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Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 239 Em sala de aula, ao refletir com os alunos o texto de Engels Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem, escrito em 1876, me vi fascinada com a discussão acerca do processo de especialização que as mãos sofreram no processo de desenvolvimento do homem. Durante milhares de anos, no período de transição do macaco ao homem, as mãos tornaram-se livres e adquiriram uma maior habilidade e flexibilidade. Os homens passaram, cada vez mais, a ter uma maior destreza para a realização das mais diferentes atividades e com isso podiam atender as suas necessidades. Para Engels, “a mão não é apenas o órgão do trabalho; é também produto dele” (p.13). O fato é que, a mão do homem modificou-se ou afinou-se, tornando-se capaz de realizar novas funções, com um grande grau de complexidade. Com o desenvolvimento da linguagem e, sobretudo, do cérebro, o homem foi capaz de executar operações mais complexas e, por consequência, passaram a se propor e alcançar objetivos elevados. Foi a partir do registro desta reflexão que comecei a me interessar pelas mãos humanas, observando-as em ação, nas mais diferentes atividades e movimentos. O passo seguinte foi dedicar-me a produzir imagens fotográficas de mãos, primeiro com um sentido mais aberto, ao considerar as várias possibilidades de uso das mãos, dentre as quais se insere a própria Mônica Maria Torres de Alencar* Mãos que trabalham .............................................................................. * Doutora em Serviço Social. Professora Associada da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Integrante do Laboratório de Imagem – LI/FSS/UERJ. Correspondência: Rua São Francisco Xavier, 524/sl.8031, bloco D – Maracanã – Rio de Janeiro/RJ. CEP: 20550-900. Email: <monicatalencar@ hotmail.com>. EM PAUTA, Rio de Janeiro _ 1 o Semestre de 2017 - n. 39, v. 15, p. 239 - 262

Mônica Maria Torres de Alencar* - UERJ

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Em sala de aula, ao refletir com os alunos o texto de Engels Sobreo papel do trabalho na transformação do macaco em homem, escrito em1876, me vi fascinada com a discussão acerca do processo de especializaçãoque as mãos sofreram no processo de desenvolvimento do homem. Durantemilhares de anos, no período de transição do macaco ao homem, as mãostornaram-se livres e adquiriram uma maior habilidade e flexibilidade. Oshomens passaram, cada vez mais, a ter uma maior destreza para a realizaçãodas mais diferentes atividades e com isso podiam atender as suasnecessidades. Para Engels, “a mão não é apenas o órgão do trabalho; étambém produto dele” (p.13). O fato é que, a mão do homem modificou-seou afinou-se, tornando-se capaz de realizar novas funções, com um grandegrau de complexidade. Com o desenvolvimento da linguagem e, sobretudo,do cérebro, o homem foi capaz de executar operações mais complexas e,por consequência, passaram a se propor e alcançar objetivos elevados.

Foi a partir do registro desta reflexão que comecei a me interessarpelas mãos humanas, observando-as em ação, nas mais diferentes atividadese movimentos. O passo seguinte foi dedicar-me a produzir imagensfotográficas de mãos, primeiro com um sentido mais aberto, ao consideraras várias possibilidades de uso das mãos, dentre as quais se insere a própria

Mônica Maria Torres de Alencar*

Mãos que trabalham

..............................................................................* Doutora em Serviço Social. Professora Associada da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado doRio de Janeiro (UERJ). Integrante do Laboratório de Imagem – LI/FSS/UERJ. Correspondência: Rua São FranciscoXavier, 524/sl.8031, bloco D – Maracanã – Rio de Janeiro/RJ. CEP: 20550-900. Email: <[email protected]>.

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arte em geral, o ato fotográfico, por exemplo, ou mesmo o seu uso cotidianonos afazeres domésticos e outros tantos atos que não podem prescindir dasmãos. As mãos acariciam, em outro momento podem agitar-se e comporuma figura humana em animação e ímpetos profundos, como no calor deuma discussão por exemplo. Podem ser ferozes, habilidosas, sôfregas, pacatase gentis. Podem oferecer ajuda e conforto para quem delas precisam, sejuntarem em oração ou mesmo cometerem atos vis, numa dança de pos-sibilidades de cadências e ritmos.

Todavia, aqui apresento um conjunto de imagens fotográficas quetomam o uso direto das mãos em atividades relacionadas ao trabalho, noqual, homens e mulheres trabalhadoras fazem de suas mãos instrumentospara a realização da atividade. No geral, são atividades laborativas simplesem que vemos pouco ou nenhum instrumento a mediar a relação com aatividade em movimento. E estes, quando existem, são instrumentos simplesde acordo com as características e necessidades da atividade realizada.

No mais, algumas imagens implicam o uso das mãos como ins-trumentos em ação e realizam diretamente a atividade sem mediação comoé o caso do trabalhador que seleciona e carrega diretamente pedras em umparque da cidade. Nesse caso, observa-se que suas mãos são calejadas eagarram com grande esforço, pedras de tamanhos e pesos variados. Outraimagem, igualmente forte, é a do pescador que, com as próprias mãos,constrói uma âncora para seu barco, a partir de uma moldagem em ferro ecimento. Nesta situação, assistimos por vários minutos, o esforço feito pelopescador, improvisadamente, para dobrar a ferragem, de forma a dar-lheenvergadura para finalmente obter uma peça em formato de gancho. Damesma forma, fui surpreendida com a realização de serviço de conserto deporta em plena rua, no qual o trabalhador, apesar de usar um martelo, utili-zava suas mãos diretamente para tentar resolver o defeito da porta; e, ao serpor mim interpelado para uma foto, fez questão de posar sobre a porta aochão, com um misto de orgulho, suas mãos completamente lambuzadas esujas de graxa preta.

Outro grupo de imagens são de pescadores que, após todo o traba-lho que envolve a pesca em alto mar, vendem os peixes na praia. Para issomontam uma estrutura para limpar os peixes na qual envolve o uso de umfacão e as próprias mãos no processo de trato da pesca. As mãos estavampoeticamente molhadas e reluzentes sob o sol e à beira mar, oferecendobelas imagens, nas quais observei a destreza e habilidade na limpeza dopeixe. Outras imagens de trabalhadores de ocupações variadas as chamode mãos protegidas, pois os trabalhadores usam luvas para a realização daatividade, certamente cumprindo exigências de proteção e de higiene, nocaso daqueles que manipulam lixo ou varrem as ruas da cidade; e, também,aqueles que em um supermercado ocupavam-se com o corte de carne.

Temos algumas imagens fotográficas de mãos em descanso ouem pausa, entre uma atividade e outra: as mãos fortes de um pescador que

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descansam no seu colo enquanto se perde e devaneia numa conversa entreamigos e companheiros de trabalho, ao pôr do sol, no final de mais umajornada de trabalho; as mãos em espera de uma empregada doméstica jáidosa e que pacientemente aguarda o vendedor de legumes descascá-lospara providenciar “o almoço dos patrões”, como ela me informa; as mãosda profissional de limpeza da rua numa pausa para beber água e olhar aoredor, observando o ir e vir de carros e pessoas que passam indiferentes asua presença.

Enfim, mãos, mãos e mãos. Diferentes mãos, cores, texturas e for-matos distintos, que compõem magicamente a expressão humana no univer-so cotidiano da vida e do trabalho.

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Trabalhador seleciona e carrega diretamente pedras em um parque da cidade.

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Trabalhador leva pedra selecionada para seu carrinho de mão.

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Pescador constrói âncora para seu barco usando somente as próprias mãos.

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Pescador limpando peixe para vender na praia.

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Pescador limpando peixe na praia para vender.

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Pescador limpando peixe na praia para vender.

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Pescador descansando e conversando com os amigos.

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Trabalhador posa orgulhoso com as mãos sujas de graxa sobre a porta.

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Trabalhador posa mostrando as luvas sujas devido ao contato com o lixo.

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Trabalhadora varrendo a rua.

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Trabalhadora que varria a rua faz uma pausa para beber água e olhar aoredor.

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Trabalhador descansando enquanto segura sua ferramenta de trabalho.

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Trabalhadora posa com as mãos sobre a panela.

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Ambulante que trabalha em uma praça abrindo a panela para servir um cliente.

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Vendedor de legumes descascando uma batata.

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Ambulante pegando mais ingredientes para colocar na panela.

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Funcionário de supermercado cortando e limpando carne.

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Trabalhadora segurando os balões que vende na rua.

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Trabalhador em pausa.

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Trabalhadora doméstica idosa aguardando o vendedor de legumes descascar as batatas.

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Referências

ANTUNES, Ricardo (orgs). A Dialética do Trabalho. Escritos de Marx e Engels.São Paulo: Expressão Popular, 2004.

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