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MISSELING E VÍCIOS DA VONTADE PERSPETIVAS DE DOIS NÚCLEOS PROBLEMÁTICOS NO CONTEXTO DA INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA E DO INVESTIMENTO EM INSTRUMENTOS FINANCEIROS CATARINA MONTEIRO PIRES 19.12.2017 INSTITUTO DE VALORES MOBILIÁRIOS. FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA

MISSELINGE VÍCIOSDA VONTADE · misselinge vÍciosda vontade perspetivas de dois nÚcleos problemÁticos no contexto da intermediaÇÃo financeira e do investimento em instrumentos

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MISSELING E VÍCIOS DA VONTADE

PERSPETIVAS DE DOIS NÚCLEOS PROBLEMÁTICOS NO CONTEXTO DA

INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA E DO INVESTIMENTO EM

INSTRUMENTOS FINANCEIROS

CATARINA MONTEIRO PIRES 19.12.2017 INSTITUTO DE VALORES MOBILIÁRIOS. FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA

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PARTE IMISSELING E VÍCIOS DA VONTADE

RELEVÂNCIA DA MOTIVAÇÃO ANÓMALA OU DA FALSA

REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE PELO INVESTIDOR

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OS CASOS DE MISSELING E O RESSURGIMENTO DE PROBLEMAS

ANTIGOS

REGIME LEGAL

1. Dos artigos 251.º e 247.º CC resulta que o erro que atinja os motivos determinantesda vontade referente ao objeto do negócio é anulável desde que o declaratárioconhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elementosobre que incidiu o erro

2. Artigo 252.º, n.º 1 CC: “O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, masse não refira à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio, só é causa deanulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo”.

3. Artigo 252.º, n.º 2 CC: “Se, porém, recair sobre circunstâncias que constituem a basedo negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre resolução oumodificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento emque o negócio foi concluído”.

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OS CASOS DE MISSELING E O RESSURGIMENTO DE PROBLEMAS

ANTIGOS

QUATRO PERGUNTAS NUM CENÁRIO BASE (CONTA E INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA)

1. Deve aceitar-se a desculpabilidade do erro como requisito da anulação?

2. Como deve entender-se a causalidade entre erro e investimento? Como se distribuio ónus da prova e qual a carga probatória? Deve admitir-se uma prova meramenteindiciária?

3. Qual o âmbito de relevância do “erro sobre a base do negócio” tendo em vista adesvinculação do errante/ modificação da vinculação contratual? A falta derentabilidade ou do risco projetado pelo investidor são motivos de anulação oumodificação com fundamento em erro sobre a bn?

4. O erro espontâneo, não motivado por ato da contraparte, deve distinguir-se do erroinduzido ou provocado (ainda que sem dolo)?

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

CONCRETIZAÇÃO

PERGUNTA PRÁTICA: Um investidor que, por exemplo, não leu osdocumentos disponibilizados pelo IF pode pedir a anulação com base emerro? Um investidor que não compreendeu, por falta de diligência, o sentidoda declaração do IF pode pedir a anulação, com base em erro?

RESPOSTA TEÓRICA: Depende. Se o erro indesculpável for causa deanulação, sim. Se só o erro desculpável for motivo anulatório, não.

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

DEVE ACEITAR-SE A DESCULPABILIDADE COMO REQUISITO DA ANULAÇÃO?

• A visão dominante é a de que a desculpabilidade não é, de iure condito, condiçãode relevância do erro.

• Contudo:

• De iure condendo, Paulo Mota Pinto: “não nos repudiaria (...) defender airrelevância do erro culposo” (Interesse Contratual, II, p. 1281)

• De iure condito, Oliveira Ascensão: “Há que distinguir duas situações muitodiferentes do declarante (...): debilidade mental, a que deverá ser assimilado oprimarismo cultural; ligeireza. No primeiro caso, há razões para protegerquem está inferiorizado no meio social. Mas no segundo há culpa do agente. Enão se vêm razões para proteger quem teve culpa, perante uma contraparteque a não tenha” (Teoria Geral, II, p. 141).

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

E NA JURISPRUDÊNCIA?

Ac. STJ 12/05/2013: :” No âmbito do CC de 1867 não se tinha por relevante, comorequisito para a eficácia anulatória do erro, o erro que se mostrasse indesculpável,aquele em que se caísse por falta de um mínimo de cultura – em cuja existência osoutros normalmente confiam - ou por falta de diligência normal em informar-se. Não éassim no CC de 1966, que prescindiu da desculpabilidade do erro para a sua eficáciaanulatória. Mas se hoje, á luz do vigente CC, em sede de formação da vontade, o erroindesculpável admite que o errante invoque a anulabilidade do negócio, a verdade éque, alcançada essa anulabilidade, poderá incorrer em responsabilidade pre-negocialperante a contraparte. Quer dizer, o errante que incorra em erro por culpa grosseira,embora admitido a invocar a anulabilidade do negócio, incorrerá em responsabilidadecivil devendo indemnizar a contraparte nos termos do art 227º CC”.

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE

AS “MEDIDAS DE EQUILÍBRIO”

(DA CONSTRUÇÃO QUE REJEITA A DESCULPABILIDADE DO ERRO)

Na visão tradicional, as vias de tutela do IF que não violou deveres deinformação serão:

1. Abuso do direito (artigo 334.º) para prevenir a anulação;

2. Dedução de pedido reconvencional de indemnização por culpa incontrahendo do errante. Dificuldades destas vias.

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

A RELEVÂNCIA DO “MODELO DE CONTRATAÇÃO”

1. Código Civil e os deveres de informação pré-contratuais, como derivação da boa-fé:um modelo de neutralidade com apreciação casuística dos desníveis informativos.

2. Origem da contraposição entre modelo de correção e modelo de informação: o casodos swaps de taxa de juro e o caso das cláusulas de limite mínimo de taxa de juro(Catarina Monteiro Pires, Entre um modelo corretivo e um modelo informacional…,Cadernos de Direito Privado 2013);

3. O modelo do CMV e do RPFC como ummodelo de informação. Sequência.

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

“MODELO DE INFORMAÇÃO”

1. Na intermediação sem consultoria, o intermediário financeiro deve solicitar aocliente informação relativa à sua experiência e conhecimentos para poder avaliar seo cliente compreende os riscos, podendo depois julgar se a operação é, ou não,adequada ao cliente. Artigos 314.º, n.ºs 1 e 2 e artigo 314.º-A, n.º 2 c) do CVM.

2. O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, quelhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessáriaspara uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamenteas respeitantes: (...) – artigo 312.º, n.º 1 CVM.

3. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menorfor o grau de conhecimentos e de experiência do cliente – artigo 312.º, n.º 2 CVM.

4. A informação respeitante (…) às atividades de intermediação financeira (…) deve sercompleta, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita – artigo 7.º, n.º 1 CVM.

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

“MODELO DE INFORMAÇÃO”

ARTIGO 312.º-E CVM – INFORMAÇÃO RELATIVA AOS INSTRUMENTOS FINANCEIROS

1 - O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dosinstrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, anatureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

2 - A descrição dos riscos deve incluir:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impactodo efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentesno mercado em que o mesmo é negociado;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aosinstrumentos financeiros desse tipo (...).

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

“MODELO DE INFORMAÇÃO”

PRODUTOS FINANCEIROS COMPLEXOS

1. Artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de novembro: instrumentosfinanceiros que, embora assumindo a forma jurídica de um instrumento financeiro jáexistente, têm caraterísticas que não são diretamente identificáveis com as desseinstrumento, em virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evoluçãodepende, total ou parcialmente, a sua rendibilidade.

1. Regulamento da CMVM n.º 2/2012 sobre deveres informativos relativos a produtosfinanceiros complexos e comercialização de operações e seguros ligados a fundos deinvestimento (RPFC): artigos 5.º, 11.º e 12.º. As «Informações Fundamentais aoInvestidor» (IFI)” e os seus elementos.

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

“MODELO DE INFORMAÇÃO”

PRODUTOS FINANCEIROS COMPLEXOS

1. São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais queatestem conhecimentos da partes relativos ao contrato, quer em aspetos jurídicos,quer em aspeto materiais (artigo 21.º, e) RCCG).

2. O problema das declarações de existência de know-how e qualificações paracompreender os riscos do negócio – a posição de Ana Prata. Apreciação crítica.

3. Controlo e prevenção da ficção de conhecimentos, mas não incentivo à falta dediligência na contratação.

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

POSIÇÃO ADOTADA

1. A chamada “neutralização do erro” por via interpretativa.

2. IF está onerado com deveres específicos agravados de informação eesclarecimento: o modelo não é neutro, mas de informação.

3. Dúvidas em princípio excluem o erro.

4. O risco de ligeireza e/ ou de inapreensão anormal é do investidor, desdeque tenham sido cumpridos deveres de informação e de lealdade por partedo ICF

5. O erro culposo do investidor não deve permitir a anulação do negócio,salvo se o mesmo era conhecido ou reconhecível pelo IF.

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PRIMEIRO PROBLEMA (DESCULPABILIDADE)

POSIÇÃO ADOTADA

1. Se o erro foi culposo (mas involuntário) era reconhecível pelo IF, havendo“culpa” de ambas as partes (ainda que com sentidos diferentes), é tuteladaa intenção do investidor.

2. E exige-se culpa do IF? Nos casos em que a conduta do IF causou o erro,mas não houve culpa do IF, nem do investidor, pode haver anulação combase em erro.

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SEGUNDO PROBLEMA (CAUSALIDADE)

PROJEÇÃO DO REQUISITO EM CENÁRIO CONTENCIOSO

Requisito: “Diz-se causal o erro quando, a não haver ignorância ou falsarepresentação de certo motivo (...) o declarante não quereria celebrar qualquernegócio ou quereria celebrar um negócio diferente” (Carvalho Fernandes, TeoriaGeral, II, p. 206).

Sentido?

• A vontade hipotética à data da aquisição.

• “Caráter determinante do erro (...) para aquele declarante, apreciadasubjetivamente e in concreto” (Paulo Mota Pinto, Requisitos de relevância doerro, p. 73).

• Basta que exista uma causalidade adequada entre a informação prestada peloIF e o erro do investidor.

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SEGUNDO PROBLEMA (CAUSALIDADE)

PROJEÇÃO DO REQUISITO EM CENÁRIO CONTENCIOSO

Ónus da prova? “A parte que errou tem (...) o ónus de demonstrar este duplorequisito: que se não tivesse ocorrido o erro, não teria celebrado o negócio ounão o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não deviadesconhecer que assim era” (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral, p. 580).

Prova indiciária? Relevo do perfil do investidor e distinção entre o investidoradverso ao risco e o investidor não adverso ao risco. O investidor conservadornão teria celebrado o contrato se tivesse sabido o nível de risco. Prova “primafacie”: processo causal regular, de acordo com as regras da experiência (BiancaMerz, Mangelhafte Anlageberatung,p. 57 ss).

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TERCEIRO PROBLEMA (BASE DO NEGÓCIO)

ENTENDIMENTOS “HISTÓRICOS” DE ENQUADRAMENTO

BASE SUBJETIVA VS. BASE OBJETIVA

1. “A representação de um participante, que surge aquando da conclusão donegócio, cujo significado é reconhecido e não contestado pela contraparte ou arepresentação conjunta de vários sujeitos acerca da existência ou dasuperveniência de certas circunstâncias, em cuja base assenta a vontadenegocial» (Paul Oertmann, Die Geschäftsgrundlage, p. 37).

2. A base do negócio poderia corresponder às representações mentais doscontraentes aquando da conclusão do negócio jurídico, mas também ao conjuntode «todas as circunstâncias cujo desaparecimento torna o contrato semsignificado, sem fim ou sem objeto» (Karl Larenz, Schuldrecht, p. 248).

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TERCEIRO PROBLEMA (BASE DO NEGÓCIO)

ENTENDIMENTOS DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA SOBRE A BN

1. Ac. STJ de 8 de maio de 2013 “a base do negócio é uma representação de uma daspartes, conhecida da outra e relativa a certa circunstância basilar atinente aopróprio contrato e que foi essencial para a decisão de contratar”.

2. “A base do negócio é constituída por aquelas circunstâncias que, sendoconhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas nacelebração do ato e determinaram os termos concretos do conteúdo do negócio”(Carvalho Fernandes, Teoria Geral, II, p. 217).

3. “Chama-se base do negócio ao conjunto de circunstâncias, conhecidas das partesou que se pode esperar que o sejam, com fundamento na (...) verificação dasquais o contrato foi celebrado e que explicam os justificam essa celebração nosseus concretos termos” – Castro Mendes, Teoria Geral, III, p. 167.

4. “A realidade em que se insere, o status quo existente ao tempo da (...) celebração”(Pais de Vasconcelos, Teoria Geral, p. 581).

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TERCEIRO PROBLEMA (BASE DO NEGÓCIO)

ENTENDIMENTOS DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA SOBRE A BN

1. “Integram a “base do negócio” os elementos essenciais para a formaçãoda vontade do declarante e conhecidos pela outra parte (...) (AntónioMenezes Cordeiro, Tratado, II, p. 869).

2. “A lei não distingue entre base do negócio em sentido subjetivo (...) e emsentido objetivo (...) estando todas elas abrangidas” (Carlos Ferreira deAlmeida, Erro sobre a base do negócio, p. 4).

3. Segundo o Acórdão do STJ de 27 de novembro de 2012, basta umapressuposição absolutamente cognoscível e conhecida do outrocontraente, para que se possa invocar a essencialidade das circunstânciasem que as partes basearam a decisão de contratar ao abrigo do artigo252.º, n.º 2.

4. Em suma: representações de ambas as partes ou de uma delas mas pelomenos conhecida da outra parte vs circunstâncias de cuja existência oupermanência depende a subsistência do negócio jurídico?

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TERCEIRO PROBLEMA (BASE DO NEGÓCIO)

POSIÇÃO ADOTADA

1. Insuficiências da base do negócio em sentido subjetivo.

2. A base do negócio em sentido objetivo no artigo 437.º;

3. A base de negócio em sentido objetivo também no artigo 252.º, n.º 2?

4. Restrição do artigo 252.º, n.º 2 do Código Civil: a exclusão dos riscospróprios do negócio e a contrariedade à boa-fé.

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QUARTO PROBLEMA (INDUÇÃO EM ERRO)

POSIÇÕES TEÓRICAS

1. “Sempre que o erro (falsa representação da realidade) não sejaespontâneo, mas sim provocado, é tratado nos artigos 253.º e 254.º doCódigo Civil como dolo;

2. O erro-vício é espontâneo ou induzido (Oliveira Ascensão, Teoria Geral, II, p.137)/ “O facto de o erro ter sido causado pelo declaratário (...) não érelevante para o direito português” (Paulo Mota Pinto, Requisitos deRelevância do Erro, p. 118).

POSIÇÃO ADOTADA

1. O Código Civil não distingue entre o erro espontâneo e o erro provocadoemmatéria de erro-vício;

2. Um entendimento de base de negócio em sentido subjetivo dá origem auma lacuna artificial: os casos de indução negligente em erro sãoenquadráveis no artigo 252.º, n.º 2, se for adotado um conceito objetivo ouamplo (misto) de base de negócio.

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PARTE IIMISSELING E RESPONSABILIDADE

CIVIL

ALGUNS PROBLEMAS EM TORNO RESPONSABILIDADE CIVIL DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO POR VIOLAÇÃO DE DEVERES DE INFORMAÇÃO

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OS PROBLEMAS

TRÊS ASPETOS CONTROVERTIDOS

1. A responsabilidade o IF como responsabilidade “pela garantia”.

2. Ónus da prova da causalidade e prova indiciária.

3. Ilicitude e prova da ilicitude.

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PRIMEIRO PROBLEMA (A “GARANTIA”)

AC. TRL DE 3.10.2015: Tendo os funcionários do Banco informado a cliente A.,de acordo com as exatas instruções superiores por si recebidas, (...), que opróprio Banco se responsabilizava pelo retorno no prazo do vencimento,garantindo o reembolso do mesmo e o pagamento dos respectivos juros, nãocomportando, por isso, qualquer risco, que o produto tinha, afinal, o mesmovalor que um depósito a prazo, e que a A. podia pedir o pagamento do capitale do juro que estivesse vencido antecipadamente, pode concluir-se que oBanco se vinculou, perante a A., a co-assumir a obrigação de reembolso docapital subscrito e respectivos juros (...). O Banco não violou simplesmente odever de informação a que estava obrigado antes tendo instruído os seusfuncionários para que, ao colocarem o produto, informassem os potenciaisinvestidores de que o capital do investimento em papel comercial C, S.A.estava garantido pelo próprio Banco, referindo esse mesmocompromisso/garantia de cumprimento da devolução do capital epagamento de juros no prazo estabelecido, sendo ainda em reuniões dequadros do B veiculada a instrução, dada por Administradores/Directores, deque os comerciais deveriam afirmar a segurança do produto, a sua solidez eboa rentabilidade que vinha demonstrando desde 2001: “é igual a depósito aprazo” .

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PRIMEIRO PROBLEMA (A “GARANTIA”)

AC. STJ 1.12.2017: Desde que o risco da aplicação financeira não seja,especificamente, assumido por uma qualquer entidade, corre por conta dotitular do direito (...) É verdade ter ficado provado que o Banco Recorrido, atravésdo seu funcionário, o Recorrido DD, garantiu aos Recorrentes que o capitalinvestido seria reembolsado na data do vencimento. Todavia, não está provadoque a garantia do reembolso do capital investido coubesse ao Recorrido Banco.

AC. STJ 1.10.2013: Embora a comercialização de produto financeiro cominformação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidadeemitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estendatambém ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual quedesenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratualtambém o reembolso do capital investido. Voto vencido Abrantes Geraldes.

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PRIMEIRO PROBLEMA (A “GARANTIA”)

AC. TRL 4.28.2016: A afirmação de que um produto financeiro era de “capitalgarantido” não traduz omissão de qualquer informação relevante ou informação“não verdadeira”, sendo expressão corrente para explicar ao cliente, semespeciais conhecimentos, que se tratava de um produto seguro e os riscos, naprática, não divergiam em muito dos riscos dum depósito a prazo (...)Acompanhamos aqui de perto o voto de vencido do Cons. Abrantes Geraldes,proferido (...) onde discorre: ” em meu entender, tal não basta para sustentar aconstituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso docapital investido, já que não foi essa a causa que despoletou a situação danosana esfera jurídica da A. Com efeito, malgrado o referido incumprimento, aaquisição do produto financeiro concretizou-se e produziu efeitos durante umprolongado período de 6 anos, sem que a Autora alguma vez tenha posto emcausa a execução da referida aplicação que lhe garantiu efectivamente arentabilidade procurada.” Também no caso que temos em mãos os produtosproduziram os rendimentos assegurados, tendo os AA recebido os jurosesperados (...). Nunca os AA se mostraram insatisfeitos com as aplicações,sempre tendo levantado os rendimentos auferidos”.

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PRIMEIRO PROBLEMA (A “GARANTIA”)

AC. DO TRP DE 30.5.2017: Demonstrado que o gerente do Banco demandadopropôs ao Autor uma aplicação financeira - papel comercial - com garantia doreembolso do capital investido e juros, em função da qual este aderiu àconcretização da aplicação, é o mesmo Banco responsável pelo retorno dessecapital e juros.

AC. TRL DE 15.9.2015: Sempre que o Banco tenha assumido perante os clientese sem discriminação de qualquer deles que as aplicações não teriam,qualquer risco de retorno e que os valores aplicados estavam, garantidospelo grupo, naturalmente que se torna responsável pela correspondência dainformação assim veiculada para persuadir clientes, com a realidade.

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PRIMEIRO PROBLEMA (A “GARANTIA”)

CLARIFICAÇÕES NECESSÁRIAS

• Princípio da culpa e exclusão da teoria da garantia implícita e das teoriasde objetivização do sistema de responsabilidade;

• Distinção entre garantia e informação;

• Distinção entre indemnização pelo interesse contratual positivo eindemnização pelo interesse contratual negativo.

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SEGUNDO PROBLEMA (CAUSALIDADE)

JURISPRUDÊNCIA

Na responsabilidade por facto ilícito, o nexo causal entre o facto, no caso ainformação falsa prestada pelo intermediário financeiro sobre a segurançado reembolso do produto financeiro subscrito pelo investidor e o dano, ouseja, o não reembolso do capital investido, afere-se com recurso àdenominada formulação negativa da causalidade, ou seja, “o facto queactuou como condição do dano só deixará de ser considerado causaadequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todoindiferente […] para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtudedas circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas queintercederam no caso concreto” (Ac. TRP 3.2.2015).

RELEVODA PRESUNÇÃODOCOMPORTAMENTO CONFORMEÀ INFORMAÇÃO

A “presunção de comportamento conforme à informação” do direito alemãoe admitida entre nós por Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual, II, p. 1388).

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TERCEIRO PROBLEMA (“PRESUNÇÃO DE ILICITUDE)

JURISPRUDÊNCIA

Ac. do TRL de 6.4. 2017: “É certo que, segundo Menezes Cordeiro (...), napresença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a falta do resultadonormativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e decausalidade (...). Todavia, esta posição não é pacífica na doutrina, ressaltando adúvida sobre a admissão da existência no nosso ordenamento jurídico de ummodelo de presunção de imputação obrigacional em virtude da ilicitude e daculpa serem recebidos pela lei como um macro-pressuposto em que, averificação do “ilícito-culposo implicaria necessariamente a verificação dopressuposto do nexo causal ”.

Ac. TRP 3.21.2013: “A lei estabelece uma presunção de culpa quando os danosdecorram da violação do dever de informação, mas não presume a ilicitude”.

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