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Módulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos Ensino a Distância COSMOLOGIA Da origem ao fim do universo 2015

MODULO-2

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Módulo 2 do curso de cosmologia oferecido pelo Observatório Nacional

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  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 97

    Mdulo 2Conhecendo o Universo

    em que vivemos

    Ensino a DistnciaCOSMOLOGIADa origem ao m do universo

    2015

  • A Via Lctea uma galxia espiral da qual o Sistema Solar faz parte. Vista da Terra, aparece como uma faixa brilhante e di-fusa que circunda toda a esfera celeste, recortada por nuvens moleculares que lhe conferem um intrincado aspecto irregular e recortado. Sua visibilidade severamente comprometida pela poluio luminosa. Com poucas excees, todos os objetos vi-sveis a olho nu pertencem a essa galxia.

    Crdito: European Southern Observatory (ESO)

    Este livro dedicado a Antares Cleber Crij (1948 - 2009) que dedicou boa parte da sua carreira cientfi ca divulgao e popularizao da cincia astronmica.

    Presidente da RepblicaDilma Vana Rousseff

    Ministro de Estado da Cincia, Tecnologia e InovaoJos Aldo Rebelo Figueiredo

    Secretrio-Executivo do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovaolvaro Doubes Prata

    Subsecretrio de Coordenao de Unidades de PesquisasKaio Jlio Csar Pereira

    Diretor do Observatrio NacionalJoo Carlos Costa dos Anjos

    Observatrio Nacional/MCTI (Site: www.on.br)Rua General Jos Cristino, 77So Cristvo, Rio de Janeiro - RJCEP: 20921-400

    Criao, Produo e Desenvolvimento (Email: [email protected])

    Carlos Henrique VeigaCosme Ferreira da Ponte NetoSilvia da Cunha LimaVanessa Arajo SantosGiulliana Vendramini da SilvaGiselle VerssimoCaio Siqueira da Silva

    2015 Todos os direitos reservados ao Observatrio Nacional.

    Equipe de realizao

    Contedo cientfi co e textoCarlos Henrique Veiga

    Projeto grfi co, editorao e capaVanessa Arajo Santos

    Web DesignGiselle VerssimoCaio Siqueira da Silva

    ColaboradoresNey Avelino B. SeixasAlex Sandro de Souza de Oliveira

  • Mdulo 2

    Ensino a DistnciaCOSMOLOGIADa origem ao m do universo

    2015Conhecendo o Universo

    em que vivemos

  • 100 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    como comeamos a conhecer o conTedo do universo

    Vimos que a vontade de descrever o Universo estava presente em vrias culturas antigas. O contedo conhecido do Universo, naquela poca, limi-tava-se aos seis planetas visveis a olho nu (Mercrio, Vnus, Terra, Marte, Jpiter e Saturno), seus satlites naturais (nossa Lua e, a partir de Galileu, os quatro grandes satlites de Jpiter ou seja, Io, Europa, Ganimedes e Calisto), e as estrelas.

    O Universo dos povos antigos era apenas a nossa Galxia, a Via Lctea, este enorme conjunto de estrelas que vemos distribudas no cu em uma noite es-cura. Ela formada pelas estrelas que constituem o plano da nossa Galxia. A imagem abaixo mostra toda a riqueza da Via Lctea que podemos observar em uma noite bastante escura. Este era o Universo at praticamente o sculo XX! Veremos mais tarde que somente em 1935 que passamos a aceitar que a nossa Galxia no era o Universo e sim apenas uma pequenssima parte dele.

    Muitos sculos passariam at que o ser humano tivesse uma imagem mais detalhada, mas de modo algum completa, do contedo do Universo. Esse co-nhecimento certamente aumentou aps a primeira utilizao do telescpio para observar os cus, feita por Galileu em 1609, e a partir da disseminao de seu uso por outros estudiosos da astronomia. Mas, embora colecionar dados seja importante, no sufi ciente par a que os cientistas consigam descrever a estrutura do Universo. Isto continua a ser, at hoje, um dos mais fascinantes assuntos cientfi cos. No entanto, apesar de todos os esforos, o Universo ainda guarda seus segredos e sua estrutura, at hoje, continua no completamente explicada.

    os primeiros modelos

    Numa poca em que a palavra cientista ainda no existia e aqueles que se interessavam por cincia eram chamados de fi lsofos naturais, muitos pen-sadores comearam a especular no sobre o movimento dos planetas no Siste-ma Solar mas sim sobre um Universo bem mais amplo que inclua um nmero cada vez maior de estrelas. Afi nal, qual era o seu tamanho e seu contedo?

    H muito tempo que certas partes do cu chamavam a ateno daqueles que o admiravam. Por exemplo, algumas pessoas antigas, dotadas de um sen-so agudo de observao, j haviam notado a existncia de uma pequena nebu-losidade, visvel a olho nu, nos cus do hemisfrio sul.

    Essa pequena nebulosidade j havia sido percebida pelo astrnomo persa Abd Al-Rahman Al-Sufi (tambm conhecido como Abr-ar Rahman As Sufi ,

    11 as primeiras descobertas

    Abd Al-Rahman Al-Sufi (903-986).

    Plano da Via Lctea.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 101

    ou Abd al Rahman Abu al Husain, e algumas vezes como Azophi) que a citou no seu Livro das Estrelas Fixas, publicado no ano 964, com o nome de Al Bakr (Boi Branco).

    A figura ao lado pertence ao livro de Al-Sufi e nela podemos ver o desenho que localiza esta pequena nebulosidade, marcada com a letra A.

    Para a histria oficial esta nuvem foi descoberta pelo navegador Ferno de Magalhes em 1519 e recebeu o nome de Grande Nuvem de Magalhes (mais tarde veremos que esta uma das duas nicas galxias visveis a olho nu no hemisfrio sul).

    A imagem a seguir mostra as galxias Grande e Pequena Nuvem de Ma-galhes observadas com o auxlio de modernos telescpios. No entanto, o que os antigos observadores viam era algo completamente diferente, apenas uma pequenina mancha no cu. O que era esse objeto nebuloso? Por que ele era diferente das estrelas?

    Thomas WrighT e um dos primeiros modelos modernos do universo

    A partir do sculo XVIII, com o desenvolvimento de novas teorias cientfi-cas e a melhoria dos equipamentos usados para observaes astronmicas, os cientistas passaram a ter alguns elementos essenciais para comear a compre-ender a estrutura do Universo.

    O filsofo ingls Thomas Wright props em seu livro An original the-ory or new hypothesis of the universe, publicado em 1750, um dos primeiros modelos modernos para o Universo. Nele Wright procurava explicar alguns aspectos que eram naturalmente observados no cu como, por exemplo, a apa-rncia da Via Lctea.

    Para Wright o Universo estava contido em uma pequena concha situada entre duas esferas concntricas. As estrelas estavam distribudas de tal modo a preencher o meio inteiro com um tipo de irregularidade regular de objetos. Olhando ao longo de uma tangente concha, veramos uma quantidade enor-me de estrelas. O cu inteiro naquela direo estaria preenchido com estrelas distantes e fracas de tal maneira que a regio pareceria ter um brilho nebuloso. Se um observador olhasse atravs da poro fina de tal Universo ele veria bem poucas estrelas e o cu pareceria bem pouco populoso nesta direo. Wright ento concluiu que a aparncia da Via Lctea resultava de uma distribuio esfrica de estrelas. Para Thomas Wright a aparncia observada da Via Lctea era devida a um efeito ptico produzido pelo fato de estarmos imersos no que, localmente, era semelhante a uma camada plana de estrelas. A imagem ao lado reflete as ideias de Thomas Wright.

    Entretanto, preciso assinalar que Wright no se apoiava em qualquer anlise cientfica para estabelecer seu modelo do Universo. Sua motivao era religiosa pois ele acreditava que a estrutura esfrica era a mais lgica para ter sido construda por Deus. Apesar disso ele estava correto em atribuir o brilho da Via Lctea a efeitos pticos.

    immanuel KanT e os universos ilha

    Escritores do perodo romntico no incio do sculo XIX, como, por exem-plo, William Wordsworth na Inglaterra e Friedrich Schelling na Alemanha, reagiram contra a cosmologia Newtoniana. Convencidos de que a ordem cs-mica estava alm da explicao cientfica, eles procuraram trazer de volta a vida divina para o que parecia um universo que se tornava cada vez mais mecanizado e sem Deus.

    Imagem extraida do livro de Al-Sufi.

    Imagem das galxias Grande e Pequena Nuvem de Magalhes.

    As ideias de Thomas Wright sobre o Universo.

  • 102 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    O filsofo alemo Immanuel Kant argumentou contra os romnticos insis-tindo que a metafsica no poderia fornecer uma explicao dos fundamentos da natureza fsica, corprea e que a questo da existncia de Deus estava com-pletamente divorciada da experincia sensorial direta.

    Em 1775 Kant apresentou um modelo para descrever o Universo. Ele le-vantou a seguinte questo: se as estrelas se movem, ento porque elas pare-cem estar fixas no cu? Ele mesmo forneceu uma resposta bastante razovel. Segundo Kant este movimento ou era excessivamente lento, tendo em vista a grande distncia entre as estrelas e o centro comum em torno do qual elas giravam, ou essa falta de movimento era devida a uma mera incapacidade nos-sa de perceb-lo, devido grande distncia existente entre o local onde elas estavam e aquele de onde as observvamos.

    Para Kant o Sistema Solar Newtoniano fornecia um modelo para os siste-mas estelares maiores. Kant raciocinou que a mesma causa que deu aos pla-netas sua fora centrfuga, mantendo-os em rbita em torno do Sol, poderia tambm ter dado s estrelas o poder de realizar seus movimentos em crculo. E seja o que for que fez todos os planetas descreverem rbitas aproximada-mente no mesmo plano, poderia ter feito o mesmo com as estrelas. Para ele o Universo tinha uma ordem similar quela que vemos no Sistema Solar, mas em uma escala maior e envolvendo muito mais objetos. O Universo de Kant era formado por uma multido de estrelas que giravam em torno de um centro comum estando todas, aproximadamente, no mesmo plano.

    A maior contribuio de Kant foi a introduo, no seu modelo do Universo, das pequenas manchas luminosas elpticas observadas no cu pelos astrno-mos de sua poca e que eram chamadas coletivamente de estrelas nebulosas. Ele raciocinou que, se a Via Lctea tinha a forma de um disco de estrelas, no seria vivel existirem tambm outros planos agregados de estrelas espalhados por todo o espao? Kant tambm argumentou que se estes agregados, tendo em vista os seus tamanhos, estavam to distantes da Via Lctea, do mesmo modo como as estrelas individuais esto umas das outras, ento eles deveriam aparecer para ns como pequenas manchas luminosas, manchas estas que teriam a forma mais ou menos elptica dependendo de quanto elas estavam inclinadas em relao nossa linha de visada.

    Kant estava convencido da existncia de outros Universos alm da nossa Via Lctea e foi ele quem props pela primeira vez, mas baseado apenas em filosofia, que o Universo era formado por vrios Universos ilha repletos de estrelas, semelhantes Via Lctea, a bela faixa de estrelas que vemos atraves-sada no cu em uma noite escura e que, insistimos, apenas o plano da nossa Galxia e no ela toda.

    Assim, os objetos que pareciam nebulosos quando observados nos cus se tornaram, na mente de Kant, universos ilhas, algo como colossais sistemas solares formados por milhares de estrelas.

    Os pensamentos de Kant sobre o universo tinham pouco contedo obser-vacional. Os fundamentos de suas hipteses cosmolgicas eram filosficos e teolgicos. As observaes entrariam pela primeira vez na cosmologia de um modo marcante no final do sculo XVIII graas ao astrnomo amador ale-mo, naturalizado ingls, William Herschel.

    descobrindo o cu: Willian herschel

    Herschel observa o UniversoAs equaes de Newton permitiam que os cientistas descrevessem sob o

    ponto de vista matemtico o nosso Sistema Solar. Logo especulou-se que elas tambm seriam capazes de oferecer um modelo para os sistemas estelares de

    Immanuel Kant (1724- 1804).

    William Herschel (1738 - 1822).

  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 103

    maior porte. O arranjo das estrelas poderia ser similar quele dos planetas. Alm disso, o sistema Newtoniano fornecia, por analogia, uma explicao para uma estrutura de disco. A mesma causa que deu aos planetas seus movi-mentos e direcionou suas rbitas para um plano, poderia tambm ter dado s estrelas o poder de revoluo e colocado suas rbitas em um plano.

    No fi nal do sculo XVIII as observaes entraram na cosmologia estelar com um papel principal. Isso se deve ao astrnomo alemo Wilhelm Friedrich Herschel que ao se naturalizar ingls assumiu o nome de William Herschel. Suas descobertas se tornaram possveis graas aos grandes telescpios que ele mesmo construiu.

    Em 1773 Herschel, baseado em uns poucos livros existentes sobre astro-nomia que ele havia comprado, mas dotado de grande habilidade em ptica e mecnica, construiu alguns dos melhores (e maiores) telescpios existentes na sua poca. Isso culminou em 1789 quando Herschel construiu um enorme telescpio refl etor com comprimento focal de 40 ps e cujo espelho tinha o dimetro de 48 polegadas (imagem ao lado). Este telescpio refl etor, uma das maravilhas da poca, no seria superado por dcadas.

    Os vrios telescpios construdos por Herschel no somente revelaram mais satlites em rbita em torno de planetas como tambm revelaram algu-mas nebulosas de aspecto indistinto em aglomerados de estrelas. Eles tam-bm permitiram que Herschel registrasse objetos celestes situados a distncias muito alm do alcance dos telescpios refratores existentes naquela poca. Os telescpios refratores dependiam de uma grande lente, mas a arte de polimen-to de lentes estava limitada a aberturas pequenas, bem menores do que os espelhos de 48 polegadas construdos por William Herschel.

    Com base em suas meticulosas observaes, nas quais era ajudado por sua irm Caroline Lucretia Herschel (1750-1848), Herschel observou estrelas que pareciam estar situadas entre dois planos paralelos que se estendiam em linha reta por grandes distncias. Isso o levou a concluir que a Via Lctea (a banda luminosa de estrelas que parece envolver o cu em uma noite escura e que hoje sabemos ser o plano da nossa Galxia) a manifestao da projeo das estrelas nessas camadas. Em 1784 Herschel afi rmou que:

    Uma circunstncia muito notvel que se aplica s nebulosas e aglomerados de estrelas que elas esto organizadas em camadas, que parecem prosseguir por uma grande extenso; e algumas delas eu j fui capaz de seguir, de modo a supor muito bem suas formas e direes. muito provvel que elas possam circundar toda a esfera aparente dos cus, at mesmo a Via Lctea, que certamente apenas uma camada de estrelas fi xas. Vemos ao lado o diagrama feito por Herschel em seu artigo publicado em

    1784 sobre a construo dos cus. Ele nos mostra como um observador loca-lizado no centro de uma fi na camada de estrelas ver as estrelas circundantes projetadas como um anel que as envolvem. Se a camada se divide, o anel tam-bm se divide.

    Indo muito mais longe no espao do que qualquer um havia consegui-do antes com seus grandes telescpios, Herschel iniciou o primeiro levan-tamento sobre a forma e o tamanho do Universo ou seja, da estrutura da nossa Galxia (que era o universo da poca!). Usando mtodos sistemticos

    Ilustrao de um dos telescpios construido por Herschel.

  • 104 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    ao invs de conjecturas, Herschel atacou o problema realizando contagens de estrelas em 683 regies do cu. Herschel raciocinou corretamente que deveria registrar um nmero maior de estrelas nas contagens feitas na dire-o do centro da nossa Galxia e um nmero menor nas contagens feitas na direo de sua borda.

    No entanto, Herschel encontrou aproximadamente o mesmo valor de den-sidade estelar (nmero de estrelas por rea) em todas as direes examinadas. Da ele concluiu que o Sistema Solar deveria estar situado no centro da Galxia (na poca de Herschel os astrnomos ainda no sabiam que o espao interes-telar contm poeira e gs capazes de bloquear a luz emitida por estrelas). A partir dessas contagens Herschel chegou a uma forma grosseira do Universo que confirmava a especulao feita anteriormente por Kant, de que o Universo tinha uma forma alongada. A imagem abaixo mostra o Universo ou seja, a nossa Galxia, descrito por Herschel

    Herschel tambm se interessou pelas estrelas nebulosas mencionadas por Kant e, ao longo de seus levantamentos do cu, descobriu muitas outras. Ao iniciar suas observaes nos primeiros anos da dcada de 1780, os astrno-mos conheciam cerca de 100 objetos nebulosos no cu do hemisfrio norte que haviam sido catalogados pelo astrnomo francs Charles Messier. Em 1786 Herschel publicou um catlogo com cerca de 1000 objetos nebulosos. Trs anos mais tarde ele acrescentou mais mil objetos sua lista e em 1802 publicou uma terceira e ltima lista de mais 500 objetos nebulosos. Em 1811 Herschel publicou na conceituada revista inglesa Philosophical Transactions of the Royal Society vrios desenhos em que mostrava a rica variedade de objetos nebulosos que ele havia registrado. Imagem extraida da revista inglesa Philosophical

    Transactions of the Royal Society.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 105

    uma curiosidade hisTrica

    Wilhelm Friedrich Herschel nasceu na cidade de Hanover, Alemanha, em 1938. Sua profisso era msico, tocando na banda do regimento da Guarda de Hanover. Em 1755 as coroas de Hanover e da Inglaterra foram unidas sob a liderana do rei ingls George II. A banda em que Herschel tocava foi enviada para a Inglaterra. Em 1757 ele naturalizou-se ingls e mudou seu nome para Frederick William Herschel. Em solo ingls ele con-tinuou a dar aulas (tocava violino, obo e, mais tarde, rgo) e a compor msicas sendo o autor de 24 sinfonias, 7 concertos para violino e 2 concer-tos para rgo. Em 1766 Herschel assumiu o posto de organista na cidade de Bath, Inglaterra, e comeou a se interessar por astronomia. A msica fez com que Herschel se interessasse por harmonia, esta o levou matemtica e finalmente astronomia. Para ele astronomia ainda era um passatempo mas, medida que isso foi ficando mais srio, Herschel foi diminuindo o nmero de seus estudantes de msica de modo a poder dedicar mais e mais tempo observao astronmica. Neste mesmo ano (1766) ele fez o primeiro registro sobre astronomia em seu dirio. A descoberta pela qual ele mais conhecido ocorreu no dia 13 de maro de 1781 quando Herchel observou um pequeno objeto, nebuloso e de brilho fraco, na constelao Taurus que ele pensou ser um novo cometa. No final deste mesmo ano, Herschel j sabia que havia descoberto um novo planeta do Sistema Solar, situado alm de Saturno. Com a descoberta do planeta Urano, situado alm do limite mais externo at ento aceito que era a rbita de Saturno, Hers-chel praticamente dobrou o tamanho do Sistema Solar conhecido. Embora oficialmente descobridor do planeta Urano, Herschel certamente no foi o primeiro a v-lo. Este planeta j estava registrado em pelo menos 20 cartas celestes elaboradas no perodo entre 1690 e 1781. No entanto Herschel foi o primeiro astrnomo a notar que aquele pequeno ponto luminoso era um novo planeta.

    Herschel quis agradar o rei da Inglaterra dando ao novo planeta o nome de Georgium Sidus (Estrela de George), o que foi rejeitado por astrnomos de muitos pases. Os franceses passaram a chamar o novo planeta de Herschel, mas o nome mais aceito foi Urano, dado pelo astrnomo alemo Johann Elert Bode.

    Com a fama conseguida, Herschel foi indicado astrnomo real pelo rei George III da Inglaterra e passou a receber um grande auxlio financeiro que desfrutou at o fim de sua vida.

    Willian parsons e a descoberTa das nebulosas espirais

    Os leviats de William ParsonsUm fato importante descoberto por Herschel era que algumas destas es-

    trelas nebulosas, vistas atravs dos telescpios que ele mesmo construa, nada mais eram do que aglomerados de estrelas. Este fato o levou, em 1785, a con-jecturar que todas as nebulosidades vistas no cu se revelariam como sistemas estelares distantes se olhadas em poderosos telescpios.

    Com o surgimento de telescpios de maior porte, muitos astrnomos passaram a se preocupar com as pequenas nuvens difusas que eram obser-vadas no cu e que, at aquele momento, no haviam sido resolvidas em estrelas. Mesmo os melhores telescpios da poca s conseguiam observar estes objetos como nuvens difusas, no discernindo se elas tinham ou no contedo estelar.

  • 106 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    Em 1845, o astrnomo irlands William Parsons, terceiro conde de Rosse, construiu um telescpio de 72 polegadas no seu castelo em Parsonstown (mais tarde conhecida como Birr), na Irlanda. Esta construo, monstruosa para a poca, foi logo apelidada de Leviathan of Parsonstown. As trs imagens ao lado mostram o Leviathan de Parsons.

    Parsons conseguiu com a ajuda deste equipamento determinar que algu-mas destas nebulosas possuam uma estrutura em forma de espiral. Em abril de 1845 Parsons desenhou a nebulosa M51 (hoje conhecida como galxia Rodamoinho) mostrando sua forma espiral. Esta foi a primeira vez em que a forma espiral foi identificada em uma nebulosa. O desenho de Parsons teve grande impacto no encontro da British Association for the Advancement of Science realizado em junho deste mesmo ano.

    A imagem abaixo mostra a galxia espiral M51 ou NGC 5194 ou galxia Rodamoinho (Whirlpool Galaxy) fotografado pelo astrnomo Todd Boroson do National Optical Astronomy Observatory (NOAO). Ela est localizada a apenas 23 milhes de anos-luz de ns e possui 65000 anos-luz de dimetro. Esta galxia uma das mais brilhantes no cu, podendo ser vista com um simples binculo na constelao Canes Venaciti. Compare esta imagem com o desenho feito por William Parsons!

    Parsons tambm conseguiu discernir estrelas individuais em vrias ne-bulosas onde nem mesmo o poderoso telescpio de Herschel tinha obtido sucesso.

    Tendo em vista sua forma peculiar, estes objetos nebulosos passaram a ser chamados de nebulosas espirais. A natureza destas nebulosas espirais foi assunto de intenso debate durante as vrias dcadas que se seguiram. Afinal, estes objetos pertenciam ou no nossa Galxia? Note que, nesta poca, mui-tos cientistas acreditavam que a nossa Galxia era todo o Universo: as estrelas que vamos eram nicas e mais alm destas estrelas existia apenas a escurido de um espao sem fim.

    Galxia espiral MS1 ou NGC5194 ou Galxia do Rodamoinho.

  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 107

    onde esTo as nebulosas espirais?

    O problema principal para a astronomia naquela poca era descobrir como poderamos medir as distncias at as chamadas nebulosas espirais. Somen-te assim fi caramos sabendo se elas pertenciam ou no nossa Galxia e esse era um ponto fundamental que precisava ser esclarecido para conhecermos o tamanho do universo.

    Entretanto, no havia nenhum mtodo confi vel para determinar distn-cias a objetos astronmicos situados alm das estrelas mais prximas. Isso no permitia que fosse respondida a pergunta: estavam as nebulosas espirais relativamente prximas a ns e eram apenas nuvens de gs em rodamoinho ou elas estavam muito longe de ns e eram extremamente grandes? fcil ver como isso modifi caria a nossa percepo do tamanho do universo.

    Para resolver este problema era necessrio, em primeiro lugar, desenvolver mtodos que permitissem calcular distncias s estrelas.

    medindo disTncias aos corpos celesTes

    Os primeiros astrnomos estimavam as distncias s estrelas comparando seus brilhos. Para isso eles supunham que todas elas possuam a mesma lumi-nosidade intrnseca. Assim, aquelas que pareciam ser mais brilhantes certa-mente estavam mais prximas.

    Defi nio de luminosidadeA luminosidade de um corpo celeste a quantidade de energia luminosa

    total ou seja, em todos os comprimentos de onda, emitida por este corpo em uma determinada unidade de tempo.

    A primeira tcnica direta de medio de distncias s estrelas foi conheci-da como paralaxe trigonomtrica. Este mtodo foi empregado em 1838 por Friedrich Wilhelm Bessel para demonstrar que a Terra girava em torno do Sol.

    Tendo em vista o movimento de translao que o nosso planeta faz em torno do Sol, um observador sobre a superfcie da Terra ver uma mudan-a contnua e peridica nas posies aparentes das estrelas no cu. Assim, as estrelas mais prximas de ns, que chamamos de estrelas vizinhas, mudaro suas posies aparentes em relao s estrelas mais distantes. A quantidade medida deste deslocamento na posio aparente dessas estrelas inversamen-te proporcional distncia estrela.

    Para observar a paralaxe de uma estrela os astrnomos utilizam o movi-mento da Terra em torno do Sol. Eles observam uma estrela e cuidadosamente medem sua posio contra as estrelas que esto no fundo do cu. Seis meses aps isso a Terra se moveu para o lado diametralmente oposto de sua rbita. Essa distncia conhecida pois ela representa duas vezes a distncia entre o Sol e a Terra. Agora os astrnomos fazem uma nova medida e verifi cam que a estrela est em uma posio ligeiramente diferente daquela medida seis meses antes. O valor dessa diferena depender somente da distncia entre a estrela e ns. Quanto mais prxima a estrela estiver de ns maior ser essa diferena de posio. No entanto, note que mesmo para as estrelas muito prximas a medida de paralaxe extremamente pequena. Por esse motivo a paralaxe no e medida em graus mas sim fraes de grau que tm o nome de segundos de arco.

    A paralaxe de uma estrela a metade do valor do ngulo de deslocamento aparente da estrela. Baseados nessa defi nio a distncia a uma estrela dada pelo inverso da paralaxe. Se medirmos a paralaxe em segundos de arco a dis-tncia ser dada em parsecs.

    12 medindo

    distncias aos objetos

    celestes

    observao: Existem hoje vrios mtodos de determinao de distncia a objetos celestes. S citaremos alguns mtodos

    histricos. O leitor interessado no assunto deve procurar textos de Astrofsica.

  • 108 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    Infelizmente esta tcnica s podia ser aplicada s estrelas que estavam mais prximas de ns, usualmente quelas situadas a menos de 100 parsecs. Para as estrelas situadas a distncias maiores que esta, o deslocamento angular to pequeno que torna-se quase impossvel medi-lo.

    No sculo XIX o refinamento das tcnicas de astrometria, parte da astro-nomia que se preocupa com medies de movimentos e posies estelares, fez surgir uma tcnica de medies de distncias baseada no chamado movimen-to prprio das estrelas.

    Definio de movimento prprioO movimento prprio de uma estrela a componente do seu movimento

    verdadeiro perpendicular nossa linha de visada. O movimento prprio me-dido em segundos de arco por ano e designado pela letra grega .

    Os astrnomos separam a velocidade de uma estrela no espao em duas componentes:

    uma componente paralela nossa linha de visada. Esta a velocidade radial da estrela, designada por vr.

    uma componente perpendicular nossa linha de visada. Esta a velo-cidade tangencial da estrela, designada por vt.

    A velocidade tangencial de uma estrela est relacionada com o movimento prprio pela expresso:

    vt = 4,74 d

    onde d a distncia s estrela. A tcnica do movimento prprio foi usada amplamente durante o sculo

    XIX por diversos astrnomos. No entanto, na prtica s podemos medir pe-quenas distncias desta maneira, uma vez que o movimento prprio de estre-las muito distantes pequeno demais para que possamos detect-lo. Apesar disto esta tcnica permitiu que os astrnomos medissem distncias a estrelas situadas bem alm do alcance oferecido pela paralaxe trigonomtrica.

    No sculo XIX as tcnicas de espectroscopia, at ento utilizadas somente nos laboratrios de fsica, passaram a ser uma til ferramenta para os estudos das estrelas. Isso produziu um grande avano no conhecimento destes objetos, uma vez que o espectro estelar nos d informaes muito importantes sobre sua constituio fsica.

    Em 1886 o diretor do Harvard College Observatory, o astrnomo norte-a-mericano Edward Charles Pickering (18461919), inventou um mtodo enge-nhoso pelo qual era possvel obter espectros de centenas de estrelas de uma s vez usando o chamado prisma objetivo. Para analisar os espectros obtidos, um trabalho lento e meticuloso, Pickering tinha um grupo de mulheres, o cha-mado harm de Pickering. Entre elas destacaram-se as astrnomas Annie Jump Cannon, Henrietta Swan Leavitt e Antonia Maury que, alm do traba-lho de classificao, desenvolveram outras importantes pesquisas cientficas.

    As duas imagens ao lado mostram Pickering cercado por suas colaborado-ras. A primeira imagem de 1890 e a segunda de 1912.

    Uma dessas pesquisadoras, Annie Jump Cannon, verificou que as estrelas podiam ser classificadas de acordo com as linhas que apareciam nos seus es-pectros. Ela notou que as classes espectrais podiam ser rearranjadas de modo a formarem uma sequncia contnua de mudanas graduais. Foi ento que surgiu a chamada classificao espectral de Harvard, que usamos at hoje, e que classifica as estrelas como sendo dos tipos O, B, A, F, G, K, M, R, N e S. Os

    d (em parsecs) = 1 (em segundos de arco)

    Onde: d a distncia estrela e a paralaxe medida.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 109

    Infelizmente esta tcnica s podia ser aplicada s estrelas que estavam mais prximas de ns, usualmente quelas situadas a menos de 100 parsecs. Para as estrelas situadas a distncias maiores que esta, o deslocamento angular to pequeno que torna-se quase impossvel medi-lo.

    No sculo XIX o refinamento das tcnicas de astrometria, parte da astro-nomia que se preocupa com medies de movimentos e posies estelares, fez surgir uma tcnica de medies de distncias baseada no chamado movimen-to prprio das estrelas.

    Definio de movimento prprioO movimento prprio de uma estrela a componente do seu movimento

    verdadeiro perpendicular nossa linha de visada. O movimento prprio me-dido em segundos de arco por ano e designado pela letra grega .

    Os astrnomos separam a velocidade de uma estrela no espao em duas componentes:

    uma componente paralela nossa linha de visada. Esta a velocidade radial da estrela, designada por vr.

    uma componente perpendicular nossa linha de visada. Esta a velo-cidade tangencial da estrela, designada por vt.

    A velocidade tangencial de uma estrela est relacionada com o movimento prprio pela expresso:

    vt = 4,74 d

    onde d a distncia s estrela. A tcnica do movimento prprio foi usada amplamente durante o sculo

    XIX por diversos astrnomos. No entanto, na prtica s podemos medir pe-quenas distncias desta maneira, uma vez que o movimento prprio de estre-las muito distantes pequeno demais para que possamos detect-lo. Apesar disto esta tcnica permitiu que os astrnomos medissem distncias a estrelas situadas bem alm do alcance oferecido pela paralaxe trigonomtrica.

    No sculo XIX as tcnicas de espectroscopia, at ento utilizadas somente nos laboratrios de fsica, passaram a ser uma til ferramenta para os estudos das estrelas. Isso produziu um grande avano no conhecimento destes objetos, uma vez que o espectro estelar nos d informaes muito importantes sobre sua constituio fsica.

    Em 1886 o diretor do Harvard College Observatory, o astrnomo norte-a-mericano Edward Charles Pickering (18461919), inventou um mtodo enge-nhoso pelo qual era possvel obter espectros de centenas de estrelas de uma s vez usando o chamado prisma objetivo. Para analisar os espectros obtidos, um trabalho lento e meticuloso, Pickering tinha um grupo de mulheres, o cha-mado harm de Pickering. Entre elas destacaram-se as astrnomas Annie Jump Cannon, Henrietta Swan Leavitt e Antonia Maury que, alm do traba-lho de classificao, desenvolveram outras importantes pesquisas cientficas.

    As duas imagens ao lado mostram Pickering cercado por suas colaborado-ras. A primeira imagem de 1890 e a segunda de 1912.

    Uma dessas pesquisadoras, Annie Jump Cannon, verificou que as estrelas podiam ser classificadas de acordo com as linhas que apareciam nos seus es-pectros. Ela notou que as classes espectrais podiam ser rearranjadas de modo a formarem uma sequncia contnua de mudanas graduais. Foi ento que surgiu a chamada classificao espectral de Harvard, que usamos at hoje, e que classifica as estrelas como sendo dos tipos O, B, A, F, G, K, M, R, N e S. Os

    pesquisadores de Harvard logo notaram que o fator bsico subjacente a esta classificao era a temperatura da superfcie das estrelas: ela diminua conti-nuamente das estrelas mais quentes, classificadas como O, at chegar s mais frias, do tipo M.

    Em 1906 o astrnomo dinamarqus Ejnar Hertzsprung descobriu que existiam estrelas gigantes e ans. Isso mostrou que as estrelas podiam ser bastante diferentes tambm em seus aspectos fsicos. As estrelas com grande tamanho, chamadas estrelas gigantes, tambm tinham alta luminosidade. Como resultado dessa pesquisa os astrnomos viram que as distncias s es-trelas podiam ser estimadas se seus espectros fossem conhecidos.

    Ao mesmo tempo em que isso acontecia, a astrnoma Henrietta Swan Leavitt, do Harvard College Observatory, fez uma grande contribuio para o clculo de distncias s estrelas. Em 1908, enquanto estudava estrelas va-riveis nas Nuvens de Magalhes, ela notou que havia uma correlao entre o perodo de sua variabilidade e sua luminosidade. Embora essa descober-ta tenha um grande potencial para a determinao precisa de distncias a objetos celestes Leavitt no a desenvolveu. Ela foi proibida de faz-lo pelo diretor do Harvard College Observatory, Professor Pickering, sob a alegao de que a tarefa para a qual ela havia sido contratada era coletar dados e no analis-los.

    No ano seguinte descoberta de Leavitt, Hertzsprung verificou que as es-trelas variveis observadas por ela nas Nuvens de Magalhes eram variveis do tipo Cefeida, j conhecidas dos astrnomos.

    o que so as variveis cefeidas

    Durante o processo de evoluo de uma estrela, em um dado momento ela inicia seu caminho para se tornar uma estrela gigante. Esse proces-so de evoluo para o ramo das gigantes faz com que ela fique instvel e mude, de modo peridico, tanto o seu tamanho como sua luminosidade. s estrelas que esto passando por este processo damos o nome de estrelas variveis pulsantes.

    Existem vrios tipos de estrelas variveis pulsantes. O tipo de variabilida-de de cada uma delas depender de sua massa. Quanto maior for a massa de uma estrela, maior ser sua luminosidade durante o perodo de pulsao, em comparao com as estrelas de pequena massa. Como a luminosidade est associada com a massa, e o perodo de pulsao tambm est associado com a massa, os astrnomos puderam deduzir uma importantssima relao entre perodo e luminosidade, a chamada relao perodo-luminosidade.

    Um desses tipos de estrelas variveis pulsantes so as chamadas vari-veis Cefeidas. As estrelas classificadas nessa categoria cada vez que pulsam

    Annie Jump Cannon (1863 - 1941), Ejnar Hertzsprung (1873 - 1967), Henrietta S. Leavitt

    (1868 - 1921) e George Willis Ritchey (1864 - 1945).

  • 110 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    mudam o valor do seu raio em cerca de 5% a 10% do valor que teriam em equilbrio. As estrelas variveis Cefeidas possuem, em mdia, perodos de variao entre 1 e 70 dias e, em geral, a amplitude de sua variao de 0,1 a 2,0 magnitudes. Ao lado mostramos o grfico de variao de magnitude de uma estrela varivel Cefeida tpica.

    Hertzsprung logo notou que conhecendo o perodo de qualquer estrela varivel Cefeida , sua luminosidade absoluta poderia ser determinada. Isso era muito bom pois os astrnomos sabiam como calcular distncias a partir das magnitudes absoluta e aparente das estrelas. Embora o mtodo que usa a relao perodo-luminosidade no fosse um mtodo direto, ele era muito mais preciso e verstil do que os mtodos estatsticos anteriores que dependiam de grandes nmeros de estrelas para ter alguma preciso.

    O mtodo de determinao de distncias baseado nas estrelas variveis Ce-feidas requer somente uma nica Cefeida associada ao objeto em estudo para permitir o clculo de sua distncia.

    Em 1917, acidentalmente, o astrnomo norte-americano George Willis Ri-tchey (imagem na pgina anterior) descobriu um dos melhores indicadores de distncia. Ritchey comeou a fazer fotografias de longa exposio de algumas das chamadas nebulosas espirais com o objetivo de descobrir se elas estavam em rotao e qual o valor de seus movimentos prprios. No dia 19 de julho de 1917, na placa fotogrfica da nebulosa espiral NGC 6946, Ritchey notou a presena de uma Nova.

    definio de nova

    Ao contrrio do que possa parecer uma Nova no uma estrela que sur-giu recentemente no cu. Uma Nova uma estrela que, de modo sbito, tem sua luminosidade aumentada em cerca de 106 vezes. Este aumento abrupto de luminosidade seguido por um decrscimo gradual que pode levar vrios meses. Os astrnomos acreditam que a Nova ocorre em sistemas binrios de estrelas muito prximas uma da outra, sendo uma delas uma estrela comum e a outra uma estrela an branca. A continua transferncia de hidrognio da estrela comum para a an branca faz com que este gs seja cada vez mais com-primido na camada mais externas da an branca. A temperatura nesta camada externa de hidrognio vai aumentando e quando chega a cerca de 107 K todo este envoltrio da estrela an branca entra em queima nuclear de modo sbito. Isto faz com que a luminosidade da estrela aumente violentamente.

    No podemos confundir Nova com Supernova. So fenmenos completa-mente diferentes.

    Analisando outra vez suas placas antigas Ritchey descobriu vrias Novas nas nebulosas espirais fotografadas anteriormente. Ao saberem desta desco-berta vrios astrnomos reexaminaram suas placas fotogrficas e, em apenas dois meses, 11 Novas j haviam sido descobertas em nebulosas espirais.

    uma curiosidade hisTrica

    George Ritchey inicialmente era construtor de mveis e mestre carpinteiro tendo mais tarde se interessado por ptica e construo de lentes e espelhos para telescpios. Ele foi um dos maiores responsveis pela construo das grandes lentes do telescpio do Yerkes Observatory (ao lado).

    Ele tambm colaborou ativamente com George Ellery Hale na construo dos espelhos de 60 e 100 polegadas dos futuros grandes telescpios do Mount Wilson Observatory (a seguir). Demitido por Hale logo aps a construo do espelho de 100 polegadas (por motivos de cimes profissionais por parte de

    Telescpio refrator de 102cm de abertura do Yerkes Observatory e telescpio refletor de 1,5m de abertura do espelho principal do Mount Wilson Observatory.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 111

    Hale), Ritchey sobreviveu vendendo limes e laranjas at ser contratado pelos franceses. No incio dos anos de 1910, na Frana, Ritchey desenvolveu, junta-mente com o astrnomo francs Henri Chrtien (18791956), um novo projeto ptico de telescpio que hoje tem o nome de telescpio Ritchey-Chrtien.

    Este modelo de telescpio foi to bem sucedido que hoje importantes instru-mentos tais como os dois telescpios de 10 metros de abertura do Keck Obser-vatory, os quatro telescpios de 8,2 metros do Very Large Telescope do European Southern Observatory (ESO), e at mesmo o telescpio de 2,4 metros do Hubble Space Telescope foram construdos segundo esse tipo de projeto ptico.

    Um dos astrnomos que mais se interessou pelas Novas observadas nas nebulosas planetrias foi Heber Doust Curtis.

    Comparando o brilho das Novas encontradas nas nebulosas espirais com o daquelas pertencentes Via Lctea ele obteve valores aproximados para as distncias a essas espirais. Segundo seus clculos as espirais que contm essas Novas esto muito afastadas do nosso sistema estelar. Isso era um forte impulso ideia de que as nebulosas espirais eram objetos localizados fora da nossa Galxia.

    Em 1916 o astrnomo holands Adriaan van Maanen realizou medies extremamente difceis de movimentos prprios de vrios pontos em uma ne-bulosa espiral. Seus resultados, mostrados na imagem abaixo, provavam que elas estavam em rotao. No entanto, os valores obtidos por van Maanen eram muito grandes. Se eles estivessem corretos e se as nebulosas espirais estives-sem to distantes como alegado por Curtis, isso faria com que a velocidade fsica das bordas dessas nebulosas espirais atingissem valores absurdamente grandes. Os resultados obtidos por van Maanen pareciam desacreditar a teo-ria dos Universos Ilhas.

    Como pode ser notado, havia uma enorme contradio entre as concluses obtidas por Curtis e por van Maanen. Nem mesmo os mtodos observacionais pa-reciam esclarecer a pergunta que todos os astrnomos faziam: as nebulosas espi-rais estavam prximas a ns ou muito distante sendo, portanto, outras galxias?

    A resposta a essa pergunta era fundamental para que pudssemos ter uma viso do que era o universo. Mas, apesar dos esforos, o impasse continuava.

    Parte do conjunto de 4 telescpios do VLT.

    Resultados obtidos por Adrian van Maanen de suas observaes de movimentos prprios.

  • 112 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    surge a relaTividade de poincar e einsTein

    At 1905, os conceitos de espao e tempo eram descritos pela chamada fsica newtoniana. Isso quer dizer que os fenmenos da natureza, da simples queda de um corpo na superfcie da Terra at a descrio dos movimentos dos corpos celestes em suas rbitas, eram descritos pelas equaes do movimento e pela teoria da gravitao universal estabelecidas por Isaac Newton.

    De acordo com as leis clssicas da fsica, formuladas por Isaac Newton no seu livro Principia em 1687, o movimento de uma partcula tinha que ser descrito em relao a um sistema de referncia inercial. Nele a partcula no estava sujeita a foras externas e, portanto, se moveria com uma velocidade constante e em uma linha reta. Segundo Newton dois referenciais inerciais podiam ser relacionados desde que eles estivessem se movendo, um em relao ao outro, em uma direo fi xa e com velocidade constante. O tempo nesses re-ferenciais inerciais iria diferir por uma constante e todos os tempos poderiam ser descritos em relao a um tempo absoluto.

    Essa teoria, criada no sculo XVII, no foi alterada at o sculo XIX quando os fenmenos eltricos e magnticos passaram a ser estudados teoricamente.

    No entanto, ao contrrio do que muitos podem pensar, o prprio Newton tinha dvidas em partes de sua teoria. Por exemplo, a fsica newtoniana nos dizia que a ao entre dois corpos era descrita por uma lei da gravitao uni-versal que ocorria como uma ao a distncia e cuja informao se propagava com velocidade infi nita.

    Vamos dar um exemplo: dois corpos esto em repouso no espao. Subita-mente um deles se desloca enquanto o outro permanece em repouso. Segundo a teoria de Newton o corpo que permaneceu em repouso sente imediatamen-te o deslocamento do outro corpo. Aqui a palavra imediatamente quer dizer instantaneamente, sem qualquer intervalo de tempo.

    Isso implica que a informao de que o primeiro corpo se moveu se pro-paga com uma velocidade infi nita. E isso entravam em contradio com ob-servaes feitas em laboratrio.

    um ter que evApOrOu

    Os fsicos j sabiam h muito tempo que o som se propagava atravs de um meio material. Isso naturalmente levou-os a postular, no fi nal do sculo XIX, que tambm deveria existir um meio material no qual a luz se propagava. Tal meio foi chamado de ter luminfero ou, simplesmente, ter.

    Grandes cientistas dessa poca, tais como Cauchy, Stokes, Th omson e Planck, aceitaram a hiptese da existncia do ter e postularam suas vrias propriedades. No fi nal do sculo XIX a luz, o calor, a eletricidade e o magne-tismo tinham seus respectivos ters.

    No entanto, medida que os pesquisadores tentavam explicar o ter e es-tabelecer suas propriedades, o que se viu foi o surgimento de uma substncia quase mgica. Segundo as teorias correntes, o ter tinha que ser um fl uido pois era necessrio que ele preenchesse o espao. No entanto, ele tambm deveria ser milhes de vezes mais rgido do que o ao, pois precisava aguentar as altas frequncias das ondas luminosas. Ao mesmo tempo o ter no podia ter mas-sa, deveria ser completamente transparente, no dispersivo, incompressvel, contnuo e no ter viscosidade!

    Nesta poca o fsico escocs James Clerk Maxwell mostrou que os fenme-nos eletromagnticos se propagavam com velocidade fi nita. Matematicamente ele mostrou que a onda eletromagntica se propagava no vcuo com a veloci-dade constante de cerca de 300000 quilmetros por segundo. Ao verifi car que

    13 surge a

    relatividade de poincar e

    Einstein

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 113

    o campo eletromagntico se propagava com uma velocidade essencialmente igual velocidade da luz (essa velocidade j havia sido medida em 1676 pelo astrnomo dinamarqus Ole Roemer), Maxwell postulou que a prpria luz era um fenmeno eletromagntico.

    Assim, a luz passou a ser entendida como uma onda eletromagntica cuja velocidade constante representada pela letra c. Isso equivalia mostrar que a luz se deslocava com uma velocidade que independia do movimento de quem a estivesse observando assim como da velocidade da fonte que a estava emitindo.

    As leis fsicas, propostas por Newton para o movimentos dos corpos, pre-via o contrrio: elas mostravam que a velocidade da luz dependia do movi-mento do observador.

    Quem estava certo: Newton ou Maxwell? E o ter? Como ele ficava nessa histria? Maxwell escreveu um artigo sobre

    o ter para a edio de 1878 da Encyclopaedia Britannica e props a existncia de um nico ter. Seu artigo narra sua prpria tentativa, sem sucesso, em me-dir o efeito do arrasto do ter provocado pelo movimento da Terra no espao. Maxwell tambm props uma maneira astronmica pela qual poderamos verificar o arrasto do ter feito pelo nosso planeta. Para isso deveramos medir a velocidade da luz usando os diferentes satlites de Jpiter quando eles esti-vessem em posies diferentes em relao a Terra.

    Impelido pelas ideias de Maxwell, o fsico Albert Abraham Michelson (nascido na Prssia e naturalizado norte-americano) iniciou uma srie de ex-perincias sobre o ter. Em 1881, ele registrou:

    O resultado da hiptese de um ter estacionrio mostrada ser incorreta, e segue a concluso necessria de que a hiptese est errada.

    Em 1886 o fsico holands Hendrik Lorentz escreveu um artigo onde cri-ticava a experincia feita por Michelson. Ele declarou que, realmente, no es-tava preocupado com o resultado experimental obtido por Michelson, que ele desprezava considerando-o ter sido resultado de experincias realizadas sem a preciso necessria.

    Michelson foi persuadido por Thomson e outros a repetir sua experincia. Ele assim o fez em 1887, dessa vez associando-se ao fsico norte-americano Edward Williams Morley. Os dois cientistas registraram, mais uma vez, que nenhum efeito de arrasto havia sido encontrado. Parecia que a velocidade da luz era independente da velocidade do observador. Michelson e Morley refina-ram a experincia e a repetiriam vrias vezes at 1929.

    A ideia da existncia de um meio material chamado ter s foi abandonada quando as transformaes Galileanas e a dinmica Newtoniana foram modi-ficadas pelas transformaes de Lorentz-FitzGerald e pela Teoria da Relativi-dade Restrita de Albert Einstein.

    As trAnsformAes de fitzGerAld-lorentz

    Sabemos hoje que as equaes que descrevem um dado fenmeno fsico, definidas em um determinado referencial, precisam permanecer inalteradas se as observamos em um outro referencial que se desloca com velocidade constante em relao ao primeiro. O conjunto de equaes que associa es-ses dois referenciais so conhecidas como transformaes de Lorentz em

    Albert A. Michelson (1852 - 1931) e Edward Williams Morley (1838 - 1923).

  • 114 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    homenagem ao fsico holands Hendrik Antoon Lorentz que as apresentou mais claramente ao mundo cientfico. Na verdade, as transformaes de Lorentz possuem diversos descobridores.

    O primeiro cientista a obter as importantes relaes que hoje conhecemos como transformaes de FitzGerald-Lorentz foi o fsico alemo Wolde-mar Voigt (1850 - 1919), em 1887. Foi ele quem, pela primeira vez, as escre-veu por extenso e mostrou que certas equaes eram invariantes sob essas transformaes.

    Hoje, com um fator de escala diferente, essas transformaes so conhe-cidas simplesmente como equaes de Lorentz ou transformaes de Lorentz. O grupo das transformaes de Lorentz nos d a geometria da rela-tividade especial. Curiosamente, a importncia dessas transformaes para o desenvolvimento dos conceitos de espao-tempo era totalmente desconhecida por Voigt, que estava pesquisando o deslocamento Doppler quando as obteve.

    Embora Voigt tenha se correspondido com Lorentz sobre a experincia de Michelson-Morley em 1887 e 1888 no parece que esse ltimo tenha tomado conhecimento dessas transformaes. Lorentz, nessa poca, estava muito pre-ocupado com a nova experincia de Michelson-Morley feita em 1887.

    Em 1889 um pequeno artigo foi publicado pelo fsico irlands George Fit-zGerald na revista Science. O artigo, The ether and the earths atmosphere, tinha menos de meia pgina e no tcnico. Nele FitzGerald mostrava que os resultados da experincia de Michelson-Morley somente poderiam ser expli-cados se:

    ...o comprimento dos corpos materiais muda, dependendo se eles esto se movendo ao longo do ter ou atravs dele, por uma quantidade que depende do quadrado da razo entre suas velocidades e aquela da luz.

    Lorentz no conhecia o artigo de FitzGerald e em 1892 props a existn-cia de uma contrao quase idntica em um artigo que agora considerava muito seriamente a experincia de Michelson-Morley. Quando Lorentz ficou sabendo, em 1894, que FitzGerald j havia publicado uma teoria similar dele, prontamente escreveu ao fsico irlands. FitzGerald replicou que realmente havia enviado um artigo para a Science, mas eu no sei se eles em algum momento o publicaram. Ele ficou feliz em saber que Lorentz concordava com ele pois eu tenho sido um tanto ridicularizado por aqui devido minha viso. Depois disso Lorentz usou cada oportunidade que surgia para agrade-cer a FitzGerald, que havia sido o primeiro a propor a ideia de contrao dos corpos materiais. Somente FitzGerald, que no sabia se seu artigo havia sido publicado, acreditava que Lorentz tinha publicado primeiro.

    Em 1897, o fsico norte-irlands Joseph Larmor publicou as transformaes de Lorentz na conceituada revista cientfica inglesa Philosophical Transactions of the Royal Society in 1897. Note que isso ocorreu dois anos antes de Hendrik Lorentz e oito anos antes de Albert Einstein. Larmor tambm foi capaz de pre-ver o fenmeno da dilatao do tempo e tambm a contrao do espao.

    Larmor escreveu um livro chamado Aether and matter (1900) no qual escreve por extenso as transformaes de Lorentz, o que ainda no havia sido feito por Lorentz, assim como a contrao do espao e a dilatao do tempo. Ele mostrou que a contrao de Fitzgerald-Lorentz era uma consequncia des-sas transformaes.

    Hendrik Antoon Lorentz (1853 - 1928).

    Joseph Larmor (1857 - 1942).

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 115

    Finalmente Lorentz escreveu por extenso as transformaes que agora tm o seu nome, sendo portanto a terceira pessoa a faz-lo. Ele ento, assim como Larmor j havia feito, mostrou que a contrao de FitzGerald-Lorentz era uma consequncia dessas transformaes.

    A reLAtividAde enGAtinhA

    O mais importante artigo relacionado com a relatividade especial publi-cado antes de 1900 foi de autoria do fsico francs Jules Henri Poincar, La mesure du temps, que apareceu em 1898. Nesse artigo Poincar diz:

    ...no temos intuio direta sobre a igualdade de dois intervalos de tempo. A simultaneidade de dois eventos ou a ordem de sua sucesso, assim como a igualdade de dois intervalos de tempo, deve ser definida de tal modo que as afirmaes das leis naturais sejam to simples quanto possvel.

    Por volta de 1900 o conceito de ter como uma substncia material estava sendo questionado. Paul Drude escreveu:

    O conceito de um ter absolutamente em repouso o mais simples e o mais natural - pelo menos se o ter concebido como sendo no uma substncia, mas meramente espao dotado de certas propriedades fsicas.

    Poincar, em sua palestra de abertura no Congresso de Paris em 1900, perguntou O ter realmente existe?. Em 1904 esse grande cientista se apro-ximou bastante de uma teoria da relatividade especial em uma palestra no International Congress of Arts and Science, em Saint Louis. Ele mostrou que observadores em diferentes sistemas de referncia tero relgios que:

    ... marcaro o que podemos chamar de tempo local...como exigido pelo princpio da relatividade o observador no pode saber se ele est em repouso ou em movimento absoluto.

    O ano em que a relatividade especial finalmente passou a existir foi 1905. O ms de junho desse ano foi muito importante para essa nova teoria. Em 5 de junho Poincar apresentou um importante trabalho, Sur la dynamique de lelectron, enquanto o primeiro artigo de Einstein sobre a relatividade foi recebido em 30 de junho. Poincar estabeleceu que parece que esta impossi-bilidade de demonstrar movimento absoluto uma lei geral da natureza. Depois de criar o nome de transformaes de Lorentz em homenagem a esse fsico, Poincar mostrou que essas transformaes, junto com as rotaes, formam um grupo, uma estrutura algbrica muito importante.

    O artigo de Einstein possui uma abordagem completamente diferente. Ele no tem como objetivo explicar resultados experimentais, mas sim mostrar a beleza e simplicidade da teoria. Na introduo Einstein diz:

    Jules Henri Poincar (1854 - 1912).

  • 116 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    ...a introduo de um ter-luz provar ser suprflua uma vez que, de acordo com a viso a ser desenvolvida aqui, nem um espao em repouso absoluto dotado de propriedades especiais ser introduzido nem um vetor velocidade ser associado com um ponto do espao vazio no qual processos eletromagnticos ocorrem.

    Referenciais inerciais so introduzidos os quais, por definio, esto em movimento uniforme um em relao ao outro. A teoria inteira baseada em dois postulados:

    1. as leis da fsica tomam a mesma forma em todos os sistemas de refe-rncia inerciais.

    2. em qualquer sistema de referncia inercial a velocidade da luz c a mesma independentemente da luz ser emitida por um corpo em re-pouso ou por um corpo em movimento uniforme.

    Einstein deduziu as transformaes de Lorentz a partir de seus dois postu-lados e, como Poincar, provou a propriedade de grupo dessas transformaes. Ele tambm deduz a contrao de FitzGerald-Lorentz e menciona o paradoxo do relgio. Einstein o chamou de teorema e afirma que se dois relgios sncronos C1 e C2 so sincronizados em um ponto A e C2 deixa A movendo-se ao longo de uma curva fechada at retornar a A, ento C2 marcar o tempo mais lentamente comparado com C1. Einstein afirma que isso no significa a existncia de qual-quer paradoxo, uma vez que C2 experimenta acelerao enquanto C1 no o faz.

    Em setembro de 1905 Einstein publicou um pequeno mas importante arti-go no qual ele provou a famosa equao

    e = mc2

    O primeiro artigo sobre a relatividade especial no escrito por Einstein apareceu em 1908 e seu autor foi o fsico alemo Max Planck. O fato da teoria da relatividade ter sido aceita por algum to importante quanto Planck fez com que ela fosse rapidamente aceita pelos fsicos da poca. Quando Einstein escreveu seu artigo de 1905, ele ainda era um especialista tcnico de terceira classe no escritrio de patentes de Berna. Tambm em 1908 Minkowski pu-blicou um importante artigo sobre relatividade, apresentando pela primeira vez as equaes de Maxwell-Lorentz na forma tensorial. Ele tambm mostrou que a teoria Newtoniana da gravitao no era consistente com a relatividade.

    As principais contribuies para a relatividade especial foram feitas, sem dvida, por Lorentz, Poincar e, certamente, pelo fundador da teoria, Eins-tein. interessante ver suas respectivas reaes em relao formulao final da teoria.

    Embora Einstein tenha gasto vrios anos pensando sobre como formular essa teoria, uma vez tendo, encontrou os dois postulados, que passaram ime-diatamente a ser naturais para ele. Einstein sempre foi relutante em aceitar que os resultados da experincia de Michelson-Morley tiveram qualquer influn-cia na sua maneira de pensar.

    A reao de Poincar ao artigo de Einstein de 1905 foi to estranha quanto a de Einstein em relao aos trabalhos do fsico francs. Quando Poincar deu uma palestra em Gttingen em 1909 sobre relatividade, ele no mencionou Einstein de modo algum. Ele apresentou a relatividade com trs postulados, o

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 117

    terceiro sendo a contrao de Fitzgerald-Lorentz. Na verdade Poincar nun-ca escreveu um artigo sobre relatividade no qual mencionasse Einstein. O prprio Einstein comportou-se de maneira similar e Poincar mencionado apenas uma vez nos artigos de Einstein. Lorentz, entretanto, foi elogiado tan-to por Einstein como por Poincar e frequentemente foi citado nos trabalhos desses dois grandes fsicos.

    O prprio Lorentz nem sempre parecia aceitar as concluses de Einstein. Em 1913 ele fez uma palestra advertindo que a teoria da relatividade havia sido aceita muito rapidamente e que no estava to seguro sobre a sua validade. Lorentz disse:

    At onde essa palestra diz respeito ele encontra uma certa satisfao na interpretao mais antiga de acordo com a qual o ter possui pelo menos substancialidade, espao e tempo podem ser rigorosamente separados, e a simultaneidade sem especificao suplementar pode ser falada. Finalmente deve ser notado que a temerria afirmao que nunca podemos observar velocidades maiores do que a velocidade da luz contm uma restrio hipottica do que acessvel a ns, uma restrio que no pode ser aceita sem algumas reservas.

    A despeito da cautela de Lorentz a teoria da relatividade especial foi rapida-mente aceita. Em 1912 Lorentz e Einstein foram propostos conjuntamente para o Prmio Nobel pelo seu trabalho na teoria da relatividade especial. A reco-mendao foi feita por Wien, o ganhador do Prmio Nobel de 1911, que disse:

    ...Embora Lorentz deva ser considerado como o primeiro a ter encontrado o contedo matemtico do princpio da relatividade, Einstein foi bem sucedido em reduzi-lo a um princpio simples. Devemos por conseguinte avaliar os mritos de ambos pesquisadores como sendo comparveis.

    Einstein nunca recebeu Prmio Nobel pela relatividade. O comit Nobel estava, a princpio, cauteloso e esperou por confirmaes experimentais. Na poca em que tal confirmao estava disponvel Einstein tinha se movido para trabalhos mais monumentais.

    O que A teOriA dA reLAtividAde especiAL?

    Os postulados sobre os quais se apoia a teoria da Relatividade Especial

    A teoria da Relatividade Especial proposta por Einstein em 1905 baseia-se em dois postulados bsicos:

    a velocidade da luz a mesma para todos os observadores, no importa quais sejam suas velocidades relativas.

  • 118 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    as leis da fsica so as mesmas em qualquer sistema de referncia inercial.

    Para entendermos melhor o que eles significam precisamos definir alguns de seus termos.

    O que um postulado?

    O dicionrio Aurlio define postulado como sendo uma proposio no evidente nem demonstrvel, que se admite como princpio de um siste-ma dedutvel, de uma operao lgica ou de um sistema de normas prticas. Postulado um fato ou preceito reconhecido sem prvia demonstrao. Isso nos diz que as duas afirmaes feitas acima no so demonstrveis. Elas foram estabelecidas por Einstein e colocadas sobre sua teoria sem terem sido deduzi-das, calculadas ou inferidas a partir de experincias.

    O que preciso para definir repouso e movimento? Na nossa vida diria comumente nos referimos a um determinado corpo

    dizendo se ele est em repouso ou em movimento. Para ns essas palavras bastam, pois so bastante bvias. No entanto, isso no visto de modo to simples pelos fsicos.

    Quando um fsico se refere a repouso ou movimento ele precisa defi-nir em relao a que sistema de referncia isso est relacionado. Duas pessoas paradas em um ponto de nibus esto em repouso uma em relao outra se considerarmos que o nosso sistema de referncia o ponto de nibus. Os nibus que passam esto em movimento para essas duas pessoas. No entanto, se voc est dentro de um nibus e considera que o sistema de referncia o nibus, voc est parado e as duas pessoas que esto no ponto de nibus esto em movimento.

    Isso nos mostra que repouso e movimento no so conceitos absolutos mas sim relativos que precisam da definio de uma sistema de referncia para que possam ser perfeitamente entendidos pelos fsicos.

    E o que movimento?

    Definimos velocidade como sendo a variao da posio de um corpo ao longo de um determinado intervalo de tempo. Por isso sempre estamos co-mentando que um carro nos ultrapassou a mais de 100 quilmetros por hora. No entanto, para os fsicos a definio de movimento no to simples. Ao dizermos que um determinado corpo est em movimento preciso que fique claro que tipo de movimento ele tem. O corpo mantm uma direo de movi-mento retilnea ou sua trajetria curva? Sua velocidade constante ou varia em intervalos de tempo?

    Quando falamos de velocidade no basta citar um nmero. Para o fsico a velocidade definida por um valor numrico e por uma direo. Quando uma grandeza fsica, tal como a velocidade, precisa de um nmero e uma direo para ser definida, dizemos que ela uma grandeza vetorial. Assim, a veloci-dade uma grandeza vetorial e nos referimos a ela como o vetor velocidade.

    Agora podemos definir velocidade relativa. Esse termo nos informa a diferena de velocidade existente entre dois corpos. Se um corpo est em re-pouso em relao a um referencial, sua velocidade zero. Ao compararmos isso com um outro corpo que se desloca a uma velocidade de 10 quilmetros por hora nesse mesmo referencial dizemos que a velocidade relativa entre esses dois corpos de 10 quilmetros por hora.

    Por outro lado, se um corpo se desloca a 30 quilmetros por hora e um se-gundo corpo se desloca a 50 quilmetros por hora, ambas medidas em relao ao mesmo sistema de referncia, precisamos conhecer a direo do movimen-

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 119

    to de cada um deles para podermos determinar sua velocidade relativa. Se eles se afastam ao longo de uma mesma reta ou seja, se eles esto se deslocando em sentidos opostos, sua velocidade relativa a soma de suas velocidades particu-lares resultando, nesse caso, em 80 quilmetros por hora. Se eles esto se apro-ximando ao longo da mesma direo ou melhor, se eles esto se deslocando no mesmo sentido, sua velocidade relativa a diferena entre suas velocidades particulares ou seja, nesse exemplo, 20 quilmetros por hora.

    E o que acelerao? A acelerao tambm uma grandeza vetorial. Ela tambm precisa de mais

    que um nmero para ser descrita. Ela precisa de um nmero e de uma direo. Por isso nos referimos sempre ao vetor acelerao. Para a fsica, a acelerao definida como a variao do vetor velocidade. Note que no foi dito que a acelerao a variao da velocidade, mas sim do vetor velocidade. Como um vetor descrito por um nmero e uma direo, basta que um desses fatores varie para que se tenha uma variao do prprio vetor. Isso quer dizer que a acelerao pode ser provocada tanto pela variao do valor numrico da velocidade como tambm pela variao de sua direo. Assim possvel ter acelerao pelo simples fato de mudar a direo do seu movimento.

    Vemos ento que um corpo que se desloca em linha reta ser acelerado se ele variar o valor numrico da sua velocidade, mas mantiver a mesma trajet-ria. No entanto, se o corpo comea a descrever uma curva, ele estar acelerado uma vez que, mesmo mantendo o valor numrico de sua velocidade, ele estar variando a direo da velocidade!

    AnALisAndO Os pOstuLAdOs dA reLAtividAde especiAL

    Primeiro postulado:

    a velocidade da luz a mesma para todos os observadores, no importa qual seja a sua velocidade relativa. Este postulado nos diz que independente da velocidade que o observador

    possua em valor. Vimos anteriormente que a velocidade relativa entre dois corpos que se deslocam ao longo de uma mesma direo podia ser dada pela soma ou subtrao de suas velocidades particulares, dependendo se eles esto se deslocando no mesmo sentido ou no. No caso do feixe luminoso isso no ocorre.

    Ao se aproximar de um feixe luminoso ser verificado que ele possui uma velocidade c. Ao se afastar do feixe, ser constatada a mesma velocidade c. Seja qual for a velocidade e seja qual for a direo, o deslocamento sempre ir me-dir a mesma velocidade c para o feixe luminoso. A velocidade da luz no vcuo independente do movimento de todos os observadores e possui o mesmo valor constante de 300000km/s.

    Segundo postulado:

    As leis da fsica so as mesmas em qualquer sistema de referncia inercial.

  • 120 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    Vamos supor que um pesquisador observa uma partcula em um determi-nado referencial inercial ou seja, um sistema de referncia no acelerado que neste caso consideramos estar se movendo com uma determinada velocidade constante v. Esse postulado de Einstein nos diz que as leis da fsica observadas por esse pesquisador sero exatamente as mesmas que aquelas observadas por um outro pesquisador que esteja em repouso ou melhor, parado, em relao a esse sistema de referncia.

    Ao dizer que as leis da fsica so as mesmas para todos os observadores que no esto acelerados (ou de outra forma, que esto descrevendo um fenme-no em um sistema de referncia inercial), este postulado explica vrios fenmenos da nossa vida diria: porque conseguimos beber um copo de gua em um veculo que se move com velocidade constante e nos molhamos todo se ele acelera? A teoria da relatividade restrita nos mostra que se algo feito em um veculo em movimento retilneo e uniforme (velocidade constante) o resultado obtido ser o mesmo se fizermos a ao em um veculo que est em repouso (parado).

    No entanto, se o veculo acelera (e isso pode ocorrer tanto mudando o valor de sua velocidade como mudando a direo em que ele se desloca) as duas experincias j no daro o mesmo resultado. Agora sabemos porque quando se est em p dentro de um nibus que se move com velocidade constante no necessrio segurar naquele ferro que fica no teto do nibus. No entanto, quando o motorista acelera o coletivo, voc lanado para a frente.

    ObjetOs reLAtivsticOs e nO reLAtivsticOs

    Para os fsicos mais comum usar o termo partculas do que objetos e isso que faremos a partir desse momento.

    Afinal, o que diferencia um corpo relativstico de um no relativstico? Para os cientistas todas as partculas (ou objetos) cujas velocidades sejam compar-veis velocidade da luz so consideradas relativsticas. Isso quer dizer que ao dividirmos a velocidade v do corpo pela velocidade c da luz o resultado deve ser bem prximo a 1. Dizemos ento que um objeto relativstico se (v/c) ~ 1.

    No entanto, as partculas cujas velocidades so muito menores do que a ve-locidade da luz so consideradas no-relativsticas. Nesse caso a razo entre essas duas velocidades bem menor que 1 ou seja (v/c) tambm bem menor que 1.

    A mudAnA nOs cOnceitOs de espAO e tempO

    Os dois postulados da teoria da relatividade modificam radicalmente nossa concepo de espao e tempo. Deixamos para trs os conceitos New-tonianos de espao e tempo como entidades separadas e passamos a pensar o espao e tempo como entidades que funcionam conjuntamente. No h mais espao e tempo na fsica relativstica mas sim espao-tempo, uma entidade nica.

    A introduo do espao-tempo como algo nico significa que os dois conceitos no devem (e no podem) ser examinados separadamente. Isso nos traz alguns fenmenos curiosos. Por exemplo, ao contrrio do que Newton dizia, eventos que ocorrem simultaneamente para um observador podem ocorrer em momentos diferentes para um outro observador. O conceito de simultaneidade, que era um conceito absoluto na teoria Newtoniana, passa a ser relativo na teoria de Einstein. Isso nos leva a fenmenos intrigantes tais como a contrao do espao e a dilatao do tempo.

  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 121

    Um outro fenmeno explicado pela teoria da relatividade o deslocamento mais lento do tempo quando medido em um referencial que est se movendo. Ela nos diz que cada observador inercial tem seu prprio tempo pessoal que chamado de tempo prprio. O tempo prprio o valor temporal medido por um relgio que est acoplado a um observador inercial ou seja, no mesmo referencial que ele. Isso nos leva a situaes tipicamente relativsticas na qual dois observadores, que inicialmente tm as mesmas idades como registradas por seus tempos prprios, tero idades diferentes quando se encontrarem de novo depois de viajarem por diferentes trajetrias no espao-tempo.

    Dizemos em relatividade que cada um de ns descreve durante sua vida uma trajetria no espao-tempo que uma linha do universo. Cada um de ns (que o mesmo que dizer todo e qualquer evento fsico no universo) possui uma linha do universo, a descrio temporal de todos os fatos que acontece com o objeto. A cada um dos fatos que ocorrem durante a nossa existncia (o que o mesmo que dizer qualquer fato que ocorre a qualquer momento no mundo fsico) damos o nome de evento.

    surge a Teoria relaTivsTica da graviTao

    Einstein e a gravitao A teoria da gravitao universal apresentada por Isaac Newton funcionava

    extremamente bem nos problemas apresentados pela mecnica clssica. Havia muito pouco motivo para question-la. No entanto uma pergunta permanecia na mente dos cientistas: no processo de interao gravitacional entre dois cor-pos como podemos explicar que cada um deles saiba que o outro est presente?

    Alm disso, qual seria o comportamento das equaes que descrevem os fenmenos fsicos da natureza se o processo descrito estivesse ocorrendo no em um sistema inercial mas sim num sistema arbitrrio de coordenadas?

    Como vimos acima, as leis da fsica conhecidas at agora, e que eram des-critas tanto pela fsica Newtoniana como pela teoria da relatividade especial somente eram vlidas em um conjunto restrito de sistemas de coordenadas conhecido como sistemas de referncia inerciais.

    Em 1900 hendrik Antoon Lorentz conjecturou que a gravitao pode-ria ser atribuda a aes que se propagavam com a velocidade da luz. henri poincar, em um artigo de julho de 1905 enviado para a revista alguns dias antes do trabalho de Einstein sobre a relatividade restrita, sugeriu que todas as foras deviam se transformar de acordo com as chamadas transformaes de Lorentz-Fitzgerald. Ele tambm afi rmou que, se essa regra verdade, a lei de Newton da Gravitao no mais vlida pois ela no a obedece. Poincar tambm props a existncia de ondas gravitacionais que se propagavam com a velocidade da luz.

    Em 1907, dois anos aps ter apresentado sua teoria da relatividade restrita, Einstein estava preparando um artigo de reviso sobre essa teoria. Durante esse trabalho ele fi cou curioso em saber como a gravitao Newtoniana te-ria que ser modifi cada para se ajustar dentro da estrutura da sua teoria da relatividade especial. Neste momento ocorreu a Einstein o que ele mesmo descreveu como o mais feliz pensamento de minha vida ou seja, que um observador que est caindo do telhado de uma casa no sente o campo gravi-tacional. Como consequncia disso ele props ento o chamado princpio da equivalncia:

    O princpio da equivalncia o responsvel pela sensao que temos quan-do estamos dentro de um elevador que desce em grande velocidade. Todos sentimos como se estivssemos sendo puxados para cima, como se fossemos ser tirados do cho do elevador. Na verdade, se o elevador romper seus cabos

    14 a teoria da gravitao relativstica:

    Hilbert e Einstein

    Hendrik Antoon Lorentz (1853 - 1928).

    Existe uma completa equivalncia fsica entre um campo gravitacional e a correspondente acelerao do sistema de referncia. Esta suposio estende o princpio da relatividade para o caso de

    movimento uniformemente acelerado do sistema de referncia.

  • 122 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    e despencar em queda livre por uma distncia suficientemente longa, a pessoa ir flutuar dentro dele e, no final, ir cair com violncia no poo do elevador.

    Depois de criar o princpio da equivalncia em 1907, um importante passo, Einstein no publicou nada mais sobre gravitao at 1911. Ele sabia desde 1907 que um raio luminoso se curvaria na presena de um campo gravita-cional forte. Esse encurvamento da luz era uma consequncia do princpio da equivalncia, mas era difcil fazer uma verificao experimental disso por meio de observaes terrestres.

    Em 1911 Einstein compreendeu que a curvatura do raio luminoso em um campo gravitacional poderia ser verificada por meio de observaes astronmicas.

    Tambm foi discutido nessa poca o deslocamento para o vermelho gra-vitacional, o redshift gravitacional, que ocorre quando o comprimento de onda da luz que sai de um corpo de grande massa (uma estrela por exemplo) deslocado na direo do vermelho devido perda de energia necessria para escapar do campo gravitacional do corpo.

    Einstein publicou outros artigos sobre gravitao em 1912. Nestes ele com-preendeu que as transformaes de Lorentz no se aplicariam na estrutura mais geral que ele estava desenvolvendo. Ele tambm notou que as equaes do campo gravitacional estavam limitadas a no ser lineares e o princpio da equivalncia parecia ocorrer somente localmente.

    Nessa poca Einstein verificou que se todos os sistemas acelerados so equivalentes, ento a geometria Euclidiana no pode ser usada em todos eles. Lembrando o estudo da teoria das superfcies de Gauss que havia feito quando estudante, Einstein logo compreendeu que os fundamentos da geometria ti-nham significado fsico.

    Ele consultou seu amigo, o grande matemtico hngaro marcell Gros-mann, que prontamente lhe mostrou os importantes desenvolvimentos que haviam sido feitos em geometria pelos alemes bernhard riemann e elwin christoffel, o noruegus sophus Lie e os italianos Gregorio ric-ci-curbastro e tullio Levi-civita, alguns dos nomes mais importantes da matemtica naquela poca. Pode-se dizer que foi Marcell Grossmann quem descobriu a importncia que o clculo tensorial desenvolvido por esses mate-mticos teria para a futura teoria da relatividade geral de Einstein.

    Em 1913 Einstein e Grosmann publicaram um artigo juntos (Entwurf einer verallgemeinerten Relativittstheorie und der Theorie der Gravitation, Zs. Math. und Phys., 62, 225 (1913)) onde o clculo tensorial desenvolvido por Ricci e Levi-Civita empregado. Grosmann mostrou a Einstein o tensor de Riemann-Christoffel, ou tensor de curvatura, que junto com o tensor de Ricci, que deduzido a partir dele, iriam se tornar ferramentas importantes na futura teoria relativstica da gravitao. Embora a teoria apresentada estivesse

    Marcell Grosmann (1878 - 1936), Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826 - 1866), Elwin Christoffel (1829 - 1900) e Sophus Lie (1842 - 1899).

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 123

    ainda errada, pela primeira vez a gravitao era descrita por um tensor mtri-co, o que significava um grande avano.

    Em outubro de 1914 Einstein escreveu um artigo em que metade dele um tratado sobre anlise tensorial e geometria diferencial. Esse artigo fez com que fosse iniciada uma correspondncia entre Einstein e Levi-Civitta na qual o grande matemtico italiano apontou erros tcnicos no trabalho sobre tensores apresentado por Einstein. Einstein estava maravilhado em ser capaz de trocar ideias com Levi-Civitta, um matemtico muito mais receptivo s suas ideias sobre a relatividade do que um grande nmero de seus colegas fsicos.

    Na segunda metade de 1915 Einstein finalmente aprontou sua teoria. En-tretanto, o passo final para a teoria da relatividade geral foi tomado por Eins-tein e david hilbert quase ao mesmo tempo.

    Ambos haviam reconhecido falhas no trabalho de Einstein publicado em outubro de 1914. Uma correspondncia entre estes dois cientistas ocorreu em novembro de 1915. difcil saber quanto um deles aprendeu com o outro mas o fato de ambos descobrirem a mesma forma final das equaes do campo gravitacional e publicarem seus artigos com um intervalo de apenas alguns dias, certamente indica que a troca de ideias entre eles foi valiosa.

    No dia 20 de novembro de 1915 David Hilbert submeteu seu artigo, com o ttulo Os fundamentos da fsica, (Die Grundlagen der Physik, Nachr. Knigl. Gesellsch. Wiss. Gttingen, math.-phys. Kl. 1915, Heft 3, p. 395), a publicao. Nesse artigo Hilbert obtinha as equaes de campo corretas para a gravitao. Cinco dias depois de Hilbert, no dia 25 de novembro de 1915, Albert Einstein submeteu seu artigo, Die Feldgleichungen der Gravi-tation, sobre a teoria da gravitao. Em 1916 Einstein publicou outro arti-go, Die Grundlage der allgemeinen Relativittstheorie (Ann. Phys. (Leipzig), 49, 769, 1916), onde ampliava sua discusso sobre o assunto. A teoria relativstica da gravitao era apresentada ao mundo cientfico em duas brilhantes verses.

    O artigo de Hilbert contm algumas importantes contribuies rela-tividade no encontradas no artigo de Einstein. Hilbert aplicou o princpio variacional gravitao e atribuiu a emmy noether (imagem a seguir) a descoberta de um dos principais teoremas que dizem respeito a identidades que aparece no seu artigo.

    Na verdade o teorema de Emmy Noether s foi publicado com uma de-monstrao em 1918 em um artigo que ela escreveu sob seu prprio nome (nessa poca mulheres no tinham acesso Academia de Cincias e Emmy Noether entregava seus artigos para serem lidos perante os acadmicos por algum de seus colegas homens). O teorema proposto por Noether se tornou uma ferramenta vital na fsica terica. Um caso especial do teorema de Noe-

    David Hilbert (1826 - 1943).

  • 124 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    ther foi escrito por hermann Weyl (1885-1955) em 1917 quando o utilizou para deduzir identidades que, mais tarde foi verificado, j haviam sido inde-pendentemente descobertas por Ricci em 1889 e por Luigi bianchi, aluno do matemtico alemo Felix Klein (1849-1925), em 1902.

    pensando alm de neWTon

    Aps dez anos de intenso trabalho intelectual, Einstein conseguiu com su-cesso traduzir sua intuio fsica sobre o comportamento da natureza em uma teoria matemtica que nos descrevia o movimento livre em espaos-tempo curvos. Nascia ento a teoria da relatividade geral que por ser na verdade uma teoria da gravitao iremos cham-la de teoria relativstica da gra-vitao (TRG).

    Nosso problema em aceitar o conceito de espao curvo derivado do fato de que nossa vida diria est associada a uma geometria plana, a cha-mada geometria Euclidiana. ela que aprendemos nos cursos mais bsicos e usamos na vida diria: quem no sabe que a soma dos ngulos internos de um tringulo igual a 180o? Um mestre de obras dir que isso verdade sem fazer qualquer meno geometria Euclidiana. Ele sabe, pela sua prtica di-ria, que isso verdade. Em uma geometria curva (ela existe e foi construda por Bolyai, Lobatchevsky, Riemann e outros geniais matemticos) a soma dos ngulos de um tringulo pode ser maior ou menor que 180o!

    Mas porque Einstein complicou a histria? Porque ele no fez sua teoria usando a geometria Euclidiana? Esse o ponto mais nobre da TRG. Para Eins-tein o espao-tempo descrito pela TRG se torna curvo em resposta aos efeitos da matria que existe no universo. Vamos usar como exemplo o nosso Sistema Solar. A TRG nos diz que um corpo com massa como, por exemplo, o nosso Sol, faz com que o espao-tempo em torno dele se curve. Essa curvatura, por sua vez, afeta o movimento dos planetas obrigando-os a descrever rbitas em torno do Sol.

    Essa uma abordagem completamente diferente daquela usada por Isaac Newton para descrever os efeitos da gravitao universal e que foi aceita como verdadeira e nica at o sculo XX. Newton descrevia a gravidade como uma fora. Isso quer dizer que dois corpos massivos, independentes dos valores relativos de suas massas, por exemplo a Terra e uma ma, exer-ciam uma ao mtua, um sobre o outro: a Terra atraia gravitacionalmente a ma e essa atraia gravitacionalmente a Terra. Isso resultava da maneira como Newton apresentou sua lei da gravidade. Se a ma estivesse em re-pouso no galho da macieira e, por um motivo qualquer esse equilbrio fosse rompido ou seja, a ma casse, ela seria atrada na direo do centro da Terra e pararia na sua superfcie. Ela s no atingiria o centro da Terra por ser impedida durante o seu percurso (a crosta e toda a estrutura interior do nosso planeta). Como j vimos as leis de Newton explicavam em detalhes no apenas a queda de mas mas tambm os movimentos dos planetas em torno do Sol e dos satlites em torno dos planetas.

    Em resumo, a TRG uma teoria que nos diz que o espao e o tempo so quantidades dinmicas que podem se curvar em resposta aos efeitos da mat-ria. Por outro lado, o espao-tempo pode alterar o comportamento da matria.

    as primeiras solues das equaes relaTivsTicas da graviTao

    As leis da teoria relativstica da gravitao so formuladas de uma ma-neira que as torna igualmente vlidas em qualquer sistema de referncia.

    Luigi Bianchi (1856-1928).

    Emmy Amelie Noether (1882-1935).

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 125

    Essas leis relativsticas gerais conectam matria e energia com a estrutura geomtrica do espao-tempo. A TRG uma teoria matematicamente muito mais complexa do que a teoria clssica da gravitao, aquela proposta por Isaac Newton e que permaneceu intocada por tanto tempo. Enquanto a te-oria Newtoniana descrita por uma nica equao, a teoria relativstica da gravitao, devido s suas caractersticas matemticas, descrita por um conjunto de 10 equaes.

    Apesar das dificuldades matemticas, logo depois dos artigos de Einstein e Hilbert com as equaes de campo corretas, o fsico alemo Karl schwar-zschild obteve, em 1916, uma soluo matemtica para as equaes que corresponde ao campo gravitacional de um objeto compacto esfericamente simtrico. Pela primeira vez era obtida uma soluo exata das equaes de campo da gravitao relativstica para surpresa de Einstein que no acreditava que isso pudesse ocorrer to cedo.

    Na poca o resultado apresentado por Schwarzschild foi considerado como um exerccio puramente terico. No entanto, anos mais tarde, veri-ficou-se que esta soluo descrevia uma estrela relativstica e, deste modo, inaugurava-se uma nova rea de pesquisa em astrofsica, a astrofsica re-lativstica. Todos os trabalhos que hoje vemos sobre estrelas de nutrons, pulsares e buracos negros se apoiam inteiramente nas solues obtidas por Karl Schwarzschild.

    Hoje conhecemos muitas solues das equaes relativsticas do campo gravitacional. Algumas dessas solues esto associadas a estranhos corpos celestes. Por exemplo, a prpria soluo obtida por Schwarzschild nos intro-duz o conceito de buracos negros. Uma outra soluo, conhecida como solu-o de Kerr nos descreve buracos negros em rotao.

    Logo os cientistas comearam tambm a investigar se a TRG poderia ser usada para descrever o universo. Haveria alguma soluo das equaes da TRG que pudessem ser cosmolgicas ou seja, descrever a estrutura geomtrica global do espao-tempo?

    Muitas solues das equaes relativsticas do campo gravitacional nos do as chamadas solues cosmolgicas, ambiciosos resultados que descre-vem possveis estruturas geomtricas para o Universo.

    A evOLuO dO cOnhecimentO sObre GrAvitAO

    Ao contrrio do que muitos declaram, a teoria relativstica da gravi-tao no surgiu do nada. Sua elaborao uma longa histria de erros e acertos que se alternaram at que, em um determinado momento, cien-tistas conseguiram estabelecer a forma correta final que ela deveria ter. Como qualquer outra teoria descoberta na fsica, a construo da teoria da relatividade geral se apoiou em conhecimentos previamente estabeleci-dos ou, como disse muito bem Isaac Newton, ela foi criada sobre os om-bros de gigantes. Isso de modo algum uma tentativa de tirar o mrito cientfico de Albert Einstein, mas preciso desmistificar a histria e acei-tar que muitos outros grandes nomes da fsica participaram do problema e contriburam para a sua soluo.

    Observao feita pelo Hubble Space Telescope de uma estrela de nutron.

    teoria da relatividade geral = teoria da gravitao de einstein = teoria relativstica da gravitao

  • 126 Mdulo 2 Conhecendo o Universo em que vivemos

    a proibio da dinmica: universos esTTicos

    Desde os tempos mais antigos os pensadores que ousaram descrever o universo acreditavam que ele era essencialmente imutvel. At mesmo New-ton acreditava que o universo era sempre o mesmo se o estudssemos no localmente, porm sob o ponto de vista mais amplo possvel. claro que ocorriam fenmenos no universo que mudavam coisas, mas isso o afetava apenas localmente e no o perturbava de um modo geral. O nascimento ou morte dos seres vivos na Terra, o movimento dos astros e at mesmo a explo-so de uma estrela eram vistos como fenmenos locais. O universo permane-cia inalterado, exatamente como ele sempre foi. Isso era descrito dizendo-se que o universo era esttico.

    As equaes da teoria relativstica da gravitao descrevem a natureza do espao-tempo e isso logo levou os pesquisadores a perguntar o que elas pode-riam dizer sobre a estrutura do prprio universo ou seja, a estrutura do espa-o-tempo sob o maior ponto de vista possvel. Isso o domnio da Cosmologia.

    o universo esTTico de einsTein

    Tanto Albert Einstein como outros pesquisadores logo se dedicaram a essa tarefa ambiciosa. Em 1917, um ano aps Einstein ter divulgado as equaes da TRG em sua forma fi nal, para sua surpresa, verifi cou-se que as equaes da TRG no tinham solues estticas quando estudadas em esca-las cosmolgicas. Dito de outro modo, as equaes da TRG previam que o universo no era esttico: ele era dinmico e deveria estar ou se expandindo ou se contraindo.

    A concluso de que o universo deveria ser dinmico e no esttico de-sagradou Einstein. Mas havia um problema com o modelo de universo esttico: a TRG mostrava que modelos contendo matria no podiam ser es-tticos. Se o universo fosse esttico desde o seu incio, a atrao gravitacional da matria faria todos os corpos existentes colapsarem sobre si mesmos. Isso parecia ridculo, pois no havia qualquer razo que justifi casse um espao to instvel.

    Para Einstein tudo isso era implausvel e ele imediatamente decidiu mo-difi car sua teoria a fi m de obrigar a existncia de uma soluo cosmolgica esttica mas estvel. Para isso Einstein alterou as equaes de campo da TRG introduzindo um termo que foi chamado de constante cosmolgica e repre-sentada pela letra grega lambda maiscula (). Sua funo era fornecer solu-es cosmolgicas estticas estveis. Essa constante cosmolgica agia como uma fora repulsiva que se opunha ao da fora gravitacional. Ajustando o valor dessa constante cosmolgica era possvel contrabalanar a ao da gra-vidade que resulta de uma distribuio uniforme de matria. Se essa constante fosse diferente de zero, o modelo esttico com matria no colapsaria sob sua prpria gravidade.

    Einstein considerava que essa constante cosmolgica era somente um termo hipottico. Segundo ele, essa constante no era exigida pela teoria nem parecia natural de um ponto de vista terico. Ele declarou que esse ter-mo necessrio somente para o propsito de tornar possvel uma distribuio quase-esttica de matria.

    Em resumo, o modelo proposto por Einstein para o universo continha ma-tria uniformemente distribuda. A geometria do espao era esfrica ou seja, o espao era uniformemente curvado. Seu universo era de natureza esttica: ele no estava se alterando, nem expandindo e nem colapsando.

    15 O universo

    esttico de Einstein e de sitter

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 127

    de siTTer e o universo esTTico sem maTria

    No mesmo ano em que Einstein apresentou seu modelo de universo est-tico, o astrnomo holands Willem de Sitter tambm props um modelo de universo, completamente diferente daquele apresentado por Einstein.

    O universo de de Sitter era isotrpico e, para ser esttico, no podia conter qualquer quantidade de matria!

    O universo de de Sitter poderia ter sido considerado uma mera curiosida-de matemtica pelos astrnomos (ele exigia a no existncia de matria, no entanto todos sabemos que o universo preenchido por matria na forma de nebulosas, estrelas, galxias, etc.) se no fosse por uma propriedade muito in-teressante. Se fosse lanado um punhado de partculas dentro desse universo elas se comportavam de uma maneira estranha: elas pareciam estar se afas-tando umas das outras. Isso foi interpretado como tendo alguma relao com os resultados de redshift obtidos por Slipher e por muito tempo foi chamado de efeito de Sitter.

    Os argumentos parecem se contradizer, pois foi dito que o universo o todo de matria e energia existentes e agora dito que possvel jogar algo dentro do universo? Onde estava essa matria at agora? Pior ainda, para jogar alguma coisa dentro do universo preciso estar