarraco / Tarragona (12a), italiano anaceto e latim tanacetum, eli e teli, ùvara e túvara (12b), guanche (Canárias) gasia e tagasaste (12c). Maurice Bröens tentou coligir muitos mais casos como Ucci e Tucci, etc. (13) Estender simplesmente esta ideia investigadora a outros casos como Arouca e Tarouca, Aveiro e Taveiro pode ser uma ilusão, quer por poder surpreender, em princípio, o facto na zona ocidental

* Pároco de Pigeiros.

Page 128: Miolo 14

128

da Península, quer por interessar rodear esse critério metodológico formal doutros critérios linguísticos (geográfi co, estatístico, semântico quanto possível, et.) em ordem a uma maior segurança interpretativa. Também na mesma zona do Substracto Mediterrâneo é conhecida a alternância vocálica au / a, como se vê dos toponímicos Vindausca / Vindasca na Ligúria, Bausta/ Basta na Ilíria, apelativo latinoclaustru / provençal clastre (14), topónimo Bauría / Bãris na área messápica (15) , antropónimos Aulenus / Alenus (15b), etrusco cautha / catha (15c). Angel Montenegro Duque (16) ocupou-se largamente do fenómeno com exemplifi cação variada como etrusco laucane / lacane, etc. (p. 182), albanês causam / cafsa, etc. (p. 196), grego Bauchna / Dáphne, etc, (p. 197), grego Cápelus perante latim caupo (p. 204), vasco aubi / abia, etc. p. 202) e casos ibéricos Auccitanus / Accitana, Faustus / Fastus, etc. (p. 200), incluindo expressamenteTaurasia / Taras na Itália (p. 174), taure / tar no etrusco (p. 188), Tauros, Tarus e Taulântioi / Talúntioí naIlíria (p. 196), etc. Esta possibilidade interpretativa de Tar como variante atingia principalmente a conhecida base mediterrâneataur- “monte”, deduzida de casos onomásticos e língua comum como Monte Tauro (Ásia Menor, Sicília), etrusco Thaura “túmulo ou pedra sepulcral” (17), monte Taurubulae (18), languedociano toural “elevação de terra”, fortaleza Tauroentum da Gália, hoje Taranto (19), montes Turammas e Turannos na Ásia Menor (20), etc., o que se confi rma pela existência da forma guanche taro “colina”, etc. (20b). Mas, dada a grande frequência estatística da forma Tar-, cabe pensar tambémnuma forma originária Tar-, uma vez que as variantes possíveis costumam ser formas mais isoladas queas normais.

Quanto a esta forma originária Tar- em nomes de rios, podemos observar a seguinte extensão geográfi ca, com base nos trabalhos de onomástica de Flutre (21), Hans Krahe (22), Carlo Battisti (23), Paul Lebel (24), G. Bottiglioni (25), H. D’Arbois de Jubainville (26), Elmond Jung (27), J. Pokorny (28), Albert Dauzat em colaboração com Gaston Deslandes e Charles Rostaing (29), A. Holder (30), N. Lahovary (30b), Vilhelm Nicolaisen (30c), Theodora Geiger (30d):

na Ásia Menor: Tarma Anatólia, Tarantos Bitínia; na Ilíria: Tara, afl uente do Drina em Montenegro (Jugoslávia), donde procede o étnico vizinho Au-Taria-tal; na Itália: Tarus / Taro, afl uente do Pó na Emília, Taras / Tara, na Calábria, donde procede o topónimo vizinho Tarentum, Tarola (Parmigiano), Taròdine (Parmesse), Tarantasca (Piemonte), Tarasca (Sul de Itália), Taranta, Taragna, Taruchio eTarucco (30e); na Córsega: Taravo; na França: Taranios (outro nome do Garona), Tara / Thérain, afl uente do Oise, Tarona / Ternin, afl uente do Arroux, fonte Taranta, em Lozère(Sul de França), Taravus / Tharaux Gar (?), Taravon Provença, Tarentaise Saboia, la Tarenne Saône-et-Loire, Tareyre Lot-et-Gar, Tharoune, Tarum; em Kemble (Inglaterra?): Tarente; na zona alemã: Thare Saxónia; na zona do Báltico: Taramas, mar da Lituânia, Tarupe Letónia, com o elemento –upe “ribeira” (31) usado noutros nomes de rios da mesma área como Sesupa, Navupe, Antupe, etc. (32).

Page 129: Miolo 14

129

É verosímil que esta mesma base hidronímica Tar- (com grande densidade na Itália e França) seja (ainda que com variantes semânticas) a mesma base Tar- que se vislumbra em toponímia e inclusivamente em oronímicos homófonos, pois, além de as duas áreas serem bastante coincidentes, há mais casos paralelos do mesmo fenómeno, como observou E. Philipon (33) a propósito do topónimo Urbinum e rio Urbinus, rio Turdinus e topónimo Turdina, rio Maiandros Caria e monte Maiandras Índia, rio ibérico Lesuros e monte Lesura / Lozère, Velinus rio e monte nos Abruzzos, etc. No caso de Tar-, há o referido topónimo italiano Tarentum junto do rio Tara cfr. até a expressão “monte Tarentum”, em 1149 (34), citado rio Taramas e topónimo italiano Taramás (35) e talvez “Casal das Taramelas”, em 1258 em Soutelo - Vila Verde (36), citada fonte Taranta e rios Tarantos e Taranta, a par de castelo Tarantsberg, no Alto Adige italiano (37) , citado rio Tara / Thérain, situado “apud Montem Tare” em 1147 (38), rio e montanha Tara em Montenegro – Jugoslávia (39), topónimo Tharandt na Saxónia perto do rio Thare (40), citado rio Taravo e topónimo Tárabo (41) e talvez “casal de Taravelas” em 1258 em Podame – Monção (42). A repetição toponímica observa-se em Taranco de Burgos e de Itália (43). Ainda quanto a orónimos, A. Trombetti cita, na Ásia Menor, os montes de Tarasis, Tarásias, Táron, Tarasicodissas, Tharoxh (44). Além do topónimo italiano mons Tarincris, com um sufi xo arcaico conhecido da onomástica antiga em casos como Vapincum, rio Bodincus, etc.(45), Durbienca (46) e cuja ampliação de r tem um caso paralelo no sufi xo de Bergintrum perante Bellintum (47), C. Battisti (48) cita ainda mais topónimos: no domínio francês Tarusco / Tarascon; na Suíça Tarasp;

na Sardenha Tarésina, Tarábula, Taráculli, etc.; na Itália Taranco, Tarantasca, etc., concluindo pelo carácter antes mediterrâneo que indoeuropeu de toda esta oro-toponímia (49). A comparação desta hidro-toponímia emTar-, feita por H. Krahe (50), com os vocábulos indo-europeus do antigo indiano como tarani “rápido”,tarasa “corrida” segundo o género semântico da expressão “agua rapia” em 1019 e correspondentes hidro-topónimos hispânicos Rabia e Raiva (51), equivale a atribuir uma característica indoeuropeia a toda esta onomástica, o que parece pouco adequado geografi camente. Mesmo quanto à zona maisafastada (o Báltico), são conhecidos mediterranismos nessa área (52).

As correspondências da base indiana tar- “rápido”, nas línguas indoeuropeias da área de que nos ocupamos, são assim apresentadas por J. Pokorny, que também supõe estar incluída na mesma série a hidronímia em Tar- (53): antigo indiano (sânscrito, védico) tarani “rápido”, taranta “mar”;hitita tarma “estaca, cavilha”; grego terthon “fi m, pico, cume”, terma “fi m”;véneto termo “terminus”; latim termen “limite”.

Prescindindo da ilustração de paralelos semânticos para este confronto, a dedução está correcta no aspecto formal, pois, nas diversas correspondências indoeuropeias, as consoantes t e r costumam constar, como se pode ver destes exemplos (54): Quanto a t: sânscrito trayah, grego tris, latim tres, gaulês tri, irlandês tri;

~

Page 130: Miolo 14

130

Quanto a r: sânscrito rudhirah, grego erythrós, latim ruber, gaulês roudo, irlandês ruad.

Quanto ao vocalismo de a e e (taranta,termo, etc.), eis o paralelismo oferecido por estes exemplos (55):

antigo indiano

a

gregoe

latime

línguas célticase (às vezes ei)

janah...

nabhas...

bharami...

däsa…

daksa…sanas…

génos

néphos

phero

deca

dexióshenós

genus...

nebula...

fero...

decem...

dexter...senex...

gaulês Boduo-genusantigo irlandês nemantigo irlandês beridantigo irlandês deichirlandês dessíralndês sen, gaulês seno

Perante o vocalismo e no céltico não se compreende que G. Rohbfs (56) relacione o rio Taro com um céltico tar “rápido”, o que também A. Holder (57) já fi zera a propósito dos nomes pessoais celtas em Tarus, segundo o género semântico dos antropónimos latinos Agilis, Celer, Rapidus, Velox (58). No entanto, a existência de tal vocábulo celta nem sequer é abonada por J. Pokorny (59). Por outro lado, Karl Horst Schmidt (60) e D. Ellis Evans (61) indicaram tal vocábulo nem sequer existir em céltico, pelo que os nomes pessoais celtas em Taros / Tarus, como Brogitarus, Dejotarus (62), Tarula (63), Taraveius (64), se deverão ligar ao celta tarvo “touro” (65). Com antropónimos celtas em

tar(v)- se deverá relacionar o topónimo Tarodunum ou Taurodunum / Zarten em Baden (66), nada tendo com a base Tar- dos rios Tara, etc. Como já observou P. Nauton (67), as línguas sobretudo regionais ou dialectais e falares populares conservam ainda antigos vocábulos que originaram nomes próprios idênticos. Ora a língua pré-indoeuropeia dravidiana (centro e sul da Índia), como observaN. Lahovary (68), conserva o vocábulo tara “ribeira”, tar(a) “rio atravessável”, tare “curso de água” e taru “declive, fundo” (e todo o rio tem sempre um certo declive para a água deslizar para baixo), tendo Milivoj Pavlovic (69) anotado em vasco os vocábulos tara “rio” e taro “rio”. É possível ainda uma relação entre as formas indianas tara “rápido” e Taranta “mar” e as mediterrâneas tara “rio”, etc., já que a ideia de “correr” e “rapidez” anda um tanto conexa à de “rio”, como se vê do latim fl u-ere “fl uir” e fl u-men “rio”, etc., dada até a proximidade do antigo indiano (sânscrito, védico) com o dravidiano (centro e sul da Índia). Demais são já conhecidos traços comuns (pelo menos parcialmente) aos domínios linguístico indoeuropeu e mediterrâneo, traços comuns esses que constituem o chamado circum-indoeuropeu ou per-indoeuropeu (69b), como acontece com o sufi xo –ko, estudado por A. Tovar (70) e talvez será também o caso de tara “rio” e “rápido”. O referido valor semântico de taru “declive, descida” (que lembra o género semântico do topónimo Alpendorada, de pendor ou declive) apropriar-se-ia à situação de Tarouca, pois, no dizer da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, “no referido pendor ocidental do monte que cobre Dalvares, existiu, de facto, a antiga Tarouca” (vol. 30, p. 741), sendo Tarouquela (de Sinfães) um “vale dominado, logo à nascença, por um cume que limita a freguesia” (citado

Page 131: Miolo 14

131

vol. 30, p. 754). Além da noção de “fundo” do “declive” expressa no vocábulo taru, há naturalmente a noção (em pólo oposto) do cimo desse declive, o que parece constar do regionalismo francês taroupe “protuberância” ou elevação (71). Por outro lado, o apelativo veneziano taranto “tuf sublonneux”, espécie de pedra (72), pode dar uma base à suposição de Ch. Rostaing (73) de a base Tar- signifi car “pedra, rochedo”, mas não será um vocábulo simplesmente homónimo? Talvez tenham interesse comparativo os apelativos italianos Taranto “sulco” e Tarasca “aguaceiro” (73b). Por razões de brevidade, omitimos neste nosso excurso onomástico as considerações sobre as variantes da base Tar-, variantes essas possibilitadas pelas alternâncias vocálicas e consonânticas observadas no substrato mediterrâneo, ou seja: a) em virtude da alternância vocálica a / e observada em casos como latim larix / vasco ler, latim sadum / sedum (74), sarna / zerna (75), etc. e em virtude da alternância de consoante simples com consoante geminada, como se nota em casos como baca / bacca (76),Illiberae / Iliberri (77), etc., G. Alessio (78) vê a possibilidade de a base Tar- ser uma variante de Tarr- (havendo bastantes nomes próprios nesta base Tarr- de consoante geminada, por nós omitidos por razão de brevidade) e encara também a possibilidade de Tar(r)- poder ser (pela alternância a / e) uma variante de terra “terra”, valendo-se do apelativo asturiano e norte-português tarro “vaso de terra” e apelativo vasco Tarroka “porção de terra”, embora mais provavelmente este seja derivado de terra (79); b) em virtude da alternância consonântica t / d observada em casos como Brundisium / Brintesis, Tarantasia / Darantasia (80), etc., seria de considerar

a base-variante Dar- existente no topónimo hispânico Daroca, etc., do que nos dispensamos por brevidade.

O sufi xo –ouco aparece várias vezes nas mesmas bases juntamente com os sufi xos afi ns –oco (81) e –ouço e daí, por um lado Barroca e Barrouca, Batoco e Batoucos (82), Bajoca e Bajouca, “Tharoca” em 1129 em Nájera – Logroño e Tarouca (82), Larocus e Larouco (83) e, por outro lado “Pedroucos” e “Petrouzus” (Pedrouços), “pennoco”, “Penouco” e “Penouços” (84), Marouco e marouço (85). O sufi xo –ouco e afi ns parecem ter um valor colectivizante e de grandeza, tamanho, etc., a avaliar pelo signifi cado dos apelativos alpino pito “rochedo” e galego petouco “outeiro rochoso”, orensano medouku “montón de gavillas”, apesar de contrastar com o bragançano medouco “pequena meda de molhos de pão” (86), penoco “rochedo elevado”, pedrouzo “montão de pedras” (87), dorminhoco “que dorme muito”, piloucro “elevação pequena” (88). Faltam-nos elementos paralelos para observar em que sentido a base Tar- pode combinar semanticamente com o sufi xo –ouco no caso de Tarouca e Taroca. A partir de pedra e Pedrouços é compreensível a ideia de Tar- “pedra” e Tarouca; a partir de barroco “fundo” (comparável com barranco, donde a base barr-) era aceitável a base taru “fundo”, Taroca e Tarouca; a partir de penoco “rochedo elevado”, pilouc(r)o “elevação pequena” era compreensível também a formação Tarouca. A descoberta de apelativos em –ouco com o sentido de “declive” fornecerá um fundamento para compreender-se a formação de Tarouca nesta mesma acepção. Este nosso excurso, que foi um simples arrotear por um mundo linguístico tão vasto e complexo e, por

Page 132: Miolo 14

132

isso, sujeito à descoberta de novos dados e a inexactidões que importa aperfeiçoar, procurou apenas abrir algumas perspectivas na problemática da pré-latinidade do nome “Tarouquela”, como se exarou no título.

Suplemento – Quanto ao já mencionado na nota 8, acrescente-se a existência do prefi xo feminino t- em copta, referida também por Ignatius Guidi, no seu livro Elementa Linguae Copticae brevi chrestomathia et indice vocabulorum instructa, Nápoles, 1924, p. 9. O citado prefi xo tem o valor de artigo.(Footnotes)

(*) Este trabalho, apresentado ao colóquio de Tarouca, em 1987 (sob o título “Sobre algumas perspectivas da problemática da pré-latinidade do nome “Tarouca”), sai agora, aqui, mais aperfeiçoado.(1) Portugaliae Monumenta Historica, Diplomata et Chartae, p. 147, n.º 236.(2) Portugaliae Monumenta Historica, Diplomata et Chartae, p. 108, n.º 175.(3) Documentos Medievais Portugueses, vol. I, p. 103, n.º 81. Omitimos por razão de brevidade outras formas posteriores.(4) Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 30, p. 743 e 740; José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, vol.III, Lisboa, 1984, p. 1386 sub voce Tarouca; A. Moralejo Lasso, Toponimia Gallega y Leonesa, Santiago de Compostela, 1977, p. 248, lembra a possível comparação de Tarouca com o antigo topónimo Taraqua (variante de Turoqua).(5) M.ª Lourdes Albertos Firmat, La Onomástica Personal Primitiva de Hispania, Salamanca, 1966, p. 285 ; Manuel Palomar Lapesa, La Onomástica Personal Pre-

Latina de la Antigua Lusitania, Salamanca, 1957, p. 119.(6) Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones de 1258, p. 390.(7) Sobre –auk ver a monografi a de J. Hubschmid in Romance Philology, vol. 8, n.º1 (1954), pp. 12-26; citada (na nota 5) La Onomástica Personal Primitiva..., p. 288. Sobre anc- ver J. Hubschmid in Revue Internationale d’Onomastique, ano XI, n.º 4 (1959), pp. 241-265 e Maurits Gynding in VII Congresso Internazionale di Scienze Onomastiche, vol. II, Firenze, 1963, p. 132; e ainda Zeitchrift für Celtische Philologie 21 (1937-1940), p. 68.(8) cfr. Studi Etruschi 18 (1945), p. 148; Archivio per l’Alto Adige 41 (1946-1947), p. 104, nota 50 e 51 (1957), p. 110-112, nota 300; N. Lahovary, La Diffusion das Langues Anciennes du Proche-Orient, Berne, 1957, p. 84, onde refere o mesmo prefi xo em somali, etc. e noutros casos também como sufi xo, o que também refere A. Hovelacque, La Linguistique, p. 249 (quanto ao prefi xo e sufi xo em egípcio) e p. 251 (quanto ao prefi xo em copta).(9) E. A. Wallis Budge, Egyptian Language, London, 1985, p. 112, 113 e 115; G. Lefebure, Grammaire de l’Egyptien Classique, 2.ª ed., Cairo, p. 61, 62 e 66 (referindo também o uso como sufi xo feminino nas pags. 2 e 67). Ver ainda Ángel Sánchez Rodríguez, dicionário de Jeroglifi cos Egípcios, Madrid 2000, p. 47(9b) S. Hanouz, Grammaire Berbère, Paris, 1968, p. 66, 68.(10) Adolf Schulten, Die Keltiberer und ihre Kriege mit Rom [= Numantia I ], München, 1914, p. 38; Archivum Romanicum XXV (1941), p. 146-147; Max L. Wagner, Restos de Latinidad en el Norte de Africa, Coimbra, 1936, p. 17, 20-21.

Page 133: Miolo 14

133

(11) Zeitschrift für romanische Philologie 57 (1937), p. 145 e 154. (12a) citada (na nota 11) Zeitschrift..., p. 149; citados (na nota 10) Die Keltiberer..., p. 38; Ramón Menéndez Pidal, Toponimia Prerrománica Hispana, Madrid, 1952, p. 26 ; Biblos 26 (1950), p. 514-515.(12b) Giovanni Alessio, Le Lingue Indoeuropee nell’Ambiente Mediterraneo, Bari, 1954, p. 671, 509.(12c) Revista de Filologia Española 38 (1954), p. 92 e 97.(13) citado (na nota7) VII Congresso…, vol. I, Firenze, 1982, p. 452, etc.(14) Revue Internationale d’Onomastique 18.º ano,n.º2-3 (1966), p. 162, 164, 165. Sobre clastra cfr. ainda José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 3.ª ed., vol. II, Lisboa, 1977, p. 164. (15) Archivio Glottologico Italiano 39 (1954), p. 94; citadas (na nota 12b) Lingue Indoeuropee..., p. 366.(15b) Vittorio Bertoldi, Linguistica Storica – Questioni di Metodo, 2.ª ed., Genova, etc., p. 111 sgs.(15c) citadas (na nota 12b) Lingue Indoeuropee...,p. 547.(16) Ampurias IX – X, Barcelona, 1947-1948, pp. 171-211.(17) Giovanni Alessio, Le Origini del Francese Firenze, 1946, p. 24; Biblos 26 (1950), p. 514; N. Lahovary, La Diffusion des Langues Anciennes du Proche-Orient, Bern, 1957, p. 182, 258.(18) Carlo Battisti, Sostrati e Parastrati nell’Italia Preistorica, Firenze, 1959, p. 37, cfr. 59.(19) Louis-Fernand Flutre, Recherches sur les Eléments prégaulois dans la Toponymie de la Lozère, Paris, 1957, p. 266 e 269 ; Ch. Rostaing, Essai sur la Toponymie de la Provence, Paris, 1950, p. 284.

(20) Studi Etruschi, vol. 14, p. 198; Rivista Indo-Greco-Italica, vol. 15 [1931], pp. 47 [152] – 60 [156].(20b) citada (na nota 17) Diffusion..., p. 182.(21) citadas (na nota 19) Recherches..., p. 262.(22) Beiträge zur Namenforschung, vol. 1 (1949 – 1950), pp. 253 – 254; vol. 8, cad. 3 (1957), p. 261; vol. 14 (1963), p. 6; vol. 15 (1964), p. 6; vol. 1 (nova série) (1966), p. 133; Unsere Ältesten Flussnamen, Wiesbaden, 1964, p. 57; Sprache und vorzeit, Heidelberg, 1954, p. 104.(23) citados (na nota 18) Sostrati...p. 40, 86, 99; Studi Etruschi 6 (1932), pp. 332-333; Rendiconti dell’Istituto Lombardo 71 (1938), pp. 595-598.(24) Principes et Méthodes d’Hydronymie Française, Dijon, 1956, p. 2, 196, 264.(25) L’Italia Dialettale – Suplemento n.º 1 (1929), p. 42.(26) Les Premiers Habitants de l’Europe, vol. II, Paris, 1894, p. 98 e 151.(27) Revue Internationale d’Onomastique, ano 14, n.º1 (1972), p. 37.(28) Zeitschrift für Celtische Philology 20 (1933-36), p. 319 e 21 (1937-40), p. 62(29) Dictionnaire Etymologique des Noms de Rivières et de Montagnes en France, Paris, 1982, p. 87.(30) Alt-Celtischer Sprachschatz, vol. II, Graz, 1962, coluna 1734.(30b) citada (na nota 17) Diffusion..., p. 235.(30c) Beiträge zur Namenforschung, ano 8, fascículo 3 (1957), p. 261.(30d) citada Beitráge, vol. 16 (1965), p. 257.(30e) Studi Etruschi 15 (1941), p. 214.(31) Proceedings of the eighth International Congress of Onomastic Sciences, Hague / Paris, 1966, p. 473.(32) Zeitschrift für Namenforschung, vol. 15, cad.1, Berlin, 1939, p. 59.

Page 134: Miolo 14

134

(33) Romania 38 (1909), p. 411.(34) Rendiconti dell’Istituto Lombardo 71 (1938), p. 598.(35) citados (na nota 18) Sostrati..., p. 99 e Rendiconti dell’Istituto Lombardo 71 (1938), p. 597.(36) Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones de 1258, p. 436.(37) citados (na nota 18) Sostrati..., p. 100.(38) citados (na nota 24) Principes..., p. 264.(39) citado (na nota 7) VII Congresso..., vol. II, p. 314.(40) Zeitschrift für Celtische Philologie 20 (1933-36), p. 319.(41) L’Italia Dialettale – Suplemento n.º 1 (1929), p. 42.(42) Portugaliae Monumenta Historica, Inquisitiones de 1258, p. 374.(43) E. Philipon, Les Peuples Primitifs de l’Europe Méridionale, Paris, 1925, p. 307.(44) Studi Etruschi, vol. 14, p 198.(45) Zeitschrift für Celtische Philologie 21 (1937-40), p. 68 ; Romania Helvetica 14 (1939), pp. 211-270.(46) Revue Celtique 20 (1899), p. 360.(47) Zeitschrift für Celtische Philologie 21 (1937-40), p.147. (48) Rendiconti dell’Istituto Lombardo 71 (1938), pp. 597-598 e Studi Etruschi 6 (1932), pp. 332-333 e citados (na nota 18) Sostrati…, p. 40, 86, 99.(49) Rendiconti dell’Istituto Lombardo 71 (1938), p. 598.(50) Beiträge zur Namenforschung 1 (1949-50), pp. 253-254 e citados (na nota 22) Unsere…, p. 57.(51) R. Menéndez Pidal, Orígenes del Español, 4.ª ed., Madrid, 1956, p. 536; Revista Lusitana 35 (1937), p. 64; Boletim de Filologia 8 (1948), p. 332.(52) cfr. Studi Etruschi 19 (1946-47), pp. 141-176; citados (na nota 12b) Lingue Indoeuropee…, p. 310.

(53) Indogermanisches Etymologisches Wörterbuch I, Bern und München, 1959, pp. 1074-1075. Vide também A. Walde, J. B. Hofmann, Lateinisches Etymologisches Wörterbuch, II, Heidelberg, 1954, p. 671 sub voce terminus; Pierre Chantraine, Dictionnaire Etymologique de la Langue Grecque, Paris, 1968, p. 1107 sub voce Terma e p. 1126 sub voce torein.(54) Oswald Szemerenyi, Introducción a la Lingüística Comparativa, Madrid, 1978, p. 83; Hans Krahe, Lingüística Indoeuropea, Madrid, 1953, p. 90; Georges Dottin, La Langue Gauloise, Paris, 1918, p. 99 e 100; citado (na nota 50) Indogermanisches..., p. 1090 e 872.(55) citada (na nota 54) Introducción..., p. 57; Holger Pedersen, Vergleichen de Grammatik der Keltischen Sprachen I, Göttingen, 1976, p. 36; Hans Krahe, Lingüística Indoeuropea, Madrid, 1953, p. 61; Francisco R. Adrados, Lingüística Indoeuropea I, Madrid, 1975, p. 292; citado (na nota 53) Indogermanisches…, p. 375, 315, 340; Rudolf Thurneysen, A Grammar of Old Irish, Dublin, 1980, p.36.(56) VI Internationaler Kongress für Namenforschung, vol. I, München, 1960, p.6.(57) Alt-Celtischer Sprachschatz, II, Graz, 1962, coluna 1738 sub voce Tarus.(58) Grial, n.º 69 (1980), p. 338.(59) citado (na nota 53) Indogermanisches..., pp. 1074-1075.(60) Zeitschrift für Celtische Philologie 26, cad. 3/4 (1957), p. 275.(61) Gaulish Personal Names, Oxford, 1967, pp. 261-262.(62) H. D’Arbois de Jubainville, Recherches sur l’Origine de la Propriété Foncière et des Noms de Lieux Habités en France, Paris, 1890, p. 601 ; Zeitschrift für Celtische

~

Page 135: Miolo 14

135

Philologie 26, cad. 3/4 (1957), p. 275.(63) Revue Celtique 14 (1893), p. 175.(64) A. Dauzat, Ch. Rostaing, Dictionnaire Etymologique des noms de Lieux en France, Paris, 1963, p. 673.(65) citados (na nota 61) Gaulish…, p. 261.(66) citados (na nota 19) Recherches…, p. 269; Georges Dottin, Manuel pour servir à l’étude de l’Antiquité Celtique, Paris, 1906, p. 323 ; A. Holder, Alt-Celtischer Sprachschatz, II, Graz, 1962, coluna 1736 sub voce Tarodunon ; Rendiconti dell’Istituto Lombardo 71 (1938), p. 596. A. Dauzat, Ch. Rostaing, citado (na nota 64) Dictionnaire…, p. 673, crêem que o rio Taravus / Tharaux se relaciona com a antroponímia céltica.(67) Revue de Linguistique Romane, n.º 85-86, janvier-juin, 1958, tome 22, p. 47.(68) citado (na nota 7) VII Congresso…, vol. II, Firenze, 1963, p. 243.(69) citado (na nota 7) VII Congresso…, vol. II, Firenze, 1963, p. 314. Mas no Diccionario Vasco-Español-Francés, de Resurrección Maria de Azkue, não vimos tais palavras.

(69b) cfr. G. Devoto in Studi Etruschi, vol. 17, p. 366 e vol. 18, p. 190-191; citados (na nota 12b) Lingue Indoeuropee, p. 245, cfr. 241.(70) Archivio Glottologico Italiano, vol. 39, p. 56 e 57.(71) Johannes Hubschmid, Thesaurus Praeromanicus, I, Bern, 1963, p. 41.(72) Revue Internationale d’Onomastique, ano 24, n.º1 (1972), p. 37.(73) Essai sur la Toponymie de la Provence, Paris, 1950, pp. 266-267.(73b) Revue Internationale d’Onomastique, respectivamente Junho – Setembro de 1966 (número especial), p. 98 e Dezembro, 1966, p. 296.

(74) cfr. Biblos 26 (1950), p. 506.(75) Johannes Hubschmid, Sardische Studien, Bern, 1953, p. 48; citados (na nota 12b) Lingue Indoeuropee, p. 541 sgs.(76) Studi Etruschi, vol. 16, p. 363; vol. 6 (1932), p. 333, nota 1; vol. 9, p. 137.(77) Johannes Hubschmid, Thesaurus Praeromanicus, fasc. 2, Bern, 1965, p. 139, 140. (78) Studi Etruschi, vol. 9, p. 137 ; Annali dell’Università di Trieste, anno 1937 – 1938, p. 350, n.º 16.(79) Johannes Hubschmid, Thesaurus Praeromanicus, fasc. 2, Bern, 1965, p. 99, 100. (80) citados (na nota 18) Sostrati…, p. 97 e 99.(81) Homenaje a Antonio Tovar, Madrid, 1972, p. 55; Ulrich Schmoll, Die Sprachen der Vorkeltischen Indogermanen Hispaniens und das Keltiberische, Wiesbaden, 1959, p. 57, referindo-se, na p. 58, ao sufi xo –auco / -ouco.(82) cfr. Romance Philology, vol. 8, n.º 1 (1954), pp. 20, 21.

(83) cfr. Respectivamente citados (na nota 81) Die Sprachen…, p. 57 e Romance Philology, vol. 8, n.º 1 (1954), p. 20.(84) Johannes Hubschmid, Sardische Studien, Bern, 1953, pp. 76-77, nota 4.(85) Romance Philology, vol. 8, n.º1 (1954), p. 19.(86) Romance Philology, vol. 8, n.º1 (1954), p. 17 e 18.(87) citados (na nota 84) Sardische..., p. 77, nota 4.(88) Romance Philology, vol. 8, n.º1 (1954), p. 16 e 18.

Page 136: Miolo 14

136 PoesiaMaria Fernanda Calheiros Lobo*

ChinêsLoja dos trezentos

Sugestão: Entrar

Tolerância ao constatarVale a pena aproveitar?...

ChinêsNegócio: trabalhar, dormir, cozinhar

Tudo no mesmo chão.Uma só renda a pagar.Continuar.

Loja dos trezentosO português também quer, mas

dorme longe,chegou de carro, gosta do seu cantinho,perdeu o lucro no caminho.

Ultrapassadas as distânciasmisturaram-se as gentes

* Universidade Sénior - Douro

com mentalidade diferentes.Concorrência, pessimismo e depressão«Admirável Mundo Novo»a Terra ficou pequenaChegou a globalização

Ali,Há uma loja de trezentos!O Marketing é perfeito.Olha é de entrar.O português dócilnão sai de mãos a abanar.- por favor? Quanto devopor este pacote de bolachas?

Page 137: Miolo 14

137

Natal

Joaquim Máximo*

Natal 1999

Quisera eu, neste Natal do milénio, A cada um dar o poema que merece.À minha musa então roguei, em prece,Que me inspirasse, dando-me o seu génio.

Mas tardou em vir. Estava ocupada,Inspirando outros menos maus que eu.Até que, enfi m, mais tarde apareceu, Para inspirar minha mente enevoada.

E então exclamou «Oh meu vil mortal!Que queres? Diz-me! Não te faço mal!» Respondi: «É que não sei, na verdade,

Que dar a um amigo, como lembrança!»Disse ela: «Não percas nunca esperança!E dá-lhe o ouro contido na amizade!»

* Joaquim Máximo de Melo e Albuquerque de Moura Relvas, nasceu em Coimbra e reside em Vila Nova de Gaia. Tem o curso de Engenharia Electrónica da Universidade do Porto. Exerceu a actividade profi ssional na Administração Geral dos CTT e obteve a especialidade de Instalações Exteriores de Transmissão; União Eléctrica Portuguesa, integrada depois na EDP; Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, como Professor Associado; Colégio de Gaia onde leccionou disciplinas relacionadas com a Electrónica Digital. Faz parte da Direcção da revista Politécnica. É membro da Ordem dos Engenheiros da “American Association for the Advancement of Science”, da “New Iork Academy of Sciences” e da “Planetary Society”.

Luz

Page 138: Miolo 14

138 Natal 2000

De mente inquieta, eu só via nadasPara oferecer como prendas de Natal.Mas que havia então de dar, afi nal,Neste ano de ocorrências desgraçadas?

De pegar nos nadas me lembrei então,Tirando deles o ódio e a maldade,Temperando-os com o amor e a amizade,

E colocá-los no forno do coração.

Só quando, do forno, depois os retirei,É que de os contar então eu me lembrei.Dava um para cada amigo. Ainda bem!

Oxalá sejam prendas com algum valorPara aqueles que têm só por prenda a dor,Ou que choram aqueles que já não têm.

Natal 2001

Os anos passam e os seus Natais também.Uns são bons, outros maus, outros nem por isso.Este ano foi mau por causa do enguiçoQue o Terror lançou por ali e por além.

Quem não sofreu e continua a estar bem,Sendo crente agradeça a Deus por isso.E para quem Deus é um ente omisso?

Que agradeça também! Mas agradecer a quem?

Onde o Terror se impôs não fi cou ninguémQue não morresse, sofresse ou chorasse alguém.Ou perdesse completamente o siso.

Que fazer então com o Natal que aí vem?Sofrendo ou não lembremo-nos de Belém.Seja um Natal com o nosso melhor sorriso.

Page 139: Miolo 14

139NATAL 2002

Será este um Natal de felicidade?Ou será como os natais de outros anos,Com a Pobreza a chorar seus desenganos, E a Riqueza a exibir sua vaidade?

Será que, em lares onde há fartura,Continuarão a trocar-se caras prendas,Enquanto tanta gente morre em contendas,

E enquanto em muitos lares a dor perdura?

Quisera eu que assim não sucedesse,Para o que há de bom em nós não se perdesse!Então que fazer no Natal que aí vem?

Que se acabem com os luxos e vaidades,Que se ajude quem tem necessidades,E dando aos outros o amor que cada um tem.

Natal 2003

Esta noite tive um sonho. Foi assim:Acabara o Terror e a Maldade,Regressavam o Amor e a AmizadeE a Terra tinha tranquilidade enfi m.

Também fi ndara a Dor e o Sofrimento,A Humildade vencera a Arrogância,A Sobriedade vencera a Ganância,

E voltara a Paz e o Entendimento.

Ao acordar vi nesta manhã friaQue tudo foi sonho! Foi-se a alegria,Porque afi nal nada fora verdade.

Entendi então, para que fi nde o Mal,Pedir, como minha prenda de Natal,Que o sonho venha a ser realidade.

Page 140: Miolo 14

140 Natal 2004

Há muitos anos, no dia de Natal,Ainda o Pai Natal não existia.Era Deus Menino que, nesse dia,Afastava, para bem longe, todo o mal.

Punha um só brinquedo no sapatinho,Modesto, mas a transbordar de amor,Tanto, que matava toda a nossa dor

E a todos inundava com carinho.

Hoje há menos Presépio e mais pinheiroE todo o nosso amor vai p’ró dinheiro,Que tudo contamina co’a ganância.

Hoje é só festa mundana que se tem.Esqueceu-se a mensagem de Belém.Que saudade dos natais da minha infância!

NATAL 2005

Mais um ano passou e mais um Natal vem.Ano bom para uns e para outros não.Uns têm alegria, outros têm afl ição.Uns têm tudo, outros nada têm.

Porque nos lembramos, só quando é Natal,Da mensagem que nos foi dada de Belém,De darmos nosso amor a quem não nos quer bem

E de darmos ajuda a quem passa mal ?

-Mas o mundo fi caria mais humano,Se houvesse amor e ajuda todo o ano,E não só nesta quadra de alegria.

Façamos então agora a promessaDe fazer tudo p’ra que isso aconteça,E o mundo mais bonito fi caria.

Page 141: Miolo 14

141Natal de 2006

Ainda é Verão, mas já penso no NatalPois, com um Sol lindo, sem chuva ou vento,Feriram-me com dor e sofrimento,Gentes que, por dentro, estão cheias de Mal.

Quisera eu, por isso, que, no Natal,As minhas feridas tenham já sarado,Que a essas gentes tenha eu perdoado

E que lhes dê amizade, em vez do Mal

Porque o Natal é isto: Amor e Perdão,Que nos dá tranquilidade ao coração,E não caras prendas, em mundanas festas.

Que o valor destas vá para os desgraçados,Que em guerras vêem seus fi lhos desventradosPor gentes más, que mais parecem bestas.

Page 142: Miolo 14

142 PoesiaMaria Virgínia Monteiro*

Seum dia, se voltarestalvez, a tisó digam que partique já não souonde era o meu lugaro meu estar

que, até, talvez de mimdistante eu estejacomo distante é agorao teu de eu amar

mas lá, tal como aquilá onde eu sejaa imensurada rota, a não estradasemente em só silêncio fecundadapercurso em mim do tempo, o longe-perto

pássaro louco, solto na distânciade só saber de ti a dor a ânsiamais frágil do que sopro, o pó no ventobaterá meu coração, fiei e certopoeira ou golpe de asa, em voo incertoassim e só por ti, terno e violento

* Nasceu em Espinho em 1931.Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, tem trabalhos de poesia e prosa dispersos por jornais e revistas. Publicou:“Mulher de Loth”, “Ribeiro teu Indício”, “O Silêncio Todo”, “Precário Registo”, “As Cinzas e as Brisas”, “As Palavras, este Canto, este Rio”, “Les Brises les Cendres” e, em França,“Ces Quelques Lettres Portugaises”.

perdido coração e sem sossegopássaro do longe, a ira virque incerto erragrão ou semente, ou só poeira, em voo cegoe fecundar, nó de silêncioa funda terra

Page 143: Miolo 14

143A MEDALHÍSTICA NO CONCELHO DE SANTA MARIA DA FEIRA – X – IRENE VILAR

Celestino Portela* / Joaquim Carneiro**

No nº. 9 – Fevereiro de 2005 – apresentámos a Ilustre Escultora com referência às medalhas “Primeiro Centenário do Jornal Correio da Feira” e “90 anos da Comissão do Castelo”. Seguindo o critério de mantermos actualizada a criação medalhística, relativa ao concelho, de escultores já estudados, apresentamos a mais recente medalha da escultora Irene Vilar, comemorativa do “Primeiro Centenário do Nascimento de D. Sebastião Soares de Resende – 1º. Bispo da Beira”. Para melhor conhecimento dos nossos leitores inserimos: - a apresentação da escultora na cerimónia de 17 de Junho, em Milheirós de Poiares, por D. Carlos Moreira Azevedo;

- a escultura do 1º. Bispo da Beira, inaugurada nesse dia, de Irene Vilar. - a descrição da medalha por D. Carlos Moreira Azevedo. IRENE VILAR (1931- )

Autora de vasta obra de escultura, medalhística, numismática e ourivesaria, Irene Vilar é natural de Matosinhos, município a quem fez um legado de parte da sua obra escultórica, em 1976.

É licenciada pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, com 20 valores, na tese de escultura, tendo sido discípula de Barata Feyo e Dórdio Gomes. Foi bolseira do Instituto de Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian, no estrangeiro. Participa, com escultura e medalhística, nas grandes exposições realizadas em Portugal. Entre as mais recentes cumpre referir: “Cristo fonte de esperança”, no Porto; “Morte e Transfi guração”, Sociedade Nacional de Belas Artes/SNBA), Lisboa; “Natividade 2000”, no Mosteiro dos Jerónimos; “100 anos – 100 artistas”,

*Advogado | **Designer Gráfi co

Irene Vilar.

Page 144: Miolo 14

144 SNBA, Lisboa. A sua obra foi apresentada em duas exposições recentes:“Modelar o mistério”, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa (2003);“Do gesto ao gesso”, Matosinhos (2004). Representa o País em diversos certames internacionais, nomeadamente nas Bienais de São Paulo, Paris, Colónia, Roma, Florença, Estocolmo, Londres, Helsínquia, Budapeste, Neuchâtel, Weimar, Roterdão...

Realizou, de entre muitos outros, os seguintes monumentos: a Camões, Garcia de Orta e Guilhermina Suggia, no Porto; ao Bombeiro, em Paredes; ao Artilheiro, no Regimento de Artilharia nº. 5, em Vila Nova de Gaia; São Rosendo, em Santo Tirso; ao Pescador, a Florbela Espanca e a Abel Salazar, em Matosinhos; São Miguel Arcanjo no Comando-Geral da PSP, em Lisboa; a D. António Ferreira Gomes, Padre Américo e o conjunto de nove esculturas na Rotunda do Cameirinho, em Penafi el; a Fernando Pessoa, em Durban (África do Sul), São Paulo (Brasil) e em Bruxelas (Bélgica). A convite do

Governo de Macau, executou, em 1996, o Monumento “Abraço” para o Jardim Luís de Camões. De carácter monumental são igualmente as esculturas para o Sheraton Porto Hotel, “Fonte Universo” para o SMAS, no Porto; “Mundo” para os jardins do CAM da Fundação Calouste Gulbenkian; “Monumento aos 500 anos do Teatro” – Guimarães (2003); “Estátua da Imaculada Conceição” para os jardins da Universidade Católica. Lisboa (2004). Executou vários baixo-relevos para os tribunais

de Valença, Moimenta da Beira, Paços de Ferreira, Porto e Santo Tirso. Da vasta e inovadora produção no universo da expressão cristã, deu recentemente corpo a obras como: “Cristo ressuscitado”, Igreja dos Padres Carmelitas, na Foz do Douro; “São Miguel”, Igreja da Maia; ambão, altar e cadeira da presidência (baixo-relevos), cruz processional e castiçais da Igreja do Santíssimo Sacramento (Porto); evangeliário e caixa para as âmbulas dos santos óleos da Catedral do Porto; cruz processional e castiçais da Paróquia Senhora da Conceição (Porto); sacrário, pia

D. Carlos Moreira Azevedo. Irene Vilar.

Page 145: Miolo 14

145

baptismal, cadeira da presidência e ambão da igreja de Gueifães (Maia); criou as insígnias episcopais (anel, cruz

e báculo) para os bispos João Miranda Teixeira, Januário Torgal Ferreira e Carlos A. Moreira Azevedo. A sua obra escultórica encontra-se dispersa em Portugal, Alemanha, África do Sul, Brasil, Bélgica, Holanda e Macau.

Está representada em colecções particulares e ofi ciais, tais como Secretaria de Estado da Cultura, Museu Amadeo Souza-Cardozo, Biblioteca – Museu de Vila Franca de Xira, Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, Museu do Chiado, em Lisboa, Património Artístico de Matosinhos, entre outras.

Para a Imprensa Nacional-Casa da Moeda executou várias moedas, destacando-se: Batalha de

Ourique, D. Afonso Henriques, Amadeo Souza-Cardozo, Antero de Quental, Camilo Castelo Branco, Pauliteiros, Banco de Portugal e Porto 2001, Capital Europeia da Cultura. Esta instituição dedica-lhe, em 1986, a monografi a “Irene Vilar: medalhas e bronzes,” com apresentação critica de Joaquim Matos Chaves. Em 1991, é publicada uma obra com parte da sua criação escultórica, intitulada “Irene Vilar: quem me dirá quem sou?,” com texto de Maria da Glória Padrão (Edições ASA). No ano de 1997, por iniciativa do Governo de Macau, é publicado o livro “Abraço. Uma escultura para Macau.” A Câmara Municipal de Matosinhos edita, em

Presidente da Câmara, Alfredo Henriques, na inauguração da Estátua de D. Sebastião Soares de Resende.

Page 146: Miolo 14

146 2004, “Do gesto ao gesso”, com textos de João Antunes e de Jorge Araújo. Recebeu várias distinções, como a de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, Medalha de Mérito, Grau Ouro, da Câmara Municipal do Porto, Cidadã do Ano 1989/90, do Lyon’s Club de Matosinhos, Medalha de Mérito Dourada da Câmara Municipal de Matosinhos. Entre os diversos prémios que galardoaram a sua obra destacam-se:

Escultura – Vila Franca de Xira; Mestre Manuel Pereira; Bienal de Paris; Nacional de Escultura;1º. Prémio da medalha ofi cial da Europália/91;1º prémio medalha Grupo EDP; 1º prémio medalha Cenel/Hidrocenel (EDP). Recentemente obteve o1º prémio (aquisição) na Exposição Santo Agostinho, Fátima, 2003. É vogal-correspondente da Academia Nacional de Belas Artes e Membro-Artista da FIDEM. 19 – Medalha Comemorativa do Centenário de D. Sebastião Soares de Resernde.

“A medalha comemorativa do Centenário de D. Sebastião Soares de Resende mostra, no anverso, a fi gura do bispo, assinalando a cruz peitoral, em recorte vazado, que incide no mapa de Moçambique, desenhado no reverso, o sinal distintivo do cristianismo. A afi rmação escolhida e gravada na medalha une a personalidade do Bispo da Beira à África, em paixão dedicada, em entrega da vida à missão. A cruz foi assumida sem medo, como vitória sobre a maldade, viesse ela do poder colonial, do íntimo do ser humano

ou das incompreensões dos irmãos na fé. A leveza dos traços evidencia a sobriedade do homenageado. Mais uma vez, a escultora Irene Vilar, mestra experimentada na arte medalhística, nos oferece um resultado feliz da sua intuição criativa. Captou o essencial da personagem e expressou o sentido de uma vida: a sua cruz foi a cruz de África, num único amor apaixonado.” D. Carlos Moreira Azevedo

Page 147: Miolo 14

147Postais do Concelho da FeiraA – Postais Ilustrados

Ceomar Tranquilo*

Vamos referir uma série de diferentes postais com a mesma fotografi a, a de uma lavradeira jovem.

* Caminheiro por feiras, lojas e mercados.

37 – Costumes Portuguezes.Tipo da Vila da Feira – Cor cinza. MCL

Page 148: Miolo 14

148

38 – Villa da Feira (Portugal) – cor cinza. 39 – Villa da Feira (Portugal) – colorido.

Page 149: Miolo 14

149

40 – Reverso de outro postal com a mesma fotografi a e legenda. “Exclusivo dos grandes armazéns Hermínios”. Circulado para Lisboa, com 2 selos de 1 centavo, ceres, castanho. “Querida Mamã há dois dias que comecei uma carta para si”.

41 – Costume de Portugal – Trajo de Villa da Feira.

41 A – Reverso do mesmo postal “Bilhete Postal Sanitas”. “A medicação phosphatisante por excelência é feita pelos comprimidos de Phosphato Tri-Calcico com Carbonato de calcio Sanitas – sendo facilmente assimilado pelas creanças é o medicamento preferido no rachitismo e convalescenças dos pequenos doentes”.

Page 150: Miolo 14

150

43 – Um curioso postal que recorda a excursão da União Central do Porto à Villa da Feira, em 24 de Junho de 1909.

42 – Villa da Feira (Portugal) 111Edição de “Martins e Silva, P. Luiz de Camões,35 – Lisboa”.

43-A – Reverso do mesmo postal. “É com homens e não com Castellos que se salvam as Nações. O que a Escola semeia a Pátria colherá. União Christã Central da Mocidade Portugueza – Rua D. Carlos 95 – Porto – Portugal.Quota: 1$200 Rs. Annuaes”. Circulado em 25-01-1910 – Selo de D. Manuel II, 10 reis, verde.

Page 151: Miolo 14

151

Page 152: Miolo 14

152

Page 153: Miolo 14

153

Lojas de venda de calçadodirectamente da fábrica ao público

Santa Maria da FeiraPinhelLordelo/GuimarãesPóvoa de VarzimViseu

Rohde - Sociedade Industrial de Calçado Luso - Alemã, Lda.

Lugar do CavacoSanta Maria da Feira

Apartado 114524-909 FeiraPortugal

Tel. 00 351 256 377 000Fax. 00 351 256 377 008E-mail: [email protected]

Page 154: Miolo 14

154

Page 155: Miolo 14

155

Page 156: Miolo 14

156