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M M R Revista Médica de Minas Gerais volume 24 • suplemento 3 1º Semestre de 2014 issn 0103-880 X G 24 / S3 SUPLEMENTO DA SOCIEDADE DE ANESTESIOLOGIA DE MINAS GERAIS 2014 – 1º Semestre

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MMRRevista Médica de Minas Gerais

volume 24 • suplemento 31º Semestre de 2014

issn 0103-880 X

G24/S3

SUPLEMENTO DA SOCIEDADE DE ANESTESIOLOGIA DE MINAS GERAIS

2014 – 1º Semestre a rmmg é resultado da parceria entre as seguintes Instituições

Parceiros da SAMG

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Expediente

Uma publicação do INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA EM SAÚDE (IEPS)

Conselho Curador (mandato – 2012/2014):

Lincoln Lopes Ferreira (AMMG) – Presidente • Helton Freitas (UNIMED BH) – Vice-presidente • Amélia Maria Fernandes Pessôa (Sinmed) • Francisco José Penna (Faculdade de Medicina da UFMG) • João Batista Gomes Soares (CRM-MG) • Lucas Vianna Machado (FCMMG-Feluma) • Marcelo Gouveia Teixeira (SMSa-PBH)

Conselho Diretor (mandato 2010/2014):

Lincoln Lopes Ferreira – Diretor Presidente • Amélia Maria Fernandes Pessôa – Diretor Vice-presidente • Helton Freitas – Diretor Administrativo-Financeiro

Conselho Fiscal (mandato 2010/2014):

Ciro José Buldrini Filogonio • Cristiano Gonzaga da Mata Machado • Lucas Vianna Machado

Mantenedoras/Apoio:

Associação Médica de Minas Gerais – AMMG • Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda – COOPMED • Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais – CRM-MG • Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – FCMMG • Faculdade de Medicina da UFMG – FM/UFMG • Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais – SES/MG • Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte – SMSa/BH • Sindicato dos Médicos do Estado de Minas Gerais – SINMED-MG • Unimed-BH Cooperativa de Trabalho Médico Ltda – UNIMED-BH

Conselho Gestor da RMMG:

Amélia Maria Fernandes Pessôa (Sinmed) • Cláudio de Souza (CRM-MG) • Francisco José Penna (FM-UFMG) • Helton Freitas (Unimed) • José Ricardo de Paula Xavier Vilela (Coopmed) • Luciana Costa Silva (AMMG) • Lucas Viana Machado (FCMMG) • Marcelo Gouveia Teixeira (SMSa-BH)

Editor Geral:

Enio Roberto Pietra Pedroso

Editor Administrativo:

Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite

Revisores:

Magda Barbosa Roquete de Pinho Taranto (Português) • Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite (Normalização) • Maria Rita Dumond Viana (Inglês)

Produção Editorial:

Folium

Tiragem:

1000 exemplares

Indexada em:

LILACS-Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde; PERIÓDICA-Índice de Revistas Latinoamericanas; LATINDEX – Sistema Regional de Información em Línea para revistas Científicas da América latina, El Caribe y Portugal.

ISSN: 0103-880X e-ISSN: 2238-3181

Disponível em:

www.rmmg.org

Faculdade de Medicina da UFMG:

<http://rmmg.medicina.ufmg.br/>

Biblioteca Universitária da UFMG:

<https://www.bu.ufmg.br/periodicos/revista-medica-de-minas-gerais>

Portal de Periódicos CAPES:

<http://www-periodicos-capes-gov-br.ez27.periodicos.capes.gov.br/>

Afiliada à Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC)Início da Publicação: v.1, n.1, jul./set. 1991

Periodicidade: Trimestral

Normas para publicação, instruções aos autores e submissão de manuscritos estão disponíveis em: <www.rmmg.org>

Correspondências e Artigos:

Revista Médica de Minas Gerais – Faculdade de Medicina da UFMG Av. Prof. Alfredo Balena, 190 – Sala 12. CEP: 30130-100 Belo Horizonte, MG – Brasil. Telefone: 55-31-3409-9796 e-mail (artigos): [email protected] Submissão de artigos: www.rmmg.org

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Editorial

24/S3

Mensagem dos Coordenadores Revista Mineira de Anestesiologia

Nossa compreensão de coagulopatia no perioperatório, ferramentas de diagnóstico e abordagens terapêuticas tem evoluído nos últimos anos. São necessários esforços multidisciplinares para entender as combinações ideais, rela-ção custo-eficácia e perfil de segurança de componentes alogênicos do complexo protrombínico1 e antifibrinolíticos.

A gestão da anticoagulação de qualquer doente crítico é problemática. Todos os agentes anticoagulantes podem causar sangramento e os pacientes são anticoagulados por um problema específico, que merece atenção especial.2

Esta primeitra edição de 2014 da Revista Mineira de Anestesiologia dá ênfase especial ao manejo dos pacientes em uso de medicações antitrombóticas, quando e como utilizar o arsenal terapêutico disponível, além da avaliação laboratorial complementar ou à beira da mesa de cirurgia.

O complexo protrombínico, assunto em todas as discussões sobre reversão da anticoagulação, é minuciosamente detalhado nesta edição, com as suas indicações precisas e as indicações por enquanto ainda “offlabel”.

São apresentados, ainda, artigos que discutem o bloqueio do neuroeixo e suas complicações em pacientes em terapia antitrombótica.

A fisiologia da hemostasia e os aspectos práticos dos testes de coagulação realizados no laboratório, testes de coagulação viscoelásticos e outros efetuados à beira do leito no diagnóstico de coagulopatia perioperatória são per-feitamente detalhados no artigo escrito por Walkíria Vilas Boas e Gustavo de Oliveira.

Finalizando, no artigo sobre Reversão de Urgência da Anticoagulação, é apresentada bem detalhada uma tabela, seguin-do as recomendações atuais, com as condutas a serem observadas ante um quadro ameaçador à integridade do paciente.

Temas variados e muito frequentes em centros cirúrgicos são expostos com o objetivo de orientar a nossa conduta frente a situações que podem trazer dúvidas. Anestesia em usuários de crack e cocaína, assim como o ambiente “látex free”, é cada vez mais corriqueiro e muitas vezes não ganha a atenção merecida.

Luciana de Souza Cota Carvalho LaurentysMarcel Andrade Souki

Coordenadores Revista Mineira de Anestesiologia

Referências1. Tanaka KA, Bader SO, Görlinger K. Novel approaches in management of perioperative coagulopathy. Curr Opin Anaesthesiol. 2014; 27(1):72-80.

2. Levy JH. Role of coagulation factor concentrates for reversing dabigatran-related anticoagulation. Anesthesiology. 2014; 120:1316-8.

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S009

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S1-S882

24/S3

sumário

1 • Mensagem dos Coordenadores Revista Mineira de AnestesiologiaLuciana LaurentysMarcel Andrade Souki

4 • Anestesia na gestante cardiopataAnesthesia on cardiac pregnant patients

Eliane Cristina de Souza Soares Carlos Othon Bastos Maria Cecília Lessa Beloni

9 • Anestesia na gestante portadora de estenose mitralAnesthesia in pregnant women with mitral stenosis

Eliane Cristina de Souza Soares Carlos Othon Bastos Rachel de Andrade Ivo

14 • Anestesia no paciente usuário de crack e cocaínaAnesthesia in patients who are users of crack and cocaine

Cláudio Henrique Corrêa

Leonardo Saraiva Guimarães de Oliveira

José Eduardo Alves de Assis

Rafael Teixeira Corrêa de Barros

20 • Monitorização da coagulação sanguínea perioperatóriaPerioperative blood coagulation monitoring

Walkíria Wingester Vilas Boas

Gustavo Henrique Silva de Oliveira

30 • Anticoagulantes e bloqueios do neuroeixoAnticoagulants and neuraxial blockade

Estefânia Furtado Rocha

Gabriela Ferreira Duarte

Marcela Morais Afonso Cruz

Gisela Magnus

37 • O Concentrado de Com-plexo Protrombínico e suas aplicações na sala de cirurgiaProthrombin Complex Concentrate and its applications in the operating room

Erick Martins Faria de Abreu

Leonardo Saraiva Guimarães de Oliveira

Pablo Martins Biagioni de Menezes

Jaci Custódio Jorge

49 • Reversão de urgência da anticoagulaçãoUrgent reversal of anticoagulation

Igor Neves Afonso Castro

Rafael Coelho Tibúrcio

Marcel Andrade Souki

60 • Ambiente látex seguro: relato de dois casosLatex safe environment: report of two cases

Renato Machado Coelho Filho

Cláudia Helena Ribeiro Silva

Wirleyde Mattos Leão

Núbia Campos Faria Isoni

Marcelle Mafra de Queiroz

Magna Adaci de Quadros Coelho

Editorial

Capa: Logomarca da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais Artigos de Revisão

Relato de Caso

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S1-S88 3

68 • Analgesia para toracotomia com cateter multiperfurado e bomba elastomérica: relato de casoAnalgesia for thoracotomy with multi-perforated catheters and elastomeric pump: case report

Flávia Aparecida Resende

Maria Beatriz Assumpção Mourão

Bárbara Sanches Cardoso Allevato

Bráulio Antônio Maciel de Faria Mota Oliveira

Celso Homero Santos Oliveira

Sérgio Ricardo Botrel e Silva

73 • Choque neurogênico e posicionamento após trauma raquimedularNeurogenic shock and positioning after spinal cord injury

Ana Paula Almada

Michelle Nacur Lorentz

Bruna Silviano Brandão Vianna

77 • Manejo anestésico de paciente com trauma cranioencefálico em uso de clopidogrel: relato de caso e revisão de literaturaAnesthetic management of a patient with traumatic brain injury in use of clopidogrel: case report and literature review

Daniella Semino Tavares

Patrícia Rodrigues da Silva

Luciana de Souza Cota Carvalho Laurentys

83 • Management of bleeding and coagulopathy following major trauma: an updated European guidelin

Literatura Sugerida

83 • Prophylactic phenylephri-ne for caesarean section under spinal anaesthesia: systematic review and meta-analysis

84 • Anesthetic induction with etomidate, rather than propofol, is associated with increased 30-day mortality and cardiovascular morbidity after noncardiac surgery

84 • Comparison of the effects of albumin 5%, hydroxyethyl starch 130/0.4 6%, and Ringer’s lactate on blood loss and coa-gulation after cardiac surgery

85 • Clinical review: What are the best hemodynamic targets for noncardiac surgical patients?

COORDENADORESDr. Marcel Andrade Souki

Dr. Luciana de Souza Cota Carvalho Laurentys

MEMBROSDra. Bruna Silviana Brandão Vianna

Dra. Roberta Ferreira Boechat

Dr. Luciano Costa Ferreira

Dr. Wellington de Souza Silva

Dr. Gisela Magnus

Dr. Thiago Gonçalves Wolf

Dra. Raquel Rangel Costa

corpo editorial do Suplemento SAMG

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S4-S84

ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Hospital Mater Dei.

Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Eliane Cristina de Souza Soares

E-mail: [email protected]

1 Médica. Anestesiologista do Hospital Mater Dei e Professora Assistente do Departamento de Cirurgia da

Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 Médico Anestesiologista. Título Superior em Anestesiolo-gia – TSA da Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA.

Vice diretor científico – Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo. Diretor científico – Latin American

Society of Regional Anesthesia – Brasil. Responsável pela Residência Médica do Centro de Ensino e Treinamento

Integrado de Campinas. Campinas, SP – BrasilResponsável pela Residência Médica – CET Integrado de Campinas. Vice-diretor científico – SAESP. Diretor

científico da LASRA – Brasil. Campinas, SP – Brasil.3 Médica Residente do Serviço de Anestesiologia do Hos-pital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

As cardiopatias representam a primeira causa não obstétrica de morte materna no ciclo gravídico puerperal. Este artigo tem como objetivo apresentar os principais fatores envolvidos na predição do risco de morbimortalidade cardiovascular em gestantes cardiopatas. Os avanços obtidos ao longo dos anos no diagnóstico, tratamento e corre-ção cirúrgica de cardiopatias permitiram significativo aumento no número de mulheres portadoras dessas doenças que alcançam a idade fértil e engravidam. Esse grupo de pacientes representa um grande desafio pelas complicações potenciais e pelo fato de que a otimização das condições maternas deve ser cuidadosamente pensada para assegurar a sobrevivência e bem-estar fetais. O cuidado dessas pacientes deve envolver uma equipe multidisciplinar com a participação do anestesiologista. E assim como ocorre em diversas outras situações em anestesia obstétrica, o trabalho em equipe e a comunicação precoce são elementos-chave para garantir a redução da morbimortalidade materna e fetal.

Palavras-chave: Anestesia obstétrica; Preditores de risco; Morte materna.

ABSTRACT

Cardiopathies represent the first non-obstetric cause of maternal death during the pregnancy-puerperal cycle. This article aims to present the main factors involved in the prediction of car-diovascular morbidity and mortality risks in pregnant women with heart disease. The progress achieved over the years in the diagnosis, treatment, and surgical correction of cardiopathies allowed for a significant increase in the number of these women who reach child-bearing age and become pregnant. This group of patients represents a major challenge because of potential complications and the optimization of maternal conditions that must be carefully designed to ensure fetal survival and well-being. The care of these patients should involve a multidisciplinary team with the participation of an anesthesiologist. Similarly to several other situations involving obstetric anesthesia, teamwork and early communication are key elements to ensure the reduc-tion of maternal and fetal morbidity and mortality.

Key words: Anesthesia, Obstetrical; Risk Factors; Maternal Mortality.

INTRODUÇÃO

As cardiopatias são a primeira causa não obstétrica de morte materna no ciclo gravídico puerperal e dados atuais mostram que 0,1 a 4% das gestações nos países ocidentais são complicadas por doenças cardiovasculares.1-3 O espectro dessas do-enças durante a gestação tem se modificado com o tempo e entre os países. A doen-ça reumática é a principal causa de cardiopatias em gestantes nos países em desen-volvimento e entre imigrantes na população americana. Nos países desenvolvidos,

Anesthesia on cardiac pregnant patients

Eliane Cristina de Souza Soares1, Carlos Othon Bastos2, Maria Cecília Lessa Beloni3

Anestesia na gestante cardiopata

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S010

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S4-S8 5

Anestesia na gestante cardiopata

■ a avaliação, acompanhamento e aconselha-mento de mulheres em idade fértil com suspeita de doença cardíaca deve começar no período pré gestacional;3,5

■ o acompanhamento pré-natal deve ser realizado por equipe multidisciplinar incluindo obstetra, car-diologista e anestesiologista.2,3 A prioridade no aten-dimento multiprofissional é prevenir o surgimento de complicações graves, como insuficiência cardí-aca, endocardite infecciosa, edema agudo pulmo-nar, complicações tromboembólicas e arritmias;3

■ pacientes de alto risco devem ser acompanhadas e tratadas em centros especializados;2-4

■ procedimentos diagnósticos e terapêuticos de-vem ser realizados por profissionais com experi-ência na população de gestantes;1,3,4

■ especialistas recomendam manejo anestésico in-dividual de acordo com a condição cardiovascu-lar da parturiente;4

■ o parto não deve ser induzido por razões cardía-cas, e sim por indicações obstétricas.3

A avaliação inicial deve incluir dados objetivos para a estratificação, os quais são prontamente obti-dos por meio de anamnese, exame físico, eletrocar-diograma, ecocardiografia transtorácica e, em pa-cientes cianóticas, gasometria arterial.1,3 A gestação impõe significativas mudanças hemodinâmicas e o reconhecimento precoce e seguimento das gestantes portadoras de cardiopatas melhoram a tolerância cardiovascular materna e proporcionam melhores condições ao desenvolvimento do concepto.2,3 Há cinco principais mudanças fisiológicas durante a ges-tação que, em gestantes cardiopatas, podem não ser bem toleradas e resultar em complicações:1. aumento de 50% no volume intravascular;1,3,6

2. decréscimo progressivo da resistência vascular sistêmica, com manutenção dos níveis de pressão arterial em limites adequados a partir do aumento de 30-50% no débito cardíaco e de 15% na frequ-ência cardíaca;1,3,7,8

3. alterações crescentes do débito cardíaco durante o trabalho de parto e parto, associado a taquicar-dia e acréscimo de cerca de 500 mL de sangue à circulação materna durante as contrações uteri-nas e elevação abrupta do débito após clampa-gem do cordão umbilical e involução uterina;1,3,7

4. redução da capacidade residual funcional,1,3 pela redução do volume de reserva expiratório e do volume residual;

mais da metade das gestantes cardiopatas apresenta doenças cardíacas congênitas.1,2 Os avanços obtidos ao longo dos anos no diagnóstico, tratamento e corre-ção cirúrgica das cardiopatias congênitas permitiram significativo aumento no número de mulheres porta-doras dessas doenças que alcançam a idade fértil e engravidam.4 As cardiomiopatias, apesar de raras, são causas importantes de complicações cardiovasculares em gestantes, sendo a cardiomiopatia periparto a cau-sa mais comum de complicações graves.2

As gestantes cardiopatas formam um grupo hetero-gêneo de pacientes, um vez que cada cardiopatia apre-senta fisiopatologia e abordages terapêuticas e anesté-sicas específicas.4 Esse grupo de pacientes representa grande desafio, pelas complicações potenciais e pelo fato de que a otimização das condições maternas deve ser cuidadosamente pensada para assegurar a sobre-vivência e bem-estar fetais.5 A literatura é, com apenas algumas exceções, escassa em estudos prospectivos ou randomizados referentes a este assunto, de modo que a maioria das recomendações a esse grupo de pa-cientes corresponde a evidências nível C (Tabela 1).

No Brasil a incidência das afecções cardíacas no ciclo gravídico-puerperal varia de 1 a 1,5%, sendo as doenças do coração a quarta causa de óbito não obs-tétrico.3 Em 55% dos casos a etiologia é reumática, com 70 a 80% dos casos representados pela estenose mitral.3 A mortalidade materna varia entre 1 e 30% nas portadoras de cardiopatias favoráveis à gestação com classes funcionais I e II, chegando a 50% nas desfavoráveis e com classes funcionais III e IV. A mor-talidade fetal varia entre 2 e 10% nas cardiopatias do grupo favorável ou até 30% no grupo desfavorável.3

Na estimativa de risco, a avaliação pré-concep-ção é ideal por oferecer oportunidade de revisar cada caso de forma individualizada e, diante dos da-dos disponíveis, avaliar a decisão por uma gravidez que pode ser muito complicada e arriscada.3,5 O ris-co gravídico compreende o risco obstétrico, o risco cardiológico e o risco de doenças associadas/pree-xistentes.3 De forma geral, os guidelines publicados sobre este assunto mostram conclusões semelhantes:

Tabela 1 - Níveis de evidência – Classificação

Nível A Dados derivados de vários estudos clínicos randomizados ou metanálises

Nível B Dados derivados de um único estudo clínico randomizado ou vários grandes estudos não randomizados

Nível C Dados derivados de um único estudo clínico randomizado ou vários grandes estudos não randomizados

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S4-S86

Anestesia na gestante cardiopata

Embora estudos associando lesões específicas e morbimortalidade sejam normalmente pequenos e retrospectivos, com base nos dados existentes qua-se todas as pacientes podem ser estratificadas em grupos de risco baixo, moderado ou alto.11,12 As Ta-belas 4 e 5 mostram estratificações publicadas em 2006 e 2007.

5. aumento da produção de vários fatores de coagu-lação, levando a estado de hipercogulabilidade.1,3

De modo geral, as taxas de mortalidade materna e fetal dependem do tipo da cardiopatia, da reserva funcional de cada paciente e das medidas profiláti-cas e terapêuticas adotadas.3 A definição do tipo e gravidade da lesão cardíaca ou da natureza da lesão residual ou sequela é fundamental, assim como o tipo de abordagens prévias realizadas e os medica-mentos em uso atualmente.3 A função ventricular, pressão arterial pulmonar e a hipoxemia também de-vem ser investigadas. Gestantes cardiopatas possuem mais chances de complicações se comparadas às gestantes hígidas, com elevado risco de deterioração da função cardíaca, arritmias e eventos isquêmicos secundários a eventos tromboembólicos.1,3,4,8

A estimativa da capacidade funcional é valiosa e o padrão atual nessa investigação é a classifica-ção estabelecida pela New York Heart Association (NYHA).3,6,8,9

Estudos baseados na predição de risco conside-rando lesões cardíacas específicas são raros, mas pre-ditores de risco foram identificados em estudos com grandes grupos de gestantes portadoras de diferentes cardiopatias. O sistema mais conhecido e utilizado é de-nominado CARPREG e é baseado no estudo canadense publicado em 2001.10 Nesse trabalho, um sistema de pon-tuação foi desenvolvido e validado em um seguimento de 562 pacientes com doença cardíaca congênita ou ad-quirida, que receberam cuidados em centros terciários. Os resultados obtidos basearam-se na predição do risco de eventos maternos adversos, considerando edema pulmonar agudo, arritmia cardíaca sustentada, acidente vascular cerebral, parada cardíaca ou morte de origem cardiovascular. A Tabela 3 mostra os preditores de risco identificados. Cada preditor equivale a 1 ponto e a taxa de eventos adversos foi de 5% por zero ponto, 27% para um ponto e 75% para dois ou mais pontos.

Tabela 2 - Classificação do Estado Funcional – New York Heart Association (NYHA)9

Classe I Assintomática

Classe II Sintomática em atividades com mais esforço que o habitual

Classe III Sintomática em atividades cotidianas

Classe IV Sintomática em repouso

Fonte: The Criteria Committee of the New York Heart Association.9

Tabela 3 - Preditores de risco para eventos cardio-vasculares adversos – estudo CARPREG

1. Cianose (SpO2 < 90% em ar ambiente)

2. Classe Funcional NYHA III ou IV

3. Obstrução da via de saída do ventrícuo esquerdo

4. Gradiente ventrículo esquerdo/aórtico > 30 mmHg repouso

5. Área valvar mitral < 2 cm2

6. Disfunção ventricular esquerda

7. Fração de ejeção < 40%

8. Área valvar aórtica < 1,5 cm2

9. Evento cardiovascular prévio

10. Insuficiência cardíaca com edema pulmonar, arritmias, AVC ou AIT

AVC = acidente vascular cerebral – AIT = ataque isquêmico transitório,Fonte: Siu et al.10

Tabela 4 - Risco de morbidade materna grave e morte associada a determinadas lesões cardíacas na gestação

Baixo risco – Mortalidade 0,1 a 1%

Lesões cardíacas corrigidas

Shunt esquerdo-direito não complicado

Estenose pulmonar / Regurgitação pulmonar

Regurgitação aórtica / Válvula aórtica bicúspide

Regurgitação mitral / Prolapso da válvula mitral

Risco Moderado – Mortalidade 1 a 5%

Válvulas metálicas

Ventrículo único

Ventrículo direito sistêmico

Cardiopatias cianóticas não corrigidas

Estenose mitral

Estenose aórtica leve a moderada

Estenose pulmonar grave

Alto Risco – Mortalidade 5 a 30%

Classe funcional NYHA III ou IV

Estenose aórtica grave

História de cardiomiopatia periparto

Hipertensão pulmonar (mortalidade de 30 a 50%)

Síndrome de Marfan (lesão valvar ou dilatação aórtica)

Disfunção ventricular esquerda grave

Fonte: Dob, Yents.11

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S4-S8 7

Anestesia na gestante cardiopata

A gestante cardiopata, independentemente dos preditores de risco presentes, deve ser acompanhada pela equipe multidisciplinar a partir de uma rotina estabelecida para as situações de gravidez de alto risco. Nessa rotina, a avaliação pré-anestésica ambu-latorial é altamente recomendável, permitindo preco-cemente a estratificação de risco, o preparo pré-ope-ratório1,3,5 e a discussão e conhecimento do caso pelo anestesiologista assistente. Assim como em diversas outras situações em anestesia obstétrica, isso é for-malmente recomendado pelo último guideline publi-cado pela American Society of Anesthesiologists14. O trabalho em equipe e a comunicação precoce são elementos-chave em gestantes cardiopatas para ga-rantir redução de morbimortalidade materna e fetal.

Gostaríamos de convidá-lo a testar os seus conhe-cimentos após a leitura deste artigo. Seguem abaixo cinco questões referentes ao tema abordado e o ga-barito encontra-se ao final.

1. Incidência de cardiopatias no ciclo gravídico puerperal em países desenvolvidos:a. 0,04 a 1%b. 0,1 a 1%c. 0,01 a 4%d. 0,1 a 4%

2. A maior parte das recomendações relativas às pacientes portadoras de cardiopatias durante a gestação é baseada em nível de evidência:a. dados derivados de um único estudo clínico randomizado ou vários grandes estudos clínicos não randomizadosb. dados derivados de vários estudos clínicos randomizados ou metanálises

A Organização Mundial de Saúde (World Health Organization – WHO) disponibiliza uma estratifica-ção de risco modificada em 2006 que integra fatores de risco cardiovasculares considerando doenças cardíacas existentes e comorbidades associadas.13 A novidade mostrada por essa classificação foi a inclusão de uma categoria (WHO IV) em que a gravidez é classificada como de alto risco para mor-bimortalidade e, portanto, contraindicada (sendo que, se já presente, autoriza discussão multidiscipli-nar sobre a sua interrupção).

Tabela 5 - Risco de mortalidade materna associada à cardiopatia na gestação

Baixo Risco – Mortalidade < 1%

Defeito septal atrial não complicado

Defeito septal ventricular não complicado

Persistência do ducto arterial não

Disfunção leve das válvulas tricúspide e pulmonar

Tetralogia de Fallot corrigida

Válvula biológica

Lesões corrigidas sem disfunção cardíaca residual

Prolapso de válvula mitral isolado sem regurgitação significativa

Válvula aórtica bicúspide sem regurgitação significativa

Regurgitação valvar com função sistólica normal

Estenose mitral (Classe Funcional NYHA I e II)

Risco Intermediário – Mortalidade 5 a 15%

Estenose mitral com fibrilação atrial

Shunt esquerdo-direito intenso

Válvula artificial mecânica

Estenose mitral (Classe Funcional NYHA III ou IV)

Estenose aórtica

Estenose pulmonar grave

Coarctação aórtica não corrigida

Tetralogia de Fallot não corrigida

Cardiopatia congênita cianótica não corrigida

Infarto do miocárdio prévio

Disfunção ventricular moderada a grave

Síndrome de Marfan com aorta normal

História de cardiomiopatia periparto sem disfunção residual

Risco Alto – Mortalidade 25 a 50%

Hipertensão pulmonar grave

Estenose aórtica grave

História de cardiomiopatia periparto com disfunção residual

Coarctação de aorta complicada

Síndrome de Marfan com envolvimento aórtico ou valvar

Síndrome de Eisenmenger

Fonte: Davis, Hebert.12

Tabela 6 - Condições classificadas como WHO Classe IV

Hipertensão pulmonar grave primária ou secundária

Disfunção ventricular esquerda grave (Fração de ejeção < 30% – Classe Funcional NYHA III ou IV)

História pregressa de cardiomiopatia periparto (com qualquer disfunção ventricular esquerda)

Estenose mitral ou aórtica graves e sintomáticas

Síndrome de Marfan com dilatação aórtica > 45 mm

Dilatação aórtica > 50 mm em doença aórtica associada com válvula bicúspide

Coarctação de aorta grave

Fonte: Jastrow et al.13.

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S4-S88

Anestesia na gestante cardiopata

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c. consenso na opinião de experts e/ou dados derivados de pequenos estudos, estudos retros-pectivos ou séries /relatos de casod. dados derivados de um único estudo clínico randomizado ou vários grandes estudos não ran-domizados

3. De acordo com o estudo CARPREG, são predito-res de risco para eventos adversos, exceto:a. Classe funcional III ou IVb. Área valvar mitral < 2cm2

c. História prévia de cardiomiopatia periparto com disfunção ventricular residuald. Fração de ejeção <40%

4. Lesões associadas a baixo risco de morbimortali-dade cardiovascular, exceto:a. Válvula biológicab. Prolapso da válvula mitral sem regurgitação importantec. Tetralogia de Fallot corrigidad. Válvula mecânica

5. São condições consideradas WHO Classe IV, exceto:a. Fração de ejeção= 35%b. Hipertensão pulmonar grave secundária à re-gurgitação mitralc. Síndrome de Eisenmengerd. Estenose aórtica com estado funcional NYHA IV

GABARITO

1) D2) C3) C4) D5) A

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S9-S13 9

ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Hospital Mater DeiBelo Horizonte, MG – Brasil.

Autor correspondente:Eliane Cristina de Souza Soares.E-mail: [email protected]

1 Médica. Anestesiologista do Hospital Mater Dei e Professora Assistente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Título Superior em Anestesiologia – TSA da Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA. Vice-diretor científico – Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo. Diretor científico – Latin American Society of Regional Anesthesia – Brasil. Responsável pela Residência Médica do Centro de Ensino e Treinamento Integrado de Campinas. Campinas, SP – Brasil.3 Médica em Especialização do Serviço de Anestesiologia do CET/SBA/IPSEMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A doença cardíaca é a principal causa não obstétrica de morte materna e sua incidên-cia varia entre 0,1 e 4% das gestações.1 No Brasil, 55% dos casos de cardiopatias em gestantes têm como etiologia a doença reumática, com 70 a 80% dos casos representa-dos pela estenose mitral. A evolução da estenose mitral na gravidez envolve complica-ções tanto maternas quanto fetais, com incidência diretamente relacionada à gravidade da lesão. O objetivo deste artigo é revisar a fisiopatologia, quadro clínico e condução anestésica em gestantes portadoras de estenose mitral.

Palavras-chave: Anestesia Obstétrica; Febre Reumática; Estenose da Valva Mitral.

ABSTRACT

Heart disease is the leading non-obstetric cause of maternal death and its incidence varies between 0.1 and 4% of pregnancies.1 In Brazil, the etiology for 55% of cardiopathy cases in pregnant women is rheumatic disease with 70 to 80% of cases represented by mitral stenosis. The evolution of mitral stenosis during pregnancy involves both maternal and fetal complications with incidences directly related to the severity of the injury. The purpose of this article is to review the pathophysiology, clinical presentation, and anes-thetic approach in pregnant women with mitral stenosis.

Key words: Anesthesia, Obstetrical; Rheumatic Fever; Mitral Valve Stenosis.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a estenose mitral é a lesão valvular mais comum na gestação, sendo a doença cardíaca reumática a sua principal causa, seguida por doenças cardía-cas congênitas, artrite reumatoide, lúpus e síndrome carcinoide.1 Aproximadamen-te 90% de todas parturientes com doença cardíaca reumática têm estenose mitral como lesão predominante.1 Embora a estenose mitral seja frequentemente acompa-nhada por algum grau de regurgitação, a morbimortalidade relacionada à gestação é usualmente ligada às consequências da estenose.2

A área normal da válvula mitral varia entre 4 e 6 cm2 e a gravidade da estenose mitral é classificada de acordo com a área valvar (Tabela 1).1-3 Pacientes usualmente desenvolvem sintomas quando o orifício valvar torna-se inferior a 2 cm2.2 A gravi-dade da estenose mitral avaliada pela medida da área valvar pelo ecodoppler é um importante preditor de edema pulmonar.1 Esta técnica, no entanto, tende a superes-timar a área valvar e subestimar a gravidade da estenose.1,2

Anesthesia in pregnant women with mitral stenosis

Eliane Cristina de Souza Soares1, Carlos Othon Bastos2, Rachel de Andrade Ivo3

Anestesia na gestante portadora de estenose mitral

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S011

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S9-S1310

Anestesia na gestante portadora de estenose mitral

mulheres com estenose mitral os sintomas iniciam durante a gravidez.2 A história natural da estenose mitral na gravidez envolve significativa taxa de com-plicações, tanto maternas quanto fetais. A incidên-cia de complicações está relacionada à gravidade da estenose, sendo 67% para os casos graves, 38% para lesão moderada e 26% para leve.2,3 A maioria das pacientes com estenose moderada a grave mos-tra piora de uma ou duas classes funcionais durante a gestação.1 Em pacientes com classes funcionais III e IV a mortalidade materna é estimada em quase 7%, sendo muito baixa (<1%) em pacientes assinto-máticas.1 Na classe funcional IV, a mortalidade fetal pode atingir até 30%.1 Em relação ao feto, há aumen-to nas taxas de prematuridade, retardo de cresci-mento fetal e baixo peso ao nascimento.

FISIOPATOLOGIA

A estenose mitral pode produzir repercussões hemodinâmicas importantes, por dificultar o es-vaziamento do átrio esquerdo e o enchimento do ventrículo esquerdo (Figura 1).2 Como resultado da lesão, pode ocorrer elevação da pressão atrial es-querda, dilatação do átrio esquerdo e aumento da pressão arterial pulmonar com aumento reativo da resistência vascular pulmonar.2 Tais alterações pre-dispõem à formação de trombos murais intra-atriais, fibrilação atrial, dispneia, hemoptise, dor torácica e edema pulmonar.2 A incidência de fibrilação atrial em gestantes portadoras de estenose mitral é de 30 a 70% e a minoria das pacientes com estenose mo-derada a grave que permanecem com ritmo sinusal possui um átrio pequeno, fibrótico e hipertensão pulmonar secundária.1

A progressão da doença pode levar à hipertrofia ventricular direita, seguida de insuficiência tricús-pide e falência do ventrículo direito.2 O prejuízo ao enchimento ventricular esquerdo leva à redução do volume sistólico e do débito cardíaco.2

Após um episódio agudo de febre reumática, a doença progride lentamente por 20 a 30 anos e a área valvar decresce aproximadamente 0,09 a 0,17 cm2/ano.1,2 As alterações fisiológicas da gestação podem tornar manifesta uma estenose mitral até en-tão assintomática e em aproximadamente 25% das

Tabela 1 - Classificação da estenose mitral

Leve Área valvar > 1,5 cm2

Moderada Área valvar entre 1,1 e 1,5 cm2

Grave Área valvar ≤ 1,0 cm2

Figura 1 - Fisiopatologia da estenose mitral.

Di�culdade no esvaziamento do átrio esquerdo

Aumento da pressão atrial esquerda

Dilatação do átrio esquerdo

Aumento da pressão arterial pulmonar

Estenose Mitral

Redução no enchimento

do VE

Redução do volume sistólico

Redução do débito cardíaco

Figura 2 - Alterações fisiológicas da gestação vs. estenose mitral.

Aumento do volume plasmático e do volume sanguíneoRedução da pressão oncótica plasmática

Aumento da frequência cardíaca

* Piora a congestão pulmonar

* Reduz o tempo de enchimento do VE

* Di�culta o esvaziamento atrial

* Aumenta a pressão atrial esquerda

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Anestesia na gestante portadora de estenose mitral

O reparo cirúrgico (comissurotomia) e a troca da valva mitral, quando indicados, devem ser idealmen-te realizados no período preconcepção.1-3 Durante a gestação estão indicados apenas nos casos de este-nose grave refratária aos medicamentos e naquelas situações em que o acompanhamento médico ideal estiver impossibilitado.1 Quando a troca valvar é indi-cada, a seleção e o tipo de prótese devem ser base-ados no seu perfil hemodinâmico, durabilidade e na necessidade de anticoagulação, sendo mais comum o uso de próteses biológicas.1,2

VIA DE PARTO: ABORDAGEM ANESTÉSICA

A via de parto é de indicação obstétrica, não ha-vendo contraindicação ao parto vaginal.1 A estenose mitral não afeta a abordagem ao primeiro estágio do trabalho de parto, sendo a analgesia, no entanto, essencial, por impedir o aumento da pressão arterial pulmonar secundário à dor.1-3 Durante o segundo es-tágio, a manobra de Valsalva associada aos puxos maternos pode resultar em aumentos indesejáveis e agudos do retorno venoso, sendo, desta forma, im-portante o uso de fórceps de alívio.1-3

Nas gestantes portadoras de estenose mitral usualmente está indicado o parto por via vaginal, sob analgesia neuroaxial e com a instrumentação da terceira fase, a fim de diminuir os esforços associados ao período expulsivo.

A monitorização invasiva da pressão arterial deve ser empregada em todas as pacientes sintomáticas ou com área valvar < 1,5 cm2 e deve ser mantida por vá-rias horas no pós-parto imediato.1 Nas pacientes por-tadoras de estenose grave e hipertensão pulmonar grave deve ser considerada a monitorização invasiva da pressão arterial pulmonar.5,6

A antibioticoprofilaxia contra endocardite bac-teriana não é recomendada para o parto vaginal ou cesariana de acordo com as novas diretrizes, con-siderando lesão valvar não corrigida e ausência de história prévia de endocardite.1,3,7

Tendo como base os aspectos discutidos ante-riormente, a anestesia/analgesia em gestantes por-tadoras de estenose mitral deve observar as metas propostas na Tabela 2 e as técnicas anestésicas suge-ridas estão listadas na Tabela 3.

ABORDAGEM TERAPÊUTICA

Na maioria dos casos de estenose mitral, o tra-tamento clínico é suficiente.3 A abordagem é dire-cionada para a redução da frequência cardíaca e diminuição da pressão do átrio esquerdo a partir da restrição de atividade física, redução na ingesta de sal e uso de beta-bloqueadores e de diuréticos (estes últimos de forma criteriosa, para evitar hi-povolemia e redução da perfusão uteroplacentá-ria).1 A fibrilação atrial está associada a alto risco de complicações maternas e requer tratamento agressivo. A perda da sístole atrial associada ao au-mento da frequência ventricular resulta em piora do débito cardíaco e da congestão pulmonar. Nos casos agudos, caso não haja resposta ao tratamen-to farmacológico, a cardioversão está indicada. Cerca de 80% dos casos de embolização sistêmi-ca ocorrem em pacientes com fibrilação atrial, indicando, portanto, o uso de anticoagulação na presença desta arritmia.3,4 Alguns autores sugerem a anticoagulação profilática mesmo em pacientes com estenose grave e aumento do átrio esquerdo não associado à fibrilação.2,4

Nos casos de estenose grave com classe funcio-nal III ou IV, outras medidas podem ser necessárias, incluindo desde reparo valvular (cirúrgico ou percu-tâneo) até a troca valvar.1 O índice da válvula mitral, obtido pela ecocardiografia, avalia a mobilidade, o espessamento, a calcificação do folheto e o espes-samento subvalvular e pode ser usado para predizer quais pacientes se beneficiam de valvuloplastia per-cutânea com balão e quais requerem cirurgia para valvuloplastia ou troca mitral.1 Intervenções cirúrgi-cas devem preferencialmente ser realizadas antes do planejamento da gravidez.1-3

A valvuloplastia percutânea por balão tem se mos-trado segura durante a gravidez, resultando em signi-ficativo aumento da área valvar, geralmente acima de 2.0 cm2, com os benefícios mantidos por vários anos.1 A técnica é recomendada quando sintomas estão presentes e em pacientes assintomáticas nos casos de estenose moderada a grave, com pressões pulmonares elevadas no repouso ou início recente de fibrilação atrial. O ideal é que seja realizada entre a 13ª e a 28ª semanas de gravidez, para reduzir risco de abortamento e parto prematuro.1,2 A anatomia des-favorável e a associação de regurgitação mitral im-portante ou trombo atrial contraindicam a técnica.1 Essas situações impõem a cirurgia de troca valvar.1

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S9-S1312

Anestesia na gestante portadora de estenose mitral

O parto, clampagem do cordão umbilical e dequita-ção placentária causam elevação importante e aguda no retorno venoso e débito cardíaco (pela auto-hemotrans-fusão secundária à involução uterina, exclusão da circu-lação placentária e fim da compressão aorto-cava). Des-se modo, o período pós-parto imediato acarreta risco importante de descompensação aguda com congestão pulmonar.2 É fundamental manter vigilância e monitori-zação intensivas nas primeiras horas após o parto, sendo indicado CTI pós-operatório a todas as pacientes sinto-máticas ou portadoras de estenose moderada ou grave.2

Gostaríamos de convidá-lo a testar os seus conhe-cimentos após a leitura deste artigo. Seguem abaixo cinco questões referentes ao tema abordado e o ga-barito encontra-se ao final.1. A causa mais comum de estenose mitral em ges-

tantes é:a) doença cardíaca reumáticab) valvulopatia congênitac) lúpus eritematoso sistêmicod) artrite reumatoide

2. Sobre a área valvar mitral é correto afirmar que:a) é adequada quando entre 4 e 6 cm2

b) caracteriza estenose moderada quando maior que 1,5 cm2

c) geralmente está associada a sintomas quando menor que 4 cm2

d) caracteriza estenose grave quando menor ou igual a 0,5 cm2

A profilaxia para atonia uterina com ocitocina, metilergonovina e prostaglandina F2α deve ser feita de forma cuidadosa já que estas drogas podem afetar a resistência vascular periférica e pulmonar.2

Tabela 2 - Metas na abordagem anestésica de gestante portadora de estenose mitral

Frequência cardíaca

Manter frequência cardíaca adequada

Evitar taquicardiaA bradicardia também pode ser deletéria já que o volume sistólico é limitado pela presença de estenose

Ritmo

Manter ritmo sinusial

Tratar episódios agudos de fibrilação atrial(ß-bloqueadores / amiodarona / cardioversão elétrica)

Atenção à presença de anticoagulação em pacientes portadoras de fribilação atrial crônica

Pré-carga

Manter retorno venoso adequado

Minimizar a compressão aorto-cavaDesvio lateral esquerdo do útero a 15º

Pós-carga

Evitar e tratar reduções na resistência vascular periférica

Fenilefrina ou metaraminl são os vasopressores de escolha por produzirem redução reflexa da frequência cardíacaEvitar o uso de vasopressores com efeito cronotrópico direto com a efedrina e etilefrina (exceto se FC < 70)

Pressão pulmonar

Evitar fatores que elevam a resistência vascular pulmonar

HipoxemiaConsiderar suplementação de oxigênio

via cateter nasal ou máscara facialHipercarbia

AcidoseDor

Tabela 3 - Anestesia / analgesia para gestantes por-tadoras de estenose mitral

Parto vaginal – Analgesia

Controle precoce da dorEvitar puxos no segundo estágio – indicada instrumentação do parto

TécnicasAnalgesia peridural (contínua/ intermitente / controlada pela paciente)Analgesia combinada (contínua/ intermitente / controlada pela pacienteConsiderar o uso de opioides isolados no primeiro estágio do TPAnalgesia sistêmicaConsiderar o uso de técnica neuroaxial ou bloqueio locorregional no segundo estágio do TP

Cesariana – Anestesia neuroaxial

Os bloqueios combinados ou peridural são formas mais adequadas por evitarem quedas rápidas e significativas na resistência vascular periféricaA raquianestesia em dose única deve ser evitada em pacientes sintomáticas ou portadoras de lesões moderadas e graves

Cesariana – Anestesia geral

Observar os cuidados gerais para uso desta técnica em gestantesProfilaxia para aspiração pulmonarAvaliação rigorosa da via aérea (uso do algoritmo em caso de VA difícil prevista)Pré-oxigenaçãoIndução em sequência rápida com compressão cricoide

Evitar agentes que causem taquicardiaCetamina / pancurônio / atropinaEvitar taquicardia e aumento da pressão pulmonar associados ao estímulo álgico na intubação e extubaçãoUtilizar dose adequada de opioides na induçãoConsiderar remifentanil em bolus de 0,5 a 1 mcg/kg ou infusão contínua de 0,3 mcg/kg/minUtilizar beta-bloqueador de curta duraçãoConsiderar esmolol em infusão contínuaEvitar modificações significativas da pós-carga na induçãoConsiderar etomidato 0,2 a 0,3 mg/kg

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S9-S13 13

Anestesia na gestante portadora de estenose mitral

c) A raquianestesia em dose única para cesaria-na deve ser evitada nas pacientes sintomáticas ou portadoras de lesões moderadas e gravesd) A profilaxia para atonia uterina com ocitocina, metilergonovina e prostaglandina F2α deve ser fei-ta de forma cuidadosa, já que estas drogas podem afetar a resistência vascular periférica e pulmonar.

GABARITO

1) A2) A3) D4) B5) B

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7. European Society of Gynecology (ESG); Association for Europe-

an Paediatric Cardiology (AEPC); German Society for Gender

Medicine (DGesGM), Regitz-Zagrosek V, Blomstrom Lundqvist C,

Borghi C, Cifkova R, Ferreira R, et al. ESC Committee for Practice

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3. Sobre a estenose mitral em gestantes, é incorreto afirmar que:a) Em aproximadamente 25% das mulheres os sin-tomas iniciam durante a gravidezb) A incidência de complicações maternas está as-sociada à gravidade da estenose, sendo em torno de 60-70% nas gestantes portadoras de lesões gravesc) Em pacientes com classes funcionais III e IV a mortalidade materna é estimada em quase 7%, sendo <1% em pacientes com classe funcional Id) Em relação ao feto, há aumento nas taxas de prematuridade, retardo de crescimento fetal e baixo peso ao nascimento, sendo a mortalidade fetal, no entanto, baixa, atingindo 5% em pacien-tes com classe funcional IV.

4. Sobre a abordagem terapêutica nas gestantes por-tadoras de estenose mitral, é incorreto afirmar que:a) O tratamento clínico é suficiente na maioria dos casos e envolve restrição de atividade física, redução na ingesta de sal e uso de beta-bloquea-dores e de diuréticosb) A fibrilação atrial pode ocorrer em virtude do aumento do átrio esquerdo e é, em geral, bem tolerada, sem necessidade de abordagem tera-pêutica pelos riscos fetais envolvidos no uso de medicamentos e cardioversãoc) Intervenções cirúrgicas devem preferencialmen-te ser realizadas antes do planejamento da gravidezd) A valvuloplastia percutânea por balão tem se mostrado segura durante a gravidez, devendo ser realizada entre a 13ª e a 28ª semanas, para reduzir risco de abortamento e parto prematuros

5. Sobre a abordagem anestésica na gestante porta-dora de estenose mitral, é incorreto afirmar que:a) A monitorização invasiva da pressão arterial deve ser empregada em todas as pacientes sinto-máticas ou com área valvar < 1,5 cm2b) A efedrina é o vasopressor de escolha para o tratamento da hipotensão arterial resultante do bloqueio neuroaxial

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S14-S1914

ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Instituto de Previdência dos

Servidores de Minas Gerais (IPSEMG)Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:José Eduardo Alves de Assis

E-mail: [email protected]

1 Médico Anestesiologista. Hospital Municipal Odilon Behrens e Hospital Risoleta Tolentino Neves.

Belo Horizonte, MG – Brasil. 2 Médico Anestesiologista. Hospital Municipal Odilon Behrens, Hospital Risoleta Tolentino Neves e Hospital

Vera Cruz. Preceptor da Residência Médica em Anestesiologia do Centro de Especialização e Treinamen-

to – CET do Instituto de Previdência dos Servidores de Minas Gerais – IPSEMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Médico em Especialização-ME-2 de Anestesiologia

do CET/IPSEMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.4 ME-2 de Anestesiologia do CET/IPSEMG.

Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A incidência de pacientes dependentes de drogas está aumentando. As substâncias ilícitas de consumo mais comuns são cocaína, maconha, álcool e heroína, embora o uso do crack tenha se tornado cada vez mais frequente, tornando-se um problema co-mum nos hospitais que atendem emergências. O efeito agudo e a longo prazo do abuso de drogas pode complicar o manejo anestésico. Muitas vezes esses pacientes não são identificados no pré-operatório, por tratar-se de cirurgia de emergência ou omissão de informação. Esses pacientes demandam vigilância contínua e perspicácia do aneste-siologista para evitar sérias complicações perioperatórias. Neste artigo são apresenta-dos os principais problemas relacionados ao uso da cocaína e do crack, bem como a melhor abordagem perioperatória. Durante o procedimento anestésico são utilizados vários medicamentos de ação central que interagem com outras substâncias como a cocaína, tornando predizer o tipo de resposta apresentado pelos pacientes que fazem uso desse tipo de droga. Isso torna a anestesia nesses pacientes um verdadeiro desafio para o anestesiologista que, portanto, deve conhecer as alterações fisiopatológicas para melhor abordar esses pacientes e diminuir a morbimortalidade.

Palavras-chave: Anestesia; Cocaína; Cocaina Crack; Usuários de Drogas.

ABSTRACT

The incidence of drug dependent patients is increasing. The most common consumption among illicit substances includes cocaine, marijuana, alcohol, and heroin, however, the use of crack has become increasingly frequent and a common problem in hospitals that tend to emergencies. The acute and long-term effects of drug abuse can complicate the anesthetic management. These patients are often not identified preoperatively because they are in need of emergency surgery or due to information omission. These patients require continuous vigi-lance and insight from the anesthesiologist to avoid serious perioperative complications. This article presents the main problems related to the use of cocaine and crack, as well as the best perioperative approach. During the anesthetic procedure, several centrally acting medications that interact with other substances like cocaine is used making it difficult to predict the type of responses from the patients who make use of these drugs. Thus, anesthesia in these patients is a real challenge to the anesthesiologist who must therefore be aware of the pathophysiologi-cal alterations to best address these patients and decrease morbidity and mortality.

Key words: Anestheia; Cocaine; Crack Cocaine; Drug Users.

INTRODUÇÃO

A cocaína ressurgiu no Brasil nos últimos 20 anos.1 Desde então, novos padrões de consumo foram introduzidos entre os usuários da droga2, entre eles destaca-se

Anesthesia in patients who are users of crack and cocaine

Cláudio Henrique Corrêa1, Leonardo Saraiva Guimarães de Oliveira2, José Eduardo Alves de Assis3, Rafael Teixeira Corrêa de Barros4

Anestesia no paciente usuário de crack e cocaína

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S012

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S14-S19 15

Anestesia no paciente usuário de crack e cocaína

HISTÓRICO

Embora o termo “crack” venha sendo veiculado há pouco mais de 25 anos, o consumo de cocaína iniciou-se num período histórico muito mais preco-ce. Derivada das folhas do arbusto Erythoxylon coca, a substância já era utilizada por tribos indígenas na América do Sul dois mil anos antes do descobri-mento do continente. A folha mascada libera baixas doses de cocaína, que promove todos os seus efei-tos (Figura 1).13 Seu uso possibilitava aos nativos da região dos Andes sobreviver em altitudes elevadas, onde a rarefação do ar e o frio tornavam extremas as condições de trabalho.

A chegada dos espanhóis representou o primei-ro contato do homem moderno com a droga. Suas propriedades estimulantes foram de fundamental importância na exploração da Terra do Ouro. No en-tanto, as tentativas de transporte da folha de coca para a Europa não foram bem-sucedidas, uma vez que a longa viagem causava deterioração do prin-cípio ativo contido na folha. A cocaína ficou, então, esquecida por vários anos, até que em 1860 Albert Niemann obteve êxito na extração da substância pura na forma de pó.14

o crescimento do crack, derivado não refinado da coca. Antes de 1989 não se revelava a presença dessa substância em levantamentos epidemiológicos nacio-nais. Em 1993, seu uso atingiu 36% e, em 1997, 46% en-tre os usuários de cocaína.3 No Brasil, 0,2% dos estu-dantes já experimentou o crack em pelo menos uma ocasião.4 Na região Sudeste, segundo levantamento realizado em 2005, seu uso em vida foi de 0,8%5.

O consumo do crack inicia-se em idades cada vez mais precoces e difunde-se por todas as classes so-ciais.6-9 O usuário expõe-se a risco de dependência duas vezes mais alto que aqueles que utilizam a co-caína inalada10; e risco ainda mais elevado quando há associação de cocaína, maconha e tabaco.11 Os ser-viços especializados em tratamento de dependência química começaram a sentir o impacto do crescimen-to do crack a partir dos anos 90, quando seu consu-mo saltou de 17% (1990) para quase 64% (1994) entre pacientes internados nos centros de recuperação.12 Diante disso, torna-se fundamental para o médico anestesiologista conhecer as alterações fisiopatológi-cas, bem como as interações farmacológicas do crack com os principais agentes anestésicos. Dessa forma, pode-se realizar adequado planejamento anestésico e antecipar as possíveis complicações perioperatórias esperadas para esse grupo de pacientes.

Figura 1 - Processo de refino da cocaína, indicando também seus subprodutos.

Processo de re�no da cocaína, indicando também seus subprodutos

Folhas de cocaErythroxylon coca

Maceração e tratamento químico com solventes pesados e ácidos.Pureza: 0,5% a 2% de cocaína nas folhas.

Podem ser macaradas.

Pasta de coca

Tratada com solventes e ácido clorídrico.Pureza: 20% a 85% de sulfato de cocaína.

Pode ser fumada (natureza alcalina).

Cloridrato de cocaína

Produto �nal do re�no (”pó”).Pureza: 30% a 90% de cloridrato de cocaína.

Pode ser cheirada ou injetada (dissolvida em água).

Merla

Subproduto da cocaína.Natureza básica.Pode ser fumada.

Crack

Subproduto da cocaína.Natureza básica.Pode ser fumado.

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Anestesia no paciente usuário de crack e cocaína

e urina por poucas horas, seus metabólitos podem ser detectados por 24 a 36 horas após uso.18 A análise bioquímica do cabelo pode demonstrar uso prévio dessa substância por semanas a meses.

FARMACODINÂMICA

A cocaína, independentemente da via de admi-nistração, age bloqueando a recaptação de cate-colaminas nos terminais pré-sinápticos de nervos simpáticos, aumentando, assim, a estimulação das células receptoras17 e também a sensibilidade dos terminais nervosos adrenérgicos à noradrenalina.19 Atua como antiarrítmico de classe I (anestésico lo-cal) bloqueando canais de sódio e potássio, o que impede o início e transmissão do sinal elétrico.18 Apesar dessas duas ações opostas, a atividade sim-pática predomina em baixas doses.19

O efeito psicoestimulante pode ser explicado por sua capacidade de aumentar os níveis de dopamina, norepinefrina e serotonina no encéfalo. Os efeitos sis-têmicos ocorrem como resultado da capacidade de, simultaneamente, aumentar os níveis de catecolami-nas, bem como bloquear a sua recaptação, o que leva a agonismo contínuo em ambos os receptores, alfa e beta20. A cocaína estimula a liberação de endotelina-1, potente vasoconstritor das células endoteliais, e inibe a produção de óxido nítrico, potente vasodilatador destas, levando a vasoespasmo. Essa liberação geral-mente ocorre 90 minutos após o uso inicial da droga. Promove trombose por ativação e agregação plaque-tária e liberação de grânulos alfa, além de aumentar a atividade do fator inibidor de plasminogênio, níveis de fibrinogênio e fator de Von Willebrand.

ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES

Diversos mecanismos são implicados na gênese da isquemia miocárdica induzidas pelo uso agudo da cocaína. O estímulo simpático resulta em aumen-to da contração ventricular, pressão arterial, frequ-ência cardíaca e demanda miocárdica de oxigênio. Simultaneamente diminui o suplemento de O2 devi-do à vasoconstrição das artérias coronárias, princi-palmente nas esclerosadas de menor calibre.21 O uso combinado com cigarro aumenta o efeito vasocons-tritor.22 O aumento da atividade plaquetária contribui para a formação de trombose coronariana.23

A droga começou a popularizar-se na Europa no final do século XIX. Sigmund Freud, um de seus usu-ários mais ilustres, publicou em 1884 o artigo de revi-são Über Coca, no qual conta suas experiências com o consumo da droga. Nesse mesmo ano, Karl Köller, oftalmologista austríaco que trabalhava no mesmo hospital de Freud, publicou os primeiros relatos de suas propriedades anestésicas.15 No início do século XX, o uso recreacional da cocaína difundiu-se e che-gou até a América do Norte. Logo, seus efeitos colate-rais devastadores começaram a ser notados. Em 1914, o uso da cocaína foi proibido na Europa e Estados Unidos. A proibição resultou em significativa redu-ção de seu consumo até meados da década de 70, quando a droga reapareceu, dessa vez na ilegalidade.

Na década de 80 a sociedade teve o contato ini-cial com o crack, utilizado por via inalatória. A poten-cialização do efeito da substância ativa, uma vez que esta atinge rapidamente a corrente sanguínea pela circulação pulmonar, associada ao seu baixo custo, fez com que o crack se difundisse rapidamente. Antes restrito aos usuários de baixa renda, hoje é utilizado por número cada vez mais alto de pessoas de todas as classes sociais.

FARMACOCINÉTICA

A cocaína é uma benzoilmetilecgonina, alcaloide extraído das folhas da coca (Erythroxylon coca). A ma-ceração das folhas misturadas a determinados produ-tos químicos produz uma pasta de natureza alcalina, denominada pasta-base de cocaína.16 O refino da pasta origina a cocaína em pó (cloridrato de cocaína), apre-sentação mais conhecida em nosso meio, que pode ser aspirada ou diluída em água para ser injetada.

O crack é a cocaína em sua forma de base livre.17 A cocaína possui vida-média plasmática entre 30 e 90 min.18 Quando inalada, atinge a circulação encefá-lica entre seis e oito segundos e, por via venosa, entre 12 e 16 segundos. Seu uso através da via nasal cau-sa intensa vasoconstrição, o que limita a absorção. Cerca de 80 a 90% da cocaína são metabolizados no plasma por hidrólise do radical éster, gerando o pri-meiro metabólito, ecgonina metil éster (meia-vida 3,5 a 6h), que sofre degradação para benzoilecgonina (meia-vida 5 a 8h), o principal metabólito urinário. Norcaide, outro metabólito, é produzido por desmeti-lação no fígado através do sistema citocromo P450.17 Embora a cocaína possa ser encontrada no sangue

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Anestesia no paciente usuário de crack e cocaína

observam-se crises importantes de broncoespasmo e exacerbação da asma em indivíduos predispostos.

Inalações sustentadas e prolongadas podem estar associadas à ocorrência de pneumotórax e pneu-momediastino.17 Alterações histológicas como hi-perplasia de células basais, metaplasia escamosa e desorganização celular e nuclear foram encontradas da mucosa bronquial em usuários de crack, princi-palmente quando associado ao tabagismo. A avalia-ção de macrófagos alveolares evidenciou reduzida capacidade de destruição bacteriana e de células tumorais.28 A forma inalada da cocaína induz, ainda, uma variedade de desordens pulmonares como he-morragia alveolar (presente na autópsia de 58% dos usuários de crack), edema agudo do pulmão e pneu-monite intersticial.29 Estudo prévio sugere que as he-morragias sucessivas associadas à permeabilidade capilar aumentada resultam numa elevação das con-centrações pulmonares de ferro, o que seria respon-sável pelas lesões encontradas em nível celular, tanto em macrófagos quanto em células epiteliais. Por fim, o uso contínuo da substância pode ocasionar lesão pulmonar crônica, evidenciada por reduzida capaci-dade de difusão alveolar.30-31

MANEJO ANESTÉSICO

Não existe uma técnica ótima para anestesiar um paciente usuário de crack ou cocaína, havendo riscos importantes, independentemente da técnica empregada.

A cocaína e seus alcaloides apresentam ação anti-colinérgica importante e os usuários cursam com re-dução no esvaziamento gástrico, lentificação do trân-sito intestinal e prolongamento do contato da mucosa gástrica com o conteúdo ácido contribuindo para do-ença cloridopéptica tão frequente nesses pacientes.32 A indução em sequência rápida é recomendável mes-mo com tempos de jejum adequados. É importante frisar que a cocaína compete com a succinilcolina na metabolização pela butirilcolinesterase, levando à di-minuição do metabolismo de ambas.33 A associação de dor torácica, hipertensão e taquicardia é muito frequente e é causada por grande aumento no débito cardíaco concomitante à vasoconstrição periférica e à estimulação simpática direta.34 A utilização isolada de beta-bloqueadores não é encorajada, pelo risco de crise hipertensiva secundária ao agonismo alfa isolado. Deve-se preferir, nos casos de hipertensão, a utilização de vasodilatadores como a nitroglicerina,

As manifestações clínicas dessas alterações são vistas como dor torácica/angina. Ocorrem geralmen-te na primeira hora após o uso em pacientes do sexo masculino, jovens, tabagistas e sem outros fatores de riscos.24 Dor de característica subesternal e em aper-to, acompanhada de dispneia e diaforese. Apesar de a dor ser o sintoma presente mais comum, a incidência de alterações das enzimas e marcadores de isquemia miocárdica é de apenas 6%.25 A etiologia da dor to-rácica permanece obscura na maioria dos pacientes.

A cocaína causa deterioração da função ventri-cular esquerda (VE). Agudamente leva à diminuição da força de contração e fração de ejeção e aumen-to na pressão diastólica final de VE, predispondo a edema agudo de pulmão.26 A médio e longo prazo está associada à hipertrofia do VE. Usuários tendem a desenvolver aterosclerose coronariana prematura, aumentando os riscos de isquemia miocárdica.

As alterações que podem ser encontradas no eletrocardiograma são de difícil interpretação, pois possuem baixa sensibilidade, menos de 36%, para diagnóstico de isquemia miocárdica. Devido aos efeitos diretos do bloqueio dos canais de sódio, podem-se encontrar taquicardia sinusal, bradicardia sinusal, taquicardia supraventricular, ritmo idioven-tricular acelerado, aumento do intervalo QT, taqui-cardia ventricular, Torsades de Pointes, fibrilação ventricular e assistolia.

O diagnóstico de dissecção aórtica deve ser sem-pre lembrado nos pacientes com dor torácica, devido aos altos índices de catecolaminas circulantes e hi-pertensão não tratada desses pacientes.

Usuários de cocaína intravenosa estão mais pre-dispostos a desenvolver endocardite, envolvendo as válvulas do lado esquerdo do coração, devido ao compartilhamento de seringas, baixas condições de higiene pessoal e efeito imunossupressor da droga.

APARELHO RESPIRATÓRIO

O uso regular de crack é responsável por altera-ções significativas na árvore traqueobrônquica e pa-rênquima pulmonar. A agressão térmica, inalação dos resíduos da combustão e a intensa vasoconstrição, as-sociadas ao efeito anestésico local, são os principais responsáveis pelos danos ao sistema respiratório.27 O efeito irritativo direto causa lesões nas células do epitélio brônquico, o que resulta na exposição e esti-mulação dos receptores vagais. Como consequência,

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Anestesia no paciente usuário de crack e cocaína

Anestesias regionais com elevadas doses de anesté-sicos locais podem levar a sérias complicações, como convulsões e parada cardíaca, uma vez que a cocaína apresenta efeito aditivo com esses anestésicos.

CONCLUSÃO

O anestesiologista deve conhecer as alterações fisiológicas causadas pela cocaína e crack, uma vez que é cada vez mais frequente a presença do pacien-te usuário dessas drogas no centro cirúrgico.

A cocaína exerce efeitos em diversos locais e por diversos mecanismos, tornando muito difícil a previ-são da interação com os diferentes medicamentos de ação centrais usados durante o procedimento anesté-sico. Qualquer tipo de procedimento anestésico traz elevados riscos e os anestesiologistas devem estar preparados para o correto manejo desses pacientes.

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A associação entre cocaína e crack e isquemia miocárdica é bem conhecida, embora seu diagnósti-co seja muitas vezes desafiador. O eletrocardiograma é anormal mesmo em pacientes sem isquemia. Os ní-veis de creatinofosfoquinase estão elevados, secun-dários ao aumento da atividade muscular e rabdo-miólise. A dosagem de troponinas é mais sensível e específica para o diagnóstico de infarto miocárdico.

A isquemia relaciona-se ao aumento do consumo de oxigênio associado à vasoconstrição coronariana por ação alfa-adrenérgica. O tratamento de escolha na isquemia miocárdica inclui suplementação de oxi-gênio, aspirina, nitroglicerina e benzodiazepínicos.35

A combinação frequente de álcool e alcaloides da cocaína leva à formação de um metabólito denomi-nado cocaetileno, que reduz a recaptação de dopa-mina, potencializando a ação da cocaína.

É frequente o surgimento de arritmias e distúrbios de condução cardíacos devido ao efeito simpaticomimético direto da cocaína, com aumento da irritabilidade ventri-cular e redução do limiar para fibrilação ventricular.35

A anestesia regional também cursa com complica-ções frequentes. Os pacientes apresentam-se com hi-povolemia relativa e não respondem adequadamente aos vasopressores de ação indireta. Também é descri-ta a trombocitopenia com uso de crack/cocaína.

Especula-se que a trombocitopenia ocorra pela ativação plaquetária contínua, por ação alfa-adrenér-gica, supressão medular e expressão de anticorpos antiplaquetários, entre outras causas.36

A intoxicação aguda por crack pode cursar tam-bém com convulsões secundárias à hipertermia. Ocorre alteração do centro termorregulador hipotalâ-mico.37-38 Existem também vários relatos de acidentes vasculares encefálicos, tanto isquêmicos quanto hemorrágicos. As convulsões muitas vezes não res-pondem à terapêutica tradicional com benzodiazepí-nicos, barbitúricos ou hidantoína, mas possuem boa resposta ao uso de agonistas alfa

2.A lesão do epitélio brônquico ocasionado tanto

pela ação irritante direta da cocaína como pela fuma-ça inalada leva ao aumento da frequência de bronco-espasmos importantes. Ocorre também redução da função de macrófagos alveolares e aumento do risco de infecções pulmonares.28 A toxicidade endotelial pode levar a edema agudo, por aumento da perme-abilidade capilar.39

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Hospital das Clínicas da UFMG

Belo Horizonte, MG – Brasil.

Autor correspondente:Walkíria Wingester Vilas Boas

E-mail: [email protected]

1 Médica Anestesiologista. Doutora em Fisiologia. Coordenadora da Residência Médica em Anestesiologia

do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 Médico-Residente de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A monitorização perioperatória da coagulação sanguínea é crítica para entender melhor as causas de hemorragia, guiar terapias hemostáticas e prever o risco de sangramento durante procedimento cirúrgico. Nosso entendimento de coagulopatia perioperatória, ferramentas diagnósticas e abordagens terapêuticas têm evoluído nos últimos anos. O re-centemente desenvolvido modelo celular da coagulação somado aos novos testes hemos-táticos viscoelásticos (TEG e ROTEM) e testes de função plaquetária realizados à beira do leito facilita o entendimento e mede a formação e resolução do coágulo no sangue total, possibilitando rápido diagnóstico e tratamento da coagulopatia perioperatória.

Palavras-chave: Coagulação Sanguínea; Monitoramento; Assistência Perioperatória, Substâncias Viscoelásticas; Tromboelastografia; Cirurgia Geral.

ABSTRACT

The perioperative blood coagulation monitoring is critical to better understand the causes of bleeding, guide hemostatic therapies, and predict the risk of bleeding during surgery. Our understandings of perioperative coagulopathy, diagnostic tools, and therapeutic approaches have evolved in recent years. The newly developed cell coagulation model combined with new hemostatic viscoelastic tests (TEG or ROTEM) and platelet function tests, carried out by the bedside, facilitates the understanding and measure of the formation and resolution of the clot in whole blood, enabling rapid diagnosis and treatment of perioperative coagulopathy.

Key words: Blood Coagulation; Monitoring; Perioperative Care; Viscoelastic Substances; Thrombelastography; General Surgery.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos o interesse na hemostasia e seu manejo no período perio-peratório tem se intensificado. A cascata da coagulação tem sido ampliada para uma representação da coagulação baseada também em células (plaquetas, su-bendotélio, endotélio)1-3 e tem havido grande interesse em entender não apenas uma única parte, mas o quadro geral do sistema de coagulação no período perio-peratório, com seus procoagulantes bem como anticoagulantes e os mecanismos de controle fibrinolítico.4

No período perioperatório, o paciente morre não apenas por hemorragia, mas também por eventos trombótico-tromboembólicos. É absolutamente crucial enten-der que o sistema de coagulação representa um delicado equilíbrio entre fatores pro e anticoagulantes.4 E não sendo esse equilíbrio firme ao longo de todo o período

Perioperative blood coagulation monitoring

Walkíria Wingester Vilas Boas1, Gustavo Henrique Silva de Oliveira2

Monitorização da coagulação sanguínea perioperatória

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S013

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Monitorização da coagulação sanguínea perioperatória

posição a hemoderivados. E, ainda, as evidências, até o momento, do uso da transfusão baseada na razão 1:1:1 não têm implicado melhoras consistentes no prognóstico dos pacientes com trauma.16,17

Ao lado dos produtos sanguíneos conhecidos (plasma fresco congelado, crioprecipitado e plaque-tas), novos produtos farmacêuticos pro e anticoagu-lantes, incluindo fibrinogênio, fator XIII, complexo protrombínico, fator VIIa recombinante, antifibrinolí-ticos e agentes para tratar hipercoagolubilidade têm sido introduzidos na prática clínica. Essas substân-cias podem ajudar o médico a tratar especificamente uma desordem de coagulação no período periope-ratório. A utilidade dessas substâncias, contudo, de-pende largamente de ferramentas de monitorização para caracterizar a desordem de coagulação subja-cente, assim determinando indicações, momento e dose específicos de administração.

Neste artigo, será revisada a fisiologia da hemos-tasia (base para a interpretação dos testes de coagu-lação) e discutidos aspectos práticos dos testes de coagulação realizados no laboratório, testes de coa-gulação viscoelásticos e outros realizados à beira do leito no diagnóstico de coagulopatia perioperatória.

FISIOLOGIA DA HEMOSTASIA

Hemostasia seria controle do sangramento sem a ocorrência de eventos trombóticos (quando o equi-líbrio entre as atividades procoagulantes, anticoagu-lantes, fibrinolíticas e antifibrinolíticas é alcançado). Consiste de múltiplas fases, envolvendo elementos celulares e humorais da coagulação.

Sua avaliação no período perioperatório, uma grande preocupação na prática clínica, tem múlti-plos objetivos: pesquisa de desordens hemorrágicas constitucionais ou adquiridas no pré-operatório, re-conhecimento de hemostasia comprometida no in-tra e pós-operatório e monitoramento do tratamen-to nessas circunstâncias.18

Os diversos passos da cascata de coagulação ci-tada nos livros textos descrevem a iniciação da coa-gulação como ela ocorre nos tubos de ensaio e são, assim, úteis para explicar como os testes de coagula-ção plasmática trabalham (Figura 1).

Em contraste, o modelo celular da coagulação, recentemente desenvolvido, torna possível entender melhor o processo de coagulação como ele ocorre in vivo4. A coagulação, de acordo com o modelo basea-

perioperatório, ambos os lados, o pro e o anticoa-gulante, devem ser repetidamente avaliados durante grandes cirurgias ou trauma e podem requerer trata-mento específico para cuidado ótimo, dependendo da condição do paciente.

Tratamento de sangramento maciço no período perioperatório ainda permanece como um desafio para o anestesiologista. O sangramento periopera-tório frequentemente é multifatorial.5,6 Ao lado de distúrbios nas condições fisiológicas básicas para a hemostasia (pH, Ca, temperatura e hematócrito), podem ocorrer distúrbios na hemostasia primária (plaquetas), anormalidades do plasma sanguíneo (déficit isolada ou global de fatores de coagulação) e coagulopatias complexas (CID e hiperfibrinólise).5

Coagulopatias perioperatórias podem necessitar de transfusão sanguínea, hoje considerada fator de ris-co independente para mortalidade perioperatória.7 Apesar da relativa segurança dos hemoderivados em relação ao risco de transmissão viral nos últimos anos8, minimizar a exposição é importante porque transfusão de hemácias, de plasma e seus produ-tos tem sido implicada em eventos adversos graves como infecções nosocomiais, lesão pulmonar agu-da e disfunção orgânica.4,8,9 O uso de protocolos de transfusão padronizados, para sangramento perio-peratório, repetidamente10,11 tem mostrado redução da necessidade de transfusão de hemoderivados. Entretanto, para construir um protocolo de interven-ções hemostáticas clinicamente útil é necessária a disponibilidade de testes de coagulação em tempo real, particularmente em casos de sangramento gra-ve. O tempo da coleta até a disponibilidade do re-sultado de testes feitos no laboratório é, em média, 30-90 minutos, considerado muito longo para casos de sangramento grave.6,8 Esse alargado tempo para o diagnóstico pode afetar não apenas o tempo da intervenção hemostática, mas a sua eficácia, já que a coagulação nesses casos é bastante dinâmica no tempo. Alternativamente, nessa situação de sangra-mento grave em andamento, a transfusão baseada em razão (1:1:1 razão de papa de hemácias, plasma fresco e plaquetas) tem sido usada em grandes cen-tros de trauma.12 Embora esse tipo de abordagem reduza a infusão maciça de cristaloide/coloide, evi-tando sobrecarga de volume e coagulopatia dilucio-nal13-16, falta um objetivo específico para a reposição, é ignorada a variabilidade individual nos níveis de fatores de coagulação e resposta vascular (endote-lial) e provavelmente ele não minimiza riscos de ex-

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a. fase da iniciação1-3: classicamente referi-da como a via extrínseca da coagulação, inicia quando ocorre a lesão vascular e quando células subendoteliais, como as musculares lisas e fibro-brastos, se tornam expostos ao sangue. Essas células expõem o iniciador chave da cascata da coagulação, TF (fator tecidual), o qual se liga ao FVII (fator sete). Por agir como cofator para FVII, o TF promove a ativação para FVIIa. O complexo TF/FVIIa quebra FIX (fator nove) e FX (fator 10) para FIXa e FXa, respectivamente. Isso permite FXa associar-se ao cofator FVa (fator cinco ativa-do) para formar um complexo protrombinase nas células que expressam TF, o qual serve para con-verter protrombina (FII) em trombina (Figura 2).

Com a exposição do colágeno subendotelial iniciam-se também a adesão, ativação e agrega-ção inicial das plaquetas no local lesado. Esse passo é facilitado pela atividade de ponte do fator vWF, a ligação do fibrinogênio aos receptores de glicoproteína (GPIIb/IIIa) das plaquetas e a peque-na quantidade de trombina gerada na fase de ini-ciação da coagulação4. Ativação das plaquetas é causada pela ligação de agonistas (ex: trombina, tromboxane A2, ADP, colágeno, AC – aracdônico) a receptores específicos delas. E uma vez ativa-das, outras plaquetas chegam e aderem a estas já aderidas à parede lesada (agregação).

do em célula, é descrito nas fases de iniciação, ampli-ficação e propagação1-3, com a participação de todos os componentes plasmáticos circulantes e celulares. A geração de trombina é central para o desenvolvi-mento e força do coágulo. Ela ocorre na superfície de plaquetas ativadas e, portanto, plaquetas e geração de trombina estão intimamente relacionadas ao de-senvolvimento de coagulopatias19 (Figura 2).

Figura 1 - Cascata da coagulação e sua correlação com tes-tes de coagulação plasmáticos.PT = tempo de protrombina;aPTT = tempo de tromboplastina parcial.Em algarismo romano os fatores de coagulação na forma não ativada e ativada(a).

Figura 2 - Modelo da coagulação baseado em células.Fonte: Versteeg et al.2

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sensível a deficiências dentro da via final comum (FV, FX, FII e fibrinogênio).21 Os resultados de PT para amostras de paciente idêntico podem variar com o laboratório. Essa variabilidade dos resul-tados pode significar sensibilidades diferentes entre as tromboplastinas usadas. E para resolver essa variação entre os laboratórios, a razão inter-nacional normalizada (RNI) foi introduzida. A RNI é uma conversão matemática de um PT do paciente, que leva em conta a sensibilidade da tromboplastina usada em um dado laboratório, pelo índice de sensibilidade internacional forne-cido pelo fabricante.21

■ tempo de tromboplastina parcial ativada (aPTT): é a medida da integridade das vias intrínseca e final comum da cascata de coagulação.21 Foi desenvolvi-do para monitorar a heparinização no tratamento de desordens tromboembólicas e pesquisa na he-mofilia.20 Representa o tempo, em segundos, para o plasma do paciente coagular após a adição de tromboplastinas parciais, cálcio e kaolin a 37ºC em um pH pardonizado.20 O aPTT é sensível aos fatores de coagulação VIII, IX, XI, XII, V, II e I; heparina; pro-dutos de degradação do fibrinogênio; inibidores, hipotermia; e hipofibrinogenemia.20

Certas variáveis pré-teste podem causar pro-longamento do PT ou aPTT (ou ambos), que seria artefato. Quando o hematócrito é alto, o volume de plasma coletado é proporcionalmete reduzido e o volume de anticoagulante aumentado (efeito diluição). Como resultado, a disponibilidade de cálcio adicionado ao ensaio está reduzida, re-sultando num prolongamento artificial do tempo de coagulação. Problemas semelhantes podem ocorrer quando o volume de sangue coletado é menor que o recomendado.21

A maioria dos instrumentos do laboratório detec-ta a formação do coágulo com um sistema fotóptico de detecção que informa alterações na transmissão de luz. Portanto, plasmas mais turvos (ausência de jejum, amostras lipêmicas, amostras ictéricas ou he-molisadas) levam a resultados artificiais.20

Em caso de um PT/aPTT prolongado, se o paciente não está recebendo anticoagulantes e não é portador de doença sistêmica (ex: doen-ça hepática), um estudo de mistura do plasma do paciente com plasma normal (1:1) seguido da realização de novo PT e aPTT pode ajudar a esclarecer os fatos. Este estudo diferencia entre deficiência de fatores da coagulação e presença

b. fase da amplificação: a quantidade de trom-bina, lentamente acumulando, ativa as plaquetas que aderiram ao local de lesão (como descrito anteriormente). Paralelamente, trombina conver-te FV derivado das plaquetas em FVa, assim am-pliando a atividade protrombinase, e convertem FVIII em FVIIIa, o qual age como cofator para FIXa na superfície das plaquetas ativadas para suportar a geração de FXa. Em adição, trombina converte FXI em FXIa.2 (Figura 2).

De acordo com esse modelo biológico celular da coagulação, a via intrínseca FXI-FXII apenas serve como uma amplificação da alça iniciada pela via extrínseca do FT. Entretanto, diversas evi-dências já revelam que, desta forma, o papel da via intrínseca está subestimado.2

c. fase da propagação: ocorre nas superfícies contendo fosfolípides procoagulantes, tais como as plaquetas ativadas. FXI ativado converte FIX em FIXa, o qual se associa ao FVIIIa. O comple-xo tenase de FIXa/FVIIIa catalisa a conversão de FX em FXa, depois do que o complexo FXa/FVa produz suficientes quantidades de trombina para extensivamente formar fibras de fibrina.2 Como passo final, a transglutaminase plasmática FXIIIa ativada pela trombina catalisa a formação de liga-ções covalentes entre cadeias de fibrina adjacen-tes para alcançar um coágulo de fibrina polimeri-zado elástico2 (Figura 2).

TESTES LABORATORIAIS CONVENCIONAIS DA COAGULAÇÃO

Embora esses testes não tenham sido desenvolvi-dos para prever sangramento ou guiar a condução de distúrbios de coagulação de pacientes cirúrgicos, a maioria dos hospitais na prática clínica coleta san-gue no perioperatório para os seguintes testes de co-agulação convencionais20:

■ tempo de protrombina (PT): é a medida da inte-gridade das vias extrínseca e comum da cascata da coagulação.21 Foi desenvolvido para monitorar e ajustar doses de cumarínicos.20 É realizado por incubar o plasma do paciente com tromboplasti-na tecidual e cálcio a 37ºC em um pH padroniza-do. Representa o tempo, em segundos, até a for-mação da fibrina.20 Em geral, o PT é mais sensível a deficiências do FVII na via extrínseca e menos

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espera pelo resultado do exame, antes de estarem prontos à beira do leito.8 A contagem de plaquetas é puramente quantitativa e não pode detectar dis-função plaquetária preexistente, induzida por dro-gas ou adquirida perioperativamente.5 Esses testes têm uso limitado para previsão, detecção e moni-toramento de tratamento das coagulopatias perio-peratórias5. São pobres preditores de mortalidade e sangramento cirúrgicos, exceto quando muito alte-rados.20 Permanecem ainda em uso, no sangramen-to e coagulopatia perioperatória, devido à tradição, mais que por evidência.20

Algumas dessas limitações dos testes convencio-nais de coagulação podem ser resolvidas pelo uso de testes viscoelásticos da coagulação e teste de agrega-ção plaquetária em sangue total.5,23

TESTES VISCOELÁSTICOS

Tromboelastografia (TEG), tromboelastometria (ROTEM) e analisador Sonoclot são os mais co-muns mecanismos de teste viscoeláticos disponíveis atualmente.24 A formação do coágulo é avaliada no sangue total, por medir o desenvolvimento da força viscoelástica entre o copo e o pino imerso no sangue total (Figura 3).25

A tecnologia dos testes viscoelásticos resulta em um perfil visual (traçado) e variáveis com valores de referências19 (Figura 4, Tabelas 1 e 2).

de inibidores da coagulação. Se o PT/aPTT não corrige para faixa normal com a adição de plas-ma normal, implica a existência de inibidores da coagulação (medicações, inibidores contra fa-tores específicos e inibidores inespecíficos (ex: anticoagulantes do lúpus).20

■ concentração de fibrinogênio: pode ser medida a partir de vários métodos, mas o mais comum é o de Clauss.22 Nesse método, a trombina é adi-cionada ao plasma diluído do paciente e a con-centração de fibrinogênio será inversamente pro-porcional ao tempo de coagulação medido.20,22 Concentração de fibrinogênio pelo método de Clauss pode ser falsamente alto na presença de soluções coloides, especialmente o HES.20

■ contagem de plaquetas: é rotineiramente rea-lizada por máquinas automáticas. O número de plaquetas, contudo, não reflete a qualidade da função das plaquetas.20

Limitações dos testes laboratoriais convencionais no perioperatório

Esses testes são realizados no plasma isolado (PT, aPTT e fibrinogênio) ou em sangue total an-ticoagulado (contagem de plaquetas).23 Os testes realizados no plasma são feitos à temperatura pa-dronizada de 37ºC (impede a detecção de coagu-lopatias induzidas pela hipotermia), sem adição de plaquetas ou outras células sanguíneas. Como a resposta hemostática à lesão ou cirurgia é uma complexa interação de proteínas plasmáticas, pla-quetas e parede do vaso, de acordo com o atual e bem-aceito modelo de hemostasia baseado em cé-lulas, ela não pode ser determinada pelos testes re-alizados no plasma.20 Refletem apenas a formação inicial da trombina no plasma, com pouca ou ne-nhuma informação quantitativa da trombina18 e não são afetados por qualquer elemento corpuscular no sangue. Não oferecem qualquer informação sobre a estabilidade do coágulo no tempo: nada dizem sobre fibrinólise ou deficiência de fator XIII.5,17,19 O tempo entre a coleta da amostra e o resultado, em caso de sangramento perioperatório grave, é muito longo (30-90 min), dificultando um diagnóstico e terapia hemostática a tempo.8 Também, o preparo de alguns hemoderivados tais como plasma e crio-precipitado requerem 30-60 min além do tempo de

Figura 3 - Diferenças entre o os testes viscoelásticos TEG e ROTEM. A =TEG; B = ROTEM. Fonte: Bolliger et al.25

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com receptores GPIIb/IIIa das plaquetas ativadas.8,23 Em caso de fibrinólise sistêmica, a degradação precoce do coágulo pela plasmina pode ser observada.8,23 ROTEM e TEG oferecem tipos semelhantes de testes e incluem medidas de coagulação estreitamente relacionadas, mas esses dois sistemas não são intercambiáveis, por causa de diferentes tipos e concentrações de reagen-tes e amostras sanguíneas diferentes (sangue citratado recalcificado – ROTEM e sangue total fresco – TEG)8,23

(Figura 4, Tabelas 1 e 2). Resumidamente, a amostra de sangue total coletada é colocada num copo especial. Dentro do copo é suspenso um pino conectado a um sis-tema detector. O copo e o pino oscilam um em relação ao outro. Assim que cadeias de fibrina se formam entre o copo e o pino, a ligação entre eles é transmitida e de-tectada e um traçado é gerado, como visto na Figura 4.19

Existem algumas diferenças no princípio de tra-balho do TEG e ROTEM.24,25 No TEG, o copo com a amostra de sangue está em rotação, enquanto a alça de torção é fixa. No ROTEM, o copo é fixo, enquanto o pino está em rotação. Mudanças no torque são detec-tadas eletromecanicamente no TEG e opticamente no ROTEM. O sinal processado pelo computador é final-mente apresentado como um traçado24,25 (Figura 3). Os valores normais das variáveis dos testes viscoeláticos podem variar com o tipo de população específica (ex: adultos ou crianças, etnia e tipos de doença).23,25 Nos pacientes adultos há correlação positiva entre firmeza máxima do coágulo e aumento de idade, enquanto o tempo de formação do coágulo encurta em pacientes idosos.25 Existem também diferenças entre os sexos, a firmeza máxima do coágulo é maior nas mulheres (provavelmente por causa do hematócrito mais bai-xo).25 Anemia também aumenta a firmeza máxima do coágulo (atribuído a questões metodológicas mais que a um estado hipercoagulável).25 Neonatos têm tempo de coagulação encurtado, apesar de PT prolongado (pode ser atribuído a baixos níveis de antitrombina).25

Medem e mostram graficamente, em tempo real, as mudanças na viscoelasticidade durante todos os está-gios de desenvolvimento e resolução do coágulo24. E com o uso de ativadores, promovem os primeiros re-sultados dentro de 5-10 minutos.8 O sinal viscoelástico é altamente dependente da geração de trombina endó-gena, polimerização de fibrina e interação da fibrina

Figura 4 - Traçado dos testes viscoelásticos TEG e ROTEM. CT: tempo de coagulação; CFT: tempo de formação do coágulo; MCF: força máxima do coágulo; MA: amplitude máxima; LY: lise; CL: lise do coágulo.Fonte: Bolliger et al.25

Tabela 1 - Termos (variáveis) usados para TEG e ROTEM

TEG ROTEM

Período para 2 mm de amplitude Tempo R CT

Período de 2 até 20 mm de amplitude Tempo K CFT

Ângulo α A (Inclinação entre R e K)

A (ângulo na tangente de 2 mm de amplitude)

Força máxima do coágulo MA MCF

Amplitude (em determinado tempo, em min) A30, A60 A5, A10, A15, A20,

A30

Lise máxima – ML

Lise do coágulo (CL) após 30 e 60 min CL30, CL60 LY30, LY60

CT: tempo de coagulação; CFT: tempo de formação do coágulo; MA: amplitude máxima; ML: lise máxima; CL: lise do coágulo.Fonte: Bolliger et al.25

Tabela 2 - Valores de Referência para os testes básicos do ROTEM e TEG

Teste (ativador) CT-ROTEM R-TEG (s)

CFT-ROTEMK-TEG (s) Ângulo α (º) MCF-ROTEM

MA-TEG (mm)Lise % de MA-TEG

% MCF-ROTEM

ROTEM EXTEM(TF) 35-80 35-160 63-81 53- 72 <15

INTEM (ácido elágico) 100-240 35-110 71-83 50-72 <15

FIBTEM (TF +citocalasina D) 9-25

NATEM 300-1000 150-700 30-70 40-65 <15

TEG RapidTEG (Kaolin+TF) 86-118 34-138 68-82 52-71 <15

KaoTEG 180-480 60-180 55-78 51-69 <15

Nativo (Kaolin) 240-480 60-240 47-74 55-73 <15

Fonte: Tanaka et al.23

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paciente e também sobre a resolução do coágulo. O equilíbrio entre coagulação e anticoagulação e fibri-nólise e antifibrinólise fica demonstrado nos testes vis-coelásticos, facilitando as intervenções terapêuticas necessárias (Figura 6).

Os testes convencionais baseados no plasma (PT, aPTT, fibrinogênio) avaliam unicamente a ativação plas-mática sem os componentes celulares do sangue total e não refletem a fisiologia da geração de trombina baseada em células.19 Nos testes viscoelásticos, existe íntima as-sociação entre geração de trombina e o perfil de amplifi-cação e propagação, fornecendo evidência de que testes viscoelásticos são capazes de detectar coagulopatias se-cundárias à geração reduzida de trombina.19 Testes visco-elásticos também podem diferenciar entre nível e função reduzidos do fibrinogênio e reduzida função plaquetária como causa de força reduzida do coágulo (ex: Figura 7).

Podem ser realizados na temperatura do paciente, o que os torna mais sensíveis na detecção de coagulo-patias devidas à hipotermia17 e com volume de sangue menor (1-5 mL) que o gasto numa bateria de exames convencionais5. E é o único teste hemostático clínico prontamente disponível que permite avaliação rápida de fibrinólise sistêmica19,23, importante causa de sangramen-to perioperatório. A hiperfibrinólise é suspeitada quando a redução da amplitude em uma hora é superior a 15% da MA/MCF no TEG/ROTEM23.

Os testes de coagulação-padrão, comercialmente disponíveis no TEG e ROTEM, são KaoTEG (usa kaolin como ativador), RapidTEG (usa Kaolin e fator tecidual como ativadores) no TEG; e EXTEM (usa fator tecidual como ativador) e INTEM (usa kaolin como ativador) no ROTEM. Diversos outros testes específicos são disponí-veis em ambas as tecnologias.19,24,25 HepTEG monitoriza coagolubilidade sanguínea na presença de heparina, TEG-PM (mapeamento plaquetário) avalia a extensão da inibição plaquetária pela aspirina e clopidogrel e fibrinogênio funcional avalia a contribuição do fibrino-gênio para a força do coágulo no TEG. Já no ROTEM: FIBTEM, a partir da adição de um antiplaquetário no copo, avalia a contribuição do fibrinogênio para a for-ça do coágulo; APTEM, pela adição de aprotinina no copo, avalia a via fibrinolítica; HEPTEM, por meio da adição de heparinase, avalia a existência de heparina. Os reagentes para EXTEM, FIBTEM e APTEM para o ROTEM contêm hexadimetrina, a qual neutraliza a heparina.23 Os testes de coagulação sem ativação são Nativo e NATEM no TEG e ROTEM, respectivamente.24

A correlação entre a formação do coágulo (mode-lo baseado em células) e sua resolução (fibrinólise) com o traçado e variáveis dos testes viscoelásticos pode ser vista na Figura 5.

Os testes viscoelásticos fornecem informações amplas e rápidas sobre a coagulação sanguínea do

Figura 5 - Correlação entre testes viscoelásticos e modelo celular de coagulação.

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Além da argumentação fisiológica para o uso dos testes viscoelásticos na monitorização perioperatória da coagulação, em cirurgias de grande porte e trau-ma existem também evidências clínicas suportando esse uso.19 Mais de 30 estudos clínicos, primariamente avaliando pacientes submetidos a cirurgias hepáticas e cardíacas de grande porte, trauma e outros tipos de pacientes com sangramento maciço, têm mostrado que a terapia de transfusão baseada nos testes visco-elásticos está associada à redução de sangramento e hemotranfusão19,23,26 e possivelmente também com menos incidência de reoperação e mortalidade, com-parada com pacientes tratados de acordo com exa-mes de coagulação tradicionais baseados no plas-ma.19 O uso sistemático de testes viscoelásticos para monitorar e guiar a terapia de transfusão tem sido ado-tado por diversas diretrizes recentes e livros textos.19

O custo total do teste viscoelástico e teste funcional plaquetário (reagentes, tubos, soluções, manutenção e mecanismos) é em torno de 2,5-3,5 vezes uma bateria de testes convencionais (PT, aPTT, fibrinogênio e pla-quetas).5 Esses custos aumentados, no entanto, podem ser compensados pelo mais baixo custo de um regime de transfusão mais racional e eficiente baseados em protocolos de transfusão que usam testes viscoelásti-cos e de função plaquetária à beira do leito.5

A função plaquetária refletida no TEG e ROTEM é diferente da dos dispositivos específicos para ava-liação da função plaquetária, porque a formação do coágulo, no teste viscoelástico, envolve a ativação plaquetária que é mediada pela trombina, a qual leva à expressão de GPIIb/IIIa8. Ambas, contagem plaquetária e função GPIIb/IIIa, são refletidas no Ka-oTEG/RapidTEG e EXTEM/INTEM no ROTEM, mas adesão e agregação plaquetária iniciais não podem ser avaliadas nesses testes.8 O ensaio específico MT (mapeamento plaquetário) disponível no TEG conse-gue monitorar as respostas terapêuticas da inibição de agregação plaquetária pela aspirina e clopido-grel.8,25 O diagnóstico de doença de Von Willebrand e disfunção plaquetária relacionada à deficiência de receptor plaquetário GPIb não é possível no TEG e ROTEM atuais.8,25

Figura 6 - Traçados de ROTEM.Fonte: Tanaka KA, et al.23

Figura 7 - ROTEM de paciente submetido a bypass cardio-pulmonar (sobreposição de EXTEM e FIBTEM).A - Traçado do Rotem de base; B - Após grave diluição du-rante bypass cardiopulmonar; C - Após administração de crioprecipitado; PLT = plaquetas; FIB = fibrinogênio; HCT = hematócrito. Fonte: Bolliger et al.25

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HEPTEM indicaram que apenas um dos 16 pacien-tes tinha necessidade de protamina adicional. O uso excessivo de protamina pode, por exemplo, alterar a função plaquetária dos pacientes. Com o uso do IN-TEM/HEPTEM seria fácil confirmar a atividade de he-parina residual à beira do leito e evitar administração excessiva de protamina.8

CONCLUSÕES

O sangramento perioperatório é uma causa de morte. A causa é frequentemente multifatorial e pede diagnóstico e intervenção rápidos. Nosso entendi-mento de hemostasia tem evoluído nos últimos anos e tem sido enfatizado que sua monitorização deve ser realizada de acordo com o modelo celular da coagu-lação. Os testes de coagulação tradicionais realiza-dos no laboratório avaliam apenas a ativação plasmá-tica, sem os componentes celulares do sangue total, e o tempo de espera para se obter o resultado é acima do ideal para uma intervenção terapêutica específica a tempo. Já os testes viscoelásticos, à beira do leito, como TEG e ROTEM, medem no sangue total a forma-ção e quebra do coágulo, permitindo identificação e tratamento rápidos da coagulopatia. Testes de função plaquetária (agregômetros), também à beira do leito, complementam as informações dos testes viscoelás-ticos em relação à participação plaquetária na for-mação do coágulo. Apesar de certas limitações, que devem estar em mente, esses testes de coagulação à beira do leito têm significativo papel ao testar vários aspectos da hemostasia rapidamente e em detalhes. A implementação deles em algoritmos de tratamento hemostático reduz taxas de transfusão sanguínea e possivelmente melhora prognóstico.

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TESTES DE FUNÇÃO PLAQUETÁRIA

A contagem plaquetária por si só não fornece in-formação sobre a função plaquetária. Os testes de função plaquetária tradicionalmente têm sido rea-lizados por técnicos de laboratório especializados usando agregometria em plasma rico em plaquetas. Mais recentemente, no entanto, diversos mecanismos de monitoramento da função plaquetária têm se tor-nado disponíveis e fáceis de usar a beira do leito.8 A forma como esses dispositivos de avaliação da função plaquetária trabalham é variável, assim como os de-feitos ou inibições plaquetárias específicos que eles detectam.8 A agregometria de sangue total que tra-balha com mudanças de impedância, por exemplo, pode ser usada para monitorar os efeitos das drogas antiplaquetárias, bem como da desmopressina, áci-do tranexâmico e transfusão de plaquetas, na função plaquetária.9,20 Também é capaz de detectar a disfun-ção plaquetária devido ao bypass cardiopulmonar.9,20 O tempo para leitura da amostra é inferior a seis mi-nutos.20 Portanto, agregometria por impedância de sangue total idealmente complementa a tromboelas-tometria na monitorização da coagulação sanguínea perioperatória, particularmente na cirurgia cardíaca.9

MONITORIZAÇÃO DA HEPARINA INTRAOPERATÓRIA

No período perioperatório, o tempo de coagula-ção ativado (ACT) é o teste à beira do leito preferi-do para detectar heparina no sangue total.8 Contu-do, as correlações entre valores de ACT e níveis de heparina são fracos.8 Os valores de referências são pobremente padronizados e dependentes do ativa-dor usado (kolin, celite).20 ACT não é sensível o su-ficiente para monitorar baixas doses de heparina, usadas, por exemplo, para proteção de anastomoses vasculares difíceis.20 Após cirurgia cardíaca, protami-na é administrada para neutralizar heparina, mas a administração empírica de protamina usando o ACT frequentemente resulta em dose excessiva de prota-mina.8 INTEM e HEPTEM, testes do ROTEM, também têm sido usados para detectar heparina residual no sangue total. Em estudo observacional27 de 22 pa-cientes submetidos à revascularização do miocárdio, 16 (72,7%) receberam protamina adicional baseado no ACT ou impressão clínica. Medidas de INTEM/

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:CET Hospital Luxemburgo

Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Gisela Magnus

E-mail: [email protected]

1 Médica especializanda em Anestesiologia do Hospital Luxemburgo. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 Médica Anestesiologista. Título Superior em Anestesio-logia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.

Instrutora da residência médica em Anestesiologia do Hospital Luxemburgo. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

O número de pacientes em uso de fármacos anticoagulantes ou que alteram a hemosta-sia tem aumentado em virtude da maior expectativa de vida da população, do advento de medicamentos mais seguros e do aumento na prevalência de doenças cardiovascu-lares. A anestesia por bloqueio do neuroeixo quando realizada nesses pacientes traz o risco de sangramento e hematoma espinhal. Apesar da incidência estimada de compli-cações hemorrágicas associadas a bloqueios neuroaxiais ser baixa, além de imprecisa, a gravidade de suas consequências torna imperativo o desenvolvimento de estratégias que aumentem a segurança no procedimento anestésico desses pacientes. Entretanto, as recomendações baseadas em evidências são fracas, pois se baseiam principalmente em relatos de casos, pequenos estudos e farmacocinética das drogas. Neste artigo, revisa-mos a literatura sobre técnicas neuroaxiais realizadas em pacientes em uso de drogas anticoagulantes e/ou que alteram a hemostasia, com o objetivo de auxiliar o anestesiolo-gista no manejo mais seguro e de qualidade para os pacientes.

Palavras-chave: Anestesia por Condução; Raqueanestesia; Anticoagulantes, Inibidores da Agregação de Plaquetas; Hematoma Epidural Espinal.

ABSTRACT

The number of patients using anticoagulants or drugs that alter hemostasis has increased because of increased life expectancy, advent of safer medicines, and increased prevalence of cardiovascular diseases. In these patients, anesthesia by neuraxial blockade brings the risk of bleeding and spinal hematoma. Despite the estimated incidence of hemorrhagic complications associated with neur-axial blockade being low and inaccurate, the gravity of its consequences makes the development of strategies that increase the safety in the anesthetic procedures in these patients imperative. However, evidence-based recommendations are weak because they are based primarily on case reports, small studies, and drugs pharmacokinetics. In this article, we reviewed the literature on neuraxial techniques performed in patients using anticoagulant drugs, and/or those that alter hemostasis, with the objective of assisting the anesthesiologist to improve the quality and safety in these patients’ management.

Key words: Anesthesia, Conduction; Anesthesia, Spinal; Anesthesia, Epidural; Anticoagulants; Platelet Aggregation Inhibitors; Hematoma, Epidural, Spinal.

INTRODUÇÃO

O bloqueio neuroaxial é rotineiramente utilizado para anestesia cirúrgica e anal-gesia pós-operatória. Essa modalidade anestésica apresenta vantagens sobre outras técnicas, entre elas: analgesia eficaz; redução do sangramento perioperatório; redu-ção da necessidade de transfusão sanguínea; e redução da incidência da oclusão de enxertos.1 As complicações hemorrágicas após bloqueios neuroaxiais são pouco

Anticoagulants and neuraxial blockade

Estefânia Furtado Rocha1, Gabriela Ferreira Duarte1, Marcela Morais Afonso Cruz1, Gisela Magnus2

Anticoagulantes e bloqueios do neuroeixo

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S014

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Anticoagulantes e bloqueios do neuroeixo

queios neuroaxiais, as recomendações não se ba-seiam em estudos prospectivos randomizados, mas em opiniões de especialistas e relatos de casos.15 A recomendação adotada pela maioria das socieda-des tem sido estabelecer um intervalo de tempo, entre a interrupção da medicação e o bloqueio do neuroeixo, de duas vezes a meia-vida de eliminação do fármaco.16

HEPARINA NÃO FRACIONADA

Usada para tratamento de trombose venosa pro-funda (TVP), para profilaxia antitrombótica, em cir-culação extracorpórea para cirurgia cardíaca e em cirurgia vascular.2 Em dose terapêutica, a anticoagu-lação é monitorada com tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa). Sua anticoagulação pode ser revertida com protamina; 1 mg de heparina (protami-na) neutraliza 100 UI de heparina. Doses para profila-xia de TVP geralmente não alteram o TTPA.4

O uso de doses profiláticas (duas doses diárias de 5.000 UI) não contraindica a realização de bloqueio do neuroeixo.1,2 Em decorrência do risco de trombo-citopenia induzida pela heparina em pacientes que usam HNF por mais de quatro dias, a contagem de plaquetas deve ser realizada nesses pacientes antes do bloqueio de neuroeixo e da remoção do cateter.1,15

O intervalo entre a administração de HNF e o blo-queio de neuroeixo ou remoção de cateter peridural deve ser de 4-6 horas.15 A próxima dose de HNF profi-lática deve ser realizada no mínimo uma hora após a anestesia ou a remoção do cateter.2

A heparinização intraoperatória não representa necessariamente uma contraindicação para blo-queio do neuroeixo15. No entanto, algumas recomen-dações são sugeridas. Deve-se aguardar intervalo de no mínimo uma hora entre a punção/colocação de cateter e a heparinização. O bloqueio não deve ser realizado se o paciente estiver em uso de anticoa-gulantes ou apresentar coagulopatias. É necessário aguardar intervalo de quatro horas entre a dose de heparina e a retirada do cateter. Após a remoção do cateter, aguardar uma hora para nova dose de HNF.1,15

Pacientes em uso de doses terapêuticas devem apresentar valores normais de TTPa ou TCP (tempo de coagulação ativado) antes da punção ou remoção do cateter. Esses pacientes devem ter a droga suspen-sa por no mínimo quatro horas antes do bloqueio neuroaxial ou remoção do cateter.2

frequentes, mas implicam consequências desastro-sas. O hematoma espinhal (HEP), definido como san-gramento no interior do neuroeixo, é um evento raro, porém catastrófico, que pode ocorrer como compli-cação hemorrágica mais grave associada à anestesia subaracnóidea ou peridural.1 O sangramento dentro do canal medular pode resultar em dano neurológi-co irreversível com paraplegia.2 A real incidência de disfunções neurológicas advindas de complicações hemorrágicas associadas a bloqueios do neuroeixo é desconhecida.1,3 Em revisão da literatura, TRYBA4 estimou a incidência 1:150.000 anestesias peridurais e 1:222.000 em anestesias subaracnóideas.3,4

O sangramento no canal medular origina rapi-damente uma mielopatia compressiva. O desenvol-vimento de coágulo e a reação inflamatória com-prometem o fluxo sanguíneo da medula e raízes nervosas espinhais, com consequente isquemia e lesão nervosa. O HEP manifesta-se inicialmente por regressão incompleta ou ausente do bloqueio motor ou sensitivo; retorno de déficit sensitivo ou motor após regressão completa; dor na região do dorso e retenção urinária.2,5 O HEP é uma emergência neu-rocirúrgica que demanda intervenção imediata. A descompressão cirúrgica precoce (6-12 horas após o desenvolvimento dos primeiros sintomas) está di-retamente relacionada ao prognóstico da lesão neu-rológica.6-8 Dessa forma, frente à suspeita de HEP, o paciente deve ser submetido à ressonância nuclear magnética, considerada o exame padrão-ouro para diagnóstico e acompanhamento ou, na indisponibi-lidade desta, realizar tomografia computadorizada.2

A causa mais comum de HEP é a espontânea, seguida de complicação hemorrágica de bloqueio neuroaxial e em terceiro lugar secundário às mal-formações vasculares.2 Os fatores de risco associa-dos ao HEP estão relacionados à idade do paciente (mais frequente em idosos); sexo feminino; coagu-lopatias; trombocitopenias; alterações da anatomia espinhal; múltiplas tentativas de punção neuroa-xial; sangue no cateter epidural durante sua inser-ção ou remoção; uso de drogas anticoagulantes, antiplaquetárias ou fibrinolíticas; e uso de terapia anticoagulante/antiplaquetária dupla.1-3,6,9-14 Em re-lação ao HEP associado a bloqueios neuroaxiais, a inserção de cateter peridural está em primeiro lugar, seguida da punção peridural simples e, por último, a punção subaracnóidea.2

Em decorrência do reduzido número de casos relatados referentes a hematoma espinhal após blo-

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Anticoagulantes e bloqueios do neuroeixo

ANTAGONISTAS DA VITAMINA K (ACENOCOUMAROL, FLUINDIONA, FENPROCOUMON, VARFARINA)

Anticoagulação terapêutica com cumarínicos representa contraindicação absoluta para bloqueio neuroaxial.15 O uso concomitante de medicamentos que afetam outros mecanismos de coagulação, como AINES, ticlopina e clopidogrel, aumenta o risco de complicações hemorrágicas nos pacientes em uso de anticoagulantes orais.1,2

Antes do bloqueio, a terapia anticoagulante deve ser interrompida por 4-5 dias e o retorno da coagu-lação normal deve ser verificado usando-se o índice normalizado internacional (RNI).1,2,15 RNI de 1,5 está re-lacionado à atividade do fator VII de 40%. Dessa forma, para pacientes que estão recebendo analgesia peridu-ral e que foi iniciada a terapia profilática com varfarina no pós-operatório, é recomendado pela ASRA que a remoção do cateter seja feita apenas após valores in-feriores a 1,5 de RNI.1,2 Esses pacientes devem ser ava-liados por testes neurológicos de função sensorial e motora rotineiramente durante a analgesia peridural.1

AGENTES ANTIPLAQUETÁRIOS

Pertencem a esse grupo: AINEs, tienopiridínico (ti-clopidina e clopidogrel) e inibidores de GP IIb/ IIIa (ab-ciximab, eptifibatide, tirofibano). Tais drogas exercem diversos efeitos sobre a função plaquetária e apresen-tam diferenças farmacológicas, tornando impossíveis recomendações únicas em relação às técnicas anes-tésicas e ao uso dos fármacos. Não há qualquer exa-me, incluindo o tempo de sangramento, que oriente a terapia antiplaquetária. Dessa forma, deve ser realiza-da avaliação pré-operatória para identificar fatores de risco que contribuem para alterações hemorrágicas. Entre os fatores, são citados: história de fácil sangra-mento excessivo, sexo feminino e idade avançada.1

AAS e AINEs

Não representam risco adicional para o desenvolvi-mento de hematoma espinhal em pacientes submetidos a bloqueio de neuroeixo.1,2,19,20 Não existem preocupa-ções em relação ao tempo entre a administração da dro-ga e o bloqueio de neuroeixo ou remoção do cateter.1,2

HEPARINA DE BAIXO PESO MOLECULAR

Heparina de baixo peso molecular (HBPM) é usada para profilaxia e tratamento de trombose venosa pro-funda (TVP), bem como na terapêutica de substituição nos doentes cronicamente medicados com varfarina, tais como grávidas, doentes com próteses valvares ou com história de fibrilação atrial17. Sua vantagem em rela-ção à heparina não fracionada é a maior biodisponibili-dade após administração subcutânea, o que resulta em efeito anticoagulante superior, sem aumentar a tendên-cia ao sangramento e sua longa meia-vida de 4-7 horas, que permite a administração da droga apenas uma vez ao dia. Seu efeito resulta da ativação da antitrombina III com efeito inibitório marcado do fator Xa em relação à trombina. O tempo de coagulação ativado e o tempo de tromboplastina parcial ativado podem permanecer inal-terados com o uso da HBPM e sua ação anticoagulante é monitorada pela dosagem plasmática da atividade do fator Xa. Ao contrário da heparina não fracionada, sua atividade não pode ser revertida pela protamina.

A HBPM é excretada pela via renal e, por isso, é con-traindicada em pacientes com clearance de creatinina <30 mL/min.18 Após administração subcutânea, seu pico de ação ocorre em aproximadamente 3-4 horas e a meia-vida de eliminação nos pacientes com função renal normal é de 4-6 horas. Naqueles com insuficiência renal grave a meia-vida de eliminação pode ser superior a 16 horas.4

Na Europa, a dose profilática de HBPM administrada é de 40 mg uma vez ao dia, sendo a primeira dose ad-ministrada 12 horas antes da cirurgia; e nos EUA a admi-nistração é feita duas vezes ao dia na dose de 30 mg. As diversas sociedades de anestesiologia são coerentes em relação ao intervalo de segurança recomendado entre a última dose de HBPM – dose profilática de uma vez ao dia – e o bloqueio do neuroeixo/remoção do cateter, com intervalos superiores a 10 a 12 horas.17 Em pacien-tes com esquema profilático de 12/12 horas, dever-se-á omitir uma dose, para possibilitar intervalo de 24 horas antes do BNE ou retirada do cateter. Naqueles com do-ses terapêuticas de HBPM, como enoxaparina 1 mg/kg a cada 12 horas ou 1,5 mg/kg/dia, é recomendado intervalo de pelo menos 24 horas entre a última dose e o bloqueio neuroaxial2. Para uso pós-operatório, a pri-meira dose deve ser administrada seis a oito horas após a cirurgia e a segunda não deve ser administrada antes de 24 horas da primeira. A retirada do cateter peridural deve ser feita somente após 10 a 12 horas da última dose; e a dose subsequente de HBPM, após a retirada do cate-ter, deve ser feita depois de duas horas.

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Anticoagulantes e bloqueios do neuroeixo

binação com anticoagulantes e aspirina. Nos proce-dimentos emergenciais realizados nesses pacientes, o bloqueio do neuroeixo está contraindicado.2,15

A remoção de cateter ou bloqueio de neuroeixo deve ser feita após interrupção de 8-10 horas para o tirofiban/epifibatibe e 48 horas para o abciximab. A contagem plaquetária também deve ser realizada an-teriormente para excluir trombocitopenia.2,15,22

Ticagrelor

Rápido início de ação e curta duração (48-72 ho-ras). É utilizado em duas doses orais diárias. Os efeitos na agregação plaquetária ocorrem cerca de 30 minutos após a dose de ataque. Cessando o tratamento, a fun-ção plaquetária normal é recuperada em 4,5 dias.2,15

Admite-se que o curto e reversível efeito antipla-quetário facilita o manejo perioperatório. No entanto, o intervalo entre a última dose da droga e a aneste-sia do neuroeixo deve ser de pelo menos cinco dias, visto que não existem dados conclusivos sobre o uso perioperatório da droga.2

Cilostazol

É utilizado por via oral na dose de 100 mg duas ve-zes ao dia. Após a ingestão oral, os níveis plasmáticos máximos são atingidos após 2,7-3,6 horas. A meia--vida de eliminação da droga e de seus metabólitos ativos é em torno de 21 horas.2,15

As técnicas de neuroeixo durante o uso do fár-maco são desencorajadas. O bloqueio neuroaxial e a remoção do cateter só devem ser realizados após, no mínimo, 42 horas de interrupção do fármaco, o que corresponde a duas meias-vidas de eliminação da droga. O intervalo recomendado pelo fabricante, no entanto, é de pelo menos cinco dias. A dose sub-sequente à retirada do cateter peridural deve ser ad-ministrada após cinco horas.2,15

INIBIDORES DO FATOR XA

Fondaparinux

O risco real de hematoma espinhal com fondapa-rinux é desconhecido. Consensos são baseados no

Não é necessário aguardar intervalo entre o bloqueio ou remoção do cateter e a dose pós-operatória do fármaco.2

Ticlopidina

O efeito máximo de inibição da agregação é al-cançado após 8-11 dias, durante uso de 500 mg por dia. A meia-vida de eliminação é de 24-32 horas e au-menta para mais de 90 horas com a administração a longo prazo. A disfunção plaquetária permanece por 10 a 14 dias após suspensão do fármaco.

O intervalo entre a última dose da droga e o blo-queio neuroaxial ou a retirada do cateter deve ser de 10 a 14 dias.1,2,15

Clopidogrel

O efeito máximo de inibição plaquetária após uso oral de 75 mg é observado depois de 3-7 dias ou de-pois de aproximadamente 12-24 horas após a adminis-tração de bolus inicial de 300-600 mg. A recuperação da função plaquetária ocorre apenas 6-7 dias após o fim da administração de clopidogrel.2,15,21,22 Dessa ma-neira, o bloqueio do neuroeixo e a remoção do cate-ter devem ser feitos após sete dias da última dose.1,2,15

Prasugrel

Seu início de ação é rápido, de 30 a 60 min. Após interrupção do fármaco, a função plaquetária é res-taurada em 10 dias. A anestesia neuroaxial é forte-mente desencorajada durante o tratamento com prasugrel. Deve ser aguardado intervalo de tempo de 7-10 dias entre a última dose do fármaco e o bloqueio ou remoção do cateter.1,2

Inibidores de glicoproteína IIb/IIIa (abciximab, eptifibatibe e tirofiban)

São as drogas mais efetivas para a inibição pla-quetária. Os efeitos antiplaquetários são reversíveis e desaparecem em oito horas (para o eptifibatibe e o tirofiban) e 24-48 horas (para o abciximab), após descontinuação do uso. São fármacos comumente usados em síndromes coronarianas agudas, em com-

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S30-S3634

Anticoagulantes e bloqueios do neuroeixo

O intervalo entre a última dose da droga e o blo-queio neuroaxial deve ser de sete dias. O cateter não deve ser retirado antes de 36 horas (mínimo de duas meias-vidas) após a última dose do fármaco. A próxi-ma dose do dabigatran deve ser 12 horas após a reti-rada do cateter.16

Argatroban

É administrado por via intravenosa na dose de 0,5-2,0 µg/kg/min e a dose é ajustada para manter o TTPA entre 1,5 e três vezes o normal. A meia-vida é curta, de 35 a 45 minutos. A normalização do TTPa ocorre após duas a quatro horas da interrupção da infusão.2,15

O intervalo mínimo de quatro horas deve ser res-peitado entre a interrupção da droga e o bloqueio neuroaxial ou a inserção do cateter peridural.2

Após o bloqueio neuroaxial ou retirada do cate-ter, a nova dose da droga deve ser administrada no mínimo duas horas depois e após confirmação da inexistência de efeito anticoagulante residual por meio da dosagem do TTPa ou TCA.2

MANEJO ANESTÉSICO DO PACIENTE RECEBENDO TERAPIA FITOTERÁPICA

É descrito aumento do número de pacientes cirúr-gicos que utilizam medicamentos fitoterápicos e muitas vezes a utilização de desses fármacos não é relatada. Ainda não existe algum exame laboratorial para ava-liar hemostasia adequada nos pacientes que utilizam tais medicações. A morbimortalidade associada ao uso de ervas medicinais no perioperatório está mais associada à polifarmácia. O uso concomitante de ervas medicinais e fármacos como anticoagulantes orais ou heparina deve ser investigado, pois nesses casos há au-mento do risco de complicações hemorrágicas.

Em resumo, tais medicamentos isoladamente não estão relacionados ao aumento no risco de desenvol-vimento de hematoma espinhal secundário à aneste-sia espinhal ou peridural. A interrupção de sua utili-zação ou o cancelamento de cirurgias em função de uso de ervas medicinais não são mandatórios. Não existe consenso quanto à necessidade de aguardar intervalo de tempo entre a última dose do fármaco e a realização de bloqueio neuroaxial, remoção de ca-teter ou monitorização neurológica pós-operatória.1,2

efeito antitrombótico sustentado e irreversível e rela-tos de casos clínicos são publicados15. Possui meia--vida plasmática de 21 horas.1 É administrado seis a 12 horas após a cirurgia.2,15,23 Quando utilizado em dose profilática (2,5 mg uma vez por dia) no pós-ope-ratório, a anestesia do neuroeixo atraumática pode ser realizada. O intervalo entre a retirada do cateter peridural e a última dose do fármaco deve ser de 36 horas. A nova dose do fondaparinux após remoção do cateter deve respeitar o intervalo de 12 horas.2,15

Rivaroxaban

Utilizado para profilaxia de TVP após cirurgias ortopédicas (artroplastia total de joelho e coxofemo-ral). A primeira dose, que corresponde a 10 mg de ri-varoxaban, é administrada 6–8 h após o procedimen-to cirúrgico. A meia-vida plasmática é de 5-9 horas e prolongada, de acordo com o fabricante, para 11 a 13 horas em idosos.

O intervalo entre a última dose e o bloqueio neuro-axial ou a retirada de cateter deve ser de 22 a 26 horas. Após a retirada do cateter e a dose subsequente de rivaroxaban, deve-se aguardar quatro a seis horas.2,15

Apixaban

Utilizado em duas doses diárias e não requer mo-nitorização da anticoagulação. Níveis plasmáticos máximos são obtidos com três horas e a meia-vida é de 10 a 15 horas. O intervalo entre a última dose e o bloqueio neuroaxial ou retirada de cateter deve ser de 20 a 30 horas. Após a retirada de cateter, aguardar quatro a seis horas para nova dose de apixaban.2,15

INIBIDORES DE TROMBINA

Dabigatran

Utilizado como profilaxia contra trombose ve-nosa periférica profunda (TVP) em pacientes que realizam cirurgias ortopédicas (artroplastia total de joelho e coxofemoral)2. É iniciado quatro horas após a cirurgia. A meia-vida é de 12 a 17 horas e os níveis plasmáticos máximos são obtidos em duas a quatro horas após sua administração.2,16

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Alho

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Ginko

É utilizado para tratamento de desordens cogniti-vas, doença vascular periférica, degeneração macu-lar relacionada à idade, disfunção erétil, vertigem e zumbido. A dose utilizada usualmente é de 120-240 mg do extrato por dia divididos em duas ou três do-ses. É responsável pela inibição do fator ativador pla-quetário. São descritos quatro casos de sangramento espontâneo intracraniano que foram atribuídos ao uso de ginko. O tempo para retorno da hemostasia normal após interrupção de seu uso é de 36 horas.1

Ginseng

A dose rotineiramente utilizada é de 200 mg do ex-trato por dia. Causa inibição da agregação plaquetária in vitro e prolonga tanto o tempo de trombina quanto o tempo de tromboplastina parcial ativada em ratos. O tempo necessário para retorno da hemostasia nor-mal após descontinuação de seu uso é de 24 horas.1

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Hospital do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMGBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Erick Martins Faria de AbreuE-mail: [email protected]

1 Médico especializando – ME3 – do Centro de Treinamento – CET da Sociedade Brasileira de Anestesiologia-SBA do Hospital do Instituto de Previdência dos Servidores do Es-tado de Minas Gerais – IPSEMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médico Anestesiologista. Hospital Vera Cruz, Hospital Municipal Odilon Behrens, Hospital do IPSEMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Médico Anestesiologista. Hospital Municipal Odilon Behrens, Hospital do IPSEMG. Belo Horizonte, MG – Brasil. 4 Médico Anestesiologista. Título Superior em Anestesio-logia – TSA/SBA. Responsável pelo CET/SBA do Hospital do IPSEMG. Coordenador do Serviço de Anestesiologia do Hospital Vera Cruz. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Os concentrados de complexo protrombínico (CCPs) contêm fatores de coagulação dependentes da vitamina K em uma concentração 25 vezes maior que a do plasma e são classificados em compostos de três ou quatro fatores, de acordo com a presença do fator VII (FVII). Quando comparados ao plasma fresco congelado (PFC), são mais eficazes, podendo ser administrados rapidamente e com baixa dose para atingir o efeito desejado. O perfil de segurança dos CCPs ainda é incerto, já que eventos adversos, principalmente tromboembólicos, foram relatados com o seu uso. Os CCPs foram desenvolvidos, inicial-mente, para o tratamento da hemofilia B. Hoje, sua indicação principal é a reversão emer-gencial da anticoagulação induzida por antagonistas da vitamina K. Após a criação dos concentrados de fatores específicos, os CCPs têm sido utilizados em hemofílicos, na sua forma ativada, para profilaxia de sangramento no peroperatório de pacientes portadores de anticorpos inibidores. Diversos trabalhos demonstram bons resultados com o uso de CCPs na coagulopatia dilucional induzida pelo trauma e cirurgia cardíaca. Redução do sangramento e diminuição da necessidade de hemotransfusão foram verificadas quando administrados em associação ao concentrado de fibrinogênio, porém estudos de maior impacto ainda são necessários para comprovar tais benefícios. Novos anticoagulantes orais (NACs) foram introduzidos como substitutos de cumarínicos. Mesmo com mais previsibilidade, estes não possuem antídotos conhecidos. Os CCPs ainda não são indica-dos de rotina no peroperatório de usuários de NACs, exceto em casos de sangramento importante ou em órgãos críticos. Em hepatopatas, CCPs são promissores, porém poucos trabalhos avaliam sua segurança e eficácia nesse perfil de paciente.

Palavras-chave: Protrombina; Cuidados Intraoperatórios; Anticoagulantes.

ABSTRACT

Prothrombin Complex Concentrates (PCCs) contain clotting factors that are vitamin K-dependent at a concentration 25 times greater than the plasma and are classified into compounds of three or four factors according to the presence of factor VII (FVII). When compared to frozen fresh plasma (FFPs), those are more effective, and can be administered quickly and at low doses to achieve the desired effect. The safety profile of PCCs is still uncertain because its adverse events, especially thromboembolic ones, have been reported with its use. PCCs were developed initially for the treatment of hemophilia B. Today, its main indication is the emergency reversal of anticoagulation induced by vitamin K antagonists. After the creation of specific concentrate factors, PCCs have been used in hemophiliacs, in its activated form, for the prophylaxis of bleeding in the peri-opera-tive period of patients who are carriers of antibody inhibitors. Several studies demonstrate good results with the use of PCCs in dilutional coagulopathy induced by trauma and cardiac surgery. Reduced bleeding and decreased need for blood transfusions were observed when administered in association with fibrinogen concentrate; however, high-impact studies are still needed to prove

Prothrombin Complex Concentrate and its applications in the operating room

Erick Martins Faria de Abreu1, Leonardo Saraiva Guimarães de Oliveira2, Pablo Martins Biagioni de Menezes3, Jaci Custódio Jorge4

O Concentrado de Complexo Protrombínico e suas aplicações na sala de cirurgia

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S015

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O Concentrado de Complexo Protrombínico e suas aplicações na sala de cirurgia

no período peroperatório, bem como a sua dosagem e eventos adversos associados.

Para este trabalho foi realizada pesquisa na base de dados PUBMED de publicações com a palavra-cha-ve “prothrombin complex” e termos adicionais como “perioperative” e “bleeding management”. Incluiu-se também a exploração de referências bibliográficas dos artigos encontrados, que não foram contempladas na busca inicial. Foram selecionados estudos em lín-gua inglesa e portuguesa, do período de 1968 a 2014.

CONCENTRADOS DE COMPLEXO PROTROM-BÍNICO COM TRÊS OU QUATRO FATORES

Existe ampla variedade de CCPs no mercado. São compostos de fatores de coagulação dependentes da vitamina K em uma concentração 25 vezes maior que a do plasma. Os produtos são categorizados em CCPs com três fatores (CCPs-3F), que não contêm FVII ou apenas quantidades mínimas, ou quatro fatores (CCPs-4F), que contêm FVII.2

A efetividade dos CCPs-3F tem sido questionada devido a essa pequena quantidade ou ausência do FVII. Isso poderia afetar a sua capacidade de corrigir o RNI em usuários de varfarina, uma vez que existe relação inversa entre RNI e FVII.4 Muitos estudos de-monstraram a capacidade dos CCPs em reverter a an-ticoagulação dos AVKs e na maioria deles utilizaram--se produtos com quatro fatores.5,6 No entanto, estes não estão disponíveis em muitos países devido a um risco teórico mais alto de trombose.7 No Brasil, estão registrados na ANVISA apenas os CCPs-4F, cuja com-posição varia de acordo com o fabricante (Tabela 1).

such benefits. New oral anticoagulants (NACs) were intro-duced as coumarin replacements, which even with more pre-dictability there are no known antidotes. The PCCs are still not routinely indicated in the per-operative period for NACs users, except in cases of major bleeding or in critical organs. PCCs are promising options for patients with liver disease; however, few studies assess its safety and efficacy in these patients.

Key words: Prothrombin; Intraoperative Care; Anticoagulants.

INTRODUÇÃO

Os concentrados de complexo protrombínico (CCPs) são compostos altamente purificados, produzi-dos por cromatografia de troca iônica do sobrenadante crioprecipitado do plasma humano, após remoção do fator XI (FXI) e da antitrombina III. Eles contêm os fa-tores de coagulação dependentes da vitamina K (II, IX e X e quantidades variáveis de FVII).1 Inicialmente, os CCPs eram utilizados para a profilaxia e tratamento de sangramentos em pacientes com deficiências congêni-tas de fatores de coagulação.2 Hoje, a reversão emergen-cial dos antagonistas da vitamina K (AVKs) tornou-se a principal indicação dos CCPs. Apesar de ainda não pa-dronizado, o uso em outras situações de anticoagulação adquirida, como coagulopatia dilucional, sangramentos cirúrgicos maciços, reversão de novos anticoagulantes e hepatopatias, também vem sendo especulado. A úni-ca contraindicação absoluta para o uso de CCPs são os pacientes com coagulação intravascular disseminada (CIVD). Os CCPs também não são recomendados em pa-cientes com história de trombocitopenia induzida pela heparina, naqueles com alto risco de trombose, relato de reação alérgica ao composto, gravidez e puerpério.3

Esta revisão objetiva expor as evidências dispo-níveis até o momento sobre a eficácia dos CCPs na abordagem da anticoagulação adquirida e congênita

Tabela 1 - Composição dos concentrados de complexo protrombínico de quatro fatores disponíveis no Brasil em UI/mL *valores médios2,8,9

Fabricante Baxter CSL Behring LFB Octapharma

Nome do produto Prothromplex T® Beriplex P/N® Kaskadil® Octaplex®

Fator II 30 20-48 40 11-38

Fator VII 25 10-25 25 9-24

Fator IX 30 20-31 25 25

Fator X 30 22-60 40 18-30

Proteína S* 4,3 17,9 11,8 12

Proteína C* 8,5 27,3 15 24

Proteína Z* 14,1 51,3 27,5 16,1

Antitrombina* 0,5 0,6 Traços 0,1

Heparina* <0,2 0,5 5 6

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quenos traumas. Entre eles, o sangramento musculo-esquelético é o mais frequente e debilitante.17

Tratamento e prevenção de episódios de sangra-mento são a base da terapia de hemofílicos e con-sistem na reposição do fator deficiente.18 Antes da introdução de concentrados purificados de FVIII e FIX, hemofílicos eram tratados com CCPs. Desde a década de 60, diversas complicações trombóticas fo-ram relatadas com o uso destes, incluindo episódios de IAM em pacientes jovens.3 Os hemofílicos são de-ficientes apenas em fatores específicos e a adminis-tração de CCPs elevaria a níveis suprafisiológicos os outros fatores, o que aumentaria o risco de trombose, quando em doses repetidas.19

Hoje, os concentrados purificados específicos são a base do tratamento dos hemofílicos, com bons resul-tados terapêuticos.16 Apesar disso, uma das complica-ções do uso desses compostos é o desenvolvimento de inibidores, anticorpos IgG, que neutralizam os fatores de coagulação.17 Aproximadamente 30% dos pacientes com deficiência grave do FVIII e até 5% daqueles com deficiência grave de FIX irão desenvolver inibidores, o que torna o tratamento convencional com reposição de fatores pouco eficaz. Esses inibidores se desenvol-vem em pessoas geneticamente propensas e após fre-quentes exposições ao fator substituto.20

Os CCPs, nas orientações atuais, principalmente na sua forma ativada (CCPa), são utilizados em he-mofílicos com altos títulos de inibidores (>5 unidades Bethesda) para profilaxia, manejo do sangramento grave e preparo pré-operatório.17, 20-22 Esse CCPa, por conter formas ativadas do FVII, IX e X, facilitaria as vias intrínseca, extrínseca e comum da cascata de coagulação, realizando um bypass dos fatores defi-cientes. O FVIIa e o FXa aumentariam a atividade da via extrínseca, e a protrombina junto ao FIXa estimu-laria o FXI e o resto da cascata.22

Na década de 50, a mortalidade peroperatória nos hemofílicos era de 66%. Atualmente, essa taxa foi re-duzida para 4,5% após adoção de protocolos de ma-nejo que orientam o uso de concentrados de FVIII, FIX e concentrados ativados (CCPa e rFVIIa).23 É preconi-zado o aumento profilático pré-operatório dos níveis de fatores deficientes em 50-80%, quando cirurgias de pequeno porte, e em 60-100%, quando de grande por-te. Também são administradas doses de manutenção variáveis até por volta de 14 dias no pós-operatório.17, 20

A realização de cirurgias é viável, com baixo risco de complicações hemorrágicas graves em hemofíli-cos com inibidores, ao serem utilizados concentrados

Numa revisão sistemática foi demonstrado que os CCPs-4F são mais efetivos que os CCPs-3F na diminuição do RNI para <1,5 dentro de 1 hora após administração.10 Isso pode ser significativo no prognóstico de pacientes com sangramentos importantes como os intracranianos.11

O FVII necessita de apenas 10-15% de sua con-centração normal para gerar uma adequada hemos-tasia.12 Com resultados de RNI > 4, a concentração provavelmente está abaixo de 5-10%. Nesses casos, os CCPs-3F seriam insuficientes para reversão e os CCPs-4F seriam necessários para a adequada rever-são da anticoagulação. Com RNI < 4, os pacientes teriam uma concentração suficiente de FVII para per-mitir o uso dos CCPs-3F com sucesso.13 Imberti et al.14

corroboram esses dados ao evidenciarem a correção do RNI com CCPs-3F, principalmente, em pacientes com RNIs iniciais entre dois e 3,9. Com resultados de RNI mais elevados não houve boa resposta.

Não há estudos comparando diretamente os CCPs-3F com os CCPs-4F. Diferenças nas caracterís-ticas dos pacientes, nas concentrações dos fatores nas preparações de CCPs, nas doses utilizadas e no RNI basal são situações que causam dificuldade na avaliação dos dados. Além disso, em muitos estudos a comparação é baseada na capacidade de reversão do RNI. Não é claro se a correção do RNI é necessa-riamente associada à parada do sangramento e me-lhora dos resultados clínicos.10 Mesmo com a ausên-cia de pesquisas comparativas, vários especialistas recomendam os CCPs-4F para sangramentos impor-tantes relacionados aos AVKs.5 Quando utilizados os CCPs-3F, caso ocorra resposta inadequada, indica-se a complementação de FVII (com fator VII recombi-nante ativado – rFVIIa – ou PFC). Se a falha ocorrer com os CCPs-4F, orienta-se o repique da dose.4

HEMOFILIAS E OS CCPS

Os CCPs foram desenvolvidos, originalmente, para o tratamento da hemofilia B.15 Hemofilia é um termo utilizado para referir-se a doenças recessivas ligadas ao X, caracterizadas por deficiências de fatores de coagulação. Hemofilia A define-se por deficiência do FVIII e a hemofilia B, do FIX.2 Podem ser classificadas, quanto ao nível de fatores, em leve (5-40% do nor-mal), moderada (1-5%) e grave (< 1%).16 Os episódios hemorrágicos ocorrem de acordo com a gravidade da doença, sendo que nos quadros moderados e graves são descritos sangramentos espontâneos e após pe-

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O Concentrado de Complexo Protrombínico e suas aplicações na sala de cirurgia

dos FII, FVII, FIX e FX e das proteínas C, S e Z.1,30 Esse evento, que ocorre no fígado, é necessário para que os fatores se tornem funcionais.

Aproximadamente 1-1,5% da população ocidental utiliza AVKs para prevenção de embolismo sistêmico relacionado a valvopatias, próteses valvares, fibrilação/flutter atrial e trombose venosa profunda.31,32 A incidên-cia anual de sangramentos graves relacionados ao uso de varfarina é de 0,9-1,4%,6 sendo o trato gastrintestinal envolvido em 30-60% dos eventos e o sistema nervoso central (SNC) em 17-30%.1 De todas as hemorragias in-tracranianas, 15% se relacionam ao uso de AVKs, sendo que o paciente em uso está sob o risco estimado de 0,25-1,1% ao ano, o qual pode aumentar para 2% se RNI >4.30,33 O prognóstico de sangramentos no SNC é ruim e associa-se à mortalidade de até 50% em 1 mês.34 O tamanho do hematoma é o maior preditor de mortali-dade e a reversão da anticoagulação deve ocorrer, pre-cocemente, para evitar a expansão deste.33

Desde 1976, quando Taberner et al.35 descreveram, em um ensaio clínico randomizado, sucesso com o uso de CCPs para correção da deficiência de fatores de coagulação em pacientes tratados com AVKs, di-versos estudos comprovaram sua eficácia.7,36 Quando comparado com o PFC, que demora horas para rever-são da anticoagulação, os CCPs são mais rápidos e atingem bons resultados em alguns minutos.2 São ne-cessários volumes 15 a 30 vezes maiores de PFC para efeito equivalente. Sendo assim, o uso de CCPs mini-miza o risco de sobrecarga volêmica, principalmente em cardiopatas, nefropatas e hepatopatas, além de diminuir o tempo necessário para infusão. Ao se com-parar o modo de preparo, os CCPs não precisam ser descongelados e podem ser armazenados em tempe-ratura ambiente. O tempo necessário para a prepara-ção e administração de plasma é, usualmente, de uma a duas horas, enquanto os CCPs podem ser infundi-dos de imediato (sem prova cruzada ou tipagem) e com taxa de infusão rápida.37 Os CCPs tem perfil de segurança melhor do que o PFC, porque eles passam por etapas de inativação viral, minimizando o risco de transmissão de uma variedade de agentes infeccio-sos.1 O uso do plasma está associado a maior risco de anafilaxia e TRALI que os CCPs.38,39 Deste modo, di-versos guidelines os colocam como primeira escolha para correção emergencial da anticoagulação induzi-da por AVK sem caso de sangramento importante ou necessidade de cirurgia de urgência.5,40,41

A dose adequada para administração de CCPs ainda não está clara.2,3,30 Estudos demonstram que

ativados. O CCPa e o rFVIIa apresentaram sucesso no tratamento de hemorragias nesses pacientes, porém não foram tão eficazes quanto os fatores específicos nos doentes sem inibidores.16,24-26

As doses recomendadas para o uso do CCPa dispo-nível no mercado, FEIBA® (Tabela 2) variam de 50-100 U/kg, podendo ser administradas a cada 12h na vigência de hemorragias graves.22 De acordo com Tjønnfjord et al.27, bons resultados foram conseguidos após a admi-nistração de 100 U/kg pré-operatório, seguida de 200 U/kg/dia (dividida em três doses) por três dias, com manu-tenção de 100-150 U/kg/dia nos dias seguintes. Este es-tudo foi consonante com as orientações do fabricante, que limitam as doses diárias em até 200 U/kg e as doses únicas em até 100 U/kg.22 Em crianças, não há pesquisas de impacto sobre o tema, porém dose pré-operatória de 100 U/kg seguido de 50 U/kg a cada seis horas, com ma-nutenção de 50 U/kg cada 12 horas, mostrou-se eficaz.28 Em nenhuma faixa etária se indica o uso de antifibrino-lítico sistêmico concomitante com o CCPa.22

Entretanto, pacientes com inibidores podem de-senvolver episódios de sangramento refratários à monoterapia com CCPa. Em estudo retrospectivo, Schneiderman et al.29 demonstraram eficácia e segu-rança de terapia sequencial utilizando CCPa e rFVIIa em caso de refratariedade, com administração de dose média de 154 mcg/kg de rFVIIa associada a 50 U/kg de CCPa. O estudo concluiu que ensaios rando-mizados e prospectivos são necessários para compa-rar a eficácia dessa abordagem com a monoterapia.

REVERSÃO DE ANTAGONISTAS DE VITAMINA K

Os AVKs agem a partir da inibição da enzima epóxido-redutase. Esta regenera a vitamina K após a gamacarboxilação dos resíduos de ácido glutâmico

Tabela 2 - Composição do FEIBA® em UI de fatores por unidade de concentrado22

Fabricante Baxter

Fator II 1,3±0,3

Fator VII 0,9±0,1

Fator IX 1,4±0,1

Fator X 1,1±0,2

Proteína C 1,1±0,2

Trombina 0,01±0,004

FVIIa 1,5±0,2

FIXa ≥0,0006

FXa 0,06±0,002

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mais altas ou complementares deveriam ser conside-radas em extremos de pesos ou de RNI. O consenso australiano mais atual, bem como as recomendações do British Committee for Standards in Haematology (BCSH), orienta a utilizar dose de 25-50 U/kg para reversão dos AVKs.40,41 Já o American College of Chest Physicians (ACCP), apesar de, em 2012, ter atualizado suas diretrizes de manejo de terapia anticoagulante, não recomenda qualquer dose para uso.5 No Brasil, há publicação do Ministério da Saúde que cita o com-plexo protrombínico como preferível em relação ao PFC para reversão dos AVKs, porém não sugere dosa-gem. A orientação mais direta sobre o tema está pre-sente nas Diretrizes Brasileiras de Antiagregantes Pla-quetários e Anticoagulantes em Cardiologia de 2013, afirmando que, apesar de não existir ainda qualquer padronização da dose de CCPs, estes devem ser ad-ministrados de acordo com o valor do RNI inicial (Tabela 3).47 Atualmente, aguarda-se a publicação do estudo multicêntrico, randomizado e fase III, deno-minado Prophylaxis of Thromboembolism in Critical Care (PROTECT), que pode direcionar a redução das doses recomendadas de CCPs.

Os consensos atuais divergem quanto à dose a ser administrada, porém concordam que é imprescindí-vel a administração concomitante de 5-10 mg de vita-mina K intravenosa (diluída em um mínimo de 50 mL e administrado no mínimo em 30 minutos), uma vez que a meia-vida do FVII é de cerca de 6h.48 Desta for-ma, garante-se a manutenção dos níveis plasmáticos dos fatores de coagulação e evita-se aumento “rebote” do RNI 12-24h após a administração do CCPs.5,40,41,48

Vários estudos foram conduzidos para avaliar a taxa de infusão ideal dos CCPs. A maioria dos fabri-cantes orienta taxa de infusão máxima de 2-4 mL/min. Apesar disso, estudo prospectivo conduzido por Pabin-ger et al.49 demonstrou que ao infundir Beriplex P/N® em taxas de 2-40 mL/min (mediana de 7,5 mL/min), não houve aumento de marcadores de trombogenicidade e eventos adversos. Este estudo é a primeira evidência prospectiva de que CCPs podem ser infundidos rapida-mente, sem ter eficácia e segurança comprometidos.

O uso de CCPa para reversão de AVKs tem sido avaliado. A maior preocupação do uso desses con-centrados ativados seria a alta incidência de eventos trombóticos. Apesar de plausível teoricamente, não há qualquer evidência clara de que o uso de CCPa confe-re mais risco de eventos adversos que os CCPs com uso de AVKs.50,51 Pesquisa conduzida por Aledort et al. 52 demonstrou menos incidência de eventos trombóticos

são necessários níveis plasmáticos médios de 30-40% do normal de cada fator para que a hemostasia ocor-ra de forma correta. Esses níveis equivalem a um RNI <1,5.3,13,42 Por ter sido padronizado, inicialmente, para pacientes com hemofilia B, o cálculo da dosagem de CCPs continua sendo baseado na concentração de FIX.15 A média de recuperação in vivo do FIX, em U/kg administrada, é de aproximadamente 1-1,5% e dos ou-tros fatores de 1-2%. Dessa maneira, a dose de 25-50 U/kg seria adequada para reposição dos fatores defi-cientes.2,32 Entretanto, essa dose parece ser excessiva para reversão emergencial em usuários AVKs, uma vez que estes não estão completamente depletados de fatores de coagulação.15,30 Assim, apesar do RNI ser corrigido prontamente, esses pacientes estariam expostos a elevado risco de trombose.43

Pesquisas tentam esclarecer qual regime seria ideal. Yasaka et al.44 compararam doses fixas cres-centes de CCPs-4F administrados para pacientes com RNI alterado que necessitavam de reversão por sangramento ou que iriam ser submetidos a proce-dimentos invasivos. Concluíram que doses de 500 UI (aproximadamente 8,8 U/kg) foram suficientes em pacientes com RNI <5.44 Van Aart et al.15, em es-tudo prospectivo randomizado, utilizaram a dose fixa de 500 UI de CCP-4F e compararam com doses individualizadas ajustadas por peso entre 15 e 35 U/kg. Verificaram que 89% dos pacientes do regime individualizado alcançaram o RNI-alvo contra ape-nas 43% dos pacientes que receberam dose fixa, principalmente nos casos cujo RNI de base era >4,5.

Khorsand et al.45,46, em duas coortes observacionais e prospectivas, salientaram que a dose fixa de 1.040 UI seria suficiente para garantir reversão adequada em pacientes com RNI <7,5, com melhor custo-benefício e desfechos clínicos positivos, mesmo sem atingir o RNI-alvo proposto. Kerebel et al.32 conduziram estu-do multicêntrico e randomizado em pacientes com hemorragia intracraniana, comparando a eficácia e segurança da administração de 25 e 40 U/kg de Oc-taplex®. Seus resultados demonstraram que, apesar do desfecho clínico não ter apresentado diferença estatística, a dose de 40 U/kg foi mais eficaz em nor-malizar o RNI (alvo <1,2) sem, no entanto, promover aumento na incidência de eventos adversos.

O órgão canadense National Advisory Comitee on Blood and Blood Products (NAC) associado ao Canadian Blood Services (CBS) padronizou a admi-nistração do CCP disponível naquele país com dose fixa de 1.000 UI, todavia, com ressalva de que doses

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existem estudos relevantes que comprovem a capaci-dade do RNI ou TEG/ROTEM em guiar com acurácia a reversão da anticoagulação dos AVKs pelo CCPs.

CIRURGIA CARDÍACA, TRAUMA E CCPS

O sangramento crítico que ocorre no trauma e ci-rurgia cardíaca correlaciona-se com hemodiluição, consumo de fatores de coagulação, danos microvascu-lares e fibrinólise.63 Durante a última década, poucos estudos de impacto e diversos outros com baixo nível de evidência indicam o uso de CCPs nessas situações.64

Em alguns países, eles são utilizados em substituição ao PFC ou como seu complemento.65 Entretanto, no ce-nário do trauma e cirurgias cardíacas, os CCPs ainda não são recomendados por diretrizes ou algoritmos.65,66

A circulação extracorpórea (CEC) é importante contribuidora da inflamação, disfunção plaquetária, déficit da coagulação e hiperfibrinólise relacionadas à cirurgia cardíaca. Esses prejuízos, associados à hemodiluição que acarreta a diminuição dos fatores II, VII, IX e X, geram aumento do sangramento pós--operatório.67 Kaspereit et al.64, em modelo animal de CEC, concluíram que o CCP corrigiu a coagulopatia dilucional e reduziu o sangramento difuso. Lin et al.63, em revisão sistemática de sangramento em cirurgias cardíacas, indicaram a possibilidade de pacientes que usaram CCPs e concentrado de fibrinogênio (fa-tor I-FI) para coagulopatia necessitarem de menos hemotransfusão e apresentarem menor volume de drenagem torácica do que aqueles que receberam PFC. Görlinger et al.68 realçaram, em estudo retros-pectivo, que a administração de concentrado de fi-brinogênio e CCPs em cirurgia cardíaca foi associada à diminuição da incidência de transfusão maciça e reoperação, sem aumento de trombose. Arnékian et al.69, em análise retrospectiva, mostraram redução significativa do sangramento após cirurgia cardíaca com CEC usando baixas doses de CCPs. A dose mé-dia encontrada na literatura foi de 10-15 U/kg.55 Embo-ra os CCPs tenham demonstrado eficácia em análises retrospectivas e em modelos animais, estudos pros-pectivos e randomizados em humanos submetidos a cirurgias cardíacas ainda são necessários.70

Os CCPs contêm doses concentradas de todos os fatores da via extrínseca. Esta é a principal via da co-agulação implicada no trauma, cenário no qual há dano endotelial e exposição do fator tecidual. Por-tanto, é justificável que os CCPs possam ser úteis no

quando comparado com rFVIIa. Dois trabalhos, con-duzidos com o uso de dose baixa fixa (500 U para RNI <5 e 1.000 U para RNI>5), evidenciaram boa eficácia da abordagem, com frequência de eventos adversos próxima das descritas com o uso de CCPs.50,51

MONITORIZAÇÃO DA REVERSÃO DOS AVKS

Estudos de pouco impacto enfatizaram correlação razoável entre a queda do RNI e resposta hemostática, quando se avaliou a reversão dos AVKs com CCPs.44,53,54 No entanto, existem investigações em que se observa-ram pacientes com boa resposta hemostática, apesar de não atingirem o RNI-alvo.55,56 Também há pesquisas em que se notaram pacientes que atingiram seu RNI--alvo, mas continuaram a sangrar.15 Os AVKs interferem na via extrínseca da coagulação, sendo então rotinei-ramente monitorizados a partir do TP e RNI.57 Contudo, o TP foi introduzido há mais de 50 anos, quando ainda se pensava que o processo de hemostasia ocorria ape-nas no plasma.58 Com o estabelecimento do modelo celular da coagulação, tornou-se evidente que a avalia-ção tradicional reflete apenas a fase de iniciação.

Especula-se se as complicações hemorrágicas em usuários de AVKs têm relação com o fato desses testes tradicionais refletirem apenas esses passos iniciais do processo hemostático.59 A tromboelastografia (TEG) e a tromboelastometria rotacional (ROTEM) avaliam a formação do coágulo e a habilidade da geração da trombina, estudando então o processo inteiro da coagulação.60 Esses exames são melhores preditores de transfusão de hemoderivados que o TP e RNI para pacientes com sangramento maciço.61 A necessidade de transfusão e, inclusive, de reoperação diminuiu em vítimas de trauma, nos quais a coagulação foi estuda-da com TEG/ROTEM. O motivo dessa diferença é que o TEG/ROTEM inclui as plaquetas na avaliação da he-mostasia, permitindo a análise das três fases da coa-gulação (iniciação, amplificação e propagação) e das características físicas do coágulo.62 No entanto, não há estudos duplo-cegos, randomizados, comparando o valor da TEG/ROTEM com o RNI em prever sangra-mentos em pacientes usuários de AVKs. Também não

Tabela 3 - Dose de CCP ajustada por RNI3,47

RNI Dose de CCP(UI de fator IX)

2,0-3,9 25 U/kg

4,0-5,9 35 U/kg

≥6 50 U/kg

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situações de estresse orgânico.78 A redução dos fato-res dependentes da vitamina K correlaciona-se com a gravidade da doença. Todavia, o hepatopata avançado possui potencial de coagulação normal ou até mesmo aumentado, associado ao estado de hiperfibrinólise.78,79

Quando esses pacientes são submetidos a proce-dimentos abdominais, estão sujeitos a aumentado ris-co de sangramento devido à hipertensão portal, que mantém alta a pressão venosa nos vasos esplâncni-cos. Verifica-se que a sobrecarga volêmica é preju-dicial, por aumentar o risco hemorrágico. Baseado nisso, orienta-se à restrição de fluidos, inclusive de hemoderivados no peroperatório.80

Pacientes hepatopatas que experimentam sangra-mento ou precisam de intervenção cirúrgica urgente necessitam de rápida correção da hemostasia. Para isso, é proposta a administração de CCPs, no lugar de PFC. Até o momento, há poucos estudos para avalia-ção da eficácia e segurança do uso destes com esse objetivo. Lorenz et al.81 avaliaram a eficácia e o perfil de eventos adversos com o uso de CCPs em pacien-tes hepatopatas graves com sangramento importante ou que necessitavam de cirurgia de urgência. No seu estudo com dose mediana de 1.500 UI de CCP, verifi-cou-se resposta clínica e laboratorial satisfatória, sem eventos tromboembólicos associados.

Está em curso um ensaio duplo-cego, multicên-trico, controlado e randomizado denominado PRO-TON, cujo objetivo primário é avaliar a redução do sangramento intraoperatório, após a administração de CCP em pacientes com insuficiência hepática submetidos à transplante hepático ortotópico. Este estudo tem como objetivo secundário analisar a fre-quência de eventos adversos relacionados ao uso de CCPs em hepatopatas.77 Após este ensaio, novas reco-mendações poderão ser feitas a respeito do risco e de como utilizar CCPs nessa situação.

REVERSÃO DOS NOVOS ANTICOAGULANTES

Os AVKs são as opções tradicionais para a antico-agulação oral. Entretanto, possuem várias interações medicamentosas, necessidade de monitorização e prolongado início de ação.82 No intuito de melhorar o perfil de segurança, foram desenvolvidos os no-vos anticoagulantes (NACs), com baixo potencial de interação, rápido início de ação e meias-vidas mais curtas, possibilitando então a não monitorização la-boratorial de rotina.83 Diferentemente dos cumaríni-

tratamento da coagulopatia dilucional do trauma.71 Em um modelo suíno de hemorragia, foi apurada a eficácia dos CCPs,em relação ao PFC, na correção da coagulopatia dilucional. Ao contrário do PFC, o CCP corrigiu o tempo de protrombina e o pico de geração da trombina. Além de reduzir o tempo para a hemos-tasia em relação ao PFC, o CCP diminuiu o volume de sangue perdido.72 A dose média utilizada nos estudos de trauma foi de 25-35 U/kg.72,73 Entretanto, provavel-mente é necessária a adição de concentrado de fibri-nogênio aos CCPs, em decorrência da ausência de FI nestes e da hipofibrinogenemia ocorrida no trauma.74 Em análise retrospectiva, Schochl et al. avaliaram pacientes com sangramento maciço secundário ao trauma e que receberam CCPs em conjunto com fi-brinogênio ou PFC. Obtiveram menos necessidade de transfusão sanguínea, transfusão de plaquetas e internação mais curta naqueles que receberam CCPs e fibrinogênio, com significância estatística.30 Há re-ferências na literatura de que o uso de CCPs reverte melhor a coagulopatia dilucional que o rFVIIa. Ape-sar do FVII ser o fator-chave na hemostasia do trau-ma, os outros fatores também têm sua importância na cascata, o que corrobora a ideia de que os CCPs são mais efetivos.71 Eventos trombóticos são mais comuns com rFVIIa (10% a 20%), em comparação aos CCPs (1% a 4%).75 Quanto à duração de ação, na ausência de hemorragia persistente, CCPs corrigem a hemos-tasia por seis a oito horas, enquanto rFVIIa, por ter meia-vida curta (1h), torna necessária administração de nova dose ou reposição de outros fatores.76

Há indícios de que o uso de CCPs seja benéfico para a coagulopatia do trauma e cirurgia cardíaca, porém estudos de maior impacto são necessários.

USO DE CONCENTRADO DE COMPLEXO PROTROMBÍNICO EM PACIENTES COM DOENÇA HEPÁTICA

O fígado é o local onde ocorre a síntese de gran-de parte das proteínas envolvidas na hemostasia. O cirrótico está sujeito a alterações importantes da co-agulação, que levam à redução do nível plasmático de fatores procoagulantes e anticoagulantes, gerando um novo estado de balanço hemostático.77 Dessa for-ma, o hepatopata é sujeito a eventos tanto trombóticos quanto hemorrágicos, uma vez que esse novo balanço é mais precário e suscetível à descompensação após

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lhora na cinética da trombina pode refletir o aperfei-çoamento da hemostasia gerado pelos CCPs, mesmo com os exames comuns alterados. Talvez a reversão da anticoagulação não tenha que normalizar todos os parâmetros da geração da trombina para garantir significante efeito hemostático.92

Os testes de coagulação convencionais são pou-co sensíveis aos efeitos dos NACs, havendo ampla variabilidade nos valores quando há altas concentra-ções plasmáticas das drogas. Todavia, quando o TP e o TTPa estão normais, há grande probabilidade de a droga estar presente em concentração muito baixa (alto valor preditivo negativo), o que permitiria que uma cirurgia fosse realizada com segurança.93 O TP é pouco sensível à dabigatrana e sensível aos efeitos da rivaroxabana. Então, para dabigatrana, o TP não deve ser usado isoladamente, mas em associação com o TTPa. A medida da atividade antiXa é muito sensível para rivaroxabana.94

A ausência de evidência científica consistente na reversão dos NACs faz com que o manejo des-sas drogas seja baseado no julgamento clínico, na extrapolação de dados de pesquisas pré-clínicas e na opinião de experts. Propõe-se um tratamento de suporte, incluindo ressuscitação volêmica, hemo-transfusão, manutenção da função renal e contro-le cirúrgico do sangramento. Indica-se também a descontinuação das drogas, dada a curta meia-vida delas (7-17h). Caso a ingestão tenha ocorrido há no máximo 2h, orienta-se o uso de carvão ativado.95 Em situações de sangramentos ameaçadores à vida cau-sados por dabigatrana, a hemodiálise é uma alterna-tiva, devido à sua baixa ligação proteica (35%). Riva-roxabana e apixabana não são dialisáveis, devido à alta ligação proteica.87

Mesmo quando a cirurgia é inadiável e os exa-mes estão alterados, é proposto operar sem a ad-ministração profilática de CCPs ou CCPa e apenas utilizá-los (doses de 25-50 e 30-50 U/kg, respectiva-mente) em caso de sangramentos vultosos ou em órgãos críticos como cérebro e olhos. Existe uma tendência que considera o CCPa mais efetivo que os outros CCPs, mas com maior risco possível de trombose.76,96 Embora evidências pré-clínicas pro-missoras demonstrem a reversão de alguns parâme-tros laboratoriais, a correlação com a interrupção do sangramento não está bem clara. Estudos de melhor qualidade, em humanos com sangramento ativo, precisam ser realizados.93 Agentes seletivos de reversão estão em desenvolvimento.88

cos, que inibem fatores dependentes da vitamina K, os NACs são inibidores diretos de um único fator da cascata de coagulação. Dabigatrana é inibidor direto da trombina (FIIa); rivaroxabana, apixabana e edoxa-bana são inibidores diretos do fator Xa.84, 85 Apesar da acentuada previsibilidade desses agentes, o sangra-mento permanece como importante complicação.86 Como não possuem antídotos conhecidos, estraté-gias são necessárias em situações de sangramentos vultosos e cirurgias de emergência.87

Existem dados na literatura que suportam a pos-sibilidade dos CCPs reverterem os NACs.76, 88 Porém, os estudos são em animais, in vitro e ex vivo, e com resultados não muito consistentes. A ideia seria que a elevação dos fatores dependentes da vitamina K im-plementaria a geração de trombina e, assim, suplan-taria os efeitos dos inibidores do FIIa e FXa. Em vez de simplesmente repor fatores deficientes como na reversão dos AVKs, a intenção é transpor os efeitos do inibidor a partir da elevação dos fatores a níveis supranormais.89 Sendo assim, o PFC provavelmente não é útil nessa situação, uma vez que possui baixa concentração de fatores. O rFVIIa também não é con-siderado primeira linha de tratamento, porque não reverte a maioria dos testes, especialmente os parâ-metros de geração da trombina.87, 90

Embora estudos pré-clínicos tenham demons-trado resultados satisfatórios, foram utilizadas, para reversão dos NACs, em média, doses mais altas que as usadas para AVKs. Pesquisas que utilizaram doses mais baixas falharam na correção laboratorial e me-lhora do sangramento.12 A frequência de trombose, com as doses de CCPs utilizadas para AVKs, é baixa, mas com doses mais altas há mais probabilidade de complicações trombóticas.7,91

Utilizando um modelo celular de coagulação, testaram-se os efeitos de um CCP-4F nos parâme-tros de geração da trombina. Notou-se, por meio de trombinografia, que o aumento da concentração de dabigatrana diminuiu a velocidade e o nível do pico da geração de trombina e aumentou o tempo de la-tência para o início da geração. O CCP foi capaz de normalizar a maioria desses parâmetros (velocidade, pico), mas não diminuiu a latência para o início. É sabido que os exames mais comuns (TP, TTPa) me-dem primariamente o tempo de latência para o início da formação do coágulo. Então, a falha na correção desse parâmetro explica a não normalização dos exames de coagulação tradicionais, mesmo que a geração de trombina tenha sido aumentada. Essa me-

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detecção por método imunoturbidimétrico de IgA e outras imunoglobulinas em amostras de Octaplex®, Beriplex® e FEIBA®, levando à conclusão de que deve haver cuidado na administração de CCPs a pacientes que possuem anticorpos anti-IgA.99

Durante a preparação dos CCPs, todos eles são submetidos a pelo menos um passo de inativação viral, sendo mais frequentes os métodos do solvente--detergente e o tratamento por calor (pasteurização, calor úmido e seco). Esses métodos são eficazes para remoção ou inativação de vírus envelopados, como HIV, HBV e HCV, mas menos eficazes para remoção de vírus não envelopados, como o vírus da hepatite A (HAV) e parvovírus B19, por serem estes menores que 25 nm e resistentes ao calor. Assim, em alguns proces-sos de preparação utiliza-se o método de nanofiltra-ção que, ao remover esses agentes, reduz ainda mais o risco de transmissão viral.100 Revisão recente estima o risco geral de infecção viral após o uso de CCPs em 1,9%, baseado em quatro episódios de soropositivida-de para parvovírus B19, após o uso de Octaplex®.7

Atualmente, aguarda-se a conclusão do estudo INCH, ensaio multicêntrico, controlado e randomiza-do, que compara a segurança/eficácia do CCPs em relação ao PFC. Seus resultados poderão elucidar os reais riscos do uso de CCPs.101

REFERÊNCIAS

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EVENTOS ADVERSOS

O perfil de segurança dos CCPs é ainda incerto. Eventos adversos potenciais associados ao seu uso in-cluem, principalmente, complicações trombóticas ve-nosas (TVP, CIVD) e arteriais (AVE, IAM, TEP); e de for-ma menos frequente, reações alérgicas e infecção viral.1

Estudos na década de 90 atribuíram aos CCPs risco potencial de eventos tromboembólicos.2 Metanálise conduzida por Dentali et al.7, que revisou estudos com usuários de AVKs de 1966-2010, verificou incidência de 1,4% de eventos tromboembólicos relacionados à ad-ministração de CCPs. Quando analisado apenas even-tos associados ao uso de CCP-4F, a incidência foi um pouco aumentada (1,8%). Em sua revisão, Sørensen et al.19 concluíram ser improvável que a administração de CCPs fosse a causa única dos eventos trombóticos, vis-to que os pacientes envolvidos apresentavam alto ris-co de trombose, devido à história prévia ou à doença atual. O risco de complicações trombóticas associado à reversão de anticoagulação é quantificável e, desse modo, não há como descartar a correlação dos CCPs com tais eventos. Nenhum estudo randomizado e con-trolado sobre a segurança de sua administração teve resultados publicados até o momento.3 Além disso, Sa-deghi et al.97 ressaltam, em sua análise da composição dos atuais CCPs, que, apesar da padronização desses agentes, a grande variação de seus constituintes de-termina perfis individuais de hemostasia, o que pode conferir eficácia e segurança distintas. Entretanto, até o momento não há qualquer evidência que mostre su-perioridade entre os CCPs com o mesmo número de fatores disponíveis no mercado.3

O mecanismo trombogênico proposto é a sobrecar-ga de FII, que leva a uma geração excessiva de trombi-na. O FII, por ter meia-vida de 60h, está mais sujeito ao acúmulo após doses repetidas.19 Por outro lado, diferen-ças na composição dos concentrados também estão implicadas na formação de trombos. Os produtos atu-ais, diferentemente dos produzidos na década de 70 e 80, possuem inibidores de coagulação, como heparina, antitrombina III, proteína C, S e Z, o que os tornariam mais seguros por haver um balanço dos efeitos procoa-gulantes e anticoagulantes.19,98 Todavia, a presença des-sas substâncias estão implicadas em um risco teórico de trombocitopenia induzida pela heparina.2

Reações alérgicas são eventos raros.2 Entretanto, relato de caso em 2010 correlaciona o uso de Octa-plex® em paciente com deficiência de IgA, com re-ação anafilática grau III. Na ocasião, foi realizada

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S49-S59 49

ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Centro de Ensino e Treinamento da Santa Casa de Belo HorizonteBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Marcel Andrade SoukiE-mail: [email protected]

1 Médico Anestesiologista. Título Superior em Anestesiologia – TSA pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA, corresponsável do Centro de Ensi-no e Treinamento – CET da Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médico Especializando do 3° ano do CET da Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Anestesiologista do CET da Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Com o envelhecimento da população e as consequentes comorbidades associadas, o uso de anticoagulantes tem se tornado cada vez mais prevalente. Os anestesiologistas devem estar preparados para o manejo do sangramento e dos riscos associados a esses medicamentos. Esta revisão tem o intuito de nortear a reversão de urgência da anticoagulação e estabelecer as opções disponíveis para este fim.

Palavras-chave: Anticoagulantes; Antifibrinolíticos; Anestesiologia; Emergências.

ABSTRACT

The use of anticoagulants has become increasingly prevalent with the aging of the populations and the consequent comorbidities associated with it. Anesthesiologists should be prepared for the management of bleeding and the risks associated with these medications. This review is intended to guide the urgent reversion of anticoagulation and establish options available for this purpose.

Key words: Anticoagulants; Antifibrinolytic Agents; Anesthesiology; Emergencies.

INTRODUÇÃO

É prática atual para muitos médicos interromper a terapia antitrombótica antes da cirurgia para reduzir o sangramento. No entanto, a interrupção de tratamento an-titrombótico nesses pacientes pode levar a eventos tromboembólicos com consequ-ências graves.1 A reversão da anticoagulação em urgência é uma situação incomum, porém desafiadora. Os pacientes que se apresentam para a cirurgia de urgência anticoagulados são normalmente aqueles que têm altos riscos de eventos adversos no período perioperatório, não apenas pela cirurgia emergencial, mas também pela doença motivadora da anticoagulação.

A reversão da anticoagulação representa um delicado equilíbrio entre o aumento do risco da formação de coágulos e a diminuição do risco de perda sanguínea perioperatória.2

A identificação, quando possível, da medicação anticoagulante é muito importante para orientar o tratamento eficaz e seguro. A decisão de submeter ou não o paciente aos riscos da reversão da anticoagulação deve ser conjunta com a equipe cirúrgica e informada ao paciente ou ao responsável.

A literatura publicada sobre este tema mostra que a suspensão do antiagregante plaquetário ou tratamento anticoagulante conduz a substancial aumento do risco de eventos tromboembólicos venosos ou arteriais e complicações relacionadas (es-pecialmente em pacientes com fibrilação atrial, próteses valvulares cardíacas ou

Urgent reversal of anticoagulation

Igor Neves Afonso Castro1, Rafael Coelho Tibúrcio2, Marcel Andrade Souki3

Reversão de urgência da anticoagulação

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S016

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vascular cerebral não fatal e morte.1 Por essas razões, as diretrizes americanas e europeias recomendam a continuação da aspirina no perioperatório, salvo ris-co de sangramento claramente superior ao risco de eventos cardiovasculares.5 Quando necessário, é su-ficiente suspender a aspirina três dias antes do proce-dimento invasivo. Para outras terapias antiagregantes plaquetárias, clopidogrel e ticagrelor devem ser inter-rompidos por cinco dias e prasugrel durante sete dias.

A INTERRUPÇÃO DA TERAPIA ANTICOAGULANTE E RISCO TROMBÓTICO

Anticoagulação, em longo prazo, se justifica em três grandes situações clínicas: fibrilação atrial, doença cardíaca valvular e profilaxia do tromboembolismo venoso. Os agentes anticoagulantes também são indicados para um período mais curto para tratar oclusão arterial aguda ou eventos tromboembólicos venosos. A interrupção da terapia antitrombótica expõe os pacientes a aumentado risco de eventos tromboembólicos, que pode ter consequências ca-tastróficas (acidente vascular cerebral, trombose da válvula cardíaca, embolia pulmonar e morte, por exemplo). Eventos tromboembólicos venosos recentes e pacientes com trombofilia grave correm alto risco de complicações tromboembólicas perioperatórias. Em relação à fibrilação atrial, o escore CHADS2 (insu-ficiência cardíaca congestiva, hipertensão, idade ≥75 anos, diabetes e acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório) ajuda a quantificar o risco de acidente vascular cerebral e na escolha da terapia mais adequada antitrombótica.6 O risco absoluto de acidente vascular cerebral isquêmico é de cerca de 4,5% ao ano em doentes sem tratamento antagonista de vitamina K e diminui para 1,4% ao ano em pacientes em tratamento com antagonista da vitamina K.

As recomendações recentes para o período pe-rioperatório são: continuar anticoagulantes orais para pequenos procedimentos e suspender o uso de anticoagulantes orais para outros procedimentos invasivos.7 A escolha de substituir a terapia de anti-coagulação ou a interrupção de anticoagulação oral tem de levar em conta o risco trombótico com base em fatores relacionados ao paciente e relacionados à cirurgia. No entanto, deve-se ter em mente que a tera-pia de “ponte” não impede totalmente complicações trombóticas.8 Em pacientes com alto risco de trombo-

implante de stent coronariano recente). Esse risco pa-rece ser nitidamente mais alto do que o risco de he-morragia significativa.1 Portanto, sempre que possível deve-se manter o paciente anticoagulado.

Os princípios gerais de manejo dos pacientes apre-sentando sangramento, em uso de anticoagulantes, são: suspender nova dose de anticoagulante, considerar antídotos, implementar medidas de suporte (reposição volêmica e inotrópicos, se necessário), medidas hemostá-ticas cirúrgicas ou sistêmicas (ácido aminocaproico, ácido tranexâmico e complexo protrombínico), transfusões, se necessário, e investigação de sítios de sangramento.3

AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA

Durante a avaliação pré-anestésica, devem ser identificadas as medicações anticoagulantes e antia-gregantes plaquetários em uso, data e hora da últi-ma dose administrada. A indicação de uma cirurgia em caráter de urgência ou emergência fica a cargo da equipe cirúrgica. Os riscos e benefícios devem ser avaliados, discutidos e expostos ao paciente ou acompanhante responsável.

História de sangramento espontâneo, hemato-mas, sangramento gengival à escovação, equimoses, sangramento de difícil controle, com ou sem o uso de medicações anticoagulantes e antiagregantes plaquetários também devem ser interrogados. Além, obviamente, do motivo do uso dessas medicações.

A INTERRUPÇÃO DA TERAPIA ANTIPLAQUETÁRIA E RISCO TROMBÓTICO

Medicamentos antiagregantes plaquetários são a pedra angular da terapia para pacientes com doença vascular aterosclerótica, incluindo doença arterial coronariana, doença cerebrovascular e doença arterial periférica.

A duração da terapia antiplaquetária dupla é geral-mente de 30 dias após o implante de stents metálicos em angina estável e 12 meses após o stent farmaco-lógico.4 Alguns pacientes com alto risco de eventos tromboembólicos podem ter benefício da terapia antiplaquetária dupla prolongada para além de um ano. Interrupção da terapêutica antiplaquetária pode levar a grandes eventos cardiovasculares, incluindo trombose do stent, infarto do miocárdio, acidente

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XIa e XIIa. Assim, inibe as vias comum e intrínseca da coagulação, alargando especialmente o tempo de pro-trombina parcial ativada (PTTa). Para que haja inibição da trombina, a molécula de heparina precisa envolver todo o complexo antitrombina III – trombina, sendo necessário, portanto, um tamanho acima de 6.000 Da. Por outro lado, para inativar o fator Xa, basta que a heparina se ligue à ATIII, sem a necessidade de envolver todo o complexo.11 A heparina de baixo peso molecular (HBPM) tem peso médio de 4.000-5.000 Da. Por isso, essa forma de heparina inibe fortemente o fator Xa e fracamente a trombina. Pela fraca inibição antitrombi-na, a HBPM frequentemente não alarga o PTTa. A HNF apresenta meia-vida de cerca de 70-100 minutos quan-do administrada por via venosa. No caso de adminis-tração subcutânea, o aparecimento da anticoagulação é retardada por cerca de uma hora e as concentrações plasmáticas máximas são atingidas em três horas.10 É eliminada pelos rins ou pelo sistema reticuloendotelial. Reversão rápida e eficaz da HNF pode ser alcançada a partir da protamina endovenosa (1 mg de protamina neutraliza 100 unidades de HNF).12 No entanto, a dose da protamina varia de acordo com o tempo desde a última dose da HNF. Para uma dose de HNF realizada há 30 minutos, recomenda-se a reversão de 1 mg de protamina para 100 U de HNF. Uma dose de HNF reali-zada há 30 minutos-duas horas, a dose de protramina seria de 0,5 mg para 100 U de HNF. E para doses de HNF realizadas há mais de duas horas a dose seria de 0,25 mg de protamina para cada 100 U de HNF.13 Na infusão contínua de HNF a dose de protamina recomendada deve ser calculada baseada na dose anterior de HNF realizada há 2-3 horas. Nos casos de sangramento gra-ve associado à HNF administrada por via subcutânea e insensível à dose de 1 mg de protramina para 100 U de HNF, recomenda-se a infusão contínua de protamina, sendo a dose orientada pelo PTTa.

Heparinas de baixo peso molecular (HBPM)

As HBPM apresentam peso molecular menor em re-lação às HNF, de aproximadamente 5.000 Da. Exercem seu efeito a partir da ligação com a ATIII, potenciali-zando seu efeito. No entanto, como sua cadeia é mais curta, a maioria das HBPMs é insuficiente para envolver todo o complexo antitrombina III – trombina inibindo fortemente o fator Xa e fracamente a trombina.14

HBPM inclui dalteparina, enoxaparina, nadropa-rina, bemiparin, certoparin, reviparina e tinzaparina.

embolismo, a terapia ponte, mesmo com uma dose te-rapêutica com heparina de baixo peso molecular apre-senta incidência de eventos arteriais tromboembólicos de cerca de 1 a 2%. E quando heparina não fracionada é usada, a incidência de eventos tromboembólicos varia entre 0 e 5%. Eventos tromboembólicos ocorrem mais frequentemente após a alta e durante o período de retorno ao tratamento oral.9

PROPOSTAS PARA A GESTÃO DA TERAPIA ANTITROMBÓTICA EM PACIENTES SUBMETIDOS À CIRURGIA

Ácido acetilsalicílico (AAS), clopidogrel, prasugrel e ticagrelor

Baixas doses de aspirina (150 mg/dia) têm meia--vida de ação do medicamento de cerca de 2,0-4,5 horas, overdose (mais de 4.000 mg) prolongam a meia-vida até 15-30 horas. Clopidogrel, prasugrel e ticagrelor têm meia-vida de 7-10 horas. Ressalta-se que apenas o ticagrelor é um inibidor reversível da agregação plaquetária, todos os demais antiagregan-tes plaquetários inibem as plaquetas até que novas plaquetas sejam sintetizadas (7-10 dias).3 Esses medi-camentos, quando em circulação na corrente sanguí-nea e sendo realizada transfusão plaquetária, têm a capacidade de inibir a atividade das plaquetas trans-fundidas. Dessa forma, a reversão de urgência desses medicamentos está diretamente associada ao tempo desde a última dose e quantidade de medicamento ingerida. Mesmo assim, havendo sangramento signi-ficativo, faz-se necessária a transfusão de plaquetas.

Heparina não fracionada

A heparina não fracionada (HNF) é uma mistu-ra heterogênea de glicosaminoglicanos de diversos tamanhos e pesos moleculares. Seu peso molecular médio é de 15.000 daltons, podendo variar de 3.000-30.000 daltons. Uma sequência pentassacarídea espe-cífica que se liga à antitrombina III (ATIII) está presente em aproximadamente 30% das moléculas de hepari-na.10 Essa ligação potencializa a ação da ATIII em cerca de 1.000 vezes, permitindo à heparina inibir, fortemen-te, a trombina e o fator Xa e também os fatores IXa,

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Antagonistas da vitamina K

O varfarin (Marevan®) constitui o principal an-ticoagulante oral utilizado em nosso meio. Trata-se de uma opção prática e barata, capaz de garantir um anticoagulação plena a longo prazo.22 Age a partir da inibição da síntese hepática dos fatores II, VII, IX e X (dependentes da vitamina K). Sua monitorização se faz por meio do RNI, sendo mantido entre 2,0 e 3,0 para a maioria das sua indicações.

Hemorragia é a complicação mais comum do varfa-rin.23 Os pacientes idosos (> 65 anos) são geralmente mais sensíveis à medicação, sendo necessária uma dose diária menor. O sangramento tende a ocorrer com mais frequ-ência nos primeiros três meses de terapia. Drogas que alteram o metabolismo do varfarin incluem antibióticos, amiodarona, estatinas, anticonvulsivantes e até mesmo algumas plantas, como a erva de São João. O consumo de álcool em pequena a media quantidade parece não afetar seu metabolismo. No entanto, o cosumo excessi-vo de álcool e seus fatores relacionados, como aumento do risco de queda, alimentação inadequada e uso inade-quado da medicação, favorecem o aumento do risco de sangramento. Comorbidades associadas, como hiperten-são, doenças hepáticas, insuficiência renal, AVC, histó-ria ou predisposição a sangramento e RNI lábil, ajudam a identificar os pacientes que estão mais propensos a sangramento e, com isso, otimizar sua terapêutica.24,25

O grau de anticoagulação prévia do paciente, os níveis de vitamina K existentes no organismo e a capacidade hepática de síntese dos fatores de coagulação irão determinar a facilidade da reversão da anticoagulação.

Para pacientes com quadro de sangramento, inde-pendentemente do RNI, em que o objetivo é normalizar o RNI, vitamina K1 é o tratamento de escolha. Nesse caso, doses de 3 mg são ineficazes, sendo indicado o uso de 5-10 mg.26-28 O uso de plasma fresco congelado (PFC) também pode ser usado na dose de 10-20 mL/kg. No entanto, atualmente recomenda-se a reversão a par-tir do complexo protrombínico (CPP). Estudos clínicos comparando CPP e o PFC demonstram a correção do RNI mais rapidamente pelo CPP (média de 30 min para o CPP; e o PFC, em média, 2 horas, pela necessidade de ser aquecido, tipado e transportado do banco de sangue, além da quantidade de volume aumentada).29 A dose pode ser guiada de acordo com RNI. RNI: 1,5-3,9: 25 UI/kg; RNI: 4,0-6,0: 35 UI/kg; RNI > 6,0: 50 UI/kg.

Em pacientes com RNI aumentado e que não apre-sentam sangramentos devemos orientar nossa condu-

Esses produtos diferem no peso molecular, farma-cocinética, atividade antiF-IIa/antiF-Xa e indicações clínicas, mas as recomendações de reversão de anti-coagulação se aplicam igualmente entre eles.15

A meia-vida das HBPMs variam de duas a cinco horas, dependendo da HBPM usada. A biodisponibili-dade após administração subcutânea de injeção é de aproximadamente 90% e tem seu pico de concentra-ções atingido em uma a cinco horas.16

A monitorização da anticoagulação é frequente-mente desnecessária, mas pode ser avaliada a partir da atividade antiFXa (em casos especiais como obe-sidade, gravidez e insuficiência renal).17

A reversão do efeito das HBPMs pode ser feita pela protamina, sendo que todo o efeito anti-IIa (anti-trombina) é neutralizado, mas apenas 60% do efeito antiXa. Isso se deve à cadeia mais curta da HBPM. A dose de protamina depende do tempo decorrido da última aplicação da HBPM, assim como seu subtipo.14

No caso da enoxaparina (Clexane®), se o tempo da última aplicação for < 8 horas, recomenda-se usar 1 mg de protamina para cada 1 mg de enoxaparina. Se o tempo de aplicação for de 8-12 horas, a dose de protamina seria de 0,5 mg para cada 1 mg de enoxa-parina. E se > 12 horas de aplicação da enoxaparina, o uso de protamina não seria benéfico.13

Fondaparinux

Diferentemente da HNF e das HBPMs, que são produtos biológicos derivados de tecidos animais, o fondaparinux é um pentassacarídeo sintético, com peso molecular de 1.500 Da, que se liga à antitrom-bina para inibir seletivamente o Fator Xa, mas sem afetar a atividade da trombina.18

Apresenta meia-vida de cerca de 18 horas, sen-do administrado por via subcutânea geralmente em dose única. Mesmo em doses terapêuticas, não altera o PTTa e o tempo de protrombina (TP). Desse modo, monitorização de rotina não é indicada, sendo reser-vada a dosagem de fator antiXa para ocasiões espe-ciais, como no caso de insuficiência renal.19

As moléculas muito pequenas de fondaparinux não se ligam à protamina, sendo esta contraindicada para reversão da anticoagulação.20 Atualmente, não há antídoto eficaz para o fondaparinux e, apesar de ter sido proposto o uso de fator VIIa (90 mcg/kg) para controle de hemorragias graves, não há evidências que suportem seu uso.21

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tran). Apresentam algumas vantagens como início de ação relativamente rápido e ação anticoagulante mais previsível, não sendo necessária a monitori-zação de rotina do seu efeito anticoagulante. Estão sendo cada vez mais utilizados em substituição aos antagonistas da vitamina K. Assim, o anestesiologis-ta está cada vez mais suscetível a se defrontar com pacientes que fazem uso desses novos anticoagu-lantes e que serão expostos a diferentes situações clínicas que requerem intervenção (sangramento espontâneo ou pós-operatório, overdose, trauma e procedimentos cirúrgicos eletivos ou de urgência). A maioria das questões pertinentes ao manejo desses anticoagulantes nessas situações ainda não apresenta respostas claras e estudos estão sendo realizados para tentar elucidar essas questões e orientar nossas condutas.

Inibidores diretos do fator Xa

Seus principais representantes são: rivaroxaban e apixaban.

■ rivaroxaban: é um inibidor oral direto do fator Xa que apresenta boa biodisponibilidade (80%) e pouca interação medicamentosa. Sua meia-vida plasmática é de 5-9 horas, podendo ser de 11-13 horas no idoso. Não há, até o momento, antídoto específico.33 Em casos de qualquer sangramento significativo, deve-se avaliar reposição volêmi-ca adequada, assim como hemotransfusão, e identificar o local do sangramento e sua hemos-tasia.34 Parece aceitável, se possível, aguardar duas meias-vidas (14-26h) para que se alcance um nível plasmático adequado para realização do procedimento. Em casos de suspeita de into-xicação pela droga, o uso de carvão ativado até 1-2 horas após a ingestão da mesma pode ser útil. Por apresentar alta ligação proteica, rivaroxaban não pode ser removido de modo efetivo por meio de hemodiálise.35 O uso de PFC, frequentemente utilizado para reversão inicial dos pacientes an-ticoagulados, ainda não foi estudado para rever-são dos novos anticoagulantes em humanos, não sendo recomendado para essa finalidade.36 Fator VIIa recombinado vem sendo cada vez mais utili-zado de forma “off-label” como um hemostático universal. No entanto, também não foi estudado em humanos para reversão dos NACOs. A relação risco-benefício deve ser cuidadosamente avalia-

ta baseado no valor do RNI. Para um RNI abaixo de 4,5, deve-se diminuir a próxima dose da medicação ou omiti-la. RNI de 4,5-10,0 devemos parar com a medi-cação e tentar encontrar motivos que levaram ao seu aumento. O uso de vitamina K1 1,0-2,0 mg por via oral ou 5-10 mg por via endovenosa deve ser considerada. Para os paciente com RNI > 10,0, que não apresentam sangramentos nem fatores de risco, a utilização de vita-mina K1 não diminuiu o risco de sangramento em rela-ção ao placebo. No entanto, se o paciente exibe fatores de risco como sangramento nas últimas quatro sema-nas, cirurgia nas últimas duas semanas, plaquetas < 50 x 109 /L, doença hepática ou terapia antiplaquetária associada, deve-se usar vitamina K na dose de 2,5 mg VO ou 1-2 mg EV. O uso de CPP deve ser considerado.30

Ao deparar com um paciente em uso de varfarin que necessita de procedimento cirúrgico, é necessário avaliar se o risco de trombose é mais alto que o sangra-mento peroperatório. Nesse caso, a estratificação do paciente em relação ao risco de desenvolver trombo-se, assim como o tipo de cirurgia a ser realizada, torna--se de grande importância. Um RNI < 1,5 é considerado seguro para realização da cirurgia. O risco de sangra-mento é alto em cirurgias cardíacas, neurocirurgia, procedimentos ortopédico e urológicos, cirurgia em pacientes oncológicos e polipectomias. Consideram--se pacientes de alto risco aqueles com CHADS2 5-6, AVC ou AIT recente (<3 meses ), doença valvar reu-mática, TVP recente (<3 meses) e qualquer válvula mecânica cardíaca. Nesse casos, a terapia de ponte com substituição para heparina deve ser avaliada.31

Pacientes com baixo risco (CHADS2 <2 e pacien-tes tratados por mais de três meses sem episódios re-correntes de TVP ), mas que necessitam de RNI <1,5, a terapia de ponte não é indicada, sendo suficiente apenas a suspensão da medicação. A avaliação do RNI deve ser feita próximo do dia da cirurgia e se esse for >1,5, administrar 5 mg de vitamina K

1 por via oral.32

Para procedimentos com baixo risco de sangra-mento, como procedimentos dermatológicos, odon-tológicos, outros procedimentos orais e endoscopia (mesmo que haja biópsia, mas não polipectomia), o uso de varfarin deve ser continuado.30

Novos anticoagulantes orais

Os novos anticoagulantes orais (NACOs) incluem os inibidores diretos do fator Xa (rivaroxaban e api-xaban) e os inibidores diretos da trombina (dabiga-

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Reversão de urgência da anticoagulação

sem a necessidade da antitrombina. O pico de concen-tração plasmática é alcançado 1,25-3,0 horas após sua administração e tem meia-vida de 12-14 horas em indiví-duos saudáveis. Cerca de 80% do fármaco são elimina-dos por via renal. Seu efeito anticoagulante acumula-se no quadro de insuficiência renal e tal bioacumulação correlaciona-se bem com o grau de disfunção renal. Ao contrário dos NACOs, que possuem alta ligação pro-teica, o dabigratan tem baixa ligação, permitindo sua eliminação através de hemodiálise.42,43

Embora não seja necessária monitorização labo-ratorial de rotina nos casos em que há hemorragia aguda, suspeita de overdose ou cirurgia de emer-gência, essa monitorização torna-se interessante.44 O dabigratan prolonga o PTTa de forma curvilínea em relação à sua concentração, que resulta em diminui-ção na sua precisão. No entanto, o PTTa parece ser uma alternativa razoável se outros testes não estão disponíveis. O PTTa normal provavelmente irá indi-car ausência de efeito anticoagulante clinicamente importante.45 Outro modo de monitorização seria por meio do Hemoclot (teste que avalia a inibição da trombina), que provavelmente é hoje o método mais confiável para avaliar sua atividade.46, 47

A reversão de urgência segue os mesmos conceitos dos outros NACOs. No entanto, o dabigrantan possibi-lita a hemodiálise para sua eliminação.42 Em estudo, seis voluntários com doença renal em estágio termi-nal receberam 50 mg de dabigatran antes da hemodi-álise. Média de 62% do dabigratan foi removida depois de duas horas e 68% após quatro horas.48 Infelizmen-te, a hemodiálise em paciente com distúrbio de coa-gulação e sangramento ativo pode não ser possível. Como citado anteriormente, o PFC para reversão dos NACOs ainda não é recomendado. Em pesquisa com camundongos foi administrado dabigatran (4,5 mg/kg ou 9,0 mg/kg) antes da indução da hemorragia intra-craniana. A administração de PFC conseguiu limitar a expansão do hematoma no grupo de baixa dose, mas não teve algum efeito no grupo de altas doses e não diminuiu significativamente a mortalidade.36,49

Em vários modelos animais, o fator VIIa reverte o sangramento prolongado associado ao dabigatran, mas não corrige a coagulopatia subjacente, tal como sugerido por outros marcadores laboratoriais.49 Apesar de ser uma conduta “off-label”, alguns autores recomen-dam o uso de fator VIIa na dose de 60-90 mcg/kg EV.41

O CPP vem sendo estudado em humanos para re-versão dos NACOs e segue o mesmo princípio para os outros NACOs (CPP 50 U/kg ).49-51

da, uma vez que seu uso está relacionado a alto risco de trombose arterial em idosos.37-39

■ ao contrário dos outros agentes procoagulantes, o complexo protrombínico total (fatores II, VII, IX e X) tem sido considerado potencial agente de re-versão em humanos. Pequeno estudo duplo-cego, randomizado, controlado por placebo, com 12 ho-mens saudáveis demonstrou que o CPP reverteria tanto o prolongamento do tempo de protrombina quanto a inibição trombina endógena.40 Apesar de promissor, mais estudos são necessários para avaliar a eficácia do CPP. A Washinton Univeristy sugere, para reversão de urgência do rivaroxa-ban, o CPP na dose de 50 U/kg (dose máxima de 5.000 U).13 Alguns autores recomendam, em caso de sangramento muito importante, avaliar o uso de fator VIIa recombinante 90 mcg/kg.41 A monito-rização da atividade anticoagulante pode ser feita com base na dosagem da atividade antifator Xa. Importante lembrar que o CPP, apesar de corrigir parcialmente o PTTa e o TP, não afeta o fator an-tiXa, assim como a depuração da droga. E a cor-relação entre diminuição do TP e PTTa e diminui-ção do sangramento ainda não foi estabelecida.13

■ apixaban: é um inibidor direto do fator Xa que também apresenta boa biodisponibilidade (51-85%), meia-vida de 10-15h, com concentração plasmática máxima atingida após sua ingestão em 1-3h. Sua eliminação é tanto hepática/biliar (75%), quanto renal (25%). Também não necessita de monitorização; e em condições que são neces-sárias pode-se usar a dosagem dos níveis antifator Xa.42 Em relação à reversão de urgência do apixa-ban, devem-se seguir os mesmos conceitos cita-dos para o rivaroxaban, exceto por sua meia-vida mais longa, aguardando-se duas meias-vidas (20-30h), se possível, para atingir níveis plasmáticos aceitáveis para a realização do procedimento.17

Inibidores direto da trombina

A trombina exerce papel central na homeostase, tornando-se um atraente alvo para drogas anticoagu-lantes. Quando a trombina é ativada a partir da pro-trombina, ela converte o fibrinogênio solúvel em fibri-na insolúvel; ativa os fatores de coagulação V, VIII, XI (que geram mais trombina) e ativa as plaquetas.

O dabigratan é um inibidor direto reversível da trombina, que inibe a trombina livre e a ligada à fibrina,

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Reversão de urgência da anticoagulação

nitoramento do PTTa.57-60 A desirudina possui meia--vida de cerca de 120 minutos, tem eliminação renal e a monitorização pelo PTTa é indicada nos casos de seu uso na insuficiência renal.58-62

Apesar de não haver antídotos específicos, o uso do DDAVP em modelos animais reduziu o efeito anti-coagulante da lepirudina. O DDAVP pode ser usado na dose de 3 mcg/kg, podendo-se repetir após 8-12h. Não é indicado mais de duas doses.62-64 Ácido tranexâmico e ácido aminocaproico também podem ser considerados em casos de sangramentos pelos IDTPs (ácido tra-nexâmico na dose de 10 mg/kg IV de 6-8h e ácido aminocaproico na dose de 0,1-0,15 g/kg IV durante 30 minutos seguido de infusão contínua de 0,5-1 g/kg/h).65

RESUMO

Os princípios da reversão da anticoagulação são: ■ suspender doses subsequentes do anticoagulante; ■ considerar o antídoto apropriado; ■ tratamento de suporte: reposição volêmica, ino-

trópicos, conforme necessário; ■ medidas locais ou cirúrgicas de hemostasia: agentes

tópicos (ácido tranexâmico e ácido aminocaproico); ■ transfusão (concentrado de hemácias, plaquetas,

plasma fresco congelado, fator VIIa, CPP, como indicado);

■ identificar a fonte do sangramento.

Van Ryn et al. avaliaram a neutralização do dabi-gatran a partir de um anticorpo seletivo, sendo aguar-dados os dados clínicos.52

É aconselhável, se possível, aguardar duas meias-vidas (34h) para que a concentração de dabigratan se torne aceitável e o procedimento proposto seja realizado.17

Inibidores direto da trombina parenteral

Os inibidores diretos da trombina parenterais (IDTP) ligam-se de forma bivalente à trombina (cen-tro ativo e exossítio), diferentemente dos NACOs, que se ligam de forma univalente à trombina somente em seu sítio ativo.

Os representantes desse grupo são: argotraban, biva-lirudina, lepirudina e desirudina. Eles não apresentam antídotos específicos. Na ocorrência de sangramentos, é necessário interromper a infusão do anticoagulante. A monitorização da anticoagulação é feita por meio do PTTa, mas pode alargar também o RNI.53

Argotraban apresenta meia-vida de eliminação de 40-50 minutos e pode ser monitorizado por meio do PTTa.54,55 A bivalirudina tem meia-vida muito curta, de 25 minutos, sendo metabolizada predominantemente por proteólise. No entanto, 20% dela são excretados pelos rins, o que requer ajuste de dose na insuficiên-cia renal.56 A meia-vida da lepirudina é de cerca de 80 minutos, tem eliminação renal e recomenda-se o mo-

Tabela 1 - Sumário dos agentes reversores

Agente Dose Comentários

Vitamina K 1-10 mg IV/VONão administrar SC/IM

• reações à infusão são raras: administrar em 20-30 min• 6 (IV) a 24 (VO) horas para reversão do varfarin

• doses excessivas podem causar resistência ao reiniciar a medicação

Sulfato de protamina 12,5-50 mg IV

• reversão total da heparina não fracionada• 60-80%de reversão da heparina de baixo peso molecular

• não reverte fondaparinux

Plaquetas 1 unidade de aferese5-8 unidades plaquetárias

• aumenta a contagem de plaquetas em aproximadamente 30.000/mm3

• goal: 50-100 x 103/mm3

Plasma fresco congelado

10-30 mL/kg(1 unidade = 250 mL)

• substitui todos os fatores da coagulação, mas não corrige totalmente• pode ser necessário repetir a dose após seis horas

• volume alto, horas para descongelar e infundir

Concentrado de complexo protrombínico

20-50 Unidades/kg

• correção rápida do RNI em pacientes em uso de varfarin• volume reduzido de infusão em curto espaço de tempo (10-30 min)

• risco de trombose = 1,4%• contraindicado quando há história de plaquetopenia induzida por heparina

• pode ser necessário repetir a dose após seis horas

Fator recombinante VIIa(rFVIIa)

15-90 Unidades/kg

• infusão rápida e volume pequeno• correção rápida do RNI em pacientes em uso de varfarin pode não corrigir o sangramento porque contém apenas rFVIIa

• contraindicado quando há história de plaquetopenia induzida por heparina• risco de trombose 5-10%

• pode ser necessário repetir a dose após duas horas

Fonte: 2011 Clinical Practice Guide on Anticoagulant Dosing and Management of Anticoagulant-Associated Bleeding Complications in Adults.

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Reversão de urgência da anticoagulação

Tabela 2 - Sumário dos anticoagulantes

Agente Meia-vida de eliminação

Eliminação por diálise Sumário da reverção emergencial do sangramento potencialmente fatal

Apixaban (eliquis)

12 horas(aumentada se

houver alteração da função renal)

Não

• se administrado há menos de duas horas: carvão ativado 1 g/kg máximo 50 g• administrar concentrado de complexo protrombínico 50 UI/kg em 10 minutos

• considerar fator VIIa 60-90 mcg/kg• monitorizar RNI e fator Xa para confirmar a reversão

Argatroban 40-50 minutos 20%

• Suspender a infusão• considerar DDAVP: 3 mcg/kg Se necessário, repetir após 8-12h

• considerar ácido tranexâmico 10 mg/kg EV de 6-8h ou ácido aminocaproico 0,1-0,15 g//kg EV em 30 minutos seguido de infusão contínua 0,5-1 g/kg/h

• Considerar crioprecipitado• monitorizar PTTa para confirmar o clearance

Bivalirudin (angiomax)

25 minutos(até 1 hora se

houver alteração da função renal)

25%

• suspender a infusão• considerar DDAVP: 3 mcg/kg. Se necessário, repetir após 8-12h.

• considerar ácido tranexâmico 10 mg/kg EV de 6-8h ou ácido aminocaproico 0,1-0,15 g//kg EV em 30 minutos seguido de infusão contínua 0,5-1 g/kg/h.

• considerar crioprecipitado• monitorizar PTTa para confirmar o clearance

Dabigatran (pradaxa)

14 horas(até 34 horas se

houver alteração da função renal)

62-68%

• se administrado há menos de duas horas: carvão ativado 1 g/kg máximo 50 g• administrar concentrado de complexo protrombínico 50 UI/kg em 10 minutos

• considerar fator VIIa 60-90 mcg/kg• TTPa pode ser usado para monitorizar a reversão

Enoxaparina (clexane)

3-5 horas(aumentada se

houver alteração da função renal)

20%

• protamina reverte parcialmente o efeito (aproximadamente 60%)• administrar protamina: (taxa 5 mg/min, máximo 50 mg)

• se a última dose < 8 horas: para cada 1 mg de enoxaparina, administrar 1 mg de protamina• se última dose 8-12 horas: para cada 1 mg de enoxaparina, administrar 0,5 mg de

protamina• se última dose >12 horas: não há benefício com a protamina

• se sangramento refratário ou potencialmente fatal: administrar duas unidades de plasma fresco congelado; concentrado de complexo protrombínico 50 UI/kg em 10 minutos;

monitorar antifator Xa para confirmar a reversão

Fondaparinux (arixtra)

17-21 horas(muito aumentada se houver alteração da

função renal)

Não• não há antídodo eficaz

• considerar fator VIIa 90 mcg/kg• monitorização por meio da atividade fator antiXa

Heparina 30-90 minutosDose-dependente Parcial

• protamina neutraliza a heparina• tempo última dose heparina:

- imediato: 1 mg de protamina para 100 UI- 30 min-2h: 0,5 mg para 100 UI de heparina

- > 2h: 0,25 mg para 100 UI de heparina• não exceder a taxa de 5 mg/minuto e dose máxima de 50 mg

Rivaroxaban (xarelto)

5-9 horasIdosos: 11-13 horas

(aumentada se houver alteração da

função renal)

Não

• se administrado há menos de duas horas: carvão ativado 1 g/kg máximo 50g• administrar concentrado de complexo protrombínico 50 UI/kg em 10 minutos

• considerar fator VIIa 60-90 mcg/kgMonitorizar RNIe fator Xa para confirmar a reversão

Varfarin (marevan)

RNI Cenário Opções Terapêuticas• <4.5 sem sangramento – suspender administração até RNI em níveis terapêuticos

• reversão rápida necessária – suspender varfarin• Vitamina K 2,5 mg VO.

• 4.5-10 sem sangramento – suspender administração até RNI em níveis terapêuticos• considerar vitamina K 1,0 – 2,0 mg VO ou 5-10 mg EV.

• reversão rápida necessária – suspender varfarin• vitamina K 2,5-5 mg VO.

• >10 sem sangramento – suspender administração até RNI em níveis terapêuticos• avaliar fatores de risco: vitamina K 2,5 mg VO.

• reversão rápida necessária – suspender varfarin• vitamina K 2 mg IV

• considerar o uso de CCP.• qualquer RNI – sangramento potencialmente fatal suspender varfarin

• vitamina K 10 mg IV em 30 minutos• concentrado de complexo protrombínico:

-RNI 1,5-3,9: 25 UI/kg -RNI 4,0-6,0: 35 UI/kg

-RNI > 6,0: 50 UI/kg• avaliar plasma fresco congelado 10-20 mL/kg

Fonte: 2011 Clinical Practice Guide on Anticoagulant Dosing and Management of Anticoagulant-Associated Bleeding Complications in Adults.

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RELATO DE CASO

Instituição:Santa Casa de Misericórdia

Belo Horizonte, MG – Brasil.

Autor correspondente:Renato Machado Coelho Filho

E-mail: [email protected]

1 Residente em Anestesiologia. Centro de Ensino e Treinamento – CET da Santa Casa de Belo Horizonte.

Belo Horizonte, MG – Brasil. 2 Médico Anestesiologista. Título Superior em

Anestesiologia – TSA pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA e corresponsável pelo CET da

Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Acadêmica do curso de Medicina das

Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros. Montes Claros, MG – Brasil.

4 Médica Alergista. Professora Titular da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros –

Unimontes. Montes Claros, MG – Brasil.

RESUMO

Introdução: a anafilaxia é a forma mais grave de manifestação alérgica e constitui verdadeira emergência médica. A alergia ao látex aumentou muito nos últimos 30 anos, paralelamente ao emprego de produtos derivados no ambiente da saúde, com especial destaque para as luvas. Simultaneamente, medidas preventivas e terapêuticas surgiram no âmbito da Anestesiologia para o adequado manejo de pacientes suscetíveis à alergia ao látex, desde a avaliação pré-anestésica, até a alta hospitalar. A magnitude das reações ao látex varia desde inofensivas placas cutâneas, até o dramático colapso cardiovascu-lar.1 Objetivo: descrever a abordagem pré-operatória de dois pacientes alérgicos ao látex, com ênfase no preparo da sala de cirurgia látex seguro (“latex free”) na Santa Casa de Belo Horizonte e fazer breve revisão bibliográfica sobre a alergia ao látex e suas implica-ções para o anestesiologista. Métodos: foram selecionados dois casos recentes, aborda-dos em março e abril de 2012, e solicitada autorização por escrito dos pacientes. Para a revisão bibliográfica, foram procuradas publicações indexadas nacionais e estrangeiras sobre o tema. Conclusão: a alergia ao látex representa um problema real, de incidência de 0,2% na população geral, sem considerar os indivíduos com fatores de risco. Assim, medidas preventivas e terapêuticas devem ser do conhecimento do anestesiologista, para o adequado manejo de pacientes susceptíveis. Nesse contexto, merece especial destaque o ambiente látex seguro como principal alternativa preventiva.

Palavras-chave: Anafilaxia; Hipersensibilidade ao Látex; Hipersensibilidade ao Látex; Complicações Intraoperatórias; Anestesiologia.

ABSTRACT

Introduction: Anaphylaxis is the most severe form of allergic manifestation and constitutes a true medical emergency. Allergy to latex has increased a lot in the last 30 years parallel to the use of derivative products in healthcare environments with particular emphasis on gloves. At the same time, preventive measures and therapies have emerged within the Anesthesiology field for the appropriate management of patients with allergy to latex, from the pre-anesthetic assessment to hospital discharge. The magnitude of the reactions to latex range from harmless skin plates to dramatic cardiovascular collapse.1 Objective: to describe the preoperative approach in two pa-tients allergic to latex, with emphasis on the preparation of an operating room as latex safe (“la-tex free”) at the Santa Casa de Belo Horizonte and to present a brief bibliographical review about latex allergy and its implications for the anesthesiologist. Methods: we selected two recent cases, in March and April of 2012, and requested written consent from these patients. The literature review included a search of indexed domestic and foreign publications on the topic. Conclusion: latex allergy represents a real problem with 0.2% incidence in the general population, without considering individuals with risk factors. Thus, preventive and therapeutic measures should be known to the anesthesiologist for the appropriate management of susceptible patients. There-fore, latex safe environments deserve special mention as the main preventive alternative.

Latex safe environment: report of two cases

Renato Machado Coelho Filho1, Cláudia Helena Ribeiro Silva2, Wirleyde Mattos Leão2, Núbia Campos Faria Isoni2, Marcelle Mafra de Queiroz3, Magna Adaci de Quadros Coelho4

Ambiente látex seguro: relato de dois casos

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S017

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A reação alérgica tipo I pode também se apresen-tar como asma, rinite, conjuntivite até a forma clássi-ca de anafilaxia.3 A anafilaxia provocada pelo látex é citada em determinados estudos como segundo agente entre eventos alérgicos perioperatórios entre adultos, depois dos relaxantes neuromusculares e seguidos pelos antibióticos β-lactâmicos em geral4,5; e como primeiro, para pacientes pediátricos. Pode acontecer no intraoperatório ou horas após e, confor-me a magnitude, ser fatal.4

As reações cutâneas como a DCI, provocadas pe-los outros componentes associados ao látex, podem ser fator de risco para a sensibilização alérgica, de-flagrando reação tardia ou imediata potencialmente fatal, como o choque anafilático.1,2 No entanto, um indivíduo pode vir a experimentar franca anafilaxia, sem nunca ter tido alguma manifestação cutânea prévia, pois a sensibilização também ocorre através partículas inaladas.2,3

O evento anafilático relacionado ao látex é, como qualquer outro, uma emergência médica. Requer me-didas imediatas pelo anestesiologista. Mediado pelo anticorpo IgE, surge como reação multissistêmica, com manifestações cutâneas (angioedema, eritema, exantema, urticária); respiratórias (dispneia, sibilos, roncos); cardiovasculares (hipotensão, taquicardia, arritmias) e neurológicas (confusão mental).1,2,6 No entanto, no intraoperatório, é uma causa difícil de de-terminar, sem contar com a história prévia do pacien-te e principalmente quando se considera o número de substâncias potencialmente alergênicas empregadas pelo anestesiologista (bloqueadores neuromuscula-res, antibióticos, coloides, hemoderivados, anti-infla-matórios, analgésicos, soluções antissépticas). O fato de o paciente ficar encoberto por campos cirúrgicos e sedado dificulta a percepção de manifestações cutâ-neas pela inspeção e pela queixa do prurido, respecti-vamente. Portanto, o sinal mais sensível de anafilaxia percebido pelo anestesiologista é a taquicardia.7,8

Os pacientes com mais risco de desenvolverem alergia ao látex incluem crianças com história de múl-tiplas cirurgias prévias, como portadores de malfor-mação urinária, mielomeningocele e espinha bífida, e profissionais da área de saúde. Merecem destaque especial pacientes que já demonstram sinais de hi-persensibilidade ao látex ou mesmo quando possuem exames laboratoriais e testes cutâneos positivos.3 Em estudo, estimou-se a prevalência de sensibilização ao látex, entre anestesiologistas, de 12,5%.4 Quando há

Key words: Anaphylaxis; Latex Hypersensitivity; Intraopera-tive Complications; Anesthesiology.

INTRODUÇÃO

Com a descoberta de doenças infectocontagiosas, medidas de biossegurança foram cada vez mais adota-das nos últimos 30 anos, sobretudo com a dispersão de entidades clínicas como a síndrome da imunodeficiên-cia adquirida e hepatites.1 Nesse contexto, o emprego de luvas de látex e preservativos foi amplamente in-centivado, o que representou um estímulo à sensibili-zação de pacientes e de profissionais da área da saúde com o aparecimento de um problema clínico – a aler-gia ao látex. Também colaboraram para essas manifes-tações as alterações no processamento e fabricação da borracha que provocou alterações qualitativas com aumento do conteúdo proteico alergênico do látex.2,3

Após discussões científicas e reconhecimento desse problema de saúde emergente, diversos paí-ses programaram medidas preventivas e educativas para evitar o risco nos grupos expostos1. Embora a associação do látex em luvas descartáveis seja a mais recorrente, esse constituinte pode também compor dispositivos de via aéreas, cateteres venosos, serin-gas, estetoscópios, roupas e curativos sintéticos, além de outros 40.000 produtos de uso médico ou não, passíveis de sensibilizar diretamente por via mucosa, cutânea ou percutânea.1

O látex é uma substância produzida por células lactíferas de árvores, com destaque especial para a seringueira ou Hevea braziliensis, 99% das espécies utilizadas.1 É composto de lipídios, fosfolipídios e pro-teínas. As últimas perfazem 1 a 2% e cerca de 240 po-lipeptídeos diferentes já foram identificados. Destes, 25% têm propriedades alergênicas e são responsáveis pela estimulação imunológica e produção do anticor-pos IgE.3 Durante a vulcanização, à parte natural são adicionados antioxidantes e aditivos químicos acele-radores para comporem o látex, que é matéria-prima para a síntese dos mais diversos produtos médico--hospitalares.1 Esses outros aditivos também exibem potencial irritativo, no entanto, não desempenham papel alergênico significativo, como as proteínas.1

As manifestações clínicas das reações relaciona-das ao látex variam de não imunológica – dermatite de contato irritativa (DCI) – a imunológica –(hiper-sensibilidade tipo IV e I) – dermatite alérgica de con-tato, urticária e angioedema.2,4

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res laterais ou, se houver, não utilizá-los; dar preferência às ampolas de vidro, sem perfurar a borracha isolante de frascos convencionais. Na sua existência, utilizar um porta-agulhas para romper o lacre metálico, expondo o conteúdo sem perfurar a borracha isolante.1,11,12

A sala de cirurgia “livre de látex” deve ser prepa-rada idealmente na noite anterior e serem colocados no seu interior o máximo dos itens previstos para seu emprego, para se evitar a abertura de sua porta, a qual deve ser fechada ao ser montada, com o ar-condicio-nado cuja tubulação não seja comunicante com as de-mais salas de cirurgia. Tanto a equipe médica, aneste-siologistas e cirurgiões como a enfermagem devem ter esse paciente como o primeiro da manhã. Não devem ter tido contato com látex nesse dia, para se evitar a impregnação de partículas antigênicas na roupa.1,11,13

A atenção ao contato desse paciente com o látex deve ser estendida para além do bloco cirúrgico. Con-siderar que a maca de transporte deve ser higienizada previamente, forrada com tecido de algodão e que o funcionário responsável pela movimentação não uti-lize luva de látex, bem como o indivíduo encarregado da higienização do ambiente na noite anterior.

Um ambiente totalmente livre de látex é difícil de ser atingido em sua forma plena, pois demanda cons-cientização e esclarecimento de toda a equipe com médicos, enfermeiros, técnicos, farmacêuticos, equipe de limpeza, nutricionistas e pessoal encarregado pelo preparo e condicionamento de alimentos, os quais nor-malmente usam luvas e manipulam outros alimentos potencialmente relacionados à “síndrome látex fruta”.1,5

O ambiente livre de látex é uma importante me-dida preventiva e está indicado a todos os indivíduos documentados como sensibilizados ou alérgicos e àqueles considerados como grupo de risco que apre-sentarem história sugestiva de anafilaxia durante pro-cedimentos cirúrgicos e/ou odontológicos.

Para os pacientes com indicação de cirurgias eleti-vas, a consulta pré-anestésica é um momento crucial para se extraírem dados relacionados à alergia e aos ali-mentos passíveis de reação cruzada com látex ou even-tos clínicos de anafilaxia em procedimentos anteriores. Em caso de suspeita de alergia, o anestesiologista deve encaminhar o paciente ao serviço de imunologia clíni-ca, para tentar, a partir de métodos específicos, definir o grau de sensibilidade e orientações adequadas. Em cirurgias de emergência, para pacientes que apresen-tam o relato de alergia a látex ou história de anafilaxia em cirurgias anteriores, cujo agente é desconhecido, recomenda-se realizar o ato em sala latex free.4

dados que sugerem sensibilização associada a ato-pias, as chances de alergia ao látex aumentam, além da última ser uma condição de pior prognóstico para eventos anafiláticos no geral. A coexistência de alergia a alimentos como abacate, kiwi, banana e castanhas e sensibilidade cruzada com o látex é bem estabelecida e denominada “síndrome látex-fruta”.2,5 No grupo de risco dos profissionais de saúde com alergia ao látex e entre aqueles que exibiram anafilaxia ao látex, essa síndrome é elevada, o que difere das crianças com es-pinha bífida cuja prevalência de” síndrome látex-fruta” é menor.8 É importante avaliar pacientes que já relata-ram evento anafilático prévio em cirurgias sem identifi-car o alérgeno ou que o identificaram como látex, pois esses eventos podem ser fatores de risco para novas reações.6,9 Também devem ser analisados com mais critério os relatos de angioedema labial ou sintomas relacionados à alergia após tratamento odontológico.6

Vale ressaltar que há duas situações para o pa-ciente: ser sensível ou ter alergia ao látex. A sensibili-dade pode ser determinada por testes diagnósticos in vivo (testes cutâneos ou provas de provocação) e/ou laboratoriais com dosagem do IgE específico para as proteínas do látex. O diagnóstico da alergia ao látex é fundamentado na história clínica e confirmado pelos testes em indivíduos hipersensíveis.2

As características da reação e a forma de exposi-ção ao látex são necessárias para o entendimento do quadro apresentado, pois não é necessário contato direto com as substâncias, embora seja essa a maior forma de estímulo.1 Dos vários peptídeos isolados, 14 têm o poder de dispersão no ar.1 Assim, tais partículas podem estimular o paciente, seja por via aérea ou mes-mo ao precipitarem aerossóis em área cruenta na inci-são operatória. A simples presença do látex na sala de cirurgia constitui um risco aos indivíduos suscetíveis, ainda que não esteja em contato direto. Dessa forma, surge a necessidade de um ambiente livre de látex.8-11

O conceito de ambiente livre de látex vai além da sala de cirurgia. Não pode conter algum material de látex, incluindo aparelho de anestesia e de monitoriza-ção, mesa cirúrgica, móveis, luvas, drenos, sondas, ca-teteres, instrumental, seringas, torniquetes, entre outros. Esses itens devem ser substituídos por similares feitos com vinil e outros derivados do petróleo, metal ou vi-dro. O item cuja constituição não seja de conhecimento da equipe deve ser removido e, quando inevitável e des-conhecido, como a superfície na qual o paciente estará deitado, deve ser devidamente forrada com lençóis de algodão. Deve-se optar por equipos de PVC sem injeto-

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Os anti-histamínicos podem ser utilizados em graus leves de anafilaxia. Não há grau de evidência que reco-mende o seu emprego em choque anafilático.17

A pré-medicação com glicocorticoide e anti-hista-mínico defendida por algumas fontes não tem eviden-cia que corrobore seu emprego. Inclusive, pode masca-rar as manifestações de anafilaxia no peroperatório.13-15

Além das medidas citadas, a observação pós--evento é fundamental para garantir a segurança do paciente. Existe a forma bifásica da anafilaxia, a qual pode se mostrar com intensidade igual, inferior ou superior à manifestação inicial. Há autores que recomendam tempo mínimo de oito horas de obser-vação, embora já tenham sido citados casos fatais da forma bifásica com até 24 horas do evento-índice.13

Há autores que defendem a coleta de sangue da veia femoral para dosagem de histamina e/ou tripta-se sérica para aqueles pacientes que vieram a óbito e há suspeita de anafilaxia. Essas evidências laborato-riais têm alto valor preditivo positivo para confirmar o diagnóstico. Essas amostras seriam então congela-das para posterior análise clínica, se o serviço não dispuser de kits laboratoriais específicos.4,17

O anestesiologista é o médico que potencialmente apresenta mais chance de presenciar uma anafilaxia. Nesse contexto, fazem parte de suas funções estar atento e reverter o quadro, como também dar segui-mento ao paciente acometido no peroperatório, ao encaminhá-lo para ambulatórios de imunologia clíni-ca para investigação das causas de anafilaxia.4,17,18

RELATO DE CASO

Caso I

Paciente feminino, 69 anos, PII, candidata a histe-rectomia, ooforectomia, linfadenectomia paraórtica e omentectomia, por conta de neoplasia de corpo uterino em março de 2012. Portadora de asma per-sistente moderada, hipertensão arterial controlada e diabetes mellitus. Há o relato de reação anafiláti-ca grave, com choque durante colecistectomia via laparotômica há 14 anos, fato que foi investigado pelo alergista, em que houve sugestão de hipersensi-bilidade ao látex por teste cutâneo. Houve, pois, um relatório do alergista sugerindo alergia ao látex. Para corroborar a evidência clínica, a mesma paciente já exibira angioedema de lábios durante tratamento

Para os pacientes que apresentaram anafilaxia ou choque anafilático durante o ato anestésico-cirúrgico, deverá ser oferecida uma cópia do boletim de aneste-sia, contendo o nome químico e comercial, dosagem e horário da infusão de todas as substâncias utilizadas no perioperatório para auxiliar o alergista que reali-zará a investigação no mínimo 30 dias após evento.4,9

O tratamento da anafilaxia deflagrada pelo látex é idêntico àquele destinado a qualquer agente e deve obedecer ao estádio clínico:

■ grau I: apenas manifestações cutâneas, pode-se proceder à observação ou empregar glicocorti-coide para reduzir angioedema e prurido.13

■ grau II: manifestações cutâneas e/ou respiratórias e/ou cardiovasculares sem choque (pressão arte-rial sistólica acima de 90, abordagem idêntica ao grau I; se tendência à hipotensão, pode-se empre-gar adrenalina, mas não é mandatória. Além dis-so, recomenda-se ofertar oxigênio a 100% suple-mentar, hidratação e posição de Trendeleburg.13

■ grau III: pode apresentar manifestações contidas em I e II, com hipotensão, pressão arterial sistóli-ca inferior a 90, associada à taquicardia. O uso de adrenalina está formalmente indicado, associado às medidas anteriores.13

■ grau IV: quando recrudesce com parada cardio-vascular. Uso de adrenalina é mandatório.13-15

O uso da adrenalina diante de choque anafiláti-co é mandatório. É a droga de escolha, uma vez que representa o antagonista fisiológico da histamina, principal mediador da anafilaxia. Por sua estimula-ção beta, consegue ativar a adenilciclase, aumenta o AMp cíclico intracelular e, assim, evita a degra-nulação de mastócitos e basófilos.13 Dessa forma, a adrenalina é capaz de reduzir as manifestações da anafilaxia e evita o aumento de sua intensidade, já que inibe a liberação de mediadores de anafilaxia.13-15 Para pacientes que utilizam beta-bloqueadores, a resposta à adrenalina pode ser ineficaz ou ausente, quando o emprego do glucagom está indicado, já que este estimula a adenilciclase, sem a participação do receptor beta. Quando o choque se mostra refra-tário, usar adrenalina contínua ou noradrenalia ou metaraminol.13,15,16

Os glicocorticoides compõem o arsenal terapêuti-co, mas não têm posição imperativa no choque anafilá-tico, já que seu mecanismo de ação é por transrepres-são nuclear e lento. A hidrocortisona tem pico de ação em quatro horas, a metilprednisona em 30 minutos.13

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Optamos pela anestesia geral balanceada, com sevoflurane, protóxido, remifentanil, propofol e cisa-tracúrio. Para analgesia pós-operatória: cetoprofeno, dipirona e morfina. Sondada com cateter vesical de demora de silicone. Hidratada com solução salina a 0,9%. Todo o material utilizado era destituído de látex e a sala foi preparada na noite anterior, enfatizando--se que todo o circuito do aparelho de anestesia foi trocado, inclusive o reservatório de cal sodada. Ato transcorrido em oito horas e sem intercorrências. En-caminhada diretamente da sala de cirurgia (onde foi extubada e observada por 30 minutos) para o leito, preparado previamente sem látex. O tempo de per-manência foi de dois dias no hospital, com alta, sem manifestações alérgicas.

DISCUSSÃO

A incidência de sensibilidade ou alergia ao látex é variável conforme a população estudada, bem como ocupação, mas há estudos que reportam até 6,4% de pessoas sensíveis ao látex.10 Em um intervalo de me-nos de um mês tivemos dois pacientes.

O ambiente livre de látex está indicado a todos com história documentada de alergia ao látex ou que apresentem sinais clínicos ou laboratoriais de sensibilização.13,15 Alguns estudos sugerem a aborda-gem preventiva precoce àqueles fortemente sujeitos à sensibilização futura, como crianças com malfor-mação em vias urinárias, sondados por muito tem-po, bem como os portadores de mielomeningocele e espinha bífida.15 Assim, desde a primeira aborda-gem, empregar-se ambiente livre de látex. A pacien-te I apresentou-se com quadro prévio de anafilaxia grave sugerida ao látex por testes cutâneos, enquan-to a paciente do caso II somente apresentou um re-sultado de IgE fortemente reator. Como se tratava de história clínica compatível e investigada em I e de um exame válido em II, optamos por preparar uma sala livre de látex para ambos, na noite anterior, com cerca de 12 horas de antecedência.

Embora em I tenha-se apresentado parecer do alergista sugerindo alergia ao látex, adotamos tam-bém mais precaução nessa paciente. Assim, evi-tamos o emprego de bloqueador neuromuscular (principal causa de anafilaxia no peroperatório), ad-ministramos o antibiótico com a paciente acordada e antes de prosseguir ao bloqueio do neuroeixo. Não utilizamos coloides para a hidratação.8,13 Não existe

odontológico. Não havia história de alergias alimen-tares, nem de exposição ocupacional concisa. A ci-rurgia atual já havia sido cancelada por duas vezes nas últimas semanas em outro serviço.

Optamos pela raquianestesia, com 20 mg de bu-pivacaína pesada, 30 mcg de clonidina, 100 mcg de morfina. Sedada com midazolan e fentanil. A antibio-ticoprofilaxia foi feita com 2 gramas de cefazolina, com a paciente acordada e antes do bloqueio do neu-roeixo e da sedação. Sondada com cateter vesical de demora, feito de silicone, bem como todo o material utilizado era destituído de látex.

Para melhor acompanhamento pós-operatório, foi solicitada vaga no Centro de Terapia Intensiva (CTI) pós-operatório da Santa Casa de Belo Horizon-te e antes havia sido informado à equipe do CTI para a preparação do leito, isolado, sem itens de látex, o que foi devidamente atendido. No CTI foram trans-fundidos 300 mL de concentrado de hemácias, em virtude de queda da hematimetria pós-cirurgia, em que a hemoglobina inicial foi de 12 g/dL e final 6,8. A despeito disso, durante o ato manteve-se predo-minantemente estável. Realizou-se apenas bolus de efedrina totalizando 75 mg. A hidratação foi feita com solução fisiológica a 0,9% aquecida.

A paciente recebeu alta do CTI no segundo dia pós-operatório e do hospital com quatro dias de inter-nação para seguimento com oncologista. É importan-te ressaltar que essa paciente iria ao Centro de Espe-cialidades Médicas (CEM) para a retirada dos pontos. Antevendo isso, nosso serviço sugeriu o uso de luvas de procedimento de silicone pela equipe cirúrgica. Não houve sinais de hipersensibilidade durante sua estada na Santa Casa BH.

Caso II

Paciente feminino, 36 anos, PI, candidata à ma-moplastia bilateral sob anestesia geral. Profissional da área de saúde, sem história prévia de eventos ana-filáticos, apresentou dosagem IgE específico para o látex fortemente reator. Embora essa paciente nunca tenha experimentado qualquer manifestação de hi-persensibilidade, esse exame havia sido solicitado pela equipe de cirurgia plástica, em virtude de uma experiência grave com alergia ao látex vivenciada pela equipe no passado. Tornou-se, portanto, para essa equipe, rotina solicitar dosagem de IgE para o látex indiscriminadamente.

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fato de não ter sido realizado teste alérgico com esses medicamentos documentados no relatório fornecido pelo alergista (Figuras 1 e 2).

recomendação para evitar bloqueador neuromuscu-lar em pacientes alérgicos a látex, mas optamos por evitá-lo dada a gravidade da anafilaxia anterior e pelo

Figura 1 - Prick test: Teste em que é colocado em contato com a derme o antígeno pesquisado. No âmbito das possibili-dades de fármacos e substâncias do ambiente anestésico cirúrgico, seriam testados todas, inclusive o látex e a induração cutânea comparada com os grupos controle, em que são inoculados separadamente água e Histamina. Assim, conforme tamanho da induração cutânea, recai-se a suspeita alergênica. O ideal é que seja pesquisado, pelo menos 30 dias após o evento alérgico suspeito.15

Figura 2 - Fluxograma sobre abordagem de pacientes com história prévia de anafilaxia em ato anestésico-cirúrgico anterior.

Fluxograma para abordagem anestésica do paciente com história previa de ana�laxia grave durante peroperatório

Agente alergênico desconhecidoAgente alergênico conhecido

Não

Relatório do anestesiologista /alergista discriminando o agente/

boletim anestésico anterior

Sim

Proceder ao ato normalmente, evitar o agente alergênico especi�cado

Encaminhar ao alergista para investigação

e postergar abordagem

1) proceder ao ato em ambiente “látex free”

2) evitar BNM*

3) quando indicado fazer antibiótico-pro�laxia

com paciente acordado;

4) dar preferência para técnicas regionais de anestesia;

5) observação criteriosa na sala de recuperação sem contato

com látex;

6) em caso de ana�laxia tratar conforme gravidade.

Emergência Eletivo

*Bloqueadores neuromusculares

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leitos foram devidamente informados para que houves-se o preparo de ambientes o mais próximo do “livre de látex” para as pacientes relatadas.15,18 Posteriormente, foram ministradas aulas para médicos anestesiologis-tas, enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de limpeza sobre a importância da abordagem correta do paciente suscetível à alergia ao látex. Houve, assim, a listagem de alguns itens para compor quites para esse tipo de paciente, os quais já deveriam ser montados caso hou-vesse a necessidade de novos ambientes livres de látex futuros. Instituímos um check-list específico (Tabela 1).

CONCLUSÃO

A alergia ao látex, como qualquer outra, é uma entidade potencialmente grave que deve ser sempre atentada pelo anestesiologista.4,16 Cabe a esse profis-sional instituir medidas de prevenção e tratamento dessa entidade clínica. Nesse contexto, ações como programar um ambiente “latex free”, identificar fato-res de risco e estabelecer programas de orientação de toda a equipe do serviço são de suma importância.

O preparo do ambiente livre de látex é muito difícil, ainda mais ao se considerarem os antígenos que se dis-persam no ar. Para os dois casos, foram preparadas as salas na noite anterior e deixamos as salas cirúrgicas com porta fechada, orientando os cirurgiões e técni-cos de que deveria ser o primeiro paciente do dia e quanto à proibição de contato com látex na manhã.18

Na sala de cirurgia, todo o material de anestesia, cirurgia e de monitorização deve ser destituído de látex.1,13 A mesa de cirurgia foi devidamente forrada com lençóis de algodão, como também o foi toda a superfície em que pairava a dúvida sobre a possibili-dade da presença de látex na constituição da superfí-cie, como cadeiras e mesas.18

Os antígenos do látex são também dispersáveis. Não é preciso o contato direto com o corpo do pacien-te para se deflagrar a anafilaxia.1,6,9 Assim, toda a equi-pe foi devidamente orientada e os itens removidos da sala na noite anterior. A punção venosa dos pacientes foi feita na sala de cirurgia, sem o auxílio de garrotes.

A conscientização do ambiente livre de látex para o paciente deve abranger equipe multidisciplinar. Em nosso serviço, a enfermagem do bloco de cirurgia e dos

Tabela 1 - Check List – Cirurgia Látex Free

Santa Casa de Belo Horizonte

Data: / / sala:

Item Sim Não

É a primeira cirurgia do dia?

Foi realizada limpeza terminal da sala?

A sala foi montada no dia anterior?

Após a limpeza terminal e montagem da sala, a porta permaneceu fechada durante todo o plantão noturno?

A mesa cirúrgica e as cadeiras foram totalmente cobertas com lençóis?

Realizada a troca da caixa de pérfuro cortante?

Providenciada a pinça para retirar as tampas dos medicamentos vedados com material de borracha?

Kit de anestesia de material de silicone dentro da sala?

Providenciado manguito de pa em material látex free?

Protegidas com algodão as partes em borracha dos materiais e/ou equipamentos que são necessários para o procedimento e que são insubstituíveis?

Porta da sala de cirurgia devidamente identificada com os dizeres: cirurgia látex free-favor não entrar?

Trocada a cal sodada?

O kit da farmácia e o kit de anestesia para a cirurgia látex free foram solicitados e estão na sala desde a noite anterior?

A recuperação pós anestésica do paciente será feita na sala de cirurgia?

O acesso venoso foi puncionado sem o uso de garrote?

O CTI ou unidade de internação para onde o paciente será encaminhado foi comunicado sobre a necessidade de preparar o leito com as especificações de látex free?

A equipe médica está toda ciente do que representa um ambiente latex free?

Assinatura e carimbo do anestesiologista responsável

Assinatura e carimbo do enfermeiro responsável

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Deve-se reforçar o conceito de que os antígenos do látex são vários e potencialmente dispersíveis e que não precisa necessariamente um contato direto do material de látex com o paciente para deflagrar a estimulação.1,4,9 Por fim, na história prévia de alergia durante ato anestésico cirúrgico e desconhecido o agente específico, o ambiente “latex free” também está indicado para abordagens emergenciais.4,17

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S68-S7268

RELATO DE CASO

Instituição:Centro de Ensino e Treinamento da Sociedade

Brasileira de Anestesiologia – CET/ SBA do Serviço de Anestesiologia do Hospital Felício Rocho – HFR

Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Dra. Flávia Aparecida Resende

E-mail: [email protected]

1 Médico em Especialização- 3º ano. Centro de Ensino e Treinamento-CET, Sociedade Brasileira de Anestesiologia -SBA. Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 Médico Anestesiologista. Título Superior em Anestesio-logia – TSA pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA. Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG – Brasil.

3 Médico Anestesiologista. Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG – Brasil.

4 Médico Anestesiologista. Responsável pelo CET/SBA. Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A toracotomia é um procedimento que provoca intensa dor no pós-operatório. Para amenizá-la, várias técnicas de analgesia são descritas, sem, contudo, mostrar supe-rioridade comprovada uma sobre as outras. Apresenta-se um caso de analgesia para toracotomia com cateteres multiperfurados e bomba elastomérica. Relato do caso: paciente com proposta de toracotomia exploradora devido à fratura brônquica por trau-ma torácico compressivo. Planejada a realização de anestesia geral e peridural torácica para analgesia, porém o paciente apresentava múltiplas lesões dermatológicas difusas pelo dorso. Realizadas então anestesia geral e analgesia com implantação de catete-res multiperfurados e infusão contínua de anestésico local por bomba elastomérica. Concluiu-se que as opções para realização de uma boa analgesia pós-operatória para toracotomia são muitas e novas técnicas vêm surgindo e ganhando espaço. A utiliza-ção de cateteres multiperfurados pode ser considerada uma opção para pacientes que tenham contraindicação à peridural torácica.

Palavras-chave: Anestesia por Condução; Toracotomia; Traumatismos Torácicos/tera-pia; Cateteres.

ABSTRACT

Thoracotomy is a procedure that causes intense pain in the postoperative period. Several analgesia techniques are described to ease this pain, however, without showing a proven superiority of one over the other. A case of analgesia for thoracotomy with multi-perfo-rated catheters and elastomeric pump is presented. Case report: a patient with proposed exploratory thoracotomy due to bronchial fracture by compressive chest trauma. The gen-eral anesthesia and thoracic epidural for analgesia were planned, however, the patient presented multiple diffuse dorsal skin lesions. General anesthesia and analgesia were then performed with the implantation of multi-perforated catheters and continuous infu-sion of local anesthetic through an elastomeric pump. It was concluded that the options for performing a good postoperative analgesia for thoracotomy are many and that new techniques are emerging and gaining space. The use of multi-perforated catheters can be considered an option for patients who have a contraindication to thoracic epidural.

Key words: Anesthesia, Conduction; Thoracotomy; Thoracic Injuries/therapy; Catheters.

INTRODUÇÃO

A dor causada por toracotomia é considerada uma das mais intensas e de maior duração entre os diversos procedimentos cirúrgicos, podendo ocorrer por trauma te-

Analgesia for thoracotomy with multi-perforated catheters and elastomeric pump: case report

Flávia Aparecida Resende1, Maria Beatriz Assumpção Mourão1, Bárbara Sanches Cardoso Allevato1, Bráulio Antônio Maciel de Faria Mota Oliveira2, Celso Homero Santos Oliveira3, Sérgio Ricardo Botrel e Silva4

Analgesia para toracotomia com cateter multiperfurado e bomba elastomérica: relato de caso

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S018

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Analgesia para toracotomia com cateter multiperfurado e bomba elastomérica: relato de caso

ção da analgesia com o sistema de cateteres multiper-furados (Figuras 1 e 2), em que um cateter foi implan-tado na ferida operatória (Figura 3) e o outro dentro da cavidade torácica pelo cirurgião (Figura 4). Uma bom-ba elastomérica, responsável pela infusão contínua de anestésico local, foi preenchida com ropivacaína 0,2%.

Após o bloqueio de plexo braquial via interesca-lênica com ropivacaína a 0,5%, a ortopedia realizou a osteossíntese de úmero direito. As cirurgias ocorre-ram sem intercorrências, apesar do longo período pe-

cidual extenso, fratura de costelas, neurite intercostal aguda, lesão do ligamento costovertebral posterior, lu-xação costocondral, ressecção ou compressão do pa-rênquima pulmonar e colocação de drenos pleurais.

A lesão tecidual resulta em resposta inflamatória que afeta a sensação dolorosa. A própria estimulação nociceptiva resulta em resposta inflamatória neuro-gênica, provocando vasodilatação, extravasamento de proteínas plasmáticas e ação sobre as células in-flamatórias com liberação de mediadores químicos.1

Um dos princípios do tratamento da dor aguda é o evitar o estabelecimento dessa resposta inflamatória, com o emprego de fármacos potentes puros ou asso-ciados, pela via mais apropriada, em doses adequa-das e a intervalos regulares de acordo com sua meia--vida ou, mais modernamente, por infusão contínua.2

RELATO DE CASO

CRO, 26 anos, sexo masculino, sem comorbida-des, com história de trauma torácico. Evoluiu com dispneia, sendo submetido à tomografia computado-rizada (TC) de tórax, que mostrou fraturas de arcos costais, pneumotórax e hemotórax à direita, além de fratura brônquica. A radiografia de membros superio-res mostrou fratura de úmero direito. Realizada dre-nagem torácica em selo d’água pela cirurgia torácica, mas nova TC mostrou pneumotórax residual e colaba-mento total do pulmão direito. Exames laboratoriais normais, exceto queda progressiva da hemoglobina. Optou-se por toracotomia exploradora e osteossíntese de úmero, após reserva de CTI e hemoderivados.

O paciente foi admitido no bloco cirúrgico estável hemodinamicamente, mantendo saturação de oxigê-nio de 100% com oxigênio a 10 litros por minuto atra-vés de máscara facial. Realizadas venóclise com jelco de grosso calibre, monitorização com eletrocardiogra-ma, oximetria de pulso, pressão arterial invasiva em artéria radial e pressão venosa central através de ca-teterização de veia subclávia. A intubação orotraqueal foi realizada após indução em sequência rápida com fentanil, propofol e rocurônio. Foram utilizadas cânula endotraqueal de Carlens número 37 e ventilação mo-nopulmonar, mantendo frequência respiratória de 14 irpm, PEEP de 9 e volume corrente de 6 mL/kg.

A equipe da cirurgia torácica realizou reconstrução do brônquio intermediário e reimplante do lobo supe-rior direito. Drenos torácicos foram colocados e fixados entre a sexta e a sétima costelas. Optou-se por realiza-

Figura 1 - Bomba elastomérica e seus componen-tes. Fil port: local para injetar a medicação; tubing: tubulação; clamp; filter: filtro; flow restrictor: restri-tor de fluxo; catheter: cateter.

Figura 2 - Detalhe do cateter mostrando múltiplas perfurações.

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Analgesia para toracotomia com cateter multiperfurado e bomba elastomérica: relato de caso

A alta do CTI ocorreu após 36h e a alta hospitalar foi dada no nono dia de pós-operatório.

DISCUSSÃO

A dor é um importante fator de aumento na morbi-mortalidade pós-operatória. Ela provoca respiração superficial devido à imobilidade da parede torácica e, consequentemente, perda da efetividade da tosse, o principal mecanismo de eliminação de secreções das vias aéreas, provocando atelectasia, inadequado gradiente ventilação-perfusão e hipoxemia.3

A toracotomia é um procedimento extremamente doloroso, sendo importante o planejamento da anal-gesia pós-operatória pelo anestesiologista. O objetivo da terapêutica analgésica pós-operatória deve ser propiciar aos pacientes um regime analgésico balan-ceado, baseado na identificação de múltiplos meca-nismos envolvidos na gênese da dor.4

Várias são as vantagens de uma adequada anal-gesia pós-operatória, entre elas mais conforto ao paciente, melhor expansão pulmonar e da caixa torácica, melhor mobilização das secreções, redução na incidência de atelectasias e broncopneumonia, re-dução do trabalho cardíaco e consumo de oxigênio pelo miocárdio e alta precoce da unidade de terapia intensiva e hospitalar.5

A analgesia sistêmica é mais comumente realiza-da com não opioides (anti-inflamatórios não hormo-nais, dipirona e agonistas a

2

-adrenérgicos)6 e opioi-des, mas esses fármacos apresentam efeitos adversos como sedação e depressão respiratória, aumentando

rioperatório. O paciente foi extubado e encaminhado ao CTI com infusão contínua de ropivacaína a 0,2%, 4 mL/h, pelo sistema de bomba elastomérica (Figura 5). Houve necessidade de resgate da dor com 4 mg de morfina endovenosa apenas uma vez, durante todo o pós-operatório, na chegada do paciente ao CTI. A analgesia foi mantida apenas com dipirona e AINE, após a retirada do cateter (48h após o procedimento).

Figura 3 - Seta mostrando o cateter na ferida operatória.

Figura 4 - Seta mostrando o cateter colocado entre parede torácica e pleura parietal

Figura 5 - Posicionamento da bomba elastomérica e dos cateteres após a cirurgia.

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Analgesia para toracotomia com cateter multiperfurado e bomba elastomérica: relato de caso

anestésico local, com o objetivo de aliviar a dor no pós-operatório. É composto de dois cateteres, sendo o primeiro colocado na ferida operatória e o segun-do entre a pleura parietal e a parede torácica, e uma membrana elástica com duas camadas que, ao serem pressionadas, injetam o medicamento através de um tubo extensor, que contém um dispositivo regulador de vazão. Este dispositivo garante a precisão da dose administrada, não permitindo que uma dose mais alta do que a que foi prescrita chegue ao paciente.

Mais de 55 estudos já foram publicados sobre os efeitos poupadores de opioides no pós-operatório de várias cirurgias com esse sistema. A maioria deles mos-trou que o uso do cateter multiperfurado diminuiu o res-gate da dor com opioides e a pontuação da dor, quando comparado a grupos submetidos à peridural torácica.9 Não foram observadas complicações na cicatrização de feridas ou infecções associadas à utilização do cateter. Porém, mais estudos precisam ser realizados.

No nosso serviço, a realização da peridural torá-cica é muito comum. Nesse paciente não se realizou esse bloqueio devido a múltiplas lesões dermatológi-cas (hiperemiadas e descamativas) em todo o dorso, o que é contraindicação absoluta da realização de bloqueio no neuroeixo.

CONCLUSÃO

Várias são as formas de analgesia para cirurgia toráci-ca, sendo a maioria delas satisfatória. A escolha depende da experiência do anestesiologista e da disponibilidade de materiais no serviço. Novas técnicas estão surgindo, porém mais estudos são necessários para compará-las e comprovar a superioridade de uma sobre outra.

Nesse caso, usou-se o sistema de cateteres mul-tiperfurados e bomba elastomérica para analgesia pós-operatória de toracotomia. Obteve-se ótimo resultado em relação à diminuição do uso de opioi-des pós-operatório, mas sua limitação ainda é o alto custo. Dessa forma, esta técnica deve ser considera-da para os pacientes que possuem contraindicação absoluta ou relativa à peridural torácica.

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É bastante conhecida a superioridade das técnicas de bloqueios segmentares e, dentre eles, podem-se citar os bloqueios intercostal, paraverte-bral, pleural, subaracnóideo e peridural.

O bloqueio intercostal é mais utilizado em situa-ções em que a dor por compressão intercostal pelos drenos pleurais é mais importante do que a do trau-ma sobre a parede torácica, como na videocirurgia. Pode ser realizado sob visão direta no perioperatório ou por punção transcutânea antes do despertar da anestesia. Produz alívio da dor satisfatório8, mas tem como desvantagem a duração limitada de seis a oito horas. Diversos estudos têm demonstrado sua utilida-de no controle da dor pós-operatória, na diminuição da necessidade de opioides sistêmicos, na melhoria da gasometria arterial e função pulmonar, bem como alta mais rápida da UTI e do hospital.

O bloqueio paravertebral é realizado pela colo-cação cirúrgica de cateter na goteira paravertebral, cujo nervo espinhal emerge a partir do forame inter-vertebral. Isso resulta em bloqueio sensitivo e simpá-tico em múltiplos e contínuos dermátomos torácicos, acima e abaixo do local de injeção. Pode ser reali-zado com bolus ou infusão contínua de anestésicos locais. Apresenta a vantagem de baixa incidência de hipotensão e retenção urinária comparado à técnica peridural de controle da dor.1,2

O bloqueio pleural consiste na colocação de anestésico local em contato com a membrana pleu-ral, podendo ser feito pelas técnicas subpleural ou interpleural. Na primeira, um cateter fino multiper-furado é colocado cirurgicamente abaixo da pleura parietal, junto à goteira paravertebral, quando a ca-vidade torácica ainda se encontra aberta, exteriori-zando a ponta do cateter por punção de dentro para fora. A injeção de bolus de 10 mL de lidocaína 1% ou bupivacaína 0,25% sem vasoconstritor (para evitar a absorção pleural desse) seguida de infusão contínua na dose de 10 mL/h é eficaz e segura. A técnica inter-pleural consiste na administração de anestésico local livre dentro da cavidade pleural, o que determinaria o bloqueio anestésico de todas as raízes intercostais. As complicações mais comuns desse bloqueio são síndrome de Horner e toxicidade sistêmica.1,2

Atualmente, uma nova forma de analgesia através de cateteres multiperfurados e bomba elastomérica está sendo descrita para esses procedimentos. É um sistema de fornecimento automático e contínuo do

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Analgesia para toracotomia com cateter multiperfurado e bomba elastomérica: relato de caso

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RELATO DE CASO

Instituição:Biocor InstitutoBeloHorizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Michelle Nacur LorentzE-mail: [email protected]

1 Médico Especializando em Anestesiologia – ME3 do Centro de Ensino e Treinamento – CET da Fundação Hospitalar de Minas Gerais-Fhemig – FHEMIG, Hospital Julia Kubstchek – HJK. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médico. Título Superior em Anestesiologia – TSA, Socie-dade Brasileira de Anestesiologia – SBA. Anestesiologista do Biocor Instituto. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Médico Anestesiologista do Biocor Instituto. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A lesão raquimedular constitui consequência importante no cenário do trauma no Brasil. Sua incidência é desconhecida, porém estima-se que ocorram a cada ano no país mais de 10.000 novos casos.1 É importante que o anestesiologista esteja atento a essa enfermidade, incluindo não só o manejo anestésico como também suas inúmeras complicações. Trata--se de paciente de 31 anos, sexo feminino, vítima de trauma raquimedular (TRM) após acidente automobilístico (fratura de T2-T4 e fratura-luxação de T6-T7), além de fratura de arcos costais e de esterno e hemotórax bilateral drenado no atendimento inicial, sem evi-dências de contusão pulmonar. Admitida no centro cirúrgico para realização de artrodese de coluna torácica via posterior no quarto dia pós-trauma. Após monitorização e indução anestésica, a paciente foi posicionada em decúbito ventral e apresentou queda brusca e acentuada da pressão arterial média (PAM), não responsiva a doses crescentes de vasopressornoradrenalina. Optou-se pelo retorno da paciente para decúbito dorsal, com normalizacão do quadro hipotensivo após poucos minutos. O procedimento foi então sus-penso, a paciente encaminhada à UTI e posteriormente realizado sem intercorrências após três semanas. Conclui-se que o conhecimento da história natural e evolução do TRM é muito importante para o manejo perioperatório, devendo ser escolhido o melhor momento para a intervenção cirúrgica. O diagnóstico diferencial entre as várias possíveis etiologias de choque que podem se apresentar nesses casos é fundamental para a boa evolução.

Palavras-chave: Choque; Choque Traumático; Traumatismos da Medula Espinal.

ABSTRACT

The rachis injury constitutes an important consequence in the scenario of trauma in Brazil. Its incidence is unknown, however, it is estimated that more than 10,000 new cases occur in the country each year.1 It is important that the anesthesiologist is aware of this disease not only for the anesthetic management but to prevent its numerous complications too. This was a 31-year-old patient, female, victim of spinal cord injury (SCI) after a car accident (T2-T4 fracture and fracture-dislocation of T6-T7), with ribs and sternum fracture, bilateral hemothorax drained in the initial attendance, and no evidence of pulmonary contusion. The patient was admitted to the surgical center for thoracic spine arthrodesis via posterior on the fourth day following the trauma. After monitoring and anesthetic induction, the patient was placed in ventral decubitus and presented sudden and sharp drop in the mean arterial pressure (MAP) becoming non-responsive to increas-ing doses of vasopressor noradrenaline. We opted for the return of the patient to the supine posi-tion, which normalized the hypotensive condition after a few minutes. The procedure was then suspended; the patient was transferred to the ICU, and the procedure was subsequently performed without complications after three weeks. It is concluded that the knowledge on the natural history and evolution of the TRM is very important for the perioperative management; the best time for the surgical intervention must be chosen. The differential diagnosis between the several possible etiologies of shock that can be presented in these cases is essential for a good case progression.

Key words: Shock; Shock, Traumatic; Spinal Cord Injuries.

Neurogenic shock and positioning after spinal cord injury

Ana Paula Almada1, Michelle Nacur Lorentz2, Bruna Silviano Brandão Vianna3

Choque neurogênico e posicionamento após trauma raquimedular

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S019

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S73-S7674

Choque neurogênico e posicionamento após trauma raquimedular

função renal e glicemia) dentro dos limites da norma-lidade e hemograma revelando anemia com hemo-globina (Hb) de 8,5 mg/dL.

Foi monitorizada com ECG, oximetria de pulso, medida da pressão intra-arterial (PIA) em artéria ra-dial esquerda, cujos parâmetros revelavam: taquicar-dia sinusal com aproximadamente 120 bpm, PIA de 110/60 mmHg e saturação de O

2 (SpO2) de 97%.Realizaram-se pré-oxigenação e indução anesté-

sica com propofol (150 mg), fentanil (250 mcg) e cisa-tracúrio (10 mg). A seguir, foi feita intubação orotra-queal (IOT) com tubo nº 8,0 sob laringoscopia direta, com imobilização cervical manual pelo próprio neu-rocirurgião. Logo após a IOT, foi puncionado acesso venoso central em veia subclávia direita pela técnica de Seldinger e inserido cateter de duplo-lúmen.

Após a IOT, a ventilação foi mantida com a moda-lidade de pressão controlada de 10 mmHg, mantendo volume de 500 mL, frequência respiratória progra-mada de 10 irpm e PEEP de 5 mmHg, resultando em ETCO2 de aproximadamente 30 mmHg. Para manuten-ção anestésica, iniciou-se a administração de sevoflu-rano a 1,5%. Após esses procedimentos houve queda da pressão arterial média (PAM) em torno de 15%. A paciente foi então movimentada em bloco e posicio-nada em decúbito ventral. Após alguns minutos, ocor-reu queda brusca e acentuada da PAM. Iniciada infu-são de noradrenalina em doses progressivas de 0,1 mcg/kg/min e após 10 minutos a taxa de infusão che-gou a 2 mcg/kg/min, sem resposta, mantendo PAM de 40 mmHg. Nesse momento o procedimento cirúrgico foi suspenso e a paciente foi colocada novamente em decúbito dorsal. Cerca de cinco minutos após a mu-dança de decúbito, a administração de noradrenalina foi reduzida progressivamente e, após 10 minutos, já era possível retirar a administração de noradrenalina, pois PAM retornou aos níveis pressóricos anteriores. A paciente foi encaminhada à UTI, intubada e sedada.

Após três semanas, retornou ao bloco cirúrgico, estava traquestomizada, em ventilação mecânica, mantinha a paraplegia anteriormente apresentada, sem fármacos vasoativos e, dessa vez, foi possível a realização da artrodese sem sérias complicações.

DISCUSSÃO

Pacientes com TRM frequentemente se apresentam para a cirurgia de estabilização da coluna durante o perí-odo de choque neurogênico ou espinhal. Este tem dura-

INTRODUÇÃO

O traumatismo raquimedular (TRM) é um trauma extremamente grave e com consequências devasta-doras. Apresenta alta morbidade e mortalidade e tem incidência anual de aproximadamente 40 casos por mi-lhão nos Estados Unidos, representando em torno de 12 mil novos casos por anos. A maioria dos pacientes é do sexo masculino e a idade média atingida é em torno de 40 anos.1 Acidentes automobilísticos são responsáveis por 42,1% dos casos, seguidos de quedas (26,7%), atos de violência (15,1%) e atividades esportivas (7,6%). A consequência mais comum do TRM com lesão espinhal é a tetraplegia incompleta (30,1%), seguido de paraple-gia completa (25,6%), tetraplegia completa (20.4%) e pa-raplegia incompleta (18,5%). Fraturas na coluna repre-sentam 3 a 6% de todos os traumas.2 Fraturas na coluna torácica e lombar são mais comuns que na coluna cer-vical após trauma espinhal; os danos cervicais são mais comuns após trauma na cabeça e pescoço.2

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 31 anos, 70 kg, previa-mente hígida. Vítima de acidente automobilístico, com relato de ejeção do veículo, resultando em TRM, fratura de processos espinhosos de T2 a T4, além de fratura-lu-xação grave de T6-T7. Além disso, apresentava fratura de arcos costais (5º, 6º e 7º à esquerda) e fratura de es-terno, sem movimento paradoxal, característico de tó-rax instável. Não havia imagem de Raios-X de tórax ou de tomografia computadorizada de tórax que sugerisse contusão pulmonar. No dia do trauma apresentava he-motórax bilateral, mas no momento do procedimento cirúrgico já se encontrava sem os drenos. Realizou eletrocardiograma (ECG), que se encontrava sem alte-rações, e ecocardiograma, que revelou derrame peri-cardicolaminar, sem outras alterações, com FEVE=70%. Permaneceu na unidade de tratamento intensiva (UTI) monitorizada, devido à dificuldade ventilatória estabe-lecida. Após o quarto-ia de trauma, deu entrada no cen-tro cirúrgico do Hospital João XXIII, em Belo Horizonte--MG, com a programação de ser submetida à artrodese de coluna torácica em decúbito ventral.

À admissão, encontrava-se paraplégica, orienta-da, queixando-se de dispneia intensa, usando más-cara facial de oxigênio (O

2) com fluxo de 6 L/min, apresentando frequência respiratória de 30 irpm, com exames laboratoriais (gasometria, ionograma,

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sando diminuição no enchimento atrial e também da complacência do ventrículo esquerdo, o que contri-bui ainda mais para a redução do débito cardíaco.

Na tentativa de compensar essa diminuição, que pode variar de 20 a 24% de acordo com a literatura disponível, constata-se aumento na atividade simpáti-ca via reflexo. baroceptor.5

A paciente em questão já tinha atividade simpática prejudicada em decorrência do nível da lesão, o que jus-tificaria a não compensação na manutenção da PAM.

Obstrução da veia cava inferior também pode contribuir para a redução do débito cardíaco de al-guns pacientes na posição prona. É também claro que essa obstrução contribui para o sangramento du-rante cirurgias de coluna, pois o retorno venoso para o coração segue uma rota alternativa (usualmente o plexo venoso de Batson).5

Dessa forma, a hipótese que melhor justificaria o desfecho do presente caso seria a associação de di-minuição do débito cardíaco em decorrência da posi-ção prona com a incapacidade de resposta simpática na tentativa de manutenção do débito cardíaco e da pressão arterial. O retorno da paciente ao decúbito dorsal fez reduzir a pressão intratorácica e a pressão sobre a veia cava inferior, fazendo com que os níveis pressóricos retornassem aos valores habituais.

CONCLUSÃO

O conhecimento da história natural e evolução do TRM é muito importante para o manejo perioperató-rio, devendo ser escolhido o melhor momento para a intervenção cirúrgica. O diagnóstico diferencial entre as várias possíveis etiologias de choque que podem se detectar nesses casos é fundamental para a boa evolução. É importante lembrar que as várias alterações fisiológicas decorrentes da posição prona podem não ser bem toleradas pelo paciente na vigên-cia de TRM devido à disautonomia.

A incidência de choque neurogênico em paciente com TRM parece ser baixa.6 Entretanto, isso não exclui a possibilidade de o paciente ter dificuldade em apre-sentar resposta compensatória simpática em situações em que haja diminuição do débito cardíaco. Logo, todo paciente com TRM, mesmo que não tenha desenvolvido choque neurogênico com tempo inferior a três sema-nas, e que for submetido a procedimento cirúrgico em decúbito ventral deve ser avaliado quanto à possibilida-de dessa disautonomia para evitar sérias complicações.

ção variável, com início quase que imediatamente após o acidente, podendo durar até três semanas. A simpa-tectomia fisiológica, também Chanda de disautonomia, ocorre abaixo do nível da lesão, o que pode levar a hi-potensão secundária à vasoplegia arterial e venosa que se segue. Bradicardia também acontece se a lesão é no nível das fibras cardíacas simpáticas (acima de T2-T4).3

No caso relatado registraram-se hipotensão gra-ve e taquicardia, muito provavelmente associadas à posição prona, o que descaracteriza o choque pura-mente neurogênico. A partir daí, deve-se fazer o diag-nóstico diferencial das possíveis causas de choque que se manifesta com taquicardia e hipotensão na normovolemia e que possa ser desencadeado pela mudança de posição do paciente.

Um desses seria o choque obstrutivo, que é causa-do por obstrução aguda ao fluxo circulatório. Exem-plos relacionados ao trauma incluem a obstrução do débito cardíaco do ventrículo direito por tromboem-bolismo pulmonar (TEP), tamponamento cardíaco e pneumotórax hipertensivo4. Inicialmente, a hipótese de choque obstrutivo por pneumotórax hipertensi-vo ou TEP (complicação comum em pacientes com TRM) poderia justificar a instabilidade apresentada pela paciente após a sua colocação em decúbito ven-tral. Entretanto, os sintomas não melhorariam sim-plesmente com o retorno ao decúbito dorsal.

O choque cardiogênico consiste em outra modali-dade de choque que pode se caracterizar com normo-volemia, taquicardia e hipotensão. Não é a primera cau-sa de choque nos casos de trauma, mas pode ocorrer em casos de contusão cardíaca e infarto do miocárdio (IAM), resultante de estresse pela injúria do trauma.4

Nesse caso, se a principal hipótese para o choque apresentado tivesse origem cardíaca, a manifestação provavelmente já teria tido início antes da admissão no bloco cirúrgico, tendo em vista que a paciente se encontrava no quarto dia após o trauma. Além disso, mesmo que se atribuísse a origem do choque a um IAM no momento da indução anestésica, o desfecho do quadro de retorno da estabilidade hemodinâmica não seria capaz de justificá-lo.

Assim, após se considerarem as etiologias pos-síveis para a instabilidade verificada, não se pode deixar de considerar as implicações da posição pro-na na fisiologia cardiovascular. Quando se coloca o paciente na posição prona, há diminuição do índice cardíaco, fato confirmado por vários estudos.5 Essa diminuição pode ser atribuída ao aumento da pres-são intratorácica em decorrência da posição, cau-

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RELATO DE CASO

Instituição:Hospital Pronto-Socorro João XXIII/FHEMIGBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Daniella Semino TavaresE-mail: [email protected]

1 Médica. Especialização em Anestesiologia pela Socieda-de Brasileira de Anestesiologia. Anestesiologista do Hos-pital Pronto-Socorro João XXIII da Fundação Hospitalar de Minas Gerais-FHEMIG e do Hospital Semper. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Médica. Especialização em Anestesiologia pela Socie-dade Brasileira de Anestesiologia. Anestesiologista do Hospital Pronto-Socorro João XXIII/FHEMIG, Hospital Lu-xemburgo, Núcleo de Cirurgia Ambulatorial da Prefeitura de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Médica. Doutora em Biologia Celular, Título Superior em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiolo-gia (SBA). Anestesiologista do Hospital Pronto-Socorro João XXIII/FHEMIG e do Hospital Mater Dei. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Com o envelhecimento da população, os anestesiologistas têm se confrontado com um número crescente de pacientes do trauma que usam medicações antiplaquetárias e anti-coagulantes. No caso do trauma cranioencefálico (TCE), o uso de agentes antiplaquetá-rios pode estar associado ao aumento da extensão da lesão hemorrágica intracraniana (LHI) e da morbimortalidade. Além disso, a retirada desse medicamento expõe esses pacientes às complicações cardiovasculares. Relato de caso: paciente, sexo masculino, 74 anos, hipertenso e diabético, em uso de aspirina e clopidogrel devido à angioplastia coronariana, com stent farmacológico há seis meses. Sofreu queda da própria altura e foi diagnosticado hematoma subdural agudo volumoso, sendo indicada craniotomia de urgência. No perioperatório, recebeu duas plaquetaféreses, 12 UI de concentrado de plaquetas e desmopressina (0,3 mcg/kg) endovenosos, com o intuito de reduzir sangra-mento. Paciente recuperou sem sequelas neurológicas e sem complicações cardiovascu-lares no 13o dia de internação. Até o momento, a literatura é escassa de evidências sobre o manejo do paciente idoso com TCE em uso de agentes antiplaquetários, portanto, este relato de caso teve o objetivo de realizar a revisão de literatura e discutir opções terapêuticas em reverter a ação do clopidogrel.

Palavras-chave: Anestesiologia; Traumatismos Craniocerebrais; Anticoagulantes; Fatores Etários; Idoso.

ABSTRACT

Considering the aging of the population, anesthesiologists have been confronted with an increasing number of trauma patients using antiplatelet and anticoagulants medications. In the case of traumatic brain injury (TBI), the use of antiplatelet agents can be linked to increased extension of hemorrhagic intracranial lesion (LHI) and morbidity and mortality. In addition, the withdrawal of these drug exposes these patients to cardiovascular complications. Case report: male patient, 74 years old, hypertensive and diabetic, in use of aspirin and clopidogrel due to coronary angioplasty with drug-eluting stent for six months. He fell down over his own height and was diagnosed with acute bulky subdural hematoma; an urgent craniotomy was indicated. In the perioperative period, he received two plateletpheresis and intravenous 12 IU of platelet concentrate and desmopressin (0.3 mcg/kg) to reduce bleeding. The patient recovered without neurological sequelae and without cardiovascular complications in 13th day of hospitalization. So far, the literature shows scarce evidences of management of elderly patients with TBI in use of antiplatelet agents, therefore, this case report aimed to carry out a literature review and discuss treatment options to revert the action of clopidogrel.

Key words: Anesthesiology; Traumatic brain injury; Anticoagulants; Age Factors; Aged.

Anesthetic management of a patient with traumatic brain injury in use of clopidogrel: case report and literature review

Daniella Semino Tavares1, Patrícia Rodrigues da Silva2, Luciana de Souza Cota Carvalho Laurentys3

Manejo anestésico de paciente com trauma cranioencefálico em uso de clopidogrel: relato de caso e revisão de literatura

DOI: 10.5935/2238-3182.2014S020

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Manejo anestésico de paciente com trauma cranioencefálico em uso de clopidogrel: relato de caso e revisão de literatura

domiciliar de hidroclorotiazida, valsartan, anlodipi-na, metformina, glibenclamida, insulina NPH, sinvas-tatina, aspirina e clopidogrel. Relato de há seis meses ter realizado cineocoronarioangiografia, que mos-trou lesão coronariana trivascular, sendo submetido à angioplastia com dois stents farmacológicos em co-ronária descendente anterior e um stent convencio-nal em ramo marginal de coronária circunflexa.

Paciente apresentou queda da própria altura com perda de consciência evoluindo com melhora do quadro espontaneamente, porém após 48 horas apresentou novo rebaixamento de sensório. Foi en-tão admitido em Glasgow 5/15 no Hospital Pronto-So-corro João XXIII em Belo Horizonte, com oito horas de evolução. Na avaliação inicial, a tomografia com-putadorizada de crânio (TCC) evidenciou hemorra-gia subdural aguda volumosa com desvio de linha média e sinais de hipertensão intracraniana, sendo indicado craniotomia de urgência. Tomografia com-putadorizada de tórax mostrou consolidações pul-monares bibasais sugestivas de aspiração pulmonar. Admitido no bloco cirúrgico sedado, Ramsay 6, com pupilas isocóricas, instável hemodinamicamente, re-cebendo noradrenalina 0,12 mcg/kg/min. O paciente foi monitorizado com cardioscopia, oximetria de pul-so, capnografia, espirometria e analisador de gases, pressão arterial invasiva em artéria radial e acesso venoso central em veia subclávia direita. Induzida anestesia geral com midazolam (0,1 mg/kg), fentanil (3 mcg/kg) e rocurônio (0,6 mg/kg) endovenoso e manutenção anestésica com sevoflurano a 0,5 CAM. Apresentou sangramento perioperatório aumentado, sendo necessária hemotransfusão: duas plaquetofé-reses, 6 UI de concentrado de plaquetas, 600 mL de concentrado de hemácias e 600 mL de plasma fres-co congelado. Além disso, também foi administrada desmopressina (0,3 mcg/kg) endovenosa na tentati-va de melhorar a adesão plaquetária. Realizada cra-niotomia com drenagem do hematoma e inserido ca-teter intraventricular para monitorização de pressão intracraniana. Paciente foi encaminhado à unidade de terapia intensiva (UTI), intubado com parâmetros mínimos de ventilação mecânica, instável hemodi-namicamente com noradrenalina endovenosa a 0,08 mcg/kg/min. Na UTI, precisou ainda de nova hemo-transfusão de 600 mL de concentrado de hemácias e evoluiu com agudização da insuficiência renal crôni-ca, necessitando de hemodiálise por dois dias. Quan-to ao quadro neurológico, demonstrou oscilação do sensório, mas apresentou melhora, sendo extubado

INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte em países industrializa-dos, apesar da melhora significativa na terapia das síndromes coronarianas agudas.1 Anticoagulantes e agentes antiplaquetários são comumente prescritos com o intuito de reduzir a morbimortalidade cárdio e cerebrovascular. Portanto, atualmente é cada vez mais frequente a anestesia em pacientes com doença cardíaca, em função do aumento da expectativa de vida.2 Concomitantemente, essa população (acima de 65 anos) é a faixa etária sob mais alto risco de sofrer traumas, principalmente acidentes de trânsito e quedas da própria altura.3 Estudo recente mostrou o aumento de três vezes do número de pacientes em uso de drogas antiplaquetárias que apresentaram le-sões traumáticas num período de cinco anos.4

A aspirina e o clopidogrel são os agentes antipla-quetários mais comumente prescritos. O clopidogrel, uma tienopiridina, foi introduzido na década de 90, mostrando-se mais efetivo que a aspirina para pre-venção secundária de eventos cardiovasculares. O clopidogrel é uma pró-droga que, após administra-ção oral, é absorvida (biodisponibilidade 50%) e so-fre metabolismo em duas etapas, formando o meta-bólito ativo, que é responsável por inibir a agregação plaquetária em uma a duas horas. A variabiabilidade interpacientes dos efeitos antitrombóticos do clopi-dogrel é significativa, sendo a biodisponibilidade e as variações no genótipo das enzimas do metabolismo hepático (citocromo P450) os maiores responsáveis. O metabólito ativo do clopidogrel se liga ao receptor purinérgico P2Y

12 das plaquetas e inibe irreversivel-mente o difosfato de adenosina (ADP), que induz a agregação plaquetária. A inibição da agregação pla-quetária alcança aproximadamente 40 a 60% após três a sete dias da administração diária de 75 mg2. O maior efeito adverso da administração do clopidogrel é o aumento de risco de sangramento5. Por esse mo-tivo, seu uso durante o período perioperatório tem sido associado ao aumento da necessidade de reex-ploração cirúrgica e alta taxa de hemotransfusão.6

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente J.I.A., sexo masculino, 74 anos, ASA III, previamente hipertenso, diabético, coronariopata e com insuficiência renal crônica não dialítica, em uso

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pacientes com TCE em uso de antiplaquetários fo-ram mais submetidos à intervenção neurocirúrgica, apresentaram elevada taxa de ressangramento da le-são e necessitaram de alto número de hemotransfu-sões que os pacientes que não utilizavam. Além dis-so, como no nosso caso relatado, pacientes idosos em uso de clopidogrel com TCE apresentaram mais tendência à expansão da lesão hemorrágica em 72 horas do que os casos-controle.11 Corroborando es-ses resultados, Joseph et al.12 ressaltaram, em traba-lho prospectivo, que pacientes com TCE em uso de clopidogrel têm cinco vezes mais chance de expan-dir uma lesão hemorrágica intracraniana (LHI) e são 4,5 vezes mais submetidos à intervenção neurocirúr-gica do que pacientes que não estavam em uso de clopidogrel. Sendo assim, os autores concluíram que a repetição da TCC nas primeiras 24 horas em todos os pacientes com TCE que fazem uso de clopidogrel estaria sempre indicada. Contestando esses resulta-dos, outras investigações concluíram que o uso de agentes antiplaquetários não afeta o crescimento da lesão hemorrágica e questionam, portanto, a neces-sidade da repetição da TCC e as medidas para rever-ter a inibição plaquetária.14-16

Outro ponto importante é a avaliação da ativida-de plaquetária em pacientes em uso do clopidogrel. Infelizmente, os testes laboratoriais padrões de coa-gulação disponíveis não permitem avaliar a atividade plaquetária em pacientes com TCE. Já o tromboelas-tograma (TEG) é um método que permite a avalia-ção completa da hemostasia do paciente, incluindo a atividade plaquetária. Seu uso é sugerido no manejo de hemorragias agudas em vítimas de trauma para guiar a terapia hemostática. Estudos recentes mos-traram que o TEG pode ter valor preditivo positivo nos resultados de pacientes com TCE grave.17 Outro teste específico para detectar a eficácia do clopido-grel na inibição plaquetária, chamado VerifyNow®-P2Y

12 (Accumetrics), também pode ser usado. Bansal et al.18 utilizaram esse método para avaliar em 46 pa-cientes a ação do clopidogrel em pacientes do trau-ma e concluíram que em expressiva porcentagem dos pacientes não foi detectável a inibição plaquetá-ria pelo clopidogrel. Os resultados foram atribuídos à não adesão ao tratamento pelos pacientes e à va-riabilidade na farmacocinética da droga. Esse exame talvez fosse útil no manejo dos pacientes com TCE em uso de clopidogrel para guiar a terapêutica, evi-tando tratamentos desnecessários, no entanto, o TEG é ainda exame pouco disponível em nosso meio.

com sucesso no 4o dia de internação, obtendo alta da UTI no 6o dia de internação. Com a estabilização do quadro clínico, retornaram-se as medicações antipla-quetárias e o paciente recebeu alta hospitalar no 13o de internação sem sequelas neurológicas e complica-ções cardiovasculares.

DISCUSSÃO

Apesar dos agentes antiplaquetários reduzirem as complicações trombóticas, essas medicações no mo-mento de um trauma aumentam substancialmente a mortalidade. Muitos autores têm investigado os efei-tos da terapia antiplaquetária em pacientes que sofre-ram trauma cranioencefálico (TCE) e o aumento da morbimortalidade nessa população, principalmente nos idosos.7-9 Ohm et al.7, em revisão retrospectiva de 90 idosos com hemorragia intracraniana traumática, demonstraram aumento no risco de mortalidade em pacientes em uso de agentes antiplaquetários. Simi-larmente, Wong et al.8 mostraram que pacientes em uso de clopidogrel têm chance 14,7 vezes maior de morrer comparados aos pacientes que não utiliza-vam clopidogrel. Outro estudo publicado por Major et al.9 encontraram evidências de que hemorragia in-tracraniana pós-traumática está associada à taxa de mortalidade de 21% em pacientes em uso de antipla-quetários. Acredita-se que esse aumento do risco de mortalidade possa ser devido à disfunção plaquetária causada pelo clopidogrel.10 No entanto, a literatura é controversa e alguns trabalhos não revelaram diferen-ça na mortalidade entre pacientes em uso ou não de clopidogrel que sofreram TCE, assim como não obser-varam diferenças no tempo de internação hospitalar.11 Apesar dos déficits dos estudos, as informações dispo-níveis sugerem que o paciente em terapia com antipla-quetário com TCE pode ter alto risco de morbimorta-lidade, assim sua avaliação inicial deve ser minuciosa e muitas vezes a repetição da propedêutica com TCC pode prevenir piora do quadro neurológico.12

A expansão precoce da hemorragia intracrania-na pós-traumática em pacientes tomando agentes antiplaquetários parece ser o mecanismo pelo qual esses agentes possam ser tão nocivos. Trabalho pu-blicado em 2008 no Journal of Trauma8 comprovou que pacientes com TCE em uso de agentes antipla-quetários apresentam lesões hemorrágicas intracra-nianas de muita gravidade quando comparados com os casos-controle.13 Outros estudos mostraram que

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Manejo anestésico de paciente com trauma cranioencefálico em uso de clopidogrel: relato de caso e revisão de literatura

vítimas de trauma com sangramento não é reco-mendado.22 No entanto, é conhecido seu potencial em reverter parcialmente a atividade plaquetária. Pesquisa salientou que o uso de desmopressina na-sal em pacientes em uso de clopidogrel melhorou a hemostasia primária. Relato de caso em paciente submetido à endarterectomia de carótida em caráter de urgência concluiu que a desmopressina reverteu parcialmente os efeitos da aspirina e do clopidogrel, comprovado no TEG. Entretanto, a literatura é escas-sa sobre o uso de desmopressina em pacientes com TCE em uso de clopidogrel, mas sua aplicação pode ser considerada, especialmente em cirurgias com tendência a sangramento aumentado, sendo a dose recomendada a de 0,3 mcg/kg endovenoso; se ne-cessário reaplicar após oito a 12 horas.17

O fator recombinante VII ativado (FVIIa) é um agente hemostático usado em várias desordens he-morrágicas, como hemofilia A ou B. Seu mecanismo de ação é baseado principalmente no aumento dos níveis de trombina, mas é reconhecida sua ação dire-ta nas plaquetas, aumentando sua agregação. Alguns estudos enfatizaram que o uso do FVIIa pode reduzir a expansão da LHI, mas pode ter efeitos adversos, como trombose venosa profunda. Mais pesquisas são necessárias para definir o papel do FVIIa na reversão do clopidogrel em pacientes com TCE.17

O ácido tranexâmico (ATX) é uma droga antifibri-nolítica que bloqueia os locais de ligação da lisina ao plasminogênio, impedindo seu acesso à fibrina. Seu uso está amplamente difundido em cirurgias cardíacas para reduzir sangramento intraoperatório. Recente ensaio multicêntrico – CRASH-2 – informou que o ATX é seguro em reduzir o risco de morte por sangramento em trauma. Porém, um subgrupo do CRASH-2 não evidenciou diferença no resultado com o uso de ATX em pacientes com TCE em uso de clo-pidogrel.23 Portanto, também são necessárias novas investigações para definir o efeito terapêutico do ATX nesse tipo de paciente.

Outra questão que deve ser discutida nos pacien-tes que sofrem TCE em uso de agentes antiplaquetá-rios é o momento de retornar essas medicações no pós-trauma. Sabe-se que até seis meses após implan-tação do stent coronariano o risco de trombose do stent aumenta 30 vezes com a descontinuação do clo-pidogrel. Portanto, a retirada do clopidogrel no perío-do pós-trauma pode ser catastrófica, com incidência de infarto do miocárdio acima de 64% e de morte de até 45%.2 Concluiu-se que o paciente com TCE em

O manejo de pacientes com TCE em uso de an-tiplaquetários ainda apresenta escassas evidências, portanto, a terapêutica é baseada somente na expe-riência de anestesiologistas. Além disso, em servi-ços em que não estão disponíveis recursos para es-timar a atividade plaquetária de pacientes com TCE em uso de antiplaquetários, restam as intervenções empíricas no intuito de neutralizar os efeitos antipla-quetários e evitar piora do prognóstico. Na literatura existem alguns relatos de terapias com o objetivo de neutralizar a inibição da agregação plaquetária em pacientes com TCE e que apresentaram exacerba-ção do sangramento perioperatório: transfusão de plaquetas, desmopressina, fator recombinante VIIa e ácido tranexâmico.17

A transfusão de plaquetas tem sido sugerida como forma de reverter os efeitos antiplaquetários da as-pirina e clopidogrel em pacientes com TCE e, dessa forma, limitar a progressão da LHI inicial. No entanto, o papel da transfusão de plaquetas nesses pacientes ainda é incerto.12,14,17 A intenção da transfusão de pla-quetas é administrar plaquetas com atividade normal que permitam ativação e agregação plaquetária. Estu-do em indivíduos saudáveis tratados com clopidogrel mostraram que transfusão de 10 UI de concentrado de plaquetas é capaz de reverter a inibição da agregação plaquetária induzida pelo clopidogrel ex vivo.19 Naide-ch et al.20 demonstraram que a transfusão de plaque-tas até 12 horas do trauma resulta em melhor atividade plaquetária, menores LHIs e melhores resultados a mé-dio prazo. Porém, Washinton et al.21 não registraram diferença estatística em pacientes com TCE moderado em uso de antiplaquetários, que receberam transfusão de plaquetas, quanto ao impacto na expansão da LHI, rebaixamento do sensório e resultado neurológico a curto prazo. Com base nesses estudos, o questiona-mento quanto ao benefício da transfusão de plaquetas em pacientes com TCE em uso de clopidogrel perma-nece sem resposta. Na ausência de evidências que sus-tentem essa prática, a transfusão de plaquetas nessa situação não é recomendada de rotina.

A desmopressina (ou DDAVP) é uma droga he-mostática amplamente utilizada em pacientes com sangramentos como hemofilia, doença de Von Wille-brandt e outras desordens plaquetárias. Ela pode ser efetiva em reduzir o risco de sangramento a partir da liberação do fator VII e do fator de Von Willebrandt das reservas endógenas, aumentando a adesivida-de plaquetária. Em consequência às possibilidades de efeitos tromboembólicos, seu uso rotineiro em

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Manejo anestésico de paciente com trauma cranioencefálico em uso de clopidogrel: relato de caso e revisão de literatura

cientes vítimas de TCE e estabelecer protocolos que otimizem a terapêutica desses pacientes.

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uso de clopidogrel deve descontinuar seu uso, mas a monitorização para evento cardiovascular deve ser realizada minuciosamente, devido ao alto risco de mortalidade. O retorno dos agentes antiplaquetá-rios deve ser feito o mais precocemente possível após discussão multidisciplinar com o neurocirurgião, cardiologista e intensivista, sempre pesando o risco e benefício caso a caso.17

No nosso relato de caso, o paciente apresentou a desvantagem de ser admitido já com quase 60 horas de evolução, consequentemente, a reversão da aspi-rina e do clopidogrel iriam contribuir muito pouco para reduzir a expansão do hematoma subdural agu-do. Contudo, durante neurocirurgia, o paciente teve sangramento aumentado, sendo realizada a terapêu-tica descrita na literatura: transfusão de concentrado de plaquetas e desmopressina, evoluindo com bom resultado. Apesar do alto risco, o paciente não exi-biu complicações cardiovasculares pós-trauma com a retirada dos agentes antiplaquetários, mesmo se tratando de momento crítico (menos de 12 meses) com alta taxa de trombose de stent coronariano. Por conseguinte, a readministração da terapia dupla anti-plaquetária aconteceu o mais antecipadamente pos-sível, logo após alta da unidade de terapia intensiva.

CONCLUSÃO

A ascensão da incidência das doenças cardiovas-culares juntamente com a expectativa de vida tem aumentado o número de idosos em uso de agentes antiplaquetários. Vários estudos vêm demonstrando que, com isso, a ocorrência de TCE nesses pacientes pode trazer piores resultados neurológicos e piora da mortalidade. Algumas terapias são descritas, com o intuito de reverter parcialmente a inibição da agre-gação plaquetária nesses pacientes, como transfusão de concentrado de plaquetas e administração de drogas hemostáticas: desmopressina, fator recombi-nante VII ativado e ácido tranexâmico. No entanto, não existem evidências suficientes que embasem a recomendação desses medicamentos. Não se pode deixar de registrar que a retirada dos antiplaquetá-rios aumenta significativamente o risco de eventos cardiovasculares e de mortalidade, portanto, sem-pre considerar avaliação multidisciplinar no manejo dos pacientes com TCE em uso de antiplaquetários. Novos estudos são necessários para determinar o impacto do uso de agentes antiplaquetários em pa-

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S77-S8282

Manejo anestésico de paciente com trauma cranioencefálico em uso de clopidogrel: relato de caso e revisão de literatura

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S83-S85 83

Spahn DR, Bouillon B, Cerny V, Coats TJ, Duranteau J, Fernández-Mondéjar E, Filipescu D, Hunt BJ, Komadina R, Nardi G, Neugebauer E, Ozier Y, Riddez L,Schultz A, Vincent JL, Rossaint R

Management of bleeding and coagulopathy following major trauma: an updated European guideline

LITERATURA SUGERIDA

ABSTRACT

Introduction: Evidence-based recommendations are needed to guide the acute management of the bleeding trauma patient. When these recommendations are implemented patient outcomes may be improved. Methods: The multidisci-plinary Task Force for Advanced Bleeding Care in Trauma was formed in 2005 with the aim of developing a guideline for the management of bleeding following severe injury. This document represents an updated version of the guideline published by the group in 2007 and updated in 2010. Recommendations were formulated using a nominal group process, the Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation (GRADE) hierarchy of evidence and based on a systematic review of published literature. Results: Key changes encompassed in this version of the guideline include new recommendations on the appropriate use of vasopressors and inotropic agents, and reflect an awareness of the growing number of patients in the population at large treated with antiplatelet agents and/or oral anticoagulants. The current guideline also includes recommendations and a discussion of thromboprophylactic strate-gies for all patients following traumatic injury. The most significant addition is a new section that discusses the need for every institution to develop, implement and adhere to an evidence-based clinical protocol to manage traumatically injured patients. The remaining recommendations have been re-evaluated and graded based on literature published since the last edition of the guideline. Consideration was also given to changes in clinical practice that have taken place during this time period as a result of both new evidence and changes in the general availability of relevant agents and technologies. Conclusions: A comprehensive, multidisciplinary approach to trauma care and mechanisms with which to ensure that established protocols are consistently implemented will ensure a uniform and high standard of care across Europe and beyond.

Available at: http://ec.europa.eu/health/ph_determinants/life_style/nutrition/documents/iotf_en.pdf

Acessed on: Jun 2014.

DOI: 10.1186/cc12685

Heesen M, Klöhr S, Rossaint R, Straube S

Prophylactic phenylephrine for caesarean section under spinal anaesthesia: systematic review and meta-analysis

ABSTRACT

We conducted a systematic review to determine the harm and benefit associated with prophylactic phenylephrine for caesarean section under spinal anaesthesia. We included 21 randomised controlled trials with 1504 women. The relative risk (95% CI) of hypotension with phenylephrine infusion – as defined by authors – before delivery was 0.36 (0.18–0.73) vs placebo, p = 0.004; 0.58 (0.39–0.88) vs an ephedrine infusion, p = 0.009; and 0.73 (0.55–0.96) when added to an ephedrine infusion, p = 0.02. After delivery, the relative risks of hypotension and nausea and vomiting with phenyleph-rine compared with placebo were 0.37 (0.19–0.71), p = 0.003, and 0.39 (0.17–0.91), p = 0.03, respectively. There was no evidence that hypertension, bradycardia or neonatal endpoints were affected. Phenylephrine reduced the risk for hypoten-

DOI: 10.1111/anae.12445

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S83-S8584

sion and nausea and vomiting after spinal doses of bupivacaine generally exceeding 8 mg, but there was no evidence that it reduced other maternal or neonatal morbidities.

Available at: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/anae.12445/abstract

Acessed on: Jun 2014.

Komatsu R1, You J, Mascha EJ, Sessler DI, Kasuya Y, Turan A

Anesthetic induction with etomidate, rather than propofol, is associated with increased 30-day mortality and cardiovascular morbidity after noncardiac surgery

ABSTRACT

Background: Because etomidate impairs adrenal function and blunts the cortisol release associated with surgical stimulus, we hypothesized that patients induced with etomidate suffer greater mortality and morbidity than comparable patients induced with propofol. Methods: We evaluated the electronic records of 31,148 ASA physical status III and IV patients who had noncardiac sur-gery at the Cleveland Clinic. Among these, anesthesia was induced with etomidate and maintained with volatile anesthetics in 2616 patients whereas 28,532 were given propofol for induction and maintained with volatile anesthetics. Two thousand one hundred forty-four patients given etomidate were propensity matched with 5233 patients given propofol and the groups compared on 30-day postoperative mortality, length of hospital stay, cardiovascular and infectious morbidities, vasopressor requirement, and intraop-erative hemodynamics. Results: Patients given etomidate had 2.5 (98% confidence interval [CI], 1.9-3.4) times the odds of dying than those given propofol. Etomidate patients also had significantly greater odds of having cardiovascular morbidity (odds ratio [OR] [98% CI]: 1.5 [1.2-2.0]), and significantly longer hospital stay (hazard ratio [95% CI]: 0.82 [0.78-0.87]). However, infectious morbidity (OR [98% CI]: 1.0 [0.8-1.2]) and intraoperative vasopressor use (OR [95% CI] 0.92: [0.82-1.0]) did not differ between the agents. Conclusion: Etomidate was associated with a substantially increased risk for 30-day mortality, cardiovascular morbidity, and prolonged hospital stay. Our conclusions, especially on 30-day mortality, are robust to a strong unmeasured binary confound-ing variable. Although our study showed only an association between etomidate use and worse patients' outcomes but not causal relationship, clinicians should use etomidate judiciously, considering that improved hemodynamic stability at induction may be accompanied by substantially worse longer-term outcomes.

Available at: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24257383

Acessed on: Jun 2014.

DOI: 10.1213/ANE.0b013e318299a516

Skhirtladze K, Base EM, Lassnigg A, Kaider A, Linke S, Dworschak M, Hiesmayr MJ

Comparison of the effects of albumin 5%, hydroxyethyl starch 130/0.4 6%, and Ringer's lactate on blood loss and coagulation after cardiac surgery

ABSTRACT

Background: Infusion of 5% human albumin (HA) and 6% hydroxyethyl starch 130/0.4 (HES) during cardiac surgery expand circulating volume to a greater extent than crystalloids and would be suitable for a restrictive fluid therapy regimen. However, HA and HES may affect blood coagulation and could contribute to increased transfusion requirements. Methods: We randomly assigned 240 patients undergoing elective cardiac surgery to receive up to 50 ml kg(-1) day(-1) of either HA, HES, or Ringer's lactate (RL) as the

DOI: 10.1093/bja/aet348

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Rev Med Minas Gerais 2014; 24 (Supl 3): S83-S85 85

main infusion fluid perioperatively. Study solutions were supplied in identical bottles dressed in opaque covers. The primary outcome was chest tube drainage over 24 h. Blood transfusions, thromboelastometry variables, perioperative fluid balance, renal function, mortality, intensive care unit, and hospital stay were also assessed. Results: The median cumulative blood loss was not different between the groups (HA: 835, HES: 700, and RL: 670 ml). However, 35% of RL patients required blood products, compared with 62% (HA) and 64% (HES group; P=0.0003). Significantly, more study solution had to be administered in the RL group compared with the colloid groups. Total perioperative fluid balance was least positive in the HA group [6.2 (2.5) litre] compared with the HES [7.4 (3.0) litre] and RL [8.3 (2.8) litre] groups (P<0.0001). Both colloids affected clot formation and clot strength and caused slight increases in serum creatinine. Conclusions: Despite equal blood loss from chest drains, both colloids interfered with blood coagulation and produced greater haemodilution, which was associated with more transfusion of blood products compared with crystalloid use only.

Available at: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24169821

Acessed on: Jun 2014.

Lobo SM, Oliveira NE

Clinical review: What are the best hemodynamic targets for noncardiac surgical patients?

ABSTRACT

Perioperative hemodynamic optimization, or goal-directed therapy (GDT), has been show to significantly decrease complica-tions and risk of death in high-risk patients undergoing noncardiac surgery. An important aim of GDT is to prevent an imbal-ance between oxygen delivery and oxygen consumption in order to avoid the development of multiple organ dysfunction. The utilization of cardiac output monitoring in the perioperative period has been shown to improve outcomes if integrated into a GDT strategy. GDT guided by dynamic predictors of fluid responsiveness or functional hemodynamics with minimally invasive cardiac output monitoring is suitable for the majority of patients undergoing major surgery with expected significant volume shifts due to bleeding or other significant intravascular volume losses. For patients at higher risk of complications and death, such as those with advanced age and limited cardiorespiratory reserve, the addition of dobutamine or dopexamine to the treatment algorithm, to maximize oxygen delivery, is associated with better outcomes.

DOI: 10.1186/cc11861

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Corpo Editorial

EDITOR GERALEnio Roberto Pietra Pedroso Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte – MG, Brasil

EDITORES ASSOCIADOSCirurgiaAlcino Lázaro da SilvaFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Andy Petroianu Faculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Tarcizo Afonso Nunes Faculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Clínica MédicaDavid de Pádua BrasilFaculdade de Ciências Médicas de MGBelo Horizonte – MG, Brasil

Manoel Otávio da Costa RochaFaculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte – MG, Brasil

Ginecologia e ObstetríciaFernando Marcos dos ReisFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Ricardo Mello MarinhoFaculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – FCMMGBelo Horizonte – MG, Brasil

PediatriaEnnio LeãoFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Maria do Carmo Barros de MeloFaculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte – MG, Brasil

Saúde ColetivaMaria da Conceição J. Werneck CôrtesFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Saúde MentalHumberto Corrêa da SilvaFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

CONSELHO EDITORIALAhmed Helmy SalemAssiut University Hospitals & Faculty of Medicine Tropical Medicine & Gastroenterology DepartmentAssiut EGYPT

Aldo da Cunha MedeirosCentro Ciências da Saúde da UFRN Natal – RN, Brasil

Almir Ribeiro Tavares JúnioFaculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte – MG, Brasil

Antônio Luiz Pinho RibeiroFaculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte – MG, Brasil

Aroldo Fernando CamargosFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Bruno CaramelliFaculdade de Medicina da USPSão Paulo – SP, Brasil

Bruno ZilbersteinFaculdade de Medicina da USPSão Paulo – SP, Brasil

Carlos Teixeira BrandtCentro de Ciências da Saúde da UFPERecife – PE, Brasil

Cor Jesus Fernandes FontesFaculdade de Medicina da UFMTCuiabá – MT, Brasil

Dulciene Maria Magalhães QueirozFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Edmundo Anderi JúniorFaculdade de Medicina do ABC São Paulo, SP – Brasil

Enio Cardillo VieiraInstituto de Ciências Biológicas da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Fábio Leite GastalHospital Mãe de Deus Porto Alegre – RS, Brasil

Fabio ZickerOrganizaçao Mundial da SaúdeGenebra, SUIÇA

Federico LombardiUniverstá degli Studi di Milano Milano, ITALY

Francisco José Dutra SoutoUniversidade Federal do Mato GrossoCuiabá – MT, Brasil

Genival Veloso de FrançaCentro de Ciências da Saúde da UFPBJoão Pessoa – PB, Brasil

Georg PetroianuDepartment of Cellular Biology & Pharmacology Herbert Wertheim College of MedicineFlorida International UniversityMiami, FL – USA

Gerald MinukUniversity of Manitoba, Department of Internal MedicineManitoba, CANADA

Geraldo Magela Gomes da CruzFaculdade de Ciências Médicas de MGBelo Horizonte – MG, Brasil

Giselia Alves Pontes da SilvaCentro de Ciências da Saúde da UFPERecife – PE, Brasil

Henrique Leonardo GuerraPUC MinasBelo Horizonte – MG, Brasil

Henrique Neves da Silva BittencourtCentre Hospitalier Universitaire Sainte-Justine – Universite de MontrealMontreal – QC, CANADÁ

Jacques NicoliInstituto de Ciências Biológicas da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Jair de Jesus MariFaculdade de Medicina da UNIFESP São Paulo – SP, Brasil

João Carlos Pinto DiasCentro de Pesquisas René Rachou-FIOCRUZ Belo Horizonte – MG, Brasil

João Carlos SimõesCurso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná ( FEPAR) Curitiba, PR – Brasil

João Galizzi FilhoFaculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte – MG, Brasil

José Carlos Nunes MotaDepartamento de Medicina da UFSAracaju, SE – Brasil

José da Rocha CarvalheiroFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USPSão Paulo, SP – Brasil

Leonor Bezerra GuerraInstituto de Ciências Biológicas da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Luiz Armando Cunha de MarcoFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Luiz Henrique Perocco BragaMcMaster University, Department of Surgery/UrologyHamilton, Ontário, Canadá

Manoel Roberto Maciel TrindadeDepartamento de Cirurgia da UFRGSPorto Alegre, RS – Brasil

Marco Antonio de Avila VitoriaOrganização Mundial da Saude – OMSGenebra, SUIÇA

Marco Antonio RodriguesFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Maria Inês BoechatDept. of Radiological SciencesDavid Geffen School of Medicine at UCLAUniversity of CalifórniaLos Angeles – CA, USA

Mauro Martins TeixeiraInstituto de Ciências Biológicas da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Mircea BeuranClinical Emergency Hospital BucharestBucharest, ROMENIA

Naftale KatzFundação Oswaldo Cruz, Centro de Pesquisas René RachouBelo Horizonte – MG, Brasil

Nagy HabibImperial College London. Department of SurgeryLondon, UK

Nicolau Fernandes KruelUniversidade Federal de Santa Catarina – UFSC e UNISUL Florianópolis. SC – Brasil

Nilson do Rosário CostaEscola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Orlando da SilvaDepartment of Paediatrics, UWONeonatal Intensive Care UnitLondon, Ontario, Canadá

Paulo Roberto CorsiFaculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SPSão Paulo, SP – Brasil

Pedro Albajar ViñasOrganização Mundial da SaúdeGenebra, Suiça

Pietro AccettaUFF / Faculdade de Medicina Niterói – RJ – Brasil

Protásio Lemos da LuzUniversidade de São Paulo – IncorSão Paulo – SP, Brasil

Renato Manuel Natal JorgeUniversidade do PortoPorto – Portugal

Roberto Marini LadeiraSecretaria Municipal de Saúde de Belo HorizonteBelo Horionte – MG, Brasil

Rodrigo Correa de OliveiraFundação Oswaldo Cruz, Centro de Pesquisas René Rachou, Laboratório de ImunologiaBelo Horizonte – MG, Brasil

Ruy Garcia MarquesUniversidade do Estado do Rio de JaneiroRio de Janeiro – RJ, Brasil

Sandhi Maria BarretoFaculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte – MG, Brasil

Sérgio Danilo PenaInstituto de Ciências Biológicas – UFMG Núcleo de Genética Médica – GENEBelo Horizonte – MG, Brasil

William HiattColorado Prevention CenterDenver, Colorado, USA

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Anotações

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Anotações

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Expediente

Uma publicação do INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA EM SAÚDE (IEPS)

Conselho Curador (mandato – 2012/2014):

Lincoln Lopes Ferreira (AMMG) – Presidente • Helton Freitas (UNIMED BH) – Vice-presidente • Amélia Maria Fernandes Pessôa (Sinmed) • Francisco José Penna (Faculdade de Medicina da UFMG) • João Batista Gomes Soares (CRM-MG) • Lucas Vianna Machado (FCMMG-Feluma) • Marcelo Gouveia Teixeira (SMSa-PBH)

Conselho Diretor (mandato 2010/2014):

Lincoln Lopes Ferreira – Diretor Presidente • Amélia Maria Fernandes Pessôa – Diretor Vice-presidente • Helton Freitas – Diretor Administrativo-Financeiro

Conselho Fiscal (mandato 2010/2014):

Ciro José Buldrini Filogonio • Cristiano Gonzaga da Mata Machado • Lucas Vianna Machado

Mantenedoras/Apoio:

Associação Médica de Minas Gerais – AMMG • Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda – COOPMED • Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais – CRM-MG • Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – FCMMG • Faculdade de Medicina da UFMG – FM/UFMG • Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais – SES/MG • Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte – SMSa/BH • Sindicato dos Médicos do Estado de Minas Gerais – SINMED-MG • Unimed-BH Cooperativa de Trabalho Médico Ltda – UNIMED-BH

Conselho Gestor da RMMG:

Amélia Maria Fernandes Pessôa (Sinmed) • Cláudio de Souza (CRM-MG) • Francisco José Penna (FM-UFMG) • Helton Freitas (Unimed) • José Ricardo de Paula Xavier Vilela (Coopmed) • Luciana Costa Silva (AMMG) • Lucas Viana Machado (FCMMG) • Marcelo Gouveia Teixeira (SMSa-BH)

Editor Geral:

Enio Roberto Pietra Pedroso

Editor Administrativo:

Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite

Revisores:

Magda Barbosa Roquete de Pinho Taranto (Português) • Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite (Normalização) • Maria Rita Dumond Viana (Inglês)

Produção Editorial:

Folium

Tiragem:

1000 exemplares

Indexada em:

LILACS-Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde; PERIÓDICA-Índice de Revistas Latinoamericanas; LATINDEX – Sistema Regional de Información em Línea para revistas Científicas da América latina, El Caribe y Portugal.

ISSN: 0103-880X e-ISSN: 2238-3181

Disponível em:

www.rmmg.org

Faculdade de Medicina da UFMG:

<http://rmmg.medicina.ufmg.br/>

Biblioteca Universitária da UFMG:

<https://www.bu.ufmg.br/periodicos/revista-medica-de-minas-gerais>

Portal de Periódicos CAPES:

<http://www-periodicos-capes-gov-br.ez27.periodicos.capes.gov.br/>

Afiliada à Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC)Início da Publicação: v.1, n.1, jul./set. 1991

Periodicidade: Trimestral

Normas para publicação, instruções aos autores e submissão de manuscritos estão disponíveis em: <www.rmmg.org>

Correspondências e Artigos:

Revista Médica de Minas Gerais – Faculdade de Medicina da UFMG Av. Prof. Alfredo Balena, 190 – Sala 12. CEP: 30130-100 Belo Horizonte, MG – Brasil. Telefone: 55-31-3409-9796 e-mail (artigos): [email protected] Submissão de artigos: www.rmmg.org

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issn 0103-880 X

1º Semestr

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MMRRevista Médica de Minas Gerais

volume 24 • suplemento 31º Semestre de 2014

issn 0103-880 X

G24/S3

SUPLEMENTO DA SOCIEDADE DE ANESTESIOLOGIA DE MINAS GERAIS

2014 – 1º Semestre a rmmg é resultado da parceria entre as seguintes Instituições

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