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Revista Científica Interdisciplinar - Instituto Federal do Paraná - IFPR Paranaguá, v3, n. 1. janeiro, 2018 33 RESUMO Este artigo faz parte de um projeto de pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), e tem como objetivo apresentar a descrição de um modelo epidemiológico simples, o modelo SIR (Suscetíveis, Infectados e Removidos). Esse modelo é composto por um conjunto de três equações diferenciais e simula a propagação de doenças contagiosas. Originalmente o modelo SIR foi desenvolvido para explicar o aumento do número de casos registrados durante a epidemia de peste bubônica ocorrida na Índia em meados de 1905. Atualmente esse modelo e suas variações são utilizados para descrever a propagação de doenças como por exemplo: gripe, dengue e a AIDS. Neste trabalho é feita uma análise qualitativa do modelo SIR, com objetivo de fazer previsões sobre a ocorrência ou não de uma epidemia numa população. Através desta análise foi possível identificar o impacto da disseminação da doença e também estimar o número de pessoas que devem ser vacinadas para evitar que uma epidemia aconteça. Palavras-chave: Epidemiologia. Propagação de doenças. Modelo SIR. Equações diferenciais. MODELAGEM MATEMÁTICA APLICADA À SISTEMAS DINÂMICOS EPIDEMIOLÓGICOS: O MODELO SIR Isabeli Raiany de Miranda Silva¹, Jane Rosa¹ ¹ , ²Instituto Federal do Paraná Campus Paranaguá ¹e-mail: [email protected] ²e-mail: [email protected]

MODELAGEM MATEMÁTICA APLICADA À SISTEMAS DINÂMICOS EPIDEMIOLÓGICOS: O … · 2019-08-03 · O período de incubação é desprezível, de modo que um suscetível que contrai a

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Revista Científica Interdisciplinar - Instituto Federal do Paraná - IFPR Paranaguá, v3, n. 1. janeiro, 2018

RESUMO

Este artigo faz parte de um projeto de pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de

Iniciação Científica (PIBIC), e tem como objetivo apresentar a descrição de um modelo

epidemiológico simples, o modelo SIR (Suscetíveis, Infectados e Removidos). Esse modelo é

composto por um conjunto de três equações diferenciais e simula a propagação de doenças

contagiosas. Originalmente o modelo SIR foi desenvolvido para explicar o aumento do

número de casos registrados durante a epidemia de peste bubônica ocorrida na Índia em

meados de 1905. Atualmente esse modelo e suas variações são utilizados para descrever a

propagação de doenças como por exemplo: gripe, dengue e a AIDS. Neste trabalho é feita

uma análise qualitativa do modelo SIR, com objetivo de fazer previsões sobre a ocorrência ou

não de uma epidemia numa população. Através desta análise foi possível identificar o impacto

da disseminação da doença e também estimar o número de pessoas que devem ser vacinadas

para evitar que uma epidemia aconteça.

Palavras-chave: Epidemiologia. Propagação de doenças. Modelo SIR. Equações diferenciais.

MODELAGEM MATEMÁTICA APLICADA

À SISTEMAS DINÂMICOS

EPIDEMIOLÓGICOS: O MODELO SIR

Isabeli Raiany de Miranda Silva¹, Jane Rosa¹

¹,²Instituto Federal do Paraná – Campus Paranaguá

¹e-mail: [email protected]

²e-mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Epidemiologia é o estudo de padrões de saúde/doença e fatores associados, relativos às

populações humanas (MARTCHEVA, 2015, p. 01). Um dos objetivos da epidemiologia é o

estudo das doenças infecciosas, como por exemplo: doenças respiratórias como a pneumonia

e a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida).

Uma doença infecciosa é causada por um agente microbiano patológico, como por

exemplo, bactérias, fungos, parasitas, vírus, e pode ser transmissível ou não. No que diz

respeito ao meio de transmissão, as doenças infecciosas são classificadas da seguinte forma

(MARTCHEVA, 2015):

Doenças transmissíveis de pessoa para pessoa: são aquelas doenças que

precisam de contato direto ou indireto para serem transmitidas. O contato

direto inclui o toque, ou ainda contato sexual. Entre as doenças transmissíveis

por contato direto, incluem-se a AIDS, sífilis, gonorreia, entre outras. O

contato indireto pode ocorrer através da troca de um objeto infectado, sangue,

ou outros fluidos corporais. A influenza, popularmente conhecida como gripe,

é um exemplo de doença que pode ser transmitida por contato indireto.

Doenças transmitidas pelo ar: ocorrem quando há inalação de ar infectado.

Entre as doenças transmitidas pelo ar, incluem-se a influenza, tuberculose,

varíola, entre outras.

Doenças transmitidas através de água ou de alimentos: são transmitidas

através da ingestão de água ou comida contaminada. A cólera é um exemplo de

doença transmitida através da água, enquanto a salmonela é um exemplo de

doença transmitida pelo consumo de alimentos.

Doenças transmitidas por vetores: são as doenças transmitidas por um

artrópode, como o mosquito ou o carrapato, tais como a malária e a dengue.

Transmissão vertical: ocorre quando uma doença é transmitida através da

placenta, de uma mãe para o filho, antes do nascimento. Exemplos de tais

doenças são o HIV, sífilis, rubéola e a hepatite B.

No Brasil, todos os anos a Secretaria de Vigilância em Saúde registra um grande

número de pessoas infectadas pela influenza e outros vírus respiratórios: no ano de 2016,

entre as amostras com resultados positivos para vírus respiratórios, cerca de 72% mostraram

resultado positivo para influenza e aproximadamente 28% para outros vírus respiratórios. As

regiões Sul e Sudeste do país apresentam as maiores quantidades de amostras positivas, com

maior incidência da influenza A (H1N1) e influenza B. A Secretaria de Vigilância em Saúde

conta com uma rede de unidades sentinelas distribuídas em todas as regiões geográficas do

Brasil. A vigilância sentinela tem como objetivo identificar os vírus respiratórios circulantes,

além de permitir o monitoramento da demanda de atendimento para essas doenças

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016).

O acompanhamento dos números de novos casos associados às doenças infecciosas

transmissíveis é uma preocupação contínua dos órgãos governamentais das cidades, estados e

países. Esse monitoramento é importante para prever o risco de epidemias, bem como planejar

as estratégias de controle dessas doenças nas populações. Neste contexto, as pesquisas que

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utilizam modelos matemáticos podem contribuir com as investigações na área da

epidemiologia.

Um modelo matemático é a descrição de um sistema, utilizando linguagem e

ferramentas matemáticas. No caso das doenças infecciosas, utilizam-se modelos matemáticos

para descrever sua propagação em uma determinada população. Com isso, busca-se explicar o

comportamento da doença, estudar seus efeitos, além de fazer previsões sobre os impactos da

disseminação e as formas de controle da doença (MURRAY, 2002). Modelos

epidemiológicos possibilitam simular uma série de padrões de saúde/doença. O estudo desses

modelos tem como objetivo caracterizar os processos de infecção, cura e morte, bem como

elaborar estratégias para exterminar, ou pelo menos controlar a proliferação do agente

patológico (SCHIMIT, 2010, p. 09).

O processo de modelagem requer uma tradução de uma situação biológica para um

problema matemático. Para transformar essa situação biológica em equações matemáticas, é

necessário ter um objetivo específico. O modelo deve incorporar somente as características

que são relevantes para este objetivo específico. Assim que formulado, o modelo pode ser

investigado através de uma série de ferramentas matemáticas.

Os modelos matemáticos aplicados à epidemiologia podem ser úteis para fornecer

estimativas sobre as formas mais eficazes de controle. Como por exemplo, estimar o nível de

vacinação necessário para erradicar uma determinada doença contagiosa, como o sarampo

(MONTEIRO, 2009, p. 478).

Nesse sentido, a modelagem matemática de doenças infecciosas é uma ferramenta

importante, pois além de fornecer informações para a compreensão das mesmas, pode auxiliar

na escolha das estratégias de controle mais apropriadas para cada situação. Assim, o objetivo

deste trabalho é apresentar uma descrição qualitativa de um dos primeiros modelos

epidemiológicos proposto para estudar a disseminação de uma doença em uma população, o

qual é conhecido como modelo SIR.

Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido com o

apoio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do IFPR. O

objetivo do projeto é utilizar modelos matemáticos para o estudo de sistemas

epidemiológicos.

2 O MODELO SIR

O modelo SIR foi originalmente proposto por Kermack e McKendrick (1927) para

explicar matematicamente o rápido crescimento e a queda súbita do número de pacientes

infectados pela peste bubônica, durante a epidemia ocorrida na Índia, entre 1905 e 1906.

Atualmente esse modelo e suas inúmeras variações têm sido utilizados para outras finalidades,

como por exemplo, para o estudo da disseminação de doenças como a AIDS (MURRAY,

2002) e a dengue (YANG, 2003).

Neste modelo, a população é dividida em três classes: 1ª) a classe de indivíduos

saudáveis, mas que podem contrair a doença através de contato com infectados, estes são

chamados de suscetíveis (𝑆); 2ª) a classe de indivíduos que contraíram a doença, chamados de

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indivíduos infectados (𝐼); 3ª) a classe de indivíduos removidos (𝑅), que morreram ou se

recuperaram e não podem contrair a doença novamente. Portanto, a cura de um indivíduo

confere a imunidade. Esse é um modelo do tipo compartimentado, pois cada letra (S, I e R) se

refere a uma das classes ou compartimentos. Cada indivíduo pode estar inserido em apenas

uma das classes, mas pode se mover de uma para a outra no decorrer do tempo. Uma

representação esquemática do modelo SIR é descrita pelo fluxograma mostrado na Fig. 1.

Neste esquema, as flechas indicam a direção do movimento dos indivíduos entre as classes

(MARTCHEVA, 2015).

Figura 1. Fluxograma do modelo SIR. As letras 𝑎 e 𝑏 que rotulam cada seta representam as

taxas de transição entre as classes.

Fonte: Os autores.

Os números de indivíduos (ou densidades) em cada uma dessas classes mudam com o

tempo, ou seja, 𝑆(𝑡), 𝐼(𝑡) e 𝑅(𝑡) são funções do tempo 𝑡; e a taxa de variação temporal de

cada classe é expressa pelas equações (MARTCHEVA, 2015, p. 11):

𝑑𝑆

𝑑𝑡 = −𝑎𝑆𝐼, (1)

𝑑𝐼

𝑑𝑡= 𝑎𝑆𝐼 − 𝑏𝐼, (2)

𝑑𝑅

𝑑𝑡= 𝑏𝐼 (3)

Nas equações acima, 𝑑𝑆/𝑑𝑡 representa a taxa de variação do número de suscetíveis ao

longo do tempo, 𝑑𝐼/𝑑𝑡 é a taxa de variação dos infectados ao longo do tempo, enquanto

𝑑𝑅/𝑑𝑡 é a taxa de variação dos indivíduos removidos ao longo do tempo. As constantes

positivas 𝑎 e 𝑏 caracterizam a interação entre o agente infeccioso e a população (MURRAY,

2002).

Na descrição desse modelo, assume-se que (MONTEIRO, 2011):

O número de infectados aumenta segundo uma taxa que é proporcional ao

produto entre o número de infectados e o de suscetíveis, que é 𝑎𝑆𝐼, sendo que

os suscetíveis diminuem a essa mesma taxa;

A taxa de passagem dos infectados para a classe dos removidos é proporcional

ao número de infectados, ou seja, 𝑏𝐼;

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O período de incubação é desprezível, de modo que um suscetível que contrai a

doença torna-se imediatamente infectado;

As três classes estão uniformemente distribuídas pelo espaço. Portanto, as

taxas de encontro não dependem da localização geográfica.

Além disso, considera-se que o tamanho total da população 𝑁 é constante, e que os

indivíduos infectados também podem transmitir a doença (MURRAY, 2002). Portanto, o

tamanho total da população 𝑁 é a soma dos tamanhos das três classes:

𝑁 = 𝑆(𝑡) + 𝐼(𝑡) + 𝑅(𝑡). (4)

A formulação matemática do modelo SIR fica completa quando são aplicadas

condições iniciais:

𝑆(0) = 𝑆0 > 0, 𝐼(0) = 𝐼0 > 0, 𝑅(0) = 0, (5)

ou seja, os valores iniciais de indivíduos suscetíveis (𝑆0) e infectados (𝐼0) devem ser maiores

que zero, enquanto o número inicial de removidos (𝑅0) é nulo.

Em qualquer situação que envolve uma doença infecciosa, é importante determinar se

a infecção se espalhará ou não, e se for, como ela se desenvolverá com o tempo e,

principalmente, quando começará a diminuir. No entanto, a resposta para essa questão vai

depender das características de cada modelo, dos valores dos parâmetros e das condições

iniciais do sistema. Para analisar o modelo SIR, substituem-se as condições iniciais 𝑆0 e 𝐼0 na

Eq. (2):

𝑑𝐼(𝑡)

𝑑𝑡|

𝑡=0 = 𝐼(0)(𝑎𝑆(0) − 𝑏), {

> 0< 0

𝑠𝑒 𝑆0 {> 𝜌< 𝜌 . (6)

O parâmetro crítico 𝜌 = 𝑏/𝑎 é chamado de taxa de remoção relativa (MURRAY,

2002). Da Equação (1), 𝑑𝑆/𝑑𝑡 ≤ 0 para 𝑆 ≤ 𝑆0, e no caso 𝑆0 < 𝜌, tem-se:

𝑑𝐼

𝑑𝑡= 𝐼 (𝑎𝑆 − 𝑏) ≤ 0 para todo 𝑡 ≥ 0. (7)

Nesse caso, se 𝐼0 > 𝐼(𝑡) → 0 para 𝑡 → ∞, o número de infectados diminui com o

tempo, e assim a infecção desaparece; ou seja, não ocorre epidemia. Por outro lado, se

𝑆0 > 𝜌, então 𝐼(𝑡) aumenta com o tempo, e então ocorrerá uma epidemia. O termo

“epidemia” significa, matematicamente, que 𝐼(𝑡) > 𝐼0 para qualquer 𝑡 > 0, ou seja, o número

de infectados será maior que o número de infectados inicial com o passar do tempo.

Dividindo a Eq. (2) pela Eq. (1):

𝑑𝐼

𝑑𝑆=

(𝑎𝑆−𝑏)𝐼

−𝑎𝑆𝐼= −1 +

𝜌

𝑆, 𝐼 ≠ 0. (8)

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Integrando a equação acima, encontram-se as trajetórias do plano de fase:

𝐼 + 𝑆 − 𝜌 ln 𝑆 = 𝐼0 + 𝑆0 − 𝜌 ln 𝑆0, (9)

para os valores do lado direito da igualdade (𝑆0 e 𝐼0), foram utilizadas as condições iniciais da

Eq. (5). As trajetórias 𝐼 versus 𝑆 são mostradas na Fig. 2.

Figura 2. Plano de fase do modelo SIR. Cada curva representa a evolução temporal do número

de suscetíveis e infectados para diferentes condições iniciais (𝑆0 e 𝐼0), todas as trajetórias

iniciam na reta 𝑆0 + 𝐼0 = 𝑁.

Fonte: Os autores.

A Figura 2 mostra como os números de infectados (𝐼) e suscetíveis (𝑆) evoluem com o

passar do tempo. Cada curva é determinada por diferentes condições iniciais 𝐼(0) = 𝐼0 e

𝑆(0) = 𝑆0. Com 𝑅(0) = 0, todas as trajetórias começam na linha 𝑆0 + 𝐼0 = 𝑁 e permanecem

dentro do triângulo, desde que 0 < 𝑆 + 𝐼 < 𝑁, para todos os instantes de tempo. Uma

epidemia irá existir se 𝐼(𝑡) > 𝐼0 para qualquer instante de tempo 𝑡 > 0; isso sempre irá

ocorrer se 𝑆0 > 𝜌 e 𝐼0 > 0 (MURRAY, 2002). Verifica-se na Fig.2 que se o número inicial

de suscetíveis for maior que um determinado valor crítico 𝑆𝑐, ou seja, se 𝑆0 > 𝑆𝑐 = 𝜌, então

ocorrerá uma epidemia (curvas na cor vermelha), enquanto que se 𝑆0 < 𝑆𝑐, a epidemia não

ocorre (curvas na cor azul). Assim, define-se o parâmetro 𝑅0 como:

𝑅0 ≡ 𝑎𝑆(0)

𝑏 , (10)

esse parâmetro é chamado de fator de reprodutividade basal e é considerado um parâmetro-

chave em investigações epidemiológicas. O parâmetro 𝑅0 é interpretado como o número

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esperado de pessoas contaminadas geradas por um indivíduo infectado colocado numa

população totalmente suscetível à doença (SCHIMIT, 2010, p. 21). Se 𝑅0 > 1, o número de

indivíduos infectados cresce e pode haver um surto epidêmico. Se 𝑅0 < 1, haverá um

declínio do número de indivíduos inicialmente infectados, e a doença irá desaparecer

naturalmente.

Na Figura 3 apresenta-se o gráfico de duas situações distintas: a ocorrência ou não de

uma epidemia. Na Figura 3 (a) é mostrada a situação em que não há epidemia. Neste caso, o

número de infectados diminui até zero com o passar do tempo a partir do valor inicial 𝐼0. Na

Figura 3 (b) é mostrada a situação de epidemia: o número de infectados, a partir do valor

inicial 𝐼0 aumenta com o tempo até o seu valor máximo (𝐼𝑚𝑎𝑥), e em seguida diminui até a

doença sumir (𝐼 = 0).

Na situação para a qual a doença infecciosa se espalha, é importante saber o número

máximo de infectados (𝐼𝑚𝑎𝑥). No modelo SIR, o valor máximo de infectados ocorre quando

𝑑𝐼/𝑑𝑡 = 0. Da Eq. (7), essa condição é satisfeita quando 𝑆 = 𝜌 = 𝑏/𝑎. Portanto, fazendo

𝑆 = 𝜌 na Eq. (9), encontra-se o número máximo de infectados:

𝐼𝑚𝑎𝑥 = 𝑁 − 𝜌 + 𝜌 ln (𝜌

𝑆0) , (11)

a constante 𝑁 é o número total de indivíduos, definido por 𝑁 = 𝐼0 + 𝑆0.

Figura 3. Evolução temporal do número de infectados. (a): Situação na qual não ocorre

epidemia; (b): Situação característica de uma epidemia.

Fonte: Os autores.

Para qualquer valor inicial de 𝐼0 e 𝑆0 > 𝜌, observa-se na Fig. 2 que a epidemia

acontece. No entanto, a epidemia não será grave se o valor de 𝐼0 é próximo de 𝐼𝑚𝑎𝑥 (isso

acontece quando 𝑆0 ~ 𝜌). Porém, se 𝑆0 < 𝜌, não ocorre epidemia, porque o número de

infectados diminuirá com o tempo, a partir do valor inicial 𝐼0 até 𝐼 = 0.

O número de suscetíveis 𝑆 diminui desde que 𝑑𝑆/𝑑𝑡 < 0 para 𝑆 ≠ 0 e 𝐼 ≠ 0.

Dividindo a Eq. (1) pela Eq. (3) e fazendo a integração, encontra-se:

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𝑆 = 𝑆0𝑒−𝑅/𝜌 . (12)

Na Figura 2, quando 𝑡 → ∞, 0 < 𝑆(∞) < 𝜌 para 𝐼(∞) = 0. Da Eq. (4), 𝑅(∞) = 𝑁 −𝑆(∞). Portanto, para tempos longos, (𝑡 → ∞), o número de suscetíveis que não adquirem a

doença, Eq. (12), é expresso por:

𝑆(∞) = 𝑆0𝑒[−(𝑁−𝑆(∞))/𝜌] , (13)

e 𝑆(∞) é a solução positiva dessa equação transcendental. Logo, o número de suscetíveis que

contraem a doença no decorrer da epidemia é:

𝐼𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 = 𝐼0 + 𝑆0 − 𝑆(∞) . (14)

Uma implicação importante desse resultado é que a doença desaparece (𝐼(𝑡) → 0) por

falta de infectados, e não por falta de suscetíveis (𝑆(𝑡) → 𝑆(∞) > 0).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, foi realizada a descrição de um modelo epidemiológico chamado de

modelo SIR, proposto por Kermack e McKendrick (1927). A simplicidade desse modelo está

relacionada com sua descrição matemática. Mas apesar disso, o modelo SIR é capaz de

fornecer resultados que condizem com a realidade. O primeiro resultado mostrou que o fator

de reprodutividade basal 𝑅0, Eq. (10), é fundamental para determinar se ocorrerá uma

epidemia. Esse parâmetro fornece o número de infectados produzidos a partir de um único

infectado em meio a uma população de suscetíveis. Portanto, se 𝑅0 > 1, a epidemia acontece,

e o número de infectados poderá aumentar com o tempo. O valor de 𝑅0 depende apenas do

número inicial de suscetíveis (𝑆0) e das constantes 𝑎 e 𝑏, respectivamente identificadas como

a taxa de infecção e a taxa de recuperação (ou remoção dos infectados). Diante de uma

situação real busca-se reduzir o valor de 𝑅0, e isso pode ser feito, por exemplo, reduzindo o

número de suscetíveis (𝑆0) com vacinação.

Considerando a situação para a qual a doença se espalha, é importante saber qual será

o nível de gravidade dessa epidemia. Neste caso, é necessário determinar quantos indivíduos

serão infectados a partir de um número inicial de infectados (𝐼0) e suscetíveis (𝑆0). No modelo

analisado, verificou-se que para qualquer 𝐼0 e 𝑆0 > 𝜌, a epidemia vai acontecer. A epidemia

não será grave se o número inicial de infectados (𝐼0) é próximo do número máximo de

infectados (𝐼𝑚𝑎𝑥). Por outro lado, se 𝑆0 < 𝜌, não ocorrerá epidemia.

Para uma determinada doença, o parâmetro 𝜌 varia com as características da

população (ou comunidade) e, portanto, determina se a epidemia ocorre em uma comunidade

e não ocorre em outra. Por exemplo, se a densidade de suscetíveis (𝑆0/𝑁) é alta e a taxa de

remoção dos infectados (parâmetro 𝑏) é baixa (por ignorância ou falta de cuidados médicos),

então provavelmente a epidemia ocorrerá. Finalmente, quando se considera tempos longos,

independente da situação inicial, o modelo SIR mostra que nem todos os indivíduos

suscetíveis serão infectados. Portanto, a doença se extinguirá naturalmente por falta de

infectados e não por falta de indivíduos suscetíveis.

O estudo do modelo SIR serviu de base para realizar análises de modelos

epidemiológicos mais complexos. Desse modo, os próximos passos da pesquisa baseiam-se

no estudo de doenças transmitidas por vetores (mosquitos). Mais especificamente, será

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realizado um estudo sobre a dinâmica de propagação da dengue, buscando-se identificar os

meios de controle mais eficientes para evitar epidemias.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Fundação Araucária pelo financiamento da bolsa PIBIC.

REFERÊNCIAS

KERMACK, W. O.; MCKENDRICK, A. G. A Contribution to Mathematical Theory of

Epidemics. Proceedings of the Royal Society of London. Series A. Containing Papers of a

Mathematical and Physical Character. London, v. 155, Issue 772 (Aug.1,1927), 700-721.

MARTCHEVA, M. An Introduction to Mathematical Epidemiology. 1 ed. Gainesville:

Springer, 2015.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Informe Epidemiológico:

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MONTEIRO, L. H. A. Sistemas Dinâmicos. 3 ed. São Paulo: Livraria da Física, 2011.

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SCHIMIT, P. H. T. Modelagem e controle de propagação de epidemias usando autômatos

celular e teoria de jogos. 83 f. Tese (Doutorado em Engenharia Elétrica) – Universidade de

São Paulo, São Paulo, 2010.

YANG, H. M. Epidemiologia da Transmissão da Dengue. TEMA Tend. Mat. Apl. Comput.,

São Carlos, v. 4, n. 3, 2003. p. 387-396.