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1 Missões Transculturais Realidades e desafios Escola São Paulo de Missões Transculturais CTMID Prof. Esp. Mestrando Carlos A. L. Carvalho AMTB/DAI - MNTB ANO LETIVO 2018 1º Semestre

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Missões Transculturais

Realidades e desafios

Escola São Paulo de Missões Transculturais

CTMID

Prof. Esp. Mestrando – Carlos A. L. Carvalho

AMTB/DAI - MNTB

ANO LETIVO – 2018 – 1º Semestre

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UNIDADES TEMÁTICAS

Introdução

1. O Coração Missionário de Deus

a. A MISSÃO DE DEUS b. Vencendo o paradigma do “IDE” c. Nossa Missão em 4 palavras d. O Alvo e a Mosca – Países X Nações e. Porque as Nações

2. Compreendendo o DESAFIO

a. Animismo e Animatismo b. Confronto de Poderes c. Camadas Culturais d. Pressupostos Revelacionais

3. Identificando os PRINCÍPIOS

a. O Problema Missionário por Excelência b. Elementos do Processo de Comunicação c. Observação – Participação – Investigação

4. Conhecendo as FERRAMENTAS

a. ACL - Aquisição de Cultura e Língua b. As Etapas de Aquisição c. O RPA e a Análise Cultural d. O Banco de dados de Análise Cultural e. Contextualização & Aplicação

Conclusão

a. Fidelidade & Dedicação b. Abundância & Constância

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Introdução

Presença e ação missionária evangélica entre os povos indígenas do Brasil

Manifesto da AMTB – Departamento Indígena *

Há, normalmente, três recorrentes questionamentos quanto à presença missionária evangélica

entre os povos tradicionais, especialmente os indígenas do Brasil e desejamos, como AMTB –

Associação de Missões Transculturais Brasileiras -, tratar e nos posicionar objetivamente quanto aos

mesmos. A primeira infere que a presença missionária é nociva à cultura dos povos indígenas em

nosso país. Que a mensagem levada pelos missionários tende a degenerar cultura e costumes dos

grupos com os quais se relacionam. O segundo questionamento é quanto à legalidade da presença e

ação missionária evangélica à frente de projetos sociais e na evangelização. O terceiro pressupõe que

os projetos sociais, coordenados pelos movimentos missionários, sirvam de fachada para fundamentar

sua presença entre os mesmos.

O Evangelho e a Cultura Indígena

A simples presença missionária entre povos suscita em alguns um sentimento de rejeição, que

advém de um emaranhado de impressões e fatos históricos em relação à atuação missionária desde a

colonização, relembrando uma Igreja que estava a serviço dos interesses políticos, imperialistas e

colonizadores. Em outros, o sentimento é de suspeição, debaixo do pressuposto de que qualquer

atuação missionária é nociva à preservação cultural. Perante este contexto, e, sobretudo para aqueles

que se embutem de rejeição ou suspeição, desejamos expor fatos sociais, culturais e históricos que

poderão mostrar com clareza que a presença missionária evangélica entre os povos está associada a

um crescente processo de colaboração com a preservação linguística e cultural. Mas existem perigos

que cercam o trabalho de evangelização dos povos não alcançados? Sim, e esses são os mesmos em

qualquer lugar, em qualquer tempo ou em qualquer nível. O problema está na motivação:

“Historicamente, a ausência de uma comunicação viável, inteligível e aplicável do evangelho

em outra cultura ou segmento social tem gerado duas consequências desastrosas no movimento

missionário mundial: o sincretismo e o nominalismo religioso. Observemos alguns dos perigos

essenciais que enfrentaremos ao tratarmos do assunto e prática da comunicação intercultural e

transcultural do evangelho.

O primeiro perigo, que é uma evangelização impositiva, tem sua origem na natural tendência

humana de aplicar a outros povos sua forma adquirida de pensar e interpretar, prática esta realizada

em grande escala pelos movimentos imperialistas do passado e do presente, bem como por forças

missionárias que entenderam o significado do evangelho apenas dentro de sua própria cosmovisão,

cultura e língua. O segundo perigo, que é o de um ministério pragmático, pode ser visto quando

assumimos uma abordagem puramente prática na contextualização. Como a contextualização é um

assunto frequentemente associado à metodologia e processo de campo, somos levados a entendê-la e

avaliá-la baseados mais nos resultados do que em seus fundamentos teológicos. Consequentemente,

o que é bíblico e teologicamente evidente se torna menos importante do que aquilo que é funcional e

pragmaticamente efetivo. Um terceiro perigo, que é o de uma abordagem sociológica, é aceitar a

contextualização como sendo nada mais do que uma cadeia de soluções para as necessidades

humanas, em uma visão puramente humanista. Esta deve ser nossa crescente preocupação por

vivermos em um contexto pós-cristão, pós-moderno e hedônico. Isto ocorre quando missionários

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tomam decisões baseadas puramente na avaliação e interpretação sociológica das necessidades

humanas e não nas instruções das Escrituras.”1

Como ciência, a Antropologia é filha do século XIX. Porém, antes dessa fase, registram-se

várias iniciativas de crônicas “etnográficas” feitas por viajantes, guerreiros, religiosos, exploradores,

desde a antiguidade clássica. Na Grécia antiga, as crônicas de Heródoto (século V a.C.) – 485-420)

registram suas observações sobre os costumes, comportamentos, hábitos e usos, produção material e

representação imaterial dos povos visitados pelo pensador grego. Mas, a produção dos viajantes do

século XVI, com as descobertas de novos povos e “mundos”, trouxe a temática da alteridade e

diversidade humanas para o palco central das narrativas, nos primórdios e início da reflexão

antropológica.

As cartas, crônicas e relatos comerciais dos viajantes pintam painéis da diversidade humana em

vários pontos do mundo. Missionários, militares e, acima de tudo, os administradores descrevem os

povos e suas produções, com variados graus de precisão. Registram-se as qualidades da terra, sua

fauna e flora; a topografia (descrição minuciosa de uma localidade) das costas e do interior; o sistema

de parentesco e as formas de organização política, econômica, cultural e religiosa dos “povos do novo

mundo”. A carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500) – escritor português que exerceu a função de

escrivão da armada do navegador Pedro Alvarez Cabral – que narra a chegada dos portugueses ao

Brasil, é um modelo típico desses rudimentos do discurso etnográfico.

Datada de 1500, do Porto Seguro da Ilha de Vera Cruz, sexta-feira, “primeiro dia de maio”, a

carta descreve o impacto que a nova paisagem humana causou aos navegadores portugueses, quando

eles fizeram o primeiro contato com os habitantes locais:

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, como no comer ou no beber. (CAMINHA, 1500)

Pero Vaz de Caminha descreve a topografia da costa brasileira, a fauna e as riquezas da

natureza, os modos e costumes dos habitantes locais, suas formas de organização social, cultural e

religiosa e suas relações com os navegadores. A riqueza de detalhes, a precisão das descrições e o

esquadrinhamento da localidade, conferem ao relato status etnográfico que permitiu, mais tarde, a

ocupação de amplas faixas de terra no novo território.

OBJETIVO DO CURSO

Nosso objetivo neste curso é reafirmar alguns princípios bíblicos sobre a evangelização dos

povos do mundo e corrigir alguns erros históricos que, de forma sutil, têm se afastado do objetivo

estabelecido por Deus. Queremos também apresentar alguns dos mais importantes aspectos do

universo indígena brasileiro com relação à apresentação do Evangelho através de uma lente

antropológica, não como algo produzido por algum segmento religioso, mas como uma ciência

aplicada que se nos apresenta com ideias e ferramentas de valor no processo de compreensão do

outro em ambientes de interculturalidade e de ações missionárias.

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Lidório, Antropologia Missionária, 2008, pg 21, 22

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1. O Coração Missionário de Deus

a. A MISSÃO DE DEUS (de Cristo e da Igreja)

i. Como tudo começou (Gn 3:1-15; 12:1, 2; Lc 19:10)

ii. Falando teologicamente

MISSIO DEI A expressão vem do latim, significando “missão de Deus”, dando a ideia de “o

envio de Deus”, no sentido de “ser enviado”, uma frase usada na discussão missiológica protestante,

especialmente desde a década de 1950.

Esta expressão teve seu uso, primeiramente, num sentido missionário, em 1934, por Karl

Hartenstein, um missiólogo alemão que se inspirou na ênfase que Karl Barth dava à actio Dei, a “ação

de Deus”, bem como numa palestra proferida em 1928, em que Barth disse que a missão está

relacionada com a Trindade.

A ideia da Missio Dei, não o termo em si, teve seu auge no pensamento missionário em 1952,

na cidade de Willingen, por ocasião da Conferência do CoMIn. Foi nessa ocasião que o termo foi

entendido de forma clara, e a partir daí, a missão passou a ser vista como proveniente do próprio

Deus, procedente de Sua própria natureza (BOSCH, 2002).

Georg Vicedom também teve um papel na popularização do conceito da Missio Dei ao usá-la

na Conferência da Cidade do México (1963) e em seu texto The Mission of God (1965). Foi ainda

em Willingen que a Missio Dei foi colocada no contexto da Trindade e não no da soteriologia e nem

no da eclesiologia. O sentido clássico da expressão foi ampliado, como claramente o coloca David

Bosch (2002, p.467):

A doutrina clássica da Missio Dei como Deus, o Pai, enviando o Filho, e Deus,

o Pai e o Filho enviando o Espírito, foi expandida no sentido de incluir ainda outro

‘movimento’: Pai, Filho e Espírito Santo enviando a igreja para dentro do mundo.

Diante de tal conceito, fica claro que a missão é um atributo divino, da qual a Igreja é convidada

(convocada) a fazer parte como um instrumento para a mesma. Como escreveu Moltmann2 (1977,

p.64):

“Não é a igreja que deve cumprir uma missão de salvação no mundo; é a missão

do Filho e do Espírito mediante o Pai que inclui a igreja”.

Historicamente,

“O conceito de ‘Missio Dei’ foi mutuado da escolástica por Karl Barth em 1932.

De lá para cá, o conceito assumiu um leque bastante amplo de significados, às vezes

contrários aos intentos de Barth. Em todo caso, a ideia ajudou a expressar a convicção

de que a Igreja não é a autora nem a detentora da missão. Esta última é, antes de mais

nada e fundamentalmente, obra de Deus uno e trino. (BOSCH, David J. Missão

2 Jürgen Moltmann (1926) é um teólogo reformado alemão, que é Professor emérito de teologia sistemática na Universidade

de Tübingen. Moltmann é uma figura importante na teologia moderna.

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Transformadora: Mudanças de paradigma na Teologia da Missão. São Leopoldo, RS:

Sinodal, 2002.

Não se pode esquecer que Deus é o protagonista da missão, pois esta missão revela o plano de

Deus na história humana e leva a termo o projeto do Seu Reino. Cabe à Igreja continuar o caminho

missionário, e esta não deve esquecer-se da Missão que Ele nos outorgou e nem do Senhor que a

sustenta.

“Nem quem planta nem quem rega é alguma coisa, mas Deus é que faz crescer”

(Mateus 13.24-30).

Hermann Brandt (2006) escreve que só se pode falar da Missio Dei como Missio Dei recebida;

traduzindo: da corte que Deus faz em Cristo, que não só nos corteja, mas nos “libertou”, “nos tirou

de toda servidão [...] para a liberdade”, pelo fato de Cristo nos “ter conquistado” e nos ter posto “sob

seu domínio”.

Dentro desta mesma perspectiva, o Senhor Jesus veio cumprir as promessas e os planos de Deus

e realizar a obra a que o próprio Deus se propôs, isto é, buscar e salvar o que se havia perdido (Lc

19:10)

b. Vencendo o paradigma do “IDE”

Na Grande Comissão (Mt 28.16-20), a afirmação da autoridade universal do Senhor Jesus

Cristo precede a definição da missão da igreja representada pelos onze discípulos que o rodeavam

naquele momento: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos

de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a

guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (v. 18b-20a). Fica claro neste texto que o senhorio

universal de Jesus Cristo é a base da missão universal da igreja.

Essa missão se resume no mandamento: “fazei discípulos”. Curiosamente, para expressar essa

ideia, o Evangelho Segundo Mateus usa o verbo “matheteúsate”, que, no Novo Testamento, aparece

apenas quatro vezes: três delas nesse Evangelho (13.52; 27.57; 28.19) e uma em Atos (14.21). Em

contraste com o verbo “matheteuein”, o substantivo “discípulo” (“mathetes”) é comum nos

Evangelhos e em Atos, porém não é encontrado em nenhum outro livro do Novo Testamento. Tal

expressão é característica nos Evangelhos para referir-se aos seguidores de Jesus Cristo: aparece 73

vezes em Mateus, 46 vezes em Marcos e 37 vezes em Lucas.

Para entender devidamente o sentido do mandamento é indispensável prestar atenção em um

detalhe gramatical que nem sempre é levado em consideração: no texto grego, “matheteúsate” é o

único verbo no modo imperativo. As outras três formas verbais ligadas a este verbo - “indo”

“batizando” e “ensinando” - estão, de acordo com o original grego, na forma de particípio verbal que

se assemelha mais ao presente contínuo do português. Contudo, seguindo um verbo na forma

imperativa estes verbos assumem a semelhança do verbo dominante da oração que é o imperativo.

Sua função é qualificar a ação a que se refere o verbo principal -- “fazei discípulos” ou “discipulai”.

O primeiro gerúndio (no grego) presente na frase é traduzido como “ide”, mas poderia ser

traduzido como “marchem”, e não deve ser interpretado separadamente do mandamento central

expresso pelo verbo no modo imperativo no grego. O que Jesus diz é: “Marchem: façam discípulos”.

Os outros dois gerúndios respondem à pergunta: como se faz discípulos? A resposta é: “batizando-os

e os ensinando”.

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Concluindo, o foco da Grande Comissão não é outro senão o de “fazer discípulos de Jesus

Cristo”. Esta é a missão que Jesus Cristo delegou à sua igreja, é a tarefa central da igreja até o fim do

mundo. A conexão entre essa missão e o senhorio universal de Jesus Cristo é estabelecida por uma

expressão que aparece logo no início do versículo 19: “portanto”.

Em outras palavras, pelo fato de que Jesus Cristo é o Senhor de toda a criação e de todos os

aspectos da vida humana, a igreja recebeu o mandamento de fazer discípulos, ou seja, pessoas que

reconheçam esse senhorio e vivam de acordo com ele. Jesus Cristo é o Senhor de todos; portanto,

todos devem reconhecê-lo como tal.

Se levarmos em conta que, durante seu ministério terreno, Jesus Cristo dedicou muito de seu

tempo à formação de seus discípulos, torna-se evidente que a missão que ele confiou a seus discípulos

pouco antes de sua ascensão é continuar o que ele mesmo fez com eles. A missão da igreja,

representada pelo corpo apostólico, é o prolongamento da missão de Jesus Cristo, prolongamento este

que se baseia em um discipulado missionário idealizado para continuar até o fim do mundo.

A esfera de ação do trabalho de fazer discípulos abarca “todas as nações”. E, visto que a

autoridade de Jesus Cristo está presente “no céu e na terra”, a missão que ele delega a seus discípulos

é igualmente global: tem de se estender a “todas as nações”.

( 3René Padilla - Traduzido por Wagner Guimarães)

c. Nossa Missão em 3 palavras (Apresentação – Missão & Missões)

Deus não nos disse apenas o que fazer, mas também o COMO fazer. Portanto, precisamos

entender que A OBRA DE DEUS TEM QUE SER FEITA DO JEITO DE DEUS, o que estiver aquém

ou além disto é desobediência e Deus não terá compromisso como aquilo.

d. As PRIORIDADES de Deus

Parece suspeito dizer que no coração de Deus existem prioridades com relação à realização da

sua obra, isto é, no alcançar o mundo perdido com a mensagem de salvação.

i. O Alvo e a Mosca

Acertando na Alvo, mas Errando a “Mosca”

1. Os que não ouviram (Rm 15:17-21) MPI X MCI

Jz 20.16 “Entre todo este povo havia setecentos homens

escolhidos, canhotos, os quais atiravam com a funda uma

pedra em um cabelo, e não erravam. ”

“Eu era um garoto entre treze e catorze anos, quando alguém me mostrou a reportagem, um

recorte de jornal sobre a prisão de um mafioso italiano. Anos mais tarde já entendendo melhor as

coisas, li sobre uma entrevista desse referido cidadão, quando perguntado sobre sua religiosidade e

suas esperanças para a eternidade, ele deu a seguinte declaração: “Tenho certeza de que quando

morrer, irei para o céu, pois jamais matei alguém no dia de domingo! Concluí que ele era tão piedoso

e temente a Deus, que ele certamente adiava morte de alguém para a segunda feira, ou antecipava

para o sábado, mas no domingo, não! É dia santo! “

3 C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-

Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral? (Editora Ultimato).

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Com relação à Obra de Deus no mundo, nós, seus servos, soldados, construtores e agricultores,

temos muitas vezes acertado o alvo, porém errado a “mosca” por larga distância. Todo cristão

verdadeiramente nascido de novo tem um desejo muito forte de sair, ir, e alcançar aqueles que ainda

não ouviram da promessa de Deus pelo Evangelho. Temos “pregado” de forma descuidada tanto em

relação à pessoa que ouve, ou a que nunca ouviu, mas também como relação à própria ordem que

recebemos do Senhor de “indo... fazer discípulos... ensiná-los... fortalece-los... e, finalmente, enviá-

los a fazer outros discípulos.

Multiplicam-se as mega-igrejas, lotadas, abastadas, ricas, porém sem qualquer compromisso

com o Reino de Deus, uma vez que vivem uma vida centrada em si mesmos, com pouco ou nenhum

relacionamento ou influência sobre o mundo externo. (Apresentação O Mundo em 3 partes)

e. Países X Nações

Veja as referências abaixo e assinale nas linhas à direita qual o significado da palavra

nação/nações (país ou raça/povo):

Salmos 67___________________________Salmos 33:12 ________________________

Gênesis 10:20________________________ Salmos 86:9_________________________

Mateus 28:18-19______________________Gênesis 10:31________________________

Gênesis 17:6_________________________Gênesis 35:11________________________

Gênesis 10:32________________________Salmos 22:27_________________________

Salmos 117:1_________________________Sofonias 2:11_________________________

Gênesis 18:18________________________Salmos 72:11_________________________

Tiago 1:1____________________________1 Crônicas 16:26______________________

Ageu 2:7____________________________Apocalipse 5:9________________________

f. Porque as Nações?

Leia com atenção o texto seguinte e responda à pergunta ao final.

Muito recentemente comecei a atentar para o fato de que a Palavra de Deus dá uma ênfase muito

grande às NAÇÕES, isto é, aos grupos humanos que têm características próprias de CULTURA e

LÍNGUA, ou seja, as Etnias, os Povos e Raças. Em toda a Bíblia a palavra NAÇÕES se encontra

2.312 vezes, sem contar as suas variantes possíveis, sempre se referindo a estes povos ou famílias de

povos.

Creio ser de suma importância compreender a razão desta ênfase que o próprio Deus dá às

nações etnicamente definidas, porque desta correta compreensão pode brotar o correto sentimento

quanto à evangelização do mundo e as decisões estratégicas quanto ao alcance das nações.

Costumamos entender, corretamente, que, em Babel, nasceram as diferentes línguas que hoje

existem, considerando, é claro, as muitas variantes que surgiram destes idiomas iniciais ao longo do

tempo. Contudo, não foram apenas as línguas que surgiram daquela ação de Deus. Ao criar ou separar

as diversas línguas e assim impedir o avanço do movimento rebelde da humanidade contra o mandato

de espalharem-se e encher a Terra, Ele pôs em movimento uma força que chamamos de etnocêntrica

ou etnocentrismo.

Este movimento consiste, num primeiro momento, de um afastamento, de um desmanche de

uma humanidade coesa, que agora não mais consegue se entender. Os indivíduos se afastam do que

não entendem em busca do que é compreensível. Neste movimento de afastamento e busca, começam

a se formar pequenos grupos onde a compreensão é possível, isto é, os grupos linguísticos.

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Um segundo movimento começa então. Estes pequenos grupos crescem exponencialmente à

medida que a compreensão os une e proporciona um escape da confusão e desorientação causadas

pela “confusão das línguas”.

Imediatamente após isto, estes grupos linguísticos começam a se separar dos demais e buscar

seu próprio lugar no ambiente. Aos poucos o afastamento aumenta e se distribui por lugares nas

vizinhanças e além, até se tornarem não apenas distancias geográficas, mas de pensamento e

sentimento. O afastamento geográfico leva os recém-formados grupos linguísticos a se espalharem

pela Terra, ocupando espaços fisicamente e climaticamente diferentes, os quais trazem diferentes

demandas de comportamento e de soluções para os problemas que surgem no dia a dia.

Uma antropologia bíblica chamaria este momento de o “nascimento das culturas”, ou seja, o

surgimento dos diversos grupos de povos que definem suas próprias ideias e soluções, suas próprias

maneiras de pensar e encarar os fatos universais, tendo a língua (idioma) como principal veículo de

comunicação e disseminação de ideias. Para validar e dar sentido a estas ideias, surgem as

histórias/estórias que darão sentido à vida, o que virá a ser chamado de mitologia!

Mas o que tem esta história haver com a pergunta inicial? Porque a ênfase tão grande que a

Palavra de Deus dá às nações etnicamente constituídas?

Pensando antropologicamente, sabemos que as Culturas humanas não apenas se inventam, mas

também se copiam, e se repartem. O evolucionismo antropológico fortemente influenciado pela teoria

da evolução das espécies, portanto, erra apenas em considerar a evolução como início de tudo. Mas,

a partir da separação das línguas em seus troncos, famílias e grupos, obra do próprio Deus, o

movimento de ajuntamento e de separação, simultaneamente, levam os grupos recém-formados a se

localizarem em diferentes regiões, a desenvolverem diferentes respostas às suas necessidades e

diferentes valores, crenças e maneiras de ver o mundo... nascem as culturas, ou, as etnias.

As nações, portanto, são obra do próprio Deus, e, em sua imensa sabedoria e riqueza, antes

mesmo que elas viessem a existir ele já as contemplava e lhes dava lugar proeminente em sua Missão.

Porque?

Em segundo lugar, quero chamar a atenção para o que se chama hoje de Globalização.

A globalização é um dos processos de aprofundamento internacional da

integração econômica, social, cultural e política, que teria sido impulsionado pela

redução de custos dos meios de transporte e comunicação dos países no final do século

XX e início do século XXI.

Embora vários estudiosos situem a origem da globalização em tempos modernos,

outros traçam a sua história muito antes da era das descobertas e viagens ao Novo

Mundo pelos europeus. Alguns até mesmo traçam as origens ao terceiro milênio a.C.

O termo "globalização" tem estado em uso crescente desde meados da década de

1980 e especialmente a partir de meados da década de 1990. Em 2000, o Fundo

Monetário Internacional (FMI) identificou quatro aspectos básicos da

globalização: comércio e transações financeiras, movimentos de capital e

de investimento, migração e movimento de pessoas e a disseminação

de conhecimento. Além disso, os desafios ambientais, como a mudança

climática, poluição do ar e excesso de pesca do oceano, estão ligados à globalização.

A globalização afeta todos os setores da sociedade, principalmente comunicação,

comércio internacional e liberdade de movimentação, com diferente intensidade

dependendo do nível de desenvolvimento e integração das nações ao redor do planeta.

Em "A Identidade Cultural na Pós-Modernidade" (Stuart Hall,2003), busca

avaliar o processo de deslocamento das estruturas tradicionais ocorrido nas sociedades

modernas, assim como o descentramento dos quadros de referências que ligavam o

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indivíduo ao seu mundo social e cultural. Tais mudanças teriam sido ocasionadas, na

contemporaneidade, principalmente, pelo processo de globalização. A globalização

alteraria as noções de tempo e de espaço, desalojaria o sistema social e as estruturas

por muito tempo consideradas como fixas e possibilitaria o surgimento de uma

pluralização dos centros de exercício do poder. Quanto ao descentramento dos sistemas

de referências, Hall considera seus efeitos nas identidades modernas, enfatizando as

identidades nacionais, observando o que gerou, quais as formas e quais as

consequências da crise dos paradigmas do final do século XX.4

Pergunta:

Se Deus criou as nações, cultural e linguisticamente definidas, e expressou seu desejo de que

as nações sejam alcançadas como tal, o que se pode dizer deste processo de globalização com relação

ao estabelecimento do Reino de Deus?

4 https://pt.wikipedia.org/wiki/Globalização

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2. Compreendendo o DESAFIO

a. Animismo, Animatismo

i. Os fundamentos da cosmovisão animista / animatista

1. O visível está intimamente relacionado ao invisível

2. A vida é interconectada

3. O poder é procurado para controlar a vida – busca utilitária

4. As Fontes do mal são ansiosamente procuradas

5. Os animistas estão mais preocupados com questões do aqui e agora;

6. Para os animistas o confronto com o poder está acima do confronto com a

verdade;

7. Basicamente todas as religiões recebem influência do

animismo/animatismo

ii. A diferença fundamental

Forças pessoais X Forças impessoais

b. Confronto de Poderes

Embora praticamente todos os aspectos da cultural de um povo tenham grande relevância no

processo de aprendizado para qualquer proposta de comunicação transcultural, sem dúvida a religião

é o maior e mais profundo desafio. Ocorre que é no campo da religião que habitam os seres e forças

que controlam e determinam os pensamentos e os comportamentos dos mais diversos. Cácio Silva,

em Fenomenologia da Religião, diz:

A religiosidade de um povo se manifesta não apenas em rituais complexos e mitos

dos tempos primordiais, mas também na experiência cotidiana em todas as áreas da

vida. A forma de entrar ou sair de uma casa, um simples gesto no momento da caça ou

pesca, a dieta alimentar, a direção do olhar ao se aproximar de determinado objeto, o

pronunciar discreto de determinadas palavras ao entrar na água e coisas semelhantes

podem expressar muito da religiosidade local.

Chamamos essas manifestações de fenômenos e a fenomenologia da religião se

ocupa em estudá-los na tentativa de compreender as idéias que estão por trás dos

mesmos e o que significam para aqueles que os praticam. Como missionários, antes de

apresentar o evangelho para determinado povo, a primeira providência a ser tomada é

buscar uma compreensão satisfatória do mesmo. Compreender um povo equivale

compreender a sua cultura e essa envolve complexos sistemas que regulamentam o

comportamento do grupo social.

Entretanto, dois sistemas culturais são sobremodo amplos e complexos, sendo

necessário abordá-los de forma mais específica. Trata-se da língua e da religião. De

acordo com o etnólogo alemão Lothar Käser, a religião é um fenômeno universal,

presente em todas as culturas1]. O ateísmo é uma manifestação mais de cunho

individual ou no máximo uma opção sociopolítica. Do ponto de vista cultural, todo

grupo social apresenta manifestações religiosas.

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Diversos pesquisadores dedicaram tempo e esforço na tentativa de compreender e descrever o

universo religioso indígena, ou por outra, dos povos tradicionais. Dentre os mais destacados estão

Émile Durkheim, Marcel Mauss, Eliade e Malinowski. Durkheim diz:

Nas sociedades arcaicas, as representações religiosas penetram em instituições como o

parentesco, a divisão do trabalho e a regulamentação e exercício do poder. Nelas não há nada –

inclusive a economia, a ecologia e os sistemas de conhecimento – que se possa entender plenamente

sem se referir à religião.

Eliade, um dos mais ousados estudiosos do fenômeno religioso em todos os seus múltiplos

aspectos, por sua vez: “Chega à conclusão cientifica de que o sagrado é um elemento estrutural da

consciência e não um estágio da história e, por isso, não poderá nunca ser esquecido. Também na

sociedade moderna saturada de secularização, afloram em toda parte fenômenos de redescobertas

do sagrado: esse não compreende só os fenômenos que tem claramente um caráter religioso, mas

também outros fenômenos que pretendem a recuperação das dimensões religiosas de uma autêntica

e significativa existência humana do universo.

Este universo religioso constitui o grande desafio e obstáculo ao evangelho de Cristo. Por um

lado, porque estão presentes ali seres espirituais na sua grande maioria, se não totalidade, aéticos, isto

é, bons e maus dependendo do momento e da circunstância. Porque isto se constitui em desafio?

Por outro lado, culturas indígenas podem também ser regidas por forças impessoais também

chamadas de forças mágicas. Malinowski diz:

Não existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião nem magia. Assim

como não existem, diga-se de passagem, quaisquer raças selvagens que não possuam

atitude científica ou ciência, embora esta falha lhes seja freqüentemente imputada. Em

todas as sociedades primitivas, estudadas por observadores competentes e de confiança,

foram detectados dois domínios perfeitamente distintos, o Sagrado e o Profano; por outras

palavras, o domínio da Magia e da Religião e o da Ciência.

De um lado, encontram-se os atos e as práticas tradicionais, que os nativos

consideram sagrados, executados com reverência e temor, rodeados de proibições e

normas especiais de comportamento. Estes atos e práticas encontram-se sempre associados

a crenças em forças sobrenaturais, especialmente as ligadas à magia, ou relativas a seres,

espíritos, fantasmas, antepassados mortos ou deuses. De outro, basta um momento de

reflexão para vermos que nenhuma arte ou ofício, por mais primitivo, poderia ter sido

inventado ou preservado, nenhuma força organizada de caça, pesca, agricultura ou

procura de alimentos poderia ter sido empreendida sem observação cuidada do processo

natural e uma firme convicção na sua regularidade, sem a capacidade de discernir e sem a

confiança na força da razão, sem os rudimentos da ciência.5

Mauss diz:

Admitamos provisoriamente, em princípio, que a magia foi suficientemente

distinguida, nas diversas sociedades, dos outros sistemas de fatos sociais. Sendo assim, há

razão de crer que ela não apenas constitui uma classe distinta de fenômenos, mas também

que é suscetível de uma definição clara. Devemos fazer essa definição por nossa conta, pois

não podemos nos contentar em chamar de mágicos os fatos que foram designados como

tais por seus atores ou por seus espectadores. Estes se colocavam em pontos de vista

subjetivos, que não são necessariamente os da ciência.

Uma religião chama de mágicos os restos de antigos cultos, antes mesmo que estes

tenham deixado de ser praticados religiosamente; essa maneira de ver já se impôs a

cientistas e, por exemplo, um folclorista tão distinto como Skeat considera como mágicos

5 Malinowski, B. Magia, Ciência e Religião

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os antigos ritos agrários dos malaios. Para nós, devem ser ditas mágicas apenas as coisas

que foram realmente tais para toda uma sociedade, e não as que foram assim qualificadas

apenas por uma fração de sociedade. Mas sabemos também que as sociedades nem sempre

tiveram de sua magia uma consciência muito clara, e que, quando a tiveram, só chegaram

a isso lentamente.

Não esperamos, portanto, encontrar de imediato os termos de uma definição perfeita,

que só poderá vir como conclusão de um trabalho sobre as relações da magia e da religião.

A magia compreende agentes, atos e representações: chamamos mágico o indivíduo que

efetua atos mágicos, mesmo quando não é um profissional; chamamos representações

mágicas as idéias e as crenças que correspondem aos atos mágicos; quanto aos atos, em

relação aos quais definimos os outros elementos da magia, chamamo-los ritos mágicos.

Importa desde já distinguir esses atos de práticas sociais com as quais poderiam ser

confundidos.6

c. Camadas Culturais (Maria Leonardo7)

Cultura é o conjunto de comportamentos, de valores e de crenças de uma sociedade. Culturas

são sistemas (de padrões de comportamento socialmente transmitidos) que servem para adaptar as

comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui

tecnologias e modo de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e

organização política, crenças e práticas religiosas, e assim por diante (KEESING8, 1974).

“A cultura é um modo de pensar, de sentir, de crer” (KLUCKHOHN9, 1949, p. 23).

Os importantes elementos de uma cultura são os valores, conhecimentos, crenças, artes, moral,

alimentação, língua, leis, costumes e quaisquer hábitos e habilidades adquiridos pelo homem dentro

de uma sociedade. O estudo da Antropologia delineia essa compreensão, de uma forma comparativa

ao das “cascas” de determinados vegetais bulbosos que apresentam um corpo formado por várias

camadas superpostas, como as cascas de uma cebola, por exemplo.

Análoga ao exemplo, no que concerne à sua estrutura, a Antropologia possui várias camadas

ou a que chamamos níveis de entendimento. São estas “cascas” ou níveis da cultura de um povo:

O comportamento: esta é a casca mais externa, superficial, e a mais fácil de ser notada,

quando avaliamos uma cultura. É o conjunto das coisas que são feitas, daquilo que são

facilmente notadas, ou seja, é o ato de fazer de um povo, e a maneira (própria) como eles

fazem estas coisas. Esta identificação pode ser vista no modo de agir, vestir, caminhar,

comer, falar, etc.

Os valores culturais: penetrando uma camada à dentro (ou segundo nível) veremos os

valores culturais, e estes valores são firmados sobre a sua noção daquilo que é “bom”, do

que é “benéfico”, e do que é “melhor”. Os valores culturais são para adequarem ou se

conformarem ao padrão de vida de um povo.

6 Mauss, M., Sociologia e Antropologia 7 Pós-doutorada em Comunicação Intercultural, e doutora em Teologia (Etnoteologia e Antropologia Cultural) e em

Antropologia da Religião 8 Professor Roger Martin Keesing foi um linguista e antropólogo, notável para seu trabalho de campo sobre o povo de

Kwaio de Malaita, nas Ilhas Salomão e seus escritos sobre uma vasta gama de tópicos, incluindo parentesco, religião,

política, história, antropologia cognitiva e linguagem. Keesing foi dos principais contribuintes para a antropologia 9 Clyde Kluckhohn foi um antropólogo americano e teórico social, mais conhecido por seu trabalho etnográfico a longo

prazo entre os Navajo e suas contribuições para o desenvolvimento da teoria da cultura no âmbito da antropologia

americana

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As crenças: a crença é a noção que se tem daquilo que é verdadeiro. Constitui-se

basicamente daquilo que um povo vê e crê como sendo verdade fundamental.

A cosmovisão: É a cultura como uma lente através do qual o homem vê o mundo. É a

percepção daquilo que é real. É a maneira de ver esse mundo, é o sistema de crenças que

reflete os comportamentos e valores desse povo.

No centro desta realidade das Camadas Culturais, está a Cosmovisão. É a maneira pela qual as

pessoas vêm ou percebem o mundo. A maneira pela qual elas entendem o mundo ao seu redor e

percebem sua participação e localização nele. É a compreensão pessoal da realidade ao redor e do

que elas são. Cosmovisão pode ser usada para incluir as formas de pensamento e as mais

compreensivas atitudes acerca da vida.

Entender a cosmovisão é o ponto de partida para estabelecer uma ponte naquela cultura pessoal

e naquela mentalidade formada, a verdade transcultural do evangelho de Cristo.

A cosmovisão de um povo (ou de uma pessoa) reflete as suas suposições, valores e

entendimento a respeito da vida e do mundo onde eles vivem. Por isso, é necessário participar da vida

e das experiências de um povo com capacidade para entender sua cosmovisão.

Quando a conhecemos bem, temos credibilidade e autoridade para apresentar o evangelho nesta

sua localização cultural. A mensagem da fé cristã é indiscutivelmente universal e destinada a todos

os homens de todas as épocas e de todas as culturas, mas os contextos culturais em que Deus

estabeleceu a verdade e a cultura onde esta verdade está sendo comunicada são bem distintos.

Daí a necessidade de uma contextualização, ou seja, a de apresentar a mensagem ajustável ao

“ponto de vista”, contexto e estilo cultural local. O conteúdo contextualizado deve ser acompanhado

de um estilo de transmissão também contextualizado, através de uma comunicação, por sua vez,

também contextualizada.

O povo precisa entender, visualizar, aceitar e encarnar a verdade ora comunicada. A

Comunicação Transcultural vem, pois, a ser, uma comunicação contextualizada o que torna

necessário um treinamento em Antropologia Cultural para melhor, sistemática e mais rapidamente

entender a cultura e a cosmovisão de um povo.

O modelo ideal da comunicação transcultural do evangelho é o modelo encarnacional onde o

missionário cristão passa pelo processo de adaptação e aculturação à nova cultura e se integra e

interage na cultura estabelecendo o senso de pertencimento. Neste modelo encarnacional, ele faz

amigos nesta nova cultura, vive com o povo, comunica na linguagem do amor, e contextualizada a

mensagem.

O missionário adquire a cultura local, a língua falada bem como a língua silenciosa, os hábitos

e valores que constituem a soma daquela cultura. Ele, literalmente, “veste a camisa” daquele povo, e

se torna um deles. Sua mensagem então é revestida de autoridade, pois não se trata de uma verdade

“estrangeira”, mas de uma pessoa de dentro da cultura, uma pessoa parte da vida deles.

d. Pressupostos Revelacionais10 (Apresentação – Pressupostos Revelacionais)

Falo neste capítulo em termos genéricos, usando o que conheço do povo Waiãpi, com o qual

minha família e eu trabalhamos. Pode até ser que os indígenas não expressem o que pensam por

diplomacia cultural ou timidez diante do missionário “todo-conhecedor”, mas dá para perceber sua

reação em fragmentos de suas perguntas ou nos comentários posteriores.

Como introdução para este estudo de caso, alistemos aqui alguns pressupostos revelacionais de

que dependem os povos indígenas, em especial os Waiãpi. Segue umas explicações nas suas próprias

palavras:

10 Contextualização missionária: Desafios, questões e diretrizes, Barbara Burns

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Tamõ kõ remikuarer - As experiências dos nossos ancestrais

“Nós observamos tabus e resguardos baseados nas experiências dos nossos pais. Por exemplo:

uma mulher não deve se banhar no rio no seu siclo menstrual. É perigoso fazer isso pois o dono das

águas vai causar-lhes malefícios. Uma criança novinha deve ser protegida para não perder a alma.

Nunca devemos deixar uma criança chorar nem mesmo discipliná-la ao ponto de chorar porque ela

pode perder a alma. O pajé não pode passar por onde andou uma mulher parturiente, nem assistir ao

nascimento de um filho. Não adianta vocês dizerem que essas coisas não têm problemas. Podem não

ter problemas para vocês, mas para nós, sim.”

Tamõ kõ ayvukwer – As estórias e ensinos dos ‘nossos’ antepassados

Observe como os Waiãpi defendem sua tradição oral:

“Bem, vocês estão lendo os escritos de Moisés e achamos interessantes, só que nós também

temos a palavra de nossos antepassados e ela é tão importante quanto o seu livro, missionário! Aliás,

você deve lembrar-se que os Waiãpi foram criados primeiro que os brasileiros. Então missionário,

não pense que pode supervalorizar o seu ‘livro’ em detrimento das minhas tradições orais, tá bem?”

Realmente, em relação à comparação entre cultura oral e escrita, nenhuma é superior à outra,

embora os letrados valorizem mais a escrita pela facilidade de arquivar dados culturais em livros.

Mas os anciãos, especialistas na cultura indígena, têm uma incrível enciclopédia em suas mentes.

Manõtaray mãe kõ ayvukwer/ jigarer - Palavras ou cânticos dos moribundos.

Alguém me perguntou:

— O seu povo costuma prestar atenção quando alguém está para morrer? Eles escutam o cântico

dos moribundos?

— Não — respondi.

— Chii!! Que gente insensível a sua! Nosso povo faz questão de ouvir as últimas palavras de

quem está para morrer. Não somos desatenciosos como vocês. É por isso que sabemos muitas coisas

que vão acontecer com a gente depois que morrermos porque uma cortina se abre para o moribundo.

Algumas vezes ele canta, outras vezes ele comenta sobre o que está vendo “lá do outro lado”.

Pajé kõ moregetakwer - Palavras dos shamãs

— Vocês têm pajés? Eles são bons ou maus? São poderosos?

— Não, não temos.

— Bem, nossos pajés sabem muito. Eles podem nos indicar onde está o bando de porcos do

mato para nossos caçadores. Se ocorre uma doença, eles podem fazer uma fumaça com ervas e outras

coisas que vão subir e indicar a origem da doença para nos vingarmos do despacho que outros fizeram.

Podem também entrar na tocaia e falar com os espíritos em voz diferente da sua, e podem soprar e

tirar os amurús do corpo de um doente e ele sarar logo. No passado podiam até curar um acidentado

com fraturas expostas, mas atualmente só temos pajés pequenos.

Morawã (anormalidades) - Mistérios, pressentimentos ou presságios

“Nós prestamos atenção aos sinais ao nosso redor. O canto da sigau é muito importante. Quando

ela fica zangada (cantando de modo diferente), isso é um aviso. Animais quando agem fora do seu

habitual, sempre trazem “avisos” de coisas importantes que podem acontecer conosco. Se você vir

um pássaro noturno de dia, preste atenção; é um aviso mesmo.

“O tamõ fulano não atendeu ao presságio e imprudentemente foi caçar. Por isso a onça o comeu.

O finado irmão teve vários presságios: achou uma tracajá enorme e doente e não se cuidou, depois

pescou um grande forno de barro antigo e o carregou. Não devia ter feito aquilo! Por causa disso foi

ficando doente e morreu mesmo...”

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Janepouwaikwer - Os sonhos

“Vocês dão atenção para os sonhos? Vocês sabem que durante o sonho nosso espírito/alma faz

viagens extra corporais e visita lugares diferentes? Olha, quando a gente sonha existe um ‘recado’

que alguém está querendo passar pra gente. Os sonhos são muito importantes.”

“E vocês procuram saber o significado dos seus sonhos? Quem os interpreta para vocês?”

“Nós conversamos muito sobre os sonhos, eles não nos enganam.”

Estas narrativas são uma pequena amostra de como o povo chegou a crer no que crê. Há muito

a ser investigado, e não se pode passar uma borracha e apagar o que eles crêem para plantar a Verdade

em suas mentes. Isso nos leva ao processo da contextualização, que depende muito do missionário e

de sua habilidade, paciência, sabedoria, humildade e sensibilidade no trato com o povo.

Alguns desses “segredos” não serão revelados se não houver cumplicidade e relacionamento

profundo entre o missionário e o seu amigo tribal. Eles não banalizam seus conhecimentos.

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3. Identificando os PRINCÍPIOS

a. O Problema Missionário por Excelência Leitura do texto de David Hesselgrave – A Comunicação Transcultural do Evangelho, pgs. 19-31

b. Elementos do Processo de Comunicação

(Apresentação – Elementos Processo Comunicação)

c. Observação – Participação – Investigação (ver gráfico O.P.)

Metodologia da Observação

As informações científicas que obtemos são inteiramente diferentes das que conseguimos

quando fazemos uma observação causal. A diferença centra-se, sobretudo, no fato de que as

observações científicas procuram coletar dados que sejam válidos e confiáveis. (9)2

Para obter informações de valor científico, é preciso usar metodologias adequadas, a fim de

evitar a identificação de fatores que têm pouca ou nenhuma relação com o comportamento complexo

que se deseja estudar. (10)

Para ser considerada como tendo significado científico, [a pesquisa] deve apoiar-se em

fundamentos teóricos consistentes relacionados à natureza dos fatos ou comportamentos a serem

observados. Sem a teoria e um corpo de conhecimentos bem estruturados, a pesquisa observacional

certamente produzirá elementos esparsos e não-conclusivos. (11)

É importante, dessa forma, iniciar a pesquisa fazendo uma revisão da literatura, limitada aos

três ou quatro últimos anos anteriores ao início da observação e, depois, partir para a formulação de

algumas idéias (hipóteses) sobre a natureza do fenômeno a ser considerado.(11)

Observação e atividade científica

Ao observador não basta simplesmente olhar. Deve, certamente, saber ver, identificar e

descrever diversos tipos de interações e processos humanos. (12)

Algumas perguntas geradoras de novos trabalhos podem surgir, a partir de certas relações que

não oferecem explicações amplamente satisfatórias para o problema enfocado. (13)

Outras fontes de identificação de problemas a pesquisar, encontram-se na literatura técnica, em

trabalhos teóricos a partir dos quais são feitas algumas deduções que precisam ser comprovadas,

situações da vida prática, experiências e insights pessoais. (13 e 14)

A observação tem contribuído para o desenvolvimento do conhecimento científico,

especialmente por coletar dados de natureza não-verbal. (14)

A observação faz parte do nosso cotidiano, mas essa situação não nos deve levar a pensar que

possamos fazer observações sem uma formação e treinamento prévios que nos qualifique para o

exercício dessa atividade. Os resultados, na ausência desse treinamento, quase sempre são de natureza

caótica e não merecem credibilidade, por não se revestirem da seriedade e validade que seria de se

esperar em um trabalho científico. (16)

Observação e suas diferentes fases

Podemos, em forma resumida, estabelecer que as diferentes e sucessivas fases do processo de

observação são as seguintes:

Definir os objetivos do estudo;

Decidir sobre o grupo de sujeitos a observar;

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Legitimar sua presença junto ao grupo a observar;

Obter confiança dos sujeitos a observar;

Observar e registrar notas de campo durante semanas (ou um período mais longo, conforme

a natureza do estudo);

Gerenciar possíveis crises que possam ocorrer entre os sujeitos e o observador;

Saber retirar-se do campo de observação;

Analisar os dados;

Elaborar um relatório sobre os elementos obtidos.

Observação: registros, dados e relatórios

O observador precisa desenvolver um método pessoal para fazer suas anotações, para não ser

traído por sua memória e, além disso, deve fazer um registro de natureza narrativa de tudo que foi

constatado no período de observação. (59)

Na observação, é interessante para a análise estabelecer-se um relação entre teoria e dados, sem

engessar os dados pela teoria. A observação, no contexto de uma pesquisa, visa, no caso, a gerar

novos conhecimentos e não a confirmar, necessariamente, teorias.

Se a abordagem do pesquisador for na linha quantitativa, é necessário que os diversos registros

ds observações possibilitem alguma forma de quantificação dos dados.

Em uma análise quantitativa, muitas nuances podem não aparecer, e a análise qualitativa

pode lançar luz sobre elas, quando feitas por um observador suficientemente experiente e sofisticado

nas suas apreciações. É freqüente adotar-se uma combinação de análise quantitativa e qualitativa,

aspectos que se complementam nos trabalhos de pesquisa.

(VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em educação:a observação. Brasília: Plano Editora, 2003)

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4. Conhecendo as FERRAMENTAS

a. ACL - Aquisição de Cultura e Língua

i. Fundamentos do Programa

Centralizado em Relacionamentos

Um ministério efetivo será construído em cima de bons relacionamentos. Não se pode, porém,

esperar o término da ACL para desenvolvê-los! Não se deve meramente buscar aprender sobre as

pessoas e sua cultura dentro da sua comunidade, mas buscar-se-á conhecê-los como pessoas; de modo

semelhante não se está simplesmente aprendendo “como falar” na língua deles e sim aprendendo

como se relacionar e se comunicar com eles. Assim sendo, a ACL bem sucedida surgirá da interação

dentro de bons relacionamentos, e tais relacionamentos positivos por sua vez melhorarão e facilitarão

seu progresso na ACL.

Direcionado pela Cultura

Isto não quer dizer meramente aprender sobre a cultura ou a maneira culturalmente correta de

falar e/ou fazer as coisas.

O que então significa “direcionado pela cultura”?

O conceito maior, aqui envolvido, é que a língua e a cultura são inseparáveis; provavelmente é

melhor considerar a língua como um subconjunto da cultura.

Outro aspecto determinante de “direcionado pela cultura” é que além da elicitação e instigação

ou outra influência do aprendiz, ele deve estar exposto à vida real onde a cultura e a língua fluem

naturalmente. Na medida do possível, precisa-se “experimentar”11 os eventos culturais como

aconteceriam sem distorcê-los, por atitudes e/ou ações, ou afetar o foco por ter um estrangeiro

presente com a caneta na mão. Em outras palavras, existe muita diferença entre “Fulano cozinha o

arroz” (empatia / participação) e “Beltrano aprende sobre o fulano cozinhando o arroz (observação

distanciada) ”.

Orientado pela experimentação

Este fundamento é um complemento do conceito “Direcionado pela Cultura”. Um melhor

resultado da ACL é obtido quando você pessoalmente testemunha e experimenta os eventos culturais

- assistindo o que acontece, e ouvindo a língua sendo usada no contexto real da vida. É bem melhor

do que aprender de maneira abstrata e de segunda mão (da experiência de outros). Na medida do

possível, a língua e a cultura adquiridas devem surgir de eventos nas quais você participou

pessoalmente e a recapitulação daquilo que viu e ouviu.

Claro, em algumas situações, não será possível estar presente no seio da comunidade, expor-se,

e assim será obrigado a seguir o programa de longe. Também, no contexto da equipe, matéria baseada

na exposição de um colega de equipe pode ser de grande valor como suplemento e para fim de dar

direção à sua exposição particular. Todavia a melhor maneira de avançar na ACL – e a melhor

maneira de tirar o máximo de benefício dos materiais de outros – é gastar uma quantidade significante

do seu tempo com o povo.

11 Experimentar por presença, acompanhar e até mesmo participar ativamente, comendo, bebendo, cantando, etc., na

medida do possível, lembrando que nosso limite é o caráter de Deus e nossa consciência para com os irmãos, nada

menos! (vide ponto 3.)

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Baseado em Compreensão

Este fundamento relata de maneira direta como se pensa que a língua é aprendida. Ao contrário

de um assunto tal como a história, a língua não é uma lista de fatos a ser memorizada. Alem do mais,

não se pensa mais que a língua é meramente um conjunto de hábitos a ser decorado pelo uso (i.e.

dizê-lo repetidamente até lembrá-lo.) Em vez disso, a fluência na língua é adquirida pelo ato de buscar

compreendê-la. Sua mente fará vínculos subconscientes por juntar o que já sabe com o que pode ser

deduzido do contexto. Claro, para alguns aspectos mais complexos de gramática, ter uma explicação

consciente ajuda a “dar partida” ao processo. Isto é muito útil para alguns aprendizes adultos.

Tal explicação técnica, isto é, do funcionamento mecânico da língua, não deve, todavia, ocupar

o espaço das atividades baseadas em compreensão. Um método consciente, sistematizado, de

“estudar e aprender”, não é o caminho para fluência; mesmo assim a consciência do funcionamento

mecânico da gramática como consequência de exercícios de comunicação bem planejados pode

ajudar a melhorar a compreensão e maximizar o benéfico que receberá no ouvir e falar a língua alvo.

Da mesma forma, a cultura precisa ser observada, investigada, analisada, e seus dados descritos

de forma consistente, para que o aprendiz possa aplicá-los com segurança na sua vida, no seu

comportamento rumo à integração com o povo alvo e no seu ministério. É muito importante expor-

se aos eventos culturais, mas é preciso também processar os dados coletados, para chegar a uma

descrição coerente dos aspectos culturais em estudo.

É importante lembrar que, quando observamos um evento cultural ou recebemos informações

sobre ele, nossa mente procura processá-lo de acordo com o nosso filtro cultural, levando-nos a

conclusões precipitadas e incorretas desses dados. Somente através da análise dos dados coletados,

inserindo referências cruzadas, e do processo de comparação das informações recebidas é possível

chegar a uma descrição segura dos aspectos culturais pesquisados. Por isso, baseado em compreensão

é um dos fundamentos essenciais também na aquisição de cultura.

Focalizado na Comunicação

Este fundamento é o complemento do conceito “baseado em compreensão”, e faz referência

ao fato de que se deve aprender mais – e de maneira melhor - se realmente se está buscando comunicar

algo e receber uma resposta, em vez de simplesmente repetir frases planejadas anteriormente

enquanto pratica. Em outras palavras, está buscando dizer algo, em vez de citar um segmento de uma

lição decorada ou de um diálogo. Quando há a necessidade para estes exercícios, descobrir-se-á que

os exercícios mais efetivos (e mais interessantes) são aqueles que são mais comunicativos.

É importante lembrar que comunicação é um processo de transmissão e recepção

(entendimento) de ideias, conceitos, os quais existem e fazem sentido enquanto inseridos no universo

daquela cultura, do qual tanto a linguagem verbal como também a linguagem ñ verbal (gestual e

expressiva) são veículos de comunicação. Uma língua só pode ser plenamente (fluentemente) falada

e entendida em acordo com os padrões culturais aos quais ela pertence.

É, portanto, indispensável que se conheça o modo de pensar (o filtro cultural) dos falantes de

uma língua e que se aplique esta “maneira de falar” para que aquilo que queremos comunicar, isto

é, nossa mensagem, seja entendida exatamente como foi transmitida. Cabe ainda dizer que, apesar

do que possa parecer, um povo que já se encontre num estágio avançado de aculturação, do qual se

possa dizer que “já perdeu a língua”, tem, na situação atual, todo um corpo de padrões culturais locais

e próprios que regulam sua linguagem, e que incorreríamos em falha grosseira se julgássemos sem

importância a cultura e a linguagem deste povo, em princípio, seja qual for o seu atual estágio de

aculturação.

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b. As Etapas de Aquisição (Cultura e Língua)12

Apresentação pptx – Etapas e conteúdos ACL

c. O RPA e a Análise Cultural13

i. Dimensão Histórica

Quando iniciamos nosso trabalho em uma etnia ou segmento social buscamos descobrir as

repostas à perguntas chaves cujos elementos são universais. A pergunta que se levanta aqui é quem

somos nós? Para respondê-la lançaremos mão de algumas abordagens, aplicáveis em qualquer cultura

ou segmento. Para a Antropologia o ser humano adapta-se a diferentes ambientes e situações a partir

de respostas mais culturais do que genéticas. O homem é visto como homem, pela Antropologia, no

momento em que a história é capaz de relatar sua capacidade de transmitir conhecimento, crença, lei,

moral, costume a seus descendentes e aos seus vizinhos através do aprendizado. Vemos, assim, que

a cultura participa da história do homem de tal forma intrínseca que o desenvolvimento da

humanidade pode ser considerado o desenvolvimento cultural. O aperfeiçoamento das ferramentas

para subsistência como habitação, plantio, caça, pesca e proteção, além da família se estabelecendo

em variadas formas no decorrer do tempo e nos espaços geográficos bem como as valorizações cada

vez mais constantes do aspecto simbólico, as artes, a linguagem, os mitos, a religiosidade universal,

“tudo isto criou para o homem um novo ambiente ao qual ele foi obrigado a adaptar-se”.

A dimensão histórica possui duas bases principais que aqui chamarei de historicidade cultural

e origem universal.

ii. Dimensão Ética

Relembremos que Antropos é baseado em quatro dimensões: histórica, ética, étnica e

fenomenológica. Após termos visto os elementos de pesquisa e estudo na dimensão histórica

passemos à ética. Se na dimensão histórica foi levantada a pergunta quem somos nós?, por sua vez,

tratando da ética, do homem e seus valores culturais, a pergunta que levantaremos agora será: como

nós pensamos? Ou ainda, quais são nossos valores? E buscamos este pensar humano gerador (ou

receptor) de valores culturais como pecado, perdão, comunicação, normas de agrupamento e

dispersão e coisas afins.

Todo agrupamento e sociedade humana possuem valores e normas o que, de maneira geral,

associamos à moral. Mauss já enfatizava que a moral pré-existente na consciência humana desabrocha

em valores semelhantes e normas semelhantes em diversas gerações e agrupamentos. Ou seja, por

sermos seres morais e unidos por uma historicidade cultural, mesma origem, desenvolvemos valores

parecidos e universais. Isto poderia ser facilmente comprovado através de um estudo de caso quando

isolamos um valor, por exemplo, a sensualidade. Ela é condenada em praticamente todas as culturas

em suas diferentes formas quando ultrapassa o que aquela sociedade considera tolerável. Mesmo

estando sempre ligada a partes do corpo humano, danças, roupas e atitudes, sua manifestação é

distinta de grupo a grupo (o que é sensual no Brasil não o é necessariamente em Gana), porém seu

valor é uno e por ser assim a sensualidade cria tabus e tolerâncias muito semelhantes em diferentes

sociedades e épocas. O Museu do Cairo, por exemplo, apresentou em 1979 uma galeria de roupas,

adornos e cosméticos dedicados à produção de sensualidade em moças egípcias durante mais de 20

gerações. Apesar de experimentarmos certos valores de forma adaptada ao nosso contexto e ambiente,

tais valores nos unem e nos tornam socialmente semelhantes.

12 Programa de ACL - MNTB 13 Programa de Análise Cultural – MNTB, Roteiro baseado no Método Antropos de Análise Cultural, Lidório, R.

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É preciso pontuar, nesta altura, que apesar do homem ser um ser moral, a expressão de sua

moralidade se baseia na conjuntura de suas crenças e práticas e grupos distintos possuem diferentes

crenças e práticas. Ao falar sobre “totemismo” exporei mais a respeito, porém é saudável mantermos

em mente que a investigação da fonte da vida, ou seja, aquilo ou aquele que gera e mantém a vida, é

capítulo fundamental para nossa compreensão da expressão de moralidade do grupo observado.

Partindo dos efeitos para a causa, em um exercício regressivo, normalmente sugiro que se identifique,

no grupo estudado, duas pessoas que simbolizam ou apresentam virtudes e defeitos. Chamaremos tais

figuras de “X” e “Y”. Pode-se produzir, assim, uma lista comparativa de virtudes e defeitos aceitos e

experimentados pelo grupo na cosmovisão do próprio grupo.

Há de se perceber, portanto, que a moralidade humana bem como sua concepção cultural de

certo e errado, virtudes e defeitos, está intrinsecamente ligada à sua crença em relação à fonte da vida

iii. Dimensão Fenomenológica

Concentrando-nos agora na Fenomenologia da religião, iremos mudar nossa pergunta chave.

Na dimensão histórica a pergunta chave era “quem somos nós? ” Na dimensão ética “que valores nos

definem? ” Na étnica “como nos organizamos socialmente? ” Nessa última dimensão que aqui

estudaremos a pergunta chave é “que forças dominam em nosso meio? ”

Laburthe-Tolra14 e Warnier15 em “Etnologia, Antropologia”, no capítulo sete, tratam do

fenômeno religioso e dizem que “a religião parece ser a mais antiga dessas manifestações do

pensamento”71. Para eles o fenômeno religioso consiste em primeiro lugar em crenças, e o que

caracteriza estas crenças é o fato de se postular a existência de um meio invisível em pé de igualdade

com o visível, mas que não pode ser simplesmente evidenciado como a matéria. O missiólogo terá de

estudar todo o acervo mítico do povo alvo para perceber como tal povo entende este mundo invisível

com o qual convive.

Se já estamos certos da universalidade do sentimento religioso, agora precisamos fazer a leitura

fenomenológica. Para tal é necessário identificar e também interpretar os elementos que fazem parte

do sagrado, através de crenças, mitos e ritos. Gostaria de chamar sua atenção para este ponto. A

importância de identificação e interpretação. Uma mera identificação (com consequente descrição)

não passará de um capítulo etnográfico. Uma interpretação sem a devida identificação incorrerá em

erros grosseiros do elemento a ser estudado. É necessário identificarmos os elementos chaves que

compõe a estrutura fundamental do sagrado (as forças que dominam em nosso meio) e as

interpretarmos à luz da compreensão do grupo, de forma êmica.

iv. Dimensão Étnica

Relembremos que nosso presente objetivo na utilização desta primeira abordagem (Antropos)

é observar e estudar um grupo ou segmento social através de quatro diferentes dimensões. A histórica

que nos guiará na busca da identidade do grupo (quem somos, de onde viemos), a ética que nos

ajudará a compreender seus valores (que valores nos definem como grupo), a étnica que abordará sua

organização social (como nos organizamos) e por fim a fenomenológica que nos levará a perceber

que forças dominam em nosso meio.

Portanto nesta presente dimensão (étnica) nos concentraremos menos nos valores do grupo e

focaremos em suas ações, seu comportamento, na tentativa de responder de forma geral à pergunta

“como vive o nosso grupo? ” Respondê-la seria traçar uma completa etnografia, etnologia e

14 Philippe Laburthe-Tolra, foi um antropólogo africanista que foi professor emérito e decano honorário da faculdade de

ciências sociais da Sorbonne, Universidade René Descartes. 15 Warnier ensinou Etnologia na Nigéria e camarões antes em 1985, com a Universidade de Paris V (Université Paris

René Descartes), um Professor de Etnologia. Está dentre os Grandes da escola da França.

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fenomenologia de um grupo ou segmento. Entretanto nos proporemos a observar aqui apenas algumas

abordagens de estudo que contribuirão para entendermos esta cultura alvo de forma mais específica.

A etnologia possui como incumbência maior estudar a identidade de certo agrupamento ou

segmento social. Para tal usaremos alguns conceitos que nos ajudarão e assim pensaremos em

Goffman16 que, com seu conceito “backstage” (bastidores), imagina a vida social como ocorrida em

um ambiente de teatro. O ambiente teatral é o mundo e nós somos todos os atores e audiências. Os

atores vivem papéis, isto é, controlam as impressões que demonstram, para que possam interferir em

como os outros se relacionarão. Diferencia-se a vida social em duas categorias, aquela que ocorre “na

cena” (frontstage) e aquela que tem lugar “atrás das cenas” (backstage), ou bastidores. A aproximação

metodológica de Goffman faz possível descrever nuances sutis em uma comunicação humana.

Utilizaremos também Bourdieu17. O “Conceito de Bourdieu” tem suas idéias anteriores a

Mauss, denotando a totalidade das habilidades, dos hábitos, do estol, dos gostos instruídos, corporais

e assim por diante. “Habitus” pode ser compreendido como uma variante da cultura que é baseada no

corpo. “Hexis” é essa parte do habitus, onde uma comunicação entre povos ocorre com corpo-língua:

movimentos minúsculos e outros. Tendo estes dois conceitos em mente precisamos utilizar a

etnologia como ferramenta de trabalho para a observação e conceituação étnica e social pensando

especialmente em três abordagens que julgo fundamentais. A primeira categorizando os

relacionamentos, principalmente no âmbito do parentesco, entre os clãs ou grupos, e entre os

excluídos. A segunda buscando entender a funcionalidade, pontuando as funções comunitárias,

familiares, as oficiais e informais, as espirituais e místicas e, por fim, funções sociais informais. Em

terceiro lugar a individualidade, como motivações para a vida, volições e aspirações, modelo de

existência e esperança.

Propomos, então, uma metodologia viável de macro categorização dos grupos étnicos partindo

do pressuposto comparativo. A elaboração deste método visa simplificar a visibilidade comparativa

de culturas sensivelmente distintas. É uma análise geral, que objetiva proporcionar não mais do que

a compreensão da macroestrutura social de um segmento humano, porém pontuando e destacando os

pontos vitais para sua existência e desenvolvimento. Categorizaremos tais sociedades como sendo

progressistas ou tradicionais, existenciais ou históricas, teófanas ou naturalistas.

16

Erving Goffman (Mannville, Alberta, 11 de Junho de 1922 – Filadélfia, 19 de Novembro de 1982) foi um cientista

social, antropólogo, sociólogo e escritor canadense. Foi considerado "o sociólogo norte-americano mais influente do século XX

17 Pierre Félix Bourdieu (Denguin, França, 1 de agosto de 1930 — Paris, França, 23 de janeiro de 2002) foi um sociólogo francês.

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d. Contextualização & Aplicação

Conclusão

a. Plantar Igreja ≠ evangelizar18

Empregando o raciocínio de Tim Keller, começamos com esta tese. A vigorosa e contínua

plantação de novas congregações é a única estratégia mais crucial para:

1) O crescimento numérico do Corpo de Cristo em qualquer cidade,

2) A contínua renovação do Corpo e o reavivamento das igrejas existente na cidade. Nada mais

- nenhuma cruzada, programas de expansão, ministérios para-eclesiásticos, crescimento de mega-

igrejas, consultoria congregacional, nem processos de renovação da igreja – terá o impacto

consistente dinâmico e extensivo semelhante ao da plantação de igrejas.

O argumento de Frame: As Escrituras não podem ser compreendidas a menos que sejam

obedecidas, e elas não podem ser obedecidas a não ser em uma situação concreta. Desta forma, a

teologia é aplicação. Quando usamos esta abordagem na estruturação do ministério, os resultados são

radicais. Muitos estudiosos da Bíblia têm tentado em seus estudos destilar da Bíblia uma estrutura de

ministério pura e simples, ou uma estrutura de igreja a qual deva ser reproduzida com fidelidade onde

quer que alguém vá.

Frame argumenta que isto é uma má compreensão das Escrituras como uma revelação de uma

promessa e um compromisso. Ao invés disto, os aspectos absolutos bíblicos que dão à igreja sua

forma precisam assumir diferentes formas conforme são expressas em eras e culturas diferentes.

Haverá muitos “modelos” de igreja e muitas estruturas de ministério, todos muito bíblicos. Uma

18

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filosofia de um ministério, desta forma, resulta da interação de três elementos: Compromisso

teológico/eclesiológico Compreendendo a Bíblia;

Compreensão e Compromisso

com a Bíblia

Compreensão e Compromisso Compromisso com

com a Cultura/Contexto Deus/Chamado

b. Fidelidade & Dedicação

(Atos 13:1-3) - aphorizo – Separando para o envio19

O texto diz que servindo eles ao Senhor, “disse o Espírito Santo: separai-me...”. O texto não

esclarece como o Espírito se manifestou e falou à igreja mas toda a ação deixa bem claro que a igreja

prontamente ouviu.

O conteúdo do que Ele falara foi “separai-me” (aphorisate), do verbo “aphorizo” o qual é um

verbo exclusivista também usado em Mt 25:32 quando o pastor “separa” as ovelhas dos

carneiros. “Aphorizo” se diferencia de “ekklio” pois não se trata de uma separação de relacionamento

(foram excluídos da igreja de Antioquia) mas sim uma separação para uma função (permanecendo

ligados à igreja são agora designados para uma função além da igreja local). É o mesmo termo usado

nos Documentos de Cartago quando cidadãos comuns eram chamados para engrossar as fileiras do

exército romano. Portanto Paulo e Barnabé seriam separados porque primeiramente haviam sido

chamados[13] e não o contrário.

É bom também entendermos que “ergon” (a obra) para a qual foram chamados é um termo

genérico que tanto pode significar um ato quanto uma função e poderia ser usado por ser esta obra já

bem conhecida por todos na Igreja – a evangelização dos gentios – ou também para chamar a atenção

para o ponto principal deste comando: não a obra, mas sim quem os chamou para esta obra.

Demonstra também flexibilidade ministerial indicando que a obra pode mudar mas o chamado

permanece, pois se baseia naquele que nos chamou.

A expressão “jejuando e orando” vem como um conjunto que se completa já que, segundo Stott,

“o jejum é uma ação negativa (abstenção de comida e outras distrações) em função de uma ação

positiva (culto e oração)”[14], e em subseqüência “impondo sobre eles as mãos...” trás a expressão

“epithentes tas cheiras” que possui vasto significado para o conceito de envio missionário. Vejamos

os principais:

Sinal de autoridade. Este “impor de mãos” remonta ao grego clássico quando um pai impunha

suas mãos sobre o filho que lhe sucederia na chefia da família, ou seja, uma transferência de

19 http://instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=66&catid=20&Itemid=15

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autoridade. Para Paulo e Barnabé isto significaria que eles possuíam a autoridade eclesiástica para

fazer tudo o que a Igreja faria mesmo onde ela não estivesse presente, como comunidade. É portanto

ao mesmo tempo uma carga de autoridade e responsabilidade. Como igreja em Antioquia eles

poderiam pregar a Palavra, orar pelos enfermos e desafiar os incrédulos, mas ao mesmo tempo

precisariam também compartilhar da mesma fidelidade e dedicação que existia naquela comunidade

dos santos.

c. Abundância & Constância

Ronaldo Lidório, em seu artigo “Estratégia de plantio de Igrejas”, assinala os pontos principais

no modelo Paulino:

a) introduzir-se na sociedade local a partir de uma pessoa receptiva ou um grupo aberto a recebê-lo e

ouvi-lo.

b) identificar ali o melhor ambiente para a pregação do evangelho, seja público como uma praça ou

privado como um lar.

c) Evangelizar de forma abundante e intencional, a partir da Criação ou da Promessa, e sempre

desembocando em Cristo, sua cruz e ressurreição.

d) Expor a Palavra, sobretudo a Palavra. Expor de tal forma que seja ela inteligível e aplicável para

quem ouve.

e) Testemunhar do que Cristo fez em sua vida.

f) incorporar rapidamente os novos convertidos à igreja, à comunhão dos santos, seja em uma casa

ou um agrupamento maior.

g) identificar líderes em potencial e investir neles seja face a face ou por cartas

h) não se distanciar demais das igrejas plantadas, visitando-as e se comunicando com as mesmas,

investindo no ensino da Palavra.

i) orar pelos irmãos, pelas igrejas plantadas e pelos gentios ainda sem Cristo, levando-as também a

orar.

j) administrar as críticas e competitividade sem permitir que tais atos lhe retirem do foco

evangelístico.

l) utilizar a força leiga e local para o enraizamento e serviço da igreja.

m) investir no ardor missionário e responsabilidade evangelística das igrejas plantadas.

No seu livro restaurando o Ardor Missionário, fala sobre o missionário Nicolas Von Zinzendorf,

que tinha uma pequena Igreja e enviou missionários para todos os continentes da terra. Zinzendorf

desejou, fortemente enviar um missionário para alcançar os esquimós no Alaska e decidiu desafiar o

oleiro da Aldeia, um homem de meia idade, solteiro que fazia vasos de barro para viver.Mas

Zinzendorf não tinha mais dinheiro e nem uma equipe para enviar com ele como fizera no passado.

Após orar, ele o chamou em um fim de tarde e disse:

Creio que é vontade do Senhor que alcancemos os Esquimós e quero lhe desafiar a ser este

missionário. Porém não há mais ninguém pra ir; portanto se aceitar você irá só. Também não temos

dinheiro para lhe dar, somente poderá ir como peregrino e sem sustento certo. Pela distância e

dificuldade de chegar à região, creio que jamais voltará.

Aquele oleiro pensou por um momento e disse: Falar de Jesus? "Se você puder me dar um par

de sapatos usados, amanhã cedo eu irei." Ariovaldo Ramos diz:

“A Igreja que se centraliza em missões influencia, muda, faz e fica na história. ”

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