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Curso Ciência e Fé Módulo VI – O Caso Galileu (Parte 2) © Bernardo Motta [email protected] http://espectadores.blogspot.com

Módulo vi o caso galileu - parte 2

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Curso Ciência e FéMódulo VI – O Caso Galileu (Parte 2)

© Bernardo Motta

[email protected]

http://espectadores.blogspot.com

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Curso Ciência e Fé

I – Introdução

II – Filosofia Grega e Cosmologia Grega

III – Filosofia Medieval e Ciência Medieval

IV – Inquisição e Ciência

V e VI – O Caso Galileu

VII – A Revolução Científica

VIII – Darwin e a Igreja Católica

IX – Os Argumentos Cosmológico e Teleológico

X – Filosofia da Mente e Inteligência Artificial

XI – Milagres e Ciência

XII – Concordância entre Cristianismo e Ciência

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1. Introdução

2. Do nascimento de Galileu até 1616

3. Os acontecimentos de 1616

4. De 1616 até ao processo de 1633

5. Da sentença de 1633 até à morte de Galileu

6. O caso Galileu até aos nossos dias

7. Anexo: a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

Índice

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Os acontecimentos de 1616

A carta de Niccolò Lorini ao Cardeal Sfondrati (7 de Fevereiro de 1615)

O Cardeal Paolo Sfondrati (1560-1618) era o Prefeito da Congregação do Índice

Lorini anexa à sua carta a Carta de Galileu a Castelli (21 de Dezembro de 1613)

«(…) tendo-me vindo parar às mãos um escrito, que aqui corre pelas mãos de todos, feita por estes que se

afirmam Galileístas, que afirmam que a terra se move e o céu está parado, seguindo as posições de Copérnico,

onde, seguindo o juízo de todos estes nossos Padres deste religiosíssimo convento de S. Marco, se encontram

muitas proposições que parecem ou suspeitas ou temerárias, como dizer que certos modos de falar da Santa

Escritura são inconvenientes e que nas disputas dos efeitos naturais a mesma Escritura tenha o último lugar, e

que os seus expositores muitas vezes erram na sua exposição, [que] tenha maior força o argumento filosófico ou

astronómico do que o sacro e o divino, proposições estas que V. S. ilustríssima verá sublinhadas por mim no

escrito acima referido, do qual lhe mando cópia verdadeira (…).

Confesso que tenho todos estes, que se afirmam galileístas, como homens de bem e bons cristãos, mas um

pouco presunçosos e duros nas suas opiniões; como também digo que neste serviço não me movo senão por

zelo, e suplico a V. S. ilustríssima que esta minha carta (e não digo o escrito [a carta de Galileu]) seja por vós

mantida, como estou certo de que o fará, secreta, e não seja tomada ao modo de depoimento judicial, mas só

amoroso aviso entre mim e vós, como entre servo e patrono singularíssimo, e fazendo-lhe saber ainda mais que

por ocasião deste escrito [a carta de Galileu] foram feitas uma ou duas lições públicas na nossa igreja de S. Maria

Novella por um Padre Mestre frei Tommaso Caccini, expondo o livro de Josué e o capítulo X do dito livro (…)»

«(…) tendo-me vindo parar às mãos um escrito, que aqui corre pelas mãos de todos, feita por estes que se

afirmam Galileístas, que afirmam que a terra se move e o céu está parado, seguindo as posições de Copérnico,

onde, seguindo o juízo de todos estes nossos Padres deste religiosíssimo convento de S. Marco, se encontram

muitas proposições que parecem ou suspeitas ou temerárias, como dizer que certos modos de falar da Santa

Escritura são inconvenientes e que nas disputas dos efeitos naturais a mesma Escritura tenha o último lugar, e

que os seus expositores muitas vezes erram na sua exposição, [que] tenha maior força o argumento filosófico ou

astronómico do que o sacro e o divino, proposições estas que V. S. ilustríssima verá sublinhadas por mim no

escrito acima referido, do qual lhe mando cópia verdadeira (…).

Confesso que tenho todos estes, que se afirmam galileístas, como homens de bem e bons cristãos, mas um

pouco presunçosos e duros nas suas opiniões; como também digo que neste serviço não me movo senão por

zelo, e suplico a V. S. ilustríssima que esta minha carta (e não digo o escrito [a carta de Galileu]) seja por vós

mantida, como estou certo de que o fará, secreta, e não seja tomada ao modo de depoimento judicial, mas só

amoroso aviso entre mim e vós, como entre servo e patrono singularíssimo, e fazendo-lhe saber ainda mais que

por ocasião deste escrito [a carta de Galileu] foram feitas uma ou duas lições públicas na nossa igreja de S. Maria

Novella por um Padre Mestre frei Tommaso Caccini, expondo o livro de Josué e o capítulo X do dito livro (…)»

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Os acontecimentos de 1616

Paolo Antonio Foscarini (1565-1616)

Frade carmelita, professor de filosofia e teologia em Messina (Sicília), copernicano e amigo de Galileu

Provincial dos Carmelitas na Calábria

Em Março de 1615, publica em Nápoles a Lettera sopra l'Opinione de' Pittagorici, e del Copernico della Mobilità della Terra, e Stabilità del Sole, e del Nuovo Pittagorico Sistema del Mondo

É provável que ele e Galileu tenham combinado uma estratégia para defender o modelo copernicano

Foscarini envia um exemplar do seu livro a Bellarmino

A 12 de Abril de 1615, o Cardeal Bellarmino escreve a Foscarini, aconselhando-o (e a Galileu) a referirem-se hipoteticamente ao modelo de Copérnico (ver Parte 1)

Esta obra de Foscarini será proibida pelo decreto de 5 de Março de 1616 da Congregação do Índice

Foscarini não tinha o estatuto de Galileu, e era mais fácil colocar no Index uma obra de Foscarini

Não esquecer que Galileu era o “embaixador científico” do soberano da Toscânia – questões diplomáticas pesam

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Os acontecimentos de 1616

O depoimento de Tommaso Caccini (1574-1648)

Frade e pregador dominicano em Florença (Santa Maria della Novella), homem ambicioso e polémico

Membro da “Liga dos Pombos”, liderada por Lodovico delle Collombe, arqui-inimigo de Galileu

A “Liga dos Pombos” incluia Niccolò Lorini e o Arcebispo de Florença

Caccini consegue um posto importante como superior de Santa Maria sopra Minerva, em Roma

Caccini pede ao Cardeal Agostino Galamini (dominicano) para ser ouvido pela Inquisição

19 de Março de 1615: o Papa manda a Inquisição de Roma interrogar Caccini, que depõe a 20:

«(…) Digo então, que lendo eu no quarto Domingo do advento deste ano passado na igreja de S. Maria Novella

de Florença (…) tocou-me ler aquela passagem do capítulo X daquele livro, onde o sacro escritor refere o grande

milagre que, às orações de Josué, fez Deus fazendo parar o sol (…) . Aproveitada a ocasião de neste lugar (…)

reprovar (…) uma certa opinião já de Nicolau Copérnico, e nestes tempos, por aquele (…) senhor Galileu Galilei

matemático, que o sol, sendo, segundo ele, centro do mundo, por consequência é imóvel de movimento local

progressivo, ou seja de uma ponta à outra; e [eu] disse como semelhante opinião era tida como dissonante da fé

católica por gravíssimos escritores, porque contradizia muitas passagens da divina Escritura, as quais em sentido

literal, (...) soam e significam o contrário. (…) acrescentei que não sabia ver como tal doutrina não fosse quase

herética (…) Depois deste discurso adverti que não era lícito a ninguém interpretar a divina Escritura contra

aquele sentido no qual todos os Santos Padres concorrem porque tal era vedado pelo Concílio Lateranense sob

Leão X e pelo Concílio Tridentino.»

«(…) Digo então, que lendo eu no quarto Domingo do advento deste ano passado na igreja de S. Maria Novella

de Florença (…) tocou-me ler aquela passagem do capítulo X daquele livro, onde o sacro escritor refere o grande

milagre que, às orações de Josué, fez Deus fazendo parar o sol (…) . Aproveitada a ocasião de neste lugar (…)

reprovar (…) uma certa opinião já de Nicolau Copérnico, e nestes tempos, por aquele (…) senhor Galileu Galilei

matemático, que o sol, sendo, segundo ele, centro do mundo, por consequência é imóvel de movimento local

progressivo, ou seja de uma ponta à outra; e [eu] disse como semelhante opinião era tida como dissonante da fé

católica por gravíssimos escritores, porque contradizia muitas passagens da divina Escritura, as quais em sentido

literal, (...) soam e significam o contrário. (…) acrescentei que não sabia ver como tal doutrina não fosse quase

herética (…) Depois deste discurso adverti que não era lícito a ninguém interpretar a divina Escritura contra

aquele sentido no qual todos os Santos Padres concorrem porque tal era vedado pelo Concílio Lateranense sob

Leão X e pelo Concílio Tridentino.»

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Os acontecimentos de 1616

O depoimento de Tommaso Caccini (1574-1648)

«Esta minha caritativa admonição, por muito que agradasse grandemente a muitos gentis-

homens literatos e devotos, de outro modo desagradava a certos discípulos do referido Galilei, o

que levou alguns deles a procurar o Padre pregador da catedral (…) por zelo da verdade, dei

conta ao muito reverendo Padre Inquisidor de Florença de como me tinha parecido [bem] por

razões de consciência tratar sobre a referida passagem de Josué, avisando-o que era bom

colocar freio a certos petulantes sábios, discípulos do dito Galilei, do qual me foi dito pelo

reverendo Padre frei Fernandino Cimenes, regente de S. Maria Novella, que de alguns

deles tinha ouvido estas três proposições, a saber: Deus não é substância, mas acidente;

Deus é sensitivo, porque nele existem sentidos divinos; Verdadeiramente que os milagres

que se dizem ter sido feitos por Santos, não são verdadeiros milagres. Depois destes

acontecimentos, foi-me mostrada pelo Padre Mestre frei Nicolò Lorini uma cópia de uma carta

escrita pelo referido senhor Galileu Galilei ao Padre Don Benedetto Castello, monge beneditino e

público matemático de Pisa, a qual me parece conter não boa doutrina em matéria de teologia

(…).

[o Interrogador pergunta a Caccini se conhece Galileu]

Nem sequer o conheço de vista.» (o negrito é meu)

«Esta minha caritativa admonição, por muito que agradasse grandemente a muitos gentis-

homens literatos e devotos, de outro modo desagradava a certos discípulos do referido Galilei, o

que levou alguns deles a procurar o Padre pregador da catedral (…) por zelo da verdade, dei

conta ao muito reverendo Padre Inquisidor de Florença de como me tinha parecido [bem] por

razões de consciência tratar sobre a referida passagem de Josué, avisando-o que era bom

colocar freio a certos petulantes sábios, discípulos do dito Galilei, do qual me foi dito pelo

reverendo Padre frei Fernandino Cimenes, regente de S. Maria Novella, que de alguns

deles tinha ouvido estas três proposições, a saber: Deus não é substância, mas acidente;

Deus é sensitivo, porque nele existem sentidos divinos; Verdadeiramente que os milagres

que se dizem ter sido feitos por Santos, não são verdadeiros milagres. Depois destes

acontecimentos, foi-me mostrada pelo Padre Mestre frei Nicolò Lorini uma cópia de uma carta

escrita pelo referido senhor Galileu Galilei ao Padre Don Benedetto Castello, monge beneditino e

público matemático de Pisa, a qual me parece conter não boa doutrina em matéria de teologia

(…).

[o Interrogador pergunta a Caccini se conhece Galileu]

Nem sequer o conheço de vista.» (o negrito é meu)

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Os acontecimentos de 1616

O depoimento de Tommaso Caccini (1574-1648)

«[o Interrogador pergunta a Caccini qual é a opinião dos florentinos acerca de Galileu em matéria de fé]

Por muitos é tido [por] bom católico; por outros é tido como suspeito nas coisas da fé, porque dizem que

seja muito íntimo daquele frei Paolo servita [Paolo Sarpi], tão famoso em Veneza pela sua impiedade, e

dizem que também trocam presentemente cartas entre eles. (…)

[o Interrogador insiste em ter mais detalhes sobre as “propositiones”: onde e como foram proferidas]

O Padre Ferdinando disse-me que teria ouvido as ditas proposições dos alunos de Galileu várias vezes,

e no claustro de baixo e no dormitório de baixo e na sua cela, e isto depois de eu ter feito aquela lição,

aproveitando a ocasião para me dizer que me tinha defendido deles; nem me recordo que mais alguém

tenha estado presente.

[o Interrogador pergunta a Caccini se tem inimizade por Galileu ou por outros discípulos de Galileu]

Eu não só não tenho inimizade com o dito Galilei, como nem sequer o conheço; (…) não tenho nem

inimizade nem ódio, nem com outros discípulos de Galileu, de tal modo que rezo a Deus por eles.

[o Interrogador pergunta se Galileu ensina publicamente em Florença e se tem muitos discípulos]

Eu não sei se o Galileu ensina publicamente nem se tem muitos discípulos: sei bem que em Florença

[ele] tem muitos sequazes, que se chamam galileístas; e estes são aqueles que vão ampliando e

louvando a sua doutrina e opiniões. (…)»

«[o Interrogador pergunta a Caccini qual é a opinião dos florentinos acerca de Galileu em matéria de fé]

Por muitos é tido [por] bom católico; por outros é tido como suspeito nas coisas da fé, porque dizem que

seja muito íntimo daquele frei Paolo servita [Paolo Sarpi], tão famoso em Veneza pela sua impiedade, e

dizem que também trocam presentemente cartas entre eles. (…)

[o Interrogador insiste em ter mais detalhes sobre as “propositiones”: onde e como foram proferidas]

O Padre Ferdinando disse-me que teria ouvido as ditas proposições dos alunos de Galileu várias vezes,

e no claustro de baixo e no dormitório de baixo e na sua cela, e isto depois de eu ter feito aquela lição,

aproveitando a ocasião para me dizer que me tinha defendido deles; nem me recordo que mais alguém

tenha estado presente.

[o Interrogador pergunta a Caccini se tem inimizade por Galileu ou por outros discípulos de Galileu]

Eu não só não tenho inimizade com o dito Galilei, como nem sequer o conheço; (…) não tenho nem

inimizade nem ódio, nem com outros discípulos de Galileu, de tal modo que rezo a Deus por eles.

[o Interrogador pergunta se Galileu ensina publicamente em Florença e se tem muitos discípulos]

Eu não sei se o Galileu ensina publicamente nem se tem muitos discípulos: sei bem que em Florença

[ele] tem muitos sequazes, que se chamam galileístas; e estes são aqueles que vão ampliando e

louvando a sua doutrina e opiniões. (…)»

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Os acontecimentos de 1616

Frei Paolo Sarpi (1552-1623) e o “interdito papal”

Frade servita e intelectual veneziano, amigo de Galileu

Paulo V (1552-1621) é eleito papa a 16 de Maio de 1605

O Papa quer mais poder sobre o clero veneziano, e Veneza recusa

O Papa entra em rota de colisão com a República de Veneza

Em Abril de 1606, Paulo V excomunga os Venezianos

Paolo Sarpi adopta uma posição pública fortemente anti-papal

Sarpi é escolhido para canonista e conselheiro teológico da República

As potências católicas rejeitam tomar partidos nesta controvérsia

Pela via diplomática, chega-se a um compromisso em Abril de 1607

No final de 1609, Galileu ofereceu um telescópio à República de Veneza

Sarpi foi o mediador dessa oferta

Galileu e Sarpi trocaram correspondência sobre vários temas científicos

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Os acontecimentos de 1616

Galileu viaja até Roma (1616)

Ao depoimento de Caccini, segue-se o de Ximenes e o de Attavanti, referidos por Caccini

No entanto, a Inquisição Romana não lhes dá qualquer seguimento

Galileu decide ir a Roma em Dezembro de 1615, para evitar uma condenação do copernicanismo

Guicciardini, embaixador toscano em Roma, escreve no dia 11 a Picchena, Secretário de Cosme II:

A explicação oficial de Cosme II para a viagem de Galileu: “(…) para se defender de (…) calúnias (…)”

Em Janeiro e Fevereiro de 1616, Galileu tem vários encontros com eclesiásticos do Santo Ofício

A 5 de Fevereiro, Galileu tem um encontro com Caccini: este nega ter sido o “motor dos rumores”

A 6 de Fevereiro, Galileu escreve confiante a Picchena, satisfeito com a reacção das autoridades

O jovem Cardeal Alessandro Orsini (educado na corte toscana) pede a Paulo V que receba Galileu

O Papa reage friamente: Galileu deve abandonar o copernicanismo, e o tema está com o Santo Ofício

«(…) Sei bem que alguns frades de São Domingos, que têm grande peso no Santo Ofício, e outros, querem-lhe

mal; e este não é país para se vir disputar sobre a Lua, nem para se querer, no século que corre, defender ou

trazer doutrinas novas. E porque eu ouvi dizer que vem para casa de Sua Alteza [Villa Medici, em Trinità dei

Monti] o nosso Senhor [Galileu], e sei que é vosso servidor, apesar de eu não ter sido advertido por Vossa

Senhoria (…) todavia atrevo-me, por bem, a dizer-vos isto. (…)»

«(…) Sei bem que alguns frades de São Domingos, que têm grande peso no Santo Ofício, e outros, querem-lhe

mal; e este não é país para se vir disputar sobre a Lua, nem para se querer, no século que corre, defender ou

trazer doutrinas novas. E porque eu ouvi dizer que vem para casa de Sua Alteza [Villa Medici, em Trinità dei

Monti] o nosso Senhor [Galileu], e sei que é vosso servidor, apesar de eu não ter sido advertido por Vossa

Senhoria (…) todavia atrevo-me, por bem, a dizer-vos isto. (…)»

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Os acontecimentos de 1616

A condenação (não oficial) do copernicanismo

Após a visita de Orsini, Paulo V manda chamar Bellarmino

A 19 de Fevereiro, o Santo Ofício pede a um painel de onze teólogos que analise duas teses:

1. Que o Sol seja o centro do mundo, e por consequência, imóvel de movimento local

2. Que a terra não é o centro do mundo nem imóvel, mas se mova segundo si mesma toda, e também de movimento diurno [exactamente a mesma frase do depoimento de Caccini!]

Os onze teólogos tiveram apenas cinco dias para debate, pois reuniram-se a 23 e 24 de Fevereiro

A primeira proposição é considerada “estulta e absurda em Filosofia, e formalmente herética”

Filosofia: devido ao aristotelismo, pois no centro do mundo estariam os corpos mais densos

Fé: “formalmente herética” porque contrária à leitura habitual das passagens problemáticas (ex: Josué), o que é um erro, porque uma afirmação contrária às Escrituras não era "ipso facto" herética!

A segunda proposição é considerada “censurável em Filosofia, (…) e pelo menos errónea na Fé”

No dia 25, são lidas a Paulo V as conclusões dos teólogos

Esta condenação é um acto privado: Paulo V não a torna num acto oficial do Magistério da Igreja

Concílio de Trento (Decreto da 4ª sessão) – "(...) decreta que ninguém poderá – em matérias de fé e de morais relativas à edificação da doutrina Cristã – (...) pretender

interpretar a dita sagrada Escritura de forma contrária ao sentido que a Santa Madre Igreja tiver defendido e sustentado; ou mesmo contrária ao consentimento unânime dos Padres

(...)"

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Os acontecimentos de 1616

O dia fatídico de 26 de Fevereiro de 1616

25 de Fevereiro: o Papa Paulo V, via Cardeal Millini, pede a Bellarmino que convoque Galileu:

26 de Fevereiro: o Cardeal Bellarmino convoca Galileu para sua casa, e Galileu acorre imediatamente

Presentes:

Cardeal Roberto Bellarmino (anfitrião)

Galileu Galilei

Padre Michelangelo Seghizzi da Lodi (dominicano, Comissário-Geral do Santo Ofício)

Badino Nores de Nicosa (“maestro di camera” do Cardeal Bellarmino, serviu de testemunha)

Agostino Mongardo (“aiutante di camera” do Cardeal Bellarmino, serviu de testemunha)

É muito estranha, e difícil de explicar, a presença de Seghizzi da Lodi, o Comissário-Geral

A ordem do Papa, via Cardeal Millini, só requeria a presença do “Padre Comissário” para escrever uma injunção caso Galileu não se apresentasse à convocatória de Bellarmino

Galileu apresentou-se a Bellarmino (no mesmo dia e apenas poucas horas depois de convocado)

«(…) [o Santo Padre] ordenou o Ilustríssimo Senhor Cardeal Bellarmino a convocar Galileu perante si,

aconselhando-o a abandonar as ditas opiniões, e se ele se recusar a comparecer, o Padre Comissário, na

presença de um Notário e Testemunhas, far-lhe-á uma injunção para que se abstenha de ensinar, defender ou

tratar de qualquer modo estas doutrinas e opiniões; se ele não aquiescer, será encarcerado.»

«(…) [o Santo Padre] ordenou o Ilustríssimo Senhor Cardeal Bellarmino a convocar Galileu perante si,

aconselhando-o a abandonar as ditas opiniões, e se ele se recusar a comparecer, o Padre Comissário, na

presença de um Notário e Testemunhas, far-lhe-á uma injunção para que se abstenha de ensinar, defender ou

tratar de qualquer modo estas doutrinas e opiniões; se ele não aquiescer, será encarcerado.»

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Os acontecimentos de 1616

O dia fatídico de 26 de Fevereiro de 1616: a “injunção especial” de Seghizzi

26 de Fevereiro: um documento não assinado consta dos arquivos do processo, e diz o seguinte:

Esta injunção especial a Galileu não condiz com a ordem Papal, transmitida via Cardeal Millini

O Papa, ao pedir a Bellarmino para convocar Galileu, preferira a via de uma admonição em privado

Era uma forma diplomaticamente elegante de admonir Galileu sem o vexar publicamente

A presença de Seghizzi não fazia parte do plano: este documento será usado contra Galileu em 1633

Permanece ainda hoje a dúvida: Galileu recebeu mesmo a ordem de Seghizzi?

«Sexta-feira, dia 26. No palácio, a residência habitual do Ilustríssimo Cardeal Bellarmino, o dito Galileu, tendo

sido convocado e tendo-se apresentado perante o dito Senhor Cardeal, foi, na presença do Reverendo padre

frade Michelangelo Seghizzi da Lodi, da ordem dos Pregadores, Comissário-geral do Santo Ofício, avisado do

erro da referida opinião e que a abandonasse; e imediatamente a seguir, perante mim [escreve Seghizzi], e

perante testemunhas, estando ainda presente o Ilustríssimo Senhor Cardeal, o dito Galileu foi ordenado e

intimado, em nome de Sua Santidade o Papa e de toda a Congregação do Santo Ofício, para que abandone de

vez a dita opinião de que o Sol seja o centro do mundo, e imóvel, e a Terra se mova; nem doravante a

sustenha, ensine ou defenda, seja escrita seja oralmente (“…nec eam de Caetero quovis modo teneat,

doceat, aut defendat, verbo, aut scriptis…”); caso contrário, o Santo Ofício procederá contra ele; Galileu

aquiesceu a esta injunção e prometeu obedecer.»

«Sexta-feira, dia 26. No palácio, a residência habitual do Ilustríssimo Cardeal Bellarmino, o dito Galileu, tendo

sido convocado e tendo-se apresentado perante o dito Senhor Cardeal, foi, na presença do Reverendo padre

frade Michelangelo Seghizzi da Lodi, da ordem dos Pregadores, Comissário-geral do Santo Ofício, avisado do

erro da referida opinião e que a abandonasse; e imediatamente a seguir, perante mim [escreve Seghizzi], e

perante testemunhas, estando ainda presente o Ilustríssimo Senhor Cardeal, o dito Galileu foi ordenado e

intimado, em nome de Sua Santidade o Papa e de toda a Congregação do Santo Ofício, para que abandone de

vez a dita opinião de que o Sol seja o centro do mundo, e imóvel, e a Terra se mova; nem doravante a

sustenha, ensine ou defenda, seja escrita seja oralmente (“…nec eam de Caetero quovis modo teneat,

doceat, aut defendat, verbo, aut scriptis…”); caso contrário, o Santo Ofício procederá contra ele; Galileu

aquiesceu a esta injunção e prometeu obedecer.»

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Os acontecimentos de 1616

Decreto da Congregação do Índice [de livros proibidos], 5 de Março de 1616

Entre outras obras pouco relevantes para o tema, foram proibidos os seguintes livros:

De revolutionis orbium coelestium, de Copérnico

In Job, de Astunica

Lettera del R. Padre Maestro Paolo Antonio Foscarini Carmelitano sopra l’opinione de Pittagorici, e del Copernico, della mobilità della Terra, e stabilità del Sole, & il nuovo Pittagorico Sistema del mondo, de Foscarini

A suspensão dos livros de Copérnico e Astunica é temporária, até serem corrigidos (“donec corrigantur”)

A proibição do livro de Foscarini era definitiva, total e absoluta

É muito significativa a ausência de Galileu deste decreto

É um documento disciplinar: uma proibição da leitura de certas obras (não necessariamente heréticas)

Não é um documento doutrinário, ou seja, não corresponde a um acto do Magistério da Igreja Católica

Logo, este decreto não fere o dogma da infalibilidade

A proibição deve ser lida no contexto do Decreto da Quarta Sessão do Concílio de Trento (8-4-1546)

Esse Decreto conciliar proibia interpretações das Escrituras contrárias à tradição da Igreja e à Patrística

O Decreto incidia apenas sobre questões de doutrina católica e/ou de moral

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Os acontecimentos de 1616

Carta de Galileu a Curzio Picchena, 6 de Março de 1616

No dia seguinte ao do Decreto, Galileu escreve em tom positivo e confiante a Curzio Pichenna, Secretário de Estado do Grão-Ducado da Toscânia

No entender de Galileu, a Igreja Católica não fazia caso das calúnias dos seus inimigos

Esta carta mostra bem a satisfação de Galileu com o desfecho do caso

Galileu não interpreta o Decreto como sendo uma condenação do copernicanismo como herético

Galileu permanece uns dias em Roma: consegue uma audiência com o Papa Paulo V a 11 de Março

Galileu escreve a Picchena a 12 de Março, relatando a conversa que teve com o Papa na véspera

Na carta, Galileu diz que o Papa o "consolou", dizendo-lhe que "vivesse com o ânimo repousado", porque o Papa e toda a Congregação o tinham como pessoa íntegra e sincera

Os inimigos de Galileu fazem circular rumores de que Galileu abjurou em privado a Bellarmino

«(...) por aquilo que o êxito demonstrou, o seu parecer [dos inimigos de Galileu] não

encontrou correspondência na Santa Igreja, a qual não decidiu senão que tal opinião [o

copernicanismo] não concorda com as Escrituras Sacras, de modo que só restam proibidos

aqueles livros que quiseram suster que ela [a opinião copernicana] não discordava da

Escritura (...)»

«(...) por aquilo que o êxito demonstrou, o seu parecer [dos inimigos de Galileu] não

encontrou correspondência na Santa Igreja, a qual não decidiu senão que tal opinião [o

copernicanismo] não concorda com as Escrituras Sacras, de modo que só restam proibidos

aqueles livros que quiseram suster que ela [a opinião copernicana] não discordava da

Escritura (...)»

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Os acontecimentos de 1616

Certidão do Cardeal Roberto Bellarmino, 26 de Maio de 1616 3 de Março: na reunião dos Inquisidores, Bellarmino dá conta de que Galileu aceitou a admonição

Bellarmino não faz qualquer menção à injunção especial (supostamente) feita por Seghizzi

A 26 de Maio, Bellarmino passa a Galileu uma certidão importante, que parece contrariar a injunção

A historiografia actual tende a considerar que a injunção foi mesmo feita, contra a vontade de Bellarmino

Page 17: Módulo vi   o caso galileu - parte 2

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1. Introdução

2. Do nascimento de Galileu até 1616

3. Os acontecimentos de 1616

4. De 1616 até ao processo de 1633

5. Da sentença de 1633 até à morte de Galileu

6. O caso Galileu até aos nossos dias

7. Anexo: a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

Índice

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De 1616 até ao processo de 1633

Cronologia relevante

Galileu entra numa disputa oral com Francesco Ingoli acerca da mobilidade da Terra e do sistema copernicano: fica combinado que iriam debater a questão por escrito

Ingoli escreve um texto que não chega a ser impresso; por prudência, Galileu não responde

1618: Durante este ano, fazem a sua aparição três cometas diferentes; Orazio Grassi, professor de matemática do Collegio Romano, faz uma palestra sobre eles; uma cópia da palestra é enviada a Galileu

Junho de 1619: Mario Guiducci, aluno de Galileu, faz uma palestra na Accademia Fiorentina sobre cometas na qual contesta algumas opiniões dos jesuítas do Collegio Romano

Outubro: Grassi, sob o pseudónimo Sarsi, escreve uma obra contra as ideias de Galileu e de Guiducci

1620: A Congregação do Índice publica as correcções a fazer à obra de Copérnico

Junho: Guiducci publica uma carta de contestação à obra de Lothario Sarsi (Orazio Grassi)

Agosto: o Cardeal Barberini (futuro Urbano VIII) envia a Galileu um poema laudatório da sua autoria

Janeiro de 1621: Galileu é eleito Cônsul da Accademia Fiorentina; a Paulo V sucede Gregório XV

Fevereiro: Morte do Grão-duque Cosme II de Médicis; é sucedido por Fernando II, de onze anos de idade, que reinará sob a regência da sua avó Cristina de Lorena e da sua mãe, Maria Madalena de Áustria

17 de Setembro: Morte do Cardeal Roberto Bellarmino

Outubro de 1622: Galileu envia o manuscrito Il Saggiatore (a sua resposta mordaz a Grassi) à Accademia dei Lincei; a obra é dedicada ao Papa Gregório XV

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De 1616 até ao processo de 1633

Cronologia relevante

1623: Publicação da Defesa de Galileu, de Tommaso Campanella, em Frankfurt

Fevereiro: os censores romanos autorizam a impressão da obra Il Saggiatore de Galileu; a impressão atrasa-se e só termina em Outubro

Julho / Agosto: Morte do Papa Gregório XV; eleição do Cardeal Maffeo Barberini (Papa Urbano VIII), para grande alegria de Galileu

Cesarini e Ciampoli, amigos de Galileu, obtêm importantes cargos ao serviço do novo Papa

8 de Setembro: Stelluti (“linceu”) diz a Galileu que o frontispício vai ser todo refeito, com as armas dos Barberini e as da Accademia

Francesco Barberini, sobrinho do Papa, é feito “linceu”

Stelluti conta assim a Galileu como Grassi reagiu ao Il Saggiatore:

Galileu levou a sátira a Grassi ao limite, e parece que o Papa gostou!

«(…) [Sarsi, na Libreria del Sole, em Roma] pediu o dito livro, e ao ler o

frontispício mudou de cor, e disse que Vossa Senhoria o fizera esperar três

anos por esta resposta, mas talvez quando [ele] a ler vai achá-la demasiado

apressada. Meteu subitamente o livro sob o braço e foi-se embora.»

«(…) [Sarsi, na Libreria del Sole, em Roma] pediu o dito livro, e ao ler o

frontispício mudou de cor, e disse que Vossa Senhoria o fizera esperar três

anos por esta resposta, mas talvez quando [ele] a ler vai achá-la demasiado

apressada. Meteu subitamente o livro sob o braço e foi-se embora.»

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De 1616 até ao processo de 1633

Cronologia relevante

Abril de 1624: Galileu vai a Roma ter seis audiências com o Papa e vários cardeais; o Papa assegura-lhe que pode escrever sobre a teoria copernicana, desde que a encare como uma hipótese matemática

Galileu mostra um microscópio à Accademia dei Lincei: uma abelha é vista com este aparelho (desenhos desta experiência serão publicados por Francesco Stelluti em 1630), que depois é entregue ao Cardeal Hohenzollern para ser presenteado ao Duque da Baviera

O Cardeal Hohenzollern fala com Urbano VIII sobre Copérnico:

O Papa diz: “… Santa Chiesa non l’haveva dannata [a tese de Copérnico] né era per dannarla per eretica, ma solo per temeraria”

Ou seja, diz o Papa que a Santa Igreja não quis condenar a tese copernicana, nem considerá-la herética, mas apenas “temerária”

Maffeo Barberini [Urbano VIII] era um dos Cardeais da Congregação do Índice em 1616, quando a comissão de teólogos do Santo Ofício considerou “formalmente herética” a tese da imobilidade do sol

Isto mostra a pouca importância dada por Urbano VIII, em 1624, à posição tomada por essa comissão em Fevereiro de 1616

O Papa não acredita que alguém possa demonstrar a tese de Copérnico como necessariamente verdadeira

Junho: Galileu regressa a Florença com uma carta de Urbano VIII para Fernando II de Médicis, na qual elogia a ciência e a piedade de Galileu

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De 1616 até ao processo de 1633

Cronologia relevante

Setembro de 1624: Galileu decide responder a Ingoli (que ficara sem resposta desde 1616)

Galileu começa a rever o seu trabalho sobre as marés, que servirá de base para o seu futuro “Diálogo” sobre os dois sistemas planetários, a surgir apenas em 1632

A 23 de Setembro, Galileu escreve a Cesi:

Em Dezembro, Galileu escreve a Marsili

1624/1625: Queixa anónima acerca da obra de Galileu Il Saggiatore é depositada na Inquisição

A queixa alega falsamente que as ideias atomistas expostas por Galileu nessa obra não são compatíveis com a doutrina católica da transubstanciação, relativa ao sacramento da Eucaristia, pelo qual o pão e o vinho são transformados em Corpo e Sangue de Cristo

Após uma investigação por parte da Inquisição, Galileu é ilibado das suspeitas de heresia

«Neste momento, regressei ao fluxo e refluxo [às marés], e cheguei a esta proposição: estando a Terra imóvel, é

impossível que sucedam os fluxos e refluxos; e movendo-se [a Terra] dos movimentos já assinalados, é

necessário que [eles] sucedam, com todos os acidentes que nesses se observam.»

«Neste momento, regressei ao fluxo e refluxo [às marés], e cheguei a esta proposição: estando a Terra imóvel, é

impossível que sucedam os fluxos e refluxos; e movendo-se [a Terra] dos movimentos já assinalados, é

necessário que [eles] sucedam, com todos os acidentes que nesses se observam.»

«Entretanto, vou levando adiante o meu Diálogo do fluxo e refluxo, do qual se retira como consequência o

sistema copernicano e, graças a Deus, sinto-me de tal forma com saúde que posso aplicar qualquer hora do dia a

este serviço.»

«Entretanto, vou levando adiante o meu Diálogo do fluxo e refluxo, do qual se retira como consequência o

sistema copernicano e, graças a Deus, sinto-me de tal forma com saúde que posso aplicar qualquer hora do dia a

este serviço.»

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De 1616 até ao processo de 1633

Cronologia relevante

20 de Outubro de 1625: Galileu, em carta a Diodati, manifesta a intenção de ampliar a sua obra, para lá do tema do fluxo e refluxo, para a tornar numa ilustração dos sistemas ptolemaico e copernicano

1626: Orazio Grassi publica em Paris uma obra de reacção ao Il Saggiatore

1626: Urbano VIII nomeia Castelli (discípulo predilecto de Galileu) professor de Matemática em Roma; Castelli também é escolhido para tutor do sobrinho do Papa, Taddeo Barberini (1603-1647)

Março de 1627: Urbano VIII atribui uma pensão de 60 scudi por ano a Vincenzo, filho de Galileu

1628: Uma doença grave afecta Galileu, que o atormenta com dores durante ano e meio

1629: Os amigos de Galileu anseiam pela conclusão do “Diálogo”

Perto do Natal de 1629, Galileu anuncia a Cesi e a Ciampoli que “conduziu ao porto” a sua obra

Fevereiro de 1630: Urbano VIII atribui uma pensão de 40 scudi por ano a Galileu

Abril de 1630: Galileu termina o seu Diálogo acerca dos dois máximos sistemas do Mundo – o Ptolemaico e o Copernicano; escrito sob a forma de diálogo, confrontavam-se três personagens:

Salviati, o adepto de Copérnico, inspirado no amigo de Galileu Filippo Salviati (1582-1614)

Simplício, o adepto de Ptolomeu, cujo nome evocaria Simplício de Cilícia (c. 490-560 d.C.), comentador de Aristóteles; nome malicioso: é Simplício que expõe os maus argumentos

Sagredo, inicialmente neutro, será convencido dos argumentos a favor de Copérnico, e cujo nome teria sido inspirado noutro amigo de Galileu, Giovanfrancesco Sagredo (1571-1620)

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De 1616 até ao processo de 1633

As peripécias em torno da publicação do “Diálogo”

O contexto em Roma, aos olhos de Galileu, parecia muito bom: na cidade, Galileu tinha do seu lado Cesi, Ciampoli, Castelli, e o recente novo embaixador da Toscânia em Roma, Francesco Niccolini

Niccolini mostrava grande simpatia por Galileu, mais do que o seu antecessor Guicciardini

A mulher de Niccolini, Caterina Riccardi era parente do Padre Riccardi, mestre do Sacro Palácio

O Padre Niccolò Riccardi era o responsável pela concessão do “imprimatur” em Roma

A 26 de Abril de 1630, Galileu parte de Florença rumo a Roma, levando consigo o manuscrito

A 3 de Maio está em Roma, alojado na Villa Medici

A 17 ou 18 de Maio, Galileu é recebido pelo Papa Urbano VIII

Na primeira quinzena de Maio, circulou por Roma um horóscopo que previa a morte próxima do Papa e do seu sobrinho Taddeo Barberini, obra do círculo de astrólogos em torno de Orazio Morandi

No dia 18 de Maio, Antonio Baldelli divulga uma “notícia” que associa Galileu ao horóscopo

28 de Maio: Galileu, ingénuo, aceita um convite de Morandi, e encontra-se com ele e outros

Por coincidência, um grupo de cardeais estrangeiros chegava a Roma ao mesmo tempo

Supersticioso, temendo morrer, Urbano VIII manda prender Morandi em Tor di Nona

Galileu pede ao seu amigo Michelangelo Buonarroti (o jovem) que desminta junto do Cardeal Francesco Barberini qualquer envolvimento seu no caso Morandi

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De 1616 até ao processo de 1633

As peripécias em torno da publicação do “Diálogo”

Junho de 1630: Riccardi começa a analisar o livro de Galileu e pede a ajuda do seu amigo Visconti

16 de Junho: Visconti faz o ponto de situação a Galileu:

As “pequenas coisas” visam, genericamente, tornar “hipotético” o modelo copernicano

É muito provável que nem Riccardi, nem Visconti, nesta fase tivessem lido a obra por completo

A 26 de Junho, Galileu parte de Roma de regresso a Florença levando consigo o manuscrito

Em Junho, Scheiner publica a Rosa Ursina, obra sobre as manchas solares, na qual Galileu é atacado logo no primeiro livro; o que demonstra que Galileu perdera o apoio do Collegio Romano

A 1 de Agosto, morre Federico Cesi, na sequência de febres altas

Galileu abandona a ideia de imprimir o “Diálogo” em Roma, e opta por Florença

O “imprimatur” de Riccardi só era válido para Roma: Galileu informa Riccardi da sua nova vontade

Riccardo aceita a mudança para Florença, mas quer ler por inteiro uma cópia antes de a autorizar

A 11 de Setembro, o Vigário-geral e o Inquisidor de Florença (Niccolini e Egidi) dão o “imprimatur”

Galileu não manda o manuscrito para o Padre Riccardi, justificando-se com a peste e as fumigações

«O Padre Mestre [do Sacro Palácio, Riccardi] beija-lhe as mãos, e diz que a obra lhe agrada, e que amanhã de

manhã falará com o Papa acerca do frontispício da obra, e que de resto, acomodando pequenas coisas,

semelhantes às que acomodámos juntos, lhe dará o livro»

«O Padre Mestre [do Sacro Palácio, Riccardi] beija-lhe as mãos, e diz que a obra lhe agrada, e que amanhã de

manhã falará com o Papa acerca do frontispício da obra, e que de resto, acomodando pequenas coisas,

semelhantes às que acomodámos juntos, lhe dará o livro»

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De 1616 até ao processo de 1633

As peripécias em torno da publicação do “Diálogo”

Galileu propõe a Riccardi enviar-lhe o prefácio e a conclusão do livro, sugerindo que Riccardi escolha alguém para fazer, em Florença, a revisão do corpo da obra

Contrariado, Riccardi aceita a sugestão de Galileu e escolhe o padre dominicano Ignazio del Nente

Posteriormente, a revisão passa para as mãos de Giacinto Stefani, consultor local do Santo Ofício

A revisão de Stefani não alterou em nada a substância; todavia, Riccardi não enviou o “imprimatur”

Em Março de 1631, Galileu perde a paciência e pede a ajuda do Secretário de Estado, Andrea Cioli

Em Abril, Riccardi escreve a Niccolini dizendo que vai aprovar a obra, mas sob condições:Receber a versão final e inalterável do prefácio e da conclusão Em seguida, enviar ao padre Stefani as eventuais correcções a fazer antes do “imprimatur”

A 27 de Maio, Niccolini entrega a Riccardi as versões finais e definitivas do prefácio e da conclusão

A 19 de Julho, Riccardi envia o prefácio e a conclusão com as suas revisões: Galileu pode fazer alterações à forma (não à substância) e ao prefácio; a conclusão deve conter o raciocínio teológico de Urbano VIII acerca da Divina Omnipotência, que impede a defesa definitiva de um modelo planetário

Segundo Urbano VIII, Deus poderia ter feito, ou fazer, as coisas de forma diversa do observado

É Urbano VIII quem insiste para que o título do livro refira os dois máximos sistemas do mundo

Galileu queria, com a sua obra, provar pelas marés o modelo copernicano

Urbano VIII queria deixar a questão em aberto, com espaço para a defesa de ambos os modelos

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De 1616 até ao processo de 1633

As peripécias em torno da publicação do “Diálogo”

A 21 de Fevereiro de 1632, o editor Giovanni Batista Landini (Florença) termina a impressão

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De 1616 até ao processo de 1633

Urbano VIII encurralado, no preciso momento em que circula em Roma o “Diálogo”

Neste momento da Guerra dos Trinta Anos, o Papa apoiava França e aliados protestantes:

O Rei de França, Luís XIII

O Rei da Suécia, Gustavo II Adolfo (protestante)

O Papa estava do lado oposto dos Habsburgo (Portugal, Espanha e o Sacro Império)

No consistório secreto de 8 de Março de 1632, Urbano VIII enfrenta as críticas do Cardeal Bórgia

Nesse consistório, Gaspare Borgia, sem autorização prévia, lê uma declaração aos Cardeais

Bórgia (com Ubaldini, co-autor) critica o papa por apoiar “as potências heréticas com o rei da Suécia”:

Urbano VIII manda calar Bórgia, mas este prossegue o discurso inflamado, dividindo os Cardeais entre si

Por se ter alinhado com os Cardeais filo-espanhóis, Ciampoli, o amigo de Galileu, é exonerado

Tumultos em Roma: “Han fatto più danno / Urbano e nepoti / Che Vandali e Goti”

«(…) Ele [o Rei de Espanha, Filipe IV] voltou-se para Vossa Santidade como pai universal, pregando

insistentemente e humildemente que [o Papa] queira contribuir com as próprias forças em dinheiro, mas

o que mais importa é congregar todos os princípios e povos católicos ante o perigo (…) de forma a que

Vossa Santidade se mostre doravante com apostólico zelo como um daqueles papas, os quais foram os

vossos santos e celebérrimos antecessores. Pois estes fizeram ressoar a sua voz apostólica como uma

trompa, exortando toda a cristandade a firmar aquelas gloriosas alianças que deveriam defender a fé e

até propagá-la.»

«(…) Ele [o Rei de Espanha, Filipe IV] voltou-se para Vossa Santidade como pai universal, pregando

insistentemente e humildemente que [o Papa] queira contribuir com as próprias forças em dinheiro, mas

o que mais importa é congregar todos os princípios e povos católicos ante o perigo (…) de forma a que

Vossa Santidade se mostre doravante com apostólico zelo como um daqueles papas, os quais foram os

vossos santos e celebérrimos antecessores. Pois estes fizeram ressoar a sua voz apostólica como uma

trompa, exortando toda a cristandade a firmar aquelas gloriosas alianças que deveriam defender a fé e

até propagá-la.»

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De 1616 até ao processo de 1633

As suspeitas de Urbano VIII acerca da capa do “Diálogo”

“Grandior ut proles”, o lema do editor florentino Giovanni Battista Landini, surge na capa e contracapa

O lema significa: “cresço com os meus descendentes”

Urbano VIII achou que esse lema era uma acusação velada contra o seu nepotismo

Urbano VIII achou que os três golfinhos (“delfino”) representavam os seus três sobrinhos, por ele agraciados com cargos importantes

O Papa pede esclarecimentos ao inquisidor de Florença, Egidi

Egidi explica que Landini usava a iconografia em todas as obras

A 25 de Julho de 1632, Riccardi escreve ao inquisidor Egidi:

Galileu, realmente, modificou o prefácio, enfraqueceu os argumentos do Papa e colocou-os na boca de Simplício

No entanto, Riccardi fez um mau trabalho de revisão ao livro

Riccardi, que deu o “imprimatur”, desculpa-se em Galileu, que ele se desviou do que fora acordado

«(…) Chegou a estas bandas o livro do Senhor Galileu, e há muitas

coisas que não agradam (…) é ordem do Nosso Senhor [do Papa]

(…) que o livro se retenha, e não passe assim, sem que se mande o

que há a corrigir, e muito menos se o deixe sair [circular]»

«(…) Chegou a estas bandas o livro do Senhor Galileu, e há muitas

coisas que não agradam (…) é ordem do Nosso Senhor [do Papa]

(…) que o livro se retenha, e não passe assim, sem que se mande o

que há a corrigir, e muito menos se o deixe sair [circular]»

Page 29: Módulo vi   o caso galileu - parte 2

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De 1616 até ao processo de 1633

Os problemas identificados no “Diálogo” (cfr. arquivos do processo)1. Ter posto o imprimatur de Roma sem [ter recebido] ordem, e sem participar a publicação com quem diz

se ter subscrito.

2. Ter posto o prefácio com carácter distinto, e o ter tornado inútil como [se fosse] alienado do corpo da obra, e ter posto a cautela do fim na boca de um tolo, e em tal parte que nem sequer se encontra senão com dificuldade, aprovada depois pelo outro interlocutor friamente, e com acenar somente e não distinguir o bem que mostra dizer de má vontade.

3. Esquecer-se na obra muitas vezes e retirar-se da hipótese, ou afirmando absolutamente a mobilidade da terra e a estabilidade do sol, ou qualificando os argumentos sobre os quais a funda como demonstrativos e necessários, ou tratando a parte negativa por impossível.

4. Trata a coisa como não decidida, e como se se esperasse [pela decisão] e não se pressuponha a definição [do geocentrismo]

5. O mal tratar dos autores contrários e de quem mais se serve [a] Santa Igreja.

6. Afirmar-se e declarar-se mal qualquer igualdade, no compreender as coisas geométricas, entre o intelecto humano e divino.

7. Dar por argumento de verdade que os ptolemaicos passam a copernicanos, e não vice-versa.

8. Ter resolvido mal o existente fluxo e refluxo do mar na estabilidade do sol e mobilidade da terra, não existente.

9. Todas estas coisas se poderiam emendar, se se julgasse existir qualquer utilidade no livro (…)

No final desta lista, consta um parágrafo em latim com a injunção especial de Seghizzi (1616)

Este parágrafo está destacado por um traço vertical feito a tinta: é o mote para o processo

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De 1616 até ao processo de 1633

O processo contra Galileu Por volta de Setembro de 1632, Niccolini tenta interceder junto de Urbano VIII, mas como ele relata numa carta escrita no dia 5 para o Secretário de Estado Cioli, o Papa sentia-se enganado e manipulado, sobretudo por Galileu e Ciampoli:

Niccolini, a pedido de Florença, insiste junto de Urbano VIII em defesa de Galileu, e que a obra deste fora aprovada pelas autoridades romanas

O Papa não reage bem a estas insistências e alude que também Riccardi tinha sido irresponsável

Niccolini, em último recurso, pede ao Papa que Galileu possa saber quais as acusações para se defender

O Papa responde que Galileu sabe muito bem quais os problemas, que eles os discutiram no passado

Niccolini anda pede a Urbano VIII para ter em consideração o Príncipe (Fernando II de Medici)

O Papa, furioso, diz que sempre tratou bem Galileu, melhor do que este o tratou

A 11 de Setembro, Riccardi confidencia a Niccolini um segredo: encontrou-se, nos arquivos do Santo Ofício, uma injunção a Galileu datada “de há doze [16] anos atrás (…) e que esta basta para o arruinar”

Que Galileu tenha mantido esta injunção em segredo (se ela lhe foi feita) agravou ainda mais o seu caso

Urbano VIII convoca uma comissão para avaliar o caso: unânime, esta decide passá-lo ao Santo Ofício

«(…) Sua Santidade irrompe em muita cólera, e de improviso, disse-me que também o nosso Galileu se tinha

atrevido a entrar onde não devia, e em matéria da maior gravidade e perigo que se poderia suscitar nestes

tempos. (…)»

«(…) Sua Santidade irrompe em muita cólera, e de improviso, disse-me que também o nosso Galileu se tinha

atrevido a entrar onde não devia, e em matéria da maior gravidade e perigo que se poderia suscitar nestes

tempos. (…)»

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De 1616 até ao processo de 1633

O processo contra Galileu

23 de Setembro de 1632: no Palácio Apostólico, na reunião do Santo Ofício, e na presença do Papa e dos Cardeais inquisidores (com Gaspare Borgia à cabeça da lista), Urbano VIII ordena que se escreva ao Inquisidor de Florença para que este convoque Galileu a vir a Roma no próximo mês de Outubro

Galileu, aceitando comparecer, adia repetidas vezes a sua partida por motivos de saúde

A 30 de Dezembro, em reunião da Inquisição, Urbano VIII intima Galileu a comparecer ou ser preso

Galileu chega a Roma em Fevereiro de 1633, ficando na Villa Medici, sem poder fazer contactos sociais

Galileu é interrogado pela Inquisição em Abril; de 12 a 30 de Abril permanece detido nos aposentos de um oficial do Palácio Apostólico (Santo Ofício)

No depoimento do dia 12 de Abril, Galileu mostra o atestado do Cardeal Bellarmino, datado de 1616

Galileu nega ter recebido qualquer preceito, para além do texto da Decreto da Congregação do Índice

No dia 30 de Abril, Galileu depõe novamente, e reconhece ser possível ler a sua obra como uma defesa do modelo de Copérnico, e oferece-se para modificar as passagens ambíguas

Galileu é autorizado, nesta data, a permanecer na Villa Medici, sob prisão domiciliária

Volta a depor no dia 10 de Maio: Galileu insiste em que não foi intimado pessoalmente a não ensinar ou defender o modelo de Copérnico, e volta a usar o atestado de Bellarmino nesse sentido

A 16 de Junho, o “Diálogo” é formalmente proibido; Galileu admite ter-se excedido na defesa do copernicanismo e de não ter escrito hipoteticamente; é sentenciado a prisão por tempo indeterminado

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De 1616 até ao processo de 1633

O processo contra Galileu: a abjuração “de vehementi” (22 de Junho) É exigido a Galileu que abjure “de vehementi”, uma fórmula aplicada a todos os réus que negavam uma heresia e, ao mesmo tempo, eram suspeitos de ter persistido nessa heresia durante longo período de tempo

O texto de abjuração é apresentado a Galileu, e este dirigiu-se aos Cardeais nestes termos:

De seguida, Galileu abjura “com coração sincero e fé não fingida”:

A frase “Eppur si muove!” é uma lenda: surge pela primeira vez em 1757 na obra de Giuseppe Baretti

«(…) dado que se procedia com ele desta maneira, ele iria dizer tudo o que agradasse a suas Eminências,

exceptuando apenas duas coisas: ele nunca diria que não era católico, porque ele o era e [assim] queria morrer

(…); e que não poderia nem sequer dizer que teria enganado alguém, e especialmente na publicação do seu

livro, que ele havia submetido à censura eclesiástica, e recebida legitimamente a aprovação (…)»

«(…) dado que se procedia com ele desta maneira, ele iria dizer tudo o que agradasse a suas Eminências,

exceptuando apenas duas coisas: ele nunca diria que não era católico, porque ele o era e [assim] queria morrer

(…); e que não poderia nem sequer dizer que teria enganado alguém, e especialmente na publicação do seu

livro, que ele havia submetido à censura eclesiástica, e recebida legitimamente a aprovação (…)»

«Eu Galileu Galilei (…) ajoelhado perante Vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos Senhores Cardeais (…) tendo

perante os meus olhos os sacrossantos Evangelhos, os quais toco com as próprias mãos. Juro que sempre

acreditei, sempre aderi, e com a ajuda de Deus acreditarei doravante em tudo o que tem, prega e ensina a Santa

Católica e Apostólica Igreja Romana. (…) querendo eu remover das mentes de Vossas Eminências, e de todo o

fiel cristão, esta veemente suspeição racionalmente concebida contra mim, de coração sincero e fé não fingida,

abjuro, amaldiçoo e detesto os referidos erros [copernicanos] e heresias (…) e juro que doravante mais nada

direi, nem assertirei verbalmente ou por escrito coisas tais que permitam ter de mim semelhante suspeição (…)

recitada palavra a palavra em Roma, no Convento da Minerva neste 22 de Junho de 1633, eu Galileu Galilei

abjurei como acima [descrito] por mão própria.»

«Eu Galileu Galilei (…) ajoelhado perante Vós, Eminentíssimos e Reverendíssimos Senhores Cardeais (…) tendo

perante os meus olhos os sacrossantos Evangelhos, os quais toco com as próprias mãos. Juro que sempre

acreditei, sempre aderi, e com a ajuda de Deus acreditarei doravante em tudo o que tem, prega e ensina a Santa

Católica e Apostólica Igreja Romana. (…) querendo eu remover das mentes de Vossas Eminências, e de todo o

fiel cristão, esta veemente suspeição racionalmente concebida contra mim, de coração sincero e fé não fingida,

abjuro, amaldiçoo e detesto os referidos erros [copernicanos] e heresias (…) e juro que doravante mais nada

direi, nem assertirei verbalmente ou por escrito coisas tais que permitam ter de mim semelhante suspeição (…)

recitada palavra a palavra em Roma, no Convento da Minerva neste 22 de Junho de 1633, eu Galileu Galilei

abjurei como acima [descrito] por mão própria.»

Page 33: Módulo vi   o caso galileu - parte 2

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1. Introdução

2. Do nascimento de Galileu até 1616

3. Os acontecimentos de 1616

4. De 1616 até ao processo de 1633

5. Da sentença de 1633 até à morte de Galileu

6. O caso Galileu até aos nossos dias

7. Anexo: a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

Índice

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34

Da sentença de 1633 até à morte de Galileu

Galileu em prisão domiciliária A 30 de Junho de 1633, Galileu pede ao Papa a comutação da pena para a sua residência em Florença

Em Dezembro, Galileu recebe permissão para voltar para sua casa, em Arcetri (arredores de Florença)

Em 1636, o editor holandês Elsevier aceita publicar os “Discursos e demonstrações matemáticas em torno das novas ciências acerca da mecânica e movimento local”

Em Janeiro de 1638, Galileu está cego de ambos os olhos

Pede à Inquisição que o liberte da prisão domiciliária

A 25 de Fevereiro, a Inquisição diz que não, mas permite que ele se mude de Arcetri para Florença, para estar perto dos médicos

A 20 de Março, o Inquisidor de Florença transmite a Roma um pedido de Galileu: poder assistir à missa em dias festivos

No dia 29, obtém a permissão, mas não pode falar com ninguém

A obra-prima de Galileu é editada em Leiden em Julho de 1638

Não pôde circular nos países católicos devido a um interdito geral a todas as obras de Galileu

Em Janeiro de 1642, Galileu morre em Arcetri

É sepultado na Igreja de Santa Cruz, em Florença

Page 35: Módulo vi   o caso galileu - parte 2

3535

1. Introdução

2. Do nascimento de Galileu até 1616

3. Os acontecimentos de 1616

4. De 1616 até ao processo de 1633

5. Da sentença de 1633 até à morte de Galileu

6. O caso Galileu até aos nossos dias

7. Anexo: a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

Índice

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3636

1. Introdução

2. Do nascimento de Galileu até 1616

3. Os acontecimentos de 1616

4. De 1616 até ao processo de 1633

5. Da sentença de 1633 até à morte de Galileu

6. O caso Galileu até aos nossos dias

7. Anexo: a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

Índice

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37

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

Nota: este Anexo foi escrito pelo meu amigo Nuno António, a quem agradeço a valiosa ajuda

Page 38: Módulo vi   o caso galileu - parte 2

38

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

Nota: este Anexo foi escrito por Nuno António, a quem agradeço a generosa ajuda

Page 39: Módulo vi   o caso galileu - parte 2

39

Introdução Um dos grandes conflitos da história moderna europeia

Consistiu numa série de guerras, declaradas e não declaradas, na Europa central, entre

1618 e 1648

De um dos lados tínhamos a casa de Áustria: os Imperadores Habsburgos do Sacro

Império Romano Fernando II e III aliados ao seu primo espanhol Filipe IV

Estes foram confrontados por vários oponentes: Dinamarqueses, Holandeses e, acima de

tudo, Franceses e Suecos

Adicionalmente, este conflito foi também uma guerra civil entre principados alemães que

tomaram as cores de um lado ou outro durante os 30 anos que durou

Do ponto de vista religioso, a Guerra foi, pelo menos parcialmente, um conflito entre

Católicos, Luteranos e Calvinistas. Fernando II e, em menor grau, o seu principal aliado

Maximiliano I representavam as forças da contra-reforma. Já Frederico V do Palatinado

representava os Calvinistas

No entanto, muitos líderes facilmente trocavam convicções religiosas por vantagens

políticas: A França católica irá apoiar os protestantes em troca de vantagens políticas.

A teia de conflitos militares e políticos é grandemente complexa e apenas forneceremos

alguns tópicos principais

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

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Antecedentes

1555: O Luteranismo é oficialmente reconhecido no Sacro Império Romano sob a Paz de

Augsburgo. O secularistas que se apropriaram das suas terras mantiveram-nas. Os

Príncipes alemães começam a impor a sua religião aos súbditos. Começa a montar-se o

“caleidoscópio”

Os Calvinistas argumentam não estarem vinculados a este acordo de paz entre Católicos

e Luteranos e continuam a apropriação de terras no norte da actual Alemanha depois do

acordo ter sido assinado. A máquina administrativa Católica começa a ser desmantelada

pelos Protestantes

Católicos e Protestantes formam alianças para preservar os seus direitos. Os primeiros

juntam-se à volta de Maximiliano I da Baviera enquanto a união Protestante é formada em

torno de Frederico V do Palatinado

Começam a ocorrer revoltas de índole religioso na Boémia, Morávia e outras áreas

dissidentes do Império Austríaco.

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

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O Sacro Império Romano em 1618

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

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Guerra dos 30 anos (1618-1648)

Rosa: países com maioria protestanteAmarelo: Territórios dos Habsburgos espanhóisLaranja: Territórios dos Habsburgos austríacos

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A Guerra dos 30 anos na Boémia (1618-1621)

Os Boémios, frente à pressão dos Habsburgos, revoltam-se e coroam Frederico V do Palatinado como seu Rei Apesar dos sucessos iniciais, Fernando II, apoiado pelos parentes espanhóis, pela Liga Católica e pela Luterana Saxónia esmaga a revolta na montanha branca perto de Praga Em simultâneo, a Espanha invade e conquista o Baixo Palatinado, no Reno, assegurando uma faixa contínua entre os seus territórios de Itália e da actualmente Bélgica.

Guerra dos 30 anos (1618-1648)

A defenestração de Praga:O Imperador Matias quer colocar Fernando no trono da Boémia para garantir uma sucessão católica ao título. Um grupo de protestantes revolta-se e marcha para o palácio real de Praga em 1618 e atira os conselheiros do Rei pela janela fora para o fosso exterior.

Johan Tzerclaes, Conde de Tilly,

comandante dos exércitos bávaro e

imperial.

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A Guerra dos 30 anos no Palatinado (1621-1624)

Frederico V, aliado a outros líderes protestantes, consegue reconquistar o Baixo Palatinado. Os Holandeses, que combatem a Espanha pela sua independência desde 1568, vão dar um forte suporte a esta campanha

Batalha de Stadtlohn, vista aérea por Pieter SnayersA derrota de Frederico

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

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A Guerra dos 30 anos na Dinamarca (1625-1630)

É formada uma liga entre franceses, ingleses e

holandeses para combaterem os Habsburgos. O seu

campeão é Cristiano IV da Dinamarca, o qual possuía

também extensos territórios no Norte da “Alemanha”

A invasão é completamente esmagada pelo exército da

Liga Católica e a nova força Imperial sob as ordens do

Boémio e enigmático condottiere Wallenstein

A inércia criada pela vitória conduz ao Édito de

Restituição que devolve as terras expropriadas desde

1550 à Igreja Católica Romana

Wallenstein torna-se temido e os líderes territoriais

forçam o imperador a removê-lo do poder a reduzir a

dimensão do exército imperial.

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

General CatólicoAlbrecht von Wallenstein

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A Guerra dos 30 anos na Suécia (1630-1634): 1/2

O crescente poder dos Habsburgos no Báltico gera

preocupações no Reino da Suécia. Liderados por um dos

maiores génios militares da História, Gustavo Adolfo, eles

invadem o norte da Alemanha

Apesar de serem protestantes luteranos, não foram bem

recebidos pelos locais com quem partilhavam a fé. O seu único

aliado de peso serão os franceses que subsidiam o seu

exército

Em 1631, Magdeburgo, cidade aliada dos suecos, é invadida

pelas tropas imperiais de Johann Tserclaes, Conde de Tilly.

São massacrados 20000 habitantes. Este gesto levou a que os

protestantes locais se começassem a armar

As tropas imperiais vão de seguida invadir a Saxónia. Esta vai

aliar-se também aos suecos.

Gustavo II Adolfo

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

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Vitória de Gustavo II Adolfo na batalha de Breitenfield (1631)

A Guerra dos 30 anos na Suécia (1630-1634): 2/2

As forças imperiais e suecas vão finalmente encontrar-se em Breitenfeld, sendo os

primeiros aniquilados pelos escandinavos

No seguimento desta vitória, os suecos apropriam-se de quase todo o sul da Alemanha.

O imperador, em desespero, volta a chamar Wallenstein

As tropas suecas e as do novo exército de Wallenstein encontram-se em Lützen, perto

de Leipzig. O desfecho da batalha foi um empate mas Gustavo Adolfo é morto

Temendo a fama e poder de Wallenstein, o imperador manda matá-lo

As tropas imperiais, agora aliadas às espanholas, infligem uma derrota esmagadora aos

suecos em Nördlingen. Todas as terras no sul da Alemanha são recuperadas

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

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Campanhas de Torstenson

(1642)

A França na Guerra dos 30 anos (1634-1638)

Após a batalha de Nördlingen, a maioria dos líderes alemães faz tréguas com o imperador. Pelo

tratado de Praga, todas as terras imperiais apropriadas pelos protestantes em 1627 irão ficar na

posses destes últimos

França declara Guerra à Espanha

As tropas imperiais vão gradualmente enfraquecendo. A França conquista a Alsácia e quase

toda a bacia do Reno enquanto os Suecos apropriam-se ou neutralizam os principados do norte

da Alemanha e levam o conflito até à Boémia.

 Cardeal Richelieu

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

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A paz de Vestefália (1648)

Assinada a 24 de Outubro de 1648 em

Osnabruque e Munique

Os suecos recebem uma generosa

indemnização e controlo sobre o Oeste da

Pomerânia, Bremen e Verden

Aos franceses são concedidos direitos (de

justificação duvidosa) sobre a Alsácia

O controlo do Imperador sobre os territórios

alemães torna-se nulo

Dentro da porção alemã do Império, irá ser

permitido o protestantismo e proceder-se-á à

secularização dos órgãos de governo

Nos territórios dos Habsburgos na Boémia e

Áustria, o Imperador retomará o carácter oficial

do catolicismoPercentagem da população morta

durante o conflito

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)

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Eu

rop

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uas (1648)

Anexo: a Guerra dos 30 anos (1618-1648)