13
1 MEIO AMBIENTE E QUALIDADE DE VIDA: APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE PERCEPÇÕES E PRÁTICAS NAS ÁREAS PRODUTORAS DE PETRÓLEO NO RIO GRANDE DO NORTE 1 Anieres Barbosa da SILVA (DGE/UFRN) [email protected] Rita de Cássia da Conceição GOMES (DGE/UFRN) [email protected] Valdenildo Pedro da SILVA (CEFET/RN) [email protected] Resumo O presente trabalho tem por finalidade discutir a percepção ambiental que as populações, residentes nos municípios produtores de petróleo no estado do Rio Grande do Norte têm sobre os problemas ambientais por elas vivenciados, no nível domiciliar. As áreas produtoras de petróleo, embora apresentem processos de geração de emprego e renda, são marcadas por permanentes degradações do meio ambiente construído. Isso tem desafiado a implementação de ações que possibilitem tanto a melhoria das condições de vida - ancoradas numa base técnica e socialmente eficiente -, quanto à redução da degradação do meio natural provocada pela atividade petrolífera. O estudo em tela baseia-se, neste momento, numa abordagem teórica centrada num enfoque descritivo-reflexivo, como referencial para a análise do meio ambiente da área produtora de petróleo no Rio Grande do Norte, que constituem como parte e totalidade do mundo real. Trata-se de um tema geográfico pouco estudado no âmbito local, cujo conhecimento possibilita uma abertura para reflexões sobre a temática em contextos sociais caracterizados pela desigualdade de acesso aos bens e a renda gerada pela atividade petrolífera. Palavras-chaves: Meio Ambiente; Petróleo; Percepção Ambiental. Abstract This paper aims to discuss the environmental perception that the people, living in the municipalities in the oil-producing state of Rio Grande do Norte have on the environmental problems they experienced in the household level. The oil-producing areas, although present procedures for generation of employment and income, are marked by permanent deterioration of the environment 1 Pesquisa que está sendo desenvolvida na Base de Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais (BPEUR) do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Conta com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

1

MEIO AMBIENTE E QUALIDADE DE VIDA: APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE

PERCEPÇÕES E PRÁTICAS NAS ÁREAS PRODUTORAS DE PETRÓLEO

NO RIO GRANDE DO NORTE1

Anieres Barbosa da SILVA (DGE/UFRN) – [email protected]

Rita de Cássia da Conceição GOMES (DGE/UFRN) – [email protected]

Valdenildo Pedro da SILVA (CEFET/RN) – [email protected]

Resumo

O presente trabalho tem por finalidade discutir a percepção ambiental que as populações,

residentes nos municípios produtores de petróleo no estado do Rio Grande do Norte têm sobre os

problemas ambientais por elas vivenciados, no nível domiciliar. As áreas produtoras de petróleo,

embora apresentem processos de geração de emprego e renda, são marcadas por permanentes

degradações do meio ambiente construído. Isso tem desafiado a implementação de ações que

possibilitem tanto a melhoria das condições de vida - ancoradas numa base técnica e socialmente

eficiente -, quanto à redução da degradação do meio natural provocada pela atividade petrolífera. O

estudo em tela baseia-se, neste momento, numa abordagem teórica centrada num enfoque

descritivo-reflexivo, como referencial para a análise do meio ambiente da área produtora de

petróleo no Rio Grande do Norte, que constituem como parte e totalidade do mundo real. Trata-se

de um tema geográfico pouco estudado no âmbito local, cujo conhecimento possibilita uma abertura

para reflexões sobre a temática em contextos sociais caracterizados pela desigualdade de acesso aos

bens e a renda gerada pela atividade petrolífera.

Palavras-chaves: Meio Ambiente; Petróleo; Percepção Ambiental.

Abstract

This paper aims to discuss the environmental perception that the people, living in the municipalities

in the oil-producing state of Rio Grande do Norte have on the environmental problems they

experienced in the household level. The oil-producing areas, although present procedures for

generation of employment and income, are marked by permanent deterioration of the environment

1 Pesquisa que está sendo desenvolvida na Base de Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais (BPEUR) do

Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Conta com apoio financeiro do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Page 2: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

2

built. This has challenged the implementation of actions enabling both the improvement of living

conditions - anchored on a technical basis and socially efficient - as to the reduction of the

degradation of the natural environment caused by the oil activity. The study is based on screen at

the moment, in a theoretical approach focused on a descriptive approach reflexive, as reference for

the analysis of the environment of the area producing oil in Rio Grande do Norte, which are in full

as part of the real world. It is a theme geographic little studied within that state, whose knowledge

allows an opening for thoughts on the subject in social contexts characterized by unequal access to

assets and income generated by oil activity.

Keywords: Environment; Oil; Environmental perception.

Introdução

Mais do que em qualquer outra época de vivência da humanidade, tem-se nesta

contemporaneidade uma multiplicidade de problemas ambientais: esgotamento de recursos naturais,

proliferação de resíduos sólidos, insalubridade residencial, contaminação de mananciais, de solos e

da água, dentre outros. Assim considerando, o presente estudo tem como objeto de reflexão a

percepção ambiental que as populações residentes nos municípios produtores de petróleo no estado

do Rio Grande do Norte têm dos problemas ambientais por elas vivenciados, no nível domiciliar e

no seu entorno, vez que tais problemas têm sido praticamente ignorados ou recebem pouca atenção,

tanto dos órgãos públicos quanto das empresas que estão relacionadas diretamente com essa

importante atividade econômica. Entendemos que a percepção ambiental é de importância cabal

para a explicação das dimensões geográficas. Esta é entendida, por nós, como a maneira pela qual o

ser humano se informa dos objetos e transformações que se manifestam ao seu redor, sendo

estudada com o objetivo de se compreender a relação homem-ambiente, suporte importante para o

desenvolvimento de outros estudos que considerem essa relação. Conduzido por essa concepção, o

estudo descartará qualquer visão simplificadora da realidade geográfica, detendo-se numa análise

integrada e interdisciplinar das questões ambientais.

Metodologicamente, optamos pela realização de entrevistas, sendo estas centradas nas donas

de casa. Esta opção se deve ao fato de que elas estão, na grande maioria, participando ativamente da

formação e orientação familiar, e, portanto, vivem mais cotidianamente os problemas ambientais. A

amostra da pesquisa não utiliza um critério numérico ou quantitativo, mas procedimentos

qualitativos, dando prioridade à percepção ambiental. Na entrevista estruturada com esses

informantes serão inquiridos dados sobre: condições de infra-estrutura, moradias, segurança, água,

esgoto, lixo, poluição, renda etc.

Page 3: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

3

À vista do acima exposto e dos objetivos a que se propõe, a pesquisa segue alguns

procedimentos metodológicos, dentre os quais destacamos: sistematização de estudos de grupo

voltados para a temática em pauta; levantamento, coleta e análise de dados secundários, além de

pesquisa de campo nos municípios produtores de petróleo do Estado, todos localizados nos terrenos

sedimentares da bacia Potiguar. Dessa Bacia fazem parte os municípios de Açu, Alto do Rodrigues,

Apodi, Areia Branca, Caraúbas, Carnaubais, Felipe Guerra, Governador Dix-sept Rosado,

Guamaré, Macau, Mossoró, Pendências, Porto do Mangue, Serra do Mel e Upanema (mapa 01), e

também os municípios cearenses de Aracati e Icapuí.

Mapa 01 – Municípios produtores de petróleo no estado do Rio Grande do Norte.

De um modo geral, as áreas produtoras de petróleo são marcadas por processos de geração

de emprego e renda, que simultaneamente convivem com permanentes degradações do meio

ambiente construído. Isso tem desafiado a implementação de ações que possibilitam tanto a

melhoria das condições de vida, ancoradas numa base técnica e socialmente eficiente, quanto ao

impacto da degradação do meio ecológico. Nesse sentido, questões inerentes à análise dos

determinantes do processo, os atores envolvidos e as formas de organização social que contribuem

para novos desdobramentos e alternativas de ação numa perspectiva de sustentabilidade devem estar

contidos em estudos volvidos com a temática em foco.

A exploração do Petróleo no Rio Grande do Norte: breves notas

Page 4: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

4

A indústria do Petróleo é, na atualidade, um dos mais importantes setores econômicos da

sociedade moderna e, de modo, particular do Rio Grande do Norte, que é considerado como um dos

maiores produtoras de óleo e gás natural do território brasileiro. Nesse aspecto, cabe ressaltar que o

campo de exploração do petróleo do Canto do Amaro, localizado entre os municípios de Mossoró e

Areia Branca, é um dos maiores produtores de petróleo em terra do Brasil, extraindo 47 mil barris

por dia em, aproximadamente, 3,5 mil poços perfurados. Essa produção corresponde a 50,5% da

produção total do Estado que é, em média, de 93 mil barris/dia. O gráfico 01 expressa a evolução da

produção do petróleo no Rio Grande do Norte, desde o ano de 2000.

Fonte: Agência Nacional do Petróleo, 2007.

Gráfico 01 – Produção de petróleo no Rio Grande do Norte

Para se ter uma idéia da importância do petróleo para a economia potiguar, e particularmente

para a área de estudo, o pagamento de royalties efetuado aos municípios produtores de petróleo no

Estado, no ano de 2006, foi de R$ 113.072.372,40 (tabela 01), constituindo-se em uma importante

fonte de recursos financeiros para aplicação em investimentos nos municípios. Entretanto, os dados

contidos na tabela apontam para uma aplicação dos royalties de forma não integral, instigando-nos

a questionar sobre a sua real aplicação pelos gestores municipais.

Tabela 01 – Repasse de royalties da Petrobrás para municípios produtores de petróleo no

Rio Grande do Norte (2006).

Municípios Receita de Royalties

(valores em R$)

Despesas de

Investimentos

(valores em R$)

Aplicação em

Investimentos

(valores em %)

Açu 3.381.246,78 2.452.750,00 72,5

Alto do Rodrigues 3.861.633,48 1.285.716,00 33,3

Page 5: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

5

Apodi 3.068.003,39 2.536.714,00 82,7

Areia Branca 10.789.404,56 3.048.065,00 28,3

Caraúbas 2.005.872,16 1.164.498,00 58,1

Carnaubais 1.973.903,55 148.843,00 7,5

Felipe Guerra 3.561.519,52 1.639.874,00 46,0

Gov. Dix-sept Rosado 3.551.886,63 2.290.536,00 64,5

Guamaré 22.318.391,10 9.996.438,00 44,8

Macau 22.377.562,99 4.751.369,00 21,2

Mossoró 24.834.159,54 24.617.004,00 99,1

Pendência 3.009.687,41 2.039.484,00 67,8

Porto do Mangue 4.657.637,93 778.311,00 16,7

Serra do Mel 1.680.534,14 844.706,00 50,3

Upanema 2.000.929,22 1.707.674,00 85,3

TOTAL 113.072.372,40 59.301.982,00 52,4

Fonte: Base de pesquisa Royalties do Petróleo da Ucam-Campos, 2007.

Apesar da elevada produção e da renda gerada pela exploração do petróleo, as áreas rurais

dos municípios produtores, mesmo recebendo royalties pagos pela Petrobrás, convivem com

diversos problemas de ordem socioambiental, haja vista os suportes econômicos dessas áreas ainda

estão basicamente pautados numa economia decadente, ou melhor, em processo de declínio, como é

o caso do complexo gado-algodão-agricultura de subsistência. Além disso, a maior parcela desses

municípios praticamente sobrevive dos recursos oriundos do Fundo de Participação dos Municípios

(FPM) e de assinatura de convênios com os governos estadual e federal.

Um outro componente do quadro econômico dos municípios contemplados pela pesquisa diz

respeito às aposentadorias dos idosos e às transferências de renda, por meio de Programas

Assistencialistas, como o Programa Bolsa Família, os quais têm se constituído numa importante

fonte de renda para as famílias de menor poder aquisitivo. Mesmo assim, as sedes municipais têm

apresentado dificuldades em suas gestões e, sobretudo, no atendimento aos anseios e necessidades

das populações, principalmente no que se refere às condições ambientais.

Aliando-se aos considerandos acima, acrescenta-se que a análise da literatura pertinente

evidencia que até recentemente os problemas ambientais que afetam o cotidiano da população, no

nível domiciliar, seja da área rural ou urbana têm permanecido praticamente ignorados ou recebem

pouca atenção tanto dos ambientalistas quanto dos órgãos públicos, em diversos níveis de atuação.

As discussões têm se concentrado, geralmente, em fenômenos globais como: o efeito estufa, o

buraco da camada de ozônio, a destruição da floresta amazônica, dentre outros. Esses ameaçam o

Planeta e os Grandes Ecossistemas, deixando de lado, ou em segundo plano, os agravos da

degradação ambiental, particularmente nas relações entre a vida cotidiana das famílias e o seu

espaço vivencial, ou seja, no cotidiano socioambiental das populações em seus domicílios.

Geralmente, essas discussões têm ficado restritas aos espaços ocupados pelas médias e

grandes cidades do Brasil, já que não se têm contemplado estudos sobre os problemas ambientais

Page 6: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

6

das áreas rurais, principalmente, lançados questionamentos sobre as qualidades ambientais e de vida

das populações que vivem nas áreas mais pobres do País.

Matizada por esse contexto, a pesquisa em tela se propõe a estudar, a partir de uma análise

de natureza qualitativa, um aspecto importante dessa problemática: os problemas ambientais das

populações residentes na área de produção de petróleo do Rio Grande do Norte, tendo como

referência as percepções e priorizações dos moradores dos domicílios locais. Trata-se de um

contexto geográfico pouco estudado no âmbito desse Estado, cujo conhecimento possibilita uma

abertura para reflexões sobre a temática em contextos sociais caracterizados pela desigualdade de

acesso aos bens e a renda gerada pela atividade petrolífera.

Como foi salientado anteriormente, constituem-se como espaços de análise dessa pesquisa

os quinze municípios produtores de petróleo no território potiguar. Pesquisas preliminares

revelaram que esses espaços são realidades caracterizadas tanto por uma dinâmica econômica e por

avançados padrões tecnológicos quanto por problemas de ordem socioeconômica dos mais diversos,

o que, certamente, contribui também para os problemas socioambientais vivenciados principalmente

no meio rural. Nessa dialética ficam expressas realidades sociais diversas, resultantes, de um lado,

da concentração de renda e, de outro, da disseminação da pobreza e de agressões ao meio natural.

Nas formas espaciais essa dialética ainda é mais perceptível. Os edifícios imponentes, como

os que ocupam o espaço urbano em Mossoró, se contrapõem às casas das favelas e, principalmente

aos casebres ainda existentes na zona rural pertencente àqueles que, mesmo sabendo de suas

adversidades, primam pela sua identidade.

Em busca de uma abordagem teórico-conceitual

Inicialmente, entendemos que o processo perceptivo ocorre pelo o ato do perceber e isso

significa ter um conhecimento por meio dos sentidos, objetos e situações, organizando

interiormente os elementos levados pelos sentidos a partir da realidade social exterior. Para nós, o

ser humano percebe o mundo simultaneamente por todos os seus sentidos, e a informação

disponível é imensa. Sabemos que as pessoas percebem de acordo com sua visão individual, ou

seja, em sintonia com sua personalidade, refletindo sua natureza, anseios, sonhos, experiências e

desejos. Além do mais, a percepção é diferente de acordo com o gênero, classe social, idade,

profissão, escolaridade, local de moradia e ambiente cultural, sendo, portanto, altamente

exploratória e seletiva. Para que se possa analisar a percepção da população que habita nos

municípios produtores de petróleo no estado do Rio Grande do Norte, entende-se ser importante a

explicitação do entendimento sobre os conceitos de meio ambiente, questão ambiental e percepção.

Page 7: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

7

Tem-se conhecimento que na literatura disponível existem várias acepções desses conceitos.

Renunciando ao tratamento analítico das diversas concepções sobre meio ambiente, tem-se a

compreensão que esse conceito designa não apenas um aspecto específico, como paisagens,

assentamentos ou espaços naturais, mas também uma relação de interdependência, o que implica

pensar o meio ambiente como um ambiente socialmente produzido e configurado enquanto um

meio natural modificado pela ação humana.

Segundo Godard citado por Vieira (1998, p. 73),

o conjunto de objetos designados sob a categoria de meio ambiente define-se

somente em referência a um sujeito principal (um ator, um agente, um sistema) e

mais particularmente em referência às percepções, aos interesses, às funções e à

sensibilidade deste sujeito; os objetos e processos que compõem o meio ambiente

não se encontram reunidos num mundo único senão através do tipo de interesse e

dos modos de ação do sujeito. [...] O meio ambiente constitui assim o produto ideal

do sujeito, ou, mais precisamente, a categoria cognitiva que designa os objetos

especificados por sua relação a um sujeito de referência.

Ainda nessa mesma linha de raciocínio, ressaltamos o pensamento de Casseti (1996) que

procura entender o meio ambiente a partir da relação homem versus meio. Assim para esse autor,

A relação homem meio contém em si duplo aspecto, ou seja, é relação ecológica e

relação histórica social, tem-se que a questão ambiental encontra-se fundamentada

na relação de propriedade das forças produtivas, determinada pela relação homem-

homem (CASSETI, 1996, p.25).

Desse modo, para que se compreenda o significado de meio ambiente é importante

considerar, também, as relações de propriedades das forças produtivas. Isto porque os problemas

ambientais são, em suma, decorrentes das formas de apropriação e transformação da natureza, cuja

origem encontra-se nas relações sociais.

A problemática ambiental, mesmo que não fosse esse o termo utilizado, tornou-se uma velha

e conhecida questão que vem perpassando toda construção do conhecimento humano, desde os seus

primórdios na Antigüidade Clássica no âmago do povo grego até os dias atuais. No entanto, a

realidade tem nos mostrado que a separação natureza-sociedade parece não ter desaparecido na sua

plenitude, no correr dos tempos, tornando-se, por conseguinte, num dos mais velhos e irresolvidos

problemas das ciências nesta contemporaneidade.

Neste limiar de século, os problemas ambientais atingiram grande magnitude que

representam um verdadeiro desafio à sobrevivência da humanidade. Em qualquer área territorial –

urbana ou rural – a degradação ambiental (natural-social) já atingiu tal nível que a qualidade de vida

se encontra com o futuro ameaçado.

Como disse Comune (1994, p. 46),

Se no passado a economia condicionou a utilização do meio ambiente, sem

se preocupar com a degradação e exaustão dos seus recursos, atualmente

parece ser o meio ambiente que deve condicionar a economia.

Page 8: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

8

O meio ambiente vem sendo destruído e no território de produção do petróleo no Rio

Grande do Norte, em particular, os problemas resultantes desta destruição tornam-se perceptíveis

por toda à parte. Esses, dizem respeito não apenas a problemas relacionados à natureza, mas às

problemáticas decorrentes das relações sociais. Nas palavras de Rodrigues (1998, p. 14),

Os problemas ecológicos parecem, à primeira vista, referir-se apenas às

relações homem/natureza e não às relações dos homens entre si. É preciso,

assim, ter cuidado para não ocultar a existência e as contradições de classes

sociais para compreender a problemática ambiental em sua complexidade,

pois os problemas ambientais dizem respeito a formas como o homem em

sociedade se apropria da natureza.

Nesse sentido, procuramos entender, por meio da percepção, a problemática socioambiental

que vem se descortinando na área de produção do petróleo no Rio Grande do Norte. A produção de

petróleo tem posto em evidência uma territorialidade bastante perversa. Aí a territorialidade de cada

indivíduo-trabalhador e da sociedade como um todo se fragmenta em função da expropriação do

território e de cada um dos indivíduos locais em suas condições tradicionais de vida.

Ao se referir ao processo produtivo, Paixão (1982, p. 216) fez uma importante colocação:

A história da produção social traduz-se na manutenção secular da contradição

existente entre o desenvolvimento das forças produtivas e a qualidade de vida

social dos homens. Negar, pois a existência de uma questão ambiental implica em

primeiro lugar no não-reconhecimento de que a relação natureza-sociedade tal qual

ela se realiza hoje produz efeitos drásticos em ambas as partes. Em segundo lugar,

implica em negar valor à própria condição concreta de existência desta mesma

sociedade: a natureza.

O estudo em pauta tem, ainda, como suporte o pensamento de Corrêa (1997). Esse autor

entende que o meio ambiente, na atualidade, se confunde com o de meio geográfico, em virtude de

que aquele está além dos limites das ciências da natureza. Para ele, o meio ambiente só é entendido

a partir de três dimensões que se encontram articuladas. Primeiramente, como resultado material da

ação humana, tratando-se da segunda natureza, da natureza transformada pelo trabalho social, em

seguida, o autor em tela expressou que o meio ambiente agrega os fixos e os fluxos e, em terceiro

lugar, ressaltou que um homem qualificado pelas suas relações sociais, na cultura, seu ideário,

mitos, símbolos, utopias e conflitos, [...] é produtor e usuário do meio ambiente, mas também, por

meio dele, algoz e vítima (CORRÊA, 1997, p. 154).

Esse entendimento permite pensar o meio ambiente da área definida para a realização da

pesquisa a partir do entorno e do domicílio, tendo como referencias indicadores de acesso e uso de

infra-estrutura e vivencia de agravos ambientais, dentre os quais se destaca os seguintes aspectos:

condições de moradia, de escolaridade, de saúde e de renda; identificação de problemas

domiciliares referentes às condições de abastecimento d’água e de seu armazenamento; disposição

Page 9: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

9

de resíduos sólidos e exposição aos possíveis danos ambientais causados pela atividade petrolífera,

por meio de referenciais quantitativos e qualitativos.

Mesmo tendo a compreensão de que os dados qualitativos possam estar eventualmente

prenhes de subjetividade e por pontos de vista estritamente pessoais, entende-se que a obtenção

destes possibilita um entendimento mais abrangente das percepções e, ao mesmo tempo, pode

contribuir na construção de um (re) pensar sobre a inserção de determinantes qualitativos na

formulação de políticas públicas, tendo como referência a classificação dos temas pela ótica dos

moradores e sua disponibilidade para intervenções (JACOBI, 2006, p.184). Tal procedimento

implica uma análise das práticas sociais, sob a ótica da convivência/conflito com a dinâmica que

orienta as práticas econômicas e as políticas públicas.

Ainda de acordo com o pensamento desse autor:

a convivência com os agravos ambientais está relacionada com um conjunto

de interações que incluem fatores socioeconômicos, político-

administrativos, informacionais e socioculturais, sejam estes obstáculos ou

benefícios. Dentro desta perspectiva os resultados da pesquisa domiciliar

possibilitam uma análise das práticas sociais numa perspectiva de

convivência com a dinâmica que rege as políticas públicas, no sentido de

verificar as expectativas, avaliar a qualidade dos serviços prestados e o

conhecimento que os moradores têm a respeito dos custos e impactos destes

problemas e seus fatores geradores. (JACOBI, 2006, p.182).

Com base nisso, entende-se ainda que a realidade geográfica contida neste estudo não é

vivenciada e nem percebida do mesmo modo pelos diferentes grupos sociais, uma vez que a

percepção ambiental tem uma base eminentemente cultural. Por isso, a percepção da questão

ambiental, como qualquer outra em geral, é uma resultante não somente do impacto objetivo das

condições reais sobre os indivíduos, mas também da maneira como sua interveniência social e

valores culturais agem na vivência dos mesmos impactos.

Cabe acrescentar que no estudo em questão, a percepção será entendida como a

“visão/compreensão” que as pessoas têm sobre os problemas ambientais que afetam a sua condição

de vida. A partir de fatores qualitativos, a percepção dos moradores (representados pelas donas de

casa) sobre as práticas sociais vinculadas à questão ambiental será analisada a partir da convivência

cotidiana dessas e sua vinculação com as condições de salubridade ambiental. Também fará parte

da análise o nível de engajamento ou relação com a formulação de demandas políticas e as formas

de ação frente aos problemas ambientais e o seu impacto na transformação das suas condições de

vida (JACOBI, 1997).

Ao utilizarmos a percepção dos moradores como um meio de elucidação dessa realidade

socioespacial, estaremos valorizando a experiência vivida (FRÉMOND, 1976) de cada um dos que

habitam os municípios produtores de petróleo do Rio Grande do Norte, para externarem suas

Page 10: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

10

observações, sentimentos, utopias e sonhos. Lançando mão da percepção conseguiremos que esses

indivíduos, por meio de depoimentos e opiniões, expressem as relações entre a natureza em que

vivem e se reproduzem, uma vez que cada grupo social dispõe de estruturas específicas para ler o

seu mundo real. Ou melhor, dizendo:

Cada um interpreta o mundo segundo perspectivas que tanto quanto as demais

merecem ser consideradas. As certezas de um mundo que acreditava-se, se

impunha a todos da mesma maneira, opõe-se as dúvidas de uma percepção

doravante dividida, impressionista, evanescente às vezes. (CLAVAL, 2002).

Nesse sentido, considera-se a percepção como a exteriorização de pensamentos, sentimentos

e pontos de vista interiores aos humanos. Acredita-se, ainda, que percepção e cognição possuam

relações recíprocas (PIAGET e INHELDER, 1993) e estão ligadas às vivências humanas que se

externam por meio da cotidianidade (TUAN, 1983).

Pode-se dizer que percepção é a resposta dos sentidos aos estímulos externos (TUAN, 1980,

p. 04). Sendo assim, não é difícil compreender que as percepções decorrem da subjetividade, sendo

egocêntricas. Nesse sentido, pode-se dizer que a subjetividade [...] é um dos traços mais marcantes

do humanismo e deriva diretamente [...] da concepção antropocêntrica (GOMES, 1996, p. 310).

Ao se realizar estudos geográficos que demandem análises e compreensões das relações

entre o homem e o seu meio é fundamental que se apreenda as percepções elaboradas pelos sujeitos

viventes, uma vez que são marcadas por subjetividades e informações da realidade socioespacial. É

por isso que se considera no trabalho em tela as percepções, em função destas revelarem

informações do cotidiano, isto é, das vivências humanas, o que só tem a contribuir para o

enriquecimento das discussões aqui traçadas.

Quando se trabalha com percepções, deve-se ter uma abordagem em que o ponto de partida

é o conhecimento revelado pelos pontos de vista populares. Esse conhecimento é resultado da

apreensão da realidade contida em um objeto (SANTOS, 2004, p. 92) não do ponto de vista

externo, mas, principalmente, pelas relações sociohistóricas que esse objeto contém, ou seja, o seu

sentido simbólico.

Para esse autor, os objetos carregados de significação transmitem esta significação a seus

observadores. (SANTOS, 2004, p. 94). Sendo assim, é fundamental que em estudos que considerem

os sentidos simbólicos dos objetos não se perca de vista a significação atribuída a cada objeto

espacial.

As percepções podem ser consideradas numa dimensão de complexidade que se considerem,

principalmente, aquelas marcadas por cognições, emoções, sentimentos, histórias e simbolismos

sobre as realidades socioespaciais, como é o caso das realidades construídas simbolicamente pelos

moradores da área do estudo em questão. Segundo Tuan (1983) é de suma importância que se

contemplem as vivências humanas, ou as experiências vividas, por intermédio de percepções, pois

Page 11: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

11

estão relacionadas às vivências de cada indivíduo, mesmo que coletivamente, em seu habitat, ou

seja, as pessoas possuem diferentes percepções em função de possuírem diferentes cotidianos

(TUAN, 1983).

Trata-se, portanto, de uma cadeia de relações existente entre o que a população identifica

como problemas relativos ao meio ambiente no cotidiano domiciliar e o que detecta como causa

desses problemas. Nesse contexto, a análise das práticas e percepções no cotidiano permitirá uma

análise das diferenças existentes entre as práticas sociais e as atitudes das famílias dos diversos

estratos sociais nas áreas produtoras de petróleo no território potiguar. Nesse aspecto, faz-se

necessário esclarecer que:

Embora o cotidiano de cada família e seus condicionantes e estratégias assumam

características específicas, a percepção e a adoção de determinadas práticas, face à

existência de problemas ambientais e do seu impacto, decorre do conjunto de

relações sociais, no qual se inscreve as famílias e, notadamente, aquelas que são

parte componente de um universo de exclusão e de parcos rendimentos (JACOBI,

1996).

Portanto, a relação entre meio ambiente e qualidade de vida será pensada durante a pesquisa

levando-se em consideração aspectos estreitamente relacionados a uma abordagem intersetorial.

Quando da análise entre ambiente (urbano e rural) e qualidade de vida tem-se como pressuposto

estabelecer mediações entre as práticas do cotidiano vinculadas a vivência domiciliar, ao acesso a

serviços, as condições de habitabilidade da moradia e as formas de interação e participação dos

moradores (McGRANAHAN, 1993).

Para não concluir

Esta pesquisa se encontra em andamento, por isso não trazemos a baila os resultados da

pesquisa de campo. No entanto, apresentamos essa abordagem teórica para a discussão, dada a

importância do estudo das questões ambientais, aqui considerando a percepção que as donas de casa

têm sobre os problemas ambientais de seus espaços vivenciais. Face à complexidade da temática

que estamos desenvolvendo fazem-se mister que sejam consideradas as interações humanas com o

sistema natural que se desenvolvem através das formas de apropriação dos recursos naturais e da

ocupação do território. Isto porque as relações entre o homem e o meio natural ocorrem a partir das

diversas formas de ocupação do território, da apropriação dos recursos naturais e da organização

social com vistas ao atendimento das suas necessidades socioeconômicas, culturais e ambientais.

Para o estudo da percepção ambiental e da qualidade de vida das donas de casas que vivem

nas áreas produtoras de petróleo do Rio Grande do Norte, tem-se como suporte de que a percepção

em geral, e a ambiental em especial, vêm exigindo da sociedade reflexões mais profundas e um

Page 12: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

12

equacionamento teórico, prático e fatual. Nesse sentido, é interessante ressaltar que a percepção

ambiental perpassa por uma questão dialética, pois a dinâmica do mundo atual tem contribuído para

separar ou distanciar as pessoas de seu meio vivencial, muitas vezes impossibilitando o

conhecimento desigual e contraditório que o mesmo enceta.

Referências

BRASIL. Agência Nacional do Petróleo. Disponível em: http://www.anp.gov.br. Acesso em: 19 set.

2007.

BRESSAN, Delmar. Gestão racional da natureza. São Paulo: Hucitec, 1996.

CASSETI, Valter. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991.

CLAVAL, Paul. A revolução pós-funcionalista e as concepções atuais da geografia. In:

MENDONÇA, Francisco; KOZEL, Salete (Orgs.). Elementos da epistemologia da geografia

contemporânea. Curitiba: Ed. da UFPR, 2002.

COMUNE, Antônio Evaldo. Meio ambiente, economia e economistas: uma breve discussão. In:

MAY, Peter Herman; MOTTA, Ronaldo Serôa da (org.). Valorando a natureza: análise econômica

para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Campus, 1994.

CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1997.

FEMURN. Federação dos Municípios do Estado do Rio Grande do Norte. Disponível em:

<http://www.femurn.org.br/idh/melhoresindices.xls>. Acesso em: 15 mar. 2006.

FRÉMOND, A. La région, espace vécu. Paris: PUF, 1999.

GIL, Izabel Castanha; MORANDI, Sonia. Tecnologia e ambiente. São Paulo: Copiart, 2000.

GOMES, Paulo César da Costa. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

GUSMÃO, Marcos. O sertão virou pó. Revista Veja, São Paulo, 1 set. 1999.

HOGAN, Daniel Joseph. A qualidade ambiental urbana: oportunidades para um novo salto. São

Paulo em Perspectiva, v. 9, n.3, jul./set. 1995.

HOGAN, Daniel; VIEIRA, Paulo (Org.). Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável.

Campinas-SP: Ed. da Unicamp, 1995.

JACOBI, Pedro. A percepção dos problemas ambientais urbanos em São Paulo. In: FERREIRA,

Leila da Costa; VIOLA, Eduardo (orgs.) Incertezas de sustentabilidade na globalização. Campinas

(SP): Editora da Unicamp,1996.

______. Meio ambiente urbano e sustentabilidade: alguns elementos para a reflexão. In: Cavalcanti,

C. Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Editora Cortez,

1997.

Page 13: Modelo de-artigo-conf-da-terra1 (1)

13

______.Cidade e meio ambiente: percepções e práticas em São Paulo. São Paulo: ANNABLUME,

2ª edição, 2006.

MAGALHÃES, Antônio R. Um estudo de desenvolvimento sustentável do Nordeste Semi-árido.

In: CAVALCANTI, Clovis (Org.). Desenvolvimento e natureza. São Paulo: Cortez, 1995.

McGRANAHAN, G. Household environmental problems in low income cities: An overview of

problems and propects for improvement. Habitat International, v. 17, n. 2, Londres, 1993.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Meio ambiente e ciências humanas. São Paulo: Hucitec, 1994.

PAIXÃO, Ricardo Antônio da. Geografia e meio ambiente. In: MOREIRA, Ruy (Org.). Geografia:

teoria e crítica. Petrópolis: Vozes, 1982.

PIAGET, J.; INHELDER, B. A representação do espaço na criança. Tradução de Bernardina

Machado de Albuquerque. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

ROCHA, Aristotelina Pereira Barreto. Expansão urbana de Mossoró: período de 1980 a 2004.

Natal: EDUFRN, 2005.

RODRIGUES, Arlete Moysés. Produção e consumo do e no espaço: problemática urbana. São

Paulo. Hucitec, 1998.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.

SACK, Robert David. Human territorility: it's teory and history. Cambridge: Cambridge University,

1986.

SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: da crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.

TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.

VIEIRA, Paulo Freire. Meio ambiente, desenvolvimento e planejamento. In: VIOLA, Eduardo J. et

al. Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios para as Ciências Sociais. São Paulo:

Cortez; Florianópolis; Universidade Federal de Santa Catarina, 1998.