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MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho no crescimento da metrópole. Monografia desenvolvida no Programa especial de Treinamento (PET), da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Orientadora: Jupira Gomes de Mendonça (Doutora). Belo Horizonte Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais Março de 2004

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MARCELO CRUZ VARGAS

Mobilidade espacial na Região Metropolitana de

Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima

e Brumadinho no crescimento da metrópole.

Monografia desenvolvida no Programa

especial de Treinamento (PET), da

Escola de Arquitetura da Universidade

Federal de Minas Gerais.

Orientadora: Jupira Gomes de

Mendonça (Doutora).

Belo Horizonte

Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais

Março de 2004

Page 2: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

Apresentação

O presente trabalho faz parte do conjunto de atividades desenvolvidas pelo

PET –Programa especial de Treinamento – da Escola de Arquitetura da

Universidade Federal de Minas Gerais, no período março/2003 a março/2004.

Atuou como orientadora a professora e Doutora Jupira Gomes de Mendonça, e

como coordenadora do Programa na unidade, a professora e Doutora Celina

Borges Lemos. O programa é financiado pela PROGRAD – Pró-Reitoria de

Graduação.

Trata-se de um estudo que integra um conjunto de trabalhos acerca do

desenvolvimento do mais recente vetor de expansão da Região Metropolitana

de Belo Horizonte, através do eixo definido pela BR-040 em direção ao Rio de

Janeiro, cujos reflexos no espaço urbano são mais visíveis nos territórios de

Nova Lima e Brumadinho. Pretende-se aqui verificar as características do

fenômeno com enfoque sobre a dinâmica migratória e a mobilidade espacial da

população residente.

O trabalho baseia-se na revisão bibliográfica no primeiro capítulo, no qual se

delineia um pequeno histórico da evolução dos fenômenos migratórios de

Minas Gerais e do Brasil durante o período referente à construção de Belo

Horizonte e sua transformação em metrópole. No segundo capítulo analisa-se

a Região Metropolitana do ponto de vista da relação entre municípios. O

terceiro capítulo, que consiste na análise propriamente dita, realizou-se com

base no estudo de dados do Censo Demográfico do IBGE.

Por fim, trata-se de um trabalho com objetivos didáticos e acadêmicos,

produzido para que possa ser utilizado como referência para futuros estudos do

tema.

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Sumário

Introdução......................................... .............................................. 01

Capítulo 1

Mobilidade e migração na Região Metropolitana de Belo Horizonte...... 03

1 – Mobilidade e Migração: conceitos............... ............................................... 04

2 – Migração no Brasil e a participação de Minas Ge rais.............................. 07

3 – A migração na Região Metropolitana de Belo Hori zonte......................... 11

3.1 – A RMBH no contexto migratório do Estado ..................................... 11

3.2 – Movimentos migratórios no interior da R MBH................................ 16

3.2.1 – Mobilidade intrametropolitana na s décadas de 80 e 90......... 19

Capítulo 2

O crescimento da RMBH na entrada do século XXI..... ............................ 23

1 – Desenvolvimento e padrões de crescimento da Reg ião

Metropolitana...................................... ............................................................... 24

1.1 – O vetor de expansão da metrópole a oeste da

capital............................................ ................................................................ 24

1.2 – O vetor norte de expansão

metropolitana...................................... .......................................................... 25

1.3 – A expansão das classes médias e altas ao sul da

metrópole.......................................... ............................................................ 26

2 – O Eixo-Sul: nova frente de expansão e novos padrões de ocupaç ão

para a metrópole................................... ............................................................. 29

3 – Nova Lima e Brumadinho como espaço da nova expa nsão

metropolitana...................................... ................................................................ 32

3.1 – Dinâmica demográfica de Nova Lima e Brumadinh o entre 1970 e

2000................................................................................................................ 32

3.2 – Inserção de Nova Lima e Brumadinho da dinâmic a do Eixo- 35

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Sul..................................................................................................................

Capítulo 3

Aspectos qualitativos do incremento demográfico no Eixo-Sul........... 34

1 – Evolução demográfica dos municípios de Brumadin ho e de Nova

Lima na década de 90............................... ......................................................... 39

1.1 – Brumadinho................................... ....................................................... 39

1.2 – Nova Lima.................................... ......................................................... 40

2 – Caracterização da população.................... .................................................. 43

2.1 – Migração..................................... .......................................................... 43

2.2 – Condições de moradia......................... ............................................... 43

2.2.1 – Número de banheiros por domicílio.......... ............................. 44

2.2.2 – Densidade morador / dormitório............. ................................ 44

2.3 – Dados sobre educação e renda................. ......................................... 45

2.3.1 – Anos de estudo............................. ............................................ 45

2.3.2 – Renda Per Capita domiciliar................ .................................... 46

3 – Análise dos dados.............................. .......................................................... 47

Conclusão.......................................... ................................................................. 53

Referências Bibliográficas......................... ....................................................... 57

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1

Introdução A evolução temporal da região de Belo Horizonte para um espaço

metropolitano apresenta uma grande diversificação de enfoques possíveis

quando se trata de um estudo acadêmico. De fato, sabe-se que o fenômeno da

expansão urbana se processa com base em uma rede de processos inter-

relacionados, como o contexto econômico ou características sociais e culturais

das populações em questão. O texto a seguir se dedica a estudar o processo

de expansão da Região Metropolitana de Belo Horizonte ao longo do Eixo-Sul,

através da análise de dados sobre migração no espaço em questão.

Por Eixo-Sul entende-se a porção da RMBH, ao sul da capital do Estado, na

qual se desenvolvem novos processos de ocupação e ampliação da mancha

urbana metropolitana. Caracteriza essa localidade o fato de as novas

ocupações se mostrarem voltadas, de certa forma, para camadas

economicamente mais favorecidas, estabelecendo um vetor de expansão de

características diferenciadas dos principais eixos pelos quais a metrópole

evoluiu em sua história. Conta também como elemento diferenciado a adoção

de formas alternativas de moradia, no contexto das novas características da

vida na metrópole, como será abordado adiante.

A migração e a mobilidade residencial constituem o foco específico deste

trabalho, que centra a análise nos municípios de Nova Lima e Brumadinho, os

quais seriam os responsáveis pelo aparecimento e pela possível consolidação

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2

desse vetor de crescimento metropolitano. Dessa forma, pretende-se conhecer

os incrementos populacionais dos municípios nos anos 90, período de maior

expressividade do crescimento dos municípios em questão.

Logo, é revista no Capítulo 1 a história da evolução demográfica da Região

Metropolitana em contraponto à dinâmica nacional, para em seguida, no

Capítulo 2, verificar o desenvolvimento da RMBH entre os municípios que a

compõem. No Capítulo 3 se procede a análise dos dados do IBGE sobre

Brumadinho e Nova Lima, afim de se conhecer os resultados para as hipóteses

formuladas no transcorrer do trabalho.

Dessa forma, pretende-se contribuir para o estudo das dinâmicas de formação

do espaço urbano brasileiro através de um estudo sobre o desenvolvimento de

uma região específica.

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3

Capítulo 1 Mobilidade e migração na Região Metropolitana de Be lo Horizonte

O estudo da mobilidade residencial e da migração na Região Metropolitana de

Belo Horizonte integra uma discussão acerca da importância do Estado de

Minas Gerais na dinâmica dos movimentos populacionais decorrentes das

grandes transformações econômicas do país, além de suas conseqüências

sociais e demográficas a partir do período de maior impacto da atividade

industrial no espaço regional brasileiro.

Neste capítulo procura-se introduzir os conceitos de mobilidade e migração,

para em seguida delinear um breve histórico dos mais importantes movimentos

populacionais em Minas Gerais no citado período, e então centralizar o foco da

análise especificamente sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Trata-se de um estudo com o intuito de proceder a uma análise específica dos

municípios de Nova Lima e Brumadinho, em capítulo posterior, abordando uma

contextualização histórica e teórica do que se pretende investigar

especificamente.

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4

1 – Migração e mobilidade: conceitos

Os termos “mobilidade” e “migração” envolvem não apenas definições bastante

vastas, como também algumas controvérsias, entre estudiosos, acerca de sua

abrangência teórica. Entretanto, não constitui o principal objetivo do presente

estudo o aprofundamento em questões de conceituação, mas sim o

estabelecimento de referências com as quais se trabalhará adiante.

Ambos os conceitos se referem à idéia de deslocamento, mas têm significados

e abrangências distintas. Mobilidade é a denominação conferida a um

movimento que inclua atores que a realizem, e um deslocamento em um

determinado meio. No caso específico do presente trabalho, o meio em que

ocorre o deslocamento é o espaço geográfico, e os atores são pessoas

presentes nos Censos e contagens de população. Logo, a referida mobilidade

ganha o adjetivo “espacial”, que trata de especificar o referido e generalizado

conceito inicial, eliminando da análise outras formas de mobilidade, como por

exemplo, mobilidade de capitais, mobilidade da informação ou mobilidade de

tecnologia. Então, tem-se como “mobilidade espacial” o deslocamento de

pessoas de um ponto a outro no espaço geográfico, independente de outras

variáveis como duração, distância ou periodicidade do deslocamento.

O conceito de mobilidade, mesmo ao limitar a observação a uma porção mais

específica da questão, ainda constitui um universo amplo que abrange várias

realidades distintas. Ele engloba, entre outras, a idéia de “migração”. Para

definir o que é migração é necessário apoiar a análise em outros parâmetros,

onde a idéia de “espaço de vida” se presta a esse esclarecimento. O “espaço

de vida” constitui a porção do espaço onde o indivíduo exerce suas atividades.

Por exemplo, a casa, o trabalho, o local de recreação. A partir disso, pode-se

distinguir basicamente três categorias diferentes de deslocamentos: a primeira

diz respeito a movimentos no interior do espaço de vida, ou movimentos sem

migração, responsáveis pela própria definição dos limites desse espaço; a

segunda categoria engloba os movimentos temporários para fora do espaço de

vida, de curta ou longa duração, e que também não constituem migração por

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não haver a intenção de residir em outro lugar; e por fim os movimentos que

definem a mudança do espaço de vida, o deslocamento com mudança do local

de residência. Esta última corresponde à migração propriamente dita.

A migração integra um rol de categorias de deslocamentos, cujas

especificidades dependem de fatores como o citado “espaço de vida”. Além

deste, outro importante conceito para a percepção do fenômeno é a

“residência-base”. Diversas vezes pode ser considerada a própria residência

fixa dos atores envolvidos, porém não se confunde com o espaço de vida por

constituir um ponto geográfico mais específico que aquele. A idéia de

residência-base refere-se à área de ação a partir da qual partem os

deslocamentos, ou onde há maior probabilidade de retorno dos mesmos,

independente da duração da ausência. Quando há pouca probabilidade de

retorno, considera-se o estabelecimento da residência-base em outro lugar.

Por outro lado, quando há a mudança de residência-base, e depois de certo

período, há uma nova mudança do antigo destino para o mesmo local anterior,

ocorre a chamada “migração de retorno”.

O estudo do fenômeno migratório abrange não só as características técnicas

da migração e suas categorias, mas também o papel da mesma quando

inserida em determinado contexto sócio-econômico. A migração pode ser

considerada como uma estratégia de inserção residencial de diversos setores

sociais, se considerado o espaço da cidade capitalista. De acordo com esse

raciocínio, a cidade tem valor de mercadoria, fazendo a população o papel de

demandante do espaço. A mobilidade espacial segue então a lógica da

inserção econômica, e é esperado que o espaço urbano reflita as

características da estrutura social local.

Portanto, o estudo dos fluxos migratórios conseqüentemente recai sobre

questões sociais de inclusão e segregação. Enquanto as classes

economicamente incluídas no sistema procuram organizar sua localização no

espaço de acordo com funções que atendam às suas necessidades de

satisfação, como as de trabalho, lazer, cultura e necessidades básicas, os

estratos mais baixos, carentes de alternativas de inserção residencial,

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necessitam de estratégias para estabelecerem-se no espaço. Tais estratégias

incluem mecanismos como a criação de favelas e ocupação de áreas

periféricas e distantes.

O estudo da mobilidade residencial e da migração na Região Metropolitana de

Belo Horizonte, mais especificamente nas porções de Nova Lima e Brumadinho

que correspondem ao que chamamos Eixo-Sul da expansão da metrópole,

utilizará as classificações de deslocamento descritas neste tópico. As

diferenças entre “migração” e “mobilidade”, portanto, se basearão

essencialmente na distância dos deslocamentos. Considerar-se-á como

unidades de deslocamento os limites municipais e metropolitanos, como forma

de estabelecer o espaço de vida da população estudada. No contexto

metropolitano, pode-se considerar que esse espaço de vida, assim como a

dinâmica econômica local, extrapola limites institucionais entre municípios. De

forma generalizada e para fins de nomenclatura, as mudanças de residência no

interior da RMBH serão doravante tratadas pelo conceito de “mobilidade

residencial”, uma modalidade da mobilidade espacial, enquanto as mudanças

de residência-base entre interior e exterior da Região Metropolitana serão

tratadas como “migração”.

O estudo específico das mencionadas porções da RMBH necessita, além desta

conceituação, de uma contextualização histórica e teórica acerca dos fluxos de

deslocamento populacional no Brasil, em Minas Gerais e na própria Região

Metropolitana, como colocado nos tópicos a seguir.

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2 – Migração no Brasil e a participação de Minas Ge rais

O período mais significativo da industrialização do país, iniciado na década de

50 e com um auge entre os anos de 1967 e 19741, foi marcado por uma

intensa atividade migratória com reflexos em quase todo o território nacional.

Aliado ao simultâneo desenvolvimento do sistema de transportes, tal processo

acarretou drásticas alterações no quadro populacional brasileiro. Isso ocorreu

devido aos intensos deslocamentos em direção à região Sudeste,

principalmente para os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, em cujos

territórios a industrialização do país se concentrou.

No contexto nacional, trata-se do período no qual as Regiões Metropolitanas se

firmaram e se institucionalizaram. Uma vez que os investimentos no setor

industrial geralmente se situavam nas cidades de grande porte, as capitais e

seus entornos imediatos, os estados com industrialização efetiva nesta época

presenciaram, nestes centros, a absorção de grandes contingentes

populacionais vindos do interior e também de diversos outros pontos do país.

Em plena década de 50 os grandes centros industriais já experimentavam a

conurbação com cidades vizinhas. Da expansão horizontal das manchas

urbanas, o crescimento dessas cidades, a partir da década seguinte, passou a

se realizar na forma do adensamento de seus centros, redefinindo sua imagem

e dinâmica. Em 1973 passaram a ser reconhecidas oficialmente como Regiões

Metropolitanas (VARGAS, 2002).

Do ponto de vista estrutural, esse fenômeno foi acompanhado de uma visível

alteração nos padrões sociais da população. De um país até então apoiado em

uma base agrícola, o Brasil se tornou uma sociedade urbana, com a formação

de uma classe média significativa e alteração nas dinâmicas trabalhistas.

Surgiram inúmeras novas ocupações, seja na própria atividade industrial ou

mesmo no setor de serviços e no comércio, estes com uma intensa expansão

apoiada no desenvolvimento industrial (JANUZZI, 2000, p.7, apud PASTORE,

1 Corresponde à vigência do fenômeno chamado “milagre brasileiro” na economia, período de grande crescimento e industrialização promovidos durante a Ditadura Militar.

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1979). Logo, uma expressiva parcela da população ligada a esse fenômeno

teria ascendido do ponto de vista da posição social, causando o aumento da

classe média. Ao se observar como, a esta época, os grandes centros urbanos

se tornaram pólos de atração de migrantes, pode-se colocar o processo de

industrialização iniciado nos anos 50 como o principal fator de alteração na

estrutura demográfica brasileira.

No decorrer deste processo, enquanto São Paulo e Rio de Janeiro respondiam

pela maior parte da industrialização brasileira, Minas Gerais apresentou

desempenho relativamente inferior, pelo menos até o ano de 19782. Essa

discrepância se pronunciava de forma mais clara quando refletida em estudos

populacionais, cujos resultados indicavam, no final da década de 60, um

intenso movimento migratório para fora do Estado. É interessante perceber

que, dos migrantes que saíram de Minas no citado período, 60% tiveram como

destino os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, sendo São Paulo o destino

preferencial e cuja participação na absorção desses migrantes, com o passar

dos anos, cada vez mais se sobrepunha à do Rio de Janeiro. O restante desse

contingente se dividiu principalmente entre o Norte e o Centro-Oeste,

impulsionados pela expansão agrícola local, além do Estado do Paraná

(RIGOTTI & VASCONCELLOS, 2003). Durante este período Minas Gerais

sofreu grandes perdas líquidas de população, uma vez que o contingente que

saía era muito superior ao que chegava.

Os anos 80, para alguns estudiosos a “década perdida” devido à crise

econômica brasileira, marcaram um período no qual as perdas populacionais

de Minas Gerais por emigração sofreram uma certa suavização. Nesta época,

observou-se que o contingente de migrantes que deixavam o Estado havia

fortemente diminuído em relação à década de 60, enquanto que o número de

pessoas que chegavam sofrera sensível aumento. Segundo Rigotti &

Vasconcellos, de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná vieram mais de 70% dos

2 O ano de 1978 marca o ápice do “milagre econômico” refletido na economia mineira, período de grande crescimento da atividade industrial, a chamada “nova industrialização mineira”; de certa forma ocorreu deslocado do contexto nacional, no qual o período de maior crescimento durou até 1974.

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migrantes com menos de 10 anos de moradia no estado de origem;

caracteriza-se, portanto uma migração de retorno. Acredita-se ainda que a

migração de retorno possua um efeito indireto sobre os imigrantes não

naturais, tendo em vista uma forte possibilidade de existência de migrações

devidas a laços familiares, ou seja, os migrantes de retorno poderiam estar

trazendo consigo migrantes não nativos, como cônjuges ou filhos, por exemplo.

Tanto a migração de retorno quanto esse efeito indireto ajudaram a reduzir as

grandes perdas populacionais de Minas Gerais iniciadas nos anos 60, mas

também expressivas na década seguinte.

A década de 90, apesar de apresentar uma certa retomada do crescimento

econômico, não necessariamente apresentou um melhor desempenho na

geração de empregos. O emprego industrial diminui devido à própria perda de

participação do setor na economia. Minas Gerais já apresentava sinais de

descentralização da estrutura econômica, apontando, pois, um sentido oposto

ao que até então havia se experimentado. Uma característica marcante do

período foi a ocorrência de uma reestruturação produtiva, com crescimento

relativo mais expressivo nos extremos da cadeia social. Segundo Mendonça

(2002, p.77),

“Nos anos 90 cresceram muito, de um lado os dirigentes e, de

outro, os trabalhadores menos qualificados: a categoria

dirigente passou de 1,08% do pessoal ocupado em 1991 para

1,80% em 1999; o sub-proletariado passou de 11,72% para

15,8% no mesmo período.”3

Dessa forma, os novos rumos da economia apontavam para uma

descentralização não só das atividades, mas também populacional. O reflexo

mais significativo se refere à estrutura social, no tocante às relações de

trabalho, e em conseqüência, o distanciamento entre os dois extremos da

mesma.

3 A classificação que inclui as categorias citadas – dirigente e sub-proletariado – faz parte de uma metodologia que uma representação da estrutura social brasileira. Ver Mendonça (2002).

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Do ponto de vista da mobilidade, o processo de suavização das diferenças

entre a emigração e a imigração no estado vem ocorrendo de forma gradual a

partir da década de 60. Se neste período Minas Gerais experimentou

consideráveis perdas líquidas, nos anos 70 a emigração caiu

consideravelmente, acompanhada de um aumento na imigração, que

aumentou ainda mais na década posterior enquanto a emigração ainda

diminuía. Nos anos 90 a tendência se manteve, de forma a reduzir as perdas

populacionais dos primeiros momentos do processo.

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3 – A migração na Região Metropolitana de Belo Hori zonte

Na evolução da dinâmica populacional de Minas Gerais, a Região

Metropolitana de Belo Horizonte participa como principal vetor dos

deslocamentos migratórios, principalmente devido à sua concentração de

atividades econômicas, historicamente sempre a maior do Estado. O processo

de industrialização dos anos 50, que desencadeou um intenso movimento

populacional em nível nacional, concomitantemente fez surgir no estado

correntes migratórias em direção ao centro de maior desenvolvimento.

3.1 – A RMBH no contexto migratório do Estado

No caso do centro econômico de Minas Gerais, é possível dizer que o aumento

populacional ocorreu de forma bastante intensa. De acordo com Rigotti &

Rodrigues (1994, p.437), a população da RMBH4 aumentou 83% da década de

50 para 60, e mais 81% na década seguinte, sendo a taxa geométrica média

de crescimento, entre 1950 e 1970, correspondente a 6,2% ao ano. Ao

contrário do total do Estado, o qual sofreu grandes perdas líquidas de

população no período, a Região Metropolitana crescia a taxas bastante

expressivas.

Tal crescimento ocorreu devido, principalmente, aos movimentos migratórios

atraídos pela forte industrialização do período. À migração, no caso,

correspondiam 57% do crescimento populacional total da RMBH entre 1960 e

1970. A maioria desses migrantes era formada por mineiros, oriundos de

localidades urbanas (RIGOTTI & RODRIGUES, 1994); geralmente procediam

4 A análise dos autores limita-se aos municípios que já faziam parte da RMBH em 1980, por se

tratar de um estudo centrado na década de 70. São eles: Belo Horizonte, Betim, Caeté,

Contagem, Ibirité (que inclui os municípios de Sarzedo e Mário Campos, posteriormente

emancipados), Lagoa Santa (incluindo Confins, também emancipado posteriormente), Nova

Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia e

Vespasiano (incluindo São José da Lapa, posteriormente antecipado). (RIGOTTI &

RODRIGUES, 1994).

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das regiões de maior estagnação econômica do Estado, as mesmas regiões

que expulsavam população, na mesma época, para São Paulo e Rio de

Janeiro. Faz-se interessante perceber que durante este período, a única região

de Minas a apresentar ganhos líquidos populacionais foi a então Região

Metalúrgica e Campo das Vertentes, onde se localizavam os municípios

formadores da RMBH.

Nos anos 70, a Região Metropolitana experimenta seu maior crescimento

populacional. Entretanto, observa-se que núcleo e periferia passam a se

comportar de maneira distinta quanto à absorção de migrantes e quanto ao

crescimento. O período é marcado pelo esgotamento da capacidade do centro

da Aglomeração Metropolitana em absorver maiores contingentes, sendo a

preferência da ocupação transferida para os municípios periféricos. De fato, ao

observar-se o comportamento das novas ocupações, descarta-se a hipótese de

uma estagnação econômica da capital, que poderia ser cogitada pelo fato de a

cidade passar a receber um número mais reduzido de moradores. Verifica-se

que as novas ocupações acontecem preferencialmente no entorno imediato a

Belo Horizonte, ou seja, na periferia da RMBH. A periferia era mais suscetível à

ocupação em massa. A falta de espaço físico para a expansão horizontal, ou a

forte especulação imobiliária, que tornara o custo de instalação inviável para as

classes populares, integravam uma série de pretextos para essa característica

do núcleo, de alta atratividade, porém baixa ocupação.

De acordo com Matos (1996), iniciava-se nesta época um processo de

desconcentração espacial, principalmente a partir da observação dos padrões

migratórios envolvendo o núcleo da Aglomeração Metropolitana, os quais

indicavam numerosas saídas em direção a núcleos econômicos menores,

cidades de porte médio como Governador Valadares, Varginha ou Uberlândia.

No contexto estadual, as perdas populacionais apresentadas nas décadas

seguintes começam a minimizar-se, com um saldo migratório tendendo a

buscar um equilíbrio: mesmo que o número de saídas ainda superasse em

muito o de entradas, houve relativa diminuição das primeiras e aumento das

últimas. A Região Metropolitana, apesar disso, apresentou ganhos

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populacionais menores que na década anterior. A diferença se concentrou

principalmente no restante do Estado, onde caíram drasticamente as perdas

líquidas, mesmo que a maioria ainda apresentasse saldo negativo. Cabe citar,

em contrapartida, o caso do Triângulo Mineiro, cuja região de planejamento

apresentou saldo positivo de 40 mil pessoas (RIGOTTI & VASCONCELLOS,

2003 p.48).

A década de 80, além de um criticado desempenho da economia a nível

nacional, apresentou significativas alterações no quadro populacional. Dessas,

destaca-se a expressiva redução das perdas populacionais por emigração em

Minas Gerais, reforçando a tendência apresentada na década anterior.

A observação das migrações durante o período 1986-1991, de acordo com o

recorte geográfico estabelecido pelo IBGE, revela que da mesma maneira

como o Triângulo Mineiro na década anterior, as regiões do Campo das

Vertentes e o Sudoeste e Sul do Estado reverteram o quadro das perdas

líquidas e apresentaram saldo migratório positivo.5

Uma interessante característica das novas regiões de saldo positivo diz

respeito à diferença da natureza dos migrantes atraídos por elas em

comparação à RMBH. Tanto o Triângulo/Alto Paranaíba quanto o Sul e

Sudoeste de Minas possuem maior poder de atração por migrantes

interestaduais. Suas posições próximas a centros de desenvolvimento externos

ao Estado, como a fronteira com São Paulo e o Centro-Oeste, fizeram dessas

regiões locais estratégicos para a diminuição das perdas populacionais das

duas décadas passadas.

Por outro lado, a Região Metropolitana, por se situar geograficamente no centro

do Estado, não constituía um destino muito atrativo para migrantes de outras

localidades do país. Seu papel mais nítido era o de destino dos migrantes do

próprio interior do Estado. Estes eram provenientes de todas as mesorregiões,

sendo o movimento mais significante o dos emigrantes do Vale do Rio Doce,

mas eram também muito expressivos os do Jequitinhonha, da Zona da Mata,

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do Campo das Vertentes e do Sudoeste e Sul de Minas.6 Torna-se mais

evidente, portanto, o papel de Belo Horizonte e sua aglomeração metropolitana

de pólo regional ativo, cuja abrangência se estende a praticamente todo o

território mineiro. Todavia, os diversos pólos econômicos regionais, ao

apresentar-se como opção de destino para os migrantes interestaduais,

revelam um processo já iniciado de diluição da centralidade exercida pela

capital.

Um dos aspectos mais significativos da transição entre as décadas de 80 e 90

é o processo de reestruturação produtiva estabelecido em nível mundial,

iniciado no fim dos anos 70. Este novo contexto, que impõem ao sistema

econômico suas feições globalizadas, passa a eliminar fronteiras para a

circulação de capital, encolhendo a função do Estado enquanto ente

controlador das atividades, e entregando muitas vezes tal responsabilidade às

forças de mercado. Na prática, em países em desenvolvimento como o Brasil,

a reestruturação resultou em uma fragmentação econômica, na diminuição da

presença do Estado como controlador, no crescimento da especulação

financeira, na crise do setor produtivo e na conseqüente ampliação das

disparidades sociais. O progresso tecnológico, apesar de convertido em

aumento da produção, não se prestou à geração de empregos. Pelo contrário,

a crise no ensino público e a ausência de uma alta qualificação da população

em quantidade significativa contribuíram, nesse contexto, para o surgimento do

desemprego estrutural, aquele que aumenta mesmo quando a produção se

mantém em patamares estáveis.

Dessa maneira, a partir desse período, a dinâmica migratória do país tem

apresentado comportamentos distintos daqueles até então observados. De

acordo com Quinto Jr & Iwakami (1997),

“A migração ocorreu de forma intensa até a década de 70,

interrompida por um período de estagnação durante a década

de 80 – a chamada década perdida, vem demonstrando um

novo comportamento nessa década, indicando um fluxo

5 RIGOTTI, 1999, apud RIGOTTI & VASCONCELLOS, 2003.

Page 19: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

15

migratório menor para os grandes centros, retendo parte desse

potencial emigrante na sua região natal.” (p.747)

O sistema urbano brasileiro reforça então seu caráter de fragmentação. Os

centros de grande porte do Sudeste, até então principais pontos de atração de

migrantes de baixa qualificação técnica puderam observar uma certa inversão

nesta tendência. Por concentrar grande parte das atividades de alta

sofisticação tecnológica e logística do país, à mão de obra requerida nesses

centros passou a requerer-se significativa capacitação. Quinto Jr & Iwakami

(1997) consideram que a mão-de-obra desqualificada passou a concentrar-se

no Nordeste, Norte e Centro Oeste onde é utilizada na indústria de bens de

consumo não durável.

Na década de 90, portanto, a dinâmica migratória de Minas Gerais passa a

apresentar novas interligações com o contexto nacional. Se historicamente

Minas Gerais esteve ligado a São Paulo no decorrer desse processo, nesse

momento a movimentação populacional em Minas continuava a contemplar a

relação entre os dois estados. De fato, isso vem a ocorrer como conseqüência

da fase anterior desse processo. Rigotti & Vasconcellos (2003, p.53), ao

contraporem os saldos migratórios do Estado de São Paulo e das

mesorregiões mineiras no período 1986-1991, observaram a existência de

movimentos de São Paulo em direção a Minas. Supõe-se, portanto, que esteja

ocorrendo migração de retorno daqueles que saíram Minas para São Paulo nas

décadas anteriores.

A RMBH, a esta altura, dava continuidade ao processo iniciado nos anos 80,

com o crescimento do Aglomerado ocorrendo de forma desigual, onde o centro

metropolitano perde população e a periferia cresce. No contexto estadual, além

da periferia metropolitana, municípios de médio porte do interior do Estado

também apresentavam saldo líquido positivo. Logo, começa a haver uma

desconcentração no espaço dessas cidades.

6 Ibidem

Page 20: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

16

3.2 – Movimentos migratórios no interior da RMBH

No decorrer da década de 50 e início da década de 60, o ritmo de incremento

populacional da RMBH era homogêneo quando comparados núcleo e periferia.

Este início do processo de forte ocupação da Aglomeração7 demonstrou tal

característica até a segunda metade dos anos 60, período no qual o poder

absorvedor de Belo Horizonte, do ponto de vista municipal, mostrava enfim um

enfraquecimento. Ao mesmo tempo, aumentava de forma gradativa a

participação da periferia no processo. Em seguida, a década de 70 apresentou

a confirmação dessa hipótese, ao demonstrar uma grande disparidade entre as

taxas de crescimento do centro e do entorno.

Tabela 1: Crescimento Populacional na RMBH

População 1970

População 1980

Cresc. anual

1970-1980

População 1991

Cresc. anual

1980-1991

População 2000

Cresc .anual

1991-2000

Município de Belo Horizonte

1.235.030 1.780.855 3,73% 2.020.161 1,15% 2.238.526 1,15 %

Restante da RM (*)

416.470 828.665 7,12% 1.415.899 4,99% 2020637 4,03%

TOTAL 1.651.500 2.609.520 4,68% 3.355.294 2,3 % 4.227.155 2,6 % Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000 – dados trabalhados. (*) Considerando-se os mesmos municípios em todos os anos, isto é, aqueles que constituíam a Região

Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) em 1991.

Verifica-se que a partir dessa época o centro metropolitano já não oferecia

condições de ocupação tão favoráveis como na década anterior, uma vez que

passara a contar com uma série de empecilhos nesse sentido, tais como o

aprimoramento da legislação de uso do solo, a especulação imobiliária e a

própria escassez de espaço físico para expansão da mancha urbana.

Enquanto os municípios periféricos da Região Metropolitana, como um todo,

apresentavam taxas elevadas de crescimento, ao nível dos recortes municipais

observam-se desempenhos dos mais variados. Rigotti & Rodrigues (1994)

classificaram os municípios de acordo com a taxa líquida de migração

apresentada por cada um deles no período 1970/80.

7 O termo Aglomeração Metropolitana se refere, no contexto da RMBH, à área conurbada que na década de 80 incluía os municípios de Belo Horizonte, Contagem, Santa Luzia, Sabra, Ibirité e Ribeirão das Neves. Já a Região Metropolitana diz respeito aos limites municipais instituídos por lei. Mais detalhes em Mendonça (2002).

Page 21: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

17

Tabela 2: Região Metropolitana de Belo Horizonte – 1970/80. População, saldos

migratórios e taxas líquidas de migração, por munic ípios

Intensidade da TLM Municípios População

em 1980 Saldo

Migratório TLM (%)

Muito alta Ribeirão das Neves

67.249 54.313 80,8

Alta Betim Contagem Ibirité Santa Luzia Vespasiano

84.193 280.470

39.967 59.893 25.046

34.061 136.765

13.519 27.231

9.500

40,5 48,8 33,8 45,5 37,9

Baixa Belo Horizonte Lagoa Santa Pedro Leopoldo

1.780.839 19.499 30.007

279.905 2.917 4.137

15,7 15,2 13,8

Muito baixa Expulsores Sabará

88.271 64.210

-4.734 4.525

-5,3 7,0

Fonte: Rigotti, 1994, apud Rigotti & Vasconcellos, 2003.

Os piores desempenhos, ou as taxas líquidas de migração consideradas “muito

baixas” englobam os municípios de Caeté, Nova Lima, Raposos e Rio Acima,

cujos saldos são negativos, mais o município de Sabará. Em seguida, vem

Belo Horizonte, Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, detentores de taxas

classificadas como “baixas”. Betim, Contagem, Ibirité, Santa Luzia e

Vespasiano figuram com taxas “altas”, enquanto que Ribeirão das Neves é

considerado a única localidade da Aglomeração com um crescimento “muito

alto”. (RIGOTTI & RODRIGUES, 1994).

É interessante notar que os conjuntos de municípios agrupados com taxas de

crescimento semelhantes apresentam, muitas vezes, dinâmicas de ocupação

do espaço semelhantes. É o caso dos municípios com taxas “altas”, que juntos

concentram 40% do saldo migratório da RMBH nos anos 70. Tais localidades

faziam parte, ou ao menos mantinham relação, com o Eixo-Oeste de expansão

da metrópole. Este teria se constituído a partir da consolidação do parque

industrial em Contagem e continuado com o crescimento de Betim8,

conformando a principal região industrial da macrorregião.

Page 22: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

18

No caso das taxas “muito baixas”, os municípios desse grupo provavelmente

não haviam se integrado ainda na dinâmica produtiva metropolitana, a não ser

como fornecedores de mão-de-obra para os municípios de maior crescimento,

hipótese bem razoável se for considerada a proximidade dessas localidades

com o núcleo e o crescimento econômico das mesmas. Nota-se o caso

específico de Nova Lima, até então uma economia totalmente calcada na

exploração mineral, com alta concentração fundiária em poder de poucos

proprietários e uma topografia pouco favorável à ocupação. O município ainda

não havia se integrado à metrópole de acordo com o papel que viria a exercer

a partir da década de 90.

No caso das taxas “baixas”, é necessário especificar a existência de pelo

menos duas realidades distintas: Belo Horizonte, como a Capital do Estado e

núcleo da Região Metropolitana, apresentava um pequeno crescimento como

continuidade de um processo no qual as taxas vinham decrescendo, ao

contrário de Pedro Leopoldo e Lagoa Santa, cujas economias se processavam

de maneira distinta da capital.

Ribeirão das Neves, enfim, apresentou uma ocupação diferenciada a taxas

altíssimas, significando um crescimento de cerca de 81% na década. Segundo

Rigotti & Vasconcellos (2003),

“Esse enorme crescimento populacional, conseqüência das

migrações, está relacionado a um processo de ocupação do

solo, muitas vezes em loteamentos clandestinos sem infra-

estrutura, que tiveram início na região de Venda Nova, na

porção norte de Belo Horizonte”. (MATOS, 1984; RIGOTTI,

1994 apud RIGOTTI & VASCONCELLOS, 2003, p.54).

De fato, tais ocupações relacionam-se também com a atividade industrial

concentrada no Eixo Oeste e são sintomas mais acentuados do crescimento e

esgotamento do núcleo da metrópole, revertidos na crescente dificuldade às

8 O grande impulso para o crescimento e consolidação da indústria em Betim é a instalação da FIAT em 1976. Todavia, a industrialização no município já havia se iniciado em 1967. (MENDONÇA, 2002).

Page 23: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

19

ocupações populares em Belo Horizonte, e a conseqüente escassez de

moradias. Dessa maneira, enquanto a região Oeste, sob a influência de fatores

econômicos como a proximidade ao setor industrial, já apresentava uma ativa

especulação imobiliária, a região norte se colocava como local preferencial

para ocupações clandestinas e de populações de baixa renda.

No contexto da RMBH, observa-se no fim da década de 70 e início de 80 uma

disparidade entre as municipalidades no tocante ao saldo migratório:

“Comparando o saldo migratório e o número de emigrantes da

última etapa da capital, Rigotti (1994) inferiu que havia uma

grande proporção de pessoas que se dirigiam para Belo

Horizonte e depois reemigravam para outros municípios”.

(RIGOTTI & VASCONCELLOS, 2003, p.58)

Logo, Belo Horizonte tem funcionado não só como receptor dos migrantes,

mas como difusor dos mesmos para as cidades envoltórias. Portanto, apesar

de receber um significativo número de migrantes, estes normalmente não

permanecem retidos na capital, migrando novamente para municípios vizinhos,

o que explica o saldo negativo de Belo Horizonte, mas positivo para a RMBH.

Os municípios periféricos que mais receberam migrantes do núcleo foram

Contagem e Ribeirão das Neves.

3.2.1 – Mobilidade intrametropolitana nas décadas d e 80 e 90

Os censos demográficos de 1991 e 2000, por contarem com uma pergunta

acerca do local de moradia do entrevistado há cinco anos atrás, permitem uma

análise dos qüinqüênios 1986-1991 e 1995-2000 no estudo dos movimentos

migratórios. Nesse período, diminuía a participação do fenômeno migratório no

incremento populacional da RMBH, como verificado por Rigotti & Vasconcellos

(2003), em cujo estudo se baseia o presente tópico.

Page 24: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

20

Tabela 3: População total, saldos migratórios e tax as líquidas de migração nos

municípios da RMBH, nos períodos 1986-1991 e 1995-2 000

Fonte: Censos Demográficos de 1991 e 2000, in RIGOTTI & VASCONCELLOS, 2003.

A análise dos dados do IBGE para estes dois qüinqüênios revela que, na

RMBH como um todo, a taxa líquida de migração apresenta uma pequena

queda: de 2,8% no período 1986-1991, para 2,3% no período 1995-2000. O

incremento populacional, entretanto, aumenta de 97 mil pessoas no primeiro

período, para 101 mil no segundo. Verifica-se que a diminuição do poder

atrativo da RMBH, em relação às décadas anteriores, não foi muito expressiva,

garantindo um saldo migratório positivo.

O detalhamento desses dados para cada município da Região Metropolitana

permite a avaliação da mobilidade residencial na mesma. É interessante

perceber o papel de Belo Horizonte no contexto metropolitano, que neste

momento é um município expulsor de população e distribuidor de fluxos

migratórios. No período 1986-1991, o saldo migratório foi negativo em 98 mil

pessoas, acentuando-se no qüinqüênio 1995-2000 para 113 mil. As taxas

líquidas9 foram de –4,9% e –5,1% respectivamente.

9 Por taxa líquida migratória entende-se o resultado do saldo migratório de determinado período, dividido pela população no final do mesmo período.

MUNICÍPIOS EM 1991 POPULAÇÃO EM 1991 1986-91 TLM MUNICÍPIOS EM 2000 POPULAÇÃO EM 2000 1995-2000 TLM BELO HORIZONTE 2,020,161

-98,594 -4.9 BELO HORIZONTE 2,238,526 -113,200 -5.1

RAPOSOS 14,242 343

2.4 RAPOSOS 14,289 -779 -5.5

RIO MANSO 4,461 -268 -6.0 RIO MANSO 4,646

-622 -13.4 BALDIM 8,383

-482 -5.7 BALDIM 8,155 -111 -1.4

ITAGUARA 10,671 334

3.1 ITAGUARA 11,302 -76 -0.7

RIO ACIMA 7,066 332

4.7 RIO ACIMA 7,658 -67 -0.9

CAETE 33,251 -929 -2.8 CAETE 36,299

-48 -0.1 NOVA UNIAO 4,865

0 0.0 NOVA UNIAO 5,427 63

1.2 FLORESTAL 5,053

364 7.2 FLORESTAL 5,647

166 2.9

TAQUARACU DE MINAS 3,383 -246 -7.3 TAQUARACU DE MINAS 3,529

191 5.4

JABOTICATUBAS 12,716 -203 -1.6 JABOTICATUBAS 13,530

387 2.9

CAPIM BRANCO 6,344 255

4.0 CAPIM BRANCO 7,900 551

7.0 BRUMADINHO 19,308

-596 -3.1 BRUMADINHO 26,614 1,837

6.9 MATOZINHOS 23,606

894 3.8 MATOZINHOS 30,164

2,124 7.0

PEDRO LEOPOLDO 41,594 2,004

4.8 PEDRO LEOPOLDO 53,957 3,370

6.2 NOVA LIMA 52,400

1,739 3.3 NOVA LIMA 64,387

4,546 7.1

LAGOA SANTA 29,824 2,964

9.9 LAGOA SANTA + CONFINS 42,752 4,734

11.1 IGARAPE 27,400

4,701 17.2 IGARAPE + SÃO JOAQUIM DE BICAS 42,990

6,344 14.8

MATEUS LEME 27,033 2,970

11.0 MATEUS LEME + JUATUBA 40,533 6,403

15.8 SABARA 89,740

7,211 8.0 SABARA 115,352

7,944 6.9

ESMERALDAS 24,298 2,837

11.7 ESMERALDAS 47,090 12,245

26.0 VESPASIANO 54,868

9,246 16.9 VESPASIANO + SÃO JOSÉ DA LAPA 91,422

12,912 14.1

SANTA LUZIA 137,825 21,818

15.8 SANTA LUZIA 184,903 18,778

10.2 IBIRITE 92,675

21,143 22.8 IBIRITE + MÁRIO CAMPOS + SARZEDO 160,853

23,346 14.5

CONTAGEM 449,588 49,800

11.1 CONTAGEM 538,208 24,776

4.6 BETIM 170,934

30,834 18.0 BETIM 306,675

39,009 12.7

RIBEIRAO DAS NEVES 143,853 39,002

27.1 RIBEIRAO DAS NEVES 246,846 46,245

18.7 Total da RMBH 3,515,542

97,474 2.8 Total da RMBH 4,349,654

101,067 2.3

Page 25: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

21

O comportamento dos municípios quanto à mobilidade intrametropolitana

permite agrupá-los de acordo com seus saldos migratórios. Há um grupo onde

figuram municípios pouco populosos com saldos negativos, cujas perdas

populacionais não chegam a mil pessoas. No primeiro qüinqüênio analisado,

constavam nessa situação os municípios de Rio Manso, Baldim, Caeté,

Taquaruçu de Minas, Jaboticatubas e Brumadinho. No período seguinte,

Raposos, Itaquara e Rio Acima passaram para o saldo negativo enquanto

Taquaruçu de Minas, Jaboticatubas e Brumadinho reverteram seu saldo. No

caso específico de Brumadinho, o município saiu de uma taxa negativa de

3,1%, entre 1986 e1991, para um expressivo 6,9% entre 1995 e 2000.

Em um segundo grupo constam as localidades que apresentaram saldos

positivos importantes para o conjunto da RMBH, entre 2 mil e 8 mil pessoas,

entre 1995-2000. São dez municípios, com um destaque especial para Nova

Lima, que apresentou saldo positivo e crescente se considerados os dois

períodos. No primeiro momento já havia um saldo positivo de 1700 migrantes,

a uma taxa líquida de 3,3%, e no segundo a taxa aumenta para 7,1%, sendo

positivos 4500 migrantes. A dinâmica do crescimento de Nova Lima e

Brumadinho será abordada no capítulo seguinte.

Além dos grupos citados, há aqueles nos quais os ganhos de população foram

muito expressivos: Ribeirão das Neves, Betim, Contagem, Ibirité, Santa Luzia,

Vespasiano e Esmeraldas, apresentaram ganhos populacionais que variavam

de 9 mil a 39 mil pessoas entre 1986-1991. No período posterior, esses

ganhos são de 12 mil a 46 mil pessoas. As altas taxas de crescimento desses

municípios garantiram o saldo migratório positivo da RMBH.

No período 1986-1991, 169 mil pessoas praticaram a mobilidade residencial

intermunicipal dentro da RMBH. Dos municípios que mais receberam

migrantes intrametropolitanos, constam Contagem, Ribeirão das Neves e

Betim, todos com mais de 23 mil migrantes, seguidos de Santa Luzia e Ibirité,

acima de 16 mil, além de Belo Horizonte e Vespasiano, com mais de oito mil

pessoas. É interessante perceber que os maiores absorvedores são os

municípios onde se processa de forma mais acentuada a dinâmica espacial

Page 26: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

22

decorrente da atividade industrial. No caso de Belo Horizonte, o alto número

de entradas é acompanhado por uma emigração em número bem superior. De

acordo com Rigotti & Vasconcellos (2003, p.65), “mais de 71% do total de

pessoas, ou seja, mais de 120 mil migrantes que mudaram de município no

primeiro período saíram da capital”. A maioria desses dirigiu-se aos municípios

citados como os maiores absorvedores da Região Metropolitana.

No período entre 1995 e 2000, a quantidade de migrantes intrametropolitanos

subiu para 224 mil pessoas, sendo os maiores absorvedores os mesmos do

primeiro momento citado, não necessariamente na mesma ordem. Destaque

para Ribeirão das Neves, novamente o município que mais recebeu migrantes,

além de aumentar o saldo migratório. O maior expulsor continuou a ser a

capital, diminuindo, porém, sua participação para 62% dos migrantes da

RMBH. Essa diminuição ocorreu devido ao aumento da participação de outros

municípios na emigração, como Contagem, Betim, Ibirité, Ribeirão das Neves

e Santa Luzia.

Portanto, verifica-se que a concentração da atividade industrial na Região

Metropolitana continua sendo o maior incentivo para a ocupação e,

conseqüentemente, para a migração. Enquanto a capital sinaliza seu

esgotamento da capacidade de absorção de migrantes, o Eixo-Oeste10 da

expansão metropolitana, juntamente com o Eixo-Norte11, se mantém como

principal região receptora dos fluxos migratórios dentro da RMBH. Contudo, há

de se perceber a participação crescente do chamado Eixo-Sul no crescimento

da metrópole, onde se destacam os municípios de Nova Lima e Brumadinho.

No capítulo a seguir será abordado o caso específico dessas duas localidades,

sua participação no processo e suas particularidades.

10 No caso, refere-se ao processo que inclui os municípios de Contagem, Betim e Ibirité. 11 Refere-se aqui a Ribeirão das Neves e Santa Luzia, que correspondem a um processo de crescimento metropolitano das classes mais baixas, impulsionado pelos baixos valores da terra e pelo histórico de lançamentos de loteamentos populares.

Page 27: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

23

Capítulo 2 O crescimento da RMBH na entrada do século XXI

A expansão territorial e o crescimento populacional na Região Metropolitana de

Belo Horizonte, à entrada do século XXI, revelam um espaço urbano com

intensa atividade demográfica. O momento corresponde, todavia, a um período

de maior acomodação das taxas de crescimento, de acordo com o estágio de

desenvolvimento da dinâmica de expansão metropolitana, descrita no capítulo

anterior. Tal característica, porém, não impede a metrópole de possuir vetores

de expansão bem marcantes e por vezes peculiares. A RMBH continua a se

expandir, desta vez movida também por alguns processos distintos daqueles

que caracterizaram os mais notáveis crescimentos durante as décadas de sua

história.

A acelerada industrialização iniciada nos anos 50 acarretou um inédito

processo de transformação das grandes cidades brasileiras e a consolidação

das metrópoles nas duas décadas consecutivas. Um dos grandes reflexos

desse processo, no espaço urbano da futura RMBH, foi o aparecimento de um

grande vetor de crescimento populacional orientado de acordo com a alocação

da infraestrutura industrial, a oeste da capital. A industrialização não apenas

definiu uma direção preferencial de crescimento como propiciou o surgimento

de uma rede de relações entre processos surgidos a partir de então, à medida

que a população da metrópole se multiplicava. Logo, tornava-se possível

observar a diversificação da realidade espacial metropolitana, com novas

frentes de crescimento e novas formas de ocupação do espaço.

No presente capítulo procura-se traçar um breve panorama do atual estágio de

desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a partir das

tendências de crescimento e do arranjo espacial decorrente dos processos

ilustrados no capítulo anterior. Com isso, pretende-se delinear o ambiente no

qual se processará a análise dos dados no capítulo seguinte.

Page 28: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

24

1 – Desenvolvimento e padrões de crescimento da Reg ião Metropolitana

A compreensão do atual estágio de desenvolvimento do espaço metropolitana

demanda uma rápida passagem pelos processos históricos de sua formação,

como disposto a seguir.

1.1 – O vetor de expansão da metrópole a oeste da c apital

O estabelecimento da função da região de Belo Horizonte como espaço

metropolitano acontece já na década de 50, antes mesmo do reconhecimento

legal que só viria posteriormente, em 1973. Data dessa época a consolidação

da Cidade Industrial em Contagem, sob cuja influência se orientou grande parte

do posterior crescimento demográfica local. Era um momento de expansão das

manchas urbanas, devido aos grandes investimentos públicos em infraestrutura

na década anterior. Tal expansão resultou na conurbação entre Contagem e

Belo Horizonte.

Dessa forma, estabeleceu-se a oeste da capital um forte vetor de crescimento

em razão da implantação do aparato industrial. Na década de 60, período da

consolidação da metropolização de Belo Horizonte, fortalece-se o parque

industrial de Contagem. Além disso, o município de Betim passa a integrar o

processo a partir da instalação da REGAP, e mais tarde a criação de dois

distritos industriais: Betim e Paulo Camilo. A mancha urbana da Aglomeração

recebe o incremento da conurbação entre Contagem e Betim.

O resultado desses processos foi uma intensa ocupação das regiões lindeiras

ao aparato industrial, como a região do Barreiro, em Belo Horizonte. Apoiado

no mercado de terras local, os terrenos de baixa declividade têm seu valor

elevado e passam a se destinar exclusivamente à ocupação industrial,

restando as áreas de pior topografia para a ocupação residencial. Dessa forma,

o vetor oeste se caracterizou como a região de moradia da população operária

da metrópole.

Page 29: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

25

Na década de 70, destaca-se a implantação da fábrica da multinacional de

automóveis FIAT, em Betim, dinamizando a região e incrementando os

processos de urbanização. Nesse período, os efeitos da industrialização

alcançam o município de Ibirité, que com Contagem e Betim integram o eixo-

oeste de crescimento da metrópole. Reconhecida por lei em 1973, a Região

Metropolitana de Belo Horizonte apresentava alto adensamento nos principais

centros, e uma periferia marcada pela segregação sócio-espacial,

principalmente ao norte da capital, onde também se destacava uma frente de

expansão do espaço urbano.

1.2 – O vetor norte de expansão metropolitana

A região norte tem sua ocupação também vinculada à dinâmica industrial. A

presença do forte aparato industrial a oeste, principalmente em Contagem,

desde a década de 40, propiciou uma intensa emigração do interior do Estado

para a Região Metropolitana nas décadas seguintes. O rápido crescimento da

Aglomeração demonstrava o despreparo de Belo Horizonte em absorver

tamanho contingente populacional. Os problemas devido à escassez localizada

de infraestrutura básica e de serviços coletivos não tardaram a surgir. Além

disso, a forte especulação imobiliária decorrente desses processos tornava a

instalação de residências na capital pouco propícia aos emigrantes de baixa

renda.

Devido à forte demanda por terra na Aglomeração, principalmente por classes

de baixa renda, muitas pessoas que detinham terras ao norte da capital

passaram a vendê-las sob a forma de loteamentos populares. Os mesmos

foram responsáveis por muitas das maiores taxas de ocupação da Região

Metropolitana a partir da década de 70, como ocorrido nos municípios de

Ribeirão das Neves, Vespasiano e Santa Luzia. A presença de atividade

industrial em Santa Luzia também constitui fator indutivo à ocupação. Tal

fenômeno propiciou a conurbação de Belo Horizonte, especificamente a região

de Venda Nova, com esses municípios ao norte, já na década de 60.

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26

O vetor norte, além de um dos mais importantes eixos da expansão da RMBH

em percentual de crescimento, também se notabilizou por expor as feições da

desigualdade social estabelecida durante a constituição do espaço

metropolitano. Os loteamentos responsáveis por esse grande fluxo de

migrantes, na maioria das vezes se caracterizam por locais de baixos padrões

de habitabilidade, com infraestrutura precária e escassez de serviços e

equipamentos urbanos. Além disso, é comum que tais empreendimentos se

situem em locais muito distantes do centro metropolitano, distribuídos de forma

muito dispersa no espaço da Aglomeração.

Isto ocorreu principalmente até os anos 70, por até então inexistir nesses

municípios quaisquer políticas de ordenação do espaço urbano. Dessa forma,

os loteamentos eram lançados de forma a maximizar o lucro dos investidores,

que deixavam áreas mínimas para a circulação, sem dispor de áreas livres

para praças ou afins, e se ausentavam da instalação das infraestruturas

necessárias, como, por exemplo, saneamento básico e iluminação pública.

Apenas em 1976, em razão da instituição da Lei Federal 6.766, é que se

passou obrigatoriamente a ordenar os loteamentos, provendo-os de áreas

livres e infraestrutura obrigatórias.

1.3 – A expansão das classes médias e altas ao sul da metrópole

Desde a fundação de Belo Horizonte e da mudança da capital de Minas Gerais,

as classes mais abastadas tendem a se localizar na porção sul da cidade. Essa

característica, com o tempo, projetou-se para o conjunto da Região

Metropolitana. Mesmo que tenham surgido diversos empecilhos à tendência e

alternativas para sua mudança, desde o início até atualmente as classes

abastadas da RMBH apresentam esse comportamento quanto ao espaço

urbano.

A região sul de Belo Horizonte entrou bem mais tarde no contexto

metropolitano, no que diz respeito ao avanço da mancha urbana para além dos

limites municipais. O município mais imediato ao sul da capital, Nova Lima,

Page 31: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

27

possuía diversos fatores repulsivos à ocupação: a barreira física da Serra do

Curral e as condições topográficas pouco favoráveis, além da alta

concentração fundiária em poder das empresas mineradoras que dominavam a

economia novalimense. Até a chegada da década de 80, a ocupação

residencial ligada à lógica metropolitana, no território de Nova Lima, era

praticamente desprezível enquanto tendência de expansão. A princípio, não se

apresentava como uma direção favorável para o crescimento da RMBH.

Entretanto, mesmo com tantos empecilhos, não foi possível dissociar a ligação

entre a região sul e as classes abastadas. O Poder Público tentou, sem

sucesso, redirecionar esse crescimento com a construção da Pampulha, na

década de 40. Nem mesmo os atrativos das baixas declividades, de certa

presença de equipamentos urbanos, de serviços públicos e de lazer, como o

conjunto arquitetônico modernista em volta da lagoa, foram suficientes para

desfazer essa tendência. Segundo Villaça (1998):

“Desde o início da formação da cidade, as camadas de mais

alta renda de Belo Horizonte se expandiram em direção ao sul

e nela se mantém até hoje. Belo Horizonte mostra

exemplarmente como essas camadas não abandonam sua

direção de crescimento, mesmo quando a ação do setor

imobiliário e do Estado tentam demovê-la disso.”

Havia uma série de forças contrárias à ocupação da Pampulha, responsáveis

pela não consolidação do local por parte da elite belorizontina. Entre os fatores

figuram a distância em relação ao centro urbano e administrativo, que mesmo

com o acesso através da Avenida Antônio Carlos se fazia determinante.

Por não contar ainda com a alternativa do avanço sobre Nova Lima, nas

décadas de 60, 70 e 80 houve um intenso processo de adensamento da região

sul da capital mineira. Tal adensamento se deu, primeiramente, na ocupação

quase total das áreas disponíveis e na consolidação de localizações mais

requintadas, como Lourdes, Funcionários, Serra e Sion, por exemplo. Em

seguida, a estratégia foi a substituição das edificações, então unifamiliares de

um ou dois pavimentos, por edifícios de apartamento. Com a supervalorização

Page 32: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

28

da terra nesses locais, e o espaço cada vez menor para atender à demanda de

expansão, a Prefeitura de Belo Horizonte cedeu às pressões do mercado

imobiliário. Em uma atitude bastante discutida, aprovou, no fim dos anos 80,

um loteamento destinado ao adensamento por edificações verticalizadas, em

plena área de preservação do conjunto ambiental da Serra do Curral. O novo

bairro, chamado Belvedere III, não apenas decretava o esgotamento do

município de Belo Horizonte em absorver a demanda de espaço, como

marcava uma transição na dinâmica de expansão metropolitana. Nos anos 90

despontaria o fenômeno do Eixo-Sul do crescimento da metrópole, como será

visto adiante.

Do ponto de vista intermunicipal, Nova Lima e Brumadinho se desenvolviam à

parte da dinâmica da metrópole. Nova Lima tinha sua economia calcada na

extração mineral, enquanto Brumadinho se apoiava na agropecuária. Devido à

alta concentração fundiária em Nova Lima, e à dificuldade em relação aos

acessos a Brumadinho e à distância do centro metropolitano, a região não foi

tomada por ocupações clandestinas como ocorreu em outros locais da RMBH.

Assim, permanecia como um local com grandes áreas desocupadas e grandes

qualidades ambientais e ecológicas. Com esses atributos, os dois municípios

entrariam, na década de 90, no processo de crescimento da metrópole

integrando o chamado Eixo-Sul da expansão metropolitana.

Page 33: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

29

2 – O Eixo-Sul: nova frente de expansão e novos padrões de ocupaç ão

para a metrópole

A partir dos anos 90 é possível perceber, de forma bem clara no espaço urbano

da RMBH, o resultado dos processos de reestruturação produtiva, ocorrida em

nível internacional, a partir de fins da década de 70. Trata-se de uma alteração

nos padrões tradicionais da acumulação capitalista, que influi diretamente

sobre a produção do espaço urbano, redefinindo sensivelmente sua dinâmica.

O fenômeno da globalização, que inclui a reestruturação produtiva, consiste em

uma série de processos a partir dos quais se tende a eliminar quaisquer

obstáculos para circulação do capital financeiro. Do ponto de vista das relações

entre as economias internacionais, entretanto, tal eliminação de barreiras vem

ocorrendo de forma bastante controlada, com controle da produção e medidas

de proteção ao que é produzido no próprio território. Alguns destes países,

como o governo norte-americano, procuram impor a eliminação das barreiras

alfandegárias e fiscais aos países em desenvolvimento, porém adotam práticas

protecionistas em relação à própria economia.

No Brasil, a entrada neste processo caracterizou-se por uma intensa abertura

da economia nacional ao capital estrangeiro, um certo recuo da presença do

Estado como interventor e investidor, o grande avanço tecnológico do sistema

de circulação de informações, privatização de empresas estatais de vários

setores, seguido da mercantilização do controle de uma série de serviços

públicos, entre outros. A presença do capital internacional, que já ocorria

durante os anos da ditadura militar, é agora ampliada na forma das

privatizações. Acompanharam estes acontecimentos a fragilização da

economia local, cada vez mais dependente de fatores externos e de capital

especulativo, além da ampliação das disparidades sociais, aumento do número

de desempregados e de moradores nas favelas, e forte crescimento da

violência nos centros urbanos.

No âmbito urbano, a crescente perda das qualidades ambientais nos grandes

centros brasileiros contribuía para despertar e reforçar, nas classes mais

Page 34: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

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economicamente favorecidas, o desejo de se refugiar das mazelas da cidade.

A metrópole passa então a ser vista como o lugar da poluição ambiental, do

trânsito complicado, do stress e de um estilo de vida maçante, por vezes

perigoso e cada vez menos social. O crescimento da violência no espaço

urbano fez surgir e tomar força uma expressiva demanda por locais de

consumo, lazer e moradia com acesso controlado. As classes média e alta

passam a investir em segurança. Esses motivos foram os motores para

consolidar e garantir a proliferação de shopping-centers e dos condomínios

residenciais.12

Dessa forma, a demanda das classes abastadas da RMBH por locais mais

afastados do centro metropolitano, tanto do ponto de vista físico quanto do

social, se encontrava com a oferta de terras ao sul, mais especificamente em

Nova Lima, mas também em Brumadinho. Apesar de os loteamentos na região

existirem desde da década de 50, é na década de 90 com a reunião dos fatores

citados, que se intensifica a caracterização de um novo sentido de crescimento

para a metrópole. Nesse caso, torna-se visível o papel da BR-040, no sentido

Rio de Janeiro, como eixo indutor dessa expansão. É o local onde ocorre esse

movimento de expansão da metrópole, que denominamos Eixo-Sul.

O Eixo-Sul passa a abrigar, portanto, a materialização dos novos padrões de

moradia e lazer das classes média e alta. As empresas mineradoras, maiores

detentoras de terras em Nova Lima, passam agora a explorá-las do ponto de

vista imobiliário. Realizando loteamentos de glebas, garantem a extensão de

sua sobrevida, uma vez que a extração mineral local já mostra sinais de

esgotamento. À existência de alguns clubes e casas de campo e fim-de-

semana, somou-se com isso uma proliferação dos chamados condomínios, ou

loteamentos de acesso restrito. Neste caso predominaram as ocupações

horizontais, uma vez que o a presença do meio natural, reforçado pela

condição de área de preservação – APA Sul13 – veio a ser agregado como

12 Sobre segregação na Região Metropolitana de Belo Horizonte e suas relações com a reestruturação produtiva, ver Mendonça, 2002. Sobre os “enclaves fortificados”, ver Andrade, 2003. 13 Ainda não demarcada oficialmente.

Page 35: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

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valor de venda nas transações imobiliárias. De certa forma, um paradoxo para

um local de extrativismo mineral.

O crescimento desse tipo de ocupação trouxe para a região uma nova rede de

relações econômicas, sociais e de trabalho, responsável por uma nova

caracterização do espaço urbano local, devido a um redirecionamento de

investimentos, tanto públicos quanto privados. O fomento da Prefeitura de

Nova Lima para esses novos tipos de ocupação resultou no aparecimento de

espaços diferenciados em meio à forçosa homogeneidade do padrão de

moradia segregada. Dois importantes exemplos são a região denominada “Seis

Pistas”, e o bairro Jardim Canadá.

O primeiro se trata de um espaço situado na divisa com a zona sul de Belo

Horizonte, no qual vêm se concentrando investimentos privados de grande

porte. Na maioria das vezes equipamentos metropolitanos sofisticados, como

universidades particulares e sedes de grandes empresas. Trata-se de uma

estratégia de gestão municipal com o intuito de dinamizar a região, criar uma

imagem modernizadora para o município e incrementar sua receita.14 Já o

Jardim Canadá constitui um espaço de maior variedade ocupacional que o

planejado. Convivem ocupações residenciais de classe média e segmentos de

baixa renda, além de indústrias. Tornou-se também um pólo comercial e de

serviços para atendimento não apenas da demanda interna, como também dos

condomínios da região. 15

Nesse importante vetor da expansão da metrópole, despontam os municípios

de Nova Lima e Brumadinho como o espaço das principais transformações

espaciais decorrentes do processo. As condições específicas de cada um para

a ocorrência dos fenômenos descritos devem, portanto, ser analisadas de

forma mais profunda, como é colocado a seguir.

14 Sobre a região das Seis Pistas, ver Craveiro, 2003. 15 Uma observação mais profunda a respeito do Jardim Canadá se encontra em Vargas, 2002, e Linhares, 2003.

Page 36: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

32

3 – Nova Lima e Brumadinho como espaço da nova expa nsão

metropolitana

No presente tópico analisar-se-á as condições específicas para o surgimento

do fenômeno da expansão da metrópole, tanto para o município de Nova Lima

quanto para Brumadinho.

3.1 – Dinâmica demográfica de Nova Lima e Brumadinh o entre 1970 e

2000

Principal município do Eixo-Sul, Nova Lima não se envolveu plenamente nas

tensões metropolitanas ao longo de seu desenvolvimento, até a década de 90.

A base econômica era constituída pela extração mineral desde a ocupação da

região, no século XVII, antes mesmo da sua instituição como município. A

princípio, o principal produto dessa atividade era o ouro, substituído

posteriormente pelo minério de ferro quando a extração do primeiro tornou-se

antieconômica. Enquanto a metrópole crescia segundo os vetores oeste e

norte, a partir da década de 50, Nova Lima se mantinha à parte e não

apresentava um incremento da mancha urbana condizente com a evolução do

Aglomerado.

Brumadinho se mantinha como município de base rural, calcado na agricultura

e na pecuária. Devido à distância da capital e também à pouca penetração da

dinâmica metropolitana através de Nova Lima. Entretanto, já existia tanto em

Nova Lima quanto em Brumadinho, desde a década de 50, investimentos sob

influência da metrópole, como loteamentos destinados a casas de campo. Por

exemplo, o Retiro das Pedras, um dos primeiros condomínios da região,

situado em Brumadinho na divisa com Nova Lima, e o Jardim Canadá,

concebido para receber moradias e indústrias. A ocupação desses, porém,

ainda era muito dispersa e não caracterizava um sentido de crescimento para o

Aglomerado.

Page 37: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

33

Tabela 4: População por municípios e taxa de cresci mento. 1970-2000. RMBH.

Município População Total

Taxa de Crescimento (% a.a.)

1970 1980 1991 2000 70-80 80-91 91-00 Belo Horizonte 1235030 1780855 2020161 2238526 3,73 1,15 1,15 Betim 37815 84183 170934 306675 8,33 6,65 6,71

Brumadinho (*) 17874 17964 19308 26614 0,05 0,66 3,63 Caeté 25166 30634 33251 36299 1,99 0,75 0,98 Contagem 111235 280477 449588 538017 9,69 4,38 2,02 Esmeraldas (*) 15698 16206 24298 47090 0,32 3,75 7,63 Ibirité 19508 39970 92675 160853 7,44 7,95 6,32 Sarzedo (**)(****) Mário Campos (**)(****) Igarapé(*) 7675 16563 27400 42990 8,00 4,68 5,13 S .Joaquim de Bicas (*)(**)(****) Lagoa Santa 14053 19508 29824 42752 3,33 3,93 4,08 Confins(****) Mateus Leme (*) 11929

18657 27033 40533 4,57 3,43 4,60 Juatuba (*) (**) (****)

Nova Lima 33992 41223 52400 64387 1,95 2,20 2,32 Pedro Leopoldo 20670 29999 41594 53957 3,80 3,02 2,93 Raposos 10133 11810 14242 14289 1,54 1,72 0,04 Rib. Das Neves 9707 67257 143853 246846 21,36 7,16 6,18 Rio Acima 5118 5069 7066 7658 -0,10 3,07 0,90 Sabará 38167 64204 89740 115352 5,34 3,09 2,83 Santa Luzia 25301 59892 137825 184903 9,00 7,87 3,32 Vespasiano 12429 25049 54868 91422 7,26 7,39 5,84 S. José da Lapa (**)(****) Itaguara (**) - 9763 10671 11302 - 0,81 0,64 Itatiaiuçu (***) - 5426 7366 8517 - 2,82 1,63 Rio Manso (**) - 4445 4461 4646 - 0,03 0,45 Florestal (**) - 4809 5053 5647 - 0,45 1,24 Capim Branco (**) - 4930 6344 7900 - 2,32 2,47 Matozinhos (**) - 16201 23606 30164 - 3,48 2,76 Baldim (**) - 7567 8383 8155 - 0,94 -0,31 Jabuticatubas (**) - 11569 12716 13530 - 0,86 0,69 Taquaraçu de Minas (**) - 3455 3383 3491 - -0,19 0,35 TOTAL - 2609520 3436060 4259163 - 2,53 2,69 Fonte: FIBGE – Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000 (*) Municípios que não faziam parte da RMBH em 1980. (**) Municípios incorporados à RMBH em 2000. (***)Município incorporado à RMBH em 2002. (****) Municípios novos, desmembrados e emancipados nas seguintes datas: Sarzedo: 21/12/1995; Mário Campos: 21/12/1995; São Joaquim de Bicas: 21/12/1995; Confins: 21/12/1995; Juatuba: 27/04/1992; São José da Lapa; 27/04/1992.

Conforme pode ser observado na Tabela 4, ainda na década de 70 a dinâmica

do crescimento dos dois municípios não correspondia à dos principais eixos de

expansão metropolitana, a oeste e ao norte. Enquanto Contagem apresentou

Page 38: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

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um incremento populacional correspondente a 170 mil pessoas,

correspondente a um crescimento anual de 9,69%, Nova Lima aumentou sua

população em 7,2 mil habitantes, um crescimento anual de apenas 1,95%.

Brumadinho, no período, caracterizou-se pela perda populacional: saldo de

apenas 90 habitantes, um crescimento menor que o vegetativo, correspondente

a de 0,05% ao ano. Cabe lembrar que se trata do período no qual ocorre

intensa migração das cidades interioranas em direção a Belo Horizonte, como

descrito no Capítulo 1. Brumadinho encaixa-se nessa lógica por não se tratar, à

época, de um município relacionado à dinâmica metropolitana. A inclusão

institucional na RMBH só aconteceria na década de 80.

Ao analisar o crescimento demográfico do período 1970 - 2000, nota-se uma

inversão nas tendências de crescimento entre os municípios ao sul e aqueles

nos quais se processaram os maiores incrementos populacionais da Região

Metropolitana. Enquanto os municípios dos vetores oeste e norte

apresentavam taxas anuais de crescimento decrescente a cada década, as de

Nova Lima e Brumadinho sofriam sensível aumento. No caso do vetor oeste,

Betim apresentou nas décadas de 70, 80 e 90 taxas anuais de crescimento

iguais a 8,33%, 6,65% e 6,71% respectivamente. Nova Lima teve crescimento

de 1,95% na década de 70, aumentou para 2,20% na década seguinte, e

passou para 2,32% nos anos 90. Estas últimas foram taxas expressivas para o

município, uma vez que o mesmo até então não havia apresentado tamanho

incremento populacional no decorrer da história metropolitana. Na década de

90, o aumento esteve próximo de 12 mil pessoas.

No caso de Brumadinho, a evolução das taxas de crescimento foi ainda mais

significativa: de um crescimento de 0,05% nos anos 70, continuou baixo em

0,66%, e na década de 90 passou para 3,63% de crescimento ao ano sobre a

população total, uma taxa maior que a de Nova Lima onde o fenômeno do

Eixo-Sul ocorreu primeiramente e de forma mais visível. Em comparação com

os municípios dos vetores tradicionais de expansão urbana, Brumadinho

também apresentou o sentido contrário: nos primeiros, o grande crescimento

apresenta uma arrefecimento em razão da consolidação e do adensamento

Page 39: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

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desses lugares, em contrapartida ao Eixo-Sul que se apresenta como um

espaço urbano em pleno processo de expansão.

3.2 – Inserção de Nova Lima e Brumadinho da dinâmic a do Eixo-Sul

O crescimento de Nova Lima na década de 90 está diretamente ligado à

expansão metropolitana através do Eixo-Sul. A comparação entre crescimento

populacional da sede do município e da área de expansão15 apresenta

números bastante diferenciados entre as duas regiões.

A sede de Nova Lima não se insere na dinâmica metropolitana, estando ainda

mais ligada à atividade mineradora. Assim, não constitui atrativo para

imigrações, mas tende a apresentar grande número de emigrações devido à

economia pouco dinâmica e o gradativo fechamento de postos de trabalho,

com o declínio da extração de ouro, que culminaria com o fechamento da Mina

de Morro Velho em 2003. As áreas lindeiras à BR-040, todavia, apresentaram

grande incremento populacional com a aprovação de loteamentos e o

surgimento de diversos condomínios16, além da ocupação crescente no Jardim

Canadá.

No caso de Brumadinho, existem algumas realidades urbanas distintas. A sede

também constitui um local de baixo dinamismo econômico, cercado por “ilhas

de ruralidade”. Há, porém uma área de influência do Eixo-Sul, justamente na

região tangenciada pela rodovia Rio - Brasília. Nesta, observa-se certa

proliferação de condomínios fechados, tais como os de Nova Lima, e uma série

de serviços ligados ao perfil do público de classe média e alta, principalmente

na região de Casa Branca, região ligada à dinâmica metropolitana e de

crescente ocupação por condomínios.

15 De acordo com Amaral (2002): “é chamada de área de expansão toda a área do município com exceção de sua sede.” 16 Ver Andrade, 2003.

Page 40: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

36

O crescimento populacional de Brumadinho na década de 90, maior inclusive

que o de Nova Lima quando se considera o total dos municípios, pode ter sido

causado por vários fatores. Procura-se aqui investigar esse crescimento, sob a

hipótese de que o mesmo tenha ocorrido basicamente devido à dinâmica do

Eixo-Sul. Mais especificamente supõe-se que o alto crescimento populacional

de Brumadinho esteja concentrado nos condomínios. A verificação dessa

hipótese, com base nos microdados do Censo 2000 do IBGE, é o tema do

capítulo a seguir.

Page 41: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

37

Capítulo 3 Aspectos qualitativos do incremento demográfico no Eixo-Sul

O presente capítulo tem como objetivo investigar as características dos

recentes incrementos populacionais nos municípios de Nova Lima e

Brumadinho, mais especificamente na região de influência do fenômeno da

expansão da metrópole através do Eixo-Sul. Como demonstrado no capítulo

anterior, os municípios em questão apresentaram aumentos populacionais

expressivos na década de 90, em se considerando a evolução histórica da

dinâmica demográfica local.

O fenômeno da expansão da RMBH, desta vez movida por fatores e condições

diferenciados dos modelos tradicionais experimentados até então, revela o

advento de novas forças indutoras de configuração do espaço urbano. Em

conseqüência, surgem padrões diferenciados de apropriação desse espaço,

como ocorre às margens da BR-040, no sentido Rio de Janeiro. A região

presencia a difusão do modelo de loteamentos fechados, chamados, por

convenção de análise, de condomínios fechados. Estes têm se instalado

principalmente em Nova Lima e Brumadinho. Os dois municípios apresentam,

porém, níveis diferenciados de absorção das alterações espaciais, econômicas

e sociais decorrentes do processo.

O município de Nova Lima possui praticamente a totalidade de seu território

envolvida na dinâmica do Eixo-Sul, com exceção da sede do município.

Constitui por excelência o espaço dos novos acontecimentos relacionados ao

processo, pela proximidade à zona sul de Belo Horizonte e pela reunião de

uma série de fatores favoráveis a novas ocupações. Brumadinho se insere

nessa dinâmica como extensão territorial imediata. A continuidade do eixo

rodoviário responsável pela difusão do processo, e a presença de condições

bastante próximas à vizinha Nova Lima credenciam a faixa territorial à margem

da rodovia a também participar dessas transformações.

Page 42: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

38

A análise até aqui desenvolvida constatou importantes fatos: em primeiro lugar,

o recente despertar da região de Nova Lima e Brumadinho para sua vocação

de ocupação. Em seguida, a propagação de condomínios ao longo de seu

território, caracterizando um espaço pertencente à elite metropolitana. Por fim,

os expressivos crescimentos populacionais para os dois municípios na última

década. As possíveis relações de complementaridade entre os fatos

constatados constituem o objeto de verificação ao qual se propõe este capítulo.

De acordo com a hipótese formulada no Capítulo 2, pretende-se aqui investigar

se o crescimento dos municípios em questão ocorre em razão da proliferação

das ocupações de alta renda.

A metodologia do trabalho consiste na análise dos dados do Censo

Demográfico do IBGE, dos anos de 1991 e 2000, e dos Microdados do Censo

2000. Dessa forma, é possível quantificar a população migrante e não migrante

na década de 90, verificar a origem dos migrantes, e então caracterizar as

categorias de moradores de acordo com as condições de renda e moradia.

Assim, obtém-se o perfil da população local e pode-se verificar se o

crescimento populacional decorre da expansão das elites metropolitanas a

partir do sul de Belo Horizonte.

Page 43: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

39

1 – Evolução demográfica dos municípios de Brumadin ho e de Nova Lima

na década de 90

Este tópico apresenta dados acerca da evolução da urbanização dos dois

municípios em questão, com base nos Censos Demográficos de 1991 e 2000,

do IBGE. Objetiva-se realizar uma separação metodológica dos territórios de

Brumadinho e de Nova Lima de acordo com a área de influência do fenômeno

do Eixo-Sul, a partir da qual será realizada a análise do processo de

urbanização na década de 90. Dessa forma, pretende-se mostrar o papel do

Eixo-Sul na determinação das novas configurações desses espaços.

1.1 – Brumadinho

Brumadinho apresentou um importante crescimento populacional a partir da

década de 90, correspondente a 3,6% ao ano, uma taxa significativa se

considerarmos o crescimento quase nulo nas décadas anteriores. A

observação in loco do espaço urbano local permitiu conhecer as características

da distribuição deste crescimento. A princípio, identificam-se duas áreas

distintas no que diz respeito aos fatores de influência do crescimento

populacional. Na porção ocidental do município, verifica-se certa penetração da

dinâmica do vetor oeste de crescimento metropolitano, induzido pela

industrialização da região de Contagem, Betim e Ibirité. Já a leste, o

crescimento mostra estar ligado à proliferação dos condomínios fechados e das

moradias de lazer, o que corresponde à região do Eixo-Sul.

Para verificar com exatidão o crescimento dessas duas porções do município, o

procedimento metodológico adequado seria comparar o crescimento

populacional de cada setor censitário, do período 1991-2000. Entretanto, tal

verificação não é possível devido à alteração na base cartográfica censitária

ocorrida entre os dois Censos. Não há correspondências de setores do ponto

de vista dos limites geográficos, portanto tal comparação se faz impossível.

Contudo, a visita a campo revela que o crescimento da porção correspondente

ao Eixo-Sul é bastante significativa. Mesmo sem dados numéricos sobre

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40

crescimento populacional, percebe-se um direcionamento das atividades

econômicas locais para a presença do público de condomínios e de classes

abastadas em recreio. A presença do condomínio Retiro das Pedras define a

estrutura das relações de emprego e trabalho locais, direcionando a maior

parte da população economicamente ativa de praticamente todos os lugarejos

próximos. Verifica-se também a transformação de fazendas e chácaras em

sítios de lazer, como pesque-pagues e afins.

Mesmo com a impossibilidade de precisar a proporção do crescimento do

município que cabe ao Eixo-Sul, é notável como o município se divide em duas

realidades diferenciadas. Cabe investigar as características do crescimento da

região que tange a BR-040 para proceder a análise proposta neste trabalho.

1.2 – Nova Lima

Um interessante aspecto a ser observado sobre o município de Nova Lima

consiste na diferença entre a natureza das ocupações de sua sede e sua área

de expansão, conseqüentemente influindo em evoluções urbanas diferenciadas

entre as duas regiões. A sede municipal se caracteriza por um espaço urbano

consolidado e de origens históricas calcadas na exploração mineral,

atualmente apresentando uma estagnação na estrutura econômica provocada

pelo declínio da desta atividade; além disso, apresenta frágil identidade social e

cultural, não se destacando como pólo para as outras regiões do município,

sendo, para estes, influência maior a provinda de Belo Horizonte (AMARAL,

2003). O restante do território do município, excluindo-se a sede, recebe aqui a

denominação de área de expansão.

Nova Lima se apresenta, de forma bastante clara na década de 90, como um

espaço marcado pela ocupação por parte de populações de renda elevada, e,

por conseguinte, pela segregação sócio-espacial presente principalmente na

forma de loteamentos de acesso restrito, os chamados condomínios. A área

dos condomínios fechados constitui a forma de ocupação mais determinante da

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41

nova configuração do espaço urbano de Nova Lima. Nela se concentra a maior

parte das ocupações e dos investimentos em infra-estrutura urbana.

Ainda na área de expansão, desponta com significativa importância o povoado

de São Sebastião das Águas Claras, ou Macacos, cuja principal fonte de renda

da população consiste na exploração do turismo. Essa atividade atende

principalmente ao público de Belo Horizonte, geralmente de classes média e

alta (AMARAL, 2003). Dessa forma, a região de Macacos se apresenta como

integrante do processo de elitização de Nova Lima, integrando-se à dinâmica

dos condomínios.

Além desses espaços, há também o caso do Jardim Canadá, bairro localizado

às margens da BR-040. Este se insere no processo como o lugar da

heterogeneidade local, apresentando uma diversificação na população

residente e nas atividades não residenciais instaladas. No local é possível

encontrar habitações de baixa renda, comércio local, indústrias, comércio

atacadista e habitações de perfil muito parecido com as residências no interior

dos condomínios. O crescimento do Jardim Canadá é bastante expressivo e

possui grande influência no contexto da área de expansão de Nova Lima

(VARGAS, 2002).

Tabela 6: Evolução populacional em Nova Lima

Fonte: AMARAL, 2003.

Como se pode observar, a participação da sede municipal no crescimento total

de Nova Lima é bastante reduzida. Tanto na década de 80 quanto na de 90,

seu crescimento se deu a taxas inferiores ao crescimento vegetativo. A

disparidade é evidente quando se compara ao crescimento da área de

expansão, cujas taxas para os períodos 1980/1991 e 1991/2000 são

relativamente altas, que indicam um crescimento baseado na chegada de

Page 46: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

42

imigrantes, dos quais a maioria procede de Belo Horizonte – como visto nos

capítulos anteriores.

A porcentagem sobre o aumento total fornece a dimensão da diferença entre

os crescimentos populacionais. Os dados tornam claro o papel do Eixo-Sul do

crescimento metropolitano como indutor do aumento populacional de Nova

Lima, que inclusive define a dualidade desse município, que vive realidades

opostas: de um lado, a sede que apresenta crescimento irrisório devido à

estagnação econômica; por outro lado, a área de expansão que se aprofunda

na dinâmica metropolitana e se coloca como região preferencial de expansão

da elite belorizontina e da RMBH.

Dessa forma, Nova Lima comprovadamente se posiciona como o espaço das

novas transformações espaciais na RMBH, decorrentes da reestruturação

econômica global. A literatura existente ressalta seu papel como município

receptor dos fluxos migratórios e da elite detentora de capital, e também da

“massa de apoio” que se desloca para o local e se posiciona em espaços

estratégicos, como o Jardim Canadá, em busca das oportunidades de emprego

geradas por esse movimento populacional. No caso de Brumadinho, ainda é

necessário investigar em que medida o processo se expande de Nova Lima até

seu território. A seguir estarão dispostos dados para caracterizar a população

migrante, para em seguida proceder à análise.

Page 47: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

43

2 – Caracterização da população

A análise detalhada das características da população residente em Nova Lima

e Brumadinho permite conhecer o perfil dos recenseados e classificar

migrantes e não migrantes..

2.1 – Migração

A tabela a seguir fornece os dados sobre migração para Brumadinho e Nova

Lima, de acordo com os microdados do Censo de 2000 do IBGE.

Tabela 7 – Brumadinho e Nova Lima: População Migran te e Não Migrante nos anos 90

Fonte: IBGE, Microdados do Censo 2000.

A parcela da população que se mudou para os dois municípios no período

analisado, ou seja, a população migrante da década, constitui o objeto de

análise do presente estudo.

2.2 – Condições de moradia

Os seguintes dados correspondem às condições de moradia da população

migrante da década de 90 para os municípios em questão. Das variáveis

trabalhadas pelo IBGE, duas foram selecionadas para integrar a presente

análise: número de banheiros e densidade morador / dormitório.

Município População Total

Nascidos no

Município

Nascidos fora do

Município

Pessoas que

nunca moraram fora do

município

Pessoas que nem sempre

moraram no município

Pessoas que se mudaram

para o município

entre 1991 e 2000

Pessoas que realizaram

migração de retorno entre 1991 e 2000

Brumadinho 26614 16041 10573 15156 11458 7366 545 100,00% 60,27% 39,73% 56,95% 43,05% 27,68% 2,05%

Nova Lima 64387 42526 21861 40297 24090 12865 1263 100,00% 66,05% 33,95% 62,59% 37,41% 19,98% 1,96%

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44

2.2.1 – Número de banheiros por domicílio

Segundo o IBGE, “banheiro é o cômodo que dispõe de chuveiro ou banheira e

aparelho sanitário” (2002: p.72). Este dado pode amparar uma avaliação sobre

a qualidade e tamanho do domicílio em questão.

Tabela 8 – Brumadinho e Nova Lima: Total de banheir os por domicílio

Banheiros Brumadinho (%) Nova Lima (%)

não há 151 2,05% 284 2,21% 1 5309 72,07% 7438 57,82% 2 852 11,57% 1966 15,28% 3 502 6,82% 1068 8,30% 4 319 4,33% 946 7,35% 5 131 1,78% 486 3,78% 6 - - 297 2,31% 7 10 0,14% 59 0,46% 8 - - 28 0,22%

9 ou mais - - 51 0,40% Outros Casos (*) 92 1,25% 242 1,88%

Total 7366 100,00% 12865 100,00% (*) Domicílios particulares improvisados ou domicílios coletivos Fonte: IBGE, Microdados do Censo de 2000.

2.2.2 – Densidade morador / dormitório

Os microdados do IBGE - Censo 2000 contém a informação da densidade

habitacional para a amostra, constituída pela quantidade de moradores do

domicílio dividido pelo número de dormitórios. Este dado permite classificar as

condições de moradia para a população local, sendo que densidades mais

baixas correspondem a habitações de melhor qualidade, geralmente também

associadas a rendas mais elevadas.

Tabela 9: Brumadinho e Nova Lima: densidade morador / dormitório

Moradores por dormitório Brumadinho (%) Nova Lima (%)

até 2 3356 45,56% 5812 45,18% 2 a 3 3169 43,02% 4509 35,05%

mais de 3 747 10,14% 2303 17,90% outros casos

(*) 94 1,28% 241 1,87%

Total 7366 100,00% 12865 100,00% (*) Domicílios particulares improvisados ou domicílios coletivos Fonte: IBGE, Microdados do Censo de 2000.

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45

2.3 – Dados sobre educação e renda

Os dados sobre educação e renda visam determinar as características sócio-

econômicas individuais da população em questão. A partir dessas informações

é possível inferir a posição social e o poder econômico dos entrevistados, à

medida que se contrapõem tais dados aos demais colocados neste capítulo.

2.3.1 – Anos de estudo

A análise do tempo de estudo do entrevistado será disposta a seguir utilizando-

se do agrupamento dos anos, de forma a criar uma correspondência com os

diversos níveis de escolaridade que possam ocorrer. Assim, os dados estão

dispostos de acordo com sete categorias de escolaridade: até 3 anos de

estudo, que corresponde a uma escolaridade de 1a a 4a séries do ensino

fundamental incompletas; de 4 a 7 anos, ou 5a a 8a séries do ensino

fundamental incompletas; de 8 a 11 anos, correspondente ao nível médio, ou

2o grau, incompleto; de 12 a 15 anos, ou 2o grau completo e superior

incompleto; e 16 anos ou mais, ou superior completo. Além destes, constam

dois itens adicionais, para os casos nos quais não se determinou o tempo de

estudo, e para os quais a educação do entrevistado se deu na modalidade de

Alfabetização de Adultos.

Tabela 10: Brumadinho e Nova Lima:

Tempo de estudo Brumadinho (%) Nova Lima (%)

de 0 a 3 anos 2322 31,52% 3846 29,90% de 4 a 7 anos 2604 35,35% 3669 28,52%

de 8 a 11 anos 1789 24,29% 3180 24,72% de 12 a 15 anos 293 3,98% 1055 8,20% 16 anos ou mais 318 4,32% 1006 7,82% Não determinado 40 0,54% 100 0,78%

Alfabetização de adultos 0,00% 9 0,07% Total 7366 100,00% 12865 100,00%

Fonte: IBGE, Microdados do Censo de 2000.

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2.3.2 – Renda Per Capita domiciliar

Informações sobre a renda domiciliar per capita da população estudada.

Corresponde à renda total do domicílio dividida pelo número de moradores.

Tabela 11: Brumadinho e Nova Lima, Rendimento per c apita domiciliar em salários

mínimos

Rendimento per capita domiciliar em

salários mínimos Brumadinho (%) Nova Lima (%)

Até 1 SM 3159 42,88% 4880 37,93% 1 a 3 SM 2437 33,08% 3672 28,54% 3 a 5 SM 429 5,82% 789 6,13% 5 a 10 SM 841 11,42% 1245 9,68% 10 a 20 SM 325 4,41% 1154 8,97%

Acima de 20 SM 40 0,54% 725 5,64% outros casos (*) 135 1,84% 400 3,11%

Total 7366 100,00% 12865 100,00% (*) Moradores de domicílios particulares improvisados ou domicílios coletivos Fonte: IBGE, Microdados do Censo de 2000.

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47

3 – Análise dos dados

A partir dos dados relacionados acima, faz-se possível verificar a aplicabilidade

da hipótese levantada no Capítulo 2 do presente trabalho. Tal hipótese supõe

uma forte atratividade, para Brumadinho e Nova Lima, de moradores

pertencentes à elite econômica metropolitana, constituindo uma espécie de

periferização da riqueza na RMBH na década de 90. Para determinar se

realmente ocorre no local este processo de ocupação por moradias

permanentes de alta renda, é preciso analisar a proporção da população que

se mudou para os municípios em questão na última década.

A Tabela 7 ilustra o tamanho das populações dos dois municípios e a

proporção de migrantes do período 1991-2000. Brumadinho, que conta com

mais de 26 mil habitantes, recebeu 27,68% deles via movimentos migratórios

no período em questão, sendo que 2,05% da população total é formada por

pessoas naturais do próprio município, que em determinada época se

ausentaram e nos anos 90 retornaram à terra de origem. Para Nova Lima, a

proporção é de 19,98% de migrantes na década, do total de 64 mil habitantes.

Deste total, 1,96% da população é formada por migrantes de retorno.

Considerando-se o total de migrantes da década, os migrantes de retorno

correspondem a 7,4% desse contingente em Brumadinho, e 9,8% em Nova

Lima.

Estes números mostram que, na constituição da população local, o papel da

migração tem se colocado de forma bastante definidora. A quantificação do

contingente de imigrantes, por si só, demonstra um fenômeno diferenciado da

Região Metropolitana ocorrendo nestes locais. Portanto, os dois municípios

realmente exercem uma força de atração de novos moradores. A

caracterização qualitativa dos migrantes mostrará se tal força atratora tem

como foco principal camadas sociais mais elevadas.

As Tabelas 8 e 9 ilustram características das condições de moradia da

população imigrante. Através da quantidade de banheiros por domicílio e da

densidade de moradores por dormitório, pretende-se inferir sobre a qualidade

Page 52: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

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das moradias em que vivem os imigrantes. Metodologicamente, serão

consideradas melhores as condições quanto maior for o número de banheiros e

menor a densidade de morador por dormitório.

Em Brumadinho, a grande maioria dos imigrantes do período 1991 - 2000 conta

com apenas um banheiro (72,07%). Do restante, a parcela mais significativa

possui dois banheiros (11,57%). Dos 16,41% restantes, a maioria possui três

banheiros, e não há registros acima de sete. No caso de Nova Lima, o baixo

número de banheiros também prevalece: 57,84% com apenas um, 15,28% com

dois, 8,30% com três e 7,35% com quatro. Há um menor, porém pouco notável

desequilíbrio em comparação a Brumadinho, que reside, sobretudo, na

existência de entradas acima de sete banheiros. Não se pode tomar,

entretanto, o número de banheiros como quesito para determinar a classe

social dos moradores. Todavia serve como indicativo de que a maioria dos

migrantes conta com poucos banheiros.

No caso das densidades de moradores por dormitório, Brumadinho apresenta

um equilíbrio entre os dormitórios com até dois moradores (45,56%), e os com

dois a três (43,06%). A minoria, correspondente a 10,14%, possui mais de três

habitantes por dormitório. Em Nova Lima, as proporções são bem próximas:

45,18% com até dois moradores, 35,05% entre dois e três, e 17, 9% com mais

de três. Ao contrário do número de banheiros, a densidade dos dormitórios

indicam uma predominância de boas condições de moradia nos dois

municípios.

Os dados sobre educação podem contribuir para uma melhor elucidação da

posição social dos imigrantes. Logo, apresentam maior proximidade com a

condição de elite econômica os recenseados que apresentarem maiores níveis

de escolaridade. No caso de Brumadinho, o número de pessoas com 16 anos

ou mais de educação, correspondente ao nível superior completo, representam

apenas 4,32% da população. A grande maioria dos imigrantes se divide entre

três níveis de escolaridade: de 0 a 3 anos, ou 1a a 4a série incompleta do

ensino fundamental (31,52%); de 4 a 7 anos, ou 5a a 8a série incompleta

(35,35%), e de 8 a 11 anos, que corresponde ao nível médio incompleto

Page 53: Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo ... · MARCELO CRUZ VARGAS Mobilidade espacial na Região Metropolitana de Belo Horizonte: as especificidades de Nova Lima e Brumadinho

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(24,29%). Juntas, as três categorias somam mais de 90%, um indicativo

contrário ao que se supunha, se considerarmos a alta escolaridade como fator

de bom posicionamento social. Para Nova Lima, apesar do número maior de

pessoas com 16 ou mais anos de estudo (7,82%), a maioria se divide da

mesma forma como em Brumadinho: 29,9% com até três anos de estudo,

28,52% com quatro a sete anos e 24,72% com 8 a 11 anos de escolaridade.

Portanto, do ponto de vista educacional, os dados não confirmam a hipótese de

que os imigrantes da década sejam majoritariamente de classes de elite.

A fim de esclarecer as condições econômicas do contingente populacional que

migrou para Nova Lima e Brumadinho durante o período 1991-2000,

analisaremos a rende per capita domiciliar dessa população. A Tabela 11, que

classifica a população por classes de renda, mostra que a maioria dos

imigrantes da década de 90 residentes em Brumadinho possui baixa renda per

capita: 42,88% deles possuem renda de até um salário mínimo por pessoa.

Este número pode ilustrar tanto um caso de uma pessoa que mora sozinha e

recebe um salário mínimo por mês, como uma família de quatro pessoas na

qual o chefe possui remuneração mensal de quatro salários mínimos. De

qualquer forma, este número não se enquadra no perfil de alta renda estipulado

para caracterizar o tipo de movimento migratório aqui estudado. Com renda per

capita entre 1 e 3 salários mínimos constam 33,08%. Esta parcela da

população também não representa uma elite econômica, podendo ilustrar uma

classe média-baixa. Juntamente com a categoria anterior, somam-se 75,96%

dos imigrantes residentes em Brumadinho. A presença populações

economicamente abastadas, com mais de 10 salários mínimos per capita, não

passa de 5,00% dessa população.

Em Nova Lima, com até um salário mínimo mensal per capita constam 37,93%

dos imigrantes. Com 1 a 3 SM há 28,54%, somando com a porção anterior

66,47%. Com rendimentos mensais por pessoa acima de 10 salários mínimos

constam 14,31% dos imigrantes, contudo um número mais elevado que o de

Brumadinho, mas também insuficiente para classificar todo o contingente como

de alta renda.

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50

Verifica-se, portanto, para os dois municípios, um contingente de imigrantes

caracterizado primeiramente pelo seu número significativo, e em seguida por

condições de moradia satisfatórias, mesmo que não corresponda de um modo

geral a um perfil econômico superior. Em seguida, percebe-se uma maioria

com níveis de escolaridade muito abaixo do esperado para populações de

renda alta. Com a análise da renda per capita domiciliar dessa população, é

possível perceber que a hipótese da periferização da riqueza na RMBH através

do Eixo-Sul não se confirma da maneira como colocada.

Apesar de ter havido migração de parte da elite metropolitana para os dois

municípios, de uma forma geral uma porção bem superior de imigrantes é

formada por populações de baixa renda. Uma constatação interessante, por se

tratar de um espaço marcado por novas formas de ocupação do espaço e alta

segregação espacial, na constituição de enclaves fortificados homogêneos de

alta renda. O deslocamento de uma massa de baixa renda para o local, e a

baixa ocupação residencial fixa por parte da elite, além da caracterização da

região como local de presença, mesmo em menor número, de populações

abastadas, leva à suposição da existência de outras atividades atratoras de

migração, desta vez na forma de mão-de-obra. A presença dos condomínios,

verificada in loco, talvez tenha se tornado o principal atrativo para o

deslocamento de populações de baixa renda a procura de emprego.

Se por um lado não há uma ocupação fixa massiva por parte da elite

metropolitana, sua presença nesse espaço pode estar vinculada ao lazer ou à

moradia de fim-de-semana, hipótese justificável à medida que se considera as

grandes distâncias entre os municípios em questão e o centro metropolitano,

onde estão a maioria dos empregos de altos dirigentes e demais cargos de alta

remuneração. No caso de Brumadinho, conta inclusive a questão dos acessos

dotados de pouca infraestrutura, o que poderia inviabilizar as moradias

permanentes na região para quem possui seu espaço de vida situado em Belo

Horizonte.

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51

De acordo com a sinopse do Censo 2000 é possível verificar a relação entre

domicílios e pessoas residentes, além do número de domicílios fechados e de

uso ocasional. As Tabelas 12 e 13 expõe tais dados para Brumadinho:

Tabela 12: Brumadinho – pessoas residentes e domicí lios ocupados

Município de Brumadinho Pessoas residentes Domicílios Domicílios

ocupados

Domicílios não

ocupados

Domicílios não ocupados

declarados como de uso ocasional

área do Eixo-Sul 4014 2546 1122 1424 1131

restante do município 22593 8288 6107 2181 1184 Fonte: Censo 2000 IBGE, Sinopse.

Tabela 13: Brumadinho – pessoas por domicílio e per centual

de domicílios não ocupados

Município de Brumadinho pessoas por domicílio

pessoas por domicílio ocupado

percentual de domicílios não

ocupados

percentual dos domicílios não

ocupados declarados como de uso

ocasional

área do Eixo-Sul 1,58 3,58 55,93% 79,42%

restante do município 2,73 3,70 26,32% 54,29% Fonte: Censo 2000 IBGE, Sinopse.

Tabela 14 - Nova Lima – pessoas residentes e domicí lios ocupados

Município de Nova Lima

Pessoas residentes Domicílios Domicílios

ocupados

Domicílios não

ocupados

Domicílios não ocupados

declarados como de uso

ocasional

expansão 28243 9729 7345 2384 1092

sede 36052 10536 9495 1041 76 Fonte: Censo 2000 IBGE, Sinopse.

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Tabela 15: Nova Lima – pessoas por domicílio e perc entual

de domicílios não ocupados

Município de Nova Lima

pessoas por

domicílio

pessoas por domicílio ocupado

percentual de

domicílios não

ocupados

percentual dos

domicílios não ocupados

declarados como de uso

ocasional

expansão 2,90 3,85 24,50% 45,81%

sede 3,42 3,80 9,88% 7,30% Fonte: Censo 2000 IBGE, Sinopse.

Nos dois casos, é visível a discrepância entre a área de influência do Eixo-Sul

e as demais porções de cada município. As tabelas ilustram, para Brumadinho,

duas realidades distintas. No caso da região do Eixo-Sul, a baixa densidade de

morador por domicílio indica um baixo número de domicílios ocupados, como

de fato ocorre: mais da metade dos domicílios da região estão desocupados,

dos quais quase 80% são declaradamente de uso ocasional. Para Nova Lima a

situação é praticamente a mesma, salvo algumas proporções. As diferenças

entre a sede e a área de expansão são ainda mais gritantes, principalmente na

quantidade de domicílios não ocupados.

Para os dois municípios, os números do Censo 2000 indicam uma confirmação

da segunda hipótese: o Eixo-Sul conta com uma forte presença de populações

economicamente abastadas, não como moradores, mas principalmente como

detentores de casas de lazer e fim de semana. Portanto a hipótese levantada

no Capítulo 2 não se confirma, uma vez que a principal ocorrência por parte

dos imigrantes de alta renda não constitui na fixação de residência. A partir

disso, a presença dos imigrantes de baixa renda se explica pelas

oportunidades de emprego trazidas por essa população detentora do capital.

No capítulo seguinte, a título de conclusão, discutir-se-á os resultados do

presente estudo.

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53

Conclu são Considerações sobre os resultados da pesquisa

A região sul de Belo Horizonte está historicamente relacionada à elite

econômica e social local, tal como recentemente se observa no contexto

metropolitano. A definição do Eixo-Sul como vetor de expansão da metrópole

iniciou-se não apenas pela demanda das classes abastadas de Belo Horizonte

por espaço, mas pela crescente procura por novos padrões de qualidade de

vida. Dessa forma, a região sul da RMBH se torna palco dos processos de

negação ao urbano, com o advento dos enclaves fortificados que se

multiplicam pelo território de Brumadinho e Nova Lima nos anos 90.

Não raramente se atribui ao Eixo-Sul a condição de espaço elitizado e

exclusivista, e convém reafirmar que as camadas sociais mais elevadas

constituem os principais agentes do processo da expansão urbana da

metrópole para o sul. Todavia, a condição de exclusividade por parte dessa

população não reflete a realidade desse espaço, Os resultados da análise dos

dados demonstram que, numericamente, a expansão metropolitana através do

Eixo-Sul ocorre de maneira bem mais intensa para as camadas de baixa renda

do que para a elite econômica que a determinou. O desejo da elite de manter a

exclusividade do local refletiu no espaço urbano na forma da segregação.

O processo de segregação resulta das características de isolamento das novas

formas de ocupação do espaço por parte das altas camadas sociais. É

interessante notar como a obsessão pela homogeneização gerou um sentido

contrário: a necessidade de uma “massa de apoio” induz a migração de

populações de baixa renda para exercer atividades inerentes à manutenção

dos enclaves, como por exemplo, funcionários de faxina, cozinheiros,

jardineiros, porteiros, babás, etc. O isolamento proposto não se concretiza na

distância física, como parecia ser a intenção, mas tem ocorrido com a

imposição de barreiras de segurança que eliminam o contato entre as esferas

de fora e de dentro do condomínio.

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54

A presença da elite metropolitana no Eixo-Sul, de um modo geral e ao contrário

do suposto, não vem apresentando como tônica maior a ocupação local como

moradia definitiva. Segundo os dois casos analisados, ocorre com bastante

força na região o estabelecimento de segunda residência, ou moradia de uso

ocasional.

Contudo, o envolvimento de Nova Lima e de Brumadinho no processo parece

ocorrer em graus diferenciados. Nova Lima, talvez pela proximidade com o

centro metropolitano, pelo fomento do poder público às ocupações de alta

renda e por ter dado início a essa frente de expansão da RMBH, encontra-se

em um estágio um pouco mais consolidado de ocupação, com percentual

menor de imóveis desocupados e de uso ocasional. Também é importante

salientar que a dinâmica do município é bastante diversificada, com a presença

não apenas de condomínios, mas de indústrias, serviços e comércio

consolidado, como ocorrem no Jardim Canadá, equipamentos metropolitanos

sofisticados, como universidades e sedes de grandes empresas, e também o

“turismo ecológico”, explorado em São Sebastião das Águas Claras.

No caso de Brumadinho, o envolvimento com a dinâmica metropolitana

acontece com menor força na forma de ocupações permanentes, dada a

ênfase à implantação de segunda residência ou de uso ocasional. Como

demonstrado na análise dos dados do Censo 2000, mais da metade dos

domicílios da região referente ao Eixo-Sul no município se encontram

desocupados. Destes, mais de 70% são declaradamente de uso ocasional, o

que não exclui a possibilidade de os restantes também o serem: o Censo lista

domicílios não ocupados vagos e fechados, o que metodologicamente pode

conter desvios no caso de o proprietário não ter sido encontrado no momento

da entrevista.

Brumadinho se mostra historicamente pouco vinculado à Região Metropolitana,

sendo oficialmente incluído na mesma apenas na década de 80. O município

possui características que limitam a sua ocupação como primeira residência

por parte de um contingente de imigrantes vindo de Belo Horizonte como a

distância e os acessos difíceis. O que não coibiu o surgimento expressivo de

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condomínios, como o Retiro do Chalé, por exemplo. As qualidades

paisagísticas e ambientais do município são grandes atrativos para o turismo

“campestre” com grande procura por parte da elite metropolitana.

A constatação de que a maior parte das ocupações referentes ao Eixo-Sul em

Brumadinho ocorre na forma de moradias ocasionais não limita o poder de

transformação deste fenômeno metropolitano. De acordo com observações in

loco, a presença de condomínios no município vem alterando a estrutura

econômica local e, conseqüentemente, sua constituição espacial. Verifica-se

que, de uma economia formada pela exploração da produção agropecuária, a

região dos condomínios movimenta-se agora ao redor das demandas dos

novos vizinhos. Isso se traduz no aparecimento de novas atividades e

empregos, tanto interna como externamente aos condomínios. As antigas

fazendas têm se transformado em sítios de lazer, e os trabalhadores ora rurais

se ocupam agora com a prestação de serviços aos condomínios, como por

exemplo, na construção civil, em serviços básicos domésticos e

expressivamente como caseiros das residências de recreio.

A expansão da metrópole em direção ao Eixo-Sul se apresenta como um

processo diferenciado daqueles que definiram a estrutura da metrópole no

decorrer de seu desenvolvimento. Entretanto, possui características comuns

aos mesmos, principalmente por constituir um indutor de fluxos migratórios de

baixa renda. Faz-se interessante perceber que, desta vez, a relação entre a

expansão metropolitana e migração de populações pobres não se estabelece

de forma direta. O Eixo-Sul constitui o avanço da elite metropolitana,

estabelecida historicamente na zona sul de Belo Horizonte, sobre Nova Lima e

Brumadinho através do eixo da BR-040. Os fluxos migratórios complementares

surgem em conseqüência desse deslocamento, e pode ser analisada como

uma relação econômica: deslocamento do capital seguido pela força de

trabalho.

A presença das populações de baixa renda, portanto, ocorre de forma

inevitável mesmo quando o processo de ocupação parece ter um caráter

exclusivista e seletivo. No caso do Eixo-Sul, não apenas há a presença dessas

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classes sociais, como também elas vêm ocorrendo em maior quantidade. Em

Nova Lima, a presença do Jardim Canadá como receptor dos migrantes de

baixa renda esclarece que as distâncias entre os estratos sociais não

conseguem se converter em distanciamento físico.

Portanto, o suposto processo de “periferização da riqueza” na Região

Metropolitana de Belo Horizonte possui sentido relativo e relaciona-se a um

contexto de transformações que não necessariamente se caracteriza pela

proliferação das altas camadas sociais ao longo de Nova Lima e de

Brumadinho. As migrações metropolitanas das classes alta e média-alta

realmente ocorrem, redefinindo o espaço ao sul da metrópole, porém o

contingente de migrações por parte das baixas camadas é numericamente

superior, e tende a refletir de forma ainda mais transformadora no espaço

desses municípios. Logo, esse movimento de expansão para a periferia

metropolitana não diz respeito somente a uma mudança de padrões de

assentamento de populações detentoras de capital. Trata-se principalmente do

deslocamento de um sistema de relações econômicas entre forças

interdependentes, há muito presente na metrópole, porém com a imposição de

novos padrões de relações sociais, baseadas na agora na definição de

diferentes mundos no mesmo espaço através de artifícios de contenção

concretizados nos sistemas de segurança.

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