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1 MODUS FACIENDI NO ATUAL ZEITGEIST Carlos Eduardo Luz Gabriel 1 Daniel Brisolla Rezende Renato de Souza Cruz Leme Rodrigo Farias de Melos Heitor Augusto Alves Jean da Silva Eugênio RESUMO Contextualizado com o “Zeitgeist” atual (espírito do tempo) e buscando o “Modus Faciendi”, ou seja, a forma com atuamos na sociedade, este artigo tem por objetivo estabelecer um paralelo entre as consequências da desmobilização do Exército Iraquiano de Saddam Hussein, antes de 2004, que resultou em um dos fatores do surgimento do ISIS (Islamic state of Iraq and Siria), e a análise da agenda de desmilitarização das polícias militares estaduais brasileiras e seus possíveis reflexos danosos para sociedade, como a arregimentação destes militares para o crime organizado. Para atingir este objetivo, foi orientado através das teorias de segurança de Barry Buzan, no conceito das “Novas Ameaças”, particularmente a nova face do Terrorismo e os Crimes Transnacionais, focado no crime organizado. Palavras-chave: ISIS, Exército Iraquiano, Polícia Militar, Terrorismo 1 Carlos Eduardo Luz Gabriel graduado em bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (1996), Curso de aperfeiçoamento em Ciencias Militares (Latu sensu), especialização no Curso Básico de Montanhismo no 11o BIMth, Especialização em Bases Geo-Históricas para formulação Estratégica e Especialidade - Bases Geo-Históricas para Formulação Estratégica Superior - Pós-Graduação - ´Lato Sensu´- CPrep ECEME, e Mestrando no curso de pós- graduação em Estudos Marítimos PPGEM/CEPE na Escola de Guerra Naval.

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MODUS FACIENDI NO ATUAL ZEITGEIST

Carlos Eduardo Luz Gabriel1

Daniel Brisolla Rezende

Renato de Souza Cruz Leme

Rodrigo Farias de Melos

Heitor Augusto Alves

Jean da Silva Eugênio

RESUMO

Contextualizado com o “Zeitgeist” atual (espírito do tempo) e buscando o “Modus

Faciendi”, ou seja, a forma com atuamos na sociedade, este artigo tem por objetivo estabelecer um

paralelo entre as consequências da desmobilização do Exército Iraquiano de Saddam Hussein, antes de

2004, que resultou em um dos fatores do surgimento do ISIS (Islamic state of Iraq and Siria), e a

análise da agenda de desmilitarização das polícias militares estaduais brasileiras e seus possíveis

reflexos danosos para sociedade, como a arregimentação destes militares para o crime organizado.

Para atingir este objetivo, foi orientado através das teorias de segurança de Barry Buzan, no conceito

das “Novas Ameaças”, particularmente a nova face do Terrorismo e os Crimes Transnacionais, focado

no crime organizado.

Palavras-chave: ISIS, Exército Iraquiano, Polícia Militar, Terrorismo

1 Carlos Eduardo Luz Gabriel – graduado em bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras

(1996), Curso de aperfeiçoamento em Ciencias Militares (Latu sensu), especialização no Curso Básico de Montanhismo no

11o BIMth, Especialização em Bases Geo-Históricas para formulação Estratégica e Especialidade - Bases Geo-Históricas

para Formulação Estratégica Superior - Pós-Graduação - ´Lato Sensu´- CPrep ECEME, e Mestrando no curso de pós-

graduação em Estudos Marítimos PPGEM/CEPE na Escola de Guerra Naval.

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1. INTRODUÇÃO

O Significado de Zeitgeist e o Modus Faciendi do Século XXI

Zeitgeist significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos.

Palavra alemã que indica o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo,

numa certa época, ou características genéricas de um determinado período de

tempo.

O conceito de Zeitgeist foi introduzido por Johann Gottfried Herder2 e outros

escritores românticos alemães. Em 1769, Herder escreveu uma crítica ao

trabalho do filósofo Christian Adolph Klotz3, introduzindo a palavra Zeitgeist.

Em uma definição mais aproximada, pode significar para a língua

portuguesa e aos trabalhos científicos a contextualização temporal, a ser

observada, respeitando os costumes, tradições e “modus vivendi” de uma

2 Johann Gottfried von Herder (1744 - 1803) foi um filósofo e escritor alemão. Após diversas obras sobre

a arte e a linguagem, especialmente Ensaio sobre a origem da linguagem, de 1772, Herder publicou suas duas principais

obras: Outra filosofia da história para a educação da humanidade, de 1774 e Ideias sobre a filosofia da história da

humanidade (1784 a 1791). Herder ocupa lugar importantíssimo na história da literatura alemã pelo movimento de idéias

que provocou e o impulso que deu às novas gerações, particularmente ao jovem Johann Wolfgang von Goethe. Insistiu

também no caráter natural evolutivo da linguagem, que teria surgido da imitação dos sons da natureza e seria capaz de

evolução e crescimentos contínuos. Quanto à história, considerava-a uma característica de todas as realidades naturais.

Todo o universo, segundo Herder, poderia ser entendido a partir de uma perspectiva histórico-evolutiva. Considerava que

a história humana estava regida por um princípio imanente de bondade inteligente. Não só procurou estabelecer as leis

gerais do desenvolvimento da história da humanidade como também fez estudos particulares sobre diversos povos.

3 Christian Adolph Klotz (1738 - 1771) foi um filólogo alemão. Ele era um ilustre representante do período de

transição entre o Iluminismo e o Sturm und Drang alemão. Em 1762, obteve a posição de professor associado e em 1763 o

de professor titular da Universidade de Göttingen. Em 1765, Klotz mudou-se para Halle, onde serviu como professor de

filosofia e eloquência (alemão: Professor für Philosophie und Beredsamkeit). Lá se tornou muito popular por suas criações

literárias e exerceu uma influência significativa sobre o gosto contemporâneo e pensamento. Johann Georg Jacobi estava

entre seus partidários. Klotz publicou em vários jornais literários, entre eles Acta Litteraria, e introduziu seus alunos à

poesia italiana, como de Torquato Tasso. Ele entrou em controvérsia com a Allgemeinen Bibliothek, à qual ele contribuiu.

A força de Klotz foi a sua capacidade de cobrir uma vasta gama de tópicos e seu estilo estético, bem como agradável,

tanto em latim e alemão. Como sua fraqueza, no entanto, os críticos identificaram às vezes a falta de profundidade e

originalidade de seu pensamento. Johann Gottfried Herder e Gotthold Ephraim Lessing tornaram-se conhecidos como

seus adversários mais influentes. O trabalho de Klotz Steine (1768), criticando o Laokoon de Lessing, trouxe à tona a

resposta do poeta no Briefe antiquarischen Inhalts (1768-69). Klotz morreu em Halle em 1771.

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determinada época, que podem diferir do momento atual, onde um

determinado fenômeno social está sendo analisado.

Para definir melhor o Zeitgeist em que este artigo está inserido e

pretende apresentar, seguimos os passos de Barry Buzan onde este define a

ideia de segurança sobre múltiplas perspectivas: econômicas, societal,

ambiental, dentre outras. Tal ideia abandona o antigo conceito de segurança que

se resumia à monopolização político-militar, o qual tinha como único objetivo a

segurança do Estado, observando-se o surgimento de um tipo ideal de

segurança é a da “Segurança Global Multidimensional”

Este novo conceito de segurança Global é enfatizado ao levar em conta

a interdependência de todos os atores envolvidos e a transnacionalidade dos

novos fenômenos sociais, que não respeitam as fronteiras estabelecidas pelo

antigo Estado soberano. Fenômenos sociais, tais como divergências ambientais,

conflitos cibernéticos, tráfico de drogas ou terrorismo, constituem as novas

ameaças que o século XXI nos descortina e se desenvolvem no seu primeiro

decênio (vide atentado ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001).

Nesse sentido, este artigo pretende estabelecer um paralelo entre a

Desmobilização do antigo Exército Iraquiano, considerando as possíveis falhas

neste processo e sua possível influência no desenvolvimento do fenômeno ISIS

(Islamic State of Iraq and Siria), e a possibilidade da ocorrência de um processo

de desmilitarização das Polícias Militares Brasileiras, avaliando os possíveis

problemas decorrentes. Serão consideradas as características da profissão

militar, as quais são edificadas sobre a hierarquia e a disciplina, o culto dos

valores militares, e, principalmente, o conhecimento militar adquirido através do

tempo, das forjas da tempera da experiência e do desconforto.

1. MODUS FACIENDI DO SÉCULO XXI

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É necessário citar Barry Buzan4 e o Mundo Multipolar. O internacionalista

britânico define a ordem emergente como uma ordem de grandes potências e de potências

regionais, mas sem superpotências. Buzan é cético quanto à possibilidade de, no futuro, EUA

e China – ou de os chineses sozinhos – serem potências hegemônicas. “Ninguém vai querer o

trabalho de gerir o mundo”, sintetiza.

1.1. Novas ameaças

Para Buzan e Hansen (2009), não apenas a bipolaridade e as armas nucleares

definiram a evolução dos Estudos Estratégicos, mas também outros eventos, como a

construção do Muro de Berlim em 1961; a Guerra da Coréia entre 1950 e 1953; a crise dos

Mísseis de Cuba em 1962; a Crise do Petróleo em 1973 e a Guerra do Vietnã entre 1964 e

1975. Tais acontecimentos causaram considerável impacto na literatura dos Estudos

Estratégicos, expandindo e reorientando seu campo de pesquisa. Por exemplo, Buzan afirma

que a Crise do Petróleo de 1973 colocou na agenda dos Estudos Estratégicos, principalmente

nos EUA, temas como a segurança econômica e o terrorismo internacional. Barry Buzan é um

dos principais expoentes da chamada “Escola de Copenhague”, tendo como um de seus

pressupostos principais, segundo Augusto Menezes e Antônio Lucena, a “perspectiva

favorável à ampliação temática e ao aprofundamento epistemológico” dos estudos de

4Barry Gordon Buzan (1946 -) é professor emérito de Relações Internacionais na London

School of Economics e professor honorário na Universidade de Copenhagen and Jilin University. Até

2012 ele foi Montague Burton Professor de Relações Internacionais na LSE. Buzan esboçou a Teoria do

Complexo de Segurança Regional e é, portanto, uma importante figura da Escola de Copenhague

(COPRI). De 1995 a 2002, foi professor de pesquisa de Estudos Internacionais na Universidade de

Westminster e antes disso Professor de Estudos Internacionais na Universidade de Warwick. Durante

1993 foi professor visitante na Universidade Internacional do Japão, e em 1997-8 foi Olof Palme

Visiting Professor na Suécia. Foi Presidente da Associação Britânica de Estudos Internacionais (1988-

90), Vice-Presidente da Associação de Estudos Internacionais da América do Norte (1993-4) e

Secretário fundador do Comité de Coordenação de Estudos Internacionais (1994-8). De 1999 a 2011, foi

coordenador geral de um projeto de reconversão da Escola Inglesa de Teoria das Relações Internacionais

e, de 2004 a 2008, foi editor do European Journal of International Relations.

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segurança internacional. Desse modo, duas questões ainda merecem ser mencionadas, pois

também constituem importantes idéias do novo conceito de segurança internacional,

promovido por essa Escola: a regionalização do conceito e a nova abordagem que surgiu após

os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos EUA.

O ataque terrorista de 11 de Setembro inaugurou a política da “Guerra contra o

Terrorismo”. Tal acontecimento propiciou um aumento da preocupação com o terrorismo

pelos EUA assim como pela comunidade internacional.

A ideia de segurança passa a ser vista sob múltiplas perspectivas (econômica,

societal e ambiental), deixando de ser monopolizada pelo setor político-militar, cujo objeto de

referência era exclusivamente estatal (BUZAN, 1991). Como alternativa ao modelo

tradicional de segurança, observa-se o surgimento de um tipo ideal de segurança global

multidimensensional.

Global porque a interdependência e a transnacionalização dos novos fenômenos

de segurança permite ao conceito abranger significados não apenas localizados, mas

planetários. Multidimensional porque não se constitui só de conteúdo estratégico-militar, mas

também de outros conteúdos transnacionais, como explosão demográfica, desequilíbrios

ecológicos e migrações internacionais, que fazem com que a segurança internacional seja

encarada sob diferentes ângulos (VILLA, 1999, p. 100).

Em 1994, a ONU apresentou uma proposta de mudança no conceito de segurança,

transferindo o foco, tradicionalmente centrado nos Estados, para os indivíduos. De um caráter

exclusivamente territorial, baseada em armamento, para um conceito mais voltado para a

segurança da população, baseada, no desenvolvimento humano (PNUD, 1994, p. 28).

Considerando que a ideia de ampliação (broadening) e de aprofundamento

(deepening) do conceito de segurança (KRAUSE; WILLIAMS, 1996, p. 230), Marques e

Medeiros Filho (2011), sugerem um esquema teórico que propõe a subdivisão da ampliação

do conceito de segurança segundo dois eixos: horizontal (alargamento) e vertical

(aprofundamento). O eixo horizontal, inicialmente proposto por Buzan, sugere pensar

segurança para além de temas político-militares (visão tradicional e estreita), incluindo novas

demandas de segurança: ambiental, societal, econômica etc. O eixo vertical diz respeito à

ideia de segurança segundo níveis de análise: nível Individual (Segurança Humana - a

referência é a pessoa/indivíduo); nível Estatal (Segurança Nacional - a referência é o Estado-

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Nação); nível Transnacional (Segurança Internacional - a referência transpõem fronteiras),

conforme o esquema abaixo.

Entendemos por ampliação no sentido horizontal (alargamento) a tendência de se

securitizar temas para além das questões político-militares. Como foi visto anteriormente, na

perspectiva tradicional de segurança, o objeto de referência era quase que exclusivamente

estatal. No início dos anos 1990, Barry Buzan sugere três novos setores, especificamente

econômico, societal e ambiental:

A segurança econômica se refere ao acesso a recursos, financiamentos e mercados

necessários para manter níveis aceitáveis de bem-estar e poder estatal. A segurança da

sociedade se refere à sustentabilidade dentro de condições aceitáveis da evolução, dos padrões

tradicionais de língua, cultura e religião e identidade nacional e costumes. A segurança

ambiental se refere à manutenção da biosfera local e global como sistema essencial de

sustentabilidade da qual dependem todas as atividades humanas (BUZAN, 1991, p. 19-20).

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Fonte: Marques; Medeiros Filho5 (2011).

Dentro das teorias de Buzan e as “Novas Ameaças”, para fins de desenvolvimento

deste artigo, vamos elencar especialmente duas novas ameaças que estão em alta na

atualidade, o “Terrorismo” e a dimensão do “Crime Organizado”. Com vistas à decorrência da

desmobilização de um exército e a nova agenda de desmilitarização das policias militares.

1.2. O Terrorismo

Vimos anteriormente que o conceito segurança evoluiu de uma abordagem

tradicional, estritamente relacionada à guerra e à paz entre Estados, para uma abordagem mais

abrangente, onde diversos fatores se somam aos componentes tradicionais. A ampliação do

conceito de segurança pode ser constatada pela diversidade de “novas ameaças” que passam a

preocupar os agentes de defesa e segurança dos Estados. Temas como crime transnacional,

terrorismo e crime organizado não constituem novidade. O problema é que, em um contexto

marcado pelo processo de globalização, algumas “ameaças” tidas como localizadas, passam a

ter caráter global, transpondo fronteiras facilmente e, misturando-se às ameaças tradicionais,

tornando o ambiente social mais vulnerável. A simbiose entre ameaças clássicas e “novas”

tem contribuído para tornar mais complexa e indefinida a conjuntura nacional e internacional,

gerando percepções de medo e insegurança na população. Dentre as chamadas “novas

ameaças”, destacaremos o terrorismo.

Assim como outras “novas ameaças”, terrorismo não é um fenômeno atual. A história da

humanidade registra inúmeros casos de prática do terror. Trata-se de um fenômeno político,

de longa data, cuja finalidade é aniquilar ou atemorizar rivais mediante o uso de violência,

terror e morte de pessoas inocentes.

5Oscar Medeiros Filho, Bacharel e Licenciado em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1995).

Possui mestrado em Geografia (Geografia Humana - 2004) e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo

(2010). Tem experiência na área de Geografia, Geopolítica e Segurança Internacional. Lecionou Geografia, Antropologia,

Sociologia e Política na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (1996-2010). Foi professor das Cadeiras de Relações

Internacionais e Geografia da Academia Militar das Agulhas Negras (2011-2012). Foi professor e pesquisador nos programas

de pesquisa e pós-graduação do Instituto Meira Mattos da Escola de Comando Estado-Maior do Exército (2013-2015).

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Tendo como finalidade uma “bandeira” política (seja ela ideológica, religiosa etc), o

terrorismo pode ser descrito como sendo uma ação violenta que procura, mediante a

espetaculosidade do ato, provocar na população uma reação psicológica de medo, um pavor

incontrolável. Essa sensação de pavor visa diminuir a coragem do inimigo, enfraquecendo,

assim, a sua capacidade de resistência (SAINT-PIERRE6, 2005, grifo nosso).

Os atentados da Al-Qaeda, em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos da América,

acompanhado em tempo real por pessoas em todo o planeta deu relevância ao tema. A

utilização de recursos tecnológicos e de armas de grande poder destrutivo, somado ao perfil

suicida de alguns terroristas, geraram uma crônica sensação de insegurança e uma percepção

compartilhada de que, independentemente de seu potencial militar, os Estados se tornaram

vulneráveis a toda sorte de ataques. O caráter transnacional das redes terroristas e a alta

letalidade dos ataques contribuem para potencializar esse cenário.

1.3. O Estado Islâmico

Também conhecido como ISIS, sigla em inglês para Estado Islâmico do Iraque e

da Síria, o Estado Islâmico (EI) é um grupo muçulmano extremista fundado em outubro de

2004 a partir do braço da Al Qaeda no Iraque. É formado por sunitas, o maior ramo do

islamismo. Entre os países muçulmanos, (os sunitas são minoria apenas entre as populações

do Iraque e do Irã, compostas majoritariamente por xiitas). Em janeiro de 2014, o Estado

Islâmico declarou que o território sob seu controle passaria a ser um califado, a forma

islâmica de governo. “Eles não reconhecem a legitimidade dos Estados que foram

implementados no Oriente Médio, a partir dos interesses ocidentais, e então, simbolicamente,

por exemplo, queimam os passaportes, as identidades nacionais. Eles querem criar uma

identidade árabe, mas com base numa sustentação sunita do Islã.

A desestabilização do governo xiita no Iraque, que não soube se articular com os

sunitas, outro ramo do islamismo, e com os curdos, etnia que vive no Norte do país, foi o

cenário propício para a expansão do Estado Islâmico. “O governo xiita não soube fazer uma

composição adequada e sua legitimidade foi erodida. O Estado Islâmico foi explorando essas

5 Hector Luis Saint-Pierre é chefe do Departamento de Educação e Relações Internacionais da UNESP-Franca,

coordenador do Grupo de Estudo da Defesa e Segurança Internacional (GEDES-UNESP) e membro do Núcleo de Estudos

Estratégicos (NEE) da Unicamp.

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brechas, principalmente na região Norte do país”, disse. Para o professor, os Estados Unidos

não conseguiram cumprir a promessa de levar democracia ao Iraque após a invasão de 2003,

que resultou na queda de Saddam Hussein, e o Estado iraquiano foi se “esfacelando”.

O nome inicial era Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que é a região da

Síria. Conforme ganharam projeção, mudaram o nome para Estado Islâmico, tirando a

dimensão regional. A noção do califado é voltar ao império árabe muçulmano. Grandes

potências, como os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido e a França, elevaram suas

preocupações e anunciaram a ampliação do apoio, com efetivos militares e armas, à

resistência contra o EI, composta por curdos e xiitas, no Iraque. Desde 8 de agosto de 2014, o

governo norte-americano realiza ataques aéreos a alvos do Estado Islâmico, em apoio às

forças curdas.

1.4 Desmobilização do Exército Iraquiano

A desmobilização de forças militares derrotadas em conflitos ao longo da história

sempre foi um processo complexo, que envolve não só a reorganização do Estado subjugado,

bem como a reorganização das forças de segurança.

É possível observar na composição do grupo terrorista, elementos do antigo

Exército Iraquiano, desmantelado pelos EUA logo após a ocupação em 2004, que se tornaram

insurgentes e enfrentaram o exército da coalizão que ocupava o Iraque naquela circunstância.

Os militares possuiam experiência de combate de oito anos, referente à guerra

Iran-Iraque (1980 a 1988), e fizeram parte da conhecida Guarda Republicana, uma espécie de

guarda pessoal de Saddam Hussein.

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Iran-Iraque montagem. Fonte: Internet, (domínio público)

Durante a ocupação do Iraque pelas forças de coalizão, parte do Exército Iraquiano

passou a oferecer resistência, compondo o que os estadunidenses chamaram de forças

insurgentes.

Empregando técnicas de guerra irregular, apoiados num vasto conhecimento de

táticas de combate e no recrutamento de insatisfeitos junto a população civil, os insurgentes

ofereceram grande resistência às tropas da coalizão. Diferente da rápida conquista da cidade

de Bagdad, cidades como Tikrit, Mossul e Falujah causaram pesadas baixas aos americanos e

dificultaram demasiadamente a conquista do Iraque.

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Soldados US-Army em Falujah Fonte: Defense.gov_News_Photo_041109-A-1067B-004.jpg

As Forças Armadas regulares iraquianas, que antes da Guerra do Golfo de 1991

eram consideradas um dos Exércitos mais poderosos do mundo, foram desmobilizadas por

ordem da Autoridade Provisória da Coalizão (CPA), que administrou o Iraque a partir da

queda de Saddam.

A desmobilização dos mais de 400.000 homens, valor estimado da homens que

serviam antes da guerra, causou violentos protestos, que terminaram com a morte de vários

ex-militares que exigiam o direito a receber, pelo menos, uma pensão.

Pressionado pela população, o comando do Exército americano anunciou a criação

de um novo Exército iraquiano, "profissional, efetivo e apolítico", onde não havia lugar para

os membros do antigo partido Baath. Militares norte-americanos e de outros países da

coalizão começaram a treinar parte dos 12.000 homens, que constituiram o primeiro Batalhão

das novas Forças Armadas do Iraque.

A desmobilização do Exército é sem dúvida, um dos dois grandes erros cometidos

pela Coalizão no Iraque. Muitas patentes médias e baixas de Saddam Hussein, que não sabiam

fazer outra coisa, viram-se desempregadas, ignoradas e sem poder levar dinheiro para casa.

Isso às transformou em presa fácil na hora de serem recrutadas pelos grupos rebeldes.

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Eram membros do Baath7, porque não se podia pertencer à nenhuma instituição

oficial sem sê-lo, na era Saddam Hussein.

Apesar das condições restritivas impostas pelos EUA, no último ano milhares de

iraquianos fizeram fila durante dias com a esperança de serem admitidos no novo exército.

Diante desta situação, esses militares foram facilmente recrutados pelos grupos

religiosos radicais.

Na composição do principal staff do EI, figuram diversos oficiais do alto escalão

do Exército de Saddam Hussein, como coronéis e generais. Esses militares possuem formação

e qualificação para estabelecer um patamar diferenciado ao ISIS, que passa a ser um grupo

terrorista superior aos grupos tradicionais conhecidos até então.

O ISIS realizou diversos ataques bem sucedidos ao exército recém criado, para

obtenção do moderno material de emprego militar distribuído para esta força pelos

americanos. Resta então uma pergunta, como um grupo terrorista foi capaz de adquirir e

utilizar um moderno equipamento militar tão rapidamente? A resposta está na desmobilização

equivocada sem levar em conta a experiência militar dos combatentes desmobilizados.

7 O Partido Socialista Árabe ou Baath ,foi fundado pela fusão do movimento árabe Baath, liderado por Aflaq e al-Bitar, e o

Baath Árabe, liderado por Al-Arsuzi, em 7 de abril de 1947, como o Partido Socialista Baath. Ramos do partido rapidamente

se estabeleceram em outros países árabes, embora só tiveram o poder no Iraque e na Síria. O Partido Árabe Baath fundiu-se

com o Partido Socialista Árabe, liderada por Akram al-Hawrani, em 1952, para formar o Partido Socialista Árabe Ba'ath.

O partido recém-formado foi um sucesso relativo, e tornou-se o segundo maior partido no parlamento sírio na eleição de

1954. Isso, juntamente com a força crescente do Partido Comunista Sírio, levou à criação da República Árabe Unida (RAU),

uma união entre o Egito e Síria. A união iria se revelar infrutífera, e um golpe de Estado sírio, em 1961, dissolveu a união.

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Veículo Blindado de transporte de tropa US Bradley- capturado e empregado pelo ISIS no Iraque

Fonte: Internet.

Carro principal de combate M1A1 Abrams – Capturado e empregado pelo ISIS no Iraque

Fonte Internet

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2. AS NOVAS AMEAÇAS E OS CRIMES TRANS-NACIONAIS

Segundo a UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime), o crime

organizado transnacional engloba praticamente todas as ações criminais motivadas pelo lucro

e cometidas por grupos organizados, envolvendo mais de um país. Há muitas atividades que

podem ser caracterizadas como crime organizado transnacional: tráfico ilícito de drogas,

contrabando de migrantes, tráfico de pessoas, lavagem de dinheiro, tráfico ilícito de armas de

fogo, de vida selvagem e de bens culturais.

Todos os anos, inúmeras vidas são perdidas como resultado do crime organizado,

de problemas de saúde relacionados com as drogas e a violência, das mortes por arma de fogo

e dos métodos e motivos inescrupulosos de traficantes e contrabandistas de migrantes, entre

outros.

O crime organizado transnacional é considerado uma grande ameaça à segurança

humana, pois impede o desenvolvimento social, econômico, político e cultural das sociedades

em todo o mundo. Este é um fenômeno multifacetado que se manifesta em várias atividades,

tais como: tráfico de drogas, tráfico de seres humanos, tráfico de armas, contrabando de

migrantes, lavagem de dinheiro. O tráfico de drogas é uma das principais atividades de

organizações criminosas, pois geram lucros consideráveis. A UNODC trabalha em estreita

colaboração com os governos, organizações internacionais e sociedade civil para fortalecer a

cooperação para conter a crescente influência do crime organizado e tráfico de drogas.

O desenvolvimento do comércio internacional devido à globalização tem

contribuído para a expansão e diversificação das atividades ligadas ao crime organizado. Os

grupos de crime organizado tradicionalmente hierárquicos se recusaram a abrir caminho para

redes hierárquicas baixas, optando por trabalhar em conjunto para explorar novas

oportunidades. Por exemplo, os grupos criminosos envolvidos no tráfico de drogas são, em

geral, também no tráfico de outros bens ilícitos. A ligação entre o tráfico de drogas e outras

formas de criminalidade organizada transnacional requer o estabelecimento de uma

abordagem mais integrada para combater essas redes. A assinatura da Convenção das Nações

Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, em 2000, foi um passo histórico na luta

contra esta ameaça.

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No Brasil, a ação principal contra o crime organizado é de responsabilidade

direta dos estados da federação, com suas policias civis e militares, segundo a constituição

brasileira de 1988 no artigo 144:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade

de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das

pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,

incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a

apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da

ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em

lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

(CRFB pagina 88)

Particularmente, cabe às Polícias Militares o enfrentamento direto contra o crime

organizado, especialmente o tráfico de drogas, além de exercer um papel preponderante na

imagem midiática deste confronto diário.

2.1. A História das Polícias no Brasil

Como apesentado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo,

“Polícia” é um vocábulo de origem grega (politeia), e passou para o latim (politia), com o

mesmo sentido: "governo de uma cidade, administração, forma de governo". No entanto, com

o passar do tempo, assumiu um sentido particular, "passando a representar a ação do governo,

enquanto exerce sua missão de tutela da ordem jurídica, assegurando a tranquilidade pública e

a proteção da sociedade contra as violações e malefícios".

No Brasil, a ideia de polícia surgiu em 1500, quando D. João III resolveu adotar

um sistema de capitanias hereditárias, outorgando uma carta régia a Martim Afonso de Souza

para estabelecer a administração, promover a justiça e organizar o serviço de ordem pública,

como melhor entendesse, em todas as terras que ele conquistasse. Registros históricos

mostram que, em 20 de novembro de 1530, a Polícia Brasileira iniciou suas atividades,

promovendo Justiça e organizando os serviços de ordem pública.

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Em terras brasileiras, o modelo policial seguiu o medieval português, no qual as

funções de polícia e judicatura se completavam. A estrutura era composta de figuras como o

Alcaide-Mor (juiz ordinário com atribuições militares e policiais), pelo Alcaide Pequeno

(responsável pelas diligências noturnas visando prisões de criminosos), e Quadrilheiro

(homem que jurava cumprir os deveres de polícia).

O Alcaide Pequeno coordenava o policiamento urbano, auxiliado pelo escrivão da

Alcaidaria e por quadrilheiros e meirinhos (antigo oficial de Justiça). As diligências noturnas

– combinadas em reuniões diárias na casa do Alcaide Pequeno – eram acompanhadas pelo

escrivão, que registrava as ocorrências enquanto quadrilheiros e meirinhos diligenciavam pela

cidade, seguindo as instruções recebidas nas reuniões.

Pelo Alvará Régio de 10 de maio de 1808, D. João criou o cargo de Intendente

Geral de Polícia da Corte e nomeou o desembargador Paulo Fernandes Viana para exercer o

cargo, iniciando, assim, uma série de grandes modificações no organismo policial. Viana

criou, pelo Aviso de 25 de maio de 1810, o Corpo de Comissários de Polícia, que só se tornou

realidade por força de uma portaria do Intendente Geral de Polícia, Francisco Alberto Teixeira

de Aragão, em novembro de 1825.

De 1808 a 1827, as funções policiais e judiciárias permaneceram acumuladas; mas

com a promulgação do Código de Processo Criminal do Império, a organização policial foi

descentralizada. Em 1841, a Intendência Geral de Polícia foi extinta, criando-se o cargo de

Chefe de Polícia, ocupado até 1844 por Euzébio de Queiroz Coutinho Matoso Câmara. A lei

de 03 de dezembro de 1841 proporcionou uma mudança radical, com a criação, em cada

província e também na Corte, de uma Chefatura de Polícia. Nela, o Chefe de Polícia passou a

ser auxiliado por delegados e subdelegados de Polícia.

Em 31 de janeiro de 1842, o regulamento nº 120 definiu as funções da polícia

administrativa e judiciária, colocando-as sob a chefia do Ministro da Justiça. Em 20 de

setembro de 1871, pela Lei n.º 2033, regulamentada pelo Decreto n.º 4824 de 22 de novembro

do mesmo ano, foi reformado o sistema adotado pela Lei n.º 261, separando-se Justiça e

Polícia de uma mesma organização e proporcionando inovações que perduram até hoje, como

a criação do Inquérito Policial.

2.2. As Polícias Militares do Brasil

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Tiveram origem nas Forças Policiais, criadas ainda no Brasil Império. A

corporação com mais tempo é a do estado do Rio de Janeiro, chamada de “Guarda Real da

Polícia”. Ela tem sua data inicial em 13 de maio de 1809, quando D. João VI, na época Rei de

Portugal, enviou sua corte de Lisboa para o Brasil, por conta da sangrenta guerra que

Napoleão promovia pela Europa.

Em 1830, D. Pedro I abdicou ao trono e D. Pedro II não possuía idade para

assumir. Surge então o governo regente, desagradando o povo, que passa a contestar sua

legitimidade. Movimentos revolucionários surgem, como a Guerra dos Farrapos e a Balaiada.

Como eram considerados um perigo para a estabilidade Imperial, o ministro da justiça, padre

Feijó, cria no Rio de Janeiro o Corpo de Guardas Municipais Permanentes, com atuação

importante na manutenção da paz e da unidade nacional.

Vale lembrar que, mesmo antes da família real chegar ao país, já havia uma força

de patrulhamento em Minas Gerais, datada no ano de 1775, como o Regimento Regular de

Cavalaria de Minas, criada na antiga Vila Velha (atual Ouro Preto). Era paga com dinheiro

dos cofres públicos e já podia ser considerada uma “PM” mineira.

A partir de 1831, os outros estados passam a copiar a ideia e montar as suas

guardas. A partir da Constituição de 1946, as Guardas Municipais começaram oficialmente a

serem chamadas de Polícia Militar.

Surgia assim, de maneira oficial, essa corporação que hoje é muito importante

para nosso país e segue incessante na busca da proteção do cidadão de bem e da justiça.

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Fonte: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia2.php?id=24093

2.3. A Desmilitarização das Policias Militares

Segundo Bruno Arcoverde (2016) a desmilitarização das policias militares tem

sido mota recorrente nas discussões sobre segurança pública no Brasil. Assim, após observado

um breve estudo histórico das instituições policiais, analisando sua formação e sua situação

atual, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determinamos o que

seria a desmilitarização e quais os argumentos utilizados para embasar tal proposta, a partir do

Projeto de Emenda Constitucional nº 51, principal projeto relativo ao tema atualmente em

trâmite no Congresso Nacional. Desse modo, observa-se as consequências que podem ocorrer

caso seja efetivada a desmilitarização, sendo elas a impossibilidade de perda de posto, patente

ou graduação dos ex-militares, a unificação com a polícia civil, a perda do caráter de força

reserva do Exército e a extinção das Justiças Militares Estaduais.

Seguindo um pouco mais a fundo a questão, outro viés, são as consequências da

decorrência de uma desmobilização de parcela significativa do efetivo de formação e caráter

tipicamente militar. Ressaltando que o “ser militar” não é unicamente ostentar um fardamento

e ou seguir os preceitos da hierarquia e da disciplina, mas também significa deter um

conhecimento específico, no campo da segurança e do emprego controlado da violência que

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quando acompanhado da hierarquia e da disciplina, convivem em certa harmonia, aceitável e

necessário na sociedade.

O profissional militar é, em sua excelência, um agente fundamental para o Estado

e esse através justamente dos preceitos militares mantém um rígido controle sobre o indivíduo

militar.

No livro “O soldado e o Estado”, Samuel Huntington8 (1996) lançou as bases da

teoria que fixou alguns parâmetros empregados no estudo científico do tema. Desta maneira,

os conceitos estabelecidos por Huntington serão apresentados de forma sintética, visando

fundamentar nossa análise. Huntington descreveu duas formas básicas de controle civil, que

são o controle civil subjetivo e o objetivo. O controle civil subjetivo corresponde à

maximização do poder exercido pelo civil com o apoio e subordinação dos militares. Contudo

devido à diversidade dos grupos civis, esta maximização estará ligada a algum grupo, ou

grupos específicos.

Portanto, a fim de caracterizar corretamente este modelo, será necessário

definirmos qual o grupo exerceria efetivamente o controle. Huntington argumenta que este

será o único tipo de controle civil possível. O controle civil objetivo seria aquele exercido

pelos militares, em especial os oficiais, no qual os militares se tornam acima do poder civil

em questões de segurança.

A desmilitarização das policias militares derivando para uma verdadeira

desmobilização da força militar dos estados pode gerar uma migração do conhecimento

militar na direção do crime organizado, e as decorrentes e nefastas consequências para

sociedade, agravando ainda mais os problemas da segurança pública.

8 Samuel P. Huntington ( 1927 — 2008) foi um economista americano, muito influente nos círculos politicamente

mais conservadores .Tornou-se conhecido por sua análise do relacionamento entre os militares e o poder civil, por suas

investigações acerca dos golpes de estado e, principalmente, por sua polêmica teoria do choque de civilizações, inspirada

pelo historiador e filósofo polonês Feliks Koneczny, segundo a qual os principais atores políticos do século

XXI seriam civilizações e não os estados nacionais, e as principais fontes de conflitos após a guerra fria, não seriam as

tensões ideológicas mas as culturais.

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Fonte: Internet (domínio público)

3. CONCLUSÃO

A desmobilização do Exército Iraquiano, foi realizada de forma equivocada, não

observando os antecedentes dos militares iraquianos, e baseada apenas em uma situação de

ligação ao partido Baath, sem observar as circunstâncias pelas quais os indivíduos pertenciam

à agremiação política, não observando as característica do “Etos Militar” e o resultado prático

deste pressuposto, foi uma crescente força de insurgentes que possuíam conhecimento militar,

muitos adquiridos em oito anos de guerra contra o vizinho Iran.

Foi somente uma questão de tempo para que insurgentes detidos, entrassem em

contato com radicais religiosos sunitas e o surgimento da ideia de um novo califado nos

territórios compreendidos entre o Iraque subjugado pelas Tropas da Coalisão desde 2004 e a

Síria inserida em uma sangrenta guerra civil.

Distante desta realidade, o Brasil do segundo decênio do século XXI, encontra se

em meio a uma crise de segurança pública, gerada pelo descontrole estatal do crime

organizado, dificultando o trabalho das Policias Militares e levando a sociedade a questionar a

eficiência da instituição Policia Militar e gerando o debate sobre a desmilitarização destas

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seculares instituições levantando bandeiras, como a desmilitarização, que seria essa a grande

solução para redução dos níveis de criminalidade na sociedade.

Contudo, estabelecendo este paralelo com a situação no Iraque, onde há militância

radical religiosa observa-se demanda de combatentes para as guerras e oferta militar ociosa,

no caso os ex-militares de todos os níveis hierárquicos. Na realidade brasileira o Tráfico de

Drogas, contexto das “Novas Ameaças” de Buzan que incluem tanto o “Terrorismo” quanto o

“Crime Organizado”, observa-se a possível arregimentação de profissionais com

conhecimento policial para o crime organizado.

Carece de um verdadeiro debate sobre o assunto “desmilitarização das policias

militares”, livre de vieses ideológicos, voltado para real necessidade da sociedade

comprometida com as soluções tão necessárias, face às mazelas do tráfico de ilícitos, sob a

pena da aventura da desmilitarização resultar em uma verdadeira “desmobilização” com

resultados ainda piores no aumento da criminalidade.

4. REFERÊNCIAS

MARQUES, Adriana A.; MEDEIROS FILHO, Oscar. Entre a “defesa integral” e a

“segurança democrática”: uma análise de duas doutrinas militares no canto noroeste do

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subcontinente sul-americano. Trabalho apresentado no V Encontro Nacional da Associação

Brasileira de Estudos de Defesa, realizado em Fortaleza-CE.

VILLA, Rafael Duarte. A segurança global multidimensional. Lua Nova [online].

1999, n.46, pp. 99-118

KRAUSE, Keith; WILLIAMS, Michael C. Broadening the agenda of security studies:

politics and methods. Mershon International Studies Review, v.40, n.2, p.229-254, Oct. 1996.

SAINT-PIERRE, Héctor Luis. Em torno de uma definição de “terrorismo”. Portal

Universia, jul. 2005. Disponível em:

<http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=4890>. Acesso em 27 out. 2011.

HUNTINGTON, Samuel P. O soldado e o Estado. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1996.

Pág 99-100.