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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO MODELOS DE ENSINO RELIGIOSO: Contribuições das Ciências da Religião para a superação da confessionalidade Wilian Ramos Marcos BELO HORIZONTE 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

MODELOS DE ENSINO RELIGIOSO:

Contribuições das Ciências da Religião para a superação da

confessionalidade

Wilian Ramos Marcos

BELO HORIZONTE 2010

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WILIAN RAMOS MARCOS

MODELOS DE ENSINO RELIGIOSO:

Contribuições das Ciências da Religião para a superação da

confessionalidade

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz.

BELO HORIZONTE 2010

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Marcos, Wilian Ramos M321m Modelos de ensino religioso: contribuições das ciências da

religião para a superação da confessionalidade / Wilian Ramos Marcos. Belo Horizonte, 2010.

150f. : il. Orientador: Roberlei Panasiewicz Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião.

1. Ensino religioso. 2. Religiões - Relações. 3. Ensino –

Currículos. 4. Paradigmas (Ciências sociais). 5. Religião e ciência. I. Panasiewicz, Roberlei. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. III. Título.

CDU: 37.017.93

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WILIAN RAMOS MARCOS

MODELOS DE ENSINO RELIGIOSO:

Contribuições das Ciências da Religião para a superação da

confessionalidade

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião e aprovada pela seguinte banca examinadora:

______________________________________

Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz (Orientador)

PUC Minas

______________________________________

Prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira

PUC Minas

______________________________________

Prof. Dr. Afonso Maria Ligorio Soares

PUC – São Paulo

Belo Horizonte, 11 de agosto de 2010.

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Esta dissertação é dedicada à minha família,

amigos e colegas de trabalho; aos

companheiros do mestrado em Ciências da

Religião da PUC Minas. De modo particular,

aos alunos do Centro de Ensino Superior de

Itabira, Faculdade UNIPAC de Ciências e

Estudos Sociais de Itabira; Escola Municipal

Marina Bragança de Mendonça e Escola

Municipal Professora Antonina Moreira.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida; à Diocese de Itabira-Cel./Fabriciano, de

modo especial a Dom Odilon Guimarães Moreira pelo apoio e confiança, a Dom Lelis Lara,

Bispo Emérito da Diocese de Itabira-Cel. Fabriciano,CSsR e ao Padre José Marcelino de

Magalhães Filho, Reitor do Seminário Diocesano São José, pela amizade e companheirismo;

ao meu orientador, professor Roberlei Panasiewicz, pela paciência, dedicação e atenção

dispensadas durante a realização do mestrado. A todos os amigos que contribuíram para que

este trabalho fosse realizado, dos quais destaco de maneira especial Maria Lage Magalhães e

Rubens Silvério Martins; aos professores que tive durante a graduação no Centro

Universitário do Leste de Minas Gerais. Os agradecimentos também se estendem a Dom

Joaquim Mol, à Maria Alice de Oliveira Lage, aos professores e coordenadores de Ensino

Religioso da Rede Pública Municipal de Ensino da Cidade de Itabira.

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"Uma questão é estudar religião para ser mais

religioso, para professar fé em seus

princípios; outra é estudá-la racionalmente,

caso típico da teologia; outra ainda é estudar

religião para simplesmente compreendê-la

melhor.”

João Décio Passos

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RESUMO

Abordar a temática referente ao Ensino Religioso não se constitui como tarefa das mais fáceis.

A disciplina extrapola o campo escolar, pois envolve questões que vão além do campo

pedagógico. Ao longo de seu percurso em território brasileiro pode-se perceber que este

componente curricular encontra-se relacionado ao campo das tensões políticas, que envolvem

negociações entre Estado e religiões. Estão em jogo, além de questões pedagógicas, elementos

de ordem legal, religiosa e epistêmica. Dessa forma, propõe-se nesta dissertação o

desenvolvimento da temática Modelos de Ensino Religioso: Contribuições das Ciências da

Religião para a superação da confessionalidade. Coloca-se como objetivo principal analisar

o Ensino Religioso considerando seus elementos em Minas Gerais – levando em conta seus

dilemas e complexidade e constituição histórica, tendo como pano de fundo a relação entre

Estado e religiões - e a sua possível relação com as Ciências da Religião enquanto

fundamento de área de conhecimento e elemento relevante na formação de professores para a

disciplina e suas contribuições para a superação das propostas de Ensino Religioso que

adotam a confessionalidade. Dessa forma, o percurso adotado utiliza como principais linhas

de reflexão os seguintes pontos: apresentar de que maneira o Ensino Religioso se faz presente

nas Constituições brasileiras e na legislação educacional de Minas Gerais, analisar a relação

entre a disciplina e as religiões, identificar de que forma o modelo Ciências da Religião pode

se configurar como importante opção na formação de professores de ER ou aquela que

responde com mais ganhos nesse quesito. Os principais resultados obtidos durante a

realização desta pesquisa apontam para a adoção e desenvolvimento do Modelo Ciências da

Religião como elemento importante na compreensão do Ensino Religioso enquanto área de

conhecimento. Esse posicionamento, por sua vez, contribuirá no sentido de despolitizar a

disciplina em favor do reconhecimento da graduação em Ciências da Religião como

habilitação para docência em Ensino Religioso.

Palavras-chave: Ensino Religioso. Dilema epistemológico. Modelos de Ensino Religioso. Ciências da Religião.

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ABSTRACT

To approach the subject that refers to the Religious Education cannot be seen as an easy task.

The matter goes beyond the scholar field, since it covers issues that reach further than the

pedagogical field. Throughout its way on Brazilian territory it is possible to notice that this

curricular component is found related to the field of political tensions which involves

negotiations between the state and religions. At stake, besides the pedagogical issues, there

are elements of legal, religious and epistemic nature. Therefore, it is suggested in this

dissertation the development of the theme Religion Teaching Models: The contributions of the

Religion Sciences for overcoming the confessionality. It is set as the main objective to analyze

the Religious Education contemplating its elements in Minas Gerais – taking into account its

dilemmas and complexities as well as its historical constitution, having as background the

relationship between state and religions – and its possible link with the Religion Sciences as a

fundament of a knowledge field and relevant element on the formation of teachers for the

subject and its contribution for the overcoming proposals for Religious Education that adopt

the confessionality. This way, the path followed makes use of the following points as lines of

reflection: to present in which manner the Religious Education makes itself present in

Brazilian Constitutions and in the educational legislation of Minas Gerais, to analyze the

association between the subject and the religions, identify the way that the Religion Sciences

can be configured as an important option on the formation of the teachers of RE or one that

would respond with more advantages in this fashion. The main results achieved during the

execution of this research point to the adoption and development of the Religion Sciences

Model as an important element for the comprehension of the Religious Education as

knowledge field. This position, in turn, will contribute in the sense of depoliticizing the

subject in favor of the recognition of the graduation in Religion Sciences as habilitation for

the teaching of Religious Education.

Keywords: Religious Education. Epistemological dilemma. Religious Education Models.

Religion Sciences.

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LISTA DE SIGLAS

ABESC - Associação Brasileira de Escolas de Ensino Superior

ACB - Ação Católica no Brasil

AEC - Associação de Educação Católica

AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros

ANPED - Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação

ASPERSC - Associação do Professores de Ensino Religioso do Estado de Santa Catarina

ASPER - Associação de Professores de Ensino Religioso

ASSINTEC - Associação Interconfessional de Educação de Curitiba

ATEA - Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos

CBA - Ciclo Básico de Alfabetização

CBN - Central Brasileira de Notícias

CEEMG - Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais

CNE/CEB - Conselho Nacional de Educação /Câmara de Educação Básica

CERIS - Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais

CIER - Conselho de Igrejas para a Educação Religiosa

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNEC - Campanha Nacional pela Escola da Comunidade

COBEMG - Convenção Batista do Estado de Minas Gerais

COMCER - Comissão Estadual de Ensino Religioso

CONER - Conselho Estadual de Ensino Religioso

CONER/MG - Conselho de Ensino Religioso de Minas Gerais

CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs

CREDN - Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional

CRER - Conselhos Regionais de Ensino Religioso

DAER - Departamento Arquidiocesano de Ensino Religioso

ENER - Encontro Nacional de Ensino Religioso

ER – Ensino Religioso

EREP – Ensino Religioso na Escola Pública

FENEN - Federação Nacional de Estabelecimentos de Ensino Particular

FIJ - Faculdades Integradas de Jacarepaguá

FONAPER - Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso

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FUNCESI - Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira

GRERE – Grupo de Reflexão do Ensino Religioso

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IRPAMAT - Instituto Regional de Pastoral de Campo Grande

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LEC – Liga Eleitoral Católica

MEC - Ministério da Educação e Cultura

OLE - Observatório da Laicidade do Estado

PCNER – Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Religioso

PEAS/Vale – Programa de Educação Afetivo-Sexual

PPS - Partido Popular Socialista

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira

PSOL - Partido Socialismo e Liberdade

PT – Partido dos Trabalhadores

PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PV – Partido Verde

SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SEEMG - Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais

SNER - Secretariado Nacional de Ensino de Religião

SOTER – SP - Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – Regional São Paulo

UFLA – Universidade Federal de Lavras

UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

UMESP – Universidade Metodista de São Paulo

USP - Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................12

2 ENSINO RELIGIOSO NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS: DO IMPÉRIO À

CONSTITUIÇÃO DE 1988 ...................................................................................................18

2.1 Ensino Religioso nas constituições brasileiras ...................................................................20

2.1.2 Ensino Religioso na Colônia e na Constituição do Império............................................22

2.1.3 O Ensino Religioso nas constituições republicanas ........................................................29

2.1.4 Ensino Religioso na Constituição de 1891......................................................................30

2.1.5 Ensino Religioso na Constituição de 1934......................................................................33

2.1.6 Ensino Religioso nas Constituições de 1937 e 1946 .......................................................38

2.1.7 Ensino Religioso nas Constituições de 1967 e 1988 .......................................................44

3 ENSINO RELIGIOSO NAS LEIS DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO

NACIONAL E NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL EM MINAS GERAIS .................52

3.1 Ensino Religioso nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ...........................52

3.2 Ensino Religioso na Legislação Educacional em Minas Gerais ........................................61

4 ENSINO RELIGIOSO E RELIGIÕES.............................................................................76

4.1 Ensino Religioso e pluralismo no campo religioso brasileiro ............................................79

4.2 Acordo Brasil – Santa Sé: recorrência da confessionalidade no Ensino Religioso............85

5 ENSINO RELIGIOSO EM MINAS E SUA POSSÍVEL RELAÇÃO COM AS

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO ..................................................................................................94

5.1 Modelos de Ensino Religioso .............................................................................................97

5.1.1 Três modelos de Ensino Religioso ................................................................................101

5.2 Desafios do pluralismo Religioso à formação docente ....................................................112

5.2.1 Perfil Formativo dos Professores de Ensino Religioso da Rede Municipal de Itabira..115

5.2.2 Proposta Curricular para o Ensino Religioso da Rede Municipal de Itabira.................115

5.2.3 Metodologia...................................................................................................................116

5.2.4 Dados gerais da pesquisa...............................................................................................118

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5.2.5 Coordenadores de Ensino Religioso..............................................................................119

5.2.6 Opção, importância e concepção do Ensino Religioso para os Coordenadores de área

............................................................................................................................................... .119

5.2.7 Percepção do pertencimento religioso dos estudantes pelos coordenadores de Ensino

Religioso.................................................................................................................................121

5.2.8 Capacitação dos professores de Ensino Religioso na ótica dos coordenadores ............122

5.2.9 Professores de Ensino Religioso e opção por atuar na área ..........................................123

5.2.10 Importância, concepção e planejamento do Ensino Religioso ....................................123

5.2.11 Pertencimento, diversidade, pluralismo e diálogo inter-religioso religioso ................124

5.3 Contribuições do Modelo Ciências da Religião para o Ensino Religioso........................127

6 CONCLUSÃO ...................................................................................................................132

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................137

APÊNDICE A – Termo de Consentimento, Livre e Esclarecido .....................................146

APÊNDICE B – Questionário aplicado aos professores ...................................................149

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1 INTRODUÇÃO

O Ensino Religioso (ER) está presente no contexto educacional brasileiro desde os tempos da

colônia. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNERs), entre

o período de 1500 a 1800 foi entendido como ensino da religião oficial, isto é, enquanto

elemento eclesial na escola, como se fosse uma extensão, uma parte da Igreja Católica

presente no meio escolar. Nessa condição, o ER foi entendido como catequese eclesial.

(PCNERs, 1997).

A partir da implantação da República (1889), o ER passa a ser questionado, tendo como pano

de fundo as discussões que giram em torno da separação entre Igreja e Estado. Esses

questionamentos propiciaram o surgimento de esforços no sentido de se conceber o ER não

mais como catequese eclesial. Entretanto, o mesmo continua sendo pensado fazendo

referência à alguma confissão religiosa, daí resulta a denominação de modelo confessional.

Em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº.

4.024, ocorre a homologação desse modelo. (OLIVEIRA et al., 2007)

Mais recentemente outra mudança significativa ocorre no período que vai de 1986 a 1996,

pois o mesmo representa uma fase de crise cultural na sociedade que, por sua vez, possui

reflexos na escola e, consequentemente, no ER. Isso se dá a partir de um processo de rupturas

com as concepções vigentes de educação e o surgimento de um ambiente de incertezas

(PCNERs, 1997). Nesse cenário, o grande desafio para o ER é redefinir sua identidade.

Nessa tarefa, o ER tem pela frente um panorama religioso que também passa por mudanças. A

Igreja Católica não é mais hegemônica no campo religioso brasileiro nem mantém as mesmas

relações com o aparelho estatal como em outros tempos. Surge, assim, uma nova consciência

religiosa decorrente do pluralismo cultural e religioso. A diversificação do campo religioso

brasileiro e a mentalidade do Estado secular fazem com que o modelo confessional encontre

dificuldades para se manter.

Atualmente, existem esforços no sentido de construir uma proposta de ER diferente do

modelo confessional. Nessa perspectiva, podem-se citar dois exemplos significativos. Uma é

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a proposta do ER como educação da religiosidade. Esta por sua vez é entendida como

dimensão fundamental do ser humano. Um representante dessa linha é Wolfgang Gruen, que

compreende a religiosidade como a atitude de abertura dinâmica realizada pelo ser humano

em direção do sentido radical de sua existência. Outra proposta é a que procura fundamentar o

ER no modelo das Ciências da Religião, baseando-se na argumentação de que os estudos

realizados nesse campo constituem-se como área de conhecimento que podem sustentar o ER

como disciplina escolar, como se pode perceber em Passos (2007).

Do ponto de vista legal, na legislação federal, na LDBN nº. 9.394, de 20 de dezembro de

1996, no artigo 33, alterado pela lei nº. 9.475, de 25 de julho de 1997, encontram-se critérios e

parâmetros para o ER que contemplam a diversidade religiosa e vetam o uso do proselitismo.

A Rede de ensino de Minas Gerais, na lei 15434 de 05 de janeiro de 2005, segue o mesmo

padrão com relação à diversidade religiosa e ao proselitismo no ER. Esta lei estabelece em

seu primeiro artigo que o ER faz parte do ensino fundamental em todas as séries ou anos dos

ciclos. Dessa forma, as redes municipais mineiras constituem-se como importante espaço para

o desenvolvimento do ER, uma vez que as mesmas se ocupam primeiramente do ensino

fundamental.

Pode-se dizer que existe a tendência de construir uma proposta de ER fora dos modelos

catequético e confessional. Essa proposta, por sua vez, relaciona-se com pluralismo religioso

na medida em que procura deixar para trás o horizonte no qual o estudo da religião é

entendido como algo exclusivo do universo das tradições religiosas.

A adoção de um modelo ou outro passa por uma questão de formação, isto é, refere-se a uma

relação de conhecimento. Uma formação que contemple o pluralismo religioso oferece

maiores possibilidades de o professor adotar posturas que se colocam fora dos horizontes

catequético e confessional.

Nesse sentido, a partir da abordagem do ER e da categoria de modelos, buscou-se nesta

dissertação desenvolver o seguinte tema: Modelos de Ensino Religioso: contribuições das

Ciências da Religião para a superação da confessionalidade. É importante destacar que o

Ensino Religioso está marcado em sua história por intensas discussões acerca de sua

permanência ou não no meio escolar. Por meio das mudanças ocorridas no campo religioso,

destacando-se a diversificação do mesmo e a constatação da existência de um pluralismo

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religioso que envolve, além das confissões, também movimentos e novas configurações de

vivência religiosa, surge a necessidade de o ER repensar sua identidade.

Dessa forma, a relevância do estudo e a pesquisa proposta durante a realização do mestrado

em Ciências da Religião representaram oportunidade de maior aprofundamento sobre a

temática em questão. È importante ressaltar que, para o professor de ER, este estudo poderá se

constituir como oportunidade de reflexão sobre a sua própria prática e apontar caminhos que

estejam em consonância com a realidade onde atua. Do ponto de vista social, tomando como

referência a concepção de que o ER se destina a auxiliar na formação do cidadão, esta

pesquisa torna-se útil na medida em que poderá contribuir para que a disciplina realize este

objetivo, sobretudo quando se leva em conta que o cidadão deve ter oportunidades de

conhecer e respeitar a diversidade da realidade estudada. Haja vista que, apesar da sua longa

história, essa disciplina ainda passa por um processo de construção de identidade.

Os professores, por sua vez, devem acompanhar esse processo de mudança para que o Ensino

Religioso encontre seu espaço e, se possível, consiga vencer o estigma de corpo estranho no

meio escolar. Para enfrentar essa temática, optou-se por lançar mão da categoria de modelos

de ER. É nesse sentido que se coloca a questão fundamental desta proposta: diante da

complexidade e riqueza da abordagem do Ensino Religioso, qual modelo de ER responde

melhor a proposta da disciplina e supera o enfoque confessional? Dessa questão fundamental

desdobram-se outras quatro questões parciais para orientar o trabalho de pesquisa. São as

seguintes:

De que forma o ER se faz presente nos textos constitucionais brasileiros tendo em vista a

relação do Estado com a Igreja Católica e com as religiões? Na legislação educacional de

Minas Gerais, é possível perceber reflexos de questões políticas e ideológicas que marcam a

disciplina em sua trajetória no campo educacional? Que tipos de relação existem entre o ER e

o campo religioso brasileiro levando-se em conta a perspectiva do pluralismo religioso? De

que forma a abordagem do ER a partir da perspectiva do modelo Ciências da Religião pode

contribuir para superação da recorrência da confessionalidade na disciplina?

A hipótese formulada para a questão fundamental que orienta este trabalho é de que a

abordagem da disciplina, a partir do enfoque no modelo Ciências da Religião, pode contribuir

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para a superação da confessionalidade nela existente ao mesmo tempo em que permitiria

autonomia epistemológica e pedagógica da mesma.

Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar o Ensino Religioso considerando

seus elementos em Minas Gerais – levando em conta seus dilemas e complexidade e

constituição histórica, tendo como pano de fundo a relação entre Estado e religiões - e a sua

possível relação com as Ciências da Religião enquanto fundamento de área de conhecimento e

elemento relevante na formação de professores para a disciplina. Como objetivos específicos,

procurou-se apresentar de que maneira o ER se faz presente nas Constituições brasileiras e na

legislação educacional de Minas Gerais, tendo em vista a relação entre Igreja Católica e

Estado; abordar de que forma as transformações ocorridas no campo religioso brasileiro

afetam a concepção de modelos de ER; e, por fim, identificar de que forma o modelo Ciências

da Religião pode se configurar como importante opção na formação de professores de ER ou

aquela que responde com mais ganhos nesse quesito.

Como pressupostos teóricos, procurou-se enfocar os aspectos histórico, epistemológico e dos

modelos de Ensino Religioso. Nesse sentido, do ponto de vista histórico, partiu-se do

princípio de que a disciplina se faz presente no território brasileiro tendo sua origem ligada ao

catolicismo e que ela se modifica ao longo do tempo. Essas modificações seriam reflexos,

num primeiro momento, da própria relação entre Igreja Católica e Estado, e, posteriormente,

com outras religiões; em outro momento, já no século XX , surgiriam das transformações

ocorridas no meio escolar e no campo religioso brasileiro. Do ponto de vista epistemológico,

recorreu-se à noção de dilema epistemológico, segundo o qual a disciplina, na medida em que

possui ligação com confissões religiosas, representaria a presença em espaço público de

elemento de ordem privada. Dessa forma, é importante destacar as controvérsias em torno do

ER surgidas a partir da implantação da República e a concepção de estado laico. A respeito

dos modelos de ER, buscou-se apresentar que há diversificação dos mesmos e que essas

concepções levam em conta tanto aspectos políticos, quanto epistemológicos da história

acidentada da disciplina. Para realizar essa abordagem, laçou-se mão, dentre outros, dos

seguintes autores: Anísia de Paula Figueiredo, Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, Lourdes

Caron,Wolfgang Gruen, Antônio Francisco da Silva, Evaldo Luis Pauly e João Décio Passos.

Como recursos metodológicos, optou-se por utilizar a pesquisa bibliográfica, documental e

também pesquisa de campo, realizada por meio de entrevistas com professores de ER que

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atuam na Rede Municipal de Educação na cidade de Itabira. A pesquisa bibliográfica foi

realizada procurando enfocar autores que trabalham com a temática do ER e das Ciências da

Religião. Os documentos estudados dizem respeito em sua maioria à legislação referente ao

ER tanto em nível nacional quanto Estadual mineiro. As entrevistas foram gravadas em fitas

K7, posteriormente foram transcritas, e seguiram um roteiro semi-estruturado. Dessa opção

metodológica, foram estruturados quatro capítulos que procuraram abordar o ER nas

Constituições brasileiras, nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e na

Legislação Educacional de Minas Gerais, bem como o ER e sua relação com as religiões e,

finalmente, as contribuições do modelo Ciências da Religião para formação de professores.

O capítulo referente ao ER nas Constituições brasileiras procura apresentar de que forma a

disciplina foi garantida nos referidos textos legais. Essa abordagem levou em conta,

sobretudo, a atuação da Igreja Católica por meio de grande articulação e influência política

para a manutenção da disciplina em espaço escolar público. Assim, buscou-se apresentar nos

textos constitucionais de que forma a disciplina foi contemplada desde os períodos Colonial e

Imperial até nossos dias com a Constituição de 1988, em vigor, lançando mão de elementos

históricos para uma melhor compreensão do jogo de forças que garantiu a permanência da

disciplina nos referidos textos legais.

No segundo capítulo, o enfoque recai sobre as Leis de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDBENs) e na legislação educacional mineira. As LDBENs abordadas são as

seguintes: Lei 4.024 de 1961, Lei 5.692 de 1971 e Lei 9.394 de 1996. Nessas leis evidenciam-

se as dificuldades enfrentadas pela disciplina em âmbito escolar, sobretudo a partir da

perspectiva da compreensão da disciplina em caráter confessional. Já com relação à legislação

de Minas Gerais, o enfoque recai sobre a proposta de ER e, de maneira especial, nos esforços

de Wolfgang Gruen de se pensar a disciplina fora dos moldes confessionais. Essa

preocupação evidencia a questão epistemológica do ER. Pensado pela perspectiva

confessional, configura-se como elemento privado (liberdade de consciência e de crença) em

espaço público (escola).

No terceiro capítulo, procurou-se abordar a disciplina fazendo referência à sua ligação com as

religiões. Levando-se em conta o seu histórico, é fácil perceber que houve, durante muito

tempo, a influência direta da confessionalidade. No entanto, com a diversificação do campo

religioso brasileiro, tornou-se relevante indagar que tipo de relação há entre as religiões e o

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ER. Nesse sentido, fica claro que a diversidade do campo religioso brasileiro, não só de

instituições, mas também de novos movimentos, coloca-se como horizonte do qual a

disciplina não pode esquivar-se e, assim, surge a exigência de um posicionamento mais claro

de ordem epistemológica.

Por fim, no quarto capítulo, procurou-se apresentar quais seriam as contribuições do modelo

Ciências da Religião para a formação de professores de ER. A partir disso, o capítulo retoma

o dilema epistemológico da disciplina, considerando também o desafio de ela fazer lugar para

reflexões em torno da diversidade religiosa. Dessa forma, o caminho adotado foi o de abordar

a temática a partir da categoria de modelos de ER, destacando o modelo adotado em Minas

Gerais. Feito isso, retomou-se a questão dos desafios do pluralismo à formação docente.

Nesse sentido, apresentou-se pesquisa de campo realizada por meio de entrevistas com os

professores e coordenadores de ER da Rede Municipal da cidade mineira de Itabira como

forma de ressaltar as dificuldades e necessidade de superar a confessionalidade e enfrentar o

dilema epistemológico da disciplina.

Em seguida, procurou-se demonstrar que o modelo Ciências da Religião, diante das

dificuldades encontradas por professores, decorrentes do dilema epistemológico, responderia

com mais ganhos, sobretudo com relação à definição de conteúdos e, principalmente, com a

promoção da formação de professores por meio da graduação na modalidade licenciatura em

Ciências da Religião. De maneira sintética, os resultados da pesquisa apontam para a

secularização da disciplina, assumindo as Ciências da Religião como área de conhecimento,

como possibilidade de superação do dilema epistemológico e emancipação da mesma.

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2 ENSINO RELIGIOSO NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS: DO IMPÉRIO À CONSTITUIÇÃO DE 1988

A abordagem do Ensino Religioso (ER) se apresenta como empreitada complexa, a começar

pelo questionamento da designação desse ensino, que vem adjetivado pela expressão

religioso. Ensino remete ao âmbito escolar, a componente curricular, elemento próprio do

meio educacional. Religioso, por sua vez, faz referência ao lugar ocupado pela experiência do

ser humano com o transcendente, isto é, com o fascínio e temor diante do mistério do sagrado,

posteriormente traduzido por meio da teologia no seio das religiões1. Essa organização e

expressão do sagrado, bem como suas manifestações, compreendem o chamado fenômeno

religioso, que comporta grande complexidade por tratar-se de um aspecto do fazer humano

que diz respeito a questões fundamentais da própria existência, e também por fazer referência

a um fenômeno que perpassa e se entrelaça com a cultura nas suas mais variadas formas e

configurações. 2

Dessa forma, para realizar o percurso de pesquisa sobre a disciplina, é importante ressaltar

que se trata de um campo no qual se articulam questões concernentes ao ensino, isto é, ao

âmbito escolar, com suas peculiaridades, concepções pedagógicas e consequentes embates

ideológicos e políticos. Alem disso, há questões referentes ao plano propriamente ocupado

pelo fenômeno religioso, que envolve, da mesma forma, questões ideológicas e disputas

políticas, contando também com abordagens feitas a partir do campo teológico, ou seja, a

partir de uma ótica da experiência de fé própria das tradições religiosas e também da

perspectiva das ciências humanas, de maneira mais específica pelas ciências da religião.

Articulando questões referentes ao âmbito escolar e também do universo religioso, pode-se

dizer que a disciplina Ensino Religioso extrapola o campo escolar. Em outras palavras:

1 A esse respeito, Henrique C. de Lima Vaz distingue experiência religiosa de experiência de Deus. Sendo a primeira anterior às religiões e traduzindo-se em uma experiência do Sagrado, e a segunda, enquanto experiência do Sentido, ligada à explicitação organizada do sagrado por meio do discurso das teologias. (LIMA VAZ, 1998, p. 248-253). É também importante destacar a contribuição de Rudolf Otto. Autor que apresenta a em sua obra O Sagrado, a experiência religiosa ou experiência do sagrado, marcada pelas categorias: tremendum (medo) e fascinium (fascinação). (OTTO, 1992). 2 È importante ressaltar que, segundo Rahner (2004), o religioso faz parte da existência humana, uma vez que, apesar de o ser humano estar situado em uma condição de finitude, encontra diante de si uma permanente dimensão de abertura para o questionamento de tudo, que se caracteriza como questionamento infinito, isto é, como transcendência, pois toda meta que coloca para si é relativizada. Sendo assim, mesmo que negue ou procure fugir à essa condição, a transcendência perpassa seu ser, colocada como questão inevitável que não se pode superar ou responder adequadamente. (RAHNER, 2004, p. 46-49).

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O ensino religioso é mais do que aparenta ser, isto é, um componente curricular em escolas. Por trás dele se oculta uma dialética entre secularização e laicidade no interior de contextos históricos e culturais precisos.

Nas sociedades ocidentais e mais especificamente a partir da modernidade, a religião deixou de ser o componente da origem do poder terreno (deslocado para a figura do indivíduo) e, lentamente, foi cedendo espaço para que o Estado se distanciasse das religiões. (CURY, 2004, p.183.)

O Ensino Religioso extrapola a dimensão escolar, pois, além do âmbito referente ao contexto

educacional, sua abordagem não prescinde de questões relativas ao campo religioso e político.

Por essa razão, é mais que um componente curricular e reflete, em seu percurso histórico, a

tensão gerada na dialética entre secularização e laicidade. No Brasil, durante o período

colonial, essa disciplina conformava-se ao contexto da relação entre religião e Estado, sendo,

por assim dizer, ensino da religião oficial do império, de forma específica o catolicismo. Na

medida em que ocorre a separação entre Igreja e Estado e a criação da escola pública em um

Estado leigo, após a proclamação da República (1889), surgem polêmicas em torno do Ensino

Religioso. São sérios os questionamentos em torno de sua pertinência no espaço escolar em

vista do caráter laico do Estado e, por outro lado, em função da diversidade com que o

fenômeno religioso se apresenta na realidade brasileira.

A história do Ensino Religioso na educação brasileira foi sempre um processo político de disputa entre tradições religiosas e o Estado. Entretanto, o questionamento ao longo dos anos permaneceu o mesmo: por que preparar os fiéis dentro do espaço escolar? Porém, caso este componente colocado no currículo seja justificado pedagogicamente, qual seria de fato o papel do Ensino Religioso na formação integral das novas gerações? Por questões éticas e religiosas, e pela própria natureza da escola, não é função dela propor aos educandos a adesão e vivência desses conhecimentos, enquanto princípios de conduta religiosa e confessional, já que esses são sempre propriedade de uma determinada religião. (JUNQUEIRA; WAGNER, 2004, p. 35)

Nessas disputas, a Igreja Católica ocupa lugar de destaque, pois não mediu esforços no

sentido de defender a permanência da disciplina no espaço escolar “[...] ora no âmbito dos

estados, ora no âmbito nacional, sobretudo por ocasião de mudanças constitucionais” (CURY,

2004, p. 189). Segundo Bulos (2002), as Constituições podem ser compreendidas como

organismos vivos, possuindo estreita ligação dialética com o meio circundante, isto é,

estreitamente ligadas aos acontecimentos sociais, pois acompanham o desenvolvimento das

relações políticas, econômicas e tecnológicas. Dessa forma, pode-se dizer que as constituições

refletem os contextos históricos nos quais são promulgadas. Da mesma forma, a elaboração

das Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDBENs) reflete também os contextos históricos

e sociais em que são gestadas, e, por isso, servem de base complementar no entendimento das

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polêmicas que giram em torno do Ensino Religioso, bem como as modificações em sua

concepção ocorridas ao longo do tempo.

No que tange ao Ensino Religioso, não pode ser diferente, pois sua permanência nos textos

constitucionais serve de referência para indicar elementos em uma melhor compreensão das

questões que envolvem a disciplina, uma vez que no contexto brasileiro ela está no centro de

debates acerca da separação entre Igreja Católica e Estado, e isso reflete na regulamentação,

concepção e formação de professores da disciplina.

Uma das peculiaridades do Ensino Religioso no Brasil diz respeito à inexistência de um

consenso em torno de uma concepção para a disciplina que contemple todos os estados em

âmbito nacional.3 Existe uma diversificação, reflexo das questões apontadas acima e que se

pretende abordar de forma específica no Estado de Minas Gerais ao longo do texto aqui

apresentado. Nesse sentido, a abordagem a ser feita nos tópicos seguintes procurará apresentar

de que forma o Ensino Religioso se fez presente nos textos constitucionais, nas Leis de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, bem como na Legislação do Estado de Minas

Gerais. Para tal empresa, apresentam-se alguns apanhados históricos que destacam a atuação

da Igreja Católica em defesa da permanência da disciplina nas escolas públicas culminando

com a relação existente entre a disciplina e religiões.

2.1 Ensino Religioso nas constituições brasileiras

3 A esse respeito, a LDBEN (9.394/96), no artigo nº. 26, estabelece que os currículos do ensino fundamental devem ter uma base nacional comum a ser complementada por uma parte diversificada, de acordo com as características regionais e locais. È importante ressaltar que o Parecer nº. 04/98, CEB, III, b, esclarece que essa base nacional comum deve levar em conta conteúdos mínimos de conhecimento, articulados aos aspectos da vida cidadã. O Ensino Religioso, por sua vez, por meio do artigo nº. 33, alterado pela Lei nº. 9.475/97, define que os Sistemas de Ensino possuem a prerrogativa de definição de conteúdos dessa disciplina, ouvindo entidade civil constituída por representantes de diferentes denominações religiosas, e também da definição de normas para habilitação e admissão dos professores. Somente mais tarde o Ensino Religioso foi contemplado na base nacional comum por meio do Parecer CNE/CEB nº.4/98 e da Resolução CNE/CEB nº2/98, quando foi admitido na condição de disciplina, absorvido e ampliado pela educação Religiosa enquanto área de conhecimento. (FIGUEIREDO, 2006, p. 56-61).

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O Brasil, em seu percurso histórico, conta com a existência de sete constituições, sendo a

primeira pertencente ao período imperial (1822 -1889) e as demais ao regime republicano4.

Dom Pedro I, por meio de ato imperial, outorga em 1824 a primeira Carta Magna do Brasil.

As constituições republicanas são dos seguintes anos: 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, e a atual

data de 1988. Destaque-se que as constituições de 1824, 1937, 1967 e a Emenda

Constitucional de nº. 01/1969 foram outorgadas. 5

Ao longo da história constitucional brasileira, as constituições participaram de um processo histórico bastante diferenciado. Da Carta Imperial de 1824 (originada por ato imperial de D. Pedro I, após a dissolução da Assembléia Constituinte, convocada em 1823), chegando à Constituição Republicana de 1988 (fruto de um torvelinho de interesses de vastíssima gama), tivemos transformações substanciais que refletiram na própria concepção de Estado. Basta ver que no constitucionalismo pátrio apenas quatro constituições foram democráticas, livremente votadas e promulgadas por Assembléias Constituintes (1891, 1934, 1946 e 1988), enquanto as demais surgiram de atos ilegítimos de outorga (1824, 1937, 1967 e 1967 com a reforma empreendida pela Emenda Constitucional n. 1/69). (BULOS, 2002, p. 24)

Ao longo da história brasileira, a presença do Ensino Religioso nas constituições é, em

alguma medida, o reflexo da relação ora de distanciamento, ora de aproximação estabelecida

entre Estado e a Religião Católica6. Ao longo de todo o período Republicano, o Brasil passa

por acontecimentos e mudanças que ocorreram no plano social e histórico. Muitos deles com

origem em outros países. Podem-se citar, dentre outros, o Iluminismo e a Reforma

Protestante. Tanto a Igreja Católica quanto o Estado brasileiro passam por transformações ao

longo do tempo. Na medida em que se modificam, há também mudanças na relação

estabelecida entre ambos.

O Ensino Religioso carrega as marcas de questões que extrapolam o âmbito escolar, pois

dizem respeito aos embates que surgiram a partir da implantação da República com a

separação entre Igreja e Estado. Enquanto o Catolicismo foi a religião oficial na colônia e no 4 O regime Republicano pode ser compreendido em cinco períodos. O primeiro de 1890 a 1930, com a implantação do Regime; o segundo de 1930 a 1945, compreendendo o Estado Novo (1937-1945); o terceiro de 1946 a 1964; o quarto compreendendo 1964 até 1984, e o último que vai de 1984 aos nossos dias. (DANTAS, 2002). 5 “São promulgadas, também denominadas democráticas e populares, as Constituições que derivam do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte composta por representantes do povo, eleitos com a finalidade de sua elaboração [...].” (MORAES, 2006, p.5). 6 Deve-se ressaltar que a manutenção do Ensino Religioso nos textos constitucionais se fez por meio da articulação da Igreja Católica que durou até a Emenda Constitucional nº. 1, de 1969. Somente no período da Assembléia Constituinte, que promulgou a Constituição de 1988, assiste-se a atuação de outras entidades e da mobilização popular; pela primeira vez a Igreja Católica não estava sozinha. Esse assunto será tratado nos tópicos seguintes.

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Império, o Ensino Religioso não encontrou muitos problemas. Entretanto, a partir da

implantação da República, passa a ser questionado. O debate em torno do Ensino Religioso

leva em conta a dificuldade de compatibilizá-lo com a liberdade de crença e de consciência,

pois situa essa disciplina entre o público e o privado.7 Nesse sentido, a abordagem que se

segue nos tópicos seguintes procura apresentar o percurso do Ensino Religioso no Brasil a

partir dos textos constitucionais, tendo como pano de fundo a relação entre Igreja Católica e

Estado.

2.1.2 Ensino Religioso na Colônia e na Constituição do Império

São muitos os fatores que contribuíram para a que o Império do Brasil se constituísse e

houvesse a consequente outorga da constituição de 1824. Esses fatores remontam ao período

colonial e dentre eles pode-se destacar: a difusão de ideias iluministas na colônia no século

XVIII, a transferência da família real portuguesa com sua corte para a colônia brasileira em

1808, a eclosão da Revolução constitucionalista em Portugal no ano 1820, a declaração de

independência brasileira em 1822, dentre outros.

Segundo Caetano (2007, p. 29), a colonização brasileira foi promovida pelos portugueses de

forma violenta, isto é, sem respeitar as tradições e culturas dos povos indígenas e africanos.

“A ocupação do Novo Mundo coincidiu com o Movimento Reformador de Martinho Lutero

(1517), que possibilitou o surgimento de outras igrejas cristãs e a decorrente intolerância

religiosa entre católicos e protestantes na Europa.” (DANTAS, 2002, p. 27). Nesse cenário, a

Igreja Católica concedeu aos reis da Península Ibérica direitos sobre a missão religiosa tanto

em Portugal e Espanha quanto em suas respectivas colônias, criando assim o Regime de

Padroado. Dessa forma, a conquista e a catequese na América eram vistas como obras

religiosas, realizadas por meio da parceria entre Igreja Católica e Estado. Na realização de tal

7 Esse debate, nos períodos republicanos onde há separação entre Igreja e Estado, leva em conta a associação do Ensino Religioso à catequese e, posteriormente, no século XX, às religiões. A esse respeito, Passos (2007), ao abordar a questão dos modelos de Ensino Religioso, esclarece que a vinculação da disciplina às tradições religiosas instaura um problema epistemológico, uma vez que a disciplina tende a reproduzir a base epistemológica dessas tradições, tendo como pressuposto a fé no ato de ensinar religião. (PASSOS, 2007, 27-34). A partir dessa ótica, torna-se problemático situar em espaço público (escola) uma disciplina ligada às religiões, que, por sua vez, dizem respeito à liberdade de consciência (privado). (PAULY, 2009).

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empreitada, o governo português, desde o início da colonização, contou com a presença da

religião católica, caracterizada pelo enfrentamento da Reforma Protestante. E assim,

Essa sociedade, que foi sendo configurada no Brasil, possibilitou, de início, a expansão colonial e a formação da aristocracia rural. O povoamento da terra era alvo do “projeto colonial”, apresentado como uma “obra divina” da política mercantilista e ideológica, priorizada pelos conquistadores. Esse desenvolvimento colonial era influenciado pelo contexto internacional. A Europa passava por revoluções no âmbito do pensamento e da epistemologia e, principalmente, sofria dos desdobramentos da Reforma Protestante, que deu origem ao nascimento de outras Igrejas Cristãs e, entre várias conseqüências, instaurou a questão da intolerância religiosa. A Portugal e Espanha foi atribuída a tarefa de preservação dos princípios católicos, frente à expansão do protestantismo. (CAETANO, 2007, p. 29).

O catolicismo serviu de apoio no sentido de oferecer meios de organização social e adequação

aos padrões desejados pelos colonizadores. Assim, a Igreja Católica, enquanto parceira da

colonização, auxiliou no povoamento por meio de uma obra evangelizadora que levava em

conta a catequese. Esta, por sua vez, procurava restabelecer os bons costumes entre os que já

eram cristãos e converter à fé católica os gentios, ao mesmo tempo em que procurava fazê-los

obedientes às autoridades civis. A cristianização da Colônia baseava-se na intolerância,

originada na Europa e representada nas Américas por meio da não aceitação das culturas

indígenas e africanas, além de justificar o projeto colonial português. Nesse período, “[...] o

Ensino Religioso visa à cristianização por delegação pontifícia. A Igreja Católica é a maior

interessada. Porém, delega ao monarca de Portugal o direito de administrá-la [...]”

(FIGUEIREDO, 1996, p. 23). Destaque-se que nesse processo, desde a chegada da esquadra

de Cabral, já havia uma preocupação em “cristianizar” os povos que viviam no Brasil.

O texto de Pero Vaz de Caminha escrito ao Rei de Portugal, por ocasião da tomada das terras pela frota de Cabral, comentava a beleza da região recém-ocupada e dizia que o povo ali habitante era alegre, esperto, contava com costumes diferentes dos europeus e se mostrava profundamente amável. Ao concluir a carta, o autor afirma que o maior compromisso do governante seria “salva-los” – provavelmente, dos costumes diferentes dos reconhecidos pelos europeus com adequados e corretos, numa perspectiva moral apoiada nos aceitos sobre o que consistia pecado e virtude para a época. O desejo de uniformização das comunidades em formação perdurou, para não dizer que prossegue na atualidade. A preocupação não foi educar a todos nas ciências e nas letras, mas formatar os valores de uma tradição religiosa. Esse processo foi realizado com esmero, pois é possível perceber seus reflexos até os dias atuais. (OLIVEIRA et al., 2000, p. 49-50).

A cristianização na colônia extrapola os interesses religiosos, pois envolve interesses

políticos, alinhados por meio da parceria entre Igreja Católica e Estado. Essa associação,

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presente no período colonial e estendendo-se ao imperial, tem suas origens ligadas à

delegação pontifícia; acordo firmado com o pontífice romano, no qual a Igreja Católica

concedia ao monarca português o direito de expandir os princípios da doutrina católica e

ainda de gozar de certas prerrogativas relativas à vida interna do aparelho eclesiástico nos

territórios sob seu governo. Essa união entre Igreja Católica e Estado recebe o nome de

Padroado e permitiu que houvesse a submissão da Igreja ao poder político do Estado. “A

vivência do Padroado garantia ao Imperador poderes muito amplos de censura e de

fiscalização sobre decisões e atividades eclesiásticas. Até mesmo a cobrança de dízimos era

feita em ‘nome do rei’.” (CAETANO, 2007, P. 29).

O monarca era considerado uma pessoa sagrada por meio da delegação pontifícia que

governava a Igreja presente nos seus territórios. 8 O caráter sacral do monarca tem suas raízes

no absolutismo real, que concentrava toda autoridade na pessoa do soberano, dando origem à

doutrina do “direito divino dos reis”. Isso favoreceu uma mentalidade de dependência e

submissão ao Senhor Rei, pleno de poderes, forte, poderoso e a quem se deve respeitar como

soberano e render homenagens. (FIGUEIREDO, 1996, p. 20).

Nesse contexto, tanto o processo de conquista quanto a catequese eram vistos como obras

religiosas em que a parceria entre Igreja e Estado se apresentava explicitamente. No entanto,

deve-se ressaltar que a Igreja Católica encontrou-se com sua liberdade reduzida em função de

interesses políticos e econômicos, configurados por meio do Padroado que conferia ao

monarca poderes sobre a Igreja Católica. A religião foi instrumentalizada pelo Estado,

comprometendo sua liberdade e prejudicando o projeto de evangelização em detrimento do

projeto imperial de Portugal.

No século XVIII, a Colônia Brasileira assiste a uma mudança nas relações entre Igreja

Católica e Estado. Essa mudança tem origem no século XVI. Com o surgimento do

movimento do Renascimento, entra em curso um processo de secularização na Europa. Esse

movimento propunha novos rumos culturais e científicos em contraposição ao passado

8 O caráter sacral do monarca diz respeito à concepção segundo a qual a monarquia seria uma instituição divina, o que propiciou o entendimento por parte da Igreja Católica que a melhor forma de governo seria a união entre trono e altar, sob o argumento de proporcionar estabilidade à sociedade e bem-estar social à população. (MATOS, 1996, p. 13). Essa visão presente na Colônia Brasileira estende-se até o período imperial, que mantém a monarquia de tradição católica, contando com o apoio papal e de Bispos brasileiros favoráveis ao regime monárquico sob o argumento de que o caráter sagrado do monarca seria o sustentáculo da ordem social estabelecida e desejada por Deus. (MATOS, p. 2002, p. 22).

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medieval. As novas ideias chegam a Portugal e consequentemente à Colônia Brasileira. Dessa

forma, contando com o apoio da burguesia urbana, o Marques de Pombal (1750-1777) leva a

termo uma reforma que diminuiria a influência da aristocracia rural e a hegemonia

eclesiástica. A intenção de Pombal era “[...] instaurar na Colônia, como em Portugal, a

liberdade de consciência, para promover o espírito cientifico, do desenvolvimento econômico

e a atualização da cultura.” (FIGUEIREDO, 1996, p. 24). O Estado sacral deveria ser

transformado em Estado leigo. “A Igreja passou a ser mantida sob o controle e dominação do

Estado.” (CAETANO, 2007, P.33). O objetivo de Pombal era introduzir a sociedade lusitana e

brasileira na modernidade européia, promovendo o afastamento da instituição eclesiástica por

meio dos ideais do racionalismo iluminista, originados século XVII, buscando assim

constituir um Estado leigo, moderno e civil.

A revolução intelectual propugnada pelo Iluminismo e suas conseqüências sócio-políticas impulsionaram correntes contestadoras da situação de dependência das Igrejas em relação ao Estado. Em Portugal, o Marquês de Pombal, então secretário do Exterior e da Guerra, um déspota esclarecido, perseguiu o clero e a nobreza em vista do fortalecimento do poder real. O seu governo acusou as missões jesuíticas de formarem um Estado dentro do Estado, o que culminou com a expulsão da Companhia de Jesus dos domínios de Portugal, em 1759. Além disso, Pombal leiloou os bens da Ordem, transformou missões e aldeias em vilas, entregou as igrejas ao clero secular (padres subordinados aos bispos locais) e queimou bibliotecas. A administração de Pombal (1750-77) rompeu o monopólio clerical da educação ao criar um sistema de ensino laico e tornou obrigatória a língua portuguesa, impondo uma das bases da futura unidade nacional. (DANTAS, 2002, p. 33).

Nesse contexto, o Brasil colônia, em meados do século XVIII, assiste à difusão de princípios

iluministas9 vindos da Europa em seu território. Consequentemente, houve o despertar de um

sentimento de questionamento com relação à metrópole portuguesa que se fez presente entre o

povo, e também no meio do clero liberal que assumia a bandeira dos direitos humanos e

também de liberdade.

Essa postura de questionamento se orientava pela convicção de que a liberdade, isto é, a

independência com relação à metrópole portuguesa, traria transformações de ordem social ao

mesmo tempo em que a colônia deixaria de ser submissa aos interesses de Portugal. Nessa

época, o clero liberal fazia uma crítica radical ao sistema colonial a partir de princípios

9 Dentre outros princípios, o Iluminismo voltava toda sua atenção para o homem enquanto indivíduo, com a valorização de sua capacidade cognoscitiva e o consequente desenvolvimento de um espírito crítico aos tradicionais dogmas religiosos; contando também com o anseio de liberdade em todos os setores da vida humana, sobretudo em detrimento da tradicional submissão religiosa e aceitação dos poderes estabelecidos. (CAETANO, 2007, p. 32).

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iluministas de liberdade, no sentido de colocar fim ao poder absoluto dos reis, bem como aos

privilégios da nobreza e do clero alinhado com o poder colonial (FIGUEIREDO, 1996, p. 24).

Havia também o anseio de que ocorresse a desvinculação da Igreja dos interesses da

Metrópole, isso em função do descontentamento com as leis opressivas, regimes de

monopólio e impostos injustos. Em meio a esse contexto, muitos membros do clero

participaram de movimentos de revolta contra a coroa portuguesa, pois eram a favor de uma

maior autonomia da colônia. Dentre esses movimentos de revolta, a inconfidência Mineira

(1789) e a Revolução Pernambucana (1817).

Em 1808, a família real portuguesa muda-se para o Brasil. Esse fato possibilitou a tomada de

iniciativas de organização do Ensino, até então funcionando de modo precário. A educação

sofre mudanças, apesar de privilegiar as elites coloniais, como se pode perceber a seguir:

Já no final do período colonial, a transferência da família real para o Brasil abre espaço para um salto qualitativo da educação, principalmente das classes privilegiadas, uma vez que se criam instituições de nível superior e multiplicam-se obras públicas de “cultura, instrução e arte”, tais como bibliotecas, imprensa, teatros, escolas especializadas. (FIGUEIREDO, 1996, p. 29).

Em 1820, em função da eclosão da Revolução constitucionalista em Portugal, o rei

português, Dom João VI, retorna a seu país deixando a Colônia sob os cuidados de seu filho,

Dom Pedro. No intento de fazer com que a o Brasil retornasse ao seu antigo status colonial,

anterior à vinda da família real, a Corte portuguesa ordena que Dom Pedro I também voltasse

a Portugal. O mesmo se recusa, permanecendo no Brasil e resistindo à tentativa de instauração

de uma regência presidida pelo Arcebispo da Bahia, e declara a independência do Brasil em

07 de setembro de 1822.

Dom Pedro I, com a missão de construir uma nova nação, outorga a primeira Constituição

Política do Império do Brasil em 25 de março de 1824. “A Constituição de 1824 institui a

forma unitária de Estado, privilegiando a centralização político-administrativa e a forma

monárquica de governo.” (BULOS, 2002, p. 25). Ela ainda determinou a divisão do território

brasileiro em províncias, reconheceu o poder político por meio das funções legislativa,

moderadora, executiva e judiciária.

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Com relação à religião, essa constituição manteve o Catolicismo como religião oficial do

Império ao mesmo tempo em deliberou acerca de liberdade religiosa, como se pode perceber a

seguir:

Art. 5º) A Religião catholica apostholica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo.” (BRASIL, 1824, p. 2). Art. 179, n. V. Ninguém póde ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a moral pública.” (BRASIL, 1824, p. 25).

No que concerne à relação entre Estado e Igreja Católica, o Imperador mantinha suas

prerrogativas sobre o aparelho eclesiástico conforme se verifica no trecho a seguir:

Art. 102, n. II. Nomear bispos, e prover Benefícios eclesiásticos. (BRASIL, 1824, p. 14).

Segundo Pauly (2009), essa constituição possui caráter arbitrário na medida em que impõe ao

povo uma religião oficial e também ignora a educação, uma vez que a mesma não aparece no

texto constitucional. Somente mais tarde, entre os anos de 1826 e 1827, é que a educação

popular entra na pauta dos debates no sentido de que se estabelecessem suas diretrizes em

texto legal. Januário Cunha Barbosa apresentou projeto cujo objetivo era organizar a educação

popular por meio da composição de escolas elementares, secundárias e superiores. Seu projeto

não foi aprovado, entretanto foi reapresentado sofrendo muitas emendas. Tornou-se lei em 15

de outubro de 1827.

Nessa lei de 1827, foi feita a primeira referência ao Ensino Religioso, vinculado a uma legislação, relativa à organização escolar, que determinou tanto a criação de escolas de “primeiras letras em todas as cidades, vila e lugares mais populosos do Império”, quanto a regulamentação dos salários dos professores. Esse documento visava promulgar o inciso XXXII, do art. 179 da Constituição Imperial. (CAETANO, 2007, p. 38).

O Ensino Religioso é citado no artigo 179 da Constituição Imperial como princípios de moral

cristã e da doutrina da religião católica, isto é, a disciplina consistia como ensino de religião,

neste caso justificado como ensino da religião oficial do Império. A disciplina segue o que

vinha sendo praticado desde os tempos da colonização no esquema de integração entre escola,

Igreja Católica, sociedade política e econômica. (PCNER, 1997, p. 12). Vale lembrar que os

jesuítas deram os primeiros passos nas atividades referentes ao Ensino Religioso desde a

chegada de seis representantes da Companhia de Jesus, juntamente com Tomé de Souza em

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27 de março de 1549, sendo Pe. Manuel da Nóbrega o Superior dessa primeira comunidade

Inaciana. O despontar do Ensino Religioso sob os cuidados dos jesuítas se deu a partir de

1550 com a criação das primeiras escolas dos Jesuítas, cujo objetivo era essencialmente

religioso.

Ao longo dos períodos do Colonialismo e do Império brasileiro (Séculos XV a XIX) é efetivado com cristianização por delegação pontifícia, justificando o poder estabelecido. A educação foi implantada e ministrada sob os auspícios dos jesuítas. A grande característica desta fase é uma educação humanística, que se caracteriza por ser individualista, centrada nos valores propostos pelo Renascimento, e favorece a ideologia reinante, empregando métodos tradicionais. O Ensino da Religião é questão de cumprimentos dos acordos estabelecidos entre a Igreja Católica e o Monarca de Portugal. As leis, decretos e instruções em geral põem em primeiro plano a evangelização dos gentios. O caráter disciplinador de toda Catequese concorre para a transmissão de uma cultura que visa à adesão ao catolicismo. (JUNQUEIRA; WAGNER, 2004, p. 22-23).

O Ensino Religioso, no contexto Imperial, manteve-se como Ensino de Religião10 sem que

sua presença no meio escolar fosse contestada em virtude da configuração da sociedade desse

período. Entretanto, quando Dom Pedro I abdica de seu trono para retornar a Portugal, já

ocorriam mudanças que preparavam o surgimento dessa situação.

Na ausência de Dom Pedro I, a sucessão do trono passa a seu filho Dom Pedro II que, por ser

menor de idade, fica impossibilitado de assumir o trono. Foi instituída uma Regência (1831-

1840) até que o imperador completasse a maioridade. A mudança significativa que ocorre é

que a Igreja Católica, mesmo exercendo influência no Estado, passa agora a se relacionar com

o mesmo por meio do Regalismo.11 Nessa nova configuração:

Entre os anos de 1826 e 1842, segmentos significativos da “Igreja Católica Nacional” desligaram-se da autoridade papal, ou ficaram formalmente unidos à Sé Romana. O Papa era reconhecido como “chefe honorífico” da Igreja Católica de todos os países, mas sem possuir uma efetiva autoridade na Igreja “Nacional”. O imperador tinha amplos poderes sobre a Igreja, considerada como “nacional”. Assim, a Igreja passou a ser submissa ao Estado e, aos olhos do governo, ela

10 O Ensino Religioso como ensino de religião refere-se ao modelo no qual se praticava catequese, isto é, ensino de doutrina religiosa. No caso do Brasil, tanto no período Colonial quanto no Imperial o Estado era religioso, isto é, declarava-se católico. Em função disso, as aulas de Ensino Religioso eram na verdade catequese católica em que se ensinava a religião do Estado. Com a proclamação da independência e instauração do regime imperial, não houve mudanças na disciplina, que continuou a ser praticada como ensino de religião, nesse caso da religião católica. 11 O Regalismo desenvolveu-se no Período Imperial como desdobramento do Padroado presente na Colônia, que concedia direitos sobre a Igreja ao monarca de Portugal. A partir do período Imperial, esses direitos, antes concedidos, tornam-se direitos adquiridos, vistos como próprios e inerentes ao poder majestático do Imperador. Por meio do Regalismo, a Igreja tornou-se submissa ao Estado e passou a ter a figura do Papa apenas como chefe honorífico, criando assim a mentalidade de uma Igreja Nacional. (MATOS, 2002, p. 30).

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constituía-se como uma “Igreja brasileira”, mais ligada ao Estado do que à Santa Sé. (CAETANO, 2004, p. 39).

Nessa condição, estavam postos elementos importantes que alterariam a relação entre Igreja e

Estado a partir do surgimento de polêmicas em torno do Ensino Religioso com a implantação

da República e com a promulgação da nova Carta Magna. Nesse sentido, a abordagem feita

nos tópicos seguintes procura apresentar o percurso do Ensino religioso nas Constituições

republicanas juntamente com a atuação da Igreja Católica em favor de sua manutenção, tendo

como pano de fundo sua relação com o Estado, que se configura a partir da implantação da

República.

2.1.3 O Ensino Religioso nas constituições republicanas

Durante o período Colonial e também no Imperial, o Ensino Religioso esteve presente na

história da educação brasileira sem ser motivo de polêmicas. A disciplina, enquanto Ensino de

Religião, em um Estado religioso, justificava-se sem maiores problemas em decorrência,

sobretudo, da relação estabelecida entre Igreja Católica e Estado por meio do Padroado e do

Regalismo.

A partir do início do período republicano, em 1890, é que o Ensino Religioso passará a ser

contestado, tornando-se alvo de grandes polêmicas em meio a disputas de ordem política e

ideológica. Deve-se notar que a relação entre Estado e a religião Católica se modifica, e nesse

sentido, a antiga relação mantida com a Igreja Católica, consequentemente, também passa por

mudanças. O Estado brasileiro deixará de ter uma religião oficial. Por meio do Decreto 119-

A, de 7 de janeiro de 1890, ficou determinada a separação total de Igreja Católica e Estado

com a extinção do Padroado (Art. 4º). Este documento abriu espaço para liberdade de diversos

cultos ou denominações (Art. 2º e 3º), ao mesmo tempo em que reconheceu a capacidade

jurídica para todos, na qualidade de sociedades ou associações legalmente constituídas de

possuírem bens. A República inaugura um Estado secularizado, isto é, neutro em termos

religiosos. (MATOS, 2002 a, p 256)

Em meio às disputas e transformações ocorridas no período republicano, aos poucos, a

história acidentada do Ensino Religioso vai se construindo e a disciplina sofrerá alterações

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referentes à sua identidade e também com relação à dimensão epistemológica. A grande

questão que envolve a disciplina, desde a implantação da República, diz respeito em como

compatibilizar o Ensino Religioso em um Estado secular e constituído por grande diversidade

cultural e religiosa. (PAULY, 2009). Nesse sentido, nos tópicos seguintes, a abordagem

realizada tem como objetivo apresentar a trajetória do Ensino Religioso nas Constituições

Federais de 1891, destacando a separação entre Igreja Católica e Estado em 1934, época em

que há o retorno do Ensino Religioso - que havia sido retirado do texto constitucional de

1891, 1937 e 1946. Assim, também, enfoca-se a relação da Igreja Católica com o regime

militar, culminando com as Cartas Magnas de 1967 e 1988, fazendo referência à

redemocratização do país.

2.1.4 Ensino Religioso na Constituição de 1891

A segunda Constituição brasileira e primeira do período republicano foi promulgada em 24 de

fevereiro de 1891. Possui como principais características: o estabelecimento da forma

federativa do Estado com a rígida separação entre a União e os Estados-membros; adoção da

República como forma de governo; transformação das províncias em Estados federados;

previsão da organização do poder de forma tripartite entre Legislativo, Executivo e Judiciário

e, dentre outras coisas, a rigorosa separação entre a Igreja e Estado. (BULOS, 2002, p. 26).

Em matéria referente à religião, esta Constituição estabeleceu em seu Art. 72 a inviolabilidade

da liberdade, passou a reconhecer somente o casamento civil, autorizou o exercício público de

atividades religiosas, secularizou a administração dos cemitérios, estabeleceu que o Estado

não subvencionasse nenhuma atividade de culto ou igreja. Esse artigo, cuja interpretação foi

central nos questionamentos acerca do Ensino Religioso, estabeleceu que o ensino ministrado

em estabelecimentos públicos teria caráter leigo, conforme pode-se perceber a seguir:

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes: § 3º Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.

§ 4º A Republica só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.

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§ 5º Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis. § 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos. § 7º Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência, ou aliança com o Governo da União, ou o dos Estados. (BRASIL, 1891, p. 20-21)

Segundo Figueiredo (1996), o § 6º, do artigo 72, da primeira Constituição republicana, foi

tomado segundo o pensamento francês, que adotava uma postura antirreligiosa. Nesse sentido,

a expressão “será leigo” foi compreendida por muitos legisladores do regime republicano no

Brasil com a conotação de irreligioso, ateu, laicista, sem contar com a presença de elementos

provindos das crenças dos cidadãos que freqUentavam as escolas mantidas pelo sistema

estatal.

No final do período Imperial, encontram-se elementos importantes para a compreensão da

nova relação entre Igreja e Estado a partir da implantação da República. No período Imperial,

a Igreja Católica encontrava-se subordinada aos interesses governamentais por meio do

Regalismo. Essa situação existia também na Europa, e era conhecida por Galicanismo.

Entretanto, a partir da metade do século XIX, surge em Roma o movimento ultramontanista.

Esse movimento pretendia reverter a situação de subordinação da Igreja à monarquia por meio

do desenvolvimento de,

[...] um exaltado sentimento de fidelidade e devoção ao Papa, denominado ultramontanismo. Entre seus mais destacados representantes, encontramos os franceses Padre Felicite Lammenais (1782-1854) e os leigos Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis Veuillot (1813-1883). (MATOS, 1996, p.41).

Os reflexos do ultramontanismo no Brasil se dão por meio de um movimento de libertação da

tutela imperial, liderado por alguns bispos, destacando-se Dom Antônio Viçoso, Arcebispo da

Diocese mineira de Mariana. Esse movimento procurou uma maior aproximação de Roma ao

mesmo tempo em que buscava uma reforma da igreja baseada nos decretos disciplinares do

Concílio de Trento (1545-1563).

Um evento importante, baseado na reaproximação da Igreja Católica no Brasil com a de

Roma, diz respeito ao episódio que ficou conhecido como Questão religiosa. A igreja havia

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declarado a proibição da maçonaria. Alguns bispos, envolvidos no espírito ultramontano,

aderem às orientações romanas contra a maçonaria. Essa postura desencadeia conflito com o

poder imperial e culmina com as prisões de Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, bispo de

Diocese de Olinda e Dom Antônio Macedo Costa, Bispo do Pará. Em obediência à Bula

Papal “Syllabus” (1864) e ao Concílio Vaticano I (1869-1870), que dentre outras coisas,

condenava a maçonaria, esses dois Bispos promoveram perseguição aos maçons em suas

Dioceses. No entanto, ao imperador era facultado o direito de aprovação em terras brasileiras

das ordens e bulas papais. Os bispos foram acusados de insubordinação ao Imperador, pois o

mesmo não acatara as orientações romanas contra a maçonaria. Dessa forma, em 1874, esses

bispos foram condenados a quatro anos de prisão com trabalho forçado. (MATOS, 2002, 247-

250).

A partir desse período, o Regime Imperial passa por uma crise que prepara o advento da

República. A prisão dos Bispos havia abalado as bases da estrutura do Império

(FIGUEIREDO, 1996, p. 35), uma vez que essa condenação rendeu muitos protestos

levantados contra o governo de Dom Pedro II. Por outro lado, a difusão do pensamento

positivista no Brasil vinha ocorrendo desde 1850 que, além de reforçar a propaganda

abolicionista, serviu também para difundir o ideal republicano. (DANTAS, 2002, p. 37).

Além disso:

A “democracia coroada” era alvo de contínuas críticas que cresciam com o declínio do governo de Pedro II. Realmente, o Brasil tinha sido a única ex-colônia européia das Américas a adotar o sistema monárquico de governo, numa “planta exótica” no conjunto desse Continente. (MATOS, 2002, p.251).

É neste ambiente que se processa a promulgação da Constituição de 1891. A resposta da

Igreja Católica com relação ao posicionamento da constituição relativo à religião, sobretudo

com referência à separação entre Igreja e Estado ao artigo que declarava o Estado leigo, foi

feita inicialmente com uma carta Pastoral Coletiva em 19 de março de 1890.

[...]. Eles rejeitaram a efetivação da separação “absoluta e hostil” entre Igreja e Estado e se declararam a favor da União, posicionando-se contrariamente à independência entre os dois poderes, estimulando os católicos a tomarem parte na vida política. Nessa Carta, os Bispos reconheceram os efeitos negativos da visão regalista da União, tal como existia no Império, e a opressão, exercida pelo Estado, em nome do Padroado. (CAETANO, 2004, p. 44).

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A Igreja Católica manteve sua posição de oposição à separação do Estado. Surgiram grupos

que advogaram tanto contra quanto a favor da manutenção da condição leiga do Estado. Nesse

contexto, o Ensino Religioso, que era visto como uma extensão da atividade eclesiástica, sofre

duros golpes. “Essa Constituição é a única a não mencionar o ensino religioso, assumindo

posição secularizada.” (PAULY, 2009). Entretanto, mesmo após ser proclamada pela

Constituição a laicidade do ensino público, o Ensino Religioso se manteve presente nos

estabelecimentos oficiais como Ensino da Religião através de princípios orientados da Igreja

Católica. (PCNER, 1997, p.14).

Segundo Matos (1996), o catolicismo brasileiro reage à laicização da escola oficial

argumentando que se tratava de uma imposição injusta à maioria da população representada

por católicos. “[...] o tema do ensino religioso e da escola confessional torna-se uma questão

de vida ou morte para a Igreja da época.” (Matos, 1996, p,46).

Dessa forma, a Igreja Católica se mobiliza em uma articulação que promove o retorno do

Ensino Religioso na Constituição de 1934.

2.1.5 Ensino Religioso na Constituição de 1934

Após a implantação da República e a promulgação da Constituição de 1891, com a instituição

do Estado leigo, a Igreja Católica, por meio de suas lideranças e em defesa de suas posições,

colocou-se em intensa atividade, empenhando-se para conquistar espaço para o Ensino nas

escolas oficiais. Isso se deu sob a justificativa de que a educação consistia em um

prolongamento do direito familiar e, por isso, o Ensino Religioso deveria ser ministrado em

conformidade com a família do aluno. (CNBB, 1987, p. 49).

Com a promulgação da Carta Magna de 1891, ocorrem fatos importantes que permitem uma

melhor compreensão dos resultados da Constituição de 1934. Dentre eles, pode-se citar a

realização do primeiro Congresso Católico Diocesano de São Paulo, em 1901, as reformas

educacionais alimentadas pelos ideais da Escola Nova a partir de 1920, o Congresso

Eucarístico Nacional em 1922, a realização de forte debate ocorrido nas IV e V Conferências

da Educação realizadas em 1931 e 1932, e também a reintrodução do Ensino Religioso nas

escolas públicas, conseguida pela atuação do Ministro da Educação e Saúde, Francisco

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Campos que, articulado com a hierarquia Católica, assina o decreto nº. 19.941 em 30 de abril

de 1931.

No Congresso Católico Diocesano de São Paulo, a Igreja se posiciona de forma crítica contra

o ensino leigo, interpretando que o mesmo significaria ensino ateu e utiliza como

embasamento de seus argumentos o princípio de liberdade em toda sua plenitude. (CNBB,

1987, p. 49-50).

Nesse contexto, a relação entre Igreja e Estado era de distanciamento e confronto, sobretudo

em função dos ideias positivistas que sustentaram a elaboração da primeira Constituição

republicana. No entanto, essa relação viria a sofrer mudanças promovendo a reaproximação

entre Igreja e Estado, sobretudo por motivações de ordem política.

Por volta de 1920, o presidente Artur Bernardes (1922-1926) governa o país com dificuldades

de ordem sócio-econômica em decorrência de uma profunda crise nesse aspecto. Essa

situação gerou descontentamento e questionamentos marcados pela oposição entre a

burguesia urbana que vivia sua ascensão e o antigo modelo latifundiário. Outros

acontecimentos ocorridos nesse momento de mudanças dizem respeito à fundação do Partido

Comunista, à Revolta do Forte de Copacabana, além das reformas de orientação positivista

encampadas por Epitácio Pessoa (1901) e Carlos Maximiliano (1915). (CAETANO, 2007,

p.49-50).

Em 1922, Dom Leme organizou no Rio de Janeiro o Congresso Eucarístico Nacional, evento

de grande importância no sentido de promover a ascensão das forças católicas. Durante esse

congresso, lançou-se a pedra fundamental da construção do Cristo Redentor, no alto do

Corcovado, constituindo-se como o grande referencial simbólico da ascensão católica após a

separação do Estado.

Diante da necessidade de recuperar a influência junto ao poder político, a Igreja Católica mudou a sua estratégia: a ênfase do discurso oficial passou a ser a conciliação entre fé católica e pátria brasileira. Era fundamental substituir o Regime inspirado no ideário positivista por um verdadeiro Estado cristão, o que implicava uma presença mais efetiva da fé católica na sociedade e uma maior aproximação entre Igreja e Estado. Concretamente, as autoridades católicas estavam dispostas a colaborar com o governo na manutenção da ordem pública, mas exigiam em troca que o Estado atendesse às suas reivindicações de ordem religiosa. Essa etapa, que vai durar até os anos 30, ficou conhecida como Restauração Católica ou neo-Cristandade brasileira. (DANTAS, 2002, p.42).

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O projeto de restauração Católica surtiu efeitos que puderam ser sentidos na realização do

Congresso Eucarístico Nacional e no lançamento da pedra fundamental do Cristo Redentor.

Houve a partir desses eventos a ascensão católica por meio do crescimento do prestígio social,

consistindo como elemento importante no sentido de oferecer à Igreja Católica poder de

influenciar na Constituição de 1934.

Em outra frente, o grupo de educadores representantes da Escola Nova, tendo à frente

Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, dentre outros, realiza atividades na

luta pela democratização do Ensino (CNBB, 1987, p. 50). Em sua empreitada, defendiam

princípios da ideologia liberal. Os debates em torno da educação ficaram polarizados entre os

escolanovistas e pelo grupo dos católicos, que contava com a atuação do Pe. Leonel Franca e

Alceu Amorso Lima, estes defendiam que o Ensino Religioso fosse obrigatório tanto em

escolas públicas quanto privadas (CAETANO, 2007, 56).

A influência católica se fez sentir por meio da atuação do Ministro da Educação e Saúde,

Francisco Campos, que reintroduziu o ER no âmbito escolar por meio do decreto nº. 19.941

em 1931. Havia nesse ato interesse do presidente Getúlio Vargas em obter apoio da Igreja

Católica.

Francisco Campos, alguns meses após sua posse no Ministério da Educação e Saúde, encaminhou para o Governo Provisório um projeto de decreto que tratava da questão referente à reintrodução do Ensino Religioso nas escolas públicas. Ainda em 1931, Getúlio Vargas, consciente do apoio que poderia obter da Igreja Católica, do alcance político que o seu ato acarretaria e sentindo a necessidade de veicular os “valores” que constituíam a base da justificação ideológica do pensamento político autoritário, privilegiado por seu Governo, decidiu ampliar em nível nacional a licença para as escolas públicas ministrarem o Ensino Religioso. (CAETANO, 2007, p.54).

Deve-se notar que o Ensino Religioso antes desse decreto já havia obtido licença para estar presente nas escolas públicas, conforme se pode perceber no trecho a seguir:

[..] nos Estados de Sergipe, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Isto foi possível, sobretudo, graças à mobilização da Igreja Católica nesses Estados através de autoridades e intelectuais católicos mais influentes. Havia também o fato de os governantes do poder executivo procurarem evitar conflitos com a Igreja, tal o seu poder mobilizador. (DANTAS, 2002, p. 52).

O período próximo às eleições para a Constituinte de 1934 tem como pano de fundo a criação

em 1932 da Liga Eleitoral Católica (LEC). Isso se deu com o intuito de mobilizar o eleitorado

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católico no apoio às principais reivindicações católicas para serem incorporadas ao texto da

nova Constituição Republicana. Além da oposição aos escolanovistas, outra questão que o

grupo dos católicos levantava era a que se referia à infiltração comunista em vários setores da

sociedade, em especial na educação. “A Igreja Católica reivindicava do Estado uma ação

repressiva ao comunismo para que o caminho se tornasse livre, para sua atuação no campo

religioso e social.” (CAETANO, 2007, p.59-60).

Nesse cenário, a Igreja Católica encontrava-se fortalecida, uma vez que gozava de prestígio

social e havia por parte do governo apreensão com relação ao comunismo. Nesse sentido, no

embate com os liberais, obteve sucesso e seus esforços em favor da manutenção do Ensino

Religioso surtiram efeito, uma vez que na nova Carta Magna há a reintrodução da disciplina

nos mesmos termos da legislação mineira, que havia sido reintroduzida pelo Presidente do

Estado, Antonio Carlos, em 1925, atendendo as reivindicações dos católicos mineiros.

(SILVA, 2007, p. 27).

Segundo Bulos (2002), a Constituição de 1934, promulgada em 16 de julho, rompe com a

concepção Liberal de Estado, inserindo em seu texto elementos sócio-ideológicos. Com isso,

passa a apresentar nítida preocupação e compromisso com a questão social. Outras

características dessa constituição são a implantação da justiça do trabalho, da justiça eleitoral,

do voto secreto e, com relação à dimensão religiosa, “permitiu a criação e manutenção de

cemitérios religiosos. Reconheceu, do ponto de vista jurídico, o casamento religioso,[...]. O

Ensino de Religião, cuja freqüência ficou sendo facultativa, foi admitido nas escolas

públicas.” (BULOS, 2002, p.27).

O tema da educação ganha destaque nessa constituição uma vez que, a partir do embate entre

liberais e católicos, fica assegurada a mais progressista Carta Constitucional em matéria

educacional (PAULY, 2009). Isso fica expresso pelo artigo 150, que previu a fixação do plano

nacional de educação, conforme se pode perceber a seguir:

Art. 150 - Compete à União: a) fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País; b) determinar as condições de reconhecimento oficial dos estabelecimentos de ensino secundário e complementar deste e dos institutos de ensino superior, exercendo sobre eles a necessária fiscalização;

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c) organizar e manter, nos Territórios, sistemas educativos apropriados aos mesmos; d) manter no Distrito Federal ensino secundário e complementar deste, superior e universitário; e) exercer ação supletiva, onde se faça necessária, por deficiência de iniciativa ou de recursos e estimular a obra educativa em todo o País, por meio de estudos, inquéritos, demonstrações e subvenções. (BRASIL, 1934).

O Ensino Religioso é reintroduzido no texto constitucional no artigo 153, tendo como

características a frequência facultativa, observando a confissão religiosa dos alunos e

constituindo-se como matéria dentro dos horários normais das escolas públicas.

Art. 153 - O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais. (BRASIL, 1934).

Segundo os PCNERs (1997, p. 14), a presença do Ensino Religioso no texto constitucional de

1934 é um marco em todas as concepções de Ensino Religioso. Pois, a partir desse texto,

surgem grandes questões que retomam a liberdade religiosa. O Ensino Religioso passa a ser

obrigatório para a escola e facultativo para o aluno.

Na prática, porém, continua a receber um tratamento que o discrimina e dá origem a muitos desafios de natureza pedagógica e administrativa. O Ensino Religioso inicia claramente um processo de busca de identidade, pois não há clareza quanto ao seu papel específico no ambiente escolar. (JUNQUEIRA; WAGNER, 2004, p. 25).

Apesar de a Igreja Católica ter conseguido ser uma força influente durante esse período e ter

se reaproximado do Estado, a configuração social do país já não é mais a mesma dos tempos

do Império e da primeira república. Pode-se dizer que a relação da Igreja com o Estado,

segundo Dantas (2002), foi admitida como “colaboração recíproca” entre Estado e Igreja

Católica, tendo como pano de fundo interesses coletivos, que não implicaram aliança entre as

partes. “A concessão das reivindicações católicas na Constituição de 1934 provocou uma

adesão da Igreja às correntes de pensamento e ação mais conservadoras, alinhadas com os

interesses do Governo.” (DANTAS, 2002, p.49).

No entanto, no período que compreende a Constituição de 1937, ocorrem novas mudanças na

relação entre Igreja e Estado, que se refletem no Ensino Religioso que passa a ser entendido

como concessão do Estado à Igreja Católica. Já no período que compreende a Constituição de

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1946, ocorrem mudanças no campo educacional e religioso, que serão abordadas no tópico

seguinte.

2.1.6 Ensino Religioso nas Constituições de 1937 e 1946

As Constituições de 1937 e de 1946 encontram-se inseridas em um novo contexto no qual a

relação entre Igreja e Estado sofre novas alterações. Isso se dá em função de, em 1937,

Getúlio Vargas ter implantado a ditadura por meio de um Golpe de Estado. O novo regime

ficou conhecido como Estado Novo (1937-1945). O pretexto utilizado foi que o país vivia na

iminência de uma guerra civil em meio ao confronto existente entre esquerda e direita.

A Constituição de 1937 foi outorgada em 10 de novembro de 1937, e estabeleceu como

“autoridade suprema do Estado” o presidente da República. Ele passou a ter absoluta

imunidade penal no período que compreendesse o exercício de suas funções, contanto

também com a prerrogativa de influenciar diretamente nas decisões judiciais por meio do

poder discricionário que lhe foi atribuído. (BULOS, 2002, p.28).

A tendência liberal que havia marcado a segunda República foi substituída pelo autoritarismo.

Com relação à educação, a preocupação era a de colocar o ensino a serviço do Governo no

sentido de convertê-la em instrumento para a ideologia do novo regime, bem como combater

a subversão e ainda a buscar soluções para o campo social. (CAETANO, 2007, p. 60).

Modificando a Carta de 1934, a Constituição de 1937 preteriu a educação, que passou a ser de

direito natural e dever da família, portanto ao Estado caberia função subsidiária, conforme o

artigo 125 (BRASIL, 1937, p.84). Apesar de manter a gratuidade do ensino primário, essa

constituição estabeleceu no artigo 130 uma contribuição mensal para a caixa escolar,

isentando apenas aqueles que pudessem alegar escassez de recursos. (BRASIL, 1937, p.87).

O Ensino Religioso foi mantido no texto dessa nova constituição, muito embora não gozasse

mais das mesmas prerrogativas anteriores, constantes de Carta de 1934. O que muda é que o

Ensino Religioso passa a não ser disciplina obrigatória nos currículos escolares, deixou de ser

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um direito e passou a ser encarado como uma concessão que dependeria do arbítrio do

Governo, conforme o artigo 133:

Art. 133º - O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos. (BRASIL, 1937, p. 88).

Segundo Matos (1996, p. 159), a relação que a Igreja mantém com o Estado foi a de um

pacto moral, no qual Getúlio Vargas mantém relações cordiais com a Igreja no intuito de tirar

vantagens políticas. Nessa relação, inscreve-se uma concessão à Igreja Católica na qual

ficaram comprometidas a liberdade de pensamento e expressão dos católicos, uma vez que a

mesma encontrava-se inteiramente dependente do arbítrio das autoridades governamentais.

Entre os anos 1942 e 1946, ocorrem mudanças no âmbito educacional através das

denominadas Leis orgânicas veiculadas por meio de decretos-lei. Essas mudanças ficaram

conhecidas como Reforma Capanema, em alusão ao Ministro da Educação do Governo

Getúlio, Gustavo Capanema. No total, foram editados seis decretos-lei conforme se pode

observar a seguir: Decreto-lei Nº. 4244/42, referente ao ensino secundário, Decreto-lei Nº.

4073/42, referente ao ensino industrial, Decreto-lei Nº. 6141/43, referente ao ensino

comercial, Decreto-lei Nº. 8529/46, referente ao ensino primário, Decreto-lei Nº. 8530/46,

referente ao ensino normal e, finalmente, o Decreto-lei Nº. 9613/46 para o ensino agrícola.

De acordo com o projeto do regime implantado pelo Estado Novo, a lei orgânica, por meio de

seus respectivos decretos, possuía como características formar individualidades no sentido de

estarem prontas para assumir seu papel patriótico, dar ênfase ao ensino cívico e à educação

física, fazer prevalecer o ensino pré-vocacional e profissional. A educação nacional deveria se

consubstanciar na exaltação da nacionalidade, ao mesmo tempo em que era vista como o

principal meio de resolver os problemas sociais do país. Há também a organização da

educação militar e a prioridade do Ensino Industrial. (CNBB, 1987, p.57-58).

A política educacional adotada foi marcadamente capitalista, voltada para a preparação de maior contingente de mão-de-obra destinada a funções mercantilistas. Sob influência dos modelos adotados na Alemanha e Itália, de ideologia nazi-fascista, buscou-se um tipo de educação que exaltava a nacionalidade, criticava o liberalismo e valorizava o ensino profissional e a formação militar. A educação era vista como fórmula para resolver todos os problemas nacionais. (DANTAS, 2002, p 51).

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Em função do Pacto Moral, o Ensino Religioso foi contemplado na educação desse período

como concessão do Estado à Igreja Católica. Tendo em vista que, a partir da ótica do governo,

o domínio religioso deveria limitar-se à pregação que levasse os fiéis à obediência à lei, à

disciplina e à ordem; assim a instrução Religiosa deveria ter como finalidade elevar o poder

nacional segundo o projeto do Estado Novo. (CAETANO, 2007, 62-63). Nesse sentido, a

postura da Igreja foi orientar o Ensino Religioso em uma concepção moralista da religião

baseada em uma visão triunfalista da Igreja.

Nos Decretos-lei, da lei Orgânica, o Ensino religioso está presente da seguinte maneira: nos

Decretos que tratam do Ensino industrial e Comercial, aparece como prática educativa; nos

Decretos relativos aos Ensinos Secundário e Agrícola, o Ensino Religioso consta como parte

dos estudos, já no decreto que trata do Ensino Normal consta como disciplina. Nos demais

decretos, o Ensino Religioso consta com restrições em relação à programação e ao regime

didático, que passariam a ser fixados pela autoridade eclesiástica. (CNBB, 1987, p. 60).

Nesse sentido, em 1942, Dom Jaime Barros Câmara elaborou os programas e instruções

metodológicas para o Ensino Religioso. Segundo Caetano (2007, p. 64), a finalidade de tal

proposta era de formar cristãos por meio de uma proposta na qual se destacavam estudos

sobre a verdade da fé, da moral cristã, o culto e os sacramentos com a apresentação ao final

do curso ginasial, isso tudo em conformidade com a posição da Igreja em face dos problemas

econômicos, estéticos, científicos, políticos, sociais e religiosos. Esse programa tinha cunho

apologético, sintonizado com a ofensiva católica contra os protestantes e espíritas, como se

pode perceber também no trecho a seguir:

Os programas de ER no curso secundário foram elaborados ainda em 1942 e encaminhados ao Ministro da Educação pelo Arcebispo do Rio de Janeiro, dom Jaime de Barros Câmara, a fim de serem orientados segundo a visão eclesiástica. Procurando seguir normas estabelecidas pelo Ministério, o documento apresenta, junto com os programas, as instruções metodológicas para sua execução, explicita-se que a finalidade do curso de religião é formar o cristão. Entre os conteúdos propostos estão: as principais verdades da fé, a moral cristã, o culto e os sacramentos. Ao final do curso ginasial, a Igreja Católica seria apresentada aos alunos como a grande vencedora de todos os obstáculos erguidos contra ela no correr dos tempos. (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007, p. 25).

Por meio do pacto moral, a Igreja Católica ditava as diretrizes para o Ensino Religioso, que

por sua vez era influenciado pela relação que a mesma tinha com outras religiões,

constituindo-se como elemento apologético do catolicismo nas escolas. O Ensino Religioso,

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como catequese católica, refletia a intolerância religiosa na medida em que apresentava a

Igreja Católica por meio de uma visão triunfalista. Isto é, como a verdadeira religião. O fato

de ser apresentada como vencedora de todos os obstáculos levantados contra ela possuía um

caráter de justificativa para uma ação divina em favor dos católicos.

Depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ocorreram mudanças significativas

mundo afora. O clima era de construção de governos populares com ênfase na democracia; e

também há o surgimento da guerra fria protagonizada por Estados Unidos e União soviética.

Essas mudanças tiveram ressonância no Brasil por meio da industrialização influenciada pelos

Estados Unidos e também por meio do clima de redemocratização que penetra no país após o

fim do Estado Novo com a deposição de Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945 por um

movimento militar composto por generais de seu próprio ministério, e a eleição do Marechal

Eurico Gaspar Dutra como Presidente da República.

Em 18 de setembro, é promulgada a Constituição de 1946, que, dentre outras coisas, além de

restringir a hipertrofia do Poder Executivo e restaurar a figura do Vice-presidente, introduz

um novo título que dizia respeito à família, à educação e à cultura (BULOS, 2002, 28-29).

A Constituição de 1946 foi promulgada em 18 de agosto. Caracterizada pelo espírito liberal e

democrático, essa Constituição fez sentir no campo da educação novos ideais com a

reintrodução de princípios que tinham sido suprimidos na Carta anterior de 1937, como : a

educação como direito de todos, obrigatoriedade da escola primária e a gratuidade do ensino

oficial para todos, bem como assistência aos estudantes por motivo de insuficiência de meios.

Muito embora essa Constituição tenha se baseado em ideais liberais e democráticos, não

comprometeu a continuidade dos princípios defendidos pela ideologia católica (CAETANO,

2007, p.66).

Conforme o Artigo 5º, item XV, letra d, ficou estabelecido que à União caberia a

responsabilidade de legislar e fornecer as diretrizes da educação nacional. De acordo com o

Artigo 31º, incisos II e III, estabeleceu-se uma nova forma de relação entre Estado e Igreja,

conforme se segue:

Art 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: I - criar distinções entre brasileiros ou preferências em favor de uns contra outros Estados ou Municípios;

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II - estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício; III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo; [...] (BRASIL, 1946).

Essa nova relação entre Estado e Igreja reflete-se no Artigo 141, nos parágrafos 7,8 e 10, quando trata da liberdade de consciência de culto.

Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]. § 7º - É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil.

§ 8º - Por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política, ninguém será privado de nenhum dos seus direitos, salvo se a invocar para se eximir de obrigação, encargo ou serviço impostos pela lei aos brasileiros em geral, ou recusar os que ela estabelecer em substituição daqueles deveres, a fim de atender escusa de consciência.

§ 10 - Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal. É permitido a todas as confissões religiosas praticar neles os seus ritos. As associações religiosas poderão, na forma da lei, manter cemitérios particulares. [...]. (BRASIL, 1946).

A compreensão de liberdade religiosa e de consciência ficou assegurada no Artigo 168, inciso

V, da Constituição de 1946, que manteve o Ensino Religioso como oferta obrigatória, porém

com a opção de ser ministrado de acordo com a confissão religiosa dos alunos. “[...] o ensino

religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será

ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou

pelo seu representante legal ou responsável; [...]” (BRASIL, 1946).

Deve-se notar que, ao permitir que o Ensino Religioso fosse dado de acordo com a confissão

do aluno, abriu-se espaço para que outras tradições religiosas fossem contempladas, no

entanto a Igreja continuou dando as diretrizes. Assim, é importante destacar a visão de

Figueiredo (1996) a respeito da presença do Ensino Religioso na Constituição de 1946, por

meio do artigo citado acima:

Por trás do enunciado percebe-se a influência da Igreja Católica, a manter, sempre, a mesma posição, quanto ao tratamento de natureza confessional a ser dado ao Ensino Religioso Escolar. O fio condutor continua ligado à encíclica Divini Illius Magistri,

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onde a educação é concebida como sendo da competência da Igreja e da família e, subsidiariamente, garantida pelo Estado. (FIGUEIREDO, 1996, p. 60).

A partir de 1945, ela veio ampliar seu leque de atuação com a reestruturação da Ação Católica

no Brasil (ACB) e com a sua organização interna através da criação da Associação dos

Educadores Católicos (AEC) em 1945e da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil

(CNBB) em 1952.

É importante destacar que a CNBB, em sua organização, estabeleceu Secretariados Nacionais

de Educação, Ação Social, Ensino Religioso, de Seminário e Vocações Sacerdotais,

Apostolado Leigo e da Liga Católica na década de 1950. Houve também iniciativas da Igreja

Católica em promover suas atividades voltando-se para as classes populares do interior com o

objetivo de promoção social. (CAETANO, 2007, 68).

Entre os anos 1956 e 1958, assiste-se no país a novas disputas que envolvem os representantes

de Escola Nova e os defensores da Ideologia católica. O debate se deu em torno da questão da

escola pública e democrática e também da questão da subvenção por parte do governo de

escolas particulares. Consequentemente, o Ensino Religioso esteve presente nas discussões,

sofrendo duras críticas por parte dos escolanovistas. Vale lembrar que esse debate se situa

justamente no período que antecede a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDBEN), promulgada em 1961. 12

A partir de então, novos desafios serão enfrentados pelo Ensino Religioso. Os mesmos dizem

respeito ao fato de a escola, a partir de 1965, passar por uma crise que permitirá a ela

descobrir-se como instituição autônoma, regida por princípios e objetivos próprios. Por outro

lado, há também a manifestação do pluralismo religioso de maneira mais evidente. Em outras

palavras, nesse período, a escola perde seu caráter catequético, à qual o Ensino Religioso,

enquanto ensino de religião, havia estado ligado até então. (JUNQUEIRA; WAGNER, 2004,

p.25).

12 Em tópico posterior, serão abordadas as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

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A partir disso, a abordagem realizada no tópico posterior procura apresentar o percurso do

Ensino Religioso durante a outorga e promulgação das Cartas Magnas de 1967 e 1988, que

envolveram questões referentes a mudanças na relação da Igreja Católica com o Estado e com

outras religiões. Leva-se em consideração também o contexto em que se elaborou a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971, a repressão do Governo instaurado por

meio do golpe militar de 1964, as mudanças ocorridas no Ensino Religioso e, também, o

surgimento dos textos legais das modalidades confessional e interconfessional.

2.1.7 Ensino Religioso nas Constituições de 1967 e 1988

As Constituições de 1967 e 1988 estão inseridas em um contexto marcado por profundas

mudanças no país de ordem econômica, política e social. Dentre elas, pode-se citar a

instauração de um regime autoritário protagonizado pelo Golpe Militar de 1964 que se

caracteriza pela forte repressão aos direitos sociais e conquistas populares. Por outro lado, é

importante ressaltar, dentre outros fatos, que o período correspondente à elaboração e

promulgação da Carta de 1988 é marcado pelo processo de redemocratização do Brasil com a

mobilização e atuação de vários atores sociais. Em ambos os contextos, a relação da Igreja

Católica tanto com o governo quanto com outras igrejas sofre alterações. O Ensino Religioso

encontra-se no período que compreende essas duas últimas Constituições em um processo de

modificação, que culmina com a atual configuração da disciplina.

As mudanças políticas, sociais e econômicas brasileiras correspondentes aos períodos das

duas últimas Constituições têm origem na década de 1940, muito embora somente partir da

década de 1960 venham a ganhar maior expressão e visibilidade. Vale ressaltar que se

encontram refletidas nos textos constitucionais em vários aspectos, dentre eles, da relação do

Estado com as religiões, em matéria educacional e consequentemente com relação ao Ensino

Religioso. Tomando como ponto de partida o início dessas mudanças, pode-se dizer que:

O país, em uma perspectiva cultural-religiosa, encontra-se a partir da década de 1940 em face de um desafiante período da passagem de uma economia agropastoril para uma realidade de rápida urbanização, ou seja, de uma sociedade aparentemente homogênea para a explicitação de sua realidade pluralista, progressivamente com o vislumbre das novas possibilidades da tecnologia que chega aos lares brasileiros. Além disso, nesse cenário, os movimentos migratórios tanto do campo para a cidade

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quanto intra-regiões certamente deram maior visibilidade a particularidades culturais regionais, colocando em evidencia o pluralismo religioso. (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007, p. 26).

No plano educacional, o ambiente anterior à outorga da Constituição de 1967 diz respeito à

retomada dos debates entre católicos e liberais, tendo como foco a questão da escola particular

e pública, uma vez que a Igreja Católica posicionava-se em favor da escola particular

confessional e também na defesa da subvenção dessas escolas por parte do governo, e os

representantes da escola nova em favor da escola pública e gratuita sem subvenção às escolas

particulares.

Segundo Matos (1996, p.315), Igreja Católica se organiza e passa a atuar por meios de

organismos como a Liga Eleitoral Católica, mas, sobretudo, por meio da Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que, a partir da década de 1960, elabora um plano

pastoral com o intuito de animar e articular sua ação pastoral em nível regional e nacional por

meio de igrejas locais. Isso era feito para garantir a presença da instituição ao mesmo tempo

em uma sociedade que passava por profundo processo de transformação.

[...]. A experiência do planejamento pastoral teve início com o Plano de Emergência (1962), urgido pelo Papa João XXIII. Bastante simples em sua organização, ele se propunha quatro metas ambiciosas: a renovação da paróquia, do ministério presbiteral, da escola católica, e a promoção da ação da Igreja no campo sócio-econômico. [...]. (MATOS, 1996, p.315).

Com relação ao Ensino Religioso, a Igreja Católica vinha desde a década de 1950

modificando aos poucos seu tratamento. O Secretariado da Doutrina Cristã mudou sua

denominação para Secretariado Nacional de Ensino de Religião (SNER). Este mecanismo

realizou vários encontros para discutir o Ensino Religioso; o resultado foi o surgimento de

debates que procuravam diferenciar a Catequese paroquial do Ensino Religioso presente nas

escolas públicas. (CAETANO, 2007, p. 78).

Outro elemento importante que se inscreve em período anterior à Constituição de 1967 é a

elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), aprovada em 1961

em meio às disputas entre católicos e escolanovistas, representantes dos ideais liberais. Um

ponto importante a ser destacado é a garantia de tratamento entre escolas públicas e privadas,

contando inclusive com o encaminhamento de verbas e a legitimação do Ensino Religioso

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como elemento eclesial na escola, adotando-se o modelo Confessional13, e sendo oferecido

sem ônus para os cofres públicos, conforme o Artigo 97 da LDBEN. Conforme se segue:

Art. 97. O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1º A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo de alunos. § 2º O registro dos professôres de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva. (BRASIL, 1961).

Em meio a uma situação de crise política, econômica e ideológica, na qual havia greves,

carestia e descontentamento com o governo, foi deflagrado o Golpe militar de 1964, que

contou com o apoio da forças armadas e também da Igreja Católica, que havia se posicionado

contra o comunismo. Quem assume a presidência é o General Humberto de Alencar Castelo

Branco que, em 1966, encaminhou ao Congresso um Projeto de Constituição que resultou na

outorga da Constituição de 1967 em 24 de janeiro.

A Constituição de 1967 ampliou e centralizou os poderes do presidente da República,

modificou o sistema tributário, reduziu a autonomia dos municípios, privou o Distrito Federal

de possuir representatividade política na Câmara dos Deputados, dentre outras coisas, “[...].

Criou a suspensão de direitos individuais e políticos. [...]”. (BULOS, 2002, p, 30). Por meio

da Emenda Constitucional nº. 1/69, a Constituição de 1967 sofreu mudanças que dizem

respeito ao aumento do mandato presidencial para cinco anos, o estabelecimento de eleições

indiretas para os governos estaduais e a eliminação das imunidades parlamentares. Com

referência à relação entre igreja e estado:

A Emenda Constitucional nº 01, de outubro de 1969, restringiu formalmente o princípio da colaboração entre Estado e Igrejas (artigos 9 e 11), principalmente nos setores educacional, assistencial e hospitalar. Assim é que o parágrafo 5º do Artigo 153 garantia a plena liberdade de consciência e de crença, mas não a liberdade de culto, como nas Constituições de 34 e 46. Além disso, ficava assegurada a assistência religiosa às forças armadas e foram alteradas as cláusulas de equivalência do casamento religioso ao civil. (DANTAS, 2002, p. 56).

Na Constituição de 1967, a educação foi tratada no Artigo 168, segundo o qual seria direito de

todos, podendo ser dada tanto no lar quanto na escola, como se pode observar a seguir: “Art.

13 A temática referente aos modelos de Ensino Religioso será tratada em capítulo posterior.

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168. A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de

oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de

solidariedade humana.” (BRASIL, 1967, p. 62). O Ensino Religioso foi tratado no terceiro

parágrafo desse artigo, item IV, com a seguinte redação: “§ 3º A legislação do ensino adotará

os seguintes princípios e normas: [...]. IV - o ensino religioso, de matrícula facultativa,

constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio.”

(BRASIL, 1967, p. 62).

Com relação à Constituição de 1946, a Carta de 1967 mantém o Ensino Religioso, em caráter

facultativo, como disciplina integrante dos horários das escolas públicas. Entretanto, a Carta

de 1946 estabelece que essa disciplina deveria ser ministrada de acordo com a confissão

religiosa do aluno, o que não aparece no texto de 1967. Por outro lado, a Constituição de 1967

deixa claro que o Ensino Religioso seria ministrado nas escolas oficiais de grau primário e

médio.

Novos acontecimentos surgem após a Constituição de 1967 e incidem sobre o Ensino

Religioso. O regime ditatorial, implantado com o golpe de 1964, apresenta-se repressivo e

autoritário na medida em que cerceou conquistas populares, promoveu a cassação de

membros do executivo com a consequente prisão e também exílio. Tudo era feito em nome da

Política de Segurança Nacional que também destituiu e prendeu líderes sindicais. A Igreja

Católica, que havia apoiado o golpe Militar, toma nova posição diante dos acontecimentos.

A Igreja Católica, constatando o processo de repressão e de iniqüidade, imposto pelo regime militar, começou a ter consciência da incompatibilidade entre as pretensões totalitárias dos militares e a verdade do Evangelho. Assim, com um novo modo de ver sua presença e missão na sociedade, tornou-se grande opositora dos militares, assumindo a luta contra os excessos das forças de segurança, em favor da justiça social, da liberdade e da conscientização das pessoas, quanto às medidas injustas e desumanas. [...]. (CAETANO, 2007, p. 81).

Nessa relação entre Igreja e Estado, havia claros interesses por parte do governo de que a

Igreja fosse colaboradora enquanto aparato de controle social e mantenedora da ideologia do

estatal.

[...], o Estado esperava que a Igreja formasse a consciência cristã dos cidadãos, para que esses desempenhassem com honestidade e dedicação seus deveres para com a sociedade, [...]. Deixava igualmente entrever que as questões políticas, econômicas e

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sociais eram da responsabilidade do Estado e por este deviam ser conduzidas, sem interferência da Igreja. (MARIAE, 1994, p.157).

No setor da educação, essa relação Igreja-Estado evidenciou-se de forma mais visível.

Universidades e educandários católicos sofreram sérias dificuldades financeiras em função de

drásticos cortes de impostos realizados pelo Ministério da Educação (MARIAE, 1994, p.157).

A postura adotada pela Igreja Católica com relação à educação estava sintonizada com um

importante evento: O Concílio Vaticano II (1962-1965). Segundo Matos, “a Igreja saiu do

Concílio como uma Igreja mais modesta, menos triunfalista. Ela quer ser uma presença viva

entre os homens, colaborando na busca de soluções para os problemas que afetam a

humanidade de nosso tempo [...].” (MATOS, 1997, p. 310). As orientações conciliares

influenciam a prática educativa nos colégios católicos de maneira a propiciar o acirramento do

reconhecimento de valores como a liberdade de consciência e a expressão religiosa, no intuito

de buscar a formação integral dos alunos.

O Concílio reafirma a missão da Igreja junto às escolas não católicas; fala da necessidade da formação espiritual de uma maneira adaptada e, apelando para o argumento da liberdade religiosa, chama as autoridades civis para o dever de promover a educação religiosa dos alunos, conforme os princípios morais e religiosos das famílias. [...]. (PASSOS, 2007, p. 61).

Outro elemento importante nesse novo posicionamento da Igreja são as Conferências Gerais

do Episcopado Latino Americano, ocorridos em Medellin, Colômbia (1968) e Puebla, México

(1979). Esses eventos marcaram uma mudança na postura da Igreja no sentido de adotar uma

ação de cunho libertadora, com aproximação maior dos meios populares. “[...], a Igreja, no

Brasil, toma maior distância dos regimes e sistemas com os quais convivia, inaugurando-se

um novo modelo de relações com a sociedade civil, sem a intermediação do Estado.”

(CAETANO, 2007, p.86).

O Ensino Religioso passa por uma grande crise a partir da entrada em vigor da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 5692/71. Essa lei abre a possibilidade de

remuneração dos professores com ônus para o Estado, revogando o artigo 97 da LDB anterior

e ainda mantém deliberações da LDBEN 4.204/61 “[...], segundo as quais os professores de

Ensino Religioso deveriam ser registrados pela respectiva autoridade religiosa que, também,

os capacitaria e os acompanharia.” (CAETANO, 2007, p. 87). Entretanto, o elemento

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propiciador da crise diz respeito à introdução da Moral e Cívica no currículo conforme

previsto no artigo 7º da nova LDBEN.

As dificuldades surgiram na medida em que os sistemas de Ensino faziam esforços de

regulamentar a introdução das novas disciplinas, dentre elas o Ensino Religioso. Nesse

episódio, vem à tona a discussão do Ensino Religioso e da questão da liberdade religiosa e de

consciência, uma vez que a legislação delegava às igrejas a supervisão e o planejamento das

atividades de Ensino Religioso.

A partir de então iniciam-se as discussões, nem sempre tranqüilas, sobre a natureza e identidade do Ensino Religioso como disciplina da grade curricular, distinta da Catequese ou ensino da Religião (próprios das Igrejas Cristãs). As dificuldades para se chegar a um acordo quanto ao seu papel na escola pública, o que exigiria uma metodologia e linguagem próprias, levou à estagnação do processo de renovação da prática pedagógica dessa disciplina. (DANTAS, 2002, p. 61).

Na década de 1970, destaca-se a atuação do Padre Wofgang Gruen14 que, em suas reflexões,

procurou diferenciar o Ensino Religioso da Catequese, e propôs também que se deveria

conceber o Ensino Religioso como um elemento participante e integrante da vida escolar e

não mais ser visto como uma extensão ou um prolongamento eclesiástico no meio escolar.

A década de 1980 é marcada por grave crise econômica e profunda recessão. É também nesse

período que ocorre a redemocratização do país. A crise econômica propiciou a perda da

legitimidade do regime, e, com isso, abriu-se caminho para que a sociedade se organizasse e

adotasse uma postura e enfrentamento a ele. “Com o apoio da Igreja, apesar de toda estrutura

militar, grupos e organizações de base, transformaram-se em sujeitos políticos e/ou agentes

transformadores.” (CAETANO, 2007, p. 92).

Com o fim do regime militar, José Sarney assume a Presidência da República em 15 de março

de 1985, em lugar de Tancredo Neves, que havia sido eleito o primeiro presidente civil após a

vigência da ditadura militar, mas que faleceu por grave doença antes de tomar posse. Nesse

sentido, após a instalação do novo governo, foi convocada nova Assembléia Constituinte.

14 Para maiores esclarecimentos acerca da contribuição de Wolfgang Gruen para o Ensino Religioso, é importante consultar: Idas e Vindas do Ensino Religioso em Minas Gerais. Obra que tem por autor Antônio Francisco da Silva e apresenta pesquisa realizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Nessa pesquisa, Antônio Francisco procura apresentar a proposta e contribuições de Wolfgang Gruen para o Ensino Religioso, sobretudo a partir da perspectiva da legislação educacional, bem como a recepção da mesma em escolas públicas da Rede Estadual. (Cf. SILVA, 2007)

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Durante a Assembléia Constituinte que preparava a Constituição de 1988, houve muitos

debates contanto com a participação de vários setores da sociedade civil e política. Dentre

outros, pode-se citar a elite, os setores populares, as instituições religiosas, as organizações

educacionais, as áreas de saúde e os meios de comunicação. (CAETANO, 2007, p. 92). No

campo educacional, as discussões foram intensas. Elas se davam por meio de organizações

que representavam interesses conservadores de um lado e progressistas de outro, com o

intuito de influenciar a redação da nova constituição.

Durante os debates da Constituinte (1987-88) e nas Constituições estaduais que se lhe seguiram, a questão do Ensino Religioso voltou a ser amplamente discutida. A manutenção do dispositivo do Ensino Religioso foi defendida por entidades católicas, como a Associação Brasileira de Escolas de Ensino Superior (ABESC), Associação de Educação Católica (AEC), Campanha Nacional pela Escola da Comunidade (CNEC) e também pela Federação Nacional de Estabelecimentos de Ensino Particular (FENEN), que apresentaram mais de oitocentas mil assinaturas favoráveis às emendas pró-Ensino Religioso na escola pública de ensino fundamental e médio. Já as entidades componentes do Fórum de Educação pela Escola Pública, que defendiam o "ensino laico", chegaram a reunir duzentos e oitenta mil assinaturas a favor dessa proposta. (DANTAS, 2002, p. 63).

Segundo Caetano (2007, p. 94), a Constituição de 1988, em atendimento às reivindicações dos

grupos religiosos, incluiu o Ensino Religioso conforme o Artigo 210, § 1º: “O Ensino

Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas

públicas de ensino fundamental.” (BRASIL, 1988, p.95).

A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº. 1 de 1969 haviam estabelecido que o

Ensino Religioso fazia parte dos horários das escolas de nível primário e médio.Isso se deu de

forma diferenciada da Carta Magna de 1988, que estabelece que o Ensino Religioso faz parte

dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, abrindo novas perspectivas

e desafios para a disciplina refletidas na nova LDBEN de 1996. Nesse sentido, é importante

destacar, segundo Figueiredo (1996), que:

O momento da Constituição provocou um amplo debate também sobre o Ensino Religioso, que se situa num contexto maior, ou seja, dentro da própria realidade da educação no Brasil, no campo específico da educação escolar que, por sua vez, está em profundo questionamento. (FIGUEIREDO, 1996, p.76).

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Após a promulgação da Constituição, deu-se início a discussões para elaboração da nova Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ocorrem vários debates, e emendas são

apresentadas à Comissão de Educação da Câmara, por meio de universidades e entidades

representativas de classe. Os resultados vieram com o Projeto de Lei nº. 1258-C segundo o

qual, além de o Ensino Religioso manter seu caráter facultativo no nível fundamental, admite

duas modalidades de Ensino Religioso, a confessional e a interconfessional, além de

prescrever que os sistemas, juntamente com as entidades religiosas, devem se responsabilizar

pela oferta do Ensino Religioso e também pelo credenciamento dos professores. (DANTAS,

2002, p.64).

Diante do que foi exposto até este ponto, pode-se dizer que a abordagem do Ensino Religioso

a partir dos Textos Constitucionais confirma a tese de Cury (2004), de que ele é mais que uma

disciplina no âmbito escolar. Sua concepção, manutenção e transformação estiveram ligadas,

ao longo do tempo, aos acontecimentos históricos e sociais em nosso país, tendo como pano

de fundo a relação entre Igreja Católica e Estado, que, por sua vez, envolve elementos

políticos e ideológicos.

O período que antecede e compreende a Constituição de 1988 assiste a esforços significativos

no sentido de se conceber o Ensino Religioso de maneira diferenciada da catequese. Com a

LDBEN de 1996, ele se insere na perspectiva dinâmica do ensino fundamental com objetivo

de formar o cidadão. No entanto, as dificuldades relativas à definição de conteúdos,

habilitação e admissão de professores continuaram fazendo parte das reflexões em torno da

disciplina, tendo em vista a busca de uma nova identidade para o Ensino Religioso.

Nesse sentido, nos tópicos seguintes, o Ensino Religioso será abordado a partir da ótica de

sua presença nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e na legislação educacional

do Estado de Minas Gerais.

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3 ENSINO RELIGIOSO NAS LEIS DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL E NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL EM MINAS GERAIS

A abordagem da trajetória do Ensino Religioso no Brasil, realizada a partir do enfoque da

presença do mesmo nas Constituições, revela que este componente curricular possui seu

desenvolvimento ligado, sobretudo, às relações mantidas entre Igreja Católica e Estado. Essa

instituição eclesiástica, por sua vez, articulou, em diversos momentos, ações em favor da

manutenção do mesmo no meio escolar; em outras palavras, a mobilização católica foi

fundamental para que o Ensino Religioso se mantivesse presente nas escolas públicas,

garantido por meio dos textos constitucionais. É importante ressaltar também que a

articulação católica se fez presente também na reivindicação do Ensino Religioso nas Leis de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A implementação das LDBENs serviu de baliza

para que os Estados organizassem seus sistemas de ensino, contando com a presença do

Ensino Religioso.

Assim, neste estudo, procurou-se dar continuidade à abordagem do Ensino Religioso a partir

das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, respectivamente: Lei 4.024 de 1961, Lei

5.692 de 1971 e Lei 9.394 de 1996, para, na sequência, abordar de que forma o Ensino

Religioso está presente na legislação educacional do Estado de Minas Gerais.15

3.1 Ensino Religioso nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

O clima que antecede a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024)

foi marcado pela disputa entre os defensores da ideologia católica e os defensores da Escola

Nova. Segundo Caetano (2007, p. 71), as raízes desse conflito encontram-se desde 1932,

período no qual representantes da ideologia católica atacam Anísio Teixeira, diretor do

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), acusando-o de levantar questionamentos

15 Neste tópico, a abordagem do Ensino Religioso em Minas Gerais será feita apenas sob o aspecto da legislação. Em tópico posterior a abordagem do Ensino Religioso em Minas Gerais será feita sob a perspectiva do modelo referente à esta disciplina adotada por este Estado.

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contra o apostolado católico e colégios particulares, apoiado em princípios que coincidem

com as linhas mestras do materialismo histórico.

Em novembro de 1948, foi instaurada uma comissão, cuja finalidade era realizar estudos e

propor anteprojeto para a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional. Durante esse

tempo, até a promulgação da LBDEN de 1961, a disputa se acirrou entre católicos e

escolanovistas 16. Os católicos defendiam a escola particular bem como a subvenção dessas

por parte do Estado, além de acusarem os defensores da Escola Nova de tentar laicizar o

ensino.

Finalmente, o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi aprovado, em 1961, com mais de 200 emendas que procuravam conciliar as tendências em disputa. Entretanto, a referida legislação acabou frustrando as expectativas dos setores mais progressistas, porque garantiu igualdade de tratamento, por parte do Poder Público, tanto para as escolas públicas, quanto para as particulares, viabilizando, assim, o encaminhamento de verbas públicas para as escolas particulares. (CAETANO, 2007, p. 75).

Segundo Figueiredo (1995, p. 61), há uma tendência do legislador em salvaguardar os

interesses dos grupos dominantes, entretanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional de 1961, no que se refere ao Ensino Religioso, adotou uma postura que procurou

salvaguardar os interesses tanto de católicos quanto de seus opositores, conforme o Artigo 97:

O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários normais das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado sem ônus para os cofres públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1º - A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo de alunos. § 2º - O registro dos professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva.

A redação da LDBEN de 1961 homologou o modelo mais antigo de Ensino Religioso

(JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007, p. 31). Vale ressaltar que a confessionalidade

do Ensino Religioso já havia sido explicitada nas Constituições de 1934 e de 1946, mas não

16 O termo escolanovistas refere-se aos seguidores do movimento Escola Nova, que tem suas origens na década de 1920, vindo a alcançar grande repercussão na década seguinte. Dentre outras coisas, esse movimento defendia a universalização da escola pública, laica e gratuita. Os escolanovistas protagonizaram embates contra os defensores do Ensino Religioso, sobretudo a partir de questões relativas à laicidade e à escola pública, uma vez que militavam contra qualquer subvenção por parte do Estado de escolas confessionais particulares e em favor da retirada do Ensino Religioso da escola pública.

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constava mais nos textos constitucionais de 1937, 1967 e 1969 (GRUEN, 1994, p. 57). A

postura do Estado em se posicionar de maneira a salvaguardar os interesses dos dois grupos

que polarizavam os debates em torno da questão do Ensino Religioso trouxe para a disciplina

uma série de dificuldades referentes ao âmbito escolar.

O Estado parece tomar posição de neutralidade em relação ao desempenho pedagógico da escola; o Ensino Religioso, antes assegurado, é aqui pouco compreendido como elemento integrante do sistema educacional; o próprio Estado recusa as condições materiais necessárias à sua inclusão como elemento normal do currículo [...]. (CNBB, 1987, p. 65).

A expressão “sem ônus para os cofres públicos”, além de demonstrar a recusa do Estado em

oferecer as condições materiais para que o Ensino Religioso integrasse o currículo escolar,

trás também outras consequências. Segundo Figueiredo (1996, p. 62-63), ocorre

discriminação do professor de Ensino Religioso, pois ele, como profissional do ensino, não

tem direito à remuneração; há também o desencontro dos educandos dos respectivos credos; a

discriminação do Ensino Religioso se deveu em grande medida pelo fato de o mesmo ser

ministrado por representantes de entidades religiosas, vistas como elementos que não

possuíam vínculo com o sistema de ensino, o que culminava com o risco da disciplina assumir

caráter proselitista.

Segundo Junqueira; Corrêa; Holanda (2007, p. 32-33), no período posterior à LDBEN de

1961, o modelo confessional orientou Ensino Religioso nos Estados a partir de uma

perspectiva catequética, contando com a atuação dos professores por meio de trabalho

voluntário. Nesse sentido, a organização catequética que ocorria no âmbito institucional

religioso serviu de orientação para o trabalho desses professores em âmbito escolar,

proporcionando assim o risco do proselitismo.

A segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (5.692) de 1971 foi implantada no

período que se compreende após o Golpe Militar de 1964, isto é, “[...] foi elaborada no

momento de maior repressão do regime militar [...].” (CAETANO, 2007, p. 84). Nesse

sentido, reflete as orientações do regime militar, que procurou implantar uma política

educacional atrelada ao mercado de trabalho e alinhada com o modelo de política econômica

vigente “[...] embasado na centralização da riqueza nas mãos de poucos e na extrema

dependência dos Estados Unidos [...]” (CAETANO, p. 81).

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Segundo Junqueira (1995, p. 64), o Ensino Religioso é contemplado na LDBEN 5.692 de

1971 por meio da transcrição do inciso IV do Artigo 168 da Constituição de 1967 e do inciso

V da Emenda Constitucional nº. 1 de 1969, frutos de outorga. Dessa forma, o Ensino

Religioso se faz presente na LDBEN de 1971 por meio do Artigo 7º, em parágrafo único, com

a seguinte redação: “O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos

horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º Graus”.

Essa lei revogou o Artigo nº. 97 da LDBEN de 1961, que desautorizava o ônus do Estado com

relação à remuneração dos professores de Ensino Religioso. A LDBEN de 1971 voltou a

explicitar o caráter facultativo do Ensino Religioso e o estendeu ao 2º grau, mantendo o ônus

da disciplina sob a responsabilidade do Estado. Segundo Gruen (1995), a LDBEN de 1971

por meio do artigo nº. 7, parágrafo único, apenas incorporou o Ensino Religioso conforme a

Constituição de 1967, artigo nº. 168, § 3º, IV e a Emenda Constitucional de 1969, artigo nº.

176, § 3º, V.

No entanto, ainda no Artigo nº. 7º, a LDBEN de 1971 introduziu outros componentes

curriculares juntamente com o Ensino Religioso, a saber: Educação Artística, Educação Física

e Educação Moral e Cívica. Nas mudanças trazidas pela LDBEN de 1971, “[...] o ER foi

contemplado por ser compreendido como elemento que colaboraria na ‘formação moral’ das

gerações [...]” (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007, p. 34), uma vez que tais

disciplinas, no contexto da década de 1970, inserem-se em um cenário de racionalidade

técnica 17. Dessa forma, a formação profissionalizante18 se tornaria a bandeira da escola

pública, visando a formar para o mercado de trabalho, no intuito de atender exigências do

capitalismo industrial internacional a partir dos interesses do governo brasileiro. O Ensino

Religioso passou a compor a área de Estudos que agregavam essas novas disciplinas. Segundo

17 A racionalidade técnica é aqui entendida como uma orientação de formação profissional que norteou as práticas escolares da década de 1970. Isto é, a escola pública procurava atender a uma demanda de mercado; nesse sentido, a formação profissional pode ser entendida como uma formação técnica. 18 A educação profissionalizante atendia a anseios do Governo brasileiro que pretendia promover o desenvolvimento industrial. Alinhado com esse direcionamento técnico, havia também o interesse do Governo em educar o cidadão para a prática de um civismo de cunho domesticador. O Ensino Religioso juntamente com as disciplinas Educação Artística, Educação Física e Educação Moral e Cívica atenderiam aos anseios governistas de um civismo pautado pela obediência e disciplina.

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Oliveira et al. (2007, p.54), essas disciplinas estavam direcionadas para a formação cívica e

moral alinhadas com os interesses dos militares no poder.

Após a LDBEN 5.692 de 1971, o cenário educacional brasileiro conta ainda com a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394 sancionada em 1996. O contexto que a

antecede é composto pelo fim da Ditadura Militar, reivindicações populares de direitos e

cidadania, o retorno à legalidade de partidos políticos que haviam sido marginalizados e o

abrandamento da censura. Em síntese, é o contexto da chamada redemocratização do país que

contempla a promulgação da Constituição de 1988.

Oito anos após a promulgação da Constituição, foi sancionada, em 20 de dezembro de 1996, a LDBEN 9.394/96, denominada também de “Lei Darcy Ribeiro”. Orientava os sistemas de educação de todo país e pretendia favorecer a diversidade nacional e a pluralidade cultural brasileira. Implicou uma nova compreensão para a Educação nacional, com princípios e fins mais amplos. (JUNQUEIRA; CORRÊA; HOLANDA, 2007, p. 35-36).

Dentre os princípios compreendidos na nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional

(9.394/96), é importante destacar que a Educação inspirada nos princípios da liberdade e da

solidariedade humanas para ser ministrada deve se embasar, dentre outras coisas, no

pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, no respeito à liberdade e apreço à

tolerância e valorização do profissional da educação escolar, conforme os Artigos 2º e 3º da

referida LDBEN.

A presença do Ensino Religioso na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96

reflete o novo contexto vivido no país no processo de redemocratização e na elaboração da

Constituição de 1988. Durante a elaboração da Constituição de 1988, houve mobilização

popular no sentido de garantir o Ensino Religioso como um direito do educando. “A emenda

constitucional para o Ensino Religioso foi a segunda maior emenda popular que deu entrada

na Assembléia Constitucional, pois obteve 78.000 assinaturas.” (JUNQUEIRA; WAGNER, p.

26). Verifica-se nessa fase que a mobilização para garantir o Ensino Religioso na Lei maior

começou a ser articulada com os próprios professores da disciplina. A Igreja Católica que,

durante muito tempo estava na linha de frente na defesa da manutenção do Ensino Religioso,

a partir da Constituinte de 1988 cede lugar à atuação de educadores, conforme se pode

perceber a seguir:

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O que antes era feito somente pela Igreja Católica, agora é assumido, de modo especial, pelos próprios educadores, graças ao incentivo da própria Igreja em devolver à sociedade as suas funções por dever, na conquista de seus direitos de cidadania, dentre os quais o da garantia do ER na escola pública. (CARON, 1997, p.16).

As entidades que atuaram em favor da manutenção do Ensino Religioso durante a

Constituinte foram, dentre outros, a Associação Interconfessional de Educação de Curitiba

(ASSINTEC), o Conselho de Igrejas para a Educação Religiosa (CIER), de Santa Catarina, o

Instituto Regional de Pastoral de Campo Grande, do Mato Grosso do Sul (IRPAMAT) e

também tiveram atuação a Associação de Educação Católica (AEC), o Setor de Educação da

CNBB por meio do Grupo de Reflexão do Ensino Religioso (GRERE).

Logo após a promulgação da Constituição de 1988, começaram os trabalhos para a elaboração

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, que recebeu mais de 1.260

emendas até ser sancionada por Fernando Henrique Cardoso, então Presidente da República.

Durante a tramitação do Projeto de Lei para a nova LDBEN, houve grande mobilização

nacional no intuito de suprimir a expressão “sem ônus para os cofres públicos”, introduzida

por Darcy Ribeiro no referido projeto em fevereiro de 1996.

Atuaram imediatamente para tal finalidade: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação de Professores de Ensino Religioso do Distrito Federal (ASPER), o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso, a partir de carta aberta de 26 de março de 1996, elaborada na 1ª sessão. (CARON, 1997, p. 19).

Em maio de 1996, a CNBB, reunida durante a 34ª Assembléia Geral dos Bispos do Brasil, em

Itaici, no Estado de São Paulo, elaborou uma carta encaminhada aos deputados federais

pedindo para que a expressão “sem ônus para os cofres públicos” fosse suprimida. A

iniciativa da CNBB contou com o apoio do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC),

da Associação de Educação Católica (AEC) e também de outras entidades. A mobilização

nacional foi intensificada a partir da atuação dos participantes do 11º Encontro Nacional de

Ensino Religioso (11º ENER), evento promovido pela CNBB em agosto de 1996. Em outra

frente, o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso atuou junto à Câmara dos

Deputados e ao Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Apesar da mobilização realizada, a nova Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional de

1996 manteve no Artigo 33 a expressão “sem ônus para os cofres públicos.” Entretanto, essa

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nova LDBEN contempla em seu texto duas modalidades de Ensino Religioso, a saber:

Confessional e interconfessional. A primeira de acordo com a opção religiosa do aluno e a

segunda seria resultado do acordo entre entidades religiosas.

Art. 33 – O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter: I. confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou de seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas entidades religiosas; ou II. interconfessional, resultante de acordo entre diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa. (BRASIL, 1996)

Esse artigo da LDBEN 9.394 de 1996 retoma a expressão “sem ônus para os cofres públicos”,

constante no artigo nº. 97 da LDBEN de 1961, que havia sido retirada na LDBEN de 1971. O

não financiamento do Ensino Religioso por parte do Estado, bem como o mesmo sendo

entendido nas perspectivas confessional e interconfessional, suscita novas discussões em

torno da dificuldade de conceber a disciplina como elemento integrante do âmbito escolar,

pois a mesma seria como “corpo estranho” 19, isto é, elemento de competência das instituições

religiosas no meio escolar.

O ponto que resulta em novas polêmicas acerca do Ensino Religioso diz respeito justamente

ao financiamento da disciplina, sobretudo ao ônus da mesma expresso na primeira versão do

artigo nº. 33 da LDBEN de 1996, pois ao Estado caberia assumir o financiamento do ensino

público. Na medida em que ele se exime do ônus e transfere essa tarefa para as entidades

religiosas, deixa transparecer que o Ensino Religioso não é de sua competência. Essa

polêmica quanto ao ônus do Ensino Religioso relaciona-se com a história da disputa entre

Igreja Católica e Estado, umas vez que ambos utilizaram este componente curricular como

instrumento de disputa política; por outro lado, dificultava a compreensão pedagógica da

disciplina, uma vez que favorecia a postura catequética e não de disciplina constante do

currículo escolar. (JUNQUEIRA, 2002, p. 44-45).

19 A expressão “corpo estranho” é utilizada por Wolfgang Gruen para destacar a prática do Ensino Religioso catequético e confessional como algo que não é próprio ao âmbito escolar. Isto é, que não se integra ao ambiente escolar e acaba por promover a discriminação tanto da disciplina quanto do próprio professor. Pode-se perceber melhor o posicionamento de Gruen consultando sua obra o Ensino Religioso na escola. (GRUEN, 1995).

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Houve descontentamento das comunidades escolares e de diversas denominações religiosas.

As primeiras pelo fato de a disciplina não integrar-se à dinâmica escolar, pois, favorecida a

partir de uma postura catequética, continuaria sendo vista como corpo estranho no currículo

escolar. Por outro lado, o descontentamento das entidades religiosas deveu-se ao fato de terem

que arcar com o ônus da disciplina. Iniciou-se um processo de revisão do Artigo 33 da

LDBEN de 1996. Foram apresentados três projetos com o objetivo de alterar o referido artigo,

a saber: Projeto de Lei nº. 2757/97, de autoria do Deputado Nelson Marchezan, o Projeto de

Lei nº. 2997/97, do Deputado Maurício Requião e o Projeto de Lei nº. 3043/97 de iniciativa

do Poder Executivo. 20

Esses projetos estavam em sintonia com os dispositivos constitucionais sobre o Ensino Religioso, atendiam às reivindicações de diferentes orientações religiosas e defendiam a inclusão do Ensino Religioso, como parte integrante da formação do cidadão, possibilitando-lhes o acesso à compreensão do fenômeno religioso e ao conhecimento de suas manifestações nas diferentes denominações religiosas. Obrigava o Estado a promover o Ensino Religioso no que diz respeito ao seu custeio a sua previsão na grade horária curricular, prevendo-o no espaço e tempo da grade curricular. (CAETANO, 2007, p. 101).

Segundo Caron (1997, p. 26), os três projetos apresentados receberam emendas na Comissão

de Educação e Cultura cumprindo os prazos regimentais. O Deputado Padre Roque

Zimermann foi o relator que, após ouvir a sociedade representada pela Conferência Nacional

dos Bispos do Brasil (CNBB), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), Fórum

Nacional Permanente de Ensino Religioso (FONAPER) e Ministério da Educação e Cultura

(MEC), atuou na elaboração de um substitutivo ao Projeto de Lei nº 2757/97, do Deputado

Nelson Marchezan, levando em conta o que já havia sido apresentado no outros dois projetos.

A nova redação foi votada na Câmara dos Deputados e houve no Senado Federal aprovação

da maioria absoluta do plenário em 08 de julho de 1997. Em 22 de julho do mesmo ano, a

nova lei foi sancionada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso sob o número 9.475 com

a seguinte redação:

20 O Projeto de Lei nº. 2757/97, de autoria do Deputado Nelson Marchezan, pretendia a retirada da expressão “sem ônus para os cofres públicos”. Projeto de Lei nº. 2997/97, do Deputado Maurício Requião, pretendia uma alteração maior ao artigo nº. 33, prevendo que a disciplina seria parte integrante da formação do cidadão, vedando quaisquer formas de doutrinação e proselitismo, respeitando a diversidade cultural brasileira e também que os conteúdos seriam definidos por parâmetros curriculares nacionais em comum acordo com as diferentes denominações ou suas entidades representativas. O Projeto de Lei nº. 3043/97 de iniciativa do Poder Executivo pretendia acrescentar a modalidade de Ensino Religioso Ecumênico ao artigo nº. 33 da LDBEN de 1996, ao qual não se aplicaria o dispositivo “sem ônus para os cofres públicos.” (CARON, 1999, p. 24-25).

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Art. 1º - O art. 33 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 33 – O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (BRASIL, 1997).

A versão final da LDBEN 9.394/96 manteve o Ensino Religioso em caráter facultativo, as

modalidades confessional e interconfessional foram retiradas do texto, o Ensino Religioso

passa a compreender o Ensino Fundamental e, a partir dessa lei, é concebido como parte

integrante da formação básica do cidadão. Essas mudanças, alinhadas com a perspectiva do

respeito à diversidade cultural religiosa e o veto ao proselitismo, representaram para o Ensino

Religioso um importante marco no sentido de buscar sua identidade e pertinência no meio

escolar. Oliveira et al. (2007) destaca:

a reformulação do artigo 33 fixou um caminho importante para orientar o perfil do componente curricular e a habilitação do corpo docente de Ensino Religioso, estabelecendo que essa tarefa é das instituições de ensino superior que, por meio do ensino, pesquisa e extensão, podem formar professores devidamente habilitados, pedagógica e didaticamente, para essa área de conhecimento. (OLIVEIRA et al, 2007, p. 56).

Ainda, segundo Oliveira et al (2007), a mudança na legislação operacionalizada pela alteração

do Artigo 33 representa para o Ensino Religioso um marco essencial em sua trajetória, pois

apresenta a disciplina como parte integrante da formação básica do cidadão e assegura o

respeito à diversidade cultural e religiosa brasileira. (OLIVEIRA et al, 2007, p. 55).

Em 12 de março de 1997, foi aprovado Parecer 3/97, que tratava dos Parâmetros Curriculares

Nacionais. Este documento foi elaborado sob a coordenação da Secretaria de Educação Básica

do MEC. No entanto, “[...] no âmbito dos Parâmetros Curriulares Nacionais, do MEC, não

constava a área referente ao Ensino Religioso.” (CAETANO, 2007, p.104). A partir desse

fato, segundo Caron (1997, p. 23), a CNBB, o Grupo de Reflexão do Ensino Religioso

(GRERE) e o Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (FONAPER) se mobilizaram

para que houvesse a inclusão da disciplina. Sob a coordenação do FONAPER, foi constituído

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um grupo de trabalho que contou com a colaboração de muitos educadores e entidades

religiosas (CARON, 24). Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso

receberam avaliação positiva dos pareceristas do MEC e foram publicados em 1997 pela

Editora Ave-Maria.

A partir de então, juntamente com a nova redação do Artigo 33 da LDBEN 9.394/96, os

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso passaram a servir de referência

para que os Estados organizassem o Ensino Religioso em seus Sistemas de Ensino agora em

perspectiva diferenciada da concepção de catequese escolar.

Feitas essas considerações a respeito das LDBENS, no tópico seguinte a abordagem procurará

enfocar o Ensino Religioso no Estado de Minas Gerais sob a perspectiva da legislação

educacional. Pretende-se, nesse percurso, apresentar o processo pelo qual a disciplina passa

no Estado mineiro, destacando, dentre outras coisas, a reflexão de Wolgang Gruen, que

influenciou a legislação e proporcionou uma mudança significativa na compreensão da

disciplina fora dos moldes confessionais.

3.2 Ensino Religioso na Legislação Educacional em Minas Gerais

A história do Ensino Religioso no Brasil é marcada, desde o período Colonial, pela relação

estabelecida entre Estado e Igreja. Nesse aspecto, salienta-se dessa relação que a Igreja

Católica se manteve em destaque como religião majoritária e principal articuladora da

manutenção do Ensino Religioso nas Constituições Federais, com exceção da Constituição de

1988 21 em que se verifica a participação popular e de outras entidades religiosas.

Em Minas Gerais, o percurso feito pelo Ensino Religioso, da mesma forma, encontra-se

intimamente ligado à presença e atuação da Igreja Católica, sobretudo para sua manutenção

na legislação, tanto nas Constituições do Estado quanto em decretos e pareceres. Assim, é

21 As entidades que atuaram em favor da manutenção do Ensino Religioso durante a Constituinte de 1988 foram, dentre outras, a Associação Interconfessional de Educação de Curitiba (ASSINTEC), o Conselho de Igrejas para a Educação Religiosa (CIER), de Santa Catarina, o Instituto Regional de Pastoral de Campo Grande, do Mato Grosso do Sul (IRPAMAT) e também tiveram atuação a Associação de Educação Católica (AEC), o Setor de Educação da CNBB, por meio do Grupo de Reflexão do Ensino Religioso (GRERE).

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importante fazer menção à religiosidade presente na história de Minas Gerais e à forma de

presença que o catolicismo desenvolveu nesse Estado, para compreender melhor de que

maneira esses aspectos encontram-se refletidos, sobretudo com a presença do Ensino

Religioso, na legislação mineira.

Segundo Silva (2007, p. 10-11), o catolicismo português encontra-se como elemento basilar

no desenvolvimento do povo mineiro, pois as práticas religiosas mineiras apresentam-se

fortemente influenciadas pela herança da religião oficial, o catolicismo. Entretanto, esse autor

ainda salienta que a religião católica, praticada no Estado mineiro, contou com a presença de

elementos provenientes do encontro das culturas ameríndia e africana. Destacando-se o fato

de a religião ter-se constituído no Estado, sobretudo no período Colonial, como marco forte e

preponderante no qual os aspectos religiosos e políticos caminharam juntos; eles se

alimentaram mutuamente até o início do período Republicano, quando há o afastamento entre

Igreja e Estado, muito embora esse fato não tenha afetado a força da religiosidade mineira.

Olhando a legislação mineira sobre o Ensino Religioso, salientando de modo especial a influencia de Belo Horizonte, centro das decisões, onde percebemos o Ensino Religioso marcando seu lugar ou pelo menos querendo ocupar seu espaço. Há uma resistência da Igreja Católica pela permanência do Ensino Católico nas Escolas Públicas, mesmo com a separação da Igreja com o Estado na chegada da República. (SILVA, 2007, 11-12).

Segundo Dantas (2002, p. 32), durante o período da colonização, os professores de Ensino

Religioso atuavam sob o comando da Igreja Católica, mantida pelo Estado em decorrência do

regime do padroado. O Ensino Religioso desse período caracterizava-se pela ênfase na

tematização dos valores cristãos, com ênfase nos potenciais intelectual, espiritual e de

habilidades artísticas, seu pano de fundo possuía um caráter doutrinador e disciplinador. No

período Colonial, há uma mudança na religiosidade mineira com o surgimento do catolicismo

popular devocional. “Faz parte dessa mentalidade a devoção aos santos, particularmente a

piedade mariana, que se acredita estarem muito próximos e atuantes no cotidiano dos fiéis

católicos; [...]”. (DANTAS, 2002, p. 32).

Essa modalidade de catolicismo, vivenciada em Minas Gerais, favoreceu o desenvolvimento,

nos períodos decorrentes, de uma prática religiosa mais doméstica, isto é, menos ligada ao

plano institucional. Essa configuração da religiosidade mineira explica as razões que

propiciaram o encontro do catolicismo com outras tradições religiosas, sobretudo por meio

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das confrarias, e que marcaram profundamente a presença religiosa nesse Estado, como se

pode perceber no trecho a seguir:

O ensino de religião, no período Imperial, acontece de forma mais doméstica do que institucional, pois grande parte do clero estava comprometido com serviços públicos. O laicato começava a ocupar-se de funções até então exercidas pelo clero. É a época do surgimento de confrarias que aproximam as culturas africanas e européias, explicitando um sincretismo já presente no dia a dia. (SILVA, 2007, p. 20).

Com a proclamação da República em 1889, a separação entre Igreja Católica e Estado e a

promulgação da primeira Constituição republicana em 1891, o Ensino Religioso foi proibido

nos horários normais das escolas públicas da rede estatal.

Apesar da proibição em âmbito federal, em Minas Gerais, segundo Silva (2007, p.26), o

Ensino Religioso, durante os primeiros anos da República, continuou em caráter facultativo

sem que houvesse protestos e reclamações. Somente em 1906 o Governador João Pinheiro

proibiu o Ensino Religioso das escolas públicas, bem como recomendou a retirada de imagens

e símbolos religiosos das salas de aula. Em desagravo, o povo das cidades mineiras de Estiva

e São Caetano de Chopotó prometeu colocar o crucifixo em todas as salas de aula. Esse fato

deu forças ao início de um movimento em prol do Ensino Religioso no Estado.

Sobre esse fato Dantas (2002) relata que,

[...] o Ensino Religioso nas escolas públicas foi considerado um sinal de submissão do Estado em relação à Igreja Católica. Isto o levou a eliminar a instrução religiosa do currículo escolar e a suspender a ajuda oficial aos seminários, como expressão do seu compromisso com os princípios positivistas e a implantação de um Estado leigo. O monopólio exercido pela Igreja Católica no processo de socialização das novas gerações ficou ameaçado, desencadeando uma campanha pela recristianização da sociedade mineira, sob a liderança do bispo de Mariana, D. Joaquim Silvério Pimenta. (DANTAS, 2002, p. 45).

Destaque-se que, já em 1901, segundo Ferreira (2008, p. 7), Dom Joaquim Silvério foi o

primeiro prelado a dialogar com o Governo da República em favor da manutenção do Ensino

Religioso. A batalha em favor da manutenção do Ensino Religioso sempre contou com a

participação católica e pode ser verificada desde a instauração da República até a Assembléia

Constituinte de 1988 e nas discussões em torno da elaboração da LDBEN 9.394 de 1996.

Nesse processo, a participação de católicos mineiros merece destaque.

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Outros acontecimentos importantes com relação ao Ensino Religioso no Estado dizem

respeito à realização dos Congressos Católicos Mineiros, nos anos 1910,1911, 1914 e 1918,

sendo o primeiro realizado em Juiz de Fora e os demais na capital mineira, em Belo

Horizonte. Esses congressos defenderam a manutenção do Ensino Religioso convocando as

lideranças católicas para atuarem em favor do mesmo sob a argumentação de que a escola

leiga constituía-se como séria ameaça à fé. Ressalte-se que já havia no Estado em 1916 e

1917, por meio, sobretudo da ação da União dos Moços Católicos, a entronização de

crucifixos nas escolas e grupos escolares. (SILVA, 2002, p.29).

Em 1921, com a criação da Arquidiocese de Belo Horizonte, a luta Católica pela manutenção

do Ensino Religioso ganha novo ânimo. Segundo Silva (2007), Dom Antônio dos Santos

Cabral lançou uma carta pastoral intitulada “A Igreja e o Ensino”, na qual determinava a

organização e instalação em todas as paróquias de conselhos regionais da Associação de

Educação e Ensino. Por meio da ação dessa Associação, o Governo do Estado restabeleceu o

Ensino Religioso nas escolas oficiais em caráter facultativo em 1925 em parecer publicado no

jornal O Horizonte.

O retorno oficial do Ensino Religioso nas Escolas mineiras é marcado pela realização de um

Congresso Catequístico 22, realizado em Belo Horizonte entre os dias 3 a 7 de setembro de

1928. Nesse Congresso, Dom Cabral discursou defendendo o retorno do Ensino Religioso às

escolas. Ainda nesse evento, o então Presidente do Estado, Antônio Carlos de Ribeira

Andrada, representado pelo jurista Mário de Lima, envia mensagem na qual atente às

reivindicações dos católicos e resolve permitir o retorno do Ensino Religioso nas escolas

mineiras, dentro do horário escolar uma vez por semana. Minas Gerais foi pioneira dentre os

Estados da Federação ao permitir o retorno da disciplina em suas escolas, fato que

influenciará o retorno do Ensino Religioso na Constituição Federal de 1934, como se pode

perceber no trecho a seguir:

Minas Gerais será o primeiro entre os Estados do Brasil a autorizar oficialmente o ensino facultativo do catecismo nas escolas públicas, dentro do horário escolar, resultado do Congresso Catequístico de 1928 e do mútuo entendimento entre Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, então ‘Presidente’ do Estado e Dom Antônio

22 É comum utilizar-se a expressão catequético, no entanto, segue-se a utilizada por Silva (2007), isto é, Catequística, pois, segundo este autor, fora divulgada com dessa forma. (SILVA, 2007, p. 31).

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dos Santos Cabral, primeiro (arce)bispo de Belo Horizonte. Falava-se do “decreto de alforria da consciência católica de Minas Gerais” (Mário de Lima). As reivindicações dos católicos mineiros, culminando com a Lei Estadual nº 1.092, de 12-10-1929, serviram de exemplo para o decreto de 30-4-1931, pelo qual o Chefe do Governo Provisório, Getúlo Vargas, faculta o ensino religioso nos estabelecimentos oficiais de ensino primário, secundário e normal, atendendo assim às solicitações do seu Ministro da Educação, Francisco Campos. A segunda Constituição Republicana de 16-7-1934, incorporará esta “conquista católica” no artigo 153 (144). (MATOS, 1996, p. 49-50).

A pressão exercida sobre o Governo do Estado pela articulação dos católicos mineiros surtiu

efeito e o Ensino Religioso foi mantido em Minas mesmo sem o amparo da Constituição de

1891, em vigor na época em questão.

Em 30 de julho de 1935, é promulgada a primeira constituição do Estado de Minas Gerais; o

Artigo nº. 90 dessa Constituição segue a redação que já havia sido adotada na Constituição

Federal de 1934, conforme a seguir:

Art. 90 – O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsáveis, e constituirá matéria dos horários normais nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais. (MINAS GERAIS, 1935).

Após a reinserção do Ensino Religioso nas escolas públicas do Estado, assiste-se a mudanças

no campo educacional baseadas em princípios do movimento Escola Nova. Em âmbito

nacional, desde a década de 20, já ocorriam os embates entre os representantes da Escola

Nova e da ideologia católica. Em Minas Gerais, segundo Silva (2007, p. 33-34), alguns

setores da Igreja Católica buscam renovar-se frente aos novos desafios de cunho político e

eclesial. Destaca-se Pe. Álvaro Negromonte, que “lança manuais que deverão ajudar no

Ensino Religioso. Muitas mudanças podem ser percebidas nesses manuais, que incorporavam

os elementos da escola nova [...].” (SILVA, 2007, p. 34). Esse esforço do Pe. Álvaro

Negromonte, apesar de se utilizar de uma visão que incorpora elementos da Escola Nova,

mantém ainda uma forte estrutura catequética revestida pela nova linguagem escolanovista.

Na segunda Constituição do Estado de Minas Gerais, de 29 de outubro de 1945, o Ensino

Religioso fora contemplado em conformidade com o Artigo nº. 133 da Constituição Federal

de 1937, isto é, sem constituir objeto de obrigação por parte dos professores e frequência dos

alunos, conforme se pode notar no Artigo nº. 95 da referida Constituição Estadual:

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Art. 95 – o ensino religioso, que não poderá constituir objeto de obrigação por parte dos professores, nem de frequência compulsória, será ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno, manifestada enquanto ele não for “sui jures”, pelos pais ou responsáveis, e contemplado como matéria de curso ordinário nas escolas primárias, secundárias, profissionais ou normais. (MINAS GERAIS, 1945).

Vale ressaltar que no texto da Constituição de 1937 há abertura de possibilidade para

execução do Ensino Religioso por meio da expressão “poderá ser contemplado como matéria”

(Artigo nº.133). Na Constituição do Estado de Minas Gerais de 1945, deve-se destacar que

mesmo não se configurando como obrigação por parte dos professores e tendo frequência

facultativa, o Ensino Religioso é “contemplado como matéria” (Artigo nº. 95).

Houve mudanças com a Constituição Federal de 1946 em relação ao Ensino Religioso em

comparação com a Carta Magna de 1937, pois, o “Ensino Religioso fora contemplado na

Carta de 46 como dever do Estado para com a liberdade religiosa, mantendo os mesmos

elementos da Constituição de 1934.” (DANTAS, 2002, p. 54).

O Estado de Minas Gerais conta ainda com a existência da Constituição de 1967, com uma

Emenda Constitucional em 1970 e a Constituição de 1989. Nesses documentos, não se

verifica mudança na redação em relação ao Ensino Religioso. A disciplina mantém o caráter

facultativo dentro dos horários normais das escolas. A diferença que há é que na Constituição

de 1967 e na Emenda Constitucional de 1970 o Ensino Religioso é contemplado nas escolas

de ensino primário e médio, enquanto na Constituição de 1989 é contemplado nas escolas de

ensino fundamental, conforme o parágrafo único da Sessão III, que trata da educação:

Parágrafo único – O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. (MINAS GERAIS, 1989).

Em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes, segundo Dantas (2002, p. 55) o Ensino Religioso

encontrou-se em uma situação delicada, pois o artigo 97 dessa Lei previa que o mesmo fosse

ministrado sem ônus para os cofres públicos, isto é, na prática a disciplina foi excluída das

escolas ao mesmo tempo em que discriminava professores e o próprio Ensino Religioso. No

entanto, segundo Ferreira (2008), por meio do Decreto nº 9.174 de 16 de novembro de 1965,

os cofres públicos mineiros arcariam com as despesas do Ensino Religioso em detrimento de

LDBEN de 1961.

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A Igreja Católica, por meio do Secretariado Regional de Catequese do Leste II, convocou os

diretores de Ensino Religioso das Arquidioceses e dioceses mineiras para reunirem-se entre os

dias 14,15 e 16 de janeiro de 1966 para estudarem o decreto nº 9.174. Nesse mesmo ano, por

meio das Portarias 100 e 103, houve mudanças. Na Portaria 100 foram apresentados os

representes das comunidades espírita, católica, evangélica e judaica, ao passo que na Portaria

103 estava previsto que os professores de Ensino Religioso seriam indicados pela autoridade

religiosa competente da respectiva jurisdição religiosa. (FERREIRA, p. 19-20).

O Ensino Religioso entra em uma nova fase a partir da década de 1960. Segundo Silva (2007,

p. 42) a caminhada feita pelo Ensino Religioso em Minas Gerais está ligada à religiosidade do

povo mineiro, ao desligamento da Igreja Católica com o Estado e ao surgimento de novas

ideias desenvolvidas pela Escola Nova. Esses fatores “[...] dão uma característica própria de

busca do ensino religioso com uma nova modalidade.” (SILVA, 2007, p. 42).

Nesse contexto, destaca-se a figura do Pe. Wolfgang Gruen, de origem alemã, mas que veio

para o Brasil na década de 1940. Completou os estudos eclesiásticos em São João Del Rei,

onde permaneceu de 1954 a 1975, sendo transferido para Belo Horizonte onde atualmente

reside. Gruen desenvolveu uma reflexão sobre o Ensino Religioso 23 na qual procurava

distingui-lo da Catequese paroquial. Suas ideias encontraram resistência no meio eclesiástico.

No entanto, na década de 1970, elas se espalham pelo Brasil e, em 1980, ele foi convidado

para ser membro de uma Comissão Especial no Conselho Estadual de Educação, vindo a

prestar relevantes serviços ao Ensino Religioso. A partir daí, contribuiu para o processo de

regulamentação da disciplina, sobretudo a partir da década de 1980 em que se concentraram

esforços na busca da adequação do Ensino Religioso separado da catequese, conforme

exigências que surgiram a partir da LDBEN de 1971.

23 A proposta de Gruen para o Ensino Religioso procura separá-lo da catequese a partir da distinção entre religiosidade e religião. Segundo esse autor, a disciplina deve fundamentar-se na religiosidade e não na religião. Para Gruen, as dificuldades de integração da disciplina ao meio escolar decorrem do caráter catequético confessional que se fundamenta na religião. Para justificar sua posição, Gruen argumenta que a religiosidade diz respeito à atitude dinâmica de abertura do homem ao sentido radical de sua existência, ao passo que a religião corresponde a uma maneira concreta de o homem viver sua religiosidade com todas as contingências históricas que favorecem a diversidade das religiões. A fé explicitada nas tradições cristãs não pode identificar-se de forma exclusiva com a religiosidade, pois a mesma diz respeito a outras tradições e também às situações de vivência e de busca de sentido não necessariamente ligadas a uma tradição religiosa. Nesse sentido, o Ensino Religioso fundamentado na religiosidade torna-se mais abrangente e com maior possibilidade de atender a diversidade cultural e religiosa presente nas escolas públicas. (GRUEN, 1995, p. 21-31).

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Vale lembrar que, a partir da LDBEN de 1971, o Ensino Religioso passava por um processo

de reorganização, tendo como destaque a distinção entre essa disciplina e a catequese

paroquial. Nesse sentido, Dantas (2002) esclarece que:

A partir da Lei de Diretrizes e Bases nº. 5.692/71, que incluiu o Ensino Religioso como disciplina dos horários normais da escola, a Secretaria de Estado da Educação desencadeou o processo de regulamentação da matéria, que implicava agora em ônus para os cofres públicos e o conseqüente reconhecimento do professor desse conteúdo como profissional da educação. Diante da necessidade de qualificar esse professor, o Estado transferiu para as Entidades Religiosas credenciadas junto à Secretaria de Educação a responsabilidade de sua admissão e capacitação para o exercício dessa função, já que os profissionais das demais disciplinas tinham a sua qualificação definida e reconhecida pelo Ministério da Educação. (DANTAS, 2002, p. 60-61).

Nesse processo de regulamentação pelo qual o Ensino Religioso passa em Minas Gerais, é

importante destacar o Parecer 145/80, que procurou tratar da questão da habilitação dos

professores de Ensino Religioso, bem como empreender um estudo preliminar 24 da situação

da disciplina no Estado. Esse estudo preliminar foi analisado por uma Comissão formada por

conselheiros ligados ao Conselho Estadual de Educação que, sentindo a necessidade de ter

maior clareza sobre a matéria, convocam Gruen apresentar e discutir sua posição com a

comissão.

Além de contar com a colaboração de Gruen, o Conselho Estadual solicitou a colaboração dos

Bispos do Regional Leste II para que expusessem o que pensavam sobre o Estudo preliminar

realizado e sobre o fato de o Ensino Religioso até então ser concebido como catequese nas

escolas. Dom Serafim Fernandes, Bispo Auxiliar de Belo Horizonte, à época responsável

pelo Ensino Religioso do Leste II, encaminhou aos Bispos cópias do Estudo Preliminar

24 A esse respeito, Silva (2007, p. 43-52) esclarece que o Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais (CEEMG) ao emitir o Parecer nº. 145 de 1980, que tratou da habilitação de professores para o Ensino Religioso, elaborou um Estudo Preliminar sobre a disciplina no Estado mineiro. A partir desse estudo, Gruen foi convidado pelos conselheiros a apresentar e discutir sua proposta de Ensino Religioso, expressa em 1978 na obra “O Ensino Religioso na escola pública”. A partir das contribuições de Gruen, o Presidente do CEEMG solicitou aos Bispos do Regional Leste II (Minas e Espírito Santo) que também se manifestassem sobre o assunto, no sentido de expressar o que pensavam a respeito do Estudo Preliminar, no intuito de aprofundar a questão em torno do Ensino Religioso. Os bispos que enviaram suas contribuições foram desfavoráveis ao conteúdo do Estudo Preliminar, sobretudo em referência ao Ensino Religioso que ultrapassasse os limites da catequese confessional. Nesse sentido, pode-se destacar Dom Arnaldo Ribeiro, que argumenta sobre a impossibilidade de se chegar a autênticas opções de vida ao ignorar a religião e Dom Antônio Afonso de Miranda, que entendeu a proposta de Gruen como neutra e vaga, propondo ao CEEMG a elaboração de outro projeto que continuasse identificando o Ensino Religioso com o ensino da fé.

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juntamente com a solicitação de contribuição por meio do estudo e apresentação de subsídios

de aprimoramento do texto.

Vários Bispos enviaram resposta à solicitação de Dom Serafim, no entanto, “todos os Bispos

que enviaram suas contribuições foram desfavoráveis a alguma parte do conteúdo do Estudo

Preliminar, principalmente às questões relacionadas ao ensino Confessional, uma vez que

defendiam a continuidade do Ensino Confessional. (sic)” (SILVA, 2007, p.48). Diante do

posicionamento desfavorável dos Bispos, o Conselho Estadual de Educação decidiu arquivar

o projeto.

Por ocasião da instalação da Constituinte Mineira para a Constituição de 1989, houve grande

mobilização em favor do Ensino Religioso como o I encontro Estadual de Ensino Religioso,

ocorrido em Belo Horizonte entre os dias 20 a 26 de fevereiro de 1989. O objetivo desse

encontro foi de influenciar o processo constituinte e garantir a presença do Ensino Religioso.

No mesmo ano, ocorre o II Encontro Estadual de Ensino Religioso; desta vez, além da

preocupação da manutenção do Ensino Religioso na Constituição, há reflexões em torno da

questão metodológica da disciplina. A novidade desse segundo encontro é a incorporação da

proposta de Gruen, antes combatida e agora aceita e apoiada pelo Regional Leste II.

Em 1990, aconteceu o III Encontro Estadual de Ensino Religioso, cujo objetivo principal era

focar os trabalhos em torno da proposta curricular do Ensino Religioso. É importante ressaltar

que,

o encontro levantou ainda alguns critérios de credenciamento de professores de Ensino Religioso e questões envolvendo critérios para a formação de professores. O desafio da capacitação dos professores é assumido de fato pelo Regional Leste II juntamente com a Secretaria de Estado da Educação de Minas. Uma primeira medida tomada foi a criação de um curso de 120 horas. O Curso de Filosofia de Metodologia do Ensino Religioso, organizado em três módulos. Dois aconteceram em 1991 e um em 1992. (SILVA, 2007, p. 82).

Houve uma mudança na postura da Igreja Católica que, nesse período, admite que o Ensino

Religioso não deve coincidir com a catequese. Essa mudança só foi possível a partir das

reflexões pioneiras do Padre Wolfgang Gruen. Nesse sentido, outro elemento importante

nessa mudança de compreensão do Ensino Religioso se deve à presença no III Encontro

Estadual de Ensino Religioso de Lourdes Caron, da equipe do Ensino Religioso de Santa

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Catarina. Nesse encontro, apresentou-se o relato da experiência vivenciada pela disciplina em

seu Estado, pois, partindo de uma perspectiva ecumênica, integrou 10 igrejas de Confissão

cristã. “Essa apresentação abriu perspectivas novas, tanto é verdade que em Minas Gerais

iniciou-se uma nova prática. Buscou-se a partir do III encontro envolver outras Igrejas à

semelhança da experiência realizada em Santa Catarina.” (SILVA, 2007, p. 81).

Na década de 1990, foi criada uma Comissão composta por Igrejas Credenciadas junto à

Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEEMG). As entidades representantes de

tradições cristãs integrantes dessa comissão são as seguintes: Assembléia de Deus,

Associação da Igreja Metodista, Associação Evangélica do Brasil, Comunidade Evangélica de

Confissão Luterana em Belo Horizonte, Convenção Batista Mineira, Convenção Batista do

Estado de Minas Gerais (COBEMG), Igreja Católica Apostólica Romana e a Primeira Igreja

Presbiteriana.

Segundo Silva (2007, p. 86), a década de 1990, por meio da confluência de vários fatores que

se verificam tanto em nível eclesial quanto sociopolítico, marca uma virada na compreensão

do Ensino Religioso. Essa mudança é sentida nas formulações da Legislação realizadas a

partir do diálogo entre os representantes das Igrejas credenciadas e a Secretaria Estadual de

Educação de Minas Gerais.

É importante destacar que, a partir de 1992, a responsabilidade de emitir Portarias e

Resoluções deixa de ser atribuição do Conselho Estadual de Educação e passa a ser da

Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais. Nesse sentido, pode-se citar a Resolução

6998/92 e a Resolução 7554 de dezembro de 2004, nas quais as entidades religiosas que

compunham a Comissão de Igrejas credenciadas na SEEMG adquirem o direito de credenciar

os professores de Ensino Religioso. Após muitas décadas em que apenas a Igreja Católica

credenciava os professores, há uma mudança no sentido de integrar outras tradições cristãs,

terminando com a hegemonia católica nesse campo.

Em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96) e,

posteriormente, em 1997, com a alteração do Artigo nº. 33 da LDBEN, com a Lei substitutiva

nº. 9.475/97 onde se lê:

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Art. 1º - O art. 33 da Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 33 – O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º - os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (Brasil, 1997).

Há no parágrafo segundo a determinação de que os sistemas contem com a colaboração de

entidade civil constituída por diferentes denominações religiosas na definição dos conteúdos

do Ensino Religioso. Nesse sentido, em Minas Gerais, para adequação da nova lei foi

constituído, enquanto entidade civil, o Conselho de Ensino Religioso de Minas Gerais –

CONER/MG por meio da Resolução nº. 9484 de 22 de setembro de 1998.

Em 1999 e 2000, nas Resoluções nº. 53/99 e nº. 16/00, a legislação mineira equipara o Ensino

Religioso às outras disciplinas ao estabelecer carga horária mínima de 120 horas, incorpora as

diversas entidades que subsidiam a ação pedagógica do Estado e também “[...] faz uma

distinção e hierarquiza os cursos que habilitam os professores a darem aulas de Educação

Religiosa. Primeiro, os cursos de Ciências da Religião e Pedagogia com ênfase em Ensino

Religioso, seguidos dos Cursos de Especialização em Ensino Religioso.” (SILVA, 2007, p.

91).

Por meio da Resolução nº. 2 de 1998, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o

ensino fundamental, o Ensino Religioso passa a integrar a base nacional comum do ensino

fundamental como área de conhecimento 25, utilizando a nomenclatura Educação religiosa.

Segundo Silva (2007, p.93), a mudança da nomenclatura além de acolher as propostas de

Gruen, torna o Ensino Religioso mais abrangente aproximando-o de uma Educação Básica

para a cidadania. Em minas Gerais, essa mudança é incorporada por meio da Resolução nº.

2/98 da Secretaria Estadual de Educação, de 15 de abril de 1998. 25 È importante ressaltar que, segundo Figueiredo (2006, p.61), o Ensino Religioso é admitido na legislação enquanto disciplina, absorvido e ampliado pela Educação Religiosa enquanto área de conhecimento a partir da Resolução (CNE/CEB) nº. 2/98. No entanto, ressalte-se que a nomenclatura referente à disciplina continua apresentando ambiguidades na legislação de Minas Gerais, emitida pela SEEMG, a partir de 1999. A esse respeito, encontram-se pareceres que, ora utilizam a expressão Ensino Religioso, ora Educação Religiosa ou, em alguns casos, como nos pareceres 299/02 e 608/02, as duas no mesmo texto. No caso das resoluções, foi utilizada a expressão Educação Religiosa, no entanto, nas Leis 15435/2005 e 441/2005 encontra-se Ensino Religioso.

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Com relação à formação de professores para o Ensino Religioso, surgiram também

dificuldades relativas ao estabelecimento de normas claras que indicassem o tipo de

licenciatura que seria necessária para habilitar os professores dessa disciplina. A esse respeito,

pode-se citar o Parecer nº. 097/99 do Conselho Nacional de Educação de 06 de abril de 1999

que faz um breve apanhado histórico do Ensino Religioso no Brasil e cita a Lei nº. 9.475 de

1996, que alterou o Artigo 33 da LDBEN 9.394.; e, no entanto, não trata da questão da

habilitação dos professores de Ensino Religioso. Nesse sentido, o Parecer nº. 097 resolve que:

Não cabendo à União determinar, direta ou indiretamente, conteúdos que orientam a formação religiosa dos professores, o que interferiria tanto na liberdade de crença como nas decisões dos Estados e municípios referentes à organização dos cursos em seus sistemas de ensino, não lhe compete autorizar, nem reconhecer, nem avaliar cursos de licenciatura em ensino religioso, cujos diplomas tenham validade nacional. (BRASIL,1999).

Nesse sentido, o Parecer deixa a cargo dos Estados e Municípios a organização dos cursos

livres e de extensão orientados para o Ensino Religioso. Argumenta que, como a Lei 9.475

não se refere especificamente à questão da autorização e reconhecimento de cursos de

licenciatura em Ensino Religioso, esta, por sua vez deveria ser resolvida à luz da própria

Constituição. E também salienta que, como houve atribuição legal aos diferentes sistemas de

ensino para estabelecerem normas para habilitação e admissão de professores bem como a

definição dos conteúdos da disciplina, “[...] é impossível prever a diversidade das orientações

estaduais e municipais e, assim, estabelecer uma diretriz curricular uniforme para uma

licenciatura em ensino religioso que cubra as diferentes opções.” (BRASIL, 1999).

Em Minas Gerais, por meio da Resolução nº. 16 de 2000, há o reconhecimento do curso de

Pedagogia com ênfase em Ensino Religioso para habilitar os professores de Ensino Religioso.

Após essa Resolução, por meio de Pareceres e Resoluções, o Sistema Estadual se manifesta a

respeito das condições para o exercício da função de professor de Ensino Religioso, dando

prioridade aos professores que tivessem cursado graduação na modalidade de licenciatura

plena em Ensino Religioso, Educação Religiosa e Pedagogia com Ênfase em Ensino Religioso

acrescidos de pós-graduação Lato Sensu em Educação Religiosa e Metodologia e Filosofia do

Ensino Religioso, conforme os artigos 5º, 6º e 7º da Resolução nº. 465 de 2003. Além disso,

essa Resolução ainda estabeleceu que os candidatos à docência do Ensino Religioso deveriam

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ser credenciados por meio de documento expedido pelos Conselhos Regionais de Ensino

Religioso (CRER).

É importante destacar que o credenciamento de professores, bem como a criação e atuação da

Comissão Estadual de Ensino Religioso (COMCER), do Conselho Estadual de Ensino

Religioso (CONER) e das Comissões Regionais de Ensino Religioso (CRER), até então se

encontram em um contexto no qual o Ensino Religioso é concebido como elemento ligado às

tradições religiosas, conforme se pode perceber no trecho a seguir, no item nº. 2.3 do Parecer

nº. 489 de 2004:

É imprescindível reafirmar-se a posição da doutrina segundo a qual o Ensino Religioso é, hoje, matéria de autonomia da autoridade religiosa de acordo com a escola, Igreja e Escola como participantes da promoção do desenvolvimento comunitário. Como tal o preparo e o credenciamento são atribuições da autoridade religiosa. (MINAS GERAIS, 2004).

A regulamentação do Ensino Religioso possui como pano de fundo a relação entre Estado e

Religiões, que se reflete no posicionamento estatal em não assumir a atribuição da definição

dos conteúdos, da habilitação ou mesmo na admissão se professores de Ensino Religioso,

baseado nos princípios de liberdade religiosa e de crença, bem como na separação do Estado e

Igrejas conforme fora estabelecido na Constituição de 1988. Isso Fica a cargo dos sistemas de

Ensino, com a condição de ouvir entidade civil representativa das diferentes denominações

religiosas, conforme a Lei nº. 9.475/97 que alterou o Artigo 33 da LDBEN de 1996. Dessa

forma, a partir de tal determinação legal, encontram-se pelo país diferentes formas de

concepção do Ensino Religioso, bem como de estabelecimento de normas para a docência da

disciplina.

Em 2005, por meio da Lei nº. 15434 de 05 de janeiro de 2005, o Estado mineiro dispõe sobre

o Ensino Religioso na Rede Pública Estadual e estabelece as normas que atualmente estão em

vigor, ressaltando a disciplina como área de conhecimento da educação religiosa. Ela passa a

ser concebida como parte integrante na formação básica do cidadão e na educação de jovens e

adultos, como componente curricular do ensino fundamental, em conformidade com a

Resolução nº. 2 do Conselho de Educação Básica (CEB), de 1998.

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Além de conceber o Ensino Religioso como área de conhecimento, a Lei nº. 15.434/05 não

faz em seu texto referência ao credenciamento dos professores. Essa Lei, em conformidade

com a Lei substitutiva nº. 9.475/97, do Artigo 33 da LDBEN 9.394/96, prevê em parágrafo

único, no Artigo 1º, o respeito à diversidade cultural e religiosa, vetando quaisquer formas de

proselitismo e de caráter confessional. Outro aspecto importante encontra-se no Artigo 2º, no

qual são contemplados aspectos que acenam em uma mudança na compreensão da disciplina,

conforme trecho a seguir:

Art. 2º - O ensino religioso será ministrado de forma a incluir aspectos da religiosidade em geral, da religiosidade brasileira e regional, da fenomenologia da religião, da antropologia cultural e filosófica e da formação ética. (MINAS GERAIS, 2005).

A inclusão desses aspectos abre nova perspectiva para a compreensão do Ensino Religioso na

medida em que o aproxima das Ciências da Religião, uma vez que, com exceção da

antropologia cultural e filosófica, fazem referência ao campo de pesquisa dessa área. É

importante destacar também que, com relação aos critérios para o exercício do magistério em

Ensino Religioso, essa Lei incorpora além das graduações, na modalidade de Licenciatura

plena, de Ensino Religioso e Educação Religiosa, a graduação em Ciências da Religião. Nesse

ponto, o Ensino Religioso em Minas Gerais encontra-se diante de novas perspectivas e

possibilidades de compreensão de sua identidade frente à diversidade que se apresenta no

contexto atual.

Nesse sentido, Segundo Ferreira (2008, p. 17), é importante destacar que Minas Gerais, ao

longo do século XX, possui papel de destaque no processo legislativo em relação ao Ensino

Religioso, com interferências e contribuições significativas nos debates sobre a matéria, bem

como na elaboração de documentos de apoio jurídico-filosófico nos momentos em que se fez

necessária uma melhor compreensão da natureza da disciplina. Dessa forma, é importante

ressaltar que “Minas Gerais se destaca entre os Estados da Federação que possui maior acervo

histórico sobre o Ensino Religioso, enquanto disciplina incluída no currículo escolar da rede

pública oficial de ensino.” (FERREIRA, 2008, p. 17).

Ainda segundo esse autor, há a necessidade de o Ensino Religioso avançar em aspectos

pedagógicos, filosóficos e sócio-político-culturais, em função de uma compreensão do ser

humano enquanto essencialmente religioso. Há necessidade também de,

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[...] encontrar novas alternativas que visem seu tratamento como disciplina do currículo escolar, adequando-o a metodologia própria em função da Educação Religiosa, e esta reconhecida na forma pedagógica como área de conhecimento, como consta na legislação vigente. (FERREIRA, 2008, p. 35).

Ao longo do processo de legalização do Ensino Religioso em Minas Gerais, a disciplina

refletiu primeiramente a relação da Igreja Católica com o Estado. Somente na segunda metade

do século XX, sobretudo com a Lei 9.475/97, artigo 1º, § 2º, passa contar com a representação

de outras Igrejas, sobretudo Cristãs. Nesse processo, gradativamente, a disciplina deixa de ser

vista como catequese e passa a ser entendida em uma perspectiva antropológica,

fundamentada na religiosidade. No entanto, do ponto de vista legal, ainda é vista como

elemento vinculado às tradições religiosas. Esse posicionamento dos legisladores caracteriza

uma visão sobre o Ensino Religioso de cunho catequético confessional, que dificulta a

integração da disciplina ao âmbito escolar. Porém, diante da diversidade cultural e religiosa

brasileira, representada nos Estados, as reflexões em torno da disciplina continuam e

encontram abordagens realizadas por meio da categoria de modelos de Ensino Religioso. Para

melhor compreendê-los, é importante destacar a relação da disciplina com as tradições

religiosas e as transformações no campo religioso brasileiro.

No tópico seguinte, no intuito de melhor esclarecer a relação entre Ensino Religioso e

religiões, a abordagem procura abordar a transição teórica do Ensino Religioso com a possível

superação do caráter confessional relacionada com a diversificação do campo religioso

brasileiro. Essa diversificação se coloca ante a disciplina como horizonte do qual não pode se

esquivar na medida em que se pretenda integrar de fato ao âmbito escolar.

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4 ENSINO RELIGIOSO E RELIGIÕES

Tomando como base a história do Ensino Religioso no Brasil e sua presença nas

Constituições Federais, bem como na legislação de Minas Gerais, não é difícil constatar que o

mesmo sofreu influências originadas da relação com o Estado. No entanto, sobretudo quando

a disciplina passa por questionamentos com a implantação da República a partir de 1890,

passando pela perda da hegemonia católica, com raízes na década de 1960, (PCNER, 2009, p.

28) e culminando com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996

juntamente com a alteração do artigo nº. 33 dessa LDBEN com a Lei 9475 de 1997, torna-se

interessante questionar acerca da relação existente entre Ensino Religioso e religiões. Durante

muito tempo, as principais influências e contribuições possuíam caráter catequético e

confessional. A nova redação do artigo nº. 33 da LDBEN de 1996 prevê que a disciplina seja

orientada no sentido de privilegiar a diversidade religiosa e cultural. Por essa razão e também

em função da diversificação do campo religioso brasileiro, somado ao fato de haver reflexões

que procuram superar o caráter confessional, é que se procura evidenciar que tipo de relação

há entre a disciplina e as religiões. Se nas modalidades catequética e confessional a disciplina

busca suas fontes no conhecimento doutrinal das religiões, de que forma se daria essa relação

epistemológica a partir de uma perspectiva que procura superar a confessionalidade?

Esse questionamento leva em conta o fato de a concepção da disciplina, orientada pelos

modelos catequético e confessional26, ter encontrado dificuldades para ser compreendida

como elemento integrado com o meio escolar. A esse respeito Gruen (1995), refletindo sobre

a história da disciplina a partir de sua presença nas legislações federais e de Minas Gerias,

porém de maneira específica na LDBEN de 1971, em que o Ensino Religioso é contemplando

no artigo nº. 7º, § único, esclarece que:

[...] tanto em âmbito federal como no estadual, há sérios indícios de que o Ensino Religioso é conservado no currículo sem muita convicção de seu papel específico. Mais parece um intruso que, por alguma arcana razão, foi gentilmente acolhido, tratado com reverência e até com privilégios, mas não entrosado com naturalidade no mundo escolar. (GRUEN, 1995, 68).

26 No âmbito catequético, a referência que se faz aqui é a do Ensino Religioso ligado à tradição católica, ao passo que, do ponto de vista confessional, diz respeito às experiências que envolvem outras tradições além da católica, ressaltando que nesse aspecto há prevalência de tradições cristãs.

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O Ensino Religioso foi visto como um “corpo estranho” 27 no meio escolar, situação que

persistiu até a Lei 9.475 de 1997 em que, pelo menos na ótica do texto legal, ele aparece com

perspectivas de ser compreendido de forma a ultrapassar o caráter catequético-confessional. A

partir da Resolução nº. 2 de 1998, da Câmara de Educação Básica, foram instituídas as

diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental e também houve a integração do

Ensino Religioso à base nacional comum, por meio da área de conhecimento Educação

Religiosa, reconhecida como parte integrante da formação do cidadão. Esse reconhecimento

“[...] implica dizer que o conteúdo do Ensino Religioso deixa os compromissos das

representações confessionais e passa para o âmbito secular, em uma perspectiva de área de

conhecimento, abrindo-se a um diálogo transdisciplinar.” (JUNQUEIRA; MENEGHETI;

WASCHOWIZ, 2002, p. 50).

Segundo Junqueira; Menegheti e Waschowiz (2002), ao ser reconhecido como área de

conhecimento, há uma mudança do ponto de vista epistemológico. Ao passar para o âmbito

secular, o Ensino religioso abre-se à perspectiva de fundamentar-se nas Ciências da Religião e

não mais na teologia. Isso porque a teologia vincula-se, na perspectiva da denominação

religiosa, às confessionalidades, tendo como papel dar regra a experiências simbólicas que

possuem suas raízes nas experiências de fé, ao passo que:

A Ciência da Religião, por outro lado, é uma área de conhecimento com episteme própria, fundamentada na concepção de que o eixo da religiosidade é uma forma, entre tantas outras, de explicar a existência humana. Seu objeto de estudo é a análise dos elementos comuns e específicos às diversas religiões, isto é, o fenômeno religioso em si e nas suas múltiplas expressões. Assim, seu objeto é maior do que a confessionalidade presente em cada denominação religiosa. Trata-se de uma ciência construída, em seus princípios e métodos, dentro da tradição das ciências modernas. (JUNQUEIRA; MENEGHETI; WASCHOWIZ, 2002, p. 51).

O Ensino Religioso, possuindo suas bases epistemológicas fundamentadas nas Ciências da

Religião 28, favorece a compreensão da disciplina como elemento integrante da escola. Isso

27 Expressão utilizada por Wolfgang Gruen, conforme já explicitado na nota nº 20. 28 A respeito dessa nomenclatura, “quem fala de ciência da religião tende, de um lado, a pressupor a existência de um método científico e, do outro, também um objeto unitário. Quem, ao contrário, [...], prefere falar ciências das religiões, o faz porque está convencido tanto do pluralismo metodológico (e da impossibilidade de reduzi-lo a um mínimo denominador comum) quanto do pluralismo do objeto (e da não-liceidade e até impossibilidade, no plano da investigação empírica, de construir sua unidade). Entre esses dois extremos, há duas soluções intermediárias. Assim, haverá quem fale de ciência das religiões ou, então, quem prefira falar de ciências da religião.” (FILORAMO; PRANDI, 1999, p. 12). Dessa forma, optou-se por adotar a expressão Ciências da Religião.

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se dá em função de a disciplina caminhar na direção da superação da visão de que esse

componente curricular corresponde a uma forma estranha de presença em âmbito público

(escola) de uma elemento privado (liberdade de consciência). É importante também ressaltar

que, apesar da mudança de objeto do Ensino religioso, que deixa de ser a religião (teológico)

e passa a assumir o fenômeno religioso (Ciências da Religião), ou ainda, segundo os PCNERs

(2009) que se referem à disciplina tendo como base a antropologia religiosa, ainda persiste no

imaginário coletivo da sociedade brasileira a ideia de que o Ensino Religioso identifica-se

com ensino de religião (FIGUEIREDO, 2006, p. 61).

Esse imaginário coletivo foi constituído em função de implicações de ordem política e

cultural que presidiram sua construção, entretanto, apesar de ele ainda persistir, o Ensino

Religioso “[...] tem contado com esforços dessa mesma sociedade, para desvestir-se da

roupagem inadequada ao ambiente escolar, para ter feição própria de um componente

curricular como os demais.” (FIGUEIREDO, 2006, p.43).

Nesse sentido, pode-se verificar que o Ensino Religioso foi concebido a partir do caráter

catequético-confessional, e relacionou-se com religião a partir da perspectiva teológica. No

entanto, é importante frisar que essa relação da disciplina com a religião se deu, sobretudo,

nos períodos da Colônia e Império, por meio da hegemonia católica que “[...] sustentava

ideologicamente as relações sociais que garantiam uma determinada ordem política.”

(JUNQUEIRA; ALVES, 2003). A implantação da República trouxe uma mudança profunda

nessa relação, uma vez que, com o fim da ligação orgânica que havia entre Igreja Católica e

Estado, lançam-se as bases para a fragmentação do campo religioso brasileiro. Assim, não se

tratava mais de colocar uma base religiosa para a sociedade, mas da construção de um Estado

instituído a partir de princípios filosófico e políticos laicos. Dito de outra maneira, significou

a legitimação do Estado brasileiro sem a necessidade de lançar mão do catolicismo,

permitindo que o pluralismo religioso se firmasse pouco a pouco sem ameaçar a unidade

nacional.

A reflexão em torno do Ensino Religioso, pensado a partir de novas perspectivas que

ultrapassam o caráter catequético-confessional, com abertura para as ciências da religião, não

pode prescindir de uma abordagem que leve em conta a diversidade religiosa que se apresenta

no campo religioso brasileiro, uma vez que:

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Na realidade, a questão da pluralidade religiosa presente na escola, na figura do corpo docente e discente, não diz respeito apenas aos interesses das religiões (onde urge destacar a grande capacidade de articulação dos cristãos), mas se manifesta também como uma questão de cidadania. Enquanto a sociedade não assumir o fato desta sua característica de pluralismo, a escola também não o assumirá. (JUNQUEIRA; ALVES, 2003, p. 76).

Partindo do princípio de que a pluralidade religiosa no meio escolar não diz respeito apenas às

religiões e envolve também uma questão de cidadania, torna-se pertinente esclarecer que ela

se refere diretamente ao fenômeno religioso que, por sua vez, implica não só a relação entre

religião e Ensino Religioso; a questão amplia-se e envolve a sociedade e a escola. Assim

sendo, para melhor aprofundar a questão, torna-se pertinente abordar, mesmo que em linhas

gerais, de que forma se constitui o campo religioso brasileiro a partir da perspectiva do

pluralismo, incluindo também uma discussão sobre o acordo firmado entre o Governo

Brasileiro e a Santa Sé que, em pleno século XXI, propõe uma visão acerca do Ensino

Religioso na perspectiva confessional. Essa tarefa se procura realizar nos tópicos seguintes.

4.1 Ensino Religioso e pluralismo no campo religioso brasileiro

Em 2000, por meio do Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), pode-se perceber que o Brasil apresentou mudança no campo religioso, no sentido de

se comprovar a diminuição dos católicos e aumento significativo de evangélicos29 e sem

religião30. As tradições referentes ao espiritismo, umbanda, religiões orientais, judaísmo e

islamismo apresentaram-se estagnadas desde o censo de 1980, representando 3% da

população brasileira.

29 “As igrejas evangélicas são classificadas geralmente em dois grandes grupos: as tradicionais ou históricas e as pentecostais.” (ANTONIAZZI, 2004, p. 27). 30 Segundo Antoniazzi (2004), os sem religião tornaram-se, depois de católicos e evangélicos, o terceiro grupo mais numeroso com quase 12,5 milhões (7,4% da população). O autor destaca que esse grupo é pouco estudado e conhecido e, em sua maioria, é composto por pobres que vivem nas periferias metropolitanas. Esclarece também que “‘Sem-religião’ não significa necessariamente ateu. Outras pesquisas encontraram apenas 1%-2% de brasileiros se declarando ateus. “Sem-religião” significa abandono das práticas religiosas e dos vínculos com as igrejas. Trata-se, muitas vezes, de cidadãos para os quais a luta pela sobrevivência é tão intensa que não lhes permite manter vínculos comunitários? Estaríamos diante, muitas vezes, de pessoas que, além de sem-terra ou sem-casa, sem-emprego, sem-instrução, também se tornaram “sem-religião”? E volta a pergunta angustiante: eles abandonaram as igrejas, ou as igrejas também os abandonaram ou, pelo menos, pouco cuidam deles?” (ANTONIAZZI, 2004, p. 38).

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O Brasil, até os anos 70 do século XX, parecia um país católico, onde a religião católica não era só a da maioria, mas quase monopolizava crenças e atitudes religiosas. O Censo de 1980 registrou, pela primeira vez na história do Brasil, uma porcentagem de católicos inferior, embora de pouco, a 90%. Como vimos, tal porcentagem diminuiu nos censos seguintes: 83,3% em 1991 e 73,9% em 2000. Temos assim um processo de diversificação religiosa, em que crescem as igrejas evangélicas (tradicionais ou pentecostais) e os “sem religião”. O processo não se dá com a mesma intensidade em todo o Brasil. (ANTONIAZZI, 2004, 2004, p.14).

Houve a perda da hegemonia católica com o crescimento de outras tradições religiosas. Esse

autor utiliza como hipótese explicativa para a diminuição de católicos o rápido crescimento

populacional juntamente com a lentidão e despreparo pastoral para responder a esse fenômeno

demográfico. Ao passo que, para a expansão dos evangélicos, levanta a hipótese de que se

associa ao dinamismo, capacidade de mobilização e estratégias de evangelização. Levando-se

em conta que as tradições evangélicas apresentam uma grande variedade de doutrinas, formas

de organização e estratégias de evangelização.

Ainda, segundo Antoniazzi (2004), a presença no campo religioso brasileiro representada

pelos evangélicos apresenta grande diversificação, o que não permite que esse grupo seja

tratado por generalizações. No entanto, é importante ressaltar que a competição entre as

igrejas evangélicas tradicionais parece pequena. Os protestantes “tradicionais” sofreram forte

impacto pela expansão dos pentecostais, mas, no último censo, mostraram sinais de progresso

e recuperação de posições perdidas.” (ANTONIAZZI, 2004, p. 30). A partir da década de

1990, mesmo com conflitos e divisões internas, os protestantes tradicionais parecem ter

adotado práticas carismáticas ou renovadas semelhantes às utilizadas pelos evangélicos

pentecostais.

É importante ressaltar que a abordagem da diversificação do campo religioso brasileiro deve

levar em conta também circulação de fiéis entre as tradições religiosas. Dessa forma,

analisando os dados apresentados pelo Censo de 2000, o Centro de Estatística Religiosa e

Investigações Sociais (CERIS), em 2004, realizou, a pedido da CNBB, uma pesquisa,

organizada por Sílvia Regina A. Fernandes, que procurou tratar da temática da mudança de

religião no Brasil. Nesse sentido, seu foco se deu na circulação de pessoas entre tradições

religiosas presentes no campo brasileiro, revelando que a mobilidade religiosa no país se

orienta por uma noção de fluidez da adesão, em outras palavras, menor radicalização no

momento da vinculação institucional (FERNADES, 2004, p. 33). Essa fluidez da adesão

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encontra-se como pano de fundo da quebra da hegemonia católica, da presença crescente de

instituições evangélicas e conta também com a presença de novos movimentos que conjugam

práticas esotéricas e da tradição cristã, produzindo, por sua vez, efeitos de contaminação e

simbiose nas Igrejas históricas.

Segundo a pesquisa realizada pelo CERIS (2004), a mobilidade religiosa brasileira

caracteriza-se pela existência de um processo de destradicionalização e prevalência por parte

dos fiéis da experiência do tipo emocional. Nesse sentido, verifica-se a existência de um,

[...] imaginário social no qual a religião não precisa necessariamente oferecer conteúdos teológicos ou normativos que fortaleçam os vínculos com a comunidade religiosa, mas antes, essa relação é fortalecida pela capacidade da instituição em oferecer sentido à comunidade de fiéis propiciando uma vivência religiosa muito mais subjetiva do que objetiva. A instituição precisa “tocar o coração”; produzir um apelo do tipo emocional. (FERNANDES, 2004, p. 40).

A filiação dos fiéis nas instituições religiosas passou a privilegiar a subjetividade e a

experiência sentida, em que há uma disposição autônoma, com arranjos individuais que

procuram articular um mosaico que integra símbolos e valores religiosos juntamente com a

decisão de filiação e desfiliação institucional. Além da dimensão subjetiva, o trânsito

religioso leva em conta também a multiplicação das alternativas religiosas e também o

trânsito de ideias e práticas que, por sua vez, contribuem para tornar mais complexo o

fenômeno da mobilidade religiosa.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a diversificação do campo religioso brasileiro se dá pela

privatização do sagrado, isto é, houve uma mudança no sentido de os fiéis não mais acatarem

as orientações das tradições religiosas apresentadas de forma objetiva, transferindo para esfera

subjetiva a tarefa de organização de seu universo religioso, de modo que “os indivíduos

possuem práticas e devoções religiosas que não são necessariamente idênticas às

institucionais.” (JUNQUEIRA; ALVES, 2005, p. 66).

Segundo Junqueira e Alves (2005, p. 3), a forças dos novos movimentos e igrejas presentes na

diversidade religiosa brasileira encontram suas raízes na crise do ser humano moderno. Este,

por sua vez, vivencia um humanismo orientado pelo individualismo, que se encontra

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despojado de realidades transcendentes. Em outras palavras, o ser humano moderno passa a

relacionar-se com o transcendente a partir de uma ótica que privilegia uma visão de mercado.

Esse tipo de relacionamento faz as pessoas procurarem as instituições religiosas, na maioria das vezes, somente no momento de aflição e sofrimento, o que revela a necessidade do fiel ter portos seguros para vivenciar sua crença. A cultura do individualismo, por destacar a autonomia e o proveito do individuo em detrimento do grupo, da sociedade e da nação, gera nas pessoas um modelo ético flexível onde a medida ética é o indivíduo e suas necessidades. Este modelo é transposto para o transcendente, daí os fiéis procurarem movimentos religiosos e ou igrejas em que as exigências éticas e morais foram flexibilizadas, e o sagrado adequou-se às exigências do mundo globalizado. (JUNQUEIRA; ALVES, 2005, p. 67).

A partir da perspectiva do pluralismo religioso 31, expresso por meio da diversificação do

campo religioso brasileiro, o que se pretende evidenciar é o fato de o Ensino Religioso, na

escola pública, diante dessa nova realidade, encontra-se em uma posição que exige outra

maneira de relacionar-se com o religioso. Por meio dos modelos catequético e confessional, a

disciplina buscava seus métodos, objetivos e linguagem diretamente das confissões religiosas.

Destaque-se nesse processo a predominância do catolicismo. Em um contexto pluralista e

público, representado pelo espaço escolar, o Ensino Religioso para ter pertinência e não

destoar das demais disciplinas precisa romper com a confessionalidade, pois se torna

imperativo não ignorar a diversidade religiosa brasileira que se pode perceber nas escolas.

Os modelos catequético e confessional encontram situação favorável na medida em que ser

cidadão também implica adotar a religião do Estado. Na medida em que “[...] o Estado

brasileiro consegue se legitimar sem precisar apelar para a religião católica, o pluralismo

religioso pode afirmar-se sem ameaçar a unidade nacional.” (JUQUEIRA e ALVES, 2005, p.

75). Isso significa uma emancipação da cidadania e mudanças no Ensino Religioso. Sendo a

escola um espaço público, os modelos catequético e confessional, diante do pluralismo,

encontram dificuldades para se justificar. Surge a necessidade de se pensar a disciplina em

outros padrões, agora em direção à superação da confessionalidade e em busca de objetivos,

31 A expressão Pluralismo religioso é utilizada nesse estudo no mesmo sentido de diversidade religiosa. No âmbito teológico, a expressão adquire outra conotação e é discutida juntamente com ecumenismo e diálogo inter-religioso. O ecumenismo faz referência ao diálogo entre religiões de matriz cristã ao passo que o diálogo inter-religioso aponta para o diálogo entre religiões de matrizes não necessariamente cristãs. O pluralismo religioso é refletido a partir do que se denomina teologia do pluralismo religioso ou teologia das religiões. Nessa perspectiva, é discutido a partir das categorias de pluralismo de fato, que representa a diversidade religiosa, e do pluralismo de princípio ou pluralismo de direito, que busca pensar o pluralismo no âmbito teológico a partir de um querer misterioso ou mesmo como um desígnio de Deus. Para maiores aprofundamentos, é importante consultar, dentre outros, os seguintes autores Teixeira (1995) e Panasiewicz (2007).

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métodos e linguagem que atendam as demandas de formar o cidadão que, por princípio, não

pode se identificado sem mais como sendo católico. O pluralismo religioso no cenário

brasileiro “[...] implica uma nova situação que interfere na relação do processo do Ensino

Religioso, sobretudo nas Escolas Públicas.” (JUQUEIRA e ALVES, 2005, p. 76).

Para compreender melhor o que se afirma acima, é importante ressaltar, segundo Junqueira e

Alves (2005, p. 76), que durante os quatro primeiros séculos de história do Brasil assiste-se à

constituição de um país que se afirma por meio de uma sociedade uni-religiosa, com a

predominância do catolicismo como religião oficial imposta por meio de exigências das

classes dominantes, segundo seus interesses políticos. O pluralismo religioso era combatido

cedendo lugar à intolerância religiosa.

Ser católico não era uma opção pessoal, mas uma pré-condição para a plena cidadania brasileira. Tal situação estava relacionada com um contexto mais amplo, onde a religião aparecia como princípio fundante de todas as sociedades humanas. Nesta perspectiva, a cada sociedade deveria corresponder uma única religião, que cimentava as relações político-sociais que uniam as pessoas. Quando surgiam discordâncias de crenças e práticas religiosas, estas eram tratadas como problemas que cabiam ao Estado intervir e resolvê-los. Geralmente acabava virando caso de polícia, sendo o grupo religioso, discordante da ordem vigente, proscrito e seus praticantes perseguidos. (JUNQUEIRA; ALVES, 2005, p. 76).

Mediante os dados apresentados a partir do Censo de 2000, pode-se perceber que o pluralismo

religioso no Brasil torna-se cada vez mais evidente. A relação que o Ensino Religioso

manteve com o campo religioso brasileiro, enquanto verificou-se a hegemonia católica e a

prevalência dos modelos catequético e confessional mediante a diversificação religiosa,

passou por mudanças. Como já fora explicitado nos itens 1.1.6, que trata do Ensino Religioso

nas Constituições de 1967 e 1988 e 2.1, relativo ao Ensino Religioso nas Leis de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, pode-se perceber que, em função da diversidade religiosa, não

somente a Igreja Católica mas outras entidades civis e religiosas aturam de maneira a

influenciar os respectivos textos. De maneira específica na Lei 9.475 de 1997, que alterou o

artigo nº. 33 da LDBEN 9.394 de 1996. Essa alteração além de estabelecer que o Ensino

Religioso faz parte da formação básica do cidadão, assegura o respeito à diversidade religiosa

e cultural do Brasil, ao mesmo tempo em que veta quaisquer formas de proselitismo.

As alterações em nível legislativo não proporcionam, de imediato, transformações na cultura e

na prática política. A Igreja Católica por sua tradição e peso social e político consegue

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sobressair e se impor com mais facilidade que outras tradições religiosas na definição de

conteúdos. (JUQUEIRA e ALVES, 2005, p. 76). No entanto, a atual redação do artigo nº. 33

da LDBEN 9.394/1996 representa ganho e abertura para que a disciplina busque acolher a

diversidade religiosa e mude sua relação com o religioso.

Outro marco importante na possibilidade de mudança dessa relação da disciplina com o

religioso se deve à Resolução nº. 2/1998 da Câmara de Educação Básica. O Artigo 3º, item

IV, apresenta a Educação Religiosa, ao lado de Matemática, Língua Portuguesa, Geografia,

com estatuto de área de conhecimento. (SENA, 2007, p. 113). Tomar o Ensino Religioso pela

área de conhecimento Educação Religiosa significa, em certo sentido, uma emancipação da

disciplina com relação à confessionalidade, uma vez que as áreas de conhecimento referem-se

ao âmbito científico com definição de objeto de estudo e métodos próprios.

Em outras palavras, mesmo sendo a Teologia reconhecida como um campo no qual há um

rigor metodológico e um conhecimento constituído e respeitado, em última instância baseia-se

no dado da fé, o que por sua vez diz respeito ao âmbito privado, isto é, da consciência

individual e da liberdade de crença. Tomando a escola pública por seu caráter laico, a opção

que melhor responderia ao Ensino Religioso enquanto área de conhecimento seria a produção

científica sobre o fenômeno religioso realizada no âmbito das Ciências da Religião, que não

parte do pressuposto do dado da fé. Dessa forma, o Ensino Religioso, diante do pluralismo,

teria melhores condições de acolher a diversidade ao mesmo tempo em que alteraria a relação

direta com as religiões, isto é, em lugar de buscar objetivos, métodos e linguagem nas

tradições, o faria por meio das Ciências da Religião através de um olhar não-confessional, do

ponto de vista acadêmico.

Feitas essas considerações e retomando o posicionamento de que o pluralismo religioso

implica não só a relação entre religião e Ensino Religioso, mas que essa questão amplia-se e

envolve a sociedade e a escola, convém destacar mais uma vez que os esforços realizados

para se pensar a disciplina se deram no sentido de pensá-la de modo a superar o modelo

catequético confessional. Em outras palavras, esses esforços traduzem-se na busca de uma

identidade para o Ensino Religioso de maneira a superar dilemas epistemológicos32 na medida

32 O dilema epistemológico do Ensino Religioso será abordado de forma mais detida, juntamente com os modelos da disciplina em capítulo posterior.

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em que o mesmo possa estar presente no âmbito escolar na perspectiva de que se constituir

como elemento integrante na formação do cidadão.

No entanto, em pleno século XXI, o Presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, firmou

acordo com a Santa Sé, cujo objeto se refere à criação de um estatuto jurídico para a Igreja

Católica no país. Nesse acordo, o Ensino Religioso foi contemplado na perspectiva

confessional, fato que reacende as discussões em torno da disciplina e representa a tentativa

de manutenção da relação dela com o religioso por via das tradições religiosas. Esse assunto

será abordado no tópico seguinte.

4.2 Acordo Brasil – Santa Sé: recorrência da confessionalidade no Ensino Religioso

Ao longo de seu percurso na história educacional brasileira, o Ensino Religioso passou por

transformações significativas. Tem seu início no período Colonial enquanto ensino de

religião, isto é, como catequese católica. Essa configuração passou por questionamentos com

o surgimento da República, em que a afirmação da laicidade do Estado promoveu reflexos na

disciplina a partir da relação nem sempre fácil da presença religiosa em espaço público. Essa

relação constitui-se com destaque para a presença e atuação católica, como se pode perceber

no trecho a seguir:

Por muitas razões, a Igreja Católica teve um papel crucial na definição do novo regime de relações entre Estado e Religião no Brasil republicano. Ressalta-se bastante o fato de que a Igreja Católica foi contrária à sua separação com o Estado. E é fácil de mostrar como seus líderes e representantes se empenharam na defesa do regime contrário ou de algum tipo de reconhecimento, por parte do Estado, da preeminência do catolicismo na constituição da nacionalidade. Tais empenhos foram em parte recompensados no texto da Constituição de 1934 na qual, por exemplo, o ensino religioso é permitido e o casamento religioso volta a ter validade civil; além disso, o princípio da separação é temperado pela possibilidade de “colaboração” entre Estado e religiões. A noção de “colaboração” conferiu assim um fundamento constitucional para aproximações entre Estado e religiões, o que, naquele momento histórico, traduziu as vitórias conquistadas pela Igreja Católica. (GIUMBELLI, 2008, p. 82).

O fato de o Ensino Religioso sofrer os reflexos da Relação do Estado com a Igreja Católica

em um primeiro momento, e depois com as religiões, se deu em função da compreensão da

disciplina ligada às tradições religiosas. Nesse sentido, a confessionalidade foi se constituindo

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como concepção para a disciplina, sem, no entanto, resolver a questão do Ensino Religioso,

pois havia a possibilidade sempre presente de proselitismo conjugada com a dificuldade de

compreendê-lo como elemento integrante do currículo escolar.

A partir de década de 1970 até os dias atuais, muitos pesquisadores se empenharam no sentido

de contribuir na construção de uma identidade para a disciplina que superasse a concepção

confessional, dentre eles merecem destaque, dentre outros, Wolfgang Gruen, Anísia

Figueiredo e Sérgio Junqueria. Atualmente, a reflexão em torno do Ensino Religioso se dá no

sentido de pensá-lo levando-se em conta o contexto pluralista tanto do ponto de vista cultural

quanto do religioso da sociedade brasileira. Entretanto, dada a interligação entre cultura e

religião, o enfoque recai sobre o pluralismo religioso, sobretudo de seu entendimento sob a

ótica da diversidade de tradições e movimentos religiosos. Nesse sentido, convém destacar

que,

O pluralismo religioso é colocado como um direito expresso na primeira constituição e é um ideal manifesto pelas associações interconfessionais. Nem todos os grupos religiosos, entretanto, possuem o mesmo poder de intervir na definição de conteúdos e estratégias da disciplina do Ensino Religioso, hoje constituído como elemento curricular. Portanto, faz-se necessária a discussão de uma perspectiva do pluralismo religioso, para balizar esta disciplina e discutir, inicialmente, a capacidade de acolher a diversidade religiosa que compõe o campo religioso brasileiro. (JUNQUEIRA; ALVES, 2005, p. 76).

Em detrimento dessa nova perspectiva que a disciplina vem assumindo nos últimos tempos,

no sentido de incorporar a diversidade religiosa enquanto elemento importante na constituição

de sua identidade, o governo brasileiro assinou acordo com a Santa Sé em 13 de novembro de

2008, na cidade do Vaticano, com o objetivo de assegurar o estabelecimento de um Estatuto

Jurídico da Igreja Católica no Brasil, conhecido como Acordo Brasil-Santa Sé. O Acordo

desconsidera a Lei 9.475/97, que deu nova redação ao Artigo nº. 33 da LDBEN 9.394/96, ao

assegurar o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, abrindo a perspectiva de um

Ensino Religioso para além da confessionalidade ao retirar as expressões confessional e

interconfessional da versão inicial do referido artigo da LDBEN de 1996.

Em linhas gerais, pode-se dizer que, do ponto de vista da Igreja Católica, o Acordo fazia-se

necessário para instituir instrumento jurídico no intuito de normatizar e reconhecer

oficialmente “[...] os diversos aspectos envolvidos na relação entre o Estado brasileiro e a

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Santa Sé e também a presença da Igreja Católica no País.” (ANDRADA, 2009, p.9). O

Acordo é constituído por vinte artigos, que, segundo seu relator, Deputado Bonifácio

Andrada, segue diretrizes que se pautam pelo respeito e preservação das disposições da

Constituição e da legislação brasileira, incluindo o caráter laico do Estado. Seguindo a

interpretação dada pelo relator, o Acordo em seus artigos trata da relação entre Brasil e Santa

Sé e o reconhecimento da aplicabilidade do Direito Canônico, como se segue:

- o art. 1º dispõe sobre a representação diplomática do Brasil e da Santa Sé, nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas; - o art. 2º, o Brasil, com base na aplicação do princípio de liberdade religiosa, dá à Igreja Católica o direito de desempenhar sua missão apostólica, observado o ordenamento jurídico brasileiro; - o art. 3º, o Brasil reconhece a personalidade jurídica da Igreja Católica, bem como de determinadas instituições Eclesiásticas que, segundo o Direito Canônico, possuem tal personalidade, mediante à devida inscrição, no registro pertinente, do ato de criação, nos termos da legislação brasileira; (ANDRADA, 2009, p. 11).

Os artigos do 5º ao 8º tratam de questões referentes aos benefícios das pessoas jurídicas

eclesiásticas que prestam assistência social, da cooperação entre Estado e Igreja na

preservação do patrimônio histórico artístico e cultural da Igreja Católica no Brasil, bem

como a proteção de lugares de culto e a prestação de assistência espiritual a fiéis, conforme se

pode perceber a seguir:

- o art. 5º dispõe sobre os direitos, imunidades, isenções e benefícios das pessoas jurídicas eclesiásticas que prestam também assistência social serão iguais a todas as demais entidades com fins semelhantes, conforme previstos no ordenamento jurídico brasileiro; - o art. 6º dispõe sobre o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica no Brasil, reconhecendo-o como parte integrante do patrimônio histórico, artístico e cultural do Brasil. Assegura a continuidade da cooperação entre a Igreja Católica e o Estado no sentido de salvaguardar, valorizar e promover a fruição de bens, móveis e imóveis da Igreja Católica que sejam considerados integrantes também do patrimônio histórico, artístico e cultural do Brasil. - o art. 7º assegura a proteção dos lugares de culto- observadas a função social da propriedade e a legislação – e a cooperação entre a Igreja e o Estado, com vistas à proteção dos lugares de culto e liturgias da Igreja Católica, símbolos e objetos culturais contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo. (ANDRADA, 2009, p. 11-12).

Os artigos 9º, 10 e 11 tratam de temas relacionados à educação. Segundo Andrada (2009),

nesses artigos inclui-se o reconhecimento recíproco de títulos e qualificações em nível de

Graduação e Pós-graduação, sujeitando-se às respectivas legislações e normas tanto

brasileiras quanto do Estado do Vaticano. Há também referência a uma reiteração do

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compromisso da Igreja Católica, a partir do princípio de cooperação com o Estado, em

colocar as instituições de ensino católicas, em todos os níveis, a serviço da sociedade. O

Ensino Religioso é tratado no artigo nº. 11, e o relator assim se expressa sobre o mesmo:

- o art. 11 estabelece o compromisso da República Federativa do Brasil de respeitar a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa, em observância ao direito de liberdade religiosa, à diversidade cultural e à pluralidade confessional do País. (ANDRADA, 2009, p. 12).

Dos artigos 12 ao 20, o Acordo trata de questões relativas ao efeito civil do matrimônio

religioso, da garantia aos Bispos da Igreja Católica do direito de manter o segredo de ofício,

da imunidade tributária referente aos impostos das pessoas jurídicas eclesiásticas, bem como

do direito de exercer atividades sociais e educativas sem fins lucrativos ou benefícios. Há

também a determinação de que a atividade dos ministros ordenados não gera vínculo

empregatício, de que seja concedido visto permanente ou temporário para sacerdotes e

membros de institutos religiosos e leigos, para exercício de atividade pastoral no Brasil. Ainda

segundo Andrada (2009):

- os arts. 18 a 20 estabelecem normas de caráter adjetivo e procedimental e referem-se à possibilidade de complementação do Acordo, à celebração de Convênio sobre temas específicos, à solução de controvérsias quanto à aplicação e interpretação do Acordo e à vigência do Acordo. (ANDRADA, 2009, p. 13).

Entretanto, na redação do artigo nº. 11 no referido Acordo, pode-se perceber que o caráter

confessional do Ensino Religioso volta à cena como se pode perceber a seguir:

Artigo 11

A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. § 1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação. (ANDRADA, 2009, p. 45).

Apesar de o artigo nº. 11 do Acordo Brasil – Santa Sé contemplar o respeito à diversidade

cultural e religiosa no Brasil, sem qualquer forma de discriminação, ao utilizar a expressão

“ensino religioso católico e de outras confissões religiosas”, propõe mais uma vez em âmbito

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legal a concepção do Ensino Religioso confessional. Esse posicionamento contraria os

esforços de se pensar a disciplina a partir da pluralidade do campo religioso brasileiro que,

além de contar com diversidade de confissões religiosas, registra também a existência de

movimentos que caracterizam esse campo, e que não estão circunscritos no âmbito

institucional das confissões, nesse caso pode-se citar como exemplo os sem religião.

Do ponto de vista da Igreja Católica, o estabelecimento de um acordo com o governo

brasileiro seria interessante tomando-se, pois:

O novo Código Civil produziu um vácuo jurídico em relação às “organizações religiosas”. Um “acordo” é atravessado por movimentos cujos resultados, [...], são incertos. Novamente, um “acordo” garantiria a proteção ao “patrimônio histórico católico”, de grandes proporções materiais e simbólicas. (GIUMBELLI, 2008, p. 94).

No entanto, é importante destacar, ainda segundo Giumbelli (2008), que o Vaticano

manifestou interesse em confirmar o reconhecimento da organização da Igreja Católica no

Brasil sobre matéria fiscal, confirmando imunidade tributária. Esse interesse do Vaticano

inclui a preservação do patrimônio materializado nos templos católicos. Quanto ao Ensino

Religioso, deve-se destacar que o interesse se dá no sentido de garantir disciplina como

componente curricular obrigatório em escolas públicas. Deve-se destacar que não faltaram

opositores à efetivação desse acordo.

A oposição, segundo Fischimann (2009), se deu nos campos acadêmico, social e na Câmara

dos Deputados. As principais características do posicionamento contrário ao acordo se dão a

partir da compreensão de que o mesmo seria inconstitucional33 e feriria o artigo nº. 19 da

Constituição Federal de 1988, que regulamenta a separação entre Estado e religião, em

conformidade com a tradição republicana que dura 120 anos.

33 A compreensão de que o Acordo feriria a constitucionalidade, além de se basear no artigo nº. 19 da Constituição Federal de 1988, também questiona a legitimidade da Santa Sé enquanto entidade com representação Estatal, apesar de ser um organismo reconhecido pelo Brasil enquanto Entidade Internacional. A esse respeito, pode-se confrontar os posicionamentos de Andrada (2009) e Fischmann (2009), sendo o primeiro relator do Acordo na Câmara e emissor de parecer favorável e a segunda, Professora Universitária, Roseli Fischmann, que se posiciona de maneira contrária. As respectivas referências encontram-se ao final dessa dissertação.

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No campo social, em 2007, quando já se tornara pública a notícia de que havia negociações

entre o governo brasileiro e a Santa Sé34, por ocasião da visita do Papa Bento XVI ao Brasil,

houve alguns protestos de alguns movimentos. Nesse sentido,

Um primeiro processo de resistência possível à violação da Constituição foi desencadeado por minorias religiosas e movimentos sociais diversos, com forte presença do movimento de mulheres e do movimento feminista. Esses grupos fizeram o alerta sobre o encaminhamento da proposta de aliança entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro, usando a figura do acordo bilateral para tentar tornar aceitável o que já se apresentava como inconstitucional; os mesmos grupos buscaram informações, tanto de cunho histórico, para compreender o uso pela Igreja Católica da estratégia de concordatas na relação com os Estados, quando de esclarecimento sobre possíveis repercussões legais de semelhante instrumento jurídico. (FISCHMANN, 2009, p. 565).

No plano político, algo inusitado aconteceu. O partido do Presidente da República, Luis

Inácio Lula da Silva, isto é, o Partido dos Trabalhadores (PT), não encontrou no Partido da

Social Democracia Brasileira (PSDB) resistência com relação ao acordo, tendo em vista que

esses dois partidos são protagonistas de grandes embates no Congresso Nacional. Nesse

sentido, é curioso afirmar que “[...] a proposta de acordo desenvolvida e assinada pelo

governo do presidente Lula, do PT, encontrou em seus adversários do PSDB os mais fiéis

aliados.” (FISCHMANN, 2009, p. 566).

Os parlamentares que se posicionaram contrários fizeram requerimentos em que solicitavam

do Ministério das Relações Exteriores informações e a realização de audiência pública, tendo

em vista o tema do Ensino Religioso nas escolas públicas, a partir dos termos expressos no

acordo acerca da disciplina. Dentre os parlamentares que organizaram esse primeiro momento

de resistência, é importante citar Ivan Valente do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) de

São Paulo, Fernando Gabeira do Partido Verde (PV) do Rio de Janeiro e Raul Jungmann do

Partido Popular Socialista (PPS) de Pernambuco.

O Acordo encontrou resistência também no âmbito acadêmico. A esse respeito é importante

destacar os posicionamentos surgidos durante a 59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira

para o Progresso da Ciência (SBPC). Esse encontro aconteceu na cidade de Belém, no Estado

34 Roseli Fischmann, Doutora em Filosofia e História da Educação e professora em Programas de Pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP) e Metodista de São Paulo (UMESP), em novembro de 2006, publicou artigo na Folha de São Paulo intitulado Ameaça ao Estado Laico, no qual torna público o interesse de celebração do Acordo entre o Brasil e o Vaticano, representado pela Santa Sé.

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do Pará em julho de 2007 e teve, dentre suas atividades, a inserção da questão da laicidade do

Estado. Esse encontro contou também com a colaboração da Associação Nacional de Pós-

graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). Com relação ao Acordo Brasil-Santa Sé, foi

aprovada em Assembléia Geral da entidade uma moção na qual a SBPC posiciona-se

contrária à concordata. Eles argumentaram que tal instrumento representaria interferências de

instituições religiosas sobre o Estado Brasileiro, de outro Estado na soberania nacional e

também interferência exógena à comunidade científica com a possibilidade de ruptura com os

valores universais e de independência científica; e ainda ressalta sua visão de que, mesmo

antes do acordo, o ensino religioso é praticado de forma inconstitucional nas escolas públicas

brasileiras, ferindo direitos de crianças e adolescentes. (JORNAL DA CIÊNCIA, 2007).

As iniciativas acadêmicas resultaram também em colaborações com a imprensa. Assim, além da intensa exposição da opinião pública, em 2007, ao tema, por rádio, TV, jornais de circulação nacional, em 2008 foram apresentados resultados desses projetos também em publicações na grande imprensa, como o número da revista ÈPOCA que dedicou a matéria de capa ao EREP35 (ARANHA & MENDONÇA, 2008). Na mesma linha, a CBN, em particular em entrevistas matinais no Jornal da CBN36, com o jornalista Heródoto Barbeiro, dedicou vários programas tanto ao tema do EREP, quanto especificamente ao tema da laicidade do Estado. (FISCHMANN, 2009, p. 568).

Ainda, no campo acadêmico, houve outra iniciativa relevante iniciada em 2007 junto ao

Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ) e diz respeito à criação do Observatório da Laicidade do Estado

(OLE), que além de reunir pesquisadores de diferentes áreas e instituições, empreendeu

esforço coletivo no sentido de coletar e analisar documentos, bem como de ter promovido

seminários e mesas redondas que versavam sobre a concordata. Retornando ao campo social,

não se pode deixar de destacar outra importante organização que se posicionou contrária ao

Acordo Brasil–Santa Sé. Em maio de 2008, foi fundada a Associação Brasileira de Ateus e

Agnósticos (ATEA), que adotou dentre seus princípios estatutários a defesa da separação

entre Estado e instituições religiosas em qualquer nível, seja na administração direta ou

indireta. Segundo Fischmann (2009, p. 569), a existência e atuação dessa entidade

representam uma importante contribuição nas discussões ligadas à presença religiosa na esfera

35 Ensino Religioso na Escola Pública (EREP). 36 Central Brasileira de Notícias – rede de rádio brasileira (CBN), pertencente ao Sistema Globo de rádio.

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pública, pois se embasa nos princípios de participação estabelecidos na concepção de Estado

Democrático de Direito adotados pelo Brasil.

Houve também manifestações a respeito do tratamento dado ao Ensino Religioso no artigo nº.

11 do Acordo Brasil-Santa Sé por parte do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso

(FONAPER). Em seu sítio na internet 37, o FONAPER divulgou carta a seus membros

filiados, na qual expressa sua posição contrária à aprovação do referido artigo. Essa carta

convocou Profissionais da Educação e do Ensino Religioso de todo território nacional a

enviarem mensagem disponibilizada em seu texto ao Presidente da Câmara, Deputado Michel

Temer, na qual há solicitação para que o artigo nº. 11 fosse revisto e adequado ao que prevê o

artigo 33 da LDBEN 9.394/1996. (FONAPER, 2009). O sítio do FONAPER acompanhou

todo processo de tramitação do Acordo por meio de publicação de notícias e também de

manifestos contrários, dentre eles podem-se citar a Associação dos Magistrados Brasileiros

(AMB), Igreja Episcopal Anglicana, Associação do Professores de Ensino Religioso do

Estado de Santa Catarina (ASPERSC), Colégio Episcopal da Igreja Metodista e Igreja

Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

O texto do Acordo assinado entre o Brasil e a Santa Sé foi apresentado ao Congresso

Nacional e iniciou o processo de tramitação em 13 de março de 2009. Em 26 de agosto de

2009, foi aprovado pela Câmara 38 e foi enviado ao Senado em 08 de setembro de 2009 sendo

aprovado em 07 de outubro do mesmo ano. Em 11 de fevereiro de 2010, o Presidente da

República, Luis Inácio Lula da Silva, promulgou o Acordo, publicado no Diário Oficial da

União pelo Decreto 7.107 no dia 12 de fevereiro de 2010.

37 Disponível em: http://www.fonaper.com.br. Acesso em 25 de agosto de 2009. 38 O Acordo Brasil-Santa Sé tramitou no Congresso Nacional passando por um processo de análise em dez ministérios, dentre eles o Ministério da Educação e Cultura (MEC), Ministério da Saúde, Casa Civil e Ministério das Relações Exteriores que coordenou esse processo de análise. Após passar pelos ministérios, foi encaminhado às comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) e Comissão de Constituição e Justiça. Na Câmara dos Deputados, o Acordo passou por vários questionamentos envolvendo a questão da laicidade do Estado e da inconstitucionalidade do texto, bem como por pedidos de análise e de Audiência Pública. Houve também atuação da CNBB por meio de seu presidente, Dom Geraldo Lyrio, que visitou o Congresso Nacional dirigindo-se ao presidente da CREDN e também ao Presidente da Câmara, Michel Temer no intuito de pedir que o Acordo tramitasse em regime de urgência. Outros grupos religiosos representados pela Bancada evangélica, de modo particular pelo Deputado André Zacarow, se manifestaram no sentido de compreender que o Acordo tratava a Igreja Católica de maneira privilegiada em detrimento das demais confissões. Para maiores esclarecimentos acerca do assunto, é importante consultar o artigo de Roseli Fischmann, intitulado A proposta de Concordata com a Santa Sé e do Debate na Câmara Federal, publicado na Revista Educação e Sociedade, vol. 30, n. 7, p. 563-583, maio/ago., em 2009.

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É importante ressaltar que o Ensino Religioso encontra-se em um processo de reflexão no

qual se procura pensá-lo enquanto área de conhecimento39, isto é, os esforços têm se dado no

sentido de integrá-lo de fato ao meio escolar e superar o dilema epistemológico instaurado a

partir da concepção da disciplina ligada às tradições religiosas.

Tanto na concepção catequética dos períodos Colonial e Imperial brasileiros, quanto na

perspectiva confessional de cunho ecumênico posterior, as fontes do conhecimento religioso

para a disciplina são buscadas nas tradições religiosas, que por sua vez encontram fundamento

no dado teológico da fé. Na medida em que o Acordo propõe uma modalidade de Ensino

Religioso que abre perspectivas para um ensino Católico e de outras confissões, representa

um retrocesso nas discussões e dificulta a superação do dilema citado, bem como o tratamento

pedagógico e a formação de professores, uma vez que os mesmos dependem de uma

vinculação epistemológica do ponto de vista acadêmico.

Para uma melhor compreensão da atual situação do Ensino Religioso no Brasil e de modo

particular em Minas Gerias, é importante realizar a abordagem dessa temática a partir da

análise da disciplina lançando mão da categoria de modelos de Ensino Religioso, bem como

das dificuldades e perspectivas de formação docente. Destacando-se o modelo Ciências da

Religião como possibilidade de superação tanto do dilema epistemológico quanto de resposta

à formação docente.

Neste capítulo, procurou-se evidenciar que o Ensino Religioso ao longo de sua história guarda

relação com o campo religioso e sofre influências de disputas políticas. O último

acontecimento nesse sentido é expresso pela recorrência da confessionalidade promovida por

meio do Acordo Brasil-Santa Sé. A questão do Ensino Religioso ainda encontra-se em aberto,

pois há necessidade de continuidade de reflexão sobre sua identidade, vinculação epistêmica,

bem como encontrar soluções para viabilizar a formação de professores. Assim sendo, no

próximo capítulo a abordagem procura trazer contribuições a essas questões, destacando o

39 A disciplina, segundo a Resolução nº 2/98, da Câmara de Educação Básica, no artigo 3º, item IV, é apresentada com estatuto de área de conhecimento. Dessa forma, a disciplina é remetida ao âmbito acadêmico onde as áreas de conhecimento representam delimitações teóricas com objeto, métodos e linguagem em caráter científico.

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modelo Ciências da Religião como aquele que melhor pode responder aos desafios que ora

estão lançados.

5 ENSINO RELIGIOSO EM MINAS E SUA POSSÍVEL RELAÇÃO COM AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Tomando como ponto de partida a inclusão do Ensino Religioso nos textos Constitucionais e

também na legislação educacional, é possível lançar um olhar sobre a disciplina a partir do

enfoque da relação entre Estado e religiões. De modo particular, a partir do período

republicano no qual o Estado brasileiro passa a ser compreendido em caráter laico. As vozes

defensoras do Estado laico, de maneira geral, entendem que o Ensino Religioso

corresponderia a uma concessão, ou mesmo ingerência religiosa em questões de laicidade.

A esse respeito Vaidergon (2008) 40 qualifica a disciplina como herança do que chama de

autoritarismo religioso, fazendo referência, sobretudo, a não aceitação imediata da separação

com o Estado por parte da Igreja Católica41, passando pela imposição da Educação Moral e

Cívica durante a Ditadura militar de 1964 e culminando com a “[...] concorrência religiosa nas

escolas públicas em pleno regime democrático.” (VAIDERGON, 2008, p. 407). De modo

sintético, o posicionamento desse autor pode ser entendido da seguinte maneira:

A tradição autoritária persiste no ensino religioso. Por mais que se queira atualizar, renovar e descaracterizar sua gênese, permanece o intento das religiões de influir na sociedade civil e nos poderes da República, através da educação. A fé, que na promessa iluminista, deveria se manter no âmbito privado, cada vez mais, no mundo e no Brasil, se torna fator de política pública, por vezes combatendo a razão e o conhecimento científico e legitimando ações antidemocráticas – tal como na época da ditadura. (VAIDERGON, 2008, p. 410-411).

Na Constituição Federal de 1988, a religião constitui direito individual, conforme o artigo 5º,

VI, ou seja, é assunto de âmbito privado. A educação, por sua vez, segundo o artigo 6º da 40 Doutor em Educação e professor do Departamento de Ciências da Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação Escolar, da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UMESP – Araraquara). 41 Segundo Vaidergon (2008): “Depois do Império, onde o padroado estabeleceu o vínculo entre o poder monárquico e o catolicismo como religião oficial, a República, mesmo estando constitucionalmente separada da Igreja, desta sempre sofreu, de forma mais ou menos explícita, a pressão ideológica pelo comando de corações e mentes de seus cidadãos.” (VAIDERGON, 2008, p. 407).

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mesma Carta Magna, constitui-se como direito social, em outras palavras, situada no âmbito

público. O Ensino Religioso por meio do artigo nº. 210, § 1º, (Constituição Federal de 1988)

foi assegurado nas escolas públicas em caráter facultativo. Dessa forma, segundo Pauly

(2009), a Constituição,

[...] situa o ensino religioso no espaço, ao mesmo tempo público (escola) e privado (liberdade de consciência). Essa localização ambígua implica dilema epistemológico. A LDBEN tenta superá-lo pela: a) proibição do proselitismo; b) freqüência optativa; c) não-integralização da carga horária da disciplina nas 800 horas; e) concessão do direito à audição pelo sistema de ensino de entidade civil representativa das igrejas. (PAULY, 2009).

O entendimento de que o Ensino Religioso configura presença ambígua do privado em

ambiente público decorre da compreensão da disciplina em estreita ligação com as religiões.

O caráter facultativo, bem como o posicionamento da LDBEN (9.394/1996) em conferir aos

sistemas de ensino a competência de estabelecimento dos conteúdos do Ensino Religioso e a

tarefa de definição da qualificação e admissão de professores, podem ser entendidos como

reflexo dessa posição ambígua da disciplina. Não se pode deixar de destacar também, como

reflexo dessa ambigUidade, que o Ministério da Educação e Cultura ainda não assumiu a

tarefa de estabelecer qual seria a habilitação desse professor em âmbito nacional.

Para preservar a liberdade de crença, que se configura como aspecto privado, a legislação

assegura o caráter facultativo. Nesse caminho, quando a legislação deixa a cargo dos sistemas

de ensino a definição de conteúdos e estabelece que essa tarefa deve ser realizada por meio da

audição de entidade civil constituída por representantes religiosos, fica claro que há a

compreensão de que se procura preservar e respeitar as particularidades regionais religiosas.

A questão central que se coloca é a compreensão do Ensino Religioso ligado às tradições

religiosas, implicando assim no dilema epistemológico. Isso se dá na medida em que a

epistemologia do Ensino Religioso diz respeito a aspectos teóricos e metodológicos, fazendo

referência a uma área de conhecimento específica que tem a religião como objeto de estudo.

O dilema epistemológico está presente na medida em que o Ensino Religioso busca

fundamentar-se em um conhecimento sobre o religioso que tem suas fontes nas tradições

religiosas. Entretanto, é importante ressaltar que “a atividade de ensino se dá a partir de

conteúdos a serem difundidos, conteúdos que podem vir do senso comum, de tradições

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religiosas ou do acúmulo das pesquisas científicas, no caso das ciências.” (PASSOS, 2007,

p.27).

Passos (2007), na perspectiva curricular, esclarece que se pode fazer uma distinção entre o

ensino que reproduz e o ensino que produz conhecimento. As tradições religiosas se situam

na primeira condição citada. Isso devido às suas características de repassar às gerações, de

forma espontânea ou sistemática, suas tradições por meio da catequese, isto é, sua

preocupação fundamental objetiva a reprodução da doutrina confessional. Com relação à

escola, muito embora não exclua o primeiro tipo de ensino, isto é, aquele que reproduz, situa-

se primordialmente no segundo, ou seja, no ensino que produz conhecimento e pretende

transmitir e discutir os resultados e processos de produção das ciências com os educandos.

Dessa forma, Passos (2007) esclarece que,

O ER escolar, exatamente por ser escolar, justifica-se como componente curricular enquanto expressão de uma abordagem científica. O processo de ensino-aprendizagem pode e deve decodificar valores e tradições, porém, dentro de um discurso regrado por fundamentos teóricos e regras metodológicas, ou seja, dentro de uma dinâmica lógica enraizada nas ciências. (PASSOS, 2007, p.28)

Ainda, segundo Passos (2007), pode-se constatar que há “[...] carência histórica de uma base

epistemológica para o ER, que permanece, quase sempre, vinculado às tradições religiosas e

termina por reproduzi-la nos currículos escolares.” (PASSOS, 2007, p. 28). Os esforços que

vêm sendo empreendidos no sentido de conceber o Ensino Religioso como área de

conhecimento, desvinculado do caráter confessional, foram desconsiderados no momento em

que houve a promulgação do Acordo-Brasil Santa Sé e a consequente recorrência da

confessionalidade para o Ensino Religioso. Mais uma vez fica claro que há dificuldade de se

pensar a disciplina desvinculada das tradições religiosas, sobretudo por parte dos legisladores,

o que torna não muito fácil a superação do dilema epistemológico da disciplina.

Na perspectiva de refletir o Ensino Religioso tendo como pano de fundo o dilema

epistemológico, nos tópicos seguintes, procurar-se-á realizar uma abordagem que passa pela

descrição de alguns modelos de Ensino Religioso, destacando-se o da religiosidade, adotado

em Minas Gerais, e o das Ciências da religião fazendo referência à dificuldades enfrentadas

por professores no Estado Mineiro diante dos desafios apresentados pelo pluralismo

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religioso42. O intuito final será apresentar o modelo Ciências da Religião como aquele que

responde com mais ganhos, sobretudo para a superação da confessionalidade na disciplina e a

afirmação das Ciências da Religião como área de conhecimento e campo de formação para os

professores.

5.1 Modelos de Ensino Religioso

A adoção da categoria modelo de Ensino Religioso representa um esforço aproximativo para

abordar a disciplina no sentido de fornecer eixo norteador para a reflexão sob a perspectiva

epistemológica. Segundo Soares (2009), os modelos são mapas ideais extraídos a partir de

práticas concretas da realidade e representam “o esforço de construir tipologias serve apenas

como referência para facilitar a visualização e a análise do que vem sendo feito na prática

cotidiana. São mais tendências do que delimitações cabais.” (SOARES, 2009, p.314). Em

outras palavras, os modelos de Ensino Religioso são na verdade perspectivas teóricas que

buscam dar clareza e nortear a prática do Ensino Religioso, sem desconsiderar que o mesmo

pode ser concebido tanto do ponto de vista do conteúdo quanto dos métodos e de forma

diversificada. Segundo Dantas (2004), “os modelos de Ensino Religioso diferem entre si,

principalmente, por seus pressupostos teóricos – de ordem filosófica, antropológica e

teológica, sobretudo – defendidos por educadores, especialistas da área, autoridades e até

legisladores.” (DANTAS, 2004, p. 113).

Revisando a literatura a respeito do assunto, é possível encontrar autores que propõem

nomenclaturas de modelos para o Ensino Religioso de forma diferenciada. Nesse sentido,

42 A esse respeito, é importante destacar que a diversificação de concepções, conteúdos e métodos do Ensino Religioso decorrem da aplicação do artigo 33 da LDBEN (9.394/19967), alterado pela Lei 9.475/1997 que deu autonomia aos sistemas de ensino para regulamentar os procedimentos para definição de conteúdos da disciplina e o estabelecimento de normas para habilitação e admissão dos professores. Dessa forma, encontram-se pelos diferentes sistemas de ensino brasileiro experiências diversificadas. Para um melhor aprofundamento sobre o assunto é interessante consultar Junqueira; Corrêa e Holanda (2007), que apresenta um apanhando das concepções de ensino religioso nos Estados brasileiros e sua normatização. Não menos importante é a publicação da CNBB de 1976 (Educação Religiosa nas Escolas), que procurou fazer uma visão panorâmica da disciplina nos Estados Federados e já apresentava a diversificação de concepções. Para um acompanhamento mais atual do assunto, pode-se consultar o sítio eletrônico do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (www.fonaper.com.br) que, com alguma frequencia, divulga notícias atualizadas nesse sentido.

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pode-se citar, primeiramente, Gruen (1997), autor que adota basicamente dois modelos, a

saber: modelo confessional e modelo não-confessional.

Por modelo confessional, Gruen (1997) faz referência ao Ensino Religioso vinculado à

catequese, isto é, com métodos, conteúdo e linguagem próprios da catequese. Para este autor,

o modelo confessional possui uma variante ecumênica. Seria ainda um Ensino Religioso

vinculado a práticas catequéticas, no entanto procurando adotar uma postura ecumênica, isto

é, de diálogo entre tradições cristãs. Mesmo tendo essa variante ecumênica, o Ensino

Religioso praticado nesses termos encontra-se em ligação estreita com práticas próprias do

âmbito da doutrinação eclesial, isto é, da catequese. A respeito do Ensino Religioso no

modelo não-confessional, Gruen (1997) entende que diz respeito a uma modalidade da

disciplina que procura não se identificar com a catequese. Para tanto, lança mão da categoria

da religiosidade no intuito de fundamentar sua argumentação. A religiosidade faz referência

ao fenômeno religioso de maneira geral, não se restringindo às tradições religiosas. Dessa

forma, Gruen (1997) se posiciona a partir do modelo não-confessional por entender que, “só

este modelo situa o Ensino Religioso dentro da estrutura do estabelecimento escolar, e o

integra na lógica de uma educação sistemática própria do sistema escolar.” (GRUEN, 1997,

p.90).

Gruen (1997), ao argumentar a favor da existência dos modelos confessional e não-

confessional, se situa no contexto das décadas de 1960 e 1970 e seu principal objetivo era

diferenciar Ensino Religioso de Catequese Escolar. A partir das décadas seguintes, a reflexão

em torno da disciplina proporcionou o surgimento de outros modelos43, do quais, além do

modelo baseado na religiosidade, é importante citar:

A) modelo confessional. Sua principal característica é o ensino de conteúdos doutrinários.

Ocorre com maior frequencia em estabelecimentos de ensino com caráter confessional. Possui

limites que dizem respeito à necessidade de criação de turmas de acordo com os diferentes

credos e também pode ser assumido mais facilmente sem ônus para o Estado.

43 O foco deste trabalho recai sobre três modelos propostos por Passos (2007). Para uma melhor compreensão dos demais modelos citados, é importante consultar além de Passos (2007), Gruen (1997) e Dantas (2009), dentre outros.

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B) modelo ecumênico ou irênico.44 Este modelo possui como principal característica o

atendimento às diversas tradições de matriz cristã. De maneira particular, aquelas que estão

engajadas no Movimento Ecumênico. Com relação à metodologia, linguagem, e recursos

didáticos, ele pode ser identificado pela prevalência de utilização de títulos de fé, dogmas,

temas e textos sagrados referentes às tradições cristãs. (DANTAS, 2009).

C) modelo interconfessional. Possui como característica o objetivo de ser compatível com

todas as confissões religiosas. Para tanto, procura não privilegiar doutrinações, exclusividades

e não se limitar às confissões de matriz cristã. Seus limites dizem respeito ao fato de

pressupor a opção prévia dos educandos por uma confissão religiosa. Diante do pluralismo do

campo religioso e da existência de movimentos religiosos não institucionalizados, bem como

do trânsito religioso e da privatização do sagrado45, não é capaz de atender de maneira

satisfatória às demandas dessa nova realidade religiosa brasileira.

D) modelo inter-religioso ou pluralista. Neste modelo, o Ensino Religioso procura abranger

“[...] as mais variadas opções e modalidades de religiosidade, filosofias de vida, e até mesmo

o agnosticismo e ateísmo.” (DANTAS, 2009, p. 117). Ao contrário do modelo

interconfessional, não pressupõe adesão ou identificação do educando com algum credo ou

confissão. Baseia-se nas categorias antropológicas de transcendência e alteridade. Esse

modelo foi proposto por Dantas (2009), que admite receber influência do modelo proposto

por Gruen (1997). Dessa forma, seu entendimento acerca da disciplina neste modelo

diferencia-se das demais disciplinas na medida em que deve se dar ênfase em ajudar o “[...]

aluno a construir uma resposta à pergunta pelo sentido da sua vida, o que implica uma

reflexão sistemática e vivências cotidianas em torno de seu projeto ético e cidadão.”

(DANTAS, 2009, p.123).

Este último modelo, identificado com a proposta de Gruen (1997) e adotado pelo Estado de

Minas Gerais, procurou superar a confessionalidade e atender a demandas da diversidade do

campo religioso brasileiro. Este objetivo é atingido parcialmente, pois mantém o ER como

44 “Do grego ‘eirene’, que significa paz.” (DANTAS, 2009, p. 114). 45 A respeito do trânsito religioso, é comum a frequência simultânea a mais de uma confissão. Do ponto de vista da privatização do sagrado, há uma tendência de cada indivíduo moldar sua própria religião, ou maneira de crer com a apropriação de diversos elementos de diferentes sistemas religiosos ou mesmo a não vinculação a nenhuma tradição referente ao sentimento de não pertencimento institucional verificado entre os Sem-religião.

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competência das confissões religiosas. Pode-se perceber essa vinculação a partir da

proposição de uma base antropológica realizada, sobretudo, por meio da categoria da

transcendência. A esse respeito, o teólogo, Evaldo Luis Pauly (2009), ao discutir o dilema

epistemológico do Ensino Religioso, esclarece que:

Não parece razoável admitir a transcendência como objeto congnoscível. As experiências humanas atribuídas ao transcendente podem ser objeto do diálogo congnoscente. O Estado democrático de direito é laico. Há separação entre os legítimos interesses privados das religiões e o interesse público da escola. (PAULY, 2009, p. 174).

Apesar dos esforços para se conceber o Ensino Religioso de maneira a superar a

confessionalidade, ainda persiste o dilema epistemológico. A disciplina, mesmo sob a

perspectiva de um modelo inter-religioso ou pluralista, mantém vinculação com as tradições

religiosas por via teológica na medida em que adota a categoria de transcendência.

Em busca de uma nova reflexão que supere a confessionalidade e auxilie na resolução do

dilema epistemológico, encontra-se a proposta de João Décio Passos. Esse autor, por meio da

obra Ensino Religioso: Construção de uma proposta, publicada em 2007 pela Editora

Paulinas, propõe o modelo Ciências da Religião. Esse modelo se apresenta como aquele que

pode responder com mais ganhos, uma vez que, baseando-se nos estudos referentes ao campo

das Ciências da Religião, toma o fenômeno religioso como objeto de estudo sem pressupor fé

ou mesmo uma antropologia religiosa da transcendência enquanto categoria teológica. Passos

(2007), para expor sua reflexão, propõe a abordagem sobre a disciplina a partir da tipologia de

três modelos, a saber:

1)Modelo Catequético. Este modelo é representado, sobretudo, pelo contexto histórico, no

qual o Brasil mantinha ligação com a Igreja Católica. Em outras palavras, referente ao Estado

brasileiro enquanto Estado Religioso. Diz respeito tanto ao período Colonial quanto ao

seguinte, com a instituição do Império do Brasil que adotou o catolicismo como religião

oficial.

2) Modelo Teológico. Este modelo engloba aqueles entendidos na perspectiva confessional e

suas variantes, isto é, ecumênico e interconfessional, bem como o modelo baseado na

religiosidade ou mesmo pluralista. Sua principal característica é a vinculação teológica com as

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tradições religiosas, que podem ocorrer com referência explícita a doutrinas, dogmas de fé,

etc., ou mesmo pela pressuposição de uma antropologia teológica expressa por meio da

alteridade e da transcendência.

3) Modelo das Ciências da Religião. Este modelo leva em conta uma sociedade secularizada,

transreligiosa. Tem como principal objetivo a formação do cidadão a partir de uma

epistemologia fundamentada no campo das Ciências da Religião. Nesse modelo, a

responsabilidade pela disciplina não é de competência das tradições religiosas, mas passa a

ser da comunidade científica e do Estado. Seu principal risco é cair em uma possível

neutralidade científica.

A questão do Ensino Religioso ainda não se encontra resolvida. Houve avanços na busca de

superação da confessionalidade expressos por meio dos modelos para a disciplina. No

entanto, do ponto de vista do dilema epistemológico, ainda há que se buscar caminhos. Dessa

forma, acredita-se que a opção que responde com mais ganhos seria aquela representada pelo

modelo Ciências da Religião. No tópico seguinte, procurar-se-á abordar o Ensino Religioso,

tendo como pano de fundo a questão do dilema epistemológico, utilizando como percurso a

adoção dos três modelos propostos por Passos (2007), isto é, Catequético, Teológico e das

Ciências da Religião. Na realização desse percurso, coloca-se o esforço de relacionar e

discutir os três modelos, fazendo referência aos outros modelos citados neste estudo, bem

como a elementos de ordem política e histórica.

5.1.1 Três modelos de Ensino Religioso

Neste tópico, a abordagem do Ensino Religioso será realizada partir da ótica de três modelos,

a saber: Catequético, Teológico e das Ciências da Religião. Essa escolha se deve ao fato de

que a mesma permite uma abordagem com maior alcance sobre a disciplina a partir da

perspectiva epistemológica. O que ocorre em outros modelos com menor abrangência. A

opção por três modelos foi apresentada por Passos (2007), em obra na qual argumenta em

favor do modelo Ciências da Religião como aquele que melhor responde aos desafios

apresentados ao Ensino Religioso. Desafios que se colocam em função do lastro histórico de

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disputa política que envolve a disciplina ou mesmo em função da compreensão da mesma

como área de conhecimento e, principalmente, considerando o dilema epistemológico, ainda

não resolvido. Soares (2009), ao refletir acerca da opção dos três modelos, esclarece melhor

as razões dessa escolha, como se pode perceber a seguir:

Por que esses três modelos e não outros? Passos opta por uma visão diacrônica do ER no Brasil, que vai do longo período histórico em que ensinar religião equivalia a iniciar o aluno nos mistérios cristãos (e, principalmente, na tradição católica) até a situação contemporânea, que concilia desconfiança contra as instituições e atração por novas espiritualidades. Por essa razão, nosso autor prefere dispor os três modelos numa certa seqüência cronológica. (SOARES, 2009, p. 314).

O enfoque diacrônico permite ter uma visão mais ampla acerca da disciplina em suas grandes

linhas, sobretudo considerando a mesma partir de um olhar mais abrangente que procura

localizar a passagem da vinculação do Ensino Religioso às tradições religiosas - por meio da

ótica teológica - ao processo iniciação emancipatório da disciplina a partir do estabelecimento

de sua área de conhecimento realizada por meio da Resolução nº. 2/1998. Ainda a respeito do

enfoque dado à disciplina sob a perspectiva de abertura para além do âmbito teológico pode-

se dizer que,

A partir de 1997, com a revisão do artigo 33 da LDB, estabeleceu-se nova concepção para o Ensino Religioso. Seu foco deixou de ser teológico para assumir um perfil pedagógico de re-leitura das questões religiosas da sociedade, baseado na compreensão de “área de conhecimento” e orientado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. (OLIVEIRA et al., 2007, p. 58).

Partindo da ideia de que a compreensão do Ensino Religioso como área de conhecimento

proporcionou a re-leitura da disciplina, deixando a perspectiva teológica, convém ressaltar

que, “por uma questão de rigor no uso dos termos, seria melhor não tratar o Ensino Religioso

como área de conhecimento autônoma em paridade com, por exemplo, a Sociologia, as

Ciências Jurídicas ou a Matemática.” (SOARES, 2009, p. 313). Não seria interessante essa

paridade, sobretudo, porque:

Infelizmente, ainda não termos clareza nos setores envolvidos como o tema do Ensino Religioso – MEC, profissionais da educação, lideranças religiosas, autoridades políticas e porta-vozes da opinião pública – sobre qual deva ser justa relação entre o tipo de conhecimento adquirido sobre a experiência religiosa da humanidade e os procedimentos pedagógicos para apresentá-la a nossos jovens cidadãos. (SOARES, 2009, p. 313).

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A falta de clareza aponta para a necessidade de se buscar um aprofundamento maior acerca do

Ensino Religioso, sobretudo do ponto de vista epistemológico. Nesse sentido, a abordagem a

partir dos modelos pode contribuir muito para que se avance na discussão.

É importante destacar que, do ponto de vista geográfico, há no território nacional experiências

diversificadas de Ensino Religioso. Experiências que foram consolidando-se levando em

conta a expressão de jogos de força locais, bem como a atuação de agentes especializados, daí

Passos (2007) esclarece que:

Os modelos que estabelecem as práticas do ER podem esconder em sua singularidade a realidade plural dessas práticas com suas peculiaridades localizadas no tempo e no espaço, marcadas sempre por traços tendenciais, mas também por misturas de elementos. Os modelos aqui apresentados captam a propensões predominantes nas práticas de ER, com base no critério de fundamentação epistemológica. (PASSOS, 2007, p. 52).

O modelo catequético é o mais antigo e relaciona-se aos contextos históricos nos quais a

religião, sobretudo o catolicismo, gozava de hegemonia na sociedade brasileira. A esse

respeito é importante citar os períodos Colonial e Imperial em que ainda havia a união entre

Estado e Igreja Católica sob o regime de padroado. Nesses períodos, o modelo catequético

não encontrou grandes problemas para se manter em função do fato de quase coincidir a

opção religiosa pela tradição hegemônica e a cidadania. Esse modelo representa a educação

da fé, ou seja, de aprendizagem centrada no aspecto da transmissão de conteúdo pela via da

experiência de fé. Com o advento da modernidade dentro desse processo, com a reforma

protestante, com a consequente intolerância religiosa, o modelo catequético adquiriu

características apologéticas do catolicismo de maneira que, “[...] a catequese era vista como

instrução, como uma prática escolar voltada para a formação das ideias corretas, em oposição

às ideias falsas.” (PASSOS, 2007, p. 56-57).

Apesar de o modelo catequético situar-se historicamente nos períodos colonial e Imperial, e

também de as orientações catequéticas fazerem distinção entre a educação da fé e o Ensino

Religioso, sua prática persiste ainda hoje, seja implícita ou explicitamente sob o patrocínio de

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diversas igrejas e pela própria Igreja Católica. O que fere o espírito laico do Estado brasileiro

e esconde intenções proselitistas 46.

No Brasil, tanto a exclusão do ER das escolas com a implantação da República e a Constituição de 1891, quanto sua inclusão nas diversas Constituições, a partir da década de 1930, fizeram que ele ficasse ligado intimamente com a confessionalidadade. (PASSOS, 2007, p. 57).

Essa ligação implícita do modelo catequético com o confessional pode ser percebida na

persistência em matéria legislativa do caráter facultativo do Ensino Religioso, bem como na

continuidade entre as comunidades religiosas e escolas por meio da produção no interior

dessas últimas de espaços para a formação religiosa. (PASSOS, 2007, p. 57). Essa modalidade

de Ensino Religioso, devido à suas características de reproduzir métodos e ação pedagógica

de confissões religiosas, só poderia continuar existindo no meio escolar em contexto de

Separação Igreja-Estado por meio de acordos entre esses poderes. Nesse sentido, convém

ressaltar o Acordo Brasil – Santa Sé e a recorrência da confessionalidade para o Ensino

Religioso, encontrada na redação do artigo nº. 11 da concordata do Brasil com a Santa Sé47.

O modelo teológico utilizado por Passos (2007) pode ser entendido como uma concepção de

Ensino Religioso que busca fundamentação para além da confessionalidade estrita. Nesse

sentido, supera o modelo catequético, pois procura uma justificativa mais universal de

religião, a partir do princípio da existência de uma dimensão antropológica religiosa do ser

humano a ser educada. O modelo teológico procura oferecer um discurso religioso e

pedagógico em diálogo com as diversas confissões religiosas. “Esse modelo moderno esteve

presente nas escolas a partir do Concílio Vaticano II e recebe dele suas orientações principais,

assim como das chamadas teologias modernas”. (PASSOS, 2007, p. 61). Enquanto modelo

que se situa numa perspectiva diacrônica, inclui os modelos já citados - confessional,

ecumênico, interconfessional ou pluralista - levando-se em conta que são diretamente

influenciados, em termos epistemológicos, a partir das reflexões teológicas modernas em suas

expressões ecumênicas e de dialogo inter-religioso. Nesse sentido,

46 A respeito da persistência do modelo catequético, é importante citar o emblemático caso do Estado do Rio de Janeiro no qual ele se apresenta implícito no modelo confessional adotado. Para uma melhor compreensão da problemática gerada por esse modelo, é importante consultar Cavaliere (2007), em artigo intitulado O mal-estar do Ensino Religioso nas Escolas Públicas. 47 Artigo já citado no tópico 4.2.

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A teologia não configura, necessariamente, conteúdos confessionais nas programações de ER, mas age, sobretudo, como um pressuposto que sustenta a convicção dos agentes e a própria motivação da ação; a missão de educar é afirmada como um valor sustentado por uma visão transcendente do ser humano. (PASSOS, 2007, p.61).

Essa característica do modelo teológico permite que o mesmo se nutra de um diálogo maior

entre as igrejas cristãs chegando até mesmo a,

[...] contemplar uma visão pluralista que inclua religiões não-cristãs. Mas continua sendo uma catequese mais sutil, pois ainda está sob a responsabilidade de lideranças religiosas que, em última instância, têm poder de decisão e veto sobre os conteúdos a serem ministrados nas aulas. Justamente por essa dependência de certos interesses religiosos, ainda que bem mais diluídos, não nos parece se o modelo ideal para o ER nas escolas públicas. (SOARES, 2009, p. 315).

Considerando objeções ao modelo teológico, é interessante citar Pauly (2009), que argumenta

contra a fundamentação do Ensino Religioso em uma antropologia religiosa. Suas objeções se

dão no sentido de questionar a existência de tal antropologia. Para justificar sua posição, parte

do princípio de que na teologia acadêmica existem concepções antropológicas divergentes, o

que, do ponto de vista epistemológico, seria pouco razoável para a disciplina. (PAULY, 2009,

179). Além disso, há outros problemas que o modelo teológico enfrenta. Dentre eles, pode-se

citar o fato de haver o questionamento acerca da necessidade de uma formação religiosa para

a cidadania. Em outras palavras, o problema em questão poderia ser entendido da seguinte

maneira:

A justificativa de que o ensino religioso é um componente curricular porque integra a formação para a cidadania é falsa. A suposição de que uma pessoa religiosa seja melhor, igual ou pior cidadã em razão de sua crença, caracteriza clara discriminação. (PAULY, 2009, p. 174).

Existem também questionamentos acerca do modelo teológico que, a partir da perspectiva do

dilema epistemológico da disciplina, envolvem a questão da formação dos professores de

Ensino Religioso. Esses aspectos serão retomados mais adiante, por ora, procurar-se-á

abordar a concepção de Ensino Religioso adotada pelo Estado de Minas Gerais para, na

sequencia, proceder-se com a apresentação do modelo Ciências da Religião.

O modelo de Ensino religioso adotado em Minas Gerais possui raízes nas reflexões pioneiras

de Wolfgang Gruen que, na década de 1970, procedendo em um esforço de superação da

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confessionalidade e no intuito de compreender a disciplina como elemento integrante, de fato,

do meio escolar, propõe o Ensino Religioso baseado na religiosidade. Nesse sentido,

religiosidade é a atitude dinâmica de abertura do homem ao sentido fundamental da sua existência, seja qual for o modo como é percebido este sentido. Não se trata apenas de uma atitude entre muitas: quando presente, a religiosidade está na raiz da vida humana na sua totalidade. (GRUEN, 1997, p. 75)

Segundo Silva (2007, p. 60), a proposta de Gruen recebe influências de autores do campo

teológico como Metz, Max Scheler e Troeltsch. No entanto, a fundamentação para o que

compreende por religiosidade, encontra suas bases no pensamento de Paul Tillich, que

entende a religiosidade como dimensão mais profunda de todas as funções da vida humana,

isto é, da totalidade da vida humana. (SILVA, 2007, p. 60). Essa observação de Silva (2007)

pode ser percebida claramente no trecho a seguir: “A religiosidade não é uma atitude entre

muitas: ela é a raiz do conjunto das dimensões da vida da pessoa; à medida que as integra, a

religiosidade dá coerência a um projeto de vida.” (GRUEN, 2004, p. 413).

A proposta de Gruen situa-se no modelo teológico na medida em que busca suas

fundamentações em representantes da teologia moderna. A Religiosidade, mesmo não

fazendo referencia a uma confissão específica, pressupõe uma complementaridade de

beneficiamentos mútuos entre Ensino Religioso e catequese. Em outras palavras, situa-se

ainda na perspectiva teológica. Nesse sentido, é importante destacar que:

O ER beneficia a Catequese. Dá-lhe forte embasamento em termos de convivência na diversidade; abertura macroecumênica; elaboração de sistema de valores e sentido da vida, e disposição para superar a injustiça social; construção da paz. Fornece estímulos para purificar o âmbito religioso de patologias nada infrequentes: radicalismos, ritualismo enfadonho, ou vistoso mas estéril; contra-facções do sagrado, com intenções supostamente imexíveis. (GRUEN, 2004, p. 420).

Dantas (2004) esclarece que a Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais em 1994

iniciou processo de implantação de um novo projeto pedagógico por meio da revisão e

atualização dos currículos das disciplinas; nesse sentido, estabeleceu diretrizes próprias para o

Ensino Religioso. Nesse processo, foram contemplados referenciais teóricos que buscaram

enfatizar,

revisão e amadurecimento do projeto de vida pessoal do aluno; o desenvolvimento da sua religiosidade; o reconhecimento e valorização do pluralismo filosófico e

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religioso; e o incentivo à participação efetiva na construção da sociedade, através da reflexão ética e prática cidadã. (DANTAS, 2004, p. 115).

Esse autor, ao refletir sobre os modelos de Ensino Religioso, propõe o inter-religioso ou

pluralista no sentido de apresentá-lo como possibilidade de superação dos impasses surgidos

nos modelos anteriores. Na compreensão de Dantas (2004), isso seria possível devido às

características do modelo proposto que conseguiria abranger as mais variadas modalidades de

religiosidade, filosofias de vida, incluindo o agnosticismo e o ateísmo. Ele ainda argumenta

que esse modelo dialoga com a Antropologia Cultural, a Psicologia da Religião, a

Fenomenologia da Religião e a Sociologia da Religião a partir das categorias antropológicas

de transcendência e alteridade. Nesse sentido, “este modelo tem o mérito de superar uma

visão unirreligiosa e pautar-se pelo diálogo entre as confissões religiosas presentes nas

escolas.” (PASSOS, 2007, p. 64).

O modelo Pluralista identifica-se com a proposta do Departamento Arquidiocesano de Ensino

Religioso (DAER), que em Belo Horizonte organizou o curso de Filosofia e Metodologia da

Educação religiosa como iniciativa de capacitação e formação permanente de professores de

Ensino Religioso da rede pública Estadual com atuação na região metropolitana da capital

mineira. Essa proposta identifica-se como educação da religiosidade e, por sua vez, fora

influenciada pelo pensamento de Gruen, como se pode perceber a seguir:

O modelo de filosofia do Ensino Religioso adotado pelo DAER e que orienta esse Curso foi sistematizado pelo padre salesiano Wolfgang Gruen (1995), o qual se distingue dos modelos catequético, ecumênico e inter-confessional pelo seu caráter inter-religioso. (DANTAS, 2004, p. 119).

Essa proposta, ao procurar dialogar com disciplinas como a Psicologia da Religião,

Fenomenologia da Religião e Sociologia da Religião, já aponta para uma abertura do Ensino

Religioso às Ciências da Religião. No entanto, ao utilizar as categorias de transcendência e

alteridade, não consegue sair do enfoque teológico e, consequentemente, não resolve o

problema epistemológico da disciplina. Para compreender melhor a vinculação do modelo

pluralista proposto por Dantas (2004) ao plano teológico, convém observar que o modelo

teológico “sustenta-se na idéia da educação da religiosidade como um valor antropológico,

sendo que a dimensão transcendente marca o ser humano na sua profundidade,

independentemente de sua confissão explícita de fé.” (PASSOS, 2007, p. 64). Nessa

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perspectiva, é que se coloca como posicionamento interessante a proposta de Passos (2007)

do modelo Ciências da Religião.

Com intuito de romper com os modelos catequético e confessional, o das Ciências da Religião

se coloca a partir de uma postura que procura dar autonomia epistemológica ao Ensino

Religioso. Essa proposta ainda encontra-se em fase embrionária, muito embora, segundo

Passos (2007, p. 62), já em 1995, Wolfgang Gruen, em sua obra O Ensino Religioso nas

Escolas, tenha já sinalizado em direção às Ciências da Religião como base epistemológica

para o Ensino Religioso.

Outros momentos significativos de reflexão, em torno da aproximação das Ciências da

Religião com o Ensino Religioso, e a possibilidade de afirmação de uma epistemologia

decorrente desse diálogo são, primeiramente, a realização do IX Seminário de Capacitação

Docente, promovido pelo Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso, realizado da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) nos dias 3 e 4 de outubro de 2006,

que contando com apoio logístico do regional paulista da Sociedade de Teologia e Ciências da

Religião (SOTER – SP) propôs como tema de seus trabalhos a aproximação entre a pesquisa

das Ciências da Religião e a transposição didática de seus resultados no Ensino Religioso.

Como resultado desse evento, foi publicada em 2007 a obra Ensino Religioso e formação

docente: Ciências da Religião e Ensino Religioso em Diálogo. No mesmo ano, João Décio

Passos publicou Ensino Religioso: construção de uma proposta. Nessa obra, Passos(2007)

apresenta os três modelos de Ensino Religioso – Catequético, Confessional e Teológico – e

propõe o modelo Ciências da Religião. Vale destacar que, anteriormente, esse autor havia

participado dos trabalhos do IX Seminário Nacional de Capacitação Docente para o Ensino

Religioso, onde apresentara elementos acerca da temática do modelo Ciências da Religião

como base epistemológica do Ensino Religioso.

O modelo Ciências da Religião ainda encontra-se em fase embrionária. Isto é:

Trata-se de um modelo mais ideal, pouco explicitado, embora embutido em muitas recomendações mais atuais de fundamentação desse ensino, como no caso da proposta do Fonaper. Em suma, consiste em tirar as decorrências legais, teóricas e pedagógicas da afirmação do ER como área de conhecimento. (PASSOS, 2007, p. 65).

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Esse modelo procura objetivar o reconhecimento da religiosidade e da religião como dados

antropológicos e socioculturais que, por razões cognitivas e pedagógicas, deve ser abordado

no conjunto das demais áreas de conhecimento. Essa compreensão de Ensino Religioso se

coloca de maneira diferenciada dos demais modelos, no entendimento de Passos (2007),

Catequético e Teológico.

O modelo Ciências da Religião não toma o Ensino Religioso utilizando o pressuposto político

de que o cidadão tenha o direito de obter apoio do Estado para uma educação religiosa. Com

relação à religiosidade, mesmo inerente ao ser humano, esse modelo não a toma como uma

dimensão a ser aprimorada pelo Ensino Religioso. E também não postula a dimensão religiosa

como fundamento último dos valores aos quais se direcionam a educação.

O pressuposto básico do Modelo proposto por Passos (2007) é o de que as Ciências da

Religião podem oferecer “[...] base teórica e metodológica para a abordagem da dimensão

religiosa em seus diversos aspectos e manifestações, articulando-a de forma integrada com a

discussão sobre a educação.” (PASSOS, 2007, p.65). O autor aponta o fato de que os desafios

enfrentados pelo Ensino Religioso têm relação direta com o Estado dos Estudos da Religião

ou das Ciências da Religião no País. Isso significa afirmar que, sem uma base epistemológica,

não há o que ensinar em termos de área de conhecimento.

A discussão acerca da epistemologia do Ensino Religioso faz referência ao âmbito de sua área

de conhecimento. Dessa forma, convém ressaltar que,

[...] as áreas de conhecimento para serem reconhecidas como tais devem possuir consistência própria, ou seja, terem objetos, metodologias e teorias que acumuladas componham um conjunto coerente e consistente que normalmente adquire o status de ciência. É próprio da ciência elucidar algum âmbito da realidade e ser capaz de comunicar o caminho dessa elucidação e seus resultados. As escolas, desde os seus primórdios, têm a tarefa de introduzir os sujeitos nesse caminho, mostrando-lhes os resultados do conhecimento e ensinando-lhes a trilhar o mesmo caminho na direção da autonomia intelectual sempre maior. (SENA, 2007, p. 24-25).

Nesse sentido, muito embora o modelo Ciências da Religião “[...] seja o que menos saiu do

papel, têm fôlego para dar um passo à frente dos dois anteriores na medida em que garante ao

ER autonomia epistemológica e pedagógica.” (SOARES, 2009, p. 315). Essa autonomia se

localiza em três âmbitos, isto é, na comunidade científica, nos sistemas de ensino e na própria

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escola. (PASSOS, 2007, p. 64). O diferencial prático que o Ensino Religioso, baseado no

modelo Ciências da Religião, pode oferecer se dá na medida em que pode proporcionar ao

educando comparações contrastantes entre sistemas de referência. Dito de outra forma,

possibilitaria ao educando a percepção de que, independente da diversificação cultural e

religiosa, o ser humano não pode viver sem sistemas de referência, ao mesmo tempo em que

permite compreender que nenhum desses sistemas possui legitimidade para reivindicar

validade absoluta sobre os demais. (SENA, 2007, p. 58-59).

Em comparação com os modelos Catequético e Confessional, pode-se dizer que os mesmos

trabalham, a partir do princípio de liberdade religiosa, com a ideia de que o Estado deveria

apoiar o direito do cidadão em obter uma formação religiosa que se conciliasse com a fé que

professa. (SOARES, 2009, p. 316). O modelo das Ciências da Religião, por sua vez, sem

negar que religiosidade e religião sejam dados antropológicos e sócio-culturais, passíveis de

serem educados, parte do princípio de que o conhecimento da religião contribui com a

formação completa do cidadão ao mesmo tempo em que faz parte da educação geral, no

entanto, desde de que esteja sob a responsabilidade, não das autoridades religiosas, mas dos

sistemas de ensino e submetendo-se às mesmas exigências das demais áreas de conhecimento

que compõe os currículos escolares. (PASSOS, 2007, p. 65). Em outras palavras, pode-se

dizer que,

A educação geral, fundada em conhecimentos científicos e em valores, assume o dado religioso como um elemento comum às demais áreas que compõem os currículos e como um dado histórico-cultural fundamental para as finalidades éticas inerentes à ação educacional. Portanto, esse modelo não afirma o ensino da religião como uma atividade cientificamente neutra, mas, com clara intencionalidade educativa, postula a importância do conhecimento da religião para a vida ética e social dos educandos. As religiões particulares são transcendidas, na procura por uma visão ampla capaz de abarcar as diversidades e, ao mesmo tempo, captar a singularidade que caracteriza o fenômeno enquanto tal. (PASSOS, 2007, p. 65-66).

O grande desafio colocado ao modelo Ciências da Religião diz respeito à transposição

didática de seus resultados e avançar nas discussões para que o mesmo ganhe corpo e possa

ser viabilizado, sobretudo na formação docente, uma vez que, segundo Passos (2007), a

proposição das Ciências da Religião como base epistemológica para o Ensino Religioso,

corresponderia de melhor maneira ao “valor teórico, social, político e pedagógico do estudo

da religião para formação do cidadão.” (PASSOS, 2007, p. 67).

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A utilização da categoria de modelos para o Ensino Religioso é importante na medida em que

oferece referenciais, tanto para a execução da disciplina quanto para a formação dos

professores. Por meio da análise dos modelos, pode-se perceber com maior clareza e procurar

dar respostas a questões ainda não resolvidas da disciplina, das quais podem-se citar: a

questão política, o pluralismo religioso e o dilema epistemológico.

A questão política a ser enfrentada, que envolve a disciplina, diz respeito ao jogo de

negociações entre Estado e Religiões, a que, historicamente, o Ensino Religioso foi

submetido. O último capítulo dessa questão encontra-se na proposição do Acordo Brasil-

Santa Sé. Com relação ao pluralismo religioso, é preciso encontrar caminhos mais eficazes

para discutir e acolher a diversidade de tradições, movimentos religiosos, trânsito religioso e

privatização do sagrado, presentes no campo religioso brasileiro, tendo como referência a

formação do cidadão. O dilema epistemológico, que se configura como presença em espaço

público de elemento de ordem privada, prejudica a disciplina na medida em que não favorece

e cria entraves para que o Ensino Religioso seja visto como elemento curricular, assim como

as demais disciplinas que mantêm relação com o âmbito acadêmico.

Diante dessas questões, o modelo mais promissor diz respeito ao proposto e defendido por

Passos (2007), isto é, o modelo Ciências da Religião. Para que se tenha efetivação desse

modelo, o primeiro passo diz respeito ao reconhecimento de cursos de licenciatura em

Ciências da Religião. Esse é o caminho para que se possa passar das Ciências da Religião,

enquanto área de conhecimento, e a partir do acúmulo e experiências já realizadas em âmbito

de pós-graduação, para o Ensino Religioso. Posição que se pode perceber no trecho a seguir:

Passar das Ciências da Religião, como área de conhecimento com seus resultados já postos, para o ER é um caminho de construção desafiante e fecundo, em muitos aspectos ainda por se fazer. Há que se ressaltar que esse é o desafio comum das licenciaturas: o de traduzir para o ensino aquilo que é conteúdo obtido das pesquisas em determinada área de conhecimento. (PASSOS, 2007, p. 126).

A tradução dos resultados de pesquisas da área das Ciências da Religião, operacionalizada por

meio das licenciaturas, forneceria conteúdo à disciplina sob a ótica científica. Seria um ganho

para a disciplina na medida em que se deslocaria a responsabilidade e competência do Ensino

Religioso das confissões religiosas para o Estado e comunidade científica, isto é, o tratamento

dado ao fenômeno religioso não se fundamentaria em confissões religiosas. As ciências da

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Religião não tomam o estudo sobre a religião a partir do dado da fé. Esse deslocamento

corresponde melhor ao caráter laico da escola pública. Há que se ressaltar também o fato de

esse deslocamento proporcionar abertura para que se estabeleça uma licenciatura específica

para a docência em Ensino Religioso. A esse respeito, a disciplina teria muitos ganhos, uma

vez que, não havendo a definição de uma formação específica para a disciplina, verifica-se

que o professor possui, em muitos casos, formação variada. Essa diversificação na formação

dificulta a discussão e o estabelecimento de objetivos, métodos e linguagem apropriados à

disciplina.

As pesquisas referentes à formação docente apontam que há muitos desafios que têm origem

na falta ou na indefinição de uma licenciatura específica. Dessa forma, para uma melhor

compreensão dessa questão, nos tópicos seguintes apresenta-se a discussão referente a esses

desafios, e também um estudo de caso que diz respeito à pesquisa realizada com professores

de Ensino Religioso da Rede Municipal da cidade mineira de Itabira. A apresentação dos

dados desse estudo de caso se faz com o intuito de exemplificar a existência de desafios à

formação docente decorrentes da não definição de uma licenciatura específica para o Ensino

Religioso. Há também o objetivo, a partir desse estudo de caso, de justificar a opção pela

licenciatura em Ciências da Religião como aquela que responderia com mais ganhos à

disciplina enquanto área de conhecimento.

5.2 Desafios do pluralismo Religioso à formação docente

A formação de professores na história da educação brasileira, de modo geral, passou por altos

e baixos. A partir da década de 1990, em função do atendimento às orientações internacionais,

foi-se intensificando no Brasil uma série de ações políticas e reformas educacionais o que, por

sua vez, refletiu-se nas instâncias federal, estadual e municipal em esforços no sentido de

buscar definir e concretizar políticas públicas para a formação de professores. Dentre elas,

pode-se citar a educação à distância e o protagonismo do próprio professor enquanto sujeito

de sua educação continuada. (OLIVEIRA; RISKE-KOCH; WICKERT, 2008, p. 62-66).

Convém ressaltar que a formação dos professores insere-se em uma condição epistemológica

social e complexa. “A formação do professor é multidisciplinar, complexa, incompleta,

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articulada ao contexto social mais amplo, na inter-relação com o outro.” (OLIVEIRA;

RISKE-KOCH; WICKERT, 2008, p. 68).

Tomando como base essas características, pode-se dizer que a formação dos professores de

Ensino Religioso também se enquadra na mesma perspectiva, não obstante a partir da

compreensão de que a disciplina ainda conta com complicadores de ordem política, legal e

epistemológica48 relativos à laicidade do Estado e a presença do religioso em espaço público

no Brasil. Partindo do pressuposto de que a formação dos professores se articula ao contexto

social, o Ensino Religioso tem diante de si a perspectiva da diversidade cultural e religiosa

verificada na sociedade brasileira atual. Nesse sentido, convém ressaltar que

O pluralismo religioso é colocado como um direito expresso na primeira Constituição e é um ideal manifesto pelas associações interconfessionais. Nem todos os grupos religiosos, entretanto, possuem o mesmo poder de intervir na definição de conteúdos e estratégias da disciplina do Ensino Religioso, hoje constituído como elemento curricular. Portanto, faz-se necessária a discussão de uma perspectiva do pluralismo religioso, para balizar esta disciplina e discutir, inicialmente, a capacidade de acolher a diversidade religiosa que compõe o campo religioso brasileiro. (JUNQUEIRA; ALVES, 2005, P. 10).

O primeiro passo para que o Ensino Religioso tenha condições de enfrentar o desfio de

acolher a diversidade que compõe o campo religioso brasileiro já foi dado. Refere-se à

ampliação da disciplina enquanto área de conhecimento. No entanto, ao mesmo tempo em que

o Ensino Religioso tem diante de si a possibilidade de emancipação, há ainda complicadores.

A esse respeito, pode-se citar a obrigatoriedade, dada pela redação do artigo nº. 33 da LDBEN

9.394/96, de que os sistemas de ensino ouçam entidade civil com representação religiosa. Há

também, segundo Oliveria et al (2007), dificuldades dos próprios professores, como se pode

perceber a seguir:

Outro possível agente determinante na demora de efetivação das mudanças talvez seja o posicionamento de professores que ainda não conseguem estabelecer necessária distância entre sua formação inicial de base confessional e a elaboração de uma visão plural e inclusiva do componente curricular de Ensino Religioso. (OLIVEIRA et al., 2007, p. 59)

48 Do ponto de vista político, a referência é o jogo de forças que se opera em torno da disciplina a partir da implantação da República e as estratégias, sobretudo católicas, para a manutenção do Ensino Religioso na escola pública. Do ponto de vista da legislação, a disciplina ocupa lugar ambíguo por ser obrigatória para a escola e facultativa para o aluno. Com relação à epistemologia, a referência é o dilema da presença privada em espaço público, bem representada pela perspectiva do modelo teológico.

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Essa situação ocorre em âmbito nacional e pode ser percebida também quando se volta o olhar

para Minas Gerais. Nesse sentido, de maneira mais específica, fazendo referência ao universo

que compreende a escola pública estadual da região metropolitana de Belo Horizonte, pode-se

citar que,

O professor de Ensino Religioso deveria falar a partir do aluno, de suas possibilidades e necessidades; ao contrário do representante da instituição religiosa, que fala a partir de princípios teológicos e de um projeto de evangelização. A linguagem catequética é mais comum em escolas particulares confessionais, mas ainda é muito utilizada por docentes de escolas públicas, o que reforça as acusações de que o Ensino Religioso subjuga e domestica por ser “o braço estendido” das igrejas cristãs dentro da escola; (DANTAS, 2004, p. 121).

Essa situação permite a compreensão de que ocorre com o Ensino Religioso um

distanciamento entre os avanços teóricos e a prática docente. Esse quadro sugere deficiências

na formação dos professores, que depende de uma base epistemológica e por sua vez

compreende aspectos teóricos e metodológicos. Nesse sentido, para melhor aprofundar a

questão, enfocando o Ensino Religioso em Minas Gerais, no tópico posterior serão

apresentados dados referentes a um estudo de caso realizado com professores de Ensino

Religioso da cidade mineira de Itabira.

Nesse estudo de caso, objetiva-se, a partir da apresentação de dados empíricos, ilustrar os

desafios referentes à formação docente, discutidos neste tópico, bem como justificar a opção

pelo modelo Ciências da Religião e, consequentemente, pela Licenciatura em Ciências da

Religião.

O estudo para esta pesquisa foi realizado na cidade mineira de Itabira. A opção pelo

município se deu em função de já existirem estudos semelhantes tanto na Capital de Minas

Gerais, Belo Horizonte, quanto em sua região metropolitana. Ainda há carência desses

estudos no interior mineiro.

Outro fator determinante na escolha da Rede Municipal de Itabira diz respeito ao fato de o

pesquisador já atuar no referido contexto. Em outras palavras, a partir de vivências relativas

ao Ensino Religioso em Itabira, é que se colocaram as provocações e o desejo de pesquisa e

aprofundamento, que se traduzem no esforço realizado por meio desta dissertação.

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5.2.1 Perfil Formativo dos Professores de Ensino Religioso da Rede Municipal de Itabira

O objetivo deste tópico é apresentar pesquisa realizada com professores de Ensino Religioso

na cidade Mineira de Itabira49. Nesse sentido, a metodologia utilizada leva em conta a

apresentação do percurso adotado, o qual passa pela apresentação da proposta curricular para

o Ensino Religioso da Secretaria Municipal de Educação de Itabira. Segue procurando

mostrar características do ambiente de trabalho dos professores entrevistados, isto é, as

escolas onde o Ensino Religioso atualmente é ministrado na Rede Municipal de Itabira.

Finaliza-se com a descrição dos dados recolhidos durante a realização de entrevistas com

professores e coordenadores de Ensino Religioso da Rede Municipal.

5.2.2 Proposta Curricular para o Ensino Religioso da Rede Municipal de Itabira

A proposta curricular para o Ensino Religioso adotada pela Secretaria Municipal de Educação

foi elaborada tendo como objetivo atender ao Ciclo Básico de Alfabetização – CBA.50 Leva-

se em consideração que a Rede Municipal de Ensino de Itabira atende estudantes das Séries

iniciais e Finais do Ensino Fundamental. Os estudantes que frequentam o Ensino Médio são

atendidos pelas Redes Estadual e Particular.

A referida proposta curricular 51 apresenta em seus objetivos, tanto geral quanto específicos,

um direcionamento voltado para aspectos do relacionamento humano a partir dos valores da

solidariedade, justiça, lealdade e co-responsabilidade. A temática do fenômeno religioso

49 O município mineiro de Itabira está localizado na região centro-leste do Estado de Minas Gerais a 102 km da capital, Belo Horizonte. Possui área territorial de 1.305 km2. Conta com dois distritos: Ipoema e Senhora do Carmo. 50 A adoção da definição dos ciclos pela rede Municipal segue a mesma orientação da Rede Estadual. 51 É importante ressaltar que, durante a pesquisa, tanto os professores quanto a própria Secretaria Municipal de Educação não souberam informar sobre o processo de construção da proposta curricular para o Ensino Religioso. No entanto, fazendo comparativo com a proposta elaborada pela Rede Estadual, pode-se afirmar que a proposta municipal guarda grande semelhança com esta última. É também importante destacar que Anísia Figueiredo encontra-se representada na proposta curricular da Rede Estadual de Minas, sobretudo nas seguintes referências: MINAS GERAIS. Secretaria de Estado da Educação. Ensino Religioso: programa para o ciclo básico de alfabetização à 4ª série do Ensino Fundamental. Belo Horizonte, 1995; MINAS GERAIS. Ensino Religioso: programa para o ensino fundamental. Belo Horizonte, 1997.

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aparece em um dos objetivos específicos. Nesse sentido, a proposta refere-se à facilitação da

compreensão do significado das tradições religiosas.

A proposta curricular sugere que os conteúdos sejam trabalhados com os estudantes a partir

da abordagem de questões como identidade, relação com o outro, integração com o mundo a

partir da compreensão da família relacionada com a escola e com a sociedade. Passa também

pela ideia do Transcendente, com a proposta de despertar no estudante a consciência

individual através de vivências cotidianas e o relacionamento de informações acerca da

constituição ao longo da história do conceito de transcendente. A proposta aborda a função

política das ideologias religiosas no sentido de conhecer as verdades dos discursos religiosos,

utilizando como referência os sistemas de valores, atitudes e comportamentos. Há também

tópicos que tratam da Revelação e da Evolução das estruturas religiosas, da dimensão

corpórea, culminando com o tema da espiritualidade, que procura relacionar o sentido da vida

ligado às crenças referentes à ideia do Transcendente.

Com relação às atividades propostas, há uma preocupação em integrar o trabalho do Ensino

Religioso às disciplinas de História, Ciências, Geografia e Língua Portuguesa. Convém

ressaltar que, analisando as atividades sugeridas, há a predominância de práticas que

procuram valorizar o aspecto lúdico, com a utilização de recursos teatrais, confecção de

cartazes, dinâmicas, jogos, músicas, júri simulado, pesquisas e relatórios.

5.2.3 Metodologia

Os professores pesquisados atuam em cinco escolas do Município 52, a saber: E. M.

Professora Antonina Moreira, E. M. Professora Didi Andrade, E. M. José Gomes Vieira, E.

M. Antônio Camilo Alvim e E. M. Professora Marina Bragança de Mendonça. As duas

primeiras situam-se respectivamente nos bairros Água Fresca e Vila Santa Rosa. Essas escolas

situam-se em região próxima ao centro da cidade. As demais situadas nos bairros Santa Ruth,

52 As escolas citadas foram escolhidas para participarem da pesquisa utilizando como critério a existência da prática do Ensino Religioso enquanto disciplina integrante da Grade Curricular. Há outras escolas na Rede Municipal, contudo, ocupam-se das Séries iniciais do Ensino Fundamental e, nesse sentido, o Ensino Religioso consta nas mesmas como tema transversal.

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Barreiro e Monsenhor José Lopes, respectivamente, localizam-se em regiões periféricas da

cidade.

As entrevistas ocorreram entre quatorze de março e dezenove de abril de 2009. Foram

entrevistadas sete pessoas. Destas, duas atuam como coordenadoras e cinco efetivamente

como professores nas Séries finais do Ensino Fundamental. Desse total, dois são do sexo

masculino. O grupo pesquisado 53, do ponto de vista da formação em nível de graduação, é

composto da seguinte maneira: dois são licenciados em Filosofia, um licenciado em Filosofia

e bacharel em Teologia, um licenciado em História, um licenciado com habilitação para

Geografia e História e um licenciado em Letras. Todos os entrevistados atuam com o Ensino

Religioso nas funções de professores e coordenadores das Escolas Municipais escolhidas para

esta pesquisa.

O questionário utilizado para a realização das entrevistas foi elaborado de forma semi-

estruturada 54. As questões elaboradas objetivaram proporcionar que as pessoas envolvidas

nas entrevistas apresentassem, primeiramente, a área de formação em nível de graduação e

pós-graduação. Bem como, procurou verificar a modalidade, isto é, a existência de cursos

realizados de forma presencial ou a distância. Contou também com questões relativas ao

percurso e intenção de ingressar na área do Ensino Religioso, a concepção da disciplina e sua

importância na grade curricular, passando pelo planejamento das aulas, procurando evidenciar

quais materiais são utilizados. Outras questões referiram-se à percepção dos professores

acerca da manifestação da diversidade religiosa entre os estudantes, do conhecimento e estudo

do tema, da diversidade religiosa brasileira, do pluralismo e do diálogo religioso da existência

de iniciativas da Secretaria Municipal de Educação, da realização de cursos de formação e

capacitação dos professores de Ensino Religioso, da preparação dos atuais professores para

lidarem com as questões relativas ao pluralismo religioso. E por fim, com o questionamento

das expectativas com relação a futuras ações que propiciem aos professores de Ensino

Religioso uma formação que atenda as demandas do Município.

53 Os professores e coordenadores de Ensino Religioso assinaram um Termo de Consentimento, Livre Esclarecido, que contêm informações acerca do objeto da pesquisa e também de todo procedimento utilizado. Cada um deles recebeu uma cópia assinada tanto por eles próprios quanto pelo pesquisador. 54 O modelo do questionário utilizado para a realização das entrevistas, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido encontram-se nos apêndices, ao final desta dissertação.

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118

5.2.4 Dados gerais da pesquisa

Para melhorar a compreensão e visualização das entrevistas, apresentam-se, primeiramente,

aquelas referentes às pessoas que se encontram como responsáveis pela coordenação do

Ensino Religioso; na sequência, apresentam-se os dados referentes aos professores. 55

Sob o aspecto da formação complementar à graduação, há um que cursou pós-graduação em

Ciências da Religião na modalidade a distância, um com pós-graduação em Metodologia do

Ensino Religioso na modalidade presencial, um com pós-graduação em Psicopedagogia na

modalidade presencial, um cursando pós-graduação em Metodologia do Ensino Religioso na

modalidade a distância, e dois que não possuem pós-graduação.

Com relação à realização de cursos de pós-graduação em nível Strictu Sensu, não foram

encontrados registros entre os pesquisados. As instituições onde os entrevistados concluíram

seus estudos de graduação e pós-graduação são as seguintes: Fundação Comunitária de

Ensino Superior de Itabira – FUNCESI, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG,

Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP, Faculdade Bezerra de Mello, Universidade de

São Francisco, UNINTER, UFLA, Faculdades Integradas de Jacarepaguá – FIJ.

Gráfico 1 - Pós-graduação Lato Sensu - Coordenadores e Professores de Ensino Religioso

17%

17%

17%17%

32%

Pós-graduação em Ciências daReligião - modalidade àdistância

Pós-graduação Metodologia doEnsino Religioso - modalidadepresencial

Pós-graduação emPsicopedagogia - modalidadepresencial

Pós-graduação em Metodologiado Ensino Religioso em curso -modalidade a distância

Não cursaram Pós-graduação

55 Em Minas Gerais a docência em Ensino Religioso é regulada pela Lei Estadual nº. 15434/2005.

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5.2.5 Coordenadores de Ensino Religioso

Dentre os entrevistados, dois ocupam a função de coordenadores da área de História, como já

citado anteriormente, 56. Atuam também como coordenadores do Ensino Religioso. Ambos

apresentaram respectivamente licenciatura em História com pós-graduação Lato Sensu em

Psicopedagogia e Licenciatura em Geografia e História com pós-graduação Lato Sensu em

Geografia. Cursaram Licenciatura na modalidade presencial. O primeiro cursou pós-

graduação na modalidade a distância e o segundo de forma presencial.

Gráfico 2 - Graduação e Pós-graduação dos Coordenadores de Ensino Relgioso

25%

25%

25%

25%

Licenciatura em História

Licenciatura em Geografiae História

Pós-graduação emPsicopedagogia -modalidade à distância

Pós-graduação emGeografia - modalidadepresencial

5.2.6 Opção, importância e concepção do Ensino Religioso para os Coordenadores de área

Perguntados sobre a intenção de trabalhar com o Ensino Religioso desde a época em que se

preparavam para ingressar na carreira do magistério, a resposta de ambos foi negativa.

56

Citado ao final do tópico 5.2.3, que trata da metodologia utilizada na pesquisa de campo.

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120

Tornaram-se coordenadores da área de Ensino Religioso em função de uma demanda da

própria Rede Municipal. Como se pode perceber no relato a seguir:

[...] Na verdade a direção convidou para que eu assumisse junto com o professor de Ensino religioso das aulas dessa área, porque todas as áreas têm uma coordenação. Então ela fez uma distribuição das outras áreas que não tinham coordenação; Ensino religioso, informática e Artes. Elas não tinham coordenação, foi feita essa divisão e me coube a área de ensino religioso. (Entrevistado B). 57

Com relação à forma como concebem o Ensino Religioso e sua importância na grade

curricular, os coordenadores entrevistados apresentaram respostas semelhantes. Ambos

entendem que o Ensino Religioso constitui-se como disciplina importante na formação dos

estudantes. A visão que apresentaram a esse respeito direciona-se, sobretudo, para a discussão

da ética e dos valores voltados para o âmbito da vivência cotidiana. Um dos entrevistados

também destacou que, nessa perspectiva, o espaço ocupado pelo Ensino Religioso na grade

curricular deveria ser maior e não apenas uma aula semanal. Justificou dizendo que é

insuficiente e que, com isso, o professor fica sobrecarregado, pois, no cumprimento de sua

carga horária semanal (vinte horas), sempre assume várias turmas. Nessa questão, os

coordenadores não fizeram referência à proposta curricular da Secretaria Municipal,

entretanto, um deles já apresentou a preocupação de não vincular a disciplina somente ao

âmbito cristão e ainda proporcionar abertura à diversidade religiosa.

Eu acho que, a começar, o Estado é leigo e a escola, dentro dessa lógica, precisa acompanhar essa imparcialidade do Estado. Desde que o Ensino Religioso se proponha à uma orientação para a vida. Respeitando toda essa pluralidade religiosa no Brasil, cultural, esse sincretismo, eu acho que ela pode vir a atender. Mas quando se faz eminentemente uma abordagem cristã, fica meio complicado. Eu acho que ele tem que dar conta de atender a todos, inclusive aqueles que não creem em nada. Porque todos são alunos. Eu acho que ainda precisa de uma reformulação. Ainda não atende completamente. Desde que atenda essa realidade sociocultural dos meninos eu acho importantíssimo. Desde que ele trabalhe dentro dessa perspectiva de uma orientação para a vida. Eu acho que superando até mesmo o preceito religioso. Acho que a partir do momento que ele consegue introduzir moral, esse sentimento de família, eu acho que talvez, não sei se seria só do Ensino Religioso essa competência. Mas a gente está conversando sobre o Ensino Religioso, eu acho que sim, mas, sem perder de vista as várias religiões, os vários credos que existem dentro das escolas. (Entrevistado A).

Com relação às orientações que os coordenadores repassam aos professores de Ensino

Religioso, os dados apresentados demonstram que não há um direcionamento comum e é 57 De acordo com o Termo de Consentimento, Livre e esclarecido, os nomes dos entrevistados serão omitidos, sendo substituídos por letras. A sequência das letras não obedece à ordem cronológica das entrevistas para impossibilitar a identificação dos entrevistados e preservar o que estabelece o Termo de Consentimento, Livre e esclarecido utilizado nesta pesquisa.

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nesse ponto que se verifica a existência de uma preocupação, por parte dos coordenadores, em

incluir novos direcionamentos à proposta curricular da Secretaria Municipal, sobretudo a

partir de demandas que surgem por parte dos estudantes.

[...] E a gente propõe trabalhar também dando uma pitada dentro desse plano curricular, a partir de algumas demandas que são necessárias para aquela realidade, dentro daquele momento. A gente sabe que se está tendo muita briga na escola, a convivência está complicada, então a gente sugere que seja trabalhada a paz. Como que o Ensino Religioso possa vir a estar colaborando dentro disso. De estar trazendo valores de tentar trabalhar, fortalecendo isso. Então, dependendo muito da demanda; a gente já teve momentos em que foi quase que o ano inteiro, trabalhando com essa abordagem, por exemplo, da paz. Porque era uma necessidade muito forte. Então, se buscou a paz em várias culturas. A professora de Ensino Religioso abordou com os meninos como que isso acontecia nas várias religiões, ela fez um trabalho muito bacana e aí eu acho que realmente atendeu. Hoje a referência que a gente tem pra trabalhar seria esse plano curricular. (Entrevistado A).

Dessa forma, a proposta da Secretaria Municipal é entendida como uma referência inicial,

porém não como uma regra rígida a ser seguida à risca. Esse fato se dá na medida em que os

coordenadores relatam haver uma carência muito grande de material de apoio e a não

existência de livros didáticos. Assim sendo, buscam suporte, a partir de iniciativa própria, em

livros diversos, internet e também em um programa da Companhia Vale, cuja proposta

procura trabalhar, em escolas do Município, as temáticas da sexualidade e afetividade. Esse

programa intitula-se PEAS, também conhecido como Vale Juventude.

5.2.7 Percepção do pertencimento religioso dos estudantes pelos coordenadores de Ensino Religioso

Os coordenadores entrevistados disseram verificar entre os estudantes que há diversificação

de tradições religiosas. Entretanto, destacaram que percebem a maioria incluída em religiões

de matriz cristã, dividida entre católicos e evangélicos. Com relação às tradições de matriz

africana, dizem que existe preconceito entre os estudantes.

Perguntados se em seu período de formação tiveram oportunidade de estudar disciplinas que

abordassem a diversidade religiosa brasileira, disseram que especificamente sobre a

diversidade religiosa isso não ocorreu, mas tiveram oportunidades de estudos referentes à

temática da diversidade cultural brasileira durante o período da graduação, em função de

ambos terem frequentado graduação em História.

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Como relação ao pluralismo religioso, os coordenadores entrevistados apresentaram

compreendê-lo como um fenômeno da cultura e também como uma abertura entre as diversas

religiões. Pode-se dizer que, para os entrevistados, pluralismo religioso seria como um dos

aspectos da dinâmica cultural que sempre se apresenta de forma diferenciada. Os dados

apresentados nesse quesito demonstram que não há por parte dos coordenadores uma

compreensão do pluralismo religioso enquanto temática teológica.

Com relação ao diálogo inter-religioso, os coordenadores apresentaram a compreensão de que

o mesmo se constituiria de um contato maior entre as religiões, sendo expressa por meio de

manifestações ecumênicas. Com pode-se perceber no trecho a seguir:

Seria uma abertura entre as diversas religiões. Um contato maior entre as diversas religiões. Acho que hoje a gente até percebe isso mais. Antes a gente via muito pouco. A questão ecumênica já está mais preocupada até com essa questão. Na própria escola, de não ter manifestações religiosas só da religião católica. A gente já fala mais em manifestações ecumênicas. Quando a gente vai trabalhar um momento de oração na escola, a gente já fica preocupada se atende as outras religiões. Não focar apenas a religião católica, que é a maioria. (Entrevistado B).

5.2.8 Capacitação dos professores de Ensino Religioso na ótica dos coordenadores

Os coordenadores também disseram que desconhecem a formação que os professores de

Ensino Religioso da Rede Municipal possuem. Mas ficou claro que percebem por parte dos

mesmos um esforço pessoal em buscar formação e capacitação por meio de cursos. Com

relação à Secretaria Municipal de Ensino, disseram que a mesma não oferece cursos nesse

sentido, ou seja, que fica a cargo dos próprios professores buscarem uma formação mais

sólida. Apontaram ainda a necessidade de cursos de formação e capacitação para os

professores, bem como a criação de espaço no qual esses profissionais pudessem ter encontros

periódicos de formação, planejamento e a elaboração de uma nova proposta curricular.

Feita a apresentação dos dados referentes às entrevistas com os coordenadores da área de

Ensino Religioso, passa-se aos dados que dizem respeito às entrevistas com os professores.

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5.2.9 Professores de Ensino Religioso e opção por atuar na área

Foram entrevistados cinco professores. Da mesma forma que os coordenadores, os mesmos,

quando perguntados sobre sua intenção em atuar na área do Ensino Religioso, apresentaram

resposta negativa. Dois deles disseram ter ingressado nessa área em função de sua ligação

com a Igreja Católica. Aqueles que cursaram graduação em Filosofia disseram que a

oportunidade surgiu devido à abertura de Concurso Público da Rede Municipal. Um dos

professores entrevistados, graduado em História, relatou que ingressou na Rede Municipal por

meio de Concurso Público, entretanto para ocupar o cargo de professor da disciplina de Artes.

À época de sua nomeação, não havendo vaga para sua área, acabou tendo que assumir aulas

de Ensino Religioso.

Esses dados revelam uma situação na qual, além de os professores não objetivarem ingressar

no magistério de Ensino Religioso, durante sua formação chegaram a ocupar esse lugar por

circunstâncias adversas.

5.2.10 Importância, concepção e planejamento do Ensino Religioso

Os professores entrevistados compreendem que o Ensino Religioso é importante na grade

curricular do Ensino Fundamental, porém, na forma como concebem essa disciplina,

apresentam informações diferenciadas. Um deles, que possui graduação em Filosofia, relata

que compreende o Ensino Religioso como uma disciplina em construção. Nesse sentido,

concebe a disciplina como um espaço onde se possa trabalhar no campo da ética e da história

das religiões. Os demais concebem o Ensino Religioso no plano dos valores ligados à

vivência e relação com o outro. Nesse sentido, utilizaram as seguintes expressões: “Acho que

o Ensino Religioso é essa capacidade que a gente tem de comunicar nosso sentimento

religioso.” (Entrevistado E), “A Educação Religiosa para mim, é estar trabalhando nesse

aluno que ele tem um potencial espiritual.” (Entrevistado F), “Eu vi mais assim, não ensinar

religião, mas dar uma formação mais aprimorada, cristã. Formação moral, formação cristã

[...]” (Entrevistado G).

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Para planejar as aulas de Ensino Religioso, não contam com a oferta de material ou mesmo de

um livro didático por parte da Rede Municipal. Segundo eles, o planejamento se faz a partir

do esforço pessoal, com pesquisa, aquisição de livros e a constituição de acervo pessoal.

Contam com a própria criatividade para adaptar, em muitas situações, textos que, a princípio,

não se destinam ao Ensino Fundamental.

5.2.11 Pertencimento, diversidade, pluralismo e diálogo inter-religioso religioso

Com relação ao pertencimento religioso dos estudantes, os professores entrevistados

apresentaram a percepção de que a maioria possui vinculação cristã, essa, por sua vez,

dividida entre católicos e evangélicos de diversas igrejas. Com relação à existência de

pertencimento a outras tradições religiosas, disseram ser muito difícil encontrar, sobretudo de

matriz oriental, somando-se ao fato de perceberem entre os alunos grande resistência à

abordagem de temas relacionados a tradições de matriz africana.

Com relação ao estudo de temas relacionados à abordagem da diversidade religiosa brasileira,

os dados apresentados por eles foram os seguintes: um deles, com graduação em história,

disse não ter tido nenhuma disciplina nesse sentido, nem tanto na graduação quanto na pós-

graduação. Os demais disseram ter tido oportunidade de estudar disciplinas que abordassem a

diversidade religiosa brasileira na graduação, porém de forma superficial. O espaço no qual

esse estudo foi feito de forma mais específica refere-se àqueles que cursaram pós-graduação

em Ciências da Religião e Metodologia do Ensino Religioso.

Com relação ao pluralismo religioso, os professores entrevistados apresentaram uma

compreensão próxima daquela apresentada pelos coordenadores, isto é, de um pluralismo

religioso entendido como diversidade religiosa, sem, no entanto, apresentar uma compreensão

mais aprofundada da temática discutida no âmbito das Ciências da Religião por meio da

Teologia do Pluralismo Religioso. Como se pode perceber nos relatos a seguir: “[...] Então

esse pluralismo religioso eu entendo como direito de cada um de praticar a fé na qual foi

doutrinado, ou não, e também o respeito a essa diversidade religiosa.” (Entrevistado C), “ Eu

entendo que seria as religiões se respeitando” (Entrevistado E), “ Seria mesmo a diversidade

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das religiões. É a diferença dos tipos de religiões, de tipos de igreja.” (Entrevistado F), “ Esse

conjunto de religiões que influenciam na formação do povo brasileiro, do povo mineiro.

Então, esse conjunto de religiões que temos aí e a influência deles em nosso meio [...]”

(Entrevistado G).

Em somente uma das entrevistas houve uma compreensão um pouco mais aprofundada, pois a

formação do professor entrevistado é de licenciatura em Filosofia. Contudo, apesar de acenar

para a temática da Teologia do Pluralismo Religioso, não chega a abordá-la de forma

específica. O professor entrevistado possui uma compreensão mais aproximada da temática,

porém não apresenta ter o conhecimento específico da mesma. Como se pode perceber no

relato a seguir:

Eu entendo quando a pessoa, independentemente da orientação religiosa que ela tem, possui abertura de espírito para compreender o outro. Ela não se fecha a esse outro. Esse outro que eu digo é a pessoa de outra orientação religiosa, mas o diferente mesmo. Eu sei que muitos segmentos religiosos são exclusivistas e sempre o diabo são os outros em qualquer circunstância, mas, é claro, há religiosos inteligentes, e são essas que se dispõe a esse diálogo, a essa interação, nem que seja da perspectiva do ecumenismo. Que é uma perspectiva limitada também, porque ela admite os irmãos em cristo, não é? Os que estão fora desse guarda chuva ficam desabrigados. É comum a gente ouvir assim; até professores conversam comigo: - há as religiões são muito diferentes, falam de muitos deuses, eles tem esse deus aí que parece elefante, tem esse outro aí e aquela outra mais, mas deus é um só no final das contas e todas as religiões levam a Deus. Aí, eu sempre volto a dizer: - não, é diferente, sempre faço questão de que não dá para pasteurizar as diferenças com essa perspectiva ecumênica. Tudo leva a Deus, não, não é assim. Porque se a gente pasteuriza, a gente perde a peculiaridade daquela tradição religiosa e tudo que ela tem de próprio, de único. Se a gente generaliza os termos fica parecendo que você tem a igreja mãe, a igreja católica, e as outras todas subordinadas, que emanam dela, e não é isso. Existem tradições religiosas milenares muito mais antigas do que o cristianismo e que tem que ser contempladas enquanto tais. Eles têm que respeitar a diferença sabendo que é diferente. Aceitando como diferente. (Entrevistado D).

Com relação ao diálogo inter-religioso, os professores entrevistados, em seus relatos,

apresentaram não ter um conhecimento aprofundado e, nesse sentido, com pouco

conhecimento acerca de publicações sobre a temática.

Sobre a Secretaria Municipal de Ensino, os professores entrevistados disseram não haver

iniciativas no sentido de oferecer aos professores cursos de formação e capacitação. Os

professores entrevistados, quando perguntados acerca da formação dos docentes de Ensino

Religioso na Rede Municipal, disseram não ter muito conhecimento, isto é, não souberam

responder. De forma geral, os professores que trabalham na Rede Municipal, atualmente, não

possuem uma preparação adequada para lidar com a própria disciplina e também para abordar

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de forma satisfatória a temática do pluralismo religioso. Acerca de que tipo de formação seria

necessária para que os professores de Ensino Religioso da Rede Municipal desempenhassem

suas funções de forma satisfatória, as respostas apresentaram que há por parte dos docentes

uma demanda nesse sentido. Os dados apresentaram que os professores entrevistados

demonstram o desejo de que a Secretaria Municipal de Educação possibilite a oferta de cursos

de formação e capacitação para que os mesmos tenham condições de trabalhar da melhor

forma possível a disciplina de Ensino Religioso.

Feitas as explanações acima, pode-se dizer que o perfil dos professores de ER que atuam na

Rede Municipal de Itabira é composto por professores oriundos de áreas de formação

diversas, o que proporciona visões diversificadas acerca da própria disciplina. Têm

dificuldade em conceber uma proposta curricular comum, uma vez que concebem o Ensino

Religioso de forma diferenciada. Desconhecem as discussões atuais que ocorrem no Campo

das Ciências da Religião, sobretudo com relação à Teologia do Pluralismo Religioso, mesmo

aqueles que cursaram pós-graduação em Ciências da Religião. Contudo, apresentam uma

demanda formativa nesse sentido, pois, em seus relatos, manifestaram o desejo de terem

estudos de capacitação no sentido de estarem melhor preparados enquanto profissionais que

atuam com o Ensino Religioso.

O estudo de caso apresentado serve para ilustrar a situação desafiante que o Ensino Religioso

ainda encontra nas salas de aula em Escola pública. É também importante para justificar que

há necessidade de maior clareza na proposta da disciplina por parte dos docentes. É

importante que haja uma formação específica, em âmbito de graduação, para o professor de

Ensino Religioso. A questão da formação passa pela perspectiva epistêmica, relativa à área de

conhecimento a ser adotada pela disciplina. A escolha por um modelo ou outro implica esse

vínculo epistemológico.

A opção pelo modelo teológico mantém a relação da disciplina diretamente com a perspectiva

teológica. Esse vínculo acaba por auxiliar na manutenção da disciplina na perspectiva política,

isto é, de negociação entre Estado e Religião, que está submetida a ele há muito tempo. Sob

outra ótica, a adoção do modelo Ciências da Religião, além de vincular a disciplina ao âmbito

acadêmico, teria o mérito de despolitizar o Ensino Religioso. O resultado tanto da vinculação

ao âmbito acadêmico, quanto da despolitização da disciplina, daria abertura para que fosse

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dado o primeiro passo no sentido de que o MEC passe a reconhecer a licenciatura em

Ciências da Religião como formação específica na docência do Ensino Religioso.

5.3 Contribuições do Modelo Ciências da Religião para o Ensino Religioso

Observando o caminho percorrido pelo Ensino Religioso e sua inserção nos textos

constitucionais, enfocando a relação entre Estado e Igreja Católica, em um primeiro momento,

e depois com as religiões, pode-se perceber que a disciplina carrega consigo a marcas de

disputas políticas. Considerando-se também que “A temática da religião situa-se dentro de um

campo de forças solidificadas cultural e politicamente e instituídas em formatos tradicionais

de organização social que dificultam a construção do novo, seja como reflexão, seja como

proposta de mudança institucional.” (PASSOS, 2007, p. 70).

Por outro lado, observando-se a legislação, podem-se perceber outras ambiguidades. No

artigo 33 da LDBEN 9.94/1996, alterado pela Lei nº. 9.475/1997, o Ensino Religioso é

situado na escola pública e os sistemas de ensino passam a gozar de autonomia para

regulamentar os procedimentos para definição de conteúdos e o estabelecimento de normas

para admissão e habilitação dos professores. No entanto, devem ouvir entidade civil

constituída por representantes de denominações religiosas para a definição dos conteúdos, e

também essa lei situa a disciplina no âmbito escolar como algo estranho na medida em que

mantém o caráter facultativo, ou seja, o Ensino Religioso é obrigatório para a escola e

facultativo para o aluno. Dessa forma, diferencia-se das demais disciplinas que são

obrigatórias por constarem nos currículos.

Ainda sob a perspectiva da legislação, é importante relembrar e citar novamente o item nº. 2.3

do Parecer nº. 489 de 2004 58, da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais, que

demonstra a compreensão por parte dos legisladores mineiros da vinculação do Ensino

Religioso às confissões religiosas. O Ensino Religioso é entendido como competência da

58 “É imprescindível reafirmar-se a posição da doutrina segundo a qual o Ensino Religioso é, hoje, matéria de

autonomia da autoridade religiosa de acordo com a escola, Igreja e Escola como participantes da promoção do desenvolvimento comunitário. Como tal o preparo e o credenciamento são atribuições da autoridade religiosa.” (MINAS GERAIS, 2004).

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autoridade religiosa, apesar da Lei nº. 15.434/05, § 2º, dessa mesma secretaria estadual,

apontar elementos para a execução da disciplina que dizem respeito às Ciências da Religião59.

Por outro lado, a dimensão epistemológica, a partir da compreensão proposta por Passos

(2007) e Pauly (2009), permite a compreensão de que a disciplina enfrenta dificuldades

devido à sua dimensão epistemológica. Isto é, constitui-se a partir da compreensão do modelo

teológico, como elemento de ordem privada (liberdade de consciência) em âmbito público

(escola), somado ao fato de buscar fundamentos teóricos e metodológicos no conhecimento

religioso constituído no âmbito das tradições religiosas. Nesse sentido, convém ressaltar que,

O itinerário do Ensino Religioso na escola pública brasileira deixou-nos, então, como herança, uma compreensão pouco unânime acerca dos seus objetivos, o que pode ser atestado pela diversidade de princípios e concepções em torno de projetos político-pedagógicos, metodologias e formação de seus professores. Por isso mesmo, persistem indefinições “históricas” no texto da lei, como caráter facultativo dessa disciplina, apesar do reconhecimento de sua importante contribuição na formação integral do cidadão. Essas indefinições dão margem a interpretações ambíguas quanto a sua identidade e seu papel específico na grade curricular, e, em alguns casos, até mesmo tratamento diferenciado e discriminatório para com a disciplina e seus professores, por parte de educadores de outras disciplinas, administradores escolares e legisladores. (DANTAS, 2004, p. 113).

Do ponto de vista da formação dos professores, não há unanimidade a respeito de que curso

de graduação deveria ser exigido para o magistério do Ensino Religioso. A esse respeito,

poderia se cogitar na possibilidade de a graduação em Teologia assumir o papel de

licenciatura que habilitasse para a docência do Ensino Religioso, no entanto, é importante a

contribuição de Passos (2007) acerca dessa possibilidade no seguinte trecho:

Poder-se-ia perguntar por que não adotar a área de teologia como base, tendo em vista sua legalização pelo Ministério da Educação a partir de 1999. Além da questão do pressuposto da fé que condiciona o ato pedagógico para uma educação da religiosidade dos sujeitos, os cursos de teologia oferecem de modo quase inevitável conteúdos internos às tradições de fé, e sua história cristã foca, prioritariamente, a doutrina e as práticas do cristianismo e, quase sempre, em suas subtrações particulares estruturadas em várias linhas e Igrejas. O ER não pode apostar, como a teologia, em conceitos valorativos da tradição de fé, mas também não os exclui como algo a ser considerado no processo educacional. (PASSOS, 2007, p. 123-124).

59 Art. 2º - O ensino religioso será ministrado de forma a incluir aspectos da religiosidade em geral, da religiosidade brasileira e regional, da fenomenologia da religião, da antropologia cultural e filosófica e da formação ética. (MINAS GERAIS, 2005). Vale lembrar que a proposta do Estado Mineiro assume a linhas gerais propostas por Wolfgang Gruen a partir da categoria de religiosidade.

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A indefinição acerca de uma licenciatura específica para a docência em Ensino Religioso traz

prejuízos à disciplina. A esse respeito, de maneira específica, pode-se perceber isso no estudo

de caso realizado com os professores de Ensino Religioso de Itabira. Os professores

entrevistados, com relação à formação, apresentam diversificação de graduações60, isto é,

nenhum deles realizou graduação específica para atuar na condição de professor de Ensino

Religioso. Isso somado ao fato de que nenhum deles, durante sua formação, não ter optado

pela docência da disciplina, essa opção ocorreu mais tarde por circunstâncias diversas. Muitos

problemas enfrentados por esses docentes poderiam ser resolvidos se houvesse uma

graduação específica, sobretudo que os preparasse adequadamente para lidar com questões

referentes ao pluralismo religioso numa perspectiva que ultrapasse a confessionalidade.

A opção formativa para os professores de Ensino Religioso, que melhor responderia à

realidade enfrentada no cotidiano escolar, seria a graduação em Ciências da Religião, tendo

em vista sua vinculação ao modelo Ciências da Religião na medida em que possa oferecer

consistência teórica e metodológica pautadas em âmbito acadêmico, como ocorre com as

demais disciplinas. E também porque,

Só assim se consegue desembaralhar, na teoria e na sala de aula, a confusão entre educação da religiosidade e educação do cidadão. A esta última cabe, graças a uma adequada formação docente em Ciência da Religião, não a tarefa de aperfeiçoar a religiosidade, mas antes de aprimorar a cidadania e a humanização do estudante, também por meio do conhecimento da religiosidade e dos valores preservados pelas tradições religiosas. (SOARES, 2009, p. 316).

No entanto, é importante ressaltar que,

nas tentativas feitas de organização da modalidade Licenciatura em Ciências da Religião por parte de algumas instituições, a resposta do Ministério da Educação foi negativa, alegando a velha questão da autonomia das confissões religiosas e da laicidade do ensino. (PASSOS, 2007, p. 114).

De maneira sintética, tomando as dificuldades que se apresentam ao Ensino Religioso, tanto

do ponto de vista político, legislativo quanto epistemológico, pode-se dizer que decorrem da

vinculação da disciplina às tradições religiosas. O caminho para que a disciplina ganhe

autonomia e passe a integrar de fato o ambiente escolar passa pela secularização da mesma.

60 Para uma visão mais abrangente da formação dos professores de Ensino Religioso, é interessante consultar a obra Formação de docentes e Ensino Religioso: tempos, espaços, lugares - sobretudo a parte III - publicada em 2008, pela Edifurb, tendo como autores Oliveira, Riske-koch e Wickert.

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Isto é, conceber a disciplina não mais a partir da perspectiva do modelo teológico, mas pelo

das Ciências da Religião, nesse sentido,

Com base na vida humana socialmente determinada e nas pessoas concretas, parece plausível estabelecer parâmetros curriculares mínimos e o respectivo processo de formação do docente de ensino religioso. Parece-me viável propor a secularização do ensino religioso como garantia pública do direito ao “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente). As normativas legais e as práticas sociais decorrentes desse Estatuto, combinadas interdisciplinarmente com as da LDBEN, justificam – política e epistemologicamente – a formação moral e espiritual como tarefa educacional da escola pública em particular e da sociedade em geral. (PAULY, 2009, 180-181).

É importante ressaltar, mais uma vez, que o modelo Ciências da Religião ainda encontra-se

em fase inicial; nesse sentido, para que se efetive, é necessário que se enfrentem as

dificuldades de reconhecimento de cursos de graduação e, sobretudo a questão da

transposição didática dos resultados da pesquisa em Ciências da Religião para a disciplina

Ensino Religioso.

Nesse sentido, Soares (2009) esclarece que,

[...] a formação docente para o ER requer ainda uma adequada fundamentação epistemológica, a ser construída a partir das interações entre ciência da religião, pedagogia e filosofia. Isso inclui, mas vai muito além da presença nos currículos das indispensáveis disciplinas que fornecem habilitações pedagógicas. Nesse sentido, a Ciência da Religião só tem a ganhar se souber aprender da filosofia da religião a rica discussão que vem sendo feita nas últimas décadas, do ponto de vista do conteúdo, sobre a categoria experiência/espiritualidade. Por outro lado, o estreitamento dos laços entre Ciência da Religião e Pedagogia poderá, do ponto de vista formal, aprofundar a vinculação do Ensino Religioso com a noção de “transposição didática”, aqui entendida como passagem do “saber ensinar” para os “objetos do ensino”. (SOARES, 2009, p. 317).

Segundo esse autor, além do que já foi registrado na citação acima, a filosofia tem importante

papel na transposição didática na medida em que, por meio do diálogo esclarecedor, abre a

religião à investigação científica sem dissolvê-la, entendendo a mesma não como fato objetivo

mas como experiência humana dotada de sentido. (SOARES, 2009, p. 317).

Essa perspectiva permitiria ao Ensino Religioso superar o horizonte confessional no qual se

corre o constante perigo do proselitismo. Nesse caso, pode-se assistir à disputa entre as

confissões religiosas acerca da verdade de cada uma no intuito de suplantar as demais. Sem

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desconsiderar os valores próprios das tradições religiosas, as Ciências da Religião podem

explicitá-los com o auxílio da filosofia da religião em uma perspectiva não teológica.

Por fim, caberiam também à filosofia nesse processo duas funções básicas, isto é,

[...] unificar os dados científicos numa visão coerente com o universo objetivo, e estudar qual dever ser, para o ser humano, a estrutura de sentido da existência. Cabe à filosofia introduzir a sistematização e o método racional nas duas dimensões: a ciência (conhecimentos experimentais/científicos) e a fé (mundo do sentido). (SOARES, 2009, p. 319).

A adoção do modelo Ciências da Religião favoreceria muito o Ensino Religioso no Brasil,

proporcionando autonomia epistemológica à disciplina, o que, por sua vez, refletir-se-ia em

uma melhor formação do professor e consequente execução das aulas. Esse processo, por sua

vez, traria grandes benefícios ao Ensino Religioso em Minas Gerais e, de forma específica, às

Redes Municipais de Ensino onde a disciplina é ministrada no estado mineiro.

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6 CONCLUSÃO

A presente dissertação foi realizada tendo como objetivo principal procurar observar de que

maneira o modelo Ciências da Religião pode contribuir para disciplina Ensino Religioso

enquanto componente curricular. Esse enfoque foi realizado a partir do entendimento da

disciplina enquanto área de conhecimento e também considerando elementos de seu percurso

no campo educacional brasileiro. Dito de outro modo, a partir de seu percurso acidentado no

qual se entrelaçam questões políticas, pedagógicas e epistemológicas.

Para tanto, a metodologia utilizada procurou enfocar a presença do Ensino Religioso nas

Constituições brasileiras desde o período Imperial até a Carta Magna de 1988, nas Leis de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na legislação educacional de Minas Gerais, a

relação entre Ensino Religioso e Religiões, chegando à temática dos modelos de Ensino

Religioso com a priorização do Modelo Ciências da Religião.

Observando o percurso realizado pelo Ensino Religioso a partir do enfoque de sua presença

nas constituições, foi possível perceber que a presença da disciplina nesses textos se deve em

grande medida pela atuação e articulação da Igreja Católica. Sobretudo a partir de tensões de

ordem política, suscitadas com a implantação da República e a instauração de um Estado

Laico. A disciplina sofreu influências relativas à questão da presença religiosa em espaço

público, que extrapolaram o espaço escolar e que fazem sentir seus reflexos até os dias atuais.

Tanto nas LDBENs quanto na legislação educacional de Minas Gerais, podem-se perceber as

influências das disputas políticas e dos questionamentos que a disciplina sofreu e que foram

apontadas a partir do enfoque de sua presença nos textos constitucionais. Ao longo do tempo,

o Ensino Religioso deixou de ser entendido como catequese eclesial passando a assumir

feições confessionais. Houve mudanças significativas, contudo, os problemas continuaram.

Nesse sentido, foi importante perceber os resultados dos esforços de Wolfgang Gruen,

quando, a partir da década de 1970, suas ideias a respeito do Ensino Religioso proposto de

forma diferenciada da concepção confessional ganham destaque. Foi um passo importante

assumido pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais e atualmente ainda está em

vigor.

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No capítulo que tratou da temática Ensino Religioso e Religiões, foi possível perceber a

relação existente entre a disciplina e as tradições religiosas. É importante destacar como o

Ensino Religioso- além de sofrer influências de ordem política, isto é, das questões referentes

à laicidade do Estado-, também sofreu influências da diversificação do campo religioso

brasileiro, que, mesmo em sua origem, contanto com uma matriz sincrética, assiste nos

últimos tempos à tomada de posição de movimentos e grupos religiosos que se afirmam a

partir da quebra da hegemonia católica, e também da compreensão de que a diversidade é um

valor presente nas sociedades atuais. Não se pode deixar de destacar que mesmo diante dos

esforços de se pensar a disciplina de maneira a superar a confessionalidade e dar conta da

diversidade religiosa, o Estado brasileiro firmou acordo com a Santa Sé, que se encontra em

vigor e, que, por sua vez, representa a recorrência de antigos esquemas políticos.

No último capítulo, procurou-se demonstrar que o modelo Ciências da Religião, atualmente, é

aquele que responde com mais ganhos à prática do Ensino Religioso, mesmo ainda

encontrando-se em estado embrionário. Para justificar essa posição, recorreu-se ao

esclarecimento do que vem a ser o dilema epistemológico do Ensino Religioso. A disciplina

foi mantida nos textos constitucionais e nas legislações tanto federal quanto no Estado

mineiro por meio da articulação política. O Estado laico, mesmo que em seu território haja

diversidade religiosa, propriamente não assume características religiosas, isto é, permite a

liberdade religiosa e de crença, muito embora não assuma nenhuma delas como uma religião

oficial. Na medida em que o Ensino Religioso foi pensado ligado às confissões religiosas e

mantido nos estabelecimentos oficiais de ensino público, configurou a presença do privado

(religioso) em âmbito público (laico).

Além das vozes que se colocam contra esse lugar ambíguo da disciplina em defesa da

laicidade do Estado, pode-se perceber também que há problemas do ponto de vista

epistemológico. O Ensino religioso, na medida em que é concebido ligado às tradições

religiosas, busca nelas o conhecimento religioso para sua prática, isso sem falar no problema

da formação dos professores, tendo em vista a diversidade de tradições religiosas e,

atualmente, de movimentos religiosos no Brasil e em Minas Gerais.

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Para discutir essa questão epistemológica, foi importante recorrer à proposta de Passos

(2007), com a utilização de três modelos de Ensino Religioso: Catequético, Teológico e das

Ciências da Religião. Ressaltando que, na visão desse autor, até o momento o Ensino

Religioso ainda encontra-se em alguma medida sendo pensado e concebido a partir da

perspectiva teológica, mesmo a partir da utilização da religiosidade como princípio norteador.

Em outras palavras, o dilema epistemológico ainda não foi superado e persiste tanto na visão

de legisladores quanto de educadores que atuam na área do Ensino Religioso.

A respeito dessa última afirmação, procurou-se enfocar a disciplina em Minas Gerais, que

adota uma proposta embasada nas ideias de Wolfgang Gruen, e também por meio de pesquisa

de campo realizada a partir de entrevistas com professores de Ensino Religioso que atuam na

Rede Pública de Educação da Cidade Mineira de Itabira. 61 Por meio das entrevistas com

professores, foi possível perceber que existem lacunas tanto na formação quanto na

compreensão da disciplina ou mesmo na execução de um projeto comum. Isso se deve em

grande medida pelo fato de, em suas respostas, os mesmos terem expressado que durante sua

formação não havia interesse inicial em trabalhar com a disciplina Ensino Religioso, e

também pelo fato de haver diversidade de formações, isto é, os professores vêm de áreas

diferentes, o que dificulta o diálogo e clareza com relação à proposta e execução da disciplina.

Uma maneira de enfrentar essa questão seria a formação mais adequada com magistério de

Ensino Religioso.

Diante do que foi apresentado por meio da pesquisa bibliográfica e também das entrevistas,

fica claro que o Ensino Religioso ainda não consolidou uma identidade que se alinhe de forma

satisfatória ao âmbito escolar. Há muito que se fazer no sentido de se buscar uma maior

clareza do conteúdo, dos métodos e também da formação dos professores. Nesse sentido,

acredita-se que um passo importante para a resolução de muitos problemas da disciplina,

sobretudo da questão epistemológica, dar-se-ia na adoção do modelo Ciências da Religião.

A partir da adoção do modelo Ciências da Religião, o Ensino Religioso deixaria de buscar

fundamentos no conhecimento religioso oriundo das tradições religiosas. Não significa que o 61 Dentre outras pesquisas realizadas em Minas Gerais, é importante destacar: Dantas (2002), Silva (2007) e Caetano (2007). Esses autores realizaram pesquisa tanto na capital mineira quanto na região metropolitana e apresentam dados importantes para a compreensão das dificuldades docente, referentes tanto à prática quanto à formação.

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que se faz em âmbito teológico seria desprezado, pelo contrário, passaria a ser analisado e

estudado pela ótica das Ciências da Religião, isto é, por uma perspectiva não-confessional e

realizado por meio de critérios e rigor acadêmicos 62 como as demais disciplinas que integram

o currículo escolar. Um primeiro passo a ser dado diz respeito justamente à formação dos

professores de Ensino Religioso; nesse sentido, a partir da adoção do modelo Ciências da

Religião e a assunção dessa área como fonte epistemológica do Ensino Religioso,

consequentemente a formação dos professores passaria pela graduação em Ciências da

Religião.

Deve-se levar em conta que ainda falta uma política nacional mais consistente para viabilizar

a formação dos professores, que integre também elementos capazes de assegurar a oferta,

autorização e reconhecimento de cursos de graduação e a consequente profissionalização dos

docentes em Ensino Religioso. O Ministério da Educação não define qual seria a habilitação

necessária em função de ainda haver por parte dos legisladores a compreensão de que a

disciplina mantém vínculo epistemológico com as confissões religiosas, que pode ser

confirmado, dentre outros, pelo artigo nº. 33 da LBEN que, mesmo atribuindo aos sistemas de

Ensino a responsabilidade de definição de conteúdo e critérios de habilitação e admissão de

professores, define que se deve ouvir entidade civil constituída por representantes religiosos.

Nesse sentido, e pela mesma razão de compreender a disciplina a partir de uma ótica

teológica, o Ensino Religioso ocupa o lugar ambíguo de ser obrigatório para a escola e

facultativo para o aluno.

O caminho a ser feito para que se concretizem as licenciaturas em Ciências da Religião tem

como referência primeira os cursos dessa área que já possuem solidez e credenciamento pela

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), isto é, em nível de

pós-graduação, de maneira mais específica nos mestrados e doutorados. Nesse sentido, vale

destacar que já há em Minas Gerais o mestrado e doutorado existentes na Universidade

Federal de Juiz de Fora e o mestrado ofertado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais.

62 Não se trata aqui de desqualificar o rigor e seriedade com que se faz teologia, o ponto central diz respeito à impossibilidade de que a mesma seja realizada fora dos padrões confessionais.

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A licenciatura em Ciências da Religião, assumida como curso para habilitar o professor de

Ensino Religioso, representaria uma importante contribuição na formação do cidadão a partir

da epistemologia do modelo Ciências da Religião. Uma vez que, a prática educativa não

significa que haja a transferência de um conhecimento religioso, mas, antes, como pensa

Passos (2007) significa assumir a religião e o fenômeno religioso, em suas diversas

expressões e modalidades, como um dado que pode ser conhecido como parte da apreensão da

realidade, levando-se em conta a perspectiva da formação do cidadão e de sua

responsabilidade para com a sociedade.

Entretanto, o grande desafio para o Ensino Religioso no modelo Ciências da Religião, para

este autor, seria a transposição didática. É uma questão problemática e central para as

licenciaturas e, nesse sentido, requer um tratamento teórico e metodológico que supere a mera

definição de conteúdos curriculares. Nesse sentido, Soares (2009), apontou um caminho

interessante para que se realize a transposição didática. Para esse autor, a filosofia da religião

teria papel fundamental dentro das Ciências da Religião como disciplina que ofereceria uma

síntese dos resultados dessa área em diálogo com a pedagogia.

Enfim, como resultado final desta dissertação, pode-se dizer que o Modelo Ciências da

Religião seria aquele que responderia com mais ganhos à prática do Ensino Religioso e

atenderia de maneira interessante ao dilema epistemológico da disciplina. Isto é, a adoção do

modelo Ciências da Religião corresponderia à secularização do Ensino Religioso e

favoreceria a disciplina tanto do ponto de vista da autonomia epistemológica quanto

auxiliando na medida em que a integre ao ambiente escolar, superando o estigma de “corpo

estranho”.

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APÊNDICE A – Termo de Consentimento, Livre e Esclarecido

N.º Registro CEP: CAAE 0262.0.213.000-08 Título do Projeto: Pluralismo e Educação: a formação dos professores de Ensino Religioso na Rede Municipal de Educação da cidade de Itabira. Prezado Senhor (a), Este Termo de Consentimento pode conter palavras que você não entenda. Peça ao pesquisador que explique as palavras ou informações não compreendidas completamente. 1 ) Introdução

Você está sendo convidado(a) a participar de uma pesquisa que estudará o Ensino Religioso na cidade de Itabira. Esse estudo se fará a partir do ponto de vista da formação dos professores relacionada com a diversidade religiosa com a qual o professor de Ensino Religioso lida em sala de aula. Você foi selecionado por que é professor ou coordenador de Ensino Religioso na Rede Municipal e por esta razão integra o grupo sobre o qual esta pesquisa pretende investigar. Sua participação não é obrigatória. O objetivo do projeto é pesquisar a formação e a capacitação dos professores de ER da Rede Municipal de Itabira, que atuam na área urbana, para trabalhar com a pluralidade religiosa em sala de aula. 2 ) Procedimentos do Estudo Para participar deste estudo solicito a sua especial colaboração em responder uma entrevista gravada sobre sua trajetória de estudos e formação até chegar a trabalhar com o Ensino Religioso e também suas perspectivas e dificuldades para trabalhar essa disciplina, tendo em vista a diversidade religiosa que se apresenta em sala de aula e também prevista no artigo 33 da LDBN (Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) onde lê-se: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.” Esta entrevista será transcrita respeitando-se o caráter confidencial dos registros conforme item 8. 3 ) Riscos e desconfortos Esta pesquisa, por utilizar a entrevista como procedimento, oferece risco mínimo à saúde dos participantes. Ocorrendo qualquer desconforto o entrevistado tem o direito de não responder a pergunta ou cancelar a entrevista, caso deseje. 4 ) Benefícios Espera-se que, como resultado deste estudo, você possa contribuir com o fornecimento de dados importantes para a construção de uma dissertação de mestrado. Esta dissertação poderá

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servir como significativo material para o Ensino Religioso no sentido de oferecer uma reflexão sobre o pluralismo religioso e sua relação com o ER em um município que serve de referência para outros municípios vizinhos, como é o caso de João Monlevade, Nova Era, Santa Maria de Itabira, dentre outros. Nesse sentido pode vir a ser útil ao oferecer subsídio no planejamento e organização do ER dessa região. Para o professor de ER poderá se constituir como oportunidade de reflexão sobre a própria prática bem como pode apontar caminhos que estejam em consonância com a realidade onde atua. Do ponto de vista social, tomando como referência a concepção de que o ER se destina a auxiliar na formação do cidadão, esta pesquisa pode ser útil na medida em que pode contribuir para a disciplina procurar realizar este objetivo, sobretudo levando-se em conta que o cidadão deve ter oportunidades de conhecer e respeitar a diversidade que se verifica na realidade estudada. 5 ) Tratamento Alternativo (Não se aplica a esta pesquisa) 6 ) Custos/Reembolso Você não terá nenhum gasto com a sua participação no estudo e também não receberá pagamento pelo mesmo. O pesquisador se deslocará até seu local de trabalho em dia e horários pré-agendados para realizar a entrevista. 7 ) Responsabilidade Efeitos indesejáveis são possíveis de ocorrer em qualquer estudo de pesquisa, apesar de todos os cuidados possíveis, e podem acontecer sem que a culpa seja sua ou dos pesquisadores. Se você sofrer efeitos indesejáveis como resultado direto da sua participação neste estudo, a necessária assistência profissional será providenciada. 8 ) Caráter Confidencial dos Registros A sua identidade será mantida em sigilo. Os resultados do estudo serão sempre apresentados como o retrato de um grupo e não de uma pessoa. Dessa forma, você não será identificado quando o material de seu registro for utilizado, seja para propósitos de publicação científica ou educativa. As entrevistas serão armazenadas em fitas cassete com identificação do dia, local e entrevistado. As transcrições obedecerão aos mesmos critérios de identificação. Os registros permanecerão em posse do pesquisador por um período de 12 (doze) meses. Ao término deste período os mesmos serão destruídos. Para utilização de trechos de sua entrevista na dissertação, fruto dessa pesquisa, seu nome será substituído por um pseudônimo, de forma que não permita a identificação. Seu local de trabalho será mantido em sigilo, não sendo divulgado em hipótese alguma. 9 ) Participação Sua participação neste estudo é muito importante e voluntária. Você tem o direito de não querer participar ou de sair deste estudo a qualquer momento, sem penalidades ou perda de qualquer benefício ou cuidados a que tenha direito nesta instituição. Você também pode ser desligado do estudo a qualquer momento sem o seu consentimento nas seguintes situações: (a)

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você não use ou siga adequadamente as orientações/tratamento em estudo; (b) você sofra efeitos indesejáveis não esperados; (c) o estudo termine. Em caso de você decidir retirar-se do estudo, favor notificar o profissional e/ou pesquisador que esteja atendendo-o. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, coordenado pela Prof.ª Maria Beatriz Rios Ricci, que poderá ser contatado em caso de questões éticas, pelo telefone 3319-4517 ou email [email protected]. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo poderão fornecer qualquer esclarecimento sobre o estudo, assim como tirar dúvidas, bastando contato no seguinte endereço e/ou telefone: Nome do pesquisador: Wilian Ramos Marcos Endereço: Rua Praia do Rosário, 45, Bairro Penha – Itabira MG. Telefone: (31) 3831-3994, (31) 9764-2377 10 ) Declaração de Consentimento Li ou alguém leu para mim as informações contidas neste documento antes de assinar este termo de consentimento. Declaro que toda a linguagem técnica utilizada na descrição deste estudo de pesquisa foi satisfatoriamente explicada e que recebi respostas para todas as minhas dúvidas. Confirmo também que recebi uma cópia deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Compreendo que sou livre para me retirar do estudo em qualquer momento, sem perda de benefícios ou qualquer outra penalidade. Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade para participar deste estudo. _______________________________________________ Nome do participante (em letra de forma) _______________________________________________ __________________ Assinatura do participante ou representante legal Data

Obrigado pela sua colaboração e por merecer sua confiança.

_______________________________________________ __________________ Nome (em letra de forma) e Assinatura do pesquisador Data

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APÊNDICE B – Questionário aplicado aos professores

Projeto de pesquisa: Pluralismo e Educação: a formação dos professores de Ensino Religioso da Rede Municipal de Itabira. Pesquisador responsável: Wilian Ramos Marcos Dados do pesquisado

□ Professor □ Coordenador de área Nome: ____________________________________ Data: ___/___/___ Hora:___________

Endereço___________________________________________________________________

Telefone: ______________________ Local de trabalho:____________________________

1- Qual é o curso de graduação que possui?

□ Pedagogia com ênfase em Ensino Religioso

□ licenciatura em Ciências da Religião

□ Licenciatura em Ensino Religioso

□ Licenciatura em Teologia

□ Licenciatura em Filosofia

□ Outro. ____________________________________________

Modalidade: □ presencial □ a distância

Instituição ofertante: _______________________________________________.

2- Cursou alguma pós-graduação?

□ Lato Sensu em metodologia do Ensino Religioso

□ Lato Sensu em Ciências da Religião □ Mestrado. __________________________________________ □ Doutorado. _________________________________________

□ outra. ______________________________________________

Modalidade: □ presencial □ a distância

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Instituição ofertante: _______________________________________________.

3- Possui outros cursos voltados para a atividade docente do Ensino Religioso?

□ capacitação em Ensino Religioso.

□ aperfeiçoamento ______________________________________

□ outro. ______________________________________________

4- Desde a graduação até a pós-graduação e a realização de outros cursos, você já tinha como objetivo tornar-se professor de Ensino Religioso?

5- De que forma você concebe o Ensino Religioso e sua importância da grade curricular?

6- Para planejar as aulas de Ensino Religioso você utiliza algum livro didático ou apostila?

7- Você verifica entre os alunos a pertença à tradições religiosas diversas? Como essa diversificação se dá, levando-se em conta as tradições católica, protestante (evangélica), africana, Espírita, budista, Orientais e Messiânica?

8- Durante o período de sua formação para a docência você teve oportunidade de estudar

disciplinas que abordassem a diversidade religiosa brasileira?

9- O que você entende por Pluralismo Religioso?

10- Como você entende o diálogo religioso?

11- Conhece alguma discussão, livro ou material que aborde essa temática?

12- Na rede Municipal existe algum trabalho de formação, capacitação ou outro tipo de curso que auxilie aos professores de Ensino Religioso a trabalharem tendo em vista o pluralismo religioso e o diálogo inter-religioso?

13- Como você compreende a formação dos professores de Ensino Religioso que atuam na Rede Municipal? Esses profissionais estão preparados para lidar com o pluralismo religioso?

14- Que tipo de ação seria necessária para que o professor de Ensino Religioso tenha uma formação adequada para que sua atividade contemple a temática do pluralismo religioso de forma satisfatória?

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