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TEMAS SOCIAIS Mitos Sobre o DESEMPREGO AO CRIAR NOVOS PRODUTOS, AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS GERAM NOVAS DEMANDAS E OPORTUNIDADES DE TRABALHO por Jos L PASTORE .-----. S DIS CUSSÕES SOBRE O DESEMPREGO Tt M GIRADO EM TOR NO de inúmeros mitos. O primeiro é o que considera o desemprego como um problema mundial. Alemanha, França, Itália, Espanha têm, de fato, apresentado ta- xas de desemprego bem acima dos 10%. Mas a Inglaterra regis- trou, em 1999, apenas 5,9% de desocupados; o Japão, 4,5%; os Estados Unidos, 4,2%; a Holanda, 3,1; e a Suíça, 2,3 %. Um segundo mito é o que culpa as tecnologias pelo aumento do desemprego. Uma máquina pode destruir um posto de traba- lho onde entra e criar outros a distância. Por exemplo, a viagem aérea mais barata entre o Rio de Janeiro e Nova York, em 1960, custava US$ 3.000 (em valores de 1999); hoje, custa US$ 400. Se, de um lado, houve redução do tamanho das tripulações, a moder- nização da aviação ampliou as oportunidades de trabalho em vários outros setores, como o turismo, o transporte de carga, os negócios em geral, o comércio internacional etc., tendo gerado muito emprego. A simples coincidência de avanços tecnológicos com aumento de desemprego não é suficiente para se concluir que as inovações tecnológicas são destruidoras de empregos. Em 1960, uma ligação telefônica de três minutos entre o Bra- sil e os Estados Unidos custava cerca de US$ 45 (em valores de 1999); hoje, graças aos avanços tecnológicos, custa US$ 3,50. Isto determinou mudanças radicais no uso das telecomunicações que, por sua vez, passaram a movimentar novos negócios, facili- tando transações, melhorando processos, criando produtos e ge - rando oportunidades de trabalho. Em ambientes de liberdade econômica e concorrência sadia, as tecnologias expandem oportunidades comerciais e transformam os mercados de trabalho. A indústria dos Estados Unidos, por exemplo, começou nas margens dos rios da Nova Inglaterra, onde havia energia hidráulica e facilidades de transporte. DE ZE MBRO DE 19 99 CON J UNT U RA ECONÓ MI CA 58 A substituição da energia hidráulica pela energia a vapor, de- corrente de inovações tecnológicas - e mais tarde pela eletricida- de - tornou as indústrias mais produtivas e mais móveis geogra- ficamente. As novas tecnologias transformaram o transporte hídrico em ferroviário e, finalmente, em rodoviário e aéreo, o que provocou grande deslocamento de empresas e trabalhadores na- quele país. A interiorização da indústria, por sua vez, facilitou o desen- volvimento da agricultura nas mais variadas regiões, gerando uma grande quantidade de novos postos de trabalho. A invenção do telégrafo fez penetrar ainda mais as ferrovias em todo o interior dos Estados Unidos, intensificando a geração de empregos. Nas transformações que trazem, as novas tecnologias destroem e criam empregos. Por exemplo, entre 1909 e 1919 os produtores de carruagens dos Estados Unidos caíram de 70 mil para 26 mil. Em contrapartida, os trabalhadores das indústrias automobilísti- cas passaram de 85 mil para 394 mil. Entre 1930 e 1970, os trabalhadores ligados à telegrafia caíram de 87 mil para 24 mil e a telefonia gerou 536 mil novos empregos. O mundo hoje está repleto de casos de tecnologias que cria- ram novos produtos e geraram novas demandas e novas oportu- nidades de trabalho. A televisão, o videocassete, o CD player, o tênis, a calça jeans, o McDonald's, o telefone celular etc. são exem- plos de inovações bem recebidas pelos consumidores e que gera- ram uma grande quantidade de postos de trabalho, diretos e indi- retos. Tecnologia, produtividade e emprego sempre andaram juntos. Os dados mostram que, mesmo onde há destruição de empregos devido à entrada de novas máquinas, esta é mais grave nos seto- res de baixa produtividade. Entre 1990 e 1995, a indústria brasileira destruiu 450 mil em- pregos por força da modernização tecnológica e da abertura da

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TEMAS SOCIAIS

Mitos Sobre o DESEMPREGO AO CRIAR NOVOS PRODUTOS, AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS GERAM

NOVAS DEMANDAS E OPORTUNIDADES DE TRABALHO

p o r

JosL PASTORE

.-----. S DISCUSSÕES SOBRE O DESEMPREGO Tt M GIRADO EM TOR NO

de inúmeros mitos. O primeiro é o que considera o desemprego como um problema mundial. Alemanha, França, Itália, Espanha têm, de fato, apresentado ta­

xas de desemprego bem acima dos 10%. Mas a Inglaterra regis­trou, em 1999, apenas 5,9 % de desocupados; o Japão, 4,5 %; os Estados Unidos, 4,2%; a Holanda, 3,1; e a Suíça, 2,3 %.

Um segundo mito é o que culpa as tecnologias pelo aumento do desemprego. Uma máquina pode destruir um posto de traba­lho onde entra e criar outros a distância. Por exemplo, a viagem aérea mais barata entre o Rio de Janeiro e Nova York, em 1960, custava US$ 3.000 (em valores de 1999); hoje, custa US$ 400. Se, de um lado, houve redução do tamanho das tripulações, a moder­nização da aviação ampliou as oportunidades de trabalho em vários outros setores, como o turismo, o transporte de carga, os negócios em geral, o comércio internacional etc., tendo gerado muito emprego.

A simples coincidência de avanços tecnológicos com aumento de desemprego não é suficiente para se concluir que as inovações tecnológicas são destruidoras de empregos.

Em 1960, uma ligação telefônica de três minutos entre o Bra­sil e os Estados Unidos custava cerca de US$ 45 (em valores de 1999); hoje, graças aos avanços tecnológicos, custa US$ 3,50. Isto determinou mudanças radicais no uso das telecomunicações que, por sua vez, passaram a movimentar novos negócios, facili­tando transações, melhorando processos, criando produtos e ge­rando oportunidades de trabalho.

Em ambientes de liberdade econômica e concorrência sadia, as tecnologias expandem oportunidades comerciais e transformam os mercados de trabalho. A indústria dos Estados Unidos, por exemplo, começou nas margens dos rios da Nova Inglaterra, onde havia energia hidráulica e facilidades de transporte.

DE ZE MBRO DE 1 9 99 • CON J UNT U RA ECONÓ MI CA 58

A substituição da energia hidráulica pela energia a vapor, de­corrente de inovações tecnológicas - e mais tarde pela eletricida­de - tornou as indústrias mais produtivas e mais móveis geogra­ficamente. As novas tecnologias transformaram o transporte hídrico em ferroviário e, finalmente, em rodoviário e aéreo, o que provocou grande deslocamento de empresas e trabalhadores na­quele país.

A interiorização da indústria, por sua vez, facilitou o desen­volvimento da agricultura nas mais variadas regiões, gerando uma grande quantidade de novos postos de trabalho. A invenção do telégrafo fez penetrar ainda mais as ferrovias em todo o interior dos Estados Unidos, intensificando a geração de empregos.

Nas transformações que trazem, as novas tecnologias destroem e criam empregos. Por exemplo, entre 1909 e 1919 os produtores de carruagens dos Estados Unidos caíram de 70 mil para 26 mil. Em contrapartida, os trabalhadores das indústrias automobilísti­cas passaram de 85 mil para 394 mil. Entre 1930 e 1970, os trabalhadores ligados à telegrafia caíram de 87 mil para 24 mil e a telefonia gerou 536 mil novos empregos.

O mundo hoje está repleto de casos de tecnologias que cria­ram novos produtos e geraram novas demandas e novas oportu­nidades de trabalho. A televisão, o videocassete, o CD player, o tênis, a calça jeans, o McDonald's, o telefone celular etc. são exem­plos de inovações bem recebidas pelos consumidores e que gera­ram uma grande quantidade de postos de trabalho, diretos e indi­retos.

Tecnologia, produtividade e emprego sempre andaram juntos. Os dados mostram que, mesmo onde há destruição de empregos devido à entrada de novas máquinas, esta é mais grave nos seto­res de baixa produtividade.

Entre 1990 e 1995, a indústria brasileira destruiu 450 mil em­pregos por força da modernização tecnológica e da abertura da

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Os americanos cultivam leis que estimulam o trabalho; os europeus ainda convívem com o inversol,

economia. Entretanto, os setores que apresentaram ganhos de pro­dutividade pequenos para os padrões brasileiros, da ordem de 2 % ao ano (madeira, fumo, têxtil, vestuário, calçados, artefatos de tecidos, couros e peles), destruíram o dobro de empregos quan­do comparados com os setores que registraram produtividade alta, de 8,5% ao ano (material elétrico, comunicações, plásticos, bebi­das, mobiliário, material de transporte, produtos alimentícios). Uma coisa é certa: uma economia de baixa produtividade está fadada a um desemprego dantesco.

O principal impacto das mudanças tecnológicas é na compo­sição da força de trabalho. De um modo geral, as novas tecnologias demandam trabalhadores mais qualificados. Um bom nível edu­cacional facilita a readaptação da mão-de-obra. Uma educação precária, dificulta.

Muitas vezes novos postos de trabalho ficam abertos por falta de trabalhadores com preparo adequado, criando a obsolescência do capital humano. Mas dizer que os avanços tecnológicos gene­ralizam o desemprego é erro grave. A história mostra que o em­prego sempre cresceu quando a produtividade aumentou.

O Brasil está em 37º lugar no ranking mundial de trabalho qualificado, o que compromete severamente a adoção de novas tecnologias e a elevação da competitividade. Nossa força de tra­balho possui, em média, apenas quatro anos de má escola. A dos Tigres Asiáticos tem 10 anos de boa escola. A do Japão, 11 e a dos Estados Unidos e Europa,12. Isso é essencial para o desloca­mento e adaptação dos trabalhadores de um setor para outro ou de uma profissão para outra e para a manutenção de um bom nível de emprego. Educação não gera emprego mas garante a ma­nutenção nos postos de trabalho e uma transferência mais fácil para novas oportunidades.

Para se avaliar o efeito final das tecnologias e dos sistemas de produção não basta examinar a destruição líquida de emprego que geralmente ocorre nos locais em que as inovações entram. É preciso examinar os efeitos de deslocamento de mão-de-obra e de criação de novas atividades e postos de trabalho em outros seto­res e empresas. Hoje não há a menor possibilidade de as empresas competirem fora dos avanços tecnológicos. Se a situação do em­prego é difícil com a tecnologia, ela seria catastrófica sem ela.

As novas tecnologias podem gerar novos postos de trabalho por meio dos seguintes mecanismos: (1) redução dos preços dos bens e serviços; (2) aumento dos investimentos; (3) elevação da renda; (4) criação de novos produtos; e (5) introdução de máquinas e equipamentos que necessitam novos trabalhadores (Vivarelli, 1995).

Um terceiro mito diz que o crescimento econômico é condição suficiente para gerar empregos e combater o desemprego. O cres­cimento é importante, mas não é tudo. Tanto que, para cada 1 % de crescimento do PIB, os Estados Unidos criam 0,5% de empre­go enquanto que França, Itália e Alemanha geram apenas 0,06% (Vivarelli, 1997).

Além do crescimento, gerar emprego depende de boa educa­ção e instituições trabalhistas inteligentes. Estados Unidos, Ale­manha, França, Itália e Espanha, por exemplo, que possuem bons sistemas educacionais e tiveram taxas de crescimento semelhan­tes nos anos 1995-99 (entre 2,5% e 3,5% ), diferem no desempre­go. Enquanto os Estados Unidos ficaram com uma taxa média de

DEZEMBRO DE 1999 • CONJUNTURA ECONÓMICA 60

5%, a Alemanha amargou 12%; a França e a Itália, 13%; e a Espanha, 17%. A regulamentação dos negócios e as instituições trabalhistas contam muito.

Os americanos cultivam leis que estimulam o trabalho; os eu­ropeus ainda convivem com o inverso. As regras da Alemanha, França, Bélgica, Espanha e Itália tornam a tarefa de abrir um novo negócio quase duas vezes mais difícil do que nos Estados Unidos (WEF, 1999) o que está levando muitas empresas euro­péias a migrarem para a América (onde geram empregos), em lugar de comprar rivais, já organizadas, dentro da Europa.

Um quarto mito argumenta que uma legislação trabalhista fle­xível deteriora a qualidade do trabalho. A realidade mostra o contrário. Nos últimos dez anos, cerca de 87% dos empregos criados nos Estados Unidos foram em tempo integral, e apenas 13% em tempo parcial, e a grande maioria com salários acima da média (Walwei, 1998).

O mundo moderno exige novas formas de trabalhar. O em­prego fixo com salário fixo e em regime de tempo integral está dando lugar a outras modalidades de trabalho: tempo parcial, subcontratação, teletrabalho, "telecom-muting" e trabalho por projeto que tem começo, meio e fim.

A idéia de que a desregulamentação precariza trabalho tem no Brasil a mais eloqüente contraprova. Com uma legislação inflexí­vel, chegamos a uma informalidade que atinge 57% da força de trabalho. Nos países que cumprem as leis, a rigidez legal gera desemprego. Nos países em que a lei é afrontada, a rigidez instiga a informalidade.

Um quinto mito diz que a desindustrialização agrava o desem­prego, ignorando que as empresas modernas passam por dramá­tica mutação. Multiplicam-se a cada dia os casos de indústrias que executam serviços e de lojas que industrializam produtos, com profundos impactos qualitativos no mundo do trabalho. Cresce a demanda por trabalhadores polivalentes e por institui­ções trabalhistas flexíveis.

No campo do emprego, o Brasil sofre de três doenças graves. Cresce pouco. Educa mal. Legisla péssimo. A saída do desempre­go e da informalidade atuais vai depender de bons investimentos, de uma educação de boa qualidade e de uma legislação que esti­mule o uso do trabalho humano.

Que se confirmem as boas previsões de crescimento para o ano 2000 e se avance mais depressa na melhoria da nossa escola. Faltará, porém, enfrentar a urgente tarefa de modernizar a legis­lação trabalhista que, aliás, não depende do FMI, nem da Bolsa de Nova York ou dos humores do Federal Reserve, mas apenas de nós brasileiros. li

Referências

Vivarelli, Marco (1995) -The Economics ofTechnology and Employment, Aldershot (England):

Edward Elgar.

Vivarelli, Marco (1997) -"Growth and Employment: Some Evidence on G-7 Economies'; São

Paulo: Seminário Internacional sobre Tecnologia e Emprego: Desafio Mundial.

Walwei, Ulrich (1998) -"Are Part-Time Jobs Better than no Jobs?'; in Jacqueline O'Reilly e Colette

Fagan, Part-Time Prospects: An lnternational Comparison of Part-Time Work in Europe, North

America and the Pacific Rim, London: Routledge.

WEF (1999) -Global Competitiveness Report, Genebra: World Economic Forum.

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