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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O QUE REVELAM OS SUJEITOS? Resumo Este trabalho objetiva apresentar o perfil dos alunos da Educação de Jovens e Adultos que vivenciaram o processo de escolarização na EJA, mostrando o que representa para eles a nova identidade constituída na transição do deixar de ser analfabeto para ser alfabetizado. Para orientar a realização deste estudo, destacamos Andrade (2004), Arroyo (2005) Brunel (2004), Esteban (2007), Reis (2009), Soares (2005) e outros. A discussão que ora apresentamos é parte do estudo que realizamos nos encontros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período de março de 2010 a agosto de 2011. A pesquisa foi realizada com alunos e professores da rede pública do município de Guanambi/BA. A coleta de dados ocorreu através da observação na escola investigada, aplicação de questionários aos alunos e realização de entrevistas semiestruturadas. O texto apresenta as especificidades dos alunos da EJA delineando o perfil dos mesmos. Entre as características apresentadas priorizamos as que se referem à procedência, situação do trabalho, inserção na escola, escolarização, vínculo religioso, grupos etários e nível de escolarização. A intenção é que essa descrição possibilite a compreensão das singularidades e das regularidades entre os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos e da Escola Pública. Os resultados da investigação sinalizam a necessidade de uma formação docente que contemple as particularidades da EJA, conhecimentos e saberes teórico-metodológicos que contribuam para uma prática educativa que observe a diversidade de gênero, geração, etnia e diferentes opções religiosas, ideológicas, políticas em situações de inovação educativa de trabalho, uma vez que a democratização da escola exige a construção de relações recíprocas de respeito às diferenças, aceitação e solidariedade que colaborem para o desenvolvimento de todos. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Perfil dos alunos. Singularidades. Regularidades. Introdução As reflexões apresentadas neste trabalho são resultantes de uma pesquisa com os alunos da EJA, possibilitando a construção de uma visão mais ampla sobre os jovens e adultos que iniciaram ou retomaram seus estudos no ensino fundamental. O objetivo é obter dados que caracterizem esses sujeitos, traçar o perfil, conhecer quem são, onde moram, qual o contexto social em que estão inseridos, e quais as expectativas de vida desses sujeitos que foram excluídos do sistema regular de ensino e, consequentemente da sociedade letrada, e que, por motivos diversos, não puderam concluir seus estudos. De acordo com Dias et al. (2011, p. 65), é “importante destacar XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006065 Di Paula Ferreira Prado Sônia Maria Alves De Oliveira Reis

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Artigo científico escrito através de uma pesquisa sobre o perfil do aluno da Educação de Jovens e adultos.

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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O QUE REVELAM OS SUJEITOS?

Resumo

Este trabalho objetiva apresentar o perfil dos alunos da Educação de Jovens e Adultos que vivenciaram o processo de escolarização na EJA, mostrando o que representa para eles a nova identidade constituída na transição do deixar de ser analfabeto para ser alfabetizado. Para orientar a realização deste estudo, destacamos Andrade (2004), Arroyo (2005) Brunel (2004), Esteban (2007), Reis (2009), Soares (2005) e outros. A discussão que ora apresentamos é parte do estudo que realizamos nos encontros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período de março de 2010 a agosto de 2011. A pesquisa foi realizada com alunos e professores da rede pública do município de Guanambi/BA. A coleta de dados ocorreu através da observação na escola investigada, aplicação de questionários aos alunos e realização de entrevistas semiestruturadas. O texto apresenta as especificidades dos alunos da EJA delineando o perfil dos mesmos. Entre as características apresentadas priorizamos as que se referem à procedência, situação do trabalho, inserção na escola, escolarização, vínculo religioso, grupos etários e nível de escolarização. A intenção é que essa descrição possibilite a compreensão das singularidades e das regularidades entre os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos e da Escola Pública. Os resultados da investigação sinalizam a necessidade de uma formação docente que contemple as particularidades da EJA, conhecimentos e saberes teórico-metodológicos que contribuam para uma prática educativa que observe a diversidade de gênero, geração, etnia e diferentes opções religiosas, ideológicas, políticas em situações de inovação educativa de trabalho, uma vez que a democratização da escola exige a construção de relações recíprocas de respeito às diferenças, aceitação e solidariedade que colaborempara o desenvolvimento de todos.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Perfil dos alunos. Singularidades.

Regularidades.

Introdução

As reflexões apresentadas neste trabalho são resultantes de uma pesquisa com os

alunos da EJA, possibilitando a construção de uma visão mais ampla sobre os jovens e

adultos que iniciaram ou retomaram seus estudos no ensino fundamental.

O objetivo é obter dados que caracterizem esses sujeitos, traçar o perfil,

conhecer quem são, onde moram, qual o contexto social em que estão inseridos, e quais

as expectativas de vida desses sujeitos que foram excluídos do sistema regular de ensino

e, consequentemente da sociedade letrada, e que, por motivos diversos, não puderam

concluir seus estudos. De acordo com Dias et al. (2011, p. 65), é “importante destacar

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que a ênfase dada às especificidades desses sujeitos está diretamente relacionada à

condição de exclusão”.

Pretende-se estudar ainda as diferentes histórias dos jovens e adultos em

processos de escolarização e suas relações com o mundo do trabalho e com a educação,

buscando compreender as razões e motivações que os levam a abandonar ou retornar à

escola, e buscando entender como vivenciaram o processo educativo. Esta é também

uma oportunidade de reflexão sobre a prática pedagógica na EJA a partir da visão

desses alunos. Além disso, pode fornecer subsídios para a criação de políticas públicas

ajustadas às necessidades dos sujeitos da EJA.

Nesse contexto, Soares (2005, p. 127) afirma que:

As discussões sobre a Educação de Jovens e Adultos têm priorizado as

seguintes temáticas: a necessidade de se estabelecer um perfil mais

aprofundado do aluno; a tomada da realidade em que está inserido como

ponto de partida das ações pedagógicas; o repensar de currículos, com

metodologias e materiais didáticos adequados às suas necessidades; e,

finalmente, a formação de professores condizente com a sua especificidade.

A Conferência de Jomtien (1990) – Educação para Todos – já estabelecia

como estratégia para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de

todos a exigência de conteúdos, meios e modalidades de ensino e

aprendizagem apropriados a cada um.

Sendo assim, a relevância da temática justifica-se pela possibilidade de debater

as questões da EJA a partir de uma representação mais condizente com a realidade

desses sujeitos, com as suas singularidades e necessidades, o que norteia e direciona o

trabalho pedagógico a ser desenvolvido na sala de aula e a formação de um profissional

que atenda as especificidades desses alunos específicos, que são os jovens e adultos.

Ao considerar os educandos como sujeitos de direitos é preciso direcionar o

olhar para os assuntos adequados a esta etapa da vida, enxergando para além do espaço

escolar e englobando outros aspectos como família, trabalho e lazer. (DIAS et al.,

2011).

Farias (2010, p. 3) destaca que:

É necessário compreender a forma de atender a diversidade dos sujeitos da EJA de forma que jovens e adultos possam estar na escola e aprender. São asnecessidades da vida, desejos a realizar, metas a cumprir que ditam as disposições desses sujeitos, e por isso há a necessidade de compreender seus tempos para então organizar, segundo as possibilidades de cada grupo ou

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pessoas, o momento de formação, para garantir sua permanência e direito à educação. Nesse sentido se faz importante a pesquisa sobre os sujeitos daeducação de jovens e adultos. Muitos deles tem história de fracasso, de nãoaprendizados, de frustrações, por isso não é possível repetir modelos e manterabordagens infantilizadas. Ler e escrever são práticas indispensáveis às sociedades em que a cultura escrita regula a vida social, o que requer que jovens e adultos aprendam ao longo da vida num diálogo constante com seus saberes que não podem ser ignorados.

Conhecendo os Sujeitos da EJA

Para sistematizar as informações, a pesquisa foi realizada numa abordagem

qualitativa, organizada em categorias de análise e dividida em blocos que englobaram

os aspectos sócio demográficos, culturais e cognitivos, tendo em vista uma melhor

compreensão da realidade dos educandos da EJA.

A abordagem qualitativa é a que melhor atende este trabalho, pois possibilita

uma aproximação com os sujeitos da pesquisa, sendo a “metodologia que tem o

ambiente natural como sua fonte de dados e o pesquisador como principal instrumento

[...] procura estudar os fenômenos educacionais e seus atores dentro do contexto social e

histórico em que acontecem e vivem...” (FARIAS, 2010, p. 2).

A discussão que ora apresentamos é parte do estudo que realizamos nos

encontros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (EJA) no

período de março de 2010 a agosto de 2011. A pesquisa foi realizada com alunos e

professores da rede pública municipal de Guanambi/BA. Para conhecer os educandos

que participaram do estudo, aplicamos 51 questionários aos alunos matriculados na

turma de Aceleração I (3ª e 4ª série) de uma escola que atende alunos da Educação de

Jovens e Adultos. A coleta de dados ocorreu através de observação na escola

investigada, aplicação de questionários e realização de entrevistas semiestruturadas.

Com base nos dados coletados, por meio das respostas dadas aos questionários

identifica-se uma grande presença de jovens e adultos na EJA. Daí a necessidade da

escola considerá-los quando a organização do seu projeto pedagógico.

Na visão da professora da turma, o aumento do número de jovens na EJA, além

de decorrer da evasão e da repetência ocasionando a defasagem escolar idade/série, se

dá, também, pela procura de certificação escolar para a disputa de trabalho no mercado

atual. Segundo elas, os jovens manifestam constantemente, na sala de aula, que a

permanência deles na escola se deve à necessidade de escolarização para não correrem

riscos de não terem acesso ao mais simples dos empregos, visto que o grau de

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escolaridade é um dos principais requisitos para a obtenção de um lugar no mercado de

trabalho.

A inserção de jovens na modalidade de ensino de Educação de Jovens e Adultos

e as especificidades desse segmento têm sido apontadas pelos pesquisadores Spósito

(1997), Brunel (2004), Andrade (2004) entre outros, como um campo de estudo

importante para o entendimento da EJA, hoje. Assim, compreender, identificar e

analisar os significados e os sentidos atribuídos aos processos de escolarização vividos

por esses sujeitos na EJA nos ajudará a entender quem são e o que pensam esses alunos

sobre essa modalidade de ensino, a sua inserção e vivência nela (REIS, 2009).

Segundo Dias et al. (2011, p. 50) “cabe destacar que os sujeitos aos quais se

destinam o fazer pedagógico da EJA têm outras especificidades que ultrapassam a

condição de não criança, baixa escolaridade e integrante das camadas populares”. Nesse

sentido, é explícita a relevância do estudo sobre os sujeitos da educação de jovens e

adultos, visto que vivenciam uma trajetória de vida que se constitui numa questão

múltipla e complexa.

Quanto às crenças religiosas desses jovens e adultos da EJA, são muito

diversificadas. Observa-se uma grande presença de evangélicos, no qual muitos alunos

dispõem-se a frequentar cursos noturnos na expectativa de aprender a ler a Bíblia.

Ao analisar os questionários e as entrevistas dos alunos, verificamos que a

maioria deles migrou de cidades vizinhas ou do interior do município para a cidade de

Guanambi, em busca de trabalho na construção civil, como motorista, trabalho

doméstico, serviços gerais, mecânica, casamento, estudo dos filhos e outros. Muitos

chegaram à escola sem dominar o código da leitura e da escrita.

De um modo geral, os sujeitos da EJA são tratados como uma massa de alunos, sem identidade, qualificados sob diferentes nomes, relacionados diretamente ao chamado "fracasso escolar". Arroyo (2001) ainda chama aatenção para o discurso escolar que os trata, a priori, como os repetentes, evadidos, defasados, aceleráveis, deixando de fora dimensões da condição humana desses sujeitos, básicas para o processo educacional. Ou seja, concepções e propostas de EJA comprometidas com a formação humana passam, necessariamente, por entender quem são esses sujeitos e que processos pedagógicos deverão ser desenvolvidos para dar conta de suas necessidades e desejos. (ANDRADE, 2004, p. 1).

De acordo com os dados dos questionários analisados, quase todos os alunos

trabalham e ajudam nas despesas de casa. Dos 51 jovens e adultos trabalhadores, 21

recebem menos de um salário-mínimo e somente 7 possuem carteira assinada. Ao

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abordar esse tema, Arroyo (2005, p.29) afirma que, “desde que a EJA é EJA, os jovens

e adultos são os mesmos: pobres, desempregados, vivem da economia informal, negros,

vivem nos limites da sobrevivência”. Esses jovens e adultos populares fazem parte dos

mesmos coletivos sociais, raciais, étnicos, culturais.

Com relação à situação de trabalho observa-se que todos os jovens e adultos

pesquisados são trabalhadores. Dispõem-se a frequentar a EJA na expectativa de

melhorar suas condições de vida. Segundo seus relatos, é com sacrifício que estudam no

noturno, pois acumulam responsabilidades profissionais e domésticas. Além disso, o

estudo reduz o pouco tempo de lazer que possuem. Os alunos que frequentavam as aulas

constantemente manifestaram esperança de continuar os estudos: concluir o ensino

fundamental e médio, ter acesso a outras habilitações profissionais.

Nessa perspectiva, uma questão importante, para a EJA, é pensar os seus sujeitos além da condição escolar. O trabalho, por exemplo, tem papel fundante na vida dessas pessoas, particularmente por sua condição social, e, muitas vezes, é só por meio dele que eles poderão retornar à escola ou nela permanecer, como também valorizar as questões culturais, que podem ser potencializadas na abertura de espaços de diálogo, troca, aproximação, resultando interessantes aproximações entre jovens e adultos. (ANDRADE, 2004, p. 3).

Ao tratar desse assunto, Dias et al. (2011, p. 65) explicita que os sujeitos da EJA

“são atores sociais que, enquanto membros de uma sociedade, vivenciam tal experiência

ativamente, ou seja, são pessoas que ajudam a construir, cotidianamente, a história da

sociedade em que vivem”. Contraditoriamente, esses trabalhadores são desvalorizados,

discriminados e estigmatizados por fazerem parte de um grupo dos analfabetos ou

pouco escolarizados, daqueles que são excluídos, muitas vezes, da vida social por não

dominarem as habilidades de leitura e escrita.

Percebemos ainda que é cada vez mais reduzido o número de jovens e adultos

que efetivamente frequentam a EJA e que não tiveram nenhuma passagem anterior pela

escola. Certo é que o histórico de inserções e constantes interrupções no ensino regular

ou na EJA é comum, principalmente, em relação aos mais jovens.

Quanto aos adultos e idosos, tendo abandonado os estudos quando crianças ou

adolescentes, devido ao trabalho, no presente, não querem desperdiçar a oportunidade

de estudar, pois percebem a relevância da escolarização nas demandas do mundo atual.

Segundo Dias, et al (2011, p. 69) é preciso “considerar a concepção do processo

educativo como uma formação que se dá ao longo da vida e, nessa perspectiva, valida a

ideia de que tal processo não deve estar restrito às etapas regulares da escolarização”.

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Sobre os motivos que os levaram a abandonar ou interromper os estudos, os

entrevistados apresentaram os seguintes: medo de voltar a estudar, medo de conviver

com os mais jovens e ser discriminado, distância da residência ou do trabalho,

dificuldade de conciliar o tempo para o estudo e para o trabalho, problemas de saúde,

insatisfação com as aulas, desinteresse pelos assuntos tratados, dificuldade de

aprendizagem, problemas familiares, não gostar dos colegas ou do professor, padrão de

trabalho muito acessível ou trabalhos pedagógicos muito difíceis, tempo para cuidar dos

filhos e depreciação dos estudos pelos pais. A tudo isso, soma-se a necessidade de

ajudar no trabalho da roça.

Alguns com mais de 14 anos deixam de estudar no diurno porque reclamam que

não conseguem aprender e sentem-se humilhados e discriminados entre as crianças.

Também lamentaram que as escolas a que têm acesso não oferecem condições de

aprendizagem adequadas.

Segundo os alunos da EJA, a relação deles com a escola é marcada pelo

insucesso ocasionado por fatores diversos. Os dados mostram que: para 26 alunos, a

escolarização iniciou-se por volta dos 4 a 8 anos; e a grande maioria iniciou o processo

de escolarização a partir dos 10 anos. Segundo Dias et al. (2011, p. 69) “... permanecer

na escola, tem sido, para esses sujeitos, uma tarefa muito árdua”.

Quanto aos motivos que os levaram a retornarem à escola e continuar estudando,

destacam-se: considerar o estudo essencial para melhorar de vida; pretender fazer o

ensino fundamental e médio; ser o estudo uma das condições para arrumar um serviço

melhor; e para aprender um pouco mais. Somam-se a esses motivos, razões sociais:

arranjar amigos, passeios, troca de experiências; ler a Bíblia; ler e escrever bem; fazer

anotações, contas, preencher cheque; aprender a escrever o nome; e reconhecer as letras.

Deste modo acreditam que a escola poderá proporcionar-lhes um futuro melhor,

contribuindo para se sentirem mais felizes, melhorando a vida pessoal e a vida dos

filhos. Nesse sentido, Arroyo expõe, “os jovens e adultos que trabalham durante o dia e,

à noite, frequentam a EJA dão valor à escola, ao estudo, a ponto de se sacrificar por

anos, todas as noites, depois de um dia exaustivo de trabalho”. (ARROYO, 2004,

p.118).

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Tecendo Algumas Considerações

É necessário pensar, historicamente, quem são os sujeitos que ingressam na EJA;

quais são suas expectativas diante do retorno à escola; que conhecimentos têm a

respeito do mundo externo, sobre si mesmos e sobre as outras pessoas. Talvez, assim,

não corremos o risco de defini-los por aquilo que não são e, em nome de uma educação

igualitária, oferecer-lhes um ensino homogêneo que valorize determinado grupo

cultural.

Pensar sujeitos da EJA é trabalhar com e na diversidade. A diversidade se constitui das diferenças que distinguem os sujeitos uns dos outros – mulheres, homens, crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos, pessoas com necessidades especiais, indígenas, afrodescendentes, descendentes de portugueses e de outros europeus, de asiáticos, entre outros. A diversidade que constitui a sociedade brasileira abrange jeitos de ser, viver, pensar — que se enfrentam. Entre tensões, entre modos distintos de construir identidades sociais e étnico-raciais e cidadania, os sujeitos da diversidade tentam dialogar entre si, ou pelo menos buscam negociar, a partir de suas diferenças, propostas políticas. Propostas que incluam a todos nas suas especificidades sem, contudo, comprometer a coesão nacional, tampouco o direito garantido pela Constituição de ser diferente. (BRASIL, 2008, p. 1).

Ao se analisar a Educação de Jovens e Adultos em um sentido amplo, tomando-

se como referência a pluralidade dos sujeitos que dela fazem parte, constata-se que,

longe de estar servindo à democratização das oportunidades educacionais, ela se

conforma no lugar dos que "podem menos e também obtêm menos". “[...] Devemos

ultrapassar o enfoque da Educação de Jovens e Adultos como educação compensatória,

em favor de uma visão mais ampla e permanente, que responda às demandas do

desenvolvimento local, regional e nacional”. (ANDRADE, 2004, p. 1-2).

Com esse estudo, pudemos inferir que os jovens e adultos deixam de frequentar a

escola pública porque, apesar de atenderem jovens e adultos das classes populares, ela

não se tornou, de fato, uma escola pública onde se realiza a educação popular. Outros

motivos se referem às dificuldades em se manterem na escola, devido à postura do

professor, ao lugar de passividade do aluno, ao sentimento de não pertença a esse lugar

e de negação desse espaço como de direito.

Como declara Medeiros (2005, p.11):

Infelizmente, ainda vivemos um momento de ampliação das desigualdades sociais e do processo de exclusão social no país, que atinge cada vez mais os setores menos privilegiados da sociedade, implicando em dificuldades por esses setores em relação ao acesso ao processo de escolarização e à

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permanência com sucesso no mesmo. São milhões de jovens e adultos, que apesar de todos os esforços que vêm se efetivando nas várias esferas, sejam governamentais ou não, continuam à margem da escola ou, dentro dela, sem aprender, ou, ainda, aprendendo, mas não sabendo o que fazer com o que aprenderam em seu processo de escolarização, por terem sido obrigados a estudar conteúdos sem significação para suas vidas.

Diante do exposto, compreendemos que um dos grandes desafios no ensino de

EJA é reconhecer as especificidades do público atendido e perceber o conceito de jovem

e adulto para além da delimitação da faixa etária. Nessa direção, de acordo com Fávero,

Andrade e Brenner (2007, p.97) o desafio de construir um trabalho pedagógico que

atenda às expectativas e condições das diferentes faixas etárias não está dissociado do

desafio de criar condições favoráveis para que o relacionamento entre os sujeitos seja

positivo e produtivo.

Como afirma Andrade (2004, p. 1) deve-se considerar que:

Construir uma EJA que produza seus processos pedagógicos, considerando quem são esses sujeitos, implica pensar sobre as possibilidades de transformar a escola que os atende em uma instituição aberta, que valorize seus interesses, conhecimentos e expectativas; que favoreça a sua participação; que respeite seus direitos em práticas e não somente em enunciados de programas e conteúdos; que se proponha a motivar, mobilizar e desenvolver conhecimentos que partam da vida desses sujeitos; que demonstre interesse por eles como cidadãos e não somente como objetos de aprendizagem. A escola, sem dúvida, terá mais sucesso como instituição flexível, com novos modelos de avaliação e sistemas de convivência, que considerem a diversidade da condição do aluno de EJA, atendendo às dimensões do desenvolvimento, acompanhando e facilitando um projeto de vida, desenvolvendo o sentido de pertencimento.

A presença crescente de jovens na EJA tem trazido novas questões que

demandam preparo dos professores para enfrentá-las. Os resultados da investigação

sinalizam a necessidade de uma formação docente que contemple as particularidades da

EJA, conhecimentos e saberes teórico-metodológicos que contribuam para uma prática

educativa que observe a diversidade de gênero, geração, etnia e diferentes opções

religiosas, ideológicas, políticas em situações de inovação educativa de trabalho.

Segundo Arroyo (2005, p. 22) os sujeitos da EJA são “jovens e adultos com

rosto, com histórias, com cor, com trajetórias sócio-étnico-racial, do campo, da

periferia. Se esse perfil de educação de jovens e adultos não for bem conhecido,

dificilmente estaremos formando um educador desses jovens e adultos”.

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As reflexões sobre os sujeitos da EJA entram no “campo da identidade, das

representações e das imagens sociais sobre aqueles que em nossa sociedade não sabem

ler nem escrever ou são pouco escolarizados. São sujeitos específicos – jovens e adultos

– com marcas específicas de insegurança sobre o presente e o futuro”. (SOARES, 2011

apud ARROYO, 2008).

Sendo assim, a escola pública se fortalece ao consolidar suas atuações como educação popular [...] Nos entrelaçamentos cotidianos se redefinem as relações [...] em cujas tramas também podem ser encontrados o insucesso, o erro, a dúvida, a impossibilidade, a incapacidade, porém compreendidos como características das interações humanas e não como incompetência de alguns sujeitos individualizados e descolados do contexto do qual participam. [...] Portanto, as práticas pedagógicas se democratizam e se vinculam aos processos de emancipação social, quando são realizadas com as diferenças e não contra as diferenças [...] a qualidade se articula aos processos pedagógicos em que os sujeitos em interação trazem para a relação suas singularidades e, no coletivo, encontram meios para ampliar constantemente seus saberes. A democratização da escola pressupõe o coletivo como espaço privilegiado para o estabelecimento de relações solidárias que contribuam para a ampliação do conhecimento de todos os envolvidos no processo. (ESTEBAN, 2007, p. 16).

Por fim, o avanço nas pesquisas e entendimento sobre a EJA possibilita a

compreensão das singularidades e das regularidades entre os educandos da Educação de

Jovens e Adultos e da Escola Pública. Repensar as práticas escolares no campo da EJA

e abordar os sujeitos a partir da sua diversidade, tem sido um enorme desafio das

políticas públicas atuais. Deste modo, faz-se necessário, uma reflexão aprofundada

sobre que sujeitos a escola almeja formar e qual a relação que pode ser estabelecida

entre a escola e os bens culturais da sociedade.

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XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006075