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MÓDULO 3: TÉCNICAS DE CUIDADO INTEGRAL EM SAÚDE
ÂNGELA MACHADO
LUIZ FERNANDO CHAZAN
São Luís-MA 2016
APRESENTAÇÃO
Prezado aluno,
Este módulo visa apresentar as técnicas de manejo profissional para a
abordagem ao paciente e família considerando os aspectos relacionados a
prática da integralidade a partir do modelo de cuidados colaborativos em saúde
mental.
Além disso, será abordado os grupos interdisciplinares, a importância dos
cuidados com a família e a sua participação para o desenvolvimento de ações
que visam a assistência ao paciente bem como a apresentação de alguns
instrumentos importantes para avaliação familiar.
Como forma de apresentar os recursos existentes, utilizaremos como estratégia
de aprendizagem um caso clínico.
Esperamos que o conteúdo deste módulo contribua para sua prática de trabalho
e melhor assistência aos usuários dos serviços de saúde.
Bom trabalho!
OBJETIVO Apresentar as técnicas de cuidado integral em saúde relacionados ao manejo
do paciente e das famílias atendidas pelas equipes de saúde da atenção
primária.
MÓDULO 3
1 INTRODUÇÃO
Neste módulo serão apresentadas as técnicas de cuidado integral na
abordagem ao paciente. Para apresentar esta temática, será utilizado um caso
clínico através do qual serão contemplados os principais conceitos relacionados
ao assunto.
Caso clínico:
1. Dados pessoais
Nome: Angélica dos Santos Lima
Idade: 33 anos
Natural de Pernambuco
Empregada doméstica, diarista
Casada com Marcelo (40 anos) há 15 anos
Possui três filhos: Joaquim (12), Marcia (9) e Rodrigo (7)
Considera-se evangélica, mas diz não frequentar igreja assiduamente.
2. Antecedentes pessoais e familiares
A família mora em uma comunidade do Rio há cerca de um ano, a convite
de uma prima do marido de Angélica (Solange), que já morava lá. A família
saiu do Nordeste há cinco anos para tentar uma vida melhor, pois o marido
de Angélica, encanador, estava desempregado. Os pais dela ficaram em
Pernambuco (interior). Seu pai era hipertenso e alcoolista, e faleceu de
acidente vascular cerebral (AVC); a mãe é viva, mas sofre de demência.
Quando criança Angélica testemunhou cenas de violência familiar entre os
pais.
3. História da doença atual (HDA)
Apesar de cadastrada na HDA, Angélica não conhece seu agente
comunitário de saúde (ACS) (Claudio), não gosta de receber visitas de
“estranhos” e, desde que chegou ao Rio, entendia não ter razão para ver
um médico. Mesmo desconfiada do atendimento que vai receber, vai à
unidade pela primeira vez, em busca de ajuda, por demanda espontânea,
referindo forte dor de cabeça (frequente e na nuca); desânimo; dor lombar;
cansaço; fraqueza, diz que seu sangue deve estar “ruim” (pede um exame
de sangue) e, às vezes, sente vontade de sumir (sem ideação suicida).
Considera-se muito preocupada.
(1) Não pode adoecer diante da possibilidade de tornar-se hipertensa,
como seu pai. Seu salário é atualmente a única fonte de renda da família,
por isso ela não pode ficar acomodada. Trabalha em três residências e
busca outra para aumentar sua renda.
(2) O marido está desempregado há mais de dois anos e, desde então,
bebe excessivamente. Há três meses piorou tanto a compulsão por bebida
que nem bicos consegue fazer. Várias vezes, por estar muito embriagado,
ele precisou da ajuda de amigos para chegar em casa, e, no dia seguinte,
sente-se envergonhado diante da família. Angélica teme que seu marido
fique violento, a exemplo do pai dela em relação à mãe, mas, ao mesmo
tempo, sente pena dele.
(3) Os filhos de Angélica ficam sozinhos em casa durante um turno, pois
não há escolas em tempo integral na comunidade onde vivem. Diante
disso, ela se preocupa com o filho mais velho, Joaquim, de 12 anos, que
anda com más companhias.
Acredita que o motivo de grande parte de seus problemas é castigo de
Deus por não ir à igreja local com frequência.
- Exame físico: 150/95 mmHg e sobrepeso (1,65 cm e 75 kg).
QUESTÃO NORTEADORA: Como é o cuidado que a unidade deve oferecer à
paciente nesse primeiro contato?
RESPOSTA:
2 O QUE É O CUIDADO EM SAÚDE?
O “Cuidado” tem um significado que transfere um determinado conceito
para a maioria das pessoas, mas será que essa concepção é a mais fiel à
prática? Qual a sua extensão e profundidade? O que um profissional de saúde
precisa conhecer para além do senso comum? Aqui serão respondidas algumas
dessas perguntas, porém este um tema amplo e que não deve ser esgotado
aqui. É importante que você acesse os links e discuta com seus pares,
principalmente em reuniões de equipe.
A FÁBULA-MITO DO CUIDADO (Fábula de Higino)
Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma
ideia inspirada. Tomou um pouco de barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto
contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter.
Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado.
Quando, porém Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter
o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome.
Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Quis
também ela conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do
corpo da terra. Originou-se então uma discussão generalizada.
De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou
a seguinte decisão, que pareceu justa:
"Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por
ocasião da morte dessa criatura.
Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta o seu corpo
quando essa criatura morrer.
Mas como você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob
seus cuidados enquanto ela viver.
E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu:
esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra
fértil".
Todo o cuidado implica na relação entre alguém que cuida e alguém que
é cuidado. É uma relação de mão dupla. Veja o quadro abaixo:
CUIDADO É UMA AÇÃO QUE PRESSUPÕE:
(1) O reconhecimento das necessidades de quem é cuidado.
(2) O atendimento a essas necessidades nos diferentes níveis de
complexidade e categorias, sejam elas biológicas, psicológicas, culturais ou
sociais.
(3) Atenção.
Dificilmente essas categorias estão dissociadas, porém o foco pode ser
dado onde a necessidade for maior.
Para o cuidado ser possível é necessária uma comunicação eficaz. Quem
cuida só pode fazê-lo se aquele que é cuidado comunicar suas necessidades.
Watzlawick; Beavin; Jackson (1981), em “A Pragmática da Comunicação
Humana”, dizem que existem cinco axiomas da comunicação:
1. É impossível não se comunicar: Todo o comportamento é uma forma de comunicação. Como não existe forma contrária ao comportamento (‘não comportamento’ ou ‘anticomportamento’), também não existe ‘não comunicação’. Então, é impossível não se comunicar.
2. Toda comunicação tem um aspecto de conteúdo e um aspecto de relação: isso significa que toda comunicação tem, além do significado das palavras, mais informações. Essas informações são a forma do comunicador dar a entender a relação que tem com o receptor da informação.
3. A natureza de uma relação depende da pontuação das sequências comunicacionais entre os comunicantes: tanto o emissor como o receptor estruturam essa comunicação de forma diferente, e dessa forma interpretam o seu próprio comportamento durante a comunicação dependendo da reação do outro.
4. Os seres humanos comunicam-se de forma digital e analógica: para além das próprias palavras, e do que é dito (comunicação digital), a forma como é dito (a linguagem corporal, a gestão dos silêncios, as onomatopeias) também desempenham uma enorme importância - comunicação analógica.
5. As permutas comunicacionais são simétricas ou complementares, segundo se baseiem na igualdade ou na diferença.
Michel de Montaigne já dizia que a palavra é metade de quem fala e
metade de quem ouve.
A palavra inteira nasce quando se sabe e faz-se
saber o que o interlocutor ouviu e o que foi entendido do
que ele disse.
É comum que o profissional de saúde, por deter um conhecimento
específico, deprecie o relato dos pacientes. Essa postura reduz a possibilidade
de um entendimento, pois quando o profissional ouve com o mesmo empenho
que quer ser ouvido, possibilita um diálogo com menos chances de equívocos.
A consulta deve ser vista como um cuidado em relação. Significa que os
resultados esperados desse cuidado serão influenciados pela relação
estabelecida entre o médico (profissional de saúde) e o paciente, e é de grande
importância o modo como a dupla mantém o processo de comunicação entre si.
Dessa forma, a comunicação permite aflorar a subjetividade dos
participantes, que, ambos, passam a ser sujeitos do cuidado (LEITE; CAPRARA;
COELHO FILHO, 2007).
O ser humano é essencialmente um ser relacional. Para ocorrência do
processo de socialização ao qual passam todos os seres humanos, é exigida a
presença do outro.
A relação terapêutica pode ser vista como um processo que envolve duas
ou mais pessoas em um ambiente profissional, visando o mesmo objetivo: o
tratamento terapêutico.
2.1. Integralidade no cuidado
QUESTÃO NORTEADORA: O modelo de cuidado em saúde, proposto no Brasil,
tem como um dos seus princípios a integralidade. Descreva como você aplicaria
esse modelo no caso da personagem Angélica.
RESPOSTA:
A escuta e o olhar atento são elementos essenciais para a integralidade
da atenção.
Mattos (2004, p.1415), ao discutir os sentidos da integralidade, ressalta a
importância da recusa ao reducionismo no cuidado à saúde, acentuando que:
Nós, os profissionais de saúde, detemos um vasto conhecimento sobre as doenças e os sofrimentos por elas causados, bem como sobre certo número de ações capazes de interferir em algum grau sobre o modo de andar a vida estreitado pela doença. É esse conhecimento que nos permite atuar diante de um sofrimento assistencial. Mas, na perspectiva da integralidade, não devemos reduzir um sujeito à doença que lhe provoca sofrimento. Ao contrário, manter a perspectiva da intersubjetividade significa que devemos levar em conta, além dos nossos conhecimentos sobre as doenças, o conhecimento (que não necessariamente temos) sobre os modos de andar a vida daqueles com quem interagimos nos serviços de saúde. Isso implica a busca de construir, a partir do diálogo com o outro, projetos terapêuticos individualizados.
Esse autor considera a possibilidade de articular ações preventivas e
assistenciais pelos profissionais em um duplo movimento e ressalta:
Importância da apreensão ampliada das necessidades de saúde.
Contextualização do sofrimento, da doença e das propostas de
intervenção na vida de cada um.
Elaboração dos projetos terapêuticos.
Os projetos terapêuticos, na perspectiva da integralidade, consideram
que as ações voltadas para a prevenção não são produtos da simples aplicação
dos conhecimentos sobre a doença, emergem do diálogo (negociação) entre
profissionais de saúde e os usuários dos serviços de saúde.
Pinheiro; Mattos (2001) sugerem organizar o princípio da integralidade em
três grandes conjuntos de sentidos.
1. Atributos das práticas dos profissionais de saúde
A integralidade é exercida por meio da compreensão do conjunto de
necessidades de ações e serviços de saúde que um paciente requer ao buscar
a atenção do profissional. A integralidade é vista como um atributo que deveria
2. Características da organização dos serviços
Os serviços de saúde organizados exclusivamente para dar conta de doenças
de uma população tornaram-se inaceitáveis e deveriam estar aptos a realizar
uma apreensão ampliada das necessidades da população atendida.
3. Respostas governamentais
Respostas dadas aos problemas de saúde da população ou às necessidades
de certos grupos específicos pelos órgãos públicos.
Cuidar do sofrimento psíquico, trabalhando os aspectos subjetivos do
adoecimento, mental ou não, representa uma área na qual a maior parte dos
profissionais de saúde refere insegurança que surge não apenas do
desconhecimento técnico, mas também de visões preconceituosas e
estigmatizantes, além da presença de fenômenos mentais dos próprios
profissionais, tais como a identificação com o paciente, as emoções despertadas
na interação da relação por razões inconscientes vividos como aspectos de difícil
manejo na prática (CHIAVERINI et al., 2011, p. 187).
Como seria o princípio da integralidade aplicado na prática?
Mattos (2004) traz um exemplo de uma mulher jovem que procura um
serviço de saúde, por ter sido vítima de estupro na véspera do atendimento.
Em primeiro lugar, ela precisa ser acolhida. A conversa deverá
necessariamente tratar da oferta da contracepção de emergência, assim como
das medidas de intervenção diante da possibilidade de adquirir doenças
permear a prática de todos os profissionais de saúde, independentemente se
for no âmbito público ou privado.
sexualmente transmissíveis como a infecção por HIV. Mas seria um absurdo
que os profissionais começassem uma conversa sobre a necessidade das
práticas de sexo seguro.
O que caracteriza a integralidade é obviamente a apreensão ampliada das
necessidades, mas principalmente a habilidade de reconhecer a adequação de
nossas ofertas ao contexto específico da situação no qual se dá o encontro do
sujeito com a equipe de saúde.
E no caso de Angélica, vamos analisar o princípio da integralidade ?
No caso da Angélica e sua família, o cuidado integral envolveria, em um
primeiro momento, um acolhimento diante de sua queixa de “adoecimento”, e
ela pede ajuda por não conseguir cuidar de si e de sua família. Em seguida,
uma investigação e, se confirmados os diagnósticos, o tratamento das suas
queixas atuais como hipertensão, depressão, uma abordagem possível sobre
o alcoolismo e desemprego do marido, e um planejamento sobre a sua
preocupação com o tempo ocioso dos filhos fora da escola. Nesse tempo,
constrói-se um vínculo e confiança mútua que permitem a abordagem de
questões subjetivas, em que a equipe de saúde vai compreendendo o “jeito”
de Angélica lidar com os problemas de saúde e da vida, abrindo assim
possibilidades de se trabalhar a prevenção e a promoção de saúde. O princípio
da integralidade é exercido por meio de um olhar atento da equipe de saúde,
capaz de apreender as necessidades de ações de saúde no contexto de cada
encontro com Angélica.
3 ACOLHIMENTO
QUESTÃO NORTEADORA: Como deve ser o acolhimento nesse caso?
RESPOSTA:
O que é o Acolhimento ?
Assim traduzido por Merhy (1997, p.138): “uma relação humanizada,
acolhedora, que os trabalhadores e o serviço, como um todo, têm que
estabelecer com os diferentes tipos de usuários, alterando a relação fria,
impessoal e distante que impera no trato cotidiano dos serviços de saúde.
Para Malta et al (1998, p. 139): “É uma postura de escuta, compromisso
de dar uma resposta às necessidades de saúde trazidas pelo usuário e um novo
modo de organizar o processo de trabalho em saúde a partir de um efetivo
trabalho em equipe.”
Por sua vez, Silva Júnior (2001, p. 91), define acolhimento como:
Tratar humanizadamente toda a demanda; dar respostas aos demandantes, individuais ou coletivos; discriminar riscos, as urgências e emergências, encaminhando os casos às opções de tecnologias de intervenção; gerar informação que possibilite a leitura e interpretação dos problemas e a oferta de novas opções tecnológicas de intervenção; pensar a possibilidade de construção de projetos terapêuticos individualizados.
Para os autores acima citados, o acolhimento é um dos dispositivos
disparadores de reflexões e mudanças a respeito da forma como se organizam
os serviços de saúde, de como os saberes são ou deixam de ser utilizados para
a melhoria da qualidade das ações de saúde. Significa a retomada da reflexão
sobre a universalidade do acesso e sobre a dimensão de governabilidade das
equipes locais diante das práticas de saúde. Representa o resgate do
conhecimento técnico das equipes e ainda a reflexão sobre a humanização das
relações em serviço.
Pode-se pensar no Acolhimento em três dimensões:
Postura
Como postura, o acolhimento pressupõe a atitude, por parte dos
profissionais e da equipe de saúde, de receber, escutar e tratar
humanizadamente os usuários e suas demandas. É estabelecida,
assim, uma relação de mútuo interesse, confiança e apoio entre os
profissionais e os usuários.
Técnica
Trabalho em equipe, capacitação dos profissionais e aquisição de
tecnologias, saberes e práticas.
Princípio de reorientação de serviços
O acolhimento propõe que o serviço de saúde seja organizado da
seguinte forma:
1) Atender a todas as pessoas que procuram os serviços de
saúde, garantindo a acessibilidade universal;
2) Reorganizar o processo de trabalho, a fim de que este
desloque seu eixo central do médico para uma equipe
multiprofissional, equipe de acolhimento, que se encarrega da
escuta do usuário, comprometendo-se a resolver seu problema de
saúde;
3) Qualificar a relação trabalhador-usuário, que deve dar-se
por parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania
(FRANCO; BUENO; MEHRY, 1999).
OS PILARES DA AÇÃO TERAPÊUTICA DO VÍNCULO
1. O acolhimento, que favorece o estabelecimento do vínculo permite o cuidado.
2. A escuta, que permite o desabafo (denominado catarse em termos
psicológicos) e cria espaços para o paciente refletir sobre seu sofrimento e
suas causas.
3. O suporte, que representa o continente para os sentimentos envolvidos,
reforçando a segurança daquele que sofre, empoderando-o na busca de
soluções para seus problemas.
4. O esclarecimento, que desfaz as fantasias e aumenta a informação, reduz a
ansiedade e a depressão. Facilita a reflexão e permite uma reestruturação do
pensamento com repercussões nos sintomas emocionais e até mesmo nos
físicos (CHIAVERINI et al., 2011, p. 63).
Pode-se pensar no Vínculo em três dimensões, a saber:
Afetividade
•O médico deve gostar da sua profissão e interessar-se pela pessoa do paciente, construindo, assim, um vínculo firme e estável entre ambas as partes, o que se torna valioso instrumento de trabalho.
Relação terapêutica
•A ideia de vínculo como uma relação terapêutica, segundo Campos (1994), prende-se tanto à busca de maior eficácia (aumento do percentual de curas), como à noção a qual valoriza a constituição de espaços propícios à produção de sujeitos autônomos: profissionais e pacientes.
Escuta
•A escuta, no campo da psicanálise, ocupa lugar privilegiado, por ser algo relacionado às palavras ditas ou silenciadas. Nesse contexto, a escuta não limita seu campo de entendimento apenas ao que é falado, mas também às lacunas do discurso. Para escutar, também é imprescindível conhecer quem se escuta, quem fala, como e sobre o que se fala.
No caso de Angélica, acompanhe as ações terapêuticas realizadas para
o estabelecimento do vínculo.
Angélica chega à unidade pela primeira vez e é atendida pelo ACS no
acolhimento, lá o profissional escuta sua queixa para compreender a situação
(se é um caso grave ou não), além de identificar, pelo endereço, a qual
território (microárea/equipe) ela pertence. O ACS informa Angélica que ela
será atendida naquele dia pela enfermeira Deise, da equipe a qual prestará os
cuidados à família daqui para frente. Deise explica o funcionamento da
unidade, o atendimento e apresenta a equipe a qual ficará responsável pela
família de Angélica. Após os esclarecimentos, Angélica aguarda a consulta
com a enfermeira.
Para haver vínculo entre dois sujeitos, exige-se o reconhecimento do paciente
à condição de sujeito que fala, deseja e julga, pois sem
isso não se estabelecerão relações profissional-paciente
adequadas.
ATENÇÃO!
O Ministério da Saúde esclarece que as equipes de saúde da Atenção
Básica devem perceber as peculiaridades de cada situação apresentada e
buscar os tipos de recursos e tecnologias (leves, leves-duras e duras) que
aliviem o sofrimento, melhorem ou prolonguem a vida para evitar ou reduzir
danos, (re)construam a autonomia, melhorem as condições de vida, favoreçam
a criação de vínculos positivos, diminuam o isolamento e abandono. Também
considera que Cuidar Integralmente é poder realizar ações de promoção à
saúde, tais como:
Inserir pessoas com baixa renda em programas sociais;
Fazer a notificação de um acidente de trabalho;
Utilizar uma medicação ou realizar um procedimento que cure uma
doença ou diminua uma dor;
Cuidar de alguém (hipertenso, com diabetes) considerando sua
singularidade;
Pedir ajuda ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou ao
Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) para abordar casos
relacionados à saúde mental, inclusive os mais graves, como
cárcere privado;
Conversar com gestantes, em grupos e individualmente, sobre a
gestação, mas também sobre as questões gerais relacionadas à
sua vida, como sua sexualidade;
Descobrir/acionar a rede social significativa de uma pessoa (não
necessariamente as redes sociais formais);
Participar da coordenação do projeto terapêutico de um usuário
encaminhado para um especialista de outro serviço de saúde;
Dar suporte a alguém (e a seus familiares) que está em estado
terminal de vida para conduzir a uma morte sem sofrimento;
Oferecer escuta a quem chega ansioso ou nervoso querendo
atendimento imediato sem estar agendado;
Realizar hidratação intravenosa, quando necessário, em um
usuário com suspeita de dengue; tratar e observar um paciente
com crise hipertensiva (BRASIL, 2013).
No caso de Angélica, acompanhe o atendimento com a enfermeira.
Angélica passa pela consulta de enfermagem com Deise, que se
emociona com a história da paciente, pois se separou faz pouco tempo de seu
esposo pelo mesmo motivo (alcoolismo). À medida que Angélica contava o
que sentia, Deise dava conselhos à paciente baseados em sua experiência, e
confundia os personagens da sua própria história com os de Angélica.
QUESTÃO NORTEADORA: Quais dificuldades da equipe você percebe diante
do encontro da paciente na consulta de enfermagem?
RESPOSTA:
A relação terapêutica pode ser vista como um processo para facilitar o
aprofundamento da experiência do paciente, ajudando-o a simbolizar e criar um
novo significado para experiências passadas.
Utilizaremos aqui os conceitos de transferência e contratransferência para
destacar aspectos intrínsecos dessa relação terapêutica.
A transferência foi considerada por Freud um instrumento central de todo
tratamento analítico, e foi reconhecendo, gradativamente, que os pacientes
repetiam na sua relação com o médico (psicanalista) aquilo vivido na infância
com outras pessoas.
A transferência e a contratransferência são fenômenos presentes em toda
relação interpessoal, inclusive na consulta clínica.
Como os fenômenos transferenciais e contratransferências são
estabelecidos na relação interpessoal?
Na transferência, o paciente atribui papéis ao profissional de saúde
(médico ou outros) e comporta-se em função deles, transfere situações e
modelos para a realidade presente e desconhecida, e tende a configurar esta
última como situação já conhecida. Na contratransferência, emergem no
profissional de saúde reações originárias do campo psicológico em que se
estrutura a consulta clínica (GOLDBERG, 2000).
Sobre esses fenômenos, descrevem-se:
A transferência é um processo no qual, de modo inconsciente, a pessoa projeta nos indivíduos que fazem parte de sua vida, pensamentos, comportamentos e reações emocionais vividas em outros relacionamentos significativos desde a sua infância. Inclui sentimentos de ódio, amor, ambivalência e dependência. O conhecimento da reação de transferência da pessoa por quem cuida dele, ajuda-o a compreender como a pessoa vivencia o seu mundo e como os relacionamentos do passado influenciam seu comportamento atual. A contratransferência, da mesma forma, é um processo inconsciente que acontece quando o médico (cuidador) responde à pessoa de forma semelhante àquelas vivenciadas em relacionamentos significativos do passado. Os cuidadores/médicos devem ficar atentos ao que desencadeia nos pacientes certas reações, como questões pessoais não resolvidas, preconceitos, estresse ou conflitos de valores (GOLDBERG, 2000).
Continuação do caso clinico
A enfermeira não entendeu Angélica integralmente. A preocupação com a
bebida do marido era só um de seus problemas da paciente, dentre outros,
mas Deise se identificou com essa história e não a acolheu como deveria. A
comunicação ficou truncada e Deise não se deu conta disso. Angélica ficou
incomodada com seu primeiro contato com um profissional, com tantos
conselhos a dar que não a deixava falar direito. E ela não pensava em se
separar de Marcelo naquela época, como foi a solução para a enfermeira.
Refletindo sobre o atendimento!
A primeira impressão dos cuidados da unidade não correspondeu às
expectativas de Angélica, justamente quando buscava entender que não seria a
médica que lhe atenderia, e sim a enfermeira. O vínculo não foi realizado nesse
primeiro encontro, e Deise precisaria de outros encontros de maior qualidade e
interesse em Angélica, para superar as dificuldades desse dia. Mas Angélica
saiu esperançosa quanto ao atendimento da médica ser diferente, afinal
precisava de ajuda. Pode-se concluir que a enfermeira, nesse momento, estava
tão envolvida com seu problema que não conseguiu perceber a situação de
Angélica.
É fundamental que o profissional de saúde procure se conhecer e,
rotineiramente, faça reflexões sobre suas atitudes, postura e comportamento,
bem como tenha também flexibilidade em reformulá-los, quando a necessidade
aponte.
Angélica chega à UBS para a consulta com a médica de família que
cobre a área onde mora com a família.
A paciente parecia ansiosa com esse encontro na expectativa que a
médica (Dra. Paula) lhe desse um remédio para “aliviar suas preocupações” e
ela pudesse viver de forma mais leve. Dra. Paula já tinha algumas informações
fornecidas pelo agente comunitário de saúde – ACS (Claudio) e pela
enfermeira da equipe (Deise), mas pediu para Angélica explicar o que
acontecia em sua vida. Angélica relata que acredita não está sendo uma boa
cristã, e Deus a castiga dessa forma. “As coisas só andam para trás, meu
marido não consegue trabalho, meus filhos ficam ‘soltos’ na comunidade e, eu
trabalhando, não posso cuidar direito deles, protegê-los das más companhias.
O dinheiro está pouco para dar conta de cinco pessoas, e ainda mando um
dinheirinho pra ajudar a minha mãe, só eu trabalho como diarista, já estou com
três casas e muito cansada! Não sei como voltar a ter a vida de antes... E não
quero voltar pro Nordeste... pra lá eu não volto!”. Angélica pede à Dra. Paula
um remédio que a faça dormir, e chora baixinho. Dra. Paula tenta confortá-la
e diz que vai ajudá-la com auxílio da equipe, e juntas, irão achar um caminho
para as coisas melhorarem para Angélica e sua família. Propõe dividir as
preocupações em partes e cuidar de cada uma delas, começando pela que
mais a incomoda, e vê quais as possibilidades de mudança. Angélica aceita a
proposta, já mais tranquila e, após aferição, sua pressão arterial permanece
alterada, e deixa a Dra. Paula preocupada, por isso marca um retorno para a
paciente.
3.1 Abordagem centrada na pessoa
QUESTÃO NORTEADORA: Dentro de uma abordagem centrada na pessoa,
como você entende a maneira como Angélica explica seu adoecimento?
O termo “Medicina Centrada na Pessoa” surgiu com Balint et al (1970)
em oposição ao termo “medicina centrada na doença”. No Brasil, Perestrello
(1989) cunhou o termo “Medicina da Pessoa”, também título do seu livro mais
conhecido.
A compreensão das queixas baseadas nas opiniões da própria pessoa
(paciente) foi chamada de “diagnóstico abrangente” e o entendimento baseado
na avaliação centrada na doença foi chamado de “diagnóstico convencional”. O
RESPOSTA:
estabelecimento de uma base comum entre as perspectivas do médico e da
pessoa atendida é a chave para o desfecho clínico favorável.
O modelo do método clínico centrado na pessoa é utilizado com o intuito
de garantir que as características particulares e as preferências de cada pessoa
sejam levadas em consideração, e que se chegue a um plano de tratamento
construído de acordo com esses fatores.
De acordo com Kolling (2013), compreender a doença e a pessoa é uma
tarefa desafiadora. Até porque nem sempre as pessoas que buscam algum
cuidado na atenção primária estão doentes.
Vão por conta de consultas de puericultura ou pré-natal, outras vão para
solicitarem atestados ou declarações de saúde, há ainda aquelas que vão em
virtude de problemas psicossociais como o luto, desemprego, crises do ciclo da
vida.
Outras buscam ainda orientação ou esclarecimento, como na
anticoncepção ou na preocupação de se proteger das DSTs ou o HIV, por
exemplo.
Evidências que apoiam o Método Clínico Centrado na Pessoa
- As consultas baseadas nesse método não exigem mais tempo.
- Há melhora no controle da diabetes e hipertensão, assim como no
tratamento de pessoas com sintomas inespecíficos.
- Ocorre diminuição nas queixas por má prática, menos prescrições de
medicações neurolépticas.
- São solicitados menos exames complementares.
- Há maior satisfação com a prática por parte dos médicos.
- Promove-se uma maior conexão entre médicos e pacientes.
- Há melhora na adesão e nos desfechos neonatais.
- Maior provisão de serviços preventivos.
- Menos encaminhamentos.
- Menos cuidados paliativos.
ATENÇÃO!
“Ser centrado na pessoa” é um jeito de orientar os cuidados no encontro
com o profissional de saúde, que inclui três dimensões:
1ª) O centro do poder. Aqui é compartilhado com o paciente (em relação à condução da consulta, à análise da situação e ao processo de tomada de decisão do manejo), quando classicamente o poder se concentrava no médico/profissional de saúde. É muito importante estimular a participação ativa e a responsabilização do paciente nas decisões sobre o seu tratamento. 2ª) O foco da entrevista. Ser centrada na pessoa ou na doença reflete o embate entre o modelo biopsicossocial e o biomédico. No primeiro é possível discutir os aspectos subjetivos da doença, a vivência dos sintomas, os sentimentos despertados como medos e preocupações. 3ª) O objetivo da consulta. No modelo aqui proposto, o objetivo é um entendimento entre médico e paciente na construção de uma parceria, em oposição ao modelo cujo objetivo é um diagnóstico e a prescrição de um tratamento. No modelo centrado na pessoa, a ênfase se dá no fortalecimento da relação médico-paciente (KOLLING, 2013).
Um elemento muito importante na abordagem médica é a incorporação
na prática diária dos conceitos de illness e disease, nos quais na língua inglesa
trazem dois conceitos diferentes a respeito do que, em português, chama-se de
“doença”.
Qual a diferença entre illness e disease ?
A distinção se dá quando se atribui à doença apenas os sinais, sintomas
e alterações em exames (disease), e deixa-se de fora o sofrimento das
pessoas representado por queixas, problemas, disfunções, a experiência da
doença (illness), e inclui o significado que a pessoa confere à doença.
Por exemplo: uma tuberculose ou uma dor podem ser interpretadas de
maneiras totalmente diferentes por duas pessoas vindas de culturas e
contextos diferentes e essas diferenças irão influenciar seu comportamento
subsequente e a procura (ou não) por tratamento (HELMAN, 2009).
Kleinman; Eisenberg; Good (1978) descreveram formas de obter das
pessoas o “modelo explicativo” de suas experiências de doença (illness) com a
ajuda de algumas perguntas, tais como:
Sistematizando, pode-se considerar os sentimentos da pessoa
(especialmente os medos), suas ideias sobre o que está errado, o efeito da
doença em seu funcionamento e suas expectativas em relação ao médico, como
dimensões da experiência da doença as quais devem ser avaliadas pelos
médicos em uma consulta clínica.
Por exemplo: um paciente pode dizer que se resfriou porque saiu em um
dia chuvoso e frio, e logo após ter tomado um banho quente. Se ele deixar, o
resfriado pode piorar e deixá-lo mais doente, necessitando ficar em casa, sem
1.Como você descreveria o
problema que o trouxe à consulta?
2.Alguém que você conhece tem esse
problema?
3.Por que você acha que esse problema lhe
afetou? E por quê agora?
4.Na sua opinião, o que vai resolver o seu
problema?
5.Além de mim, quem mais você acha que
pode ajudá-lo a melhorar?
poder trabalhar por um tempo, perder dinheiro e talvez o emprego. É melhor ir
ao médico e tomar algum remédio para isso.
ATENÇÃO!
Nesse sentido, no encontro clínico, se o sofrimento do paciente não for
entendido e incorporado pelo médico ao seu conhecimento da doença, haverá
distúrbios da relação médico-paciente que, não raramente, termina por baixa
adesão ao tratamento.
No método clínico centrado na pessoa, seguimos alguns passos:
1º passo: Explorar a doença e a experiência subjetiva.
Por exemplo: Angélica tem receio de tornar-se “doente” (hipertensa) e
imagina que essa condição é muito grave, pois seu pai tinha esse diagnóstico e
morreu (de AVC), e pensa que talvez precise diminuir ou parar de trabalhar, mas
ela é a única que contribui com a renda da família.
2º passo: Entender a pessoa como um todo.
Por exemplo: Angélica é mais que um valor pressórico, ou uma dor
lombar ou cefaleia, ou um conjunto de preocupações, ela tem recursos internos
para enfrentar adversidades, pois teve que fazer grandes adaptações em sua
vida após a ida para o Rio com a família. Nova casa, emprego, escola para os
filhos etc. Todos têm aspectos positivos e negativos.
3º passo: Chegar a um lugar-comum.
Por exemplo: Perguntar de que forma podemos ajudar Angélica ou o
que ela quer e entende como cuidado, o que mais a preocupa, construir
conjuntamente um plano terapêutico funcional que diminua o seu sofrimento.
4º passo: Incorporar a prevenção na prática diária.
Por exemplo: Explicar os benefícios do exercício físico, de uma
alimentação saudável para toda a família, independentemente do fato de ela ser
ou não hipertensa. Oferecer suporte na compreensão a respeito da condição de
alcoolista do marido e identificar com ela espaços e atividades no território que
possam ser saudáveis para ocupar o tempo ocioso das crianças.
5º passo: Ser realista.
Por exemplo: O que esperar do tratamento se for confirmado o
diagnóstico. Ficará curada, tomará remédios a vida toda, são caros os remédios?
Seu marido ficará curado do problema do alcoolismo, depende dela ou dele? Ela
trabalha fora de casa o dia inteiro. Como “controlar” as crianças? A prima
Solange poderá ajudar, ou não? O vínculo com a equipe será determinante na
adesão às propostas de cuidado ao longo do tempo, possibilitando a construção
de uma relação de confiança entre a unidade e o usuário (HELMAN, 2009).
Retorno de Angélica à UBS para a consulta médica com Dra. Paula
Em retorno de Angélica, ela foi acompanhada da prima do marido,
Solange, que mora na comunidade e serviu de apoio na vinda da família de
Pernambuco para o Rio. Solange mora em uma área diferente de Angélica,
portanto suas equipes de saúde não são as mesmas. A médica pede que
Solange diga como vê a situação vivida pela prima. Ela diz que Marcelo, seu
primo, sempre foi “fraco pra bebida”, e mesmo em Pernambuco já havia
perdido boas oportunidades de emprego por não conseguir cumprir seus
compromissos por causa do vício. O pai de Marcelo também era alcoolista, e
Solange questiona se o problema seria familiar. A ida para o Rio também tinha
a intenção de mudar de ambiente, mas ele não conseguiu, e repetiu a mesma
história. Dra. Paula pergunta à Angélica se ela acha que Marcelo gostaria de
parar de beber, e ela chora e abaixa a cabeça e diz achar que não, mas tentaria
de novo. Angélica assumiu muitas funções na família, e não tem com quem
dividi-las. Marcelo tem se apresentado como alguém que precisa de cuidados,
como um filho, e Angélica já tem três para cuidar e sente-se sobrecarregada.
Angélica também se preocupa com as crianças, em especial com o mais velho,
de 12 anos, Joaquim, pois desde que a escola deixou de ter horário integral,
aproximou-se de más companhias nas horas livres. Ela se cobra muito em ser
uma boa mãe, boa esposa, boa no trabalho, mas sente-se “pifando”, sem
forças, cansada, e, às vezes, pensa em “sumir”. Dra. Paula pergunta se ela
pensa em morrer, e ela diz que não, que precisa criar os filhos. A médica
convida Marcelo para vir com a esposa na próxima consulta, ela acha que ele
não virá, mas, como ele se dá bem com Claudio, seu agente comunitário de
saúde (ACS), talvez ele possa “convencê-lo” a vir.
3.2 O Manejo com as famílias na Atenção Básica
QUESTÃO NORTEADORA: Quais ferramentas podem auxiliar no manejo das
famílias na Atenção Básica?
Definir família não é tarefa fácil, mas vamos começar por suas funções.
Para que serve a família?
Podemos dizer que elas servem para:
(1) Promover um ambiente suficientemente bom para o caminhar em
direção à autonomia;
(2) Ser matriz do desenvolvimento de vínculos afetivos e sociais.
RESPOSTA:
Podemos então, definir família como:
Trata-se de um sistema de indivíduos que mantém consigo alguma relação de vínculo e compromisso necessários à sobrevivência, como alimentação, abrigo, proteção, afeto e socialização, no todo ou em parte, sendo parentes consanguíneos ou não. Pessoas pertencentes a esse sistema vivendo sob tetos diferentes não excluem a classificação de família caso sejam observados os vínculos mencionados anteriormente (AGUIAR, 2002).
Nem sempre as famílias conseguem funcionar adequadamente, e por isso
são chamadas famílias disfuncionais. Mesmo nas famílias severamente
disfuncionais (com graves transtornos mentais, violência etc.), algum cuidado
existe.
Por exemplo: Um bebê não sobrevive biologicamente sem um mínimo de
cuidado. Se um ser humano está vivo é porque ele recebeu algum cuidado.
REFLETINDO!
Neste exemplo, um ponto bastante importante é que nem sempre o indivíduo
recebe a atenção devida. A família cuida (bem ou mal) dos seus membros do
ponto de vista biopsicossocial; a biologia é evidente, por exemplo, a criança
sem comida, morre. O aspecto social/cultural costuma ser transmitido à revelia
da própria família, isto é, não se consegue sair da própria cultura ou realidade
socioeconômica sem um longo processo de mudança e reflexão. E mesmo
assim não é tarefa que possa ser cumprida completamente, tanto do ponto de
vista da cultura familiar, quanto da cultura social.
Por outro lado, o cuidado para o desenvolvimento da mente exige um
ambiente suficientemente bom, como diria Winnicott (2000). Esse bebê que foi
citado acima não terá um desenvolvimento mental, potencialmente possível, só
com o cuidado mínimo mencionado, é necessário mais. E é aí que os
profissionais de saúde, ao trabalharem com as famílias, podem ter um papel
magnífico na prevenção dos transtornos e disfunções mentais.
CLASSIFICAÇÃO DAS FAMÍLIAS
• Funcionais: onde o desenvolvimento do casal e filhos se faz de forma
harmônica, os conflitos são superados - indivíduos autônomos com capacidade
de compartilhar.
• Disfuncionais: estruturas rígidas; sem intimidade; sem flexibilidade; sem
divisão de poder - adultos deprimidos; transtornos psiquiátricos; crianças com
transtornos de conduta.
• Severamente disfuncionais: comunicação difícil, as famílias são gravemente
desorganizadas e isoladas - são suscetíveis ao aparecimento de transtornos
graves - desesperança, depressão, cinismo etc (AGUIAR, 2002).
Minuchin (1990), um importante estudioso das famílias, dizia que “a
experiência humana de identidade tem dois elementos: um sentido de
pertencimento e um sentido de ser separado. O laboratório em que esses
ingredientes são misturados e administrados é a família, a matriz da identidade”.
Por exemplo: Imagine o João da Silva em que Silva é o sobrenome e
todos da família são Silva. O que diferencia um do outro? O nome. No caso,
João. João é único. Mas para que ele tivesse o seu desenvolvimento adequado
e pudesse dizer plenamente “Eu sou o João”, foi necessário que ele fosse Silva,
antes até de se perceber como João. E mais, a qualidade das relações afetivas
que os ‘Silvas’ ofereceram ao bebê João, depois menino e adolescente, foram a
base para sua identidade diferenciada dos outros.
REFLETINDO !
Pode-se, então inferir que o cuidado que os profissionais de saúde
oferecem às pessoas só pode ser qualificado como integral se as famílias
forem incluídas em seu escopo. O ser humano precisa ser entendido como um
ser social e, neste contexto, só se pode compreender mais profundamente o
paciente na medida em que sua família é incluída no processo de saúde-
doença.
Essa abordagem é geralmente positiva, e é prioritária nos casos de
famílias de pacientes psicóticos; dependentes químicos; portadores de doenças
crônicas com mau resultado no acompanhamento rotineiro; famílias com história
de violência; aquelas com crianças ou adolescentes sem uma frequência
adequada à escola e as que vivenciam graves problemas sociais, como miséria
ou desemprego crônico. Dessa maneira, amplia-se a efetividade das ações de
prevenção e tratamento na Estratégia Saúde da Família (ESF) (BIGRAS;
MACHADO, 2014).
Além desses, frequentemente a ESF é solicitada a cuidar de famílias em
situações de crise aguda, mesmo que não sejam famílias com graves problemas
de relacionamento, pois esse trabalho inclui o fortalecimento da resiliência
familiar. Que situações de crise aguda podem ser encontradas ?
Situações de violência doméstica costumam ficar
subentendidas ou encobertas e requerem grande atenção das equipes
aos sinais de sua presença e cuidados especiais em seu manejo.
Perdas representam um importante foco de estresse para os
relacionamentos familiares pois as pessoas de modo geral não se
sentem preparadas para lidar com a morte.
Ocorrência de doenças crônicas ou incapacitantes e nesse
contexto apoio especial deve ser oferecido aos cuidadores, pois,
muitas vezes, têm sua vida tão limitada quanto à da pessoa que passa
pela doença.
Que estratégias podem ser utilizadas nestas situações?
Saber identificar e confiar nas potencialidades e nos recursos
familiares;
Envolver toda a família no processo de resolução de problemas
individuais de seus membros (WALSH, 2005).
Segundo Ditterich; Gabardo; Moysés (2009), conceitua-se o trabalho com
famílias, cujo propósito central está fundamentado na compreensão de sujeitos
integrados ao seu contexto e dinâmica familiar, sendo possível observar o
convívio e a interação entre os membros da família. Dessa forma, para além do
cuidado coletivo, mesmo a atenção clínica individual pode ser estruturada em
bases mais amplas, com maior resolutividade nas intervenções sobre o processo
saúde-doença-cuidado. O conceito de trabalhar com famílias deve ser bem
compreendido e diferenciado de terapia familiar.
De acordo com Franco; Bueno; Mehry (1999) “trabalhar com famílias
exige a incorporação de uma tecnologia “relacional”, fundada na abordagem
humanista e desenvolvida por meio da compreensão do funcionamento
sistêmico da família e da aplicação do método clínico centrado no paciente”.
Por sua vez, Ditterich; Gabardo; Moysés (2009) tornam claro que existem
momentos-chave que podem e devem ser explorados, como:
a ocasião de cadastro das famílias
as mudanças no ciclo de vida delas
a observação da resiliência familiar para situações adversas
o surgimento de doenças crônicas ou agudas de maior impacto
entre seus membros
Manejo dos profissionais com a família de Angélica para a construção do
plano terapêutico.
O caso de Angélica e sua família foi discutido em reunião de equipe, a fim de
se pensar a melhor abordagem possível para aquela família, considerando as
vulnerabilidades de seus membros, na construção de um plano terapêutico.
Nessa ocasião, foram identificados alguns elementos da rede de apoio local
que poderiam ser acionados:
(1) para ajudar Marcelo com seu problema com o álcool, se ele quiser, poderia
visitar as reuniões de alcoólicos anônimos (AA) na Igreja local;
(2) a família da prima Solange e/ou seus vizinhos próximos poderiam estar
mais presentes no cotidiano da família de Angélica e Marcelo;
(3) a(o)s companheira(o)s da igreja de Angélica ou o seu líder poderiam apoiá-
la de forma que ela não se sinta tão em débito com sua fé diante dessa
situação de crise; (4) a presença da ONG “Música e Cidadania” na comunidade
poderia ocupar os filhos de Angélica com atividades de música nas horas
livres;
(5) incluir os patrões de Angélica nessa rede de cuidados com ela e sua família;
(6) conversar com a escola das crianças com o objetivo de acompanhar seus
desempenhos escolares nesse momento de crise e talvez ocupá-las em
atividades extraclasse;
(7) além de reforçar os laços/vínculos com a unidade de saúde na garantia de
um acesso quando for necessário.
Como pode ser avaliado o nível de vulnerabilidade da família?
Segundo Schlithler; Ceron; Gonçalves (2010), a avaliação da condição de
vulnerabilidade da família pode ser realizada de várias formas. Uma entrevista
com a maior parte dos membros da família, garantindo-se a presença do
principal responsável, pode oferecer muitas informações necessárias. Além
disso, existem alguns instrumentos específicos, mas o fundamental é facilitar a
comunicação para explorar as diversas visões dos membros da família e permitir
que a informação circule e identifique aspectos que revelem dificuldades,
conflitos e potencialidades.
3.3 Intervenções grupais na Atenção Primária
Segundo Campos e Amaral (2015), a prática de grupos com pacientes e
familiares abre a perspectiva de se conciliar dados da situação de doença com
aqueles provindos do ambiente em que o indivíduo está inserido como seus
hábitos, valores, relações interpessoais além da sua própria subjetividade como
expectativas, angústias, desejos e conflitos. Aos profissionais de saúde cabe
perceber o potencial oferecido pela vivência grupal e criar condições para que
ela ocorra.
Ao trabalhar com grupos, existem metodologias ativas de aprendizado, como
as rodas de conversa, que discutem problemas trazidos pelos próprios
participantes, resgatando também os seus conhecimentos prévios.
A costumeira “palestra”, que valoriza a transmissão de informações, com
os profissionais falando sobre as patologias e problemas de saúde, com os
usuários “pacientemente” escutando, pode ser algo monótono e repetitivo. A
passividade dificulta a adesão dos pacientes, não estimula a participação no
grupo nem a corresponsabilização no processo de construção da saúde sem
facilitar a reflexão e a mudança de atitude.
Em relação à assistência, Collins e Goodman (1993) nos mostram que há
uma considerável diminuição da mortalidade e da morbidade em pacientes que
participam de grupos para pacientes somaticamente adoecidos em relação aos
que não o fazem. Os grupos com pacientes somaticamente adoecidos não são
novidade (Campos,1992; Ulman,1993), entretanto o fato de que estes são
estruturados não só para a assistência mas também para a formação do
profissional de saúde, em especial a do médico, pode fazer toda a diferença.
Na atenção primária, é comum que os grupos sejam voltados à educação
em saúde, seguindo a proposta de promoção e prevenção, fundamental nesse
nível de atenção. Destacam-se os grupos de doenças crônicas, como
hipertensão e diabetes, de gestantes, adolescentes, convivência, artesanato,
atividade física, planejamento familiar, tabagismo, entre outros.
A participação de profissionais de saúde mental nos grupos junto aos
profissionais da ESF, em coordenação conjunta, facilita o aprendizado dos
últimos quanto ao manejo dos aspectos subjetivos do processo grupal. A
coordenação conjunta ajuda nos momentos difíceis e nas trocas dentro da
equipe.
VANTAGENS DA CO-COORDENAÇÃO DO GRUPO
(1) ampliar a percepção sobre o que acontece no grupo, em relação aos
participantes e aos próprios profissionais;
(2) maior capacidade para lidar com as ansiedades e perceber os “pontos
cegos” no grupo;
(3) aumento da empatia e suporte ao grupo;
(4) favorece o trabalho colaborativo na equipe;
(5) facilita o desenvolvimento de habilidades e atitudes para o trabalho em
grupo.
FUNÇÕES DA COORDENAÇÃO DE GRUPO
(1) ser um cuidador do grupo, trabalhando na direção da autonomia e
cidadania de seus integrantes;
(2) promover constância e confiança;
(3) ter clareza dos objetivos;
(4) garantir a voz de todos, sabendo manejar o grupo com equidade;
(5) não atrapalhar;
(6) ter uma relação de franqueza entre os coordenadores, aceitando e fazendo
críticas na avaliação pós-grupo.
As intervenções grupais possuem mecanismos terapêuticos próprios, tais
como:
Estabelecimento de identificações, reforçando o comportamento
imitativo positivo (se pra ele deu certo, pode dar pra mim também);
Reprodução de conflitos, permitindo uma elaboração mais direta e o
desenvolvimento de novas formas de se relacionar e se socializar;
Espaços importantes de apoio social, como a troca de informações,
participação e discussão das dificuldades de todos e de cada um
proporcionam uma aprendizagem interpessoal num ambiente coeso
e seguro;
Estabelecimento de uma “mente grupal” que reforça fatores
existenciais humanistas e altruístas.
Ressalvamos que todos estes elementos valem tanto para os pacientes
quanto para a equipe. A integração e a possibilidade de trabalhar
interdisciplinarmente, quando alcançada, permite a organização de uma
estrutura, suficientemente boa, como diria Winnicott (MELLO FILHO, 1986),
por si só capaz de gerar condições de criatividade – caldo de cultura para o
sujeito.
O trabalho com grupos possui uma característica típica que são os papéis
que as pessoas tendem a assumir no processo grupal. Identificá-los facilita muito
o manejo do grupo.
Os papéis mais comuns assumidos pelos integrantes do grupo são:
# Líder – positivo (para o bem do grupo) ou negativo (em benefício
pessoal); quanto maior a fragilidade da estrutura do grupo mais
espaço tem o líder negativo.
# Monopolizador – não abre espaço para os outros, tende a trazer
tudo para si.
# Silencioso – não compartilha seus ganhos, e pode estar alinhado
com o manipulador.
# Queixoso – rejeita a ajuda, podendo levar ao grupo uma sensação
de impotência (nessa categoria está o paciente com queixas
inexplicáveis)
Outros papéis encontrados nos grupos são a vítima, o “sabe tudo”, o “Maria
vai com as outras”, o fundamentalista, o porta-voz, o sabonete, o “do contra”, o
“estraga prazer”, entre outros.
O trabalho com grupos da ESF na atenção primária também alcança o
cuidado a pacientes com sofrimento emocional significativo, incluindo portadores
de transtornos mentais comuns. Esses pacientes procuram a unidade em busca
de apoio na solução de seus problemas. Nos últimos anos, diversas intervenções
grupais na atenção primária têm sido construídas e executadas pelas equipes,
com ou sem a participação direta dos profissionais de saúde mental, embora
estes atuem sempre no suporte às equipes através da ação matricial. Essas
intervenções se baseiam em técnicas psicoterápicas como a terapia
interpessoal, a reatribuição e a terapia de resolução de problemas.
IMPORTANTE!
O trabalho em grupo com as equipes da ESF é mais uma das funções
presentes nas atividades de matriciamento em saúde mental.
Esses grupos propiciam:
- ampliar a consciência da equipe sobre a sua prática;
- abrir espaço para que a equipe discuta e solucione possíveis conflitos
internos;
- oferecer suporte e “ser” continente para as dificuldades de qualquer
membro da equipe sobre a sua prática;
- construir modelo de cuidado e empoderamento;
- contribuir para a prevenção da síndrome de esgotamento no trabalho
(Síndrome de Burnout);
- contribuir para criar uma linguagem comum de interdisciplinaridade;
- reforçar a solidariedade e o sentimento de responsabilidade de todos
sobre o trabalho;
As estruturas grupais podem oferecer uma vivência de segurança e de
continência das emoções que permitem o desenvolvimento de funções do
pensamento semelhantes às da relação materno-infantil. O espaço para a
criatividade que as estruturas grupais permitem, dificilmente é conseguido em
tão pouco tempo em assistência psicoterápica individual e quase nunca em
atendimentos clínicos tradicionais.
SAIBA MAIS !
CHAZAN, L.F. Grupos homogêneos interdisciplinares. In: MELLO FILHO, J.
Grupo e Corpo: psicoterapia de grupo com pacientes somáticos. Porto Alegre:
Artes Médicas, 2000.
PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: M. Fontes, 1982.
3.4 Instrumentos facilitadores da comunicação com as famílias utilizados
pelas Equipes de Saúde da Família
Quais os instrumentos que podem ser utilizados pelas equipes da ESF para a
abordagem familiar?
Escala de risco familiar ou Escala de Coelho
O que é ?
Estratifica itens observados, classifica sua situação de risco com base em
dados que já são colhidos pelos agentes comunitários de saúde (ACS)
(COELHO; SAVASSI, 2004).
Procurando estabelecer uma maneira simples, clara e objetiva de priorizar
o atendimento nas visitas domiciliares (VD), que já está presente no dia a dia
das equipes, a Ficha A (condições de moradia, número de entes etc.), pode
classificar as famílias entre Risco 1, Risco 2 ou Risco 3 (risco leve, moderado ou
grave).
Com a aplicação da escala em todas as famílias, a equipe passa a ter
maior compreensão sobre a relação entre os determinantes de saúde e as
situações vividas por elas. Além disso, a escala oferece subsídios para a equipe
destinar tempo e metodologias de intervenções diferenciadas, conforme os
riscos apresentados pelas famílias de seu território de abrangência, buscando
ter uma agenda de prioridades de acordo com o princípio da equidade
(SCHLITHLER; CERON; GONÇALVES, 2010).
PARA SABER MAIS ! SAVASSI, Leonardo; LAGE, Joana; COELHO, Flávio. Sistematização de um
instrumento de estratificação de risco familiar: Escala de risco familiar de Coelho-
Savassi. J Manag Prim Health Care 2012; 3(2):179-185. Disponível em:
http://www.jmphc.com.br/saude-publica/index.php/jmphc/article/view/155
Genograma (familiograma ou heredograma)
O que é ?
Representa uma “informação gráfica sobre os membros de uma família e
suas relações por pelo menos três gerações. Apresenta graficamente a
informação sobre a família de maneira que permite uma rápida visão dos
complexos padrões familiares e é uma rica fonte de hipóteses sobre como um
problema clínico pode estar relacionado tanto com o contexto familiar atual
quanto sobre o contexto histórico familiar” (MCGOLDRICK; GERSON;
SHELLENBERGER, 1999). O genograma é como uma foto de um determinado
momento e pode ser refeito quando ocorrem mudanças significativas.
As equipes da ESF não realizam intervenções psicoterapêuticas, mas têm
condições de identificar pontos de conflito que podem dificultar suas ações de
promoção de saúde e realizar os devidos encaminhamentos. Além disso, podem
empregar esse instrumento para identificar a presença de problemas de saúde,
pessoas que necessitem de cuidados especiais e outros pontos de interesse
para suas intervenções (SCHLITHLER; CERON; GONÇALVES, 2010).
Para ilustrar melhor segue o genograma do caso que estamos discutindo.
Os símbolos são muito fáceis e padronizados internacionalmente. Inserimos aqui
os de uso mais frequente. Caso você queira conhecer um pouco mais do tema,
pode começar se aprofundando a partir de nossas orientações no “saiba mais “.
Figura 1 – Genograma referente ao caso de Angélica
SAIBA MAIS!
Conheça os símbolos que podem ser utilizados na construção de um
Genograma.
O ciclo de vida das famílias é uma série de eventos previsíveis que ocorre
dentro da família como resultado das mudanças em sua organização. Toda
mudança requer de cada membro uma acomodação ao novo arranjo, para
transformar o papel a cada alteração de limite. Afinal, “nas fases de transição em
que a família é desafiada a estruturar um novo pacto, no qual o estresse cresce,
possibilita-se o surgimento de doenças”. O conhecimento do desenvolvimento
da família é útil porque facilita a previsão e antecipa os desafios que serão
enfrentados no estágio de desenvolvimento de uma dada família, e isso permite
melhorar o entendimento do contexto dos sintomas e das doenças.
Com o genograma, o ciclo de vida permite identificar as doenças mais
prevalentes no grupamento familiar. Dessa forma, fornece uma visão antecipada
dos problemas, além de ser útil no diagnóstico de situações indefinidas. O ciclo
de vida também identifica dois momentos básicos: se a família está em expansão
ou em contração, os quais podem ser normais ou patológicos (WAGNER et al.,
1999).
PARA SABER MAIS!
Para ler mais sobre o uso dos genogramas, acesse os artigos online:
BORGES, Claudia Daiana; COSTA, Maira Maria da; FARIA, Jeovane
Gomes de. Genograma e atenção básica à saúde: em busca da
integralidade. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande , v. 7, n. 2, p. 133-
141, dez. 2015 . Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpsaude/v7n2/v7n2a07.pdf
MUSQUIM, Cleciene dos Anjos et al. Genograma e ecomapa:
desenhando itinerários terapêuticos de família em condição
crônica. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 15, n. 3, p.
654-64, set. 2013.
Ecomapa
O que é ?
O ecomapa é uma representação gráfica das ligações de uma família às
pessoas e estruturas sociais do meio onde habita ou convive (ambiente de
trabalho, por exemplo), desenhando o seu “sistema ecológico” e demonstrando
as relações da família com o meio social em que está inserido
(CHIAVERINI,2011).
Identifica os padrões organizacionais da família e a natureza das suas
relações com o meio, mostra-se o equilíbrio entre as necessidades e os recursos
da família (sua rede de apoio social, por exemplo).
Segundo Agostinho (2007) pode-se ilustrar, assim, três diferentes
dimensões para cada ligação:
1. Força da ligação (fraca; tênue/incerta; forte).
2. Impacto da ligação (sem impacto; requerendo esforço/energia;
fornecendo apoio/energia).
3. Qualidade da ligação (estressante ou não).
De acordo com o caso de Angélica apresentado, segue o ecomapa que
apresenta as relações existentes.
Figura 2 – Ecomapa de Angélica
As relações familiares podem ser fonte de resiliência e os profissionais de
saúde da ESF não só podem estimular esse processo como podem também ser
parte integrante dele, colocando-se como elementos de acolhimento, apoio e
promoção da saúde do sistema familiar. Além disso, devem estar
instrumentalizados e confiantes de que são fonte preciosa de apoio.
PARA SABER MAIS!
Para ampliar seus estudos, sugerimos a leitura dos artigos abaixo.
MONTEIRO, Gicely Regina Sobral da Silva et al. Conhecimento,
atitude e prática dos profissionais da atenção primária sobre
ferramentas de avaliação familiar. Rev. Enf. Dig. Cuidados e
promoção da Saúde; 1(1): 23-30, Jan/Jun, 2015. Disponível em:
http://www.redcps.com.br/detalhes/5
SOUZA, Joseane de et al . Family functioning assessment in the
context of mental health. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo , v. 38, n.
6, p. 254-259, 2011 . Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
60832011000600007&lng=pt&nrm=iso
MANGUEIRA, Suzana de Oliveira; LOPES, Marcos Venícios de
Oliveira. Família disfuncional no contexto do alcoolismo: análise de
conceito. Rev. bras. enferm., Brasília , v. 67, n. 1, p. 149-
154, Feb. 2014. Disponivel em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
71672014000100149&lng=en&nrm=iso
VAMOS PRATICAR ?
Agora que você já conhece o caso de Angélica, construa a rede de
cuidados (graficamente) da família de Angélica.
Figura 3 – Rede de cuidados
Fonte: Adaptado de: CHIAVERINI, Dulce Helena et al (Org.). Guia prático de matriciamento em saúde mental. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva, 2011.
SÍNTESE
Para finalizar este módulo, vamos revisar alguns aspectos importantes:
O cuidado integral pressupõe o reconhecimento das necessidades nos diferentes níveis de complexidade que envolvem o sujeito.
Ações de acolhimento, escuta, suporte e esclarecimento das informações fortalecem o vínculo na relação terapêutica.
A interconsulta, consulta conjunta, visita domiciliar conjunta e PTS são instrumentos utilizados para o desenvolvimento do apoio matricial.
A abordagem centrada na pessoa permite considerar a singularidade dos indivíduos para a construção do plano terapêutico.
É fundamental que a família seja assistida pela equipe de saúde para que possa participar ativamente dos cuidados ao paciente.
Instrumentos como a Escala de Risco Familiar, Genograma e o Ecomapa podem ser utilizados para avaliação das famílias.
REFERÊNCIAS
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