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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS Felipe Fauri Lajeado, junho de 2013

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE DIREITO

A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME

DE SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS

Felipe Fauri

Lajeado, junho de 2013

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Felipe Fauri

A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME

DE SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS

Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II – Monografia, do curso de graduação em Direito, do Centro Universitário UNIVATES, como parte da exigência para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof.ª Ms. Elisabete Cristina Barreto Müller

Lajeado, junho de 2013

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Felipe Fauri

A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME

DE SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS

A Banca examinadora abaixo aprova a Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de

Curso II – Monografia, do curso de graduação em Direito, do Centro Universitário Univates,

como parte da exigência para a obtenção do grau de Bacharel em Direito:

Prof.ª Ms. Elisabete Cristina Barreto Müller – orientadora Centro Universitário Univates Prof. Dr. Fulano de Tal Centro Universitário Univates Sra. Beltrana de Tal (Nome da entidade/Instituição etc. a que pertence)

Lajeado, XX de junho de 2013

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“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.

Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe

de caminhar.” (Eduardo Galeano)

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RESUMO

Em 1964, Claus Roxin, jurista alemão, apresentou à comunidade jurídica um princípio que atuaria como auxiliar interpretativo dos tipos penais. Cuida-se do princípio da insignificância, cuja função é a de excluir a atuação do Direito Penal em fatos formalmente típicos, antijurídicos e culpáveis, mas que são insignificantes em relação ao bem jurídico tutelado e, portanto, atípicos na análise conglobada do tipo penal. A presente monografia objetiva realizar uma análise sobre a incidência desse princípio no crime de supressão ou redução de tributos federais, a fim de investigar o(s) parâmetro(s) desenvolvido(s) pela doutrina e jurisprudência para aplicá-lo nesse delito. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. Dessa forma, as reflexões partem de noções gerais de Direito Penal, especialmente quanto à sua missão de assegurar a coexistência humana, ou de prover a segurança jurídica, por meio da tutela de bens jurídicos, e aos conceitos de crime, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Em seguida, faz um estudo do crime de supressão ou redução de tributos, previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990. Antes, contudo, são analisadas noções introdutórias de Direito Tributário. Depois, demonstra-se que o bem jurídico tutelado pelo referido delito é a ordem tributária, na expressão de patrimônio fiscal ou coletivo, e descrevem-se os elementos do tipo, a consumação e a tentativa. Finalmente, são descritos a função dos princípios e, sobretudo, o princípio da insignificância, com os necessários aprofundamentos. Na sequência, examinam-se doutrina e jurisprudência para verificar o(s) parâmetro(s) utilizado(s) para aquilatar a incidência do indigitado princípio no crime de supressão ou redução de tributos federais. Nesse sentido, conclui-se que há uma consideração majoritariamente acrítica do princípio da insignificância pela doutrina e, especialmente, pela jurisprudência, que o vinculam a um juízo de fato, qual seja, o valor mínimo para que se proceda ao ajuizamento do executivo fiscal, enquanto que para outros delitos são considerados outros parâmetros, violando, assim, o conceito de isonomia. Em razão disso, acredita-se que os critérios a serem utilizados, entre outros, para aferir a insignificância no crime em apreço, são os seguintes: ausência de periculosidade social da ação, mínima ofensividade da conduta, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada, entre outros no caso concreto, porquanto tais critérios podem – e devem – ser considerados na interpretação da maioria dos tipos penais.

Palavras-chave: Direito Penal. Crime de supressão ou redução de tributos federais. (A)Tipicidade penal. Princípio da insignificância.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7

2 NOÇÕES GERAIS SOBRE DIREITO PENAL ....................................................... 11

2.1 Finalidade do Direito Penal .............................................................................. 11

2.1.1 Tutela de bens jurídicos ................................................................................ 13

2.1.2 A pena como função de prover a segurança jurídica ................................. 17

2.2 Conceitos de crime ........................................................................................... 19

2.2.1 Sistema bipartido de crime ........................................................................... 20

2.2.2 Sistema tripartido de crime ........................................................................... 21

2.3 Tipicidade .......................................................................................................... 22

2.3.1 A tipicidade conglobante ............................................................................... 24

2.3.2 Tipo ativo doloso ............................................................................................ 26

2.3.3 Tipo omissivo doloso .................................................................................... 29

2.4 Antijuridicidade ................................................................................................. 31

2.5 Culpabilidade ..................................................................................................... 33

2.5.1 Imputabilidade ................................................................................................ 35

2.5.2 Possibilidade de conhecimento da antijuridicidade ................................... 36

2.5.3 Exigibilidade de conduta diversa.................................................................. 37

3 O CRIME DE SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS (ART. 1.º DA LEI N.º 8.137/1990) ............................................................................................................... 39

3.1 Noções gerais de Direito Tributário................................................................. 40

3.1.1 O tributo e suas espécies .............................................................................. 40

3.1.2 Obrigação tributária ....................................................................................... 44

3.1.3 Crédito tributário ............................................................................................ 45

3.2 Conceito do tipo penal de supressão ou redução de tributos ...................... 46

3.3 Bem jurídico tutelado ........................................................................................ 48

3.4 Elementos do tipo ............................................................................................. 51

3.4.1 Tipo objetivo ................................................................................................... 52

3.4.2 Tipo subjetivo ................................................................................................. 58

3.5 Consumação e tentativa ................................................................................... 58

4 A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS ...................................... 61

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4.1 A função dos princípios .................................................................................... 62

4.2 O princípio da insignificância .......................................................................... 65

4.2.1 Fundamentos .................................................................................................. 67

4.2.2 Critérios para aplicação ................................................................................. 70

4.2.3 Consequência ................................................................................................. 73

4.3 A incidência do princípio da insignificância no crime de supressão ou redução de tributos federais .................................................................................. 76

4.3.1 Visão doutrinária ............................................................................................ 76

4.3.2 Visão jurisprudencial ..................................................................................... 79

5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 93

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 99

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1 INTRODUÇÃO

Tratar sobre um tema de Direito Penal exige reflexão, responsabilidade e,

mormente, muito cuidado, já que não se está abordando mais um aspecto jurídico

do Direito, senão uma questão cujas consequências repercutem em uma das

maiores conquistas da sociedade moderna: o status libertatis.

Por isso, a análise da incidência de diversos princípios nesse campo tem

assumido especial relevo na comunidade jurídica, porquanto eles delimitam e

informam a interpretação, o alcance e a aplicação das normas penais, enfim,

orientam a manifestação do exercício do jus puniendi.

Nesse contexto, o princípio da insignificância tem sido largamente aplicado

pelos intérpretes da lei penal no intuito de restringir a incidência do Direito Penal em

fatos que, embora típicos, antijurídicos e culpáveis do ponto de vista formal, são

insignificantes, prestigiando, com isso, o caráter subsidiário e fragmentário daquele

ramo do Direito Público. Com razão, condutas que não provocam prejuízos capitais

ou perigo de lesão aos bens jurídicos tutelados não podem sofrer a sanção penal.

A par disso, os crimes de natureza tributária, em sua maior parte integrantes

do rol daqueles denominados de “colarinho branco”, também são objetos de

minuciosas investigações realizadas por juristas, tendo em vista a magnitude de

suas consequências à sociedade. Afinal, a prática de sonegar o pagamento de

tributos não só atinge a esfera patrimonial estatal, que deixa de arrecadá-lo, mas

também a coletividade, da qual é subtraída a eficiência e, sobretudo, a prestação de

serviços públicos. Como é cediço, sem receitas, o Estado não dispõe de recursos

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suficientes para atingir seus misteres constitucionais, a exemplo da prestação da

educação, saúde e segurança à população.

E os tributos que mais oneram a sociedade brasileira são, sem dúvida, os de

competência da União, pois neles estão abrangidos não só os impostos federais,

como também as inúmeras taxas e contribuições sociais. Apesar disso, são

imprescindíveis à manutenção estatal, conforme visto acima. Justifica-se o tema,

então, por razões jurídica e social.

O motivo jurídico advém dos aspectos penais que circundam a relação

jurídico-tributária entre o fisco e o contribuinte, notadamente a relevância para o

Direito Penal da prática de suprimir ou reduzir tributos federais. Afinal, segundo

modernas doutrinas jurídicas, o poder punitivo estatal deve ser subsidiário e

fragmentário, não podendo ser exercido em situações nas quais não há lesão ou

perigo dela a bem jurídico tutelado. Além disso, não se pode descartar as situações

práticas que decorrem do reconhecimento efetivo de crime bagatelar, pois, por

exemplo, ao se ter bem definido o(s) parâmetro(s) da insignificância, um advogado

consegue facilmente obstar o andamento de um inquérito policial instaurado para

apurar aquele tipo de crime, resguardando os direitos individuais de seu cliente.

Ademais, as consequências do reconhecimento da insignificância nesse tipo

de crime espraiam-se por toda a coletividade, na medida em que o Estado

demonstra para esta que a sonegação de tributos não é uma prática relevante a

merecer sanção penal, porém outras condutas que atingem bens patrimoniais

privados, que apresentam algumas semelhanças com aquela da sonegação, são

penalmente repreendidas. Daí decorre a razão social, porquanto se cria nos

cidadãos, habituados com a cultura do crime, o senso comum da impunidade.

Nesse panorama, propõe-se o trabalho, como objetivo geral, a perscrutar a

incidência do princípio da insignificância no crime de supressão ou redução de

tributos federais, previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990, O tema direciona-se a

responder ao seguinte problema: qual(is) o(s) parâmetro(s) desenvolvido(s) pela

doutrina e jurisprudência para aplicar o princípio da insignificância na conduta típica

de suprimir ou reduzir tributos federais?

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Uma possível hipótese para essa questão é a adoção dos seguintes critérios,

pois utilizados para aferir a insignificância de outras condutas típicas: ausência de

periculosidade social da ação, mínima ofensividade da conduta, reduzidíssimo grau

de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica

provocada.

De outro giro, a pesquisa, no que tange ao modo de abordagem, será

qualitativa, pois o que se procura atingir é a identificação da natureza e do alcance

do tema a ser investigado, bem assim as interpretações possíveis para o fenômeno

jurídico em análise. Para obter a finalidade desejada pelo estudo, será empregado o

método dedutivo, cuja operacionalização se dará por meio de procedimentos

técnicos baseados na doutrina, legislação e jurisprudência, relacionados,

inicialmente, a noções gerais de Direito Penal, passando pelo crime de supressão

ou redução de tributos, para se analisar, a final, a incidência do princípio da

insignificância nesse delito, segundo visões doutrinária e jurisprudencial.

Nesse passo, no primeiro capítulo de desenvolvimento deste trabalho serão

descritas noções gerais de Direito Penal, já que o tema predominantemente é

oriundo dessa área jurídica. Abordar-se-á, assim, a finalidade do Direito Penal,

conferindo-se especial atenção à noção de bem jurídico. Na sequência, serão

descritos conceitos de crime, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, com os

necessários aprofundamentos. De igual sorte, será analisada, em especial, a

questão da tipicidade conglobante e sua importância na interpretação do tipo legal.

Adiante, no segundo capítulo, será examinado o crime de supressão ou

redução de tributos, previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990, que integra o rol

dos crimes contra a ordem tributária. Antes de descrever os principais conceitos

desse delito, entretanto, faz-se necessário discorrer sobre algumas breves noções

de Direito Tributário, especialmente quanto aos tributos e suas espécies, obrigação

tributária e crédito tributário, porquanto o crime em estudo está relacionado a uma

relação jurídico-tributária. Ao depois, serão descritos o conceito do tipo penal

previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990, o bem jurídico tutelado por ele, os

elementos que integram o tipo e sua consumação ou tentativa.

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No último capítulo, por fim, far-se-á a análise doutrinária e jurisprudencial

sobre a incidência do princípio da insignificância no crime de supressão ou redução

de tributos federais. Primeiramente, será verificada a função dos princípios em

nosso ordenamento jurídico e, em seguida, será descrito o princípio da

insignificância, apresentando sua origem, os fundamentos, critérios para aplicação e

a consequência de sua incidência no caso concreto. Analisadas essas premissas,

proceder-se-á, enfim, à verificação na doutrina e na jurisprudência dos parâmetros

adotados para aferir a insignificância no delito em exame.

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2 NOÇÕES GERAIS SOBRE DIREITO PENAL

Direito Penal é o ramo do Direito Público interno que se ocupa em

estabelecer um arcabouço de normas jurídicas relacionadas com os fatos de

natureza criminal, de modo a regular o exercício do jus puniendi pelo Estado,

mediante prévia descrição de infrações penais definidas em lei, e as medidas

aplicáveis a quem as viola.

Porém, para uma melhor compreensão do que vem a ser, da sua função e de

como se materializa na prática, torna-se necessário examinar alguns conceitos

dessa importante área jurídica.

Dito isso, descrever-se-ão, no presente capítulo, noções gerais sobre Direito

Penal, especialmente quanto à sua finalidade, aos conceitos de crime, tipicidade,

antijuridicidade e de culpabilidade.

2.1 Finalidade do Direito Penal

O Direito constitui um instrumento de viabilização da existência humana,

assegurando a cada homem a possibilidade de encontrar-se com seu “ser”, isto é,

de escolher o que quer ser e chegar a ser. Entretanto, essa “existência humana não

pode haver senão na forma de coexistência, de existir com outros que também

existem, já que não se pode ter consciência do ‘eu’ quando não há um ‘tu’ de quem

distinguir-se” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 92).

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Nessa linha, a introdução de uma ordem político-normativa (Estado

constitucional) cumpre papel determinante para assegurar as relações

interpessoais, de modo a impedir uma guerra de todos contra todos (guerra civil).

Isso se torna possível a partir do estabelecimento de sanções jurídicas a quem viola

as regras básicas de convívio, necessárias para permitir que o homem se

autorrealize no âmbito das relações humanas.

Trata-se, aí, da função de segurança jurídica, que se exterioriza através da

proteção de bens jurídicos ou direitos.

Portanto, concluem Zaffaroni e Pierangeli (2004, p. 92) que “a função de

garantia de coexistência se cumprirá na medida em que se garanta a cada um a

possibilidade de dispor – de usar – o que considere necessário para sua

autorrealização”.

Tais autores, outrossim, anotam que da expressão Direito Penal exsurgem

duas entidades distintas: o conjunto de leis penais ou legislação penal; e o sistema

de interpretação desta legislação, isto é, o saber do direito penal.

Sendo assim, para esses estudiosos, o Direito Penal, entendido como

legislação penal, é o conjunto de leis que traduzem normas com o objetivo de tutelar

bens jurídicos, cuja violação se chama delito. Aspira, em razão disso, a que tenha

como consequência a essa violação uma coerção jurídica particularmente grave,

especial em relação às demais existentes no ordenamento jurídico, reproduzida na

forma de pena.

Já no segundo sentido, que se traduz no saber do direito penal (ou ciência

jurídico-penal), este interpreta o concernente à legislação penal, dando lugar a um

sistema de compreensão. Seu horizonte de projeção, por sua vez, como objeto

desse sistema, é a pretensão de regular condutas humanas por meio de

cominações.

O saber penal, dessa maneira, deve ser um saber comprometido com os

direitos humanos, que faça diminuir os níveis de marginalização mediante uma

integração comunitária dos setores marginalizados e da consequente diminuição

dos níveis de injustiça em suas estruturas de poder. O saber penal, portanto,

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consoante muito bem salientam Zaffaroni e Pierangeli (2004), deve ser instrumento

de integração e não de marginalização.

Isso revela que o Direito Penal (legislação penal) não pode ser interpretado

como um objeto que se esgota em si mesmo, e sim como um objeto que se realiza,

com caráter programático. Faz-se necessário, então, reconhecer que ele sempre

“aspira”, “procura”, “tende”, mas não realiza magicamente, já que a realização será

alcançada mediante uma interpretação adequada que, sob uma dada tradição

(momento histórico-cultural), proponha à jurisprudência soluções concretas e

coerentes com o próprio objetivo do Direito Penal: proteção de bens jurídicos

mediante uma intervenção mínima e mais racional (ZAFFARONI e PIERANGELI,

2004).

O Direito Penal de uma ordem política-normativa contemporânea, nesse

contexto, que se pauta por princípios de cidadania, dignidade da pessoa humana,

liberdade e igualdade, tal qual é o nosso Estado Social e Democrático de Direito,

não pode ter outro fim senão o da proteção de bens jurídicos que lhe são caros.

2.1.1 Tutela de bens jurídicos

Feldens (2005, p. 44) afirma “que passados quase dois séculos de contínua

reflexão, a teoria do bem jurídico mantém-se como um elemento essencial na

formatação do Direito Penal contemporâneo”. A evolução dessa teoria de bem

jurídico, por necessidade de adaptação às sucessivas mudanças de paradigmas

verificadas na teoria do Estado e do Direito, bem como às crescentes mudanças

sociais de nosso tempo, não teve o condão de despi-la daquilo que se enraizou

como legado de um Direito Penal de feição liberal: a afirmação de um Direito Penal

de tutela de bens jurídicos como modelo de um ordenamento jurídico laico,

democrático e pluralista, comprometido com o reconhecimento e proteção de

direitos.

Desse modo, a noção de bem jurídico segue desempenhando um papel

inquestionavelmente preponderante no Direito Penal contemporâneo, operando

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como fator crucial na diagramação de fontes e limites do jus puniendi. Como

consequência, o bem jurídico torna-se, além de elemento edificado pela dogmática

jurídico-penal, um ente estruturante e informador da política criminal do Estado, cuja

legitimidade passa a estar condicionada a um modelo de crime como ofensa a bens

jurídicos (FELDENS, 2005).

É a partir desse momento, então, que o conceito de bem jurídico desponta

como um conceito material e, portanto, com conteúdo definido ou definível, a exigir

do legislador que a tutela penal se oriente à proteção de bens jurídicos, como

requisito de legitimidade do Direito Penal. E o modelo de crime que se destine a

cumprir a tutela de bens jurídicos há de encontrar respaldo na Constituição

(FELDENS, 2005).

O Direito Penal, pois, cumprirá sua função à medida que se direcione a proibir

unicamente condutas que lesionem ou exponham a perigo bens jurídicos

amalgamados na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Este é o ponto exclusivo de

partida na seleção de tais bens ou direitos. Vida, liberdade e propriedade (art. 5.º,

caput, da CF/88) são exemplos de bens jurídicos constitucionais.

Feldens (2005, p. 38), nesse passo, anota que “o discurso de legitimação do

Direito Penal é, antes de qualquer coisa, o discurso sobre sua adaptação material à

Constituição”. Ambos compartem uma relação axiológica-normativa por meio da

qual a Constituição, ao tempo em que permite o desenvolvimento da dogmática

penal a partir de estruturas valorativas que lhes sejam próprias, impõe, em

contrapartida, limites materiais instransponíveis ao legislador penal.

Assim, a validade de um Direito Penal passaria pela conformação entre os

bens jurídicos protegidos com os valores ligados expressa ou implicitamente à carta

constitucional; hipótese a garantir-lhes dignidade jurídico-penal. Sempre haverá

meios (links constitucionais) que permitam, ainda que de forma remota, conectar o

bem jurídico penalmente protegido a algum princípio constitucional, face à amplitude

axiológica e cultural da Constituição (FELDENS, 2005). Logicamente, essa

necessidade de referência ao texto constitucional há de ser fundamentada, já que

uma simples análise (senso comum) apontaria que todo bem jurídico nele estaria

“positivado”.

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Por outro lado, tendo em vista existir na CF/88 um feixe de bens jurídicos ou

direitos, que, conforme a classificação operada, se traduzem nas dimensões ou

gerações de direitos, há de se verificar quais deles estão a merecer a tutela penal.

Na senda evolutiva dos fatos sociais, o sistema jurídico adapta-se,

paulatinamente, a novas ordens de direitos, afastando-se de uma concepção

obsoleta de que reconhecia como tais apenas aqueles bens ou interesses de índole

individual, denominados de primeira dimensão (FELDENS, 2005). Dessa forma, a

partir do reconhecimento dos direitos sociais, de segunda dimensão, até ulteriores

direitos coletivos e difusos, de terceira dimensão, a ordem política-normativa deve

garantir-lhes uma proteção efetiva. Para tanto, torna-se imperioso efetivá-los por

meio de uma intervenção ativa do Estado.

Ao Direito Penal, nesse panorama, é reservada uma missão de

inquestionável relevância para assegurar tais direitos, especialmente no tocante

àqueles que se mostram vitais para o hígido funcionamento de um Estado Social e

Democrático de Direito, como “ordem econômica”, “ordem tributária”, “regularidade

do sistema financeiro”, por exemplo, que, incorporados à Constituição, se espraiam

para além do interesse público stricto sensu, pois deles são dependentes, ainda que

de forma mediata, os sujeitos sociais. Afinal, ataques a bens jurídicos que compõe a

segunda e terceira dimensões de direitos não deixam de repercutir no patrimônio

jurídico de cada cidadão (FELDENS, 2005).

Já não há mais espaço, em pleno século XXI, para se operar com um Direito

Penal do século XVIII cuja finalidade, basicamente, era direcionada à proteção da

propriedade privada, “fazendo com que a clientela da justiça criminal se fizesse

representada pela classe baixa, circunstância essa, aliás, que perdura até os dias

atuais” (FELDENS, 2005, p. 55).

Faz-se necessário reconhecer, então, concordando com o autor, novos

valores gerados em face das novas necessidades (individuais e sociais),

estendendo a proteção a outras categorias de bens jurídicos hoje reconhecidas na

Constituição, especialmente quando sua violação possa representar, mesmo que

indiretamente, lesão similar – ou até superior – àquela verificada contra bens

jurídicos individuais, cuja proteção penal jamais fora questionada.

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Irretocável, nesse ponto, é a lição do doutrinador:

Em essência, o que se busca com essa contextualização do Direito Penal no ambiente socioevolutivo contemporâneo é advertir para o fato de que lesões indesejadas a bens jurídicos tradicionais – como a vida, a saúde, a dignidade humana, etc. – podem decorrer de ataques que não necessariamente lhe sejam diretos, mas que nem por isso deixam de atingi-los severamente. Tomemos, apenas a título de exemplo, as variadas hipóteses de crimes ambientais, como a contaminação indiscriminada do ar e da água, isso sem cogitarmos das repercussões econômico-financeiras no plano das políticas públicas – com efeitos, portanto, sobre a vida particular de cada cidadão, notadamente aquele menos favorecido – decorrente de ações delituosas dessa natureza. Tudo a significar que o legislador, ao erigir determinados bens jurídicos coletivos à categoria de objetividades jurídico-penais não está procedendo a uma ‘artificiosa criação de bens jurídicos sem conteúdo’, porquanto são ‘tão reais e referíveis à pessoa como os tradicionais bens jurídicos individuais’ (FELDENS, 2005, p. 59).

De igual sorte, Roxin (2008), ao tempo em que reconhece a importância do

Direito Penal como “instituição social” que garante ao indivíduo os pressupostos

para desenvolver a sua personalidade, dá ênfase à necessidade de incriminação,

em uma sociedade moderna, de bens jurídicos coletivos. Entretanto, o notável

penalista alemão adverte que, por ser ele um “mal necessário”, a sua finalidade, de

garantir a coexistência, está condicionada a um pressuposto limitador: a pena só

pode ser aplicada quando se revelar insuficiente a adoção de outra medida menos

gravosa.

Em outras palavras, o renomado jurista sintetiza que o Direito Penal é

desnecessário quando se pode assegurar a coexistência pacífica através do direito

civil, de uma proibição de direito administrativo ou por outros meios extrajurídicos. A

sua função de proteção dos bens jurídicos, portanto, dar-se-ia apenas de forma

subsidiária.

Daí decorre um postulado muito importante para o Direito Penal

contemporâneo: a afirmação de sua fragmentariedade ou subsidiariedade. Mas,

verificada a proteção deficiente dos bens jurídicos por outros meios, não restam

dúvidas que o ordenamento jurídico lhe confere legitimidade por meio da própria

Constituição, conforme visto acima. E o que o diferencia dos demais ramos do

direito, nesse aspecto, é a imposição de uma sanção grave ao violador da norma: a

pena.

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Nesse sentido, Zaffaroni e Pierangeli (2004, p. 99) explicam, com

propriedade, que “o direito penal tem, como caráter diferenciador, o de procurar

cumprir a função de prover a segurança jurídica mediante a coerção penal”. Esta,

por sua vez, se distingue das demais sanções jurídicas, porque “almeja assumir um

caráter especificamente preventivo ou particularmente reparador” (p. 99).

Concebida a pena, então, como consequência pela prática de uma conduta

proibida pelo Direito Penal, teria sentido dizer que a finalidade deste difere do

objetivo daquela? Absolutamente não.

Se o Direito Penal em um Estado Social e Democrático de Direito tem por

objetivo cumprir a função de segurança jurídica, tutelando bens jurídicos, a

finalidade da pena, que é a sanção infligida a quem viola a conduta proibida, só

pode ser a de prover essa tutela de direitos (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

Coisa distinta é o modo pelo qual a pena irá cumprir sua função, que pode

materializar-se desde a mera retribuição ao mal praticado, concepção de há muito

ultrapassada, até a forma de prevenção de futuras condutas proibidas.

2.1.2 A pena como função de prover a segurança jurídica

É quase unânime, na dogmática jurídico-penal, que a pena se justifica por

sua necessidade. É visualizada como um mal que deve ser imposto a uma pessoa

por causa da prática de um delito. Sem ela, não seria possível a convivência na

sociedade de nossos dias (BITENCOURT, 2004).

Consoante visto, “a pena não pode perseguir outro objetivo que não seja o

que persegue a lei penal e o direito penal em geral: a segurança jurídica”

(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 102). A pena deve aspirar a prover a tutela de

bens jurídicos, com a finalidade de prevenir futuras condutas delitivas. Sem

embargo, os estudiosos antes mencionados advertem que “a pena segue sendo

pena, porque para ressocializar é necessária a privação de alguns bens jurídicos, o

que sempre terá um conteúdo penoso para quem o sofre” (p. 102).

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Não há consenso na doutrina, todavia, quanto às teorias de prevenção da

pena, se deve adotar-se a teoria de prevenção geral ou especial.

Zaffaroni e Pierangeli (2004) entendem que a pena deve almejar uma

prevenção especial, de modo a diminuir a vulnerabilidade do criminalizado frente ao

próprio sistema penal. Nesse caso, a pena faria que o criminalizado tomasse

consciência da conduta praticada, levando-o a “mostrar a cara” perante o controle

social institucionalizado e a ser tomado como exemplo do que não se deve fazer. No

entanto, os autores não descartam a possibilidade de a pena, como prevenção

especial, cumprir socialmente uma função de prevenção geral, ainda que de forma

eventual.

Já Roxin (2008) perfilha entendimento de que a pena deve possuir aspectos

preventivos especiais e gerais, no sentido de que aqueles se traduzem na

ressocialização do criminoso e estes no reestabelecimento da paz social, para que a

conduta delituosa não seja imitada. Trata-se de uma teoria de prevenção geral

positiva limitadora (BITENCOURT, 2004).

De toda a sorte, faz-se mister assinalar que a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica (Decreto n.º 678, de 6 de

novembro de 1992), ao qual o Brasil aderiu, estabelece, em seu artigo 5.º, § 6.º, que

“as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a

readaptação social dos condenados”.

Para finalizar, Roxin (2008) expõe que o Direito Penal do futuro se tornará

cada vez mais um instrumento de direcionamento social (gesellschaftliches

Steuerungsinstrument) totalmente secularizado e, assim, realizará uma síntese entre

a garantia da paz, o sustento da existência e a defesa de direitos. A pena, nessa

perspectiva, deixaria de ser o único meio de punição e seria substituída pela

utilização de novas sanções menos limitadoras de liberdade.

Delimitada, portanto, a finalidade do Direito Penal – cuja essência,

recapitulando, consiste na tutela de bens jurídicos por meio da coerção penal –,

analisar-se-á, na sequência, o que a dogmática jurídico-penal se ocupa de explicar,

ou seja, os conceitos de crime e seus respectivos atributos e caracteres.

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19

2.2 Conceitos de crime

O nosso ordenamento jurídico realiza uma classificação dicotômica de

infração penal, fornecendo conceito de crime e de contravenção. É o que se extrai

do artigo 1.º da Lei de Introdução do Código Penal (Decreto-lei n.º 3.914, de 9 de

dezembro de 1941):

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Entretanto, acentua Bitencourt (2004) não existir diferença ontológica entre

crime (ou delito) e contravenção, motivo pelo qual o fundamento da distinção é

puramente político-criminal, e o critério é simplesmente quantitativo, com base na

sanção escolhida (pena privativa de liberdade e prisão simples).

Em realidade, tal conceito legal de crime é insuficiente para fins científicos, já

que não há descrição de sua essência. Por isso, há de se verificar os conceitos de

crime que a dogmática jurídico-penal ao longo da história tratou de desenvolvê-los.

Pois bem. Ensina Santos (2002) que as definições de crime podem ter

natureza real, material, formal ou analítica, segundo a origem, os efeitos, ou os

caracteres da realidade retratada.

Desse modo, definições reais explicariam a origem do fato delituoso em um

determinado contexto histórico e social, contribuindo sobremaneira para o estudo da

criminologia (SANTOS, 2002).

Em seu enfoque material, o crime é toda ação ou omissão a lesão de bens

jurídicos, contrariando valores ou interesses do corpo social, a exigir sua proibição

com ameaça de pena (SANTOS, 2002; BITENCOURT, 2004). Através dessa

definição compreender-se-ia a gravidade do dano social produzido pelo delito,

possibilitando ao legislador a formulação de novas políticas criminais.

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Na acepção formal, por sua vez, o delito seria toda a conduta comissiva ou

omissiva proibida por lei, sob ameaça de pena (BITENCOURT, 2004). Tratar-se-ia,

pois, de mera subsunção do fato ao tipo legal.

Verificada a insuficiência dos conceitos material e formal para permitir à

dogmática penal uma detalhada análise estrutural dos elementos do fato punível,

nesse contexto, fez-se necessária a adoção de um conceito analítico de crime

(BITENCOURT, 2004).

Historia esse último doutrinador que a elaboração do conceito analítico se

iniciou com Carmignani, em 1833, apesar de encontrar antecedentes em Deciano,

em 1551, e Bohemero, em 1732. Embora obscura a definição de seus elementos

estruturais, que se depuraram ao longo do tempo, o conceito analítico de crime

passou a defini-lo como ação típica, antijurídica e culpável.

Por outro canto, a dogmática penal contemporânea, admitindo de modo

praticamente unânime a estruturação analítica de crime, coincide na adoção de

duas categorias elementares do fato punível: o tipo de injusto e a culpabilidade.

Dessa forma, o injusto desdobra-se nos conceitos de ação, de tipicidade e de

antijuricidade; enquanto que o elemento culpabilidade é constituído pelos conceitos

de capacidade penal ou imputabilidade, de conhecimento da antijuridicidade (real ou

potencial) e de exigibilidade de conduta diversa (SANTOS, 2002).

Apesar disso, aponta Santos (2002) que existe um ponto de discordância no

aspecto do injusto, responsável pela existência dos sistemas bipartido e tripartido de

crime: a relação entre os conceitos de tipo legal e de antijuridicidade.

2.2.1 Sistema bipartido de crime

O sistema bipartido de crime propõe uma unidade conceitual de tipicidade e

antijuridicidade, como elementos integrantes do tipo de injusto, ao lado da

culpabilidade. Assim, o tipo legal é a descrição da lesão de bens jurídicos e a

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antijuridicidade é um juízo de valoração do comportamento naquele descrito,

formando um único conceito: o tipo de injusto.

A partir dessa estrutura, desenvolveu-se a teoria dos elementos negativos do

tipo, segundo a qual tipo legal e antijuridicidade são, respectivamente, as dimensões

de descrição e de valoração do conceito de tipo de injusto. Desse modo, as causas

de justificação funcionariam como fundamentos negativos do injusto, enquanto que

o tipo legal descreveria as características positivas dele (SANTOS, 2002).

Nesse passo, o tipo de injusto de homicídio, p. ex., deveria ser lido da

seguinte forma: matar alguém, exceto em legítima defesa, em estado de

necessidade, etc. Daí que, com base nesse sistema, “um homicídio em legítima

defesa seria uma ação atípica e não uma ação típica justificada” (SANTOS, 2002, p.

3).

2.2.2 Sistema tripartido de crime

De acordo com o sistema tripartido de delito, o qual, aliás, consoante acentua

Santos (2002), é dominante na dogmática contemporânea, há uma autonomia entre

a tipicidade e a antijuridicidade no âmbito do injusto, sob o fundamento de ambas

realizarem funções político-criminais independentes.

Dessa forma, explica o estudioso supracitado que o tipo legal descreve ações

proibidas sob ameaça de pena, como corolário do princípio da legalidade. Já a

antijuridicidade define preceitos permissivos que eliminam a contradição da ação

típica com o ordenamento jurídico. Portanto, no exemplo antes mencionado, matar

alguém em legítima defesa não é uma ação atípica, mas uma ação típica justificada.

Do contrário, não haveria como diferenciar comportamentos justificados, que devem

ser suportados, e comportamentos atípicos, os quais podem variar desde condutas

insignificantes até comportamentos antijurídicos.

Na linha do sistema tripartido, de outro giro, surgiu a moderna teoria finalista

de ação, desenvolvida por Hans Welzel, penalista alemão, na década de 1930, a

partir de estudos iniciados por Hellmuth Von Weber e Alexander Graf zu Dohna já

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nos fins dos anos de 1920 (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004). Segundo ela, a ação

final consiste na proposição do fim, na escolha dos meios necessários e na

realização da ação no mundo real. Esse conceito introduziu o dolo e a culpa à

estrutura do tipo, deixando à culpabilidade apenas o aspecto da reprovabilidade

(SANTOS, 2002).

Era uma ruptura ao clássico modelo “objetivo-subjetivo” de delito de

Liszt/Beling, que, com base numa teoria causalista, o entendia como uma conduta

objetiva sem conteúdo que causava um resultado, enquanto que o aspecto subjetivo

(dolo e culpa) residia puramente na culpabilidade (ZAFFARONI; PIERANGELI,

2004).

Conforme Santos (2002), o modelo finalista de crime difundiu-se na doutrina

e jurisprudência contemporâneas, influenciando diretamente algumas legislações

modernas, como a reforma penal alemã, de 1975, e a nova parte geral do Código

Penal Brasileiro (Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940).

Destaca-se, por fim, algumas consequências trazidas por esse modelo final

de ação:

[...] a) a inclusão do dolo (sem a consciência da ilicitude) e da culpa nos tipos de injustos (doloso ou culposo); b) o conceito pessoal de injusto – leva em consideração os elementos pessoais (relativos ao autor): o desvalor pessoal da ação do agente, que se manifesta pelo dolo de tipo (desvalor doloso; tipo de injusto doloso) ou pela culpa (desvalor culposo; tipo de injusto culposo). E ao desvalor da ação corresponde um desvalor do resultado, consistente na lesão ou perigo de lesão do bem jurídico tutelado; c) a culpabilidade puramente normativa. (BITENCOURT, 2004, p. 204)

Adota-se, pois, no presente trabalho o sistema tripartido de crime, cuja

estratificação – ação típica, antijurídica e culpável – (ZAFFARONI; PIERANGELI,

2004) permite uma melhor compreensão do objeto deste estudo.

2.3 Tipicidade

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, inciso XXXIX, consagrou o

princípio da reserva legal, estabelecendo a garantia individual de que não haverá

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crimes e penas sem prévia previsão legal, identificada na vetusta expressão latina

nullum crimen, nulla poena sine lege.

Cabe à lei, portanto, a assaz tarefa de conceituar e descrever os tipos penais

com todos os seus elementos. É o tipo legal que realiza e garante o sobredito

princípio (PRADO, 2011).

Como assevera Jakobs (2008), o conceito de tipo foi extraído do

desenvolvimento da teoria do corpus delicti. Esta teoria identificava o corpus delicti

como sendo sinais externos de um crime que legitimavam medidas persecutórias

especiais (“inquisição especial”). Corpus delicti era, pois, um conceito de

acontecimento concreto que foi retirado do campo processual para o material, sob a

forma de relevância jurídico-material. Porém, foi apenas no início do século XX que

o conceito de tipo foi dogmaticamente ativado, quando Beling o estabeleceu como

ente autônomo do crime, anterior à antijuridicidade e à culpabilidade. O tipo

(Tatbestand), então, é entendido como síntese dos elementos que demonstram qual

crime se trata tipicamente como “tipo do crime” (Vebrechenstyp).

Nos dias atuais, a partir da teoria finalista da ação concebida por Welzel na

década de 1930, trabalha-se com um conceito complexo de tipo, no qual contém

aspectos objetivo e subjetivo, no marco de um sistema tripartido de delito (tipicidade,

antijuridicidade e culpabilidade) (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

Alguns autores utilizam a terminologia tipo de injusto (Unrechtstypus) para

distinguir de tipo legal (Tatbestand). Toledo (2010, p. 134 e ss.) afirma que “a noção

de tipo de injusto se constrói com os elementos essenciais do tipo legal,

necessariamente constante de lei escrita, mas contém, além desses elementos, a

nota de ilicitude do fato”. Desse modo, a ação típica e antijurídica formaria o

conceito de injusto (Unrecht). Nada obstante, sua essência é a mesma da simples

denominação de tipo, porque ilicitude e tipicidade são elementos distintos (TOLEDO,

2010; SANTOS, 2002).

Nesse quadrante, o tipo é gerado pelo interesse do legislador no ente que

valora – que, como visto, deve possuir coloração constitucional -, enunciando uma

norma para tutelá-lo, a qual se manifesta em um tipo legal que a ela agrega a tutela

penal (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004). Em outras palavras, é criado com a

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finalidade de proteção de bens jurídicos, os quais constituem o núcleo de toda

construção normativa e típica penal e devem, por isso, ter substrato constitucional

(PRADO, 2011; FELDENS, 2005).

O tipo, todavia, com a tipicidade não se confunde.

A tipicidade, segundo Zaffaroni e Pierangeli (2004), é a característica que tem

uma conduta pela razão de estar subsumida a um tipo penal. Comprova-se-a

comparando a conduta particular (concreta) com a individualização daquela

hipoteticamente prevista no tipo (abstrata), para verificar se há uma adequação

típica (juízo de tipicidade). A tipicidade, pois, é uma característica basilar do injusto

penal, porquanto atribui a um injusto esse caráter específico (PRADO, 2011).

Anote-se, nada obstante, que a tipicidade não se esgota apenas na mera

subsunção de um fato a um modelo previsto no tipo legal. São necessárias, mais do

que isso, a antinormatividade da conduta e a afetação do bem jurídico tutelado,

formando um conceito de tipicidade conglobante, que, ao lado da tipicidade legal,

resulta na tipicidade penal (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

2.3.1 A tipicidade conglobante

Quando o legislador seleciona um bem jurídico plasmado na constituição para

lhe dar uma proteção penal, diz-se que há uma valoração desse bem e seu

resultado dá lugar a uma norma. Ato sequente, com base nela elabora-se um tipo

penal e o bem jurídico passa a ser penalmente tutelado (ZAFFARONI;

PIERANGELI, 2004).

Para se ter uma melhor compreensão, reproduz-se o exemplo que dão os

sobreditos doutrinadores:

O legislador encontra-se diante do ente “vida humana” e tem interesse em tutelá-la, porque a valora (a considera positiva, boa, necessária, digna de respeito, etc.). Este interesse jurídico em tutelar o ente “vida humana” deve ser traduzido em uma norma; quando se pergunta “como tutelá-lo?”, a única resposta é: “proibindo matar”. Esta é a norma proibitiva “não matarás”. Esta norma deve ser expressa em leis e, com isto, a vida humana se revelará como um bem jurídico. Assim, a vida humana é um bem jurídico à luz das

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disposições constitucionais, civis (art. 948 do CC/2002) etc. Sem embargo, pode ser que não se contente com esta manifestação da norma e requeira também uma tutela penal, ao menos para certas formas de lesão ao bem. É aí, então, quando o legislador elabora o tipo penal que o bem jurídico vida humana passa a ser um bem jurídico-penalmente tutelado (art. 121 do CP). (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 432).

Assim, destacam que a conduta penalmente típica deve, primeiro, estar

prevista em um tipo legal; segundo, ser antinormativa; e, por fim, causadora de uma

lesão ao bem jurídico protegido. E isso se verifica a partir de uma investigação do

alcance da norma que está anteposta ao tipo e da afetação do ente tutelado,

resultando numa visão conglobada de tipicidade.

Fica claro, pois, no entendimento dos autores, ser a afetação do bem jurídico

um requisito da tipicidade penal, mas não da tipicidade legal, que apenas a limita.

Se a norma tem sua razão de ser na tutela de bens jurídicos, não pode incluir em

seu âmbito de proibição condutas que não os afetem.

Afinal, pode acontecer que o tipo legal se tenha configurado e, no entanto, o

bem jurídico não tenha sido atingido. Neste caso, não se cogita a existência de

crime, pois, do contrário, desvirtuaria a própria finalidade do Direito Penal: a de

proteção de bens jurídicos.

Zaffaroni e Pierangeli (2004, p. 533), ademais, ensinam que a afetação do

bem jurídico pode dar-se de duas formas, quais sejam, por dano ou lesão e por

perigo:

Há dano ou lesão quando a relação de disponibilidade entre o sujeito e o ente foi realmente afetada, isto é, quando, efetivamente, impediu-se a disposição, seja de forma permanente (como ocorre no homicídio) ou transitória. Há afetação do bem jurídico por perigo quando a tipicidade requer apenas que essa relação tenha sido colocada em perigo. Estas duas formas de afetação dão lugar a uma classificação dos tipos penais em tipos de dano e tipos de perigo.

Conclui-se, do exposto, que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de

tipicidade legal, mas, antes, de tipicidade penal, que somente se verifica depois de

comprovada a tipicidade conglobante, como corretivo da tipicidade legal

(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

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Conceituada a tipicidade penal, passa-se, doravante, a descrever apenas as

formas de tipo doloso, a fim de bem delimitar a estrutura típica do crime de

supressão ou redução de tributos que se verificará no próximo capítulo.

2.3.2 Tipo ativo doloso

Partindo-se de uma concepção complexa de tipo, o tipo doloso ativo

apresenta dois aspectos, quais sejam, um objetivo e outro subjetivo, significando

que “a lei, mediante o tipo, individualiza condutas atendendo a circunstâncias que

ocorrem no mundo exterior e a circunstâncias que se encontram no interior,

pertencentes ao psiquismo do autor” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 446).

O tipo doloso implica sempre a causação de um resultado (aspecto externo) e

a vontade de causá-lo (aspecto interno). O aspecto externo do tipo doloso, isto é, a

alteração produzida no mundo físico, denomina-se tipo objetivo. Ao aspecto interno,

ou seja, à vontade de causar o resultado, atribui-se a denominação de tipo

subjetivo. De toda sorte, essa divisão é meramente didática, pois que “não há

nenhuma oposição entre o subjetivo e o objetivo, que formam parte de um contexto

único e indissolúvel” (PRADO, 2011, p. 400).

Nesse panorama, o tipo objetivo representa a exteriorização da vontade que

concretiza o tipo subjetivo. O fundamento material de todo crime é a concretização

da vontade num fato externo, que contenha, ao menos, um nexo causal. Isso se dá

através de uma causação de um resultado, posto que não há conduta sem resultado

(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

O nosso Código Penal adota a teoria da conditio sine qua non, materializada

no artigo 13, caput, parte final, do CP, e que considera causa “a ação ou omissão

sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Embora essa teoria possa imputar um

resultado a qualquer pessoa que seja condição para a ocorrência de um fato (p. ex.,

pai e mãe de um homicida), Zaffaroni e Pierangeli (2004, p. 449) explicam que “sua

admissão não acarreta qualquer problema, porque a relevância penal da

causalidade se encontra limitada, dentro da própria categoria do tipo, pelo tipo

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subjetivo, isto é, pelo querer do resultado”. Logo, somente é relevante a causalidade

material dirigida pela vontade a um fim.

De mais a mais, o tipo objetivo também é composto de um núcleo, no qual

contém o verbo que remete a uma ação ou omissão, e de elementos secundários ou

complementares, como, por exemplo, os sujeitos ativo e passivo, e elementos

descritivos e normativos (PRADO, 2011).

Nessa linha, sujeito ativo é o autor da conduta típica. É autor quem pratica

pessoalmente a conduta típica, ainda que utilize outro que não realiza a conduta

como mero instrumento físico (autoria direta ou imediata); ou quem se vale de

terceiro para realizar a conduta, o qual age sem dolo, atipicamente ou

justificadamente (autoria indireta ou mediata). Sujeito passivo, por sua vez, é o

titular do bem jurídico tutelado, que pode ou não sofrer a conduta (ZAFFARONI;

PIERANGELI, 2004).

Elementos descritivos ou objetivos propriamente ditos, a seu turno, “são

aqueles cuja identificação ressai de uma simples verificação sensorial” (PRADO,

2011, p. 401). São objetos, seres ou atos perceptíveis através dos sentidos (p. ex.,

alguém, animal vivo, mercadoria).

Elementos normativos, de outro giro, dizem respeito a certo dado ou realidade

da ordem jurídica, possuindo os mais diversos conteúdos, que são compreendidos

quando conexos ao mundo das normas. Dividem-se em elementos normativos

jurídicos, que são preenchidos por meio de conceitos jurídicos ou referentes à

norma jurídica (i. e., cheque, imposto); e elementos normativos extrajurídicos ou

empírico-culturais, que são juízos de valor fundado na experiência ou nos costumes

sociais (i. e., ato obsceno, dignidade) (PRADO, 2011).

Do exposto, depreende-se que o tipo objetivo se realiza mediante a

realização da ação prevista no núcleo do tipo, na qual deve conter implicitamente os

elementos complementares porventura existentes, que produz um resultado.

O tipo subjetivo, de seu turno, abrange todos os aspectos subjetivos ou

internos da conduta proibida que, concretamente, produzem o tipo objetivo. É, por

isso, constituído de um elemento subjetivo geral – o dolo -, que, por vezes, é

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acompanhado de elementos subjetivos específicos ou distintos do dolo. Como

acentua Bitencourt (2004, p. 255), “os elementos subjetivos assumem

transcendental importância na definição da conduta típica. É através do animus

agendi que se consegue identificar e qualificar a atividade comportamental do

agente”.

O dolo, nesse contexto, é o epicentro do tipo subjetivo. É o querer dirigido à

realização do tipo objetivo. Nosso Código Penal, em seu artigo 18, inciso I,

conceitua o dolo no sentido de que “o agente quis o resultado, ou assumiu o risco de

produzi-lo”.

Zaffaroni e Pierangeli (2004, p. 458) conceituam-no como “a vontade

realizadora do tipo objetivo, guiada pelo conhecimento deste no caso concreto”.

Dessa forma, o dolo apresenta um aspecto de conhecimento ou cognoscitivo e um

aspecto de querer ou volitivo.

O aspecto cognoscitivo do dolo abarca o conhecimento dos elementos

requeridos no tipo objetivo. Esse conhecimento deve ser sempre efetivo e

atualizável, pois o dolo pressupõe que o autor tenha previsto o curso causal e a

produção do resultado típico. Sem esta previsão, não há de se cogitar em dolo

(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

Já o aspecto volitivo se traduz no “querer” ou “assumir o risco de produção do

resultado” (art. 18, I, do CP). Tratam-se do dolo direto e do dolo eventual. O dolo

direto é aquele em que o autor quer diretamente a produção do resultado típico, seja

como o fim diretamente querido (dolo direto de primeiro grau), seja como

consequência de um meio empregado para obter esse fim (dolo direto de segundo

grau). O dolo eventual caracteriza-se, no nível intelectual, pelo fato de o autor levar

a sério a possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional, por

conformar-se com a eventual produção desse resultado, aceitando-a (SANTOS,

2002).

Por outro lado, no tipo subjetivo podem conter eventualmente os elementos

subjetivos específicos ou distintos do dolo. Esses elementos não integram o dolo e

nem com ele se confundem, pois, se o dolo é o querer do resultado típico, somente

compõe o tipo quando forem diferentes da simples finalidade de realizar o tipo

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objetivo (BITENCOURT, 2004). Podem, nesse sentido, ter duas naturezas distintas:

uns são ultraintencionais, particulares direcionamentos da vontade que vão mais

além do mero querer a produção do resultado típico; outros são particulares

disposições internas do autor (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

Portanto, em resumo do que foi exposto, o tipo ativo doloso é composto pelos

tipos objetivo e subjetivo, que, em uma união indissolúvel, representam uma

atividade finalista que produz determinado resultado, identificado necessariamente

pela ofensa (dano ou perigo) a um bem jurídico tutelado pela norma penal

(BITENCOURT, 2004).

2.3.3 Tipo omissivo doloso

Enquanto os tipos ativos individualizam a conduta proibida por meio de

descrições de um ou mais verbo e de eventuais elementos secundários, os tipos

omissivos, ao revés, descrevem a conduta devida, resultando proibida, por

conseguinte, qualquer outra que dela se afaste (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

Nas preciosas palavras de Santos (2002, p. 111-112):

Ação e omissão são conceitos contraditórios que, segundo repetida lição de RADBRUCH, relacionam-se como A e não-A: se A significa realizar uma ação proibida, não-A significa omitir a realização de uma ação mandada. A contradição entre ação e omissão assume forma plástica em ENGISCH, que define ação como emprego de energia em determinada direção, e omissão de ação como não emprego de energia em determinada direção. Desse modo, a ação seria uma realidade empírica conhecível pelos sentidos; a omissão da ação não seria uma realidade empírica, mas uma expectativa frustrada de ação, somente conhecível por um juízo de valor. Nesse sentido, omitir uma ação não significa, simplesmente, não fazer nada, mas não fazer algo determinado pelo direito.

Desse modo, no ordenamento jurídico há normas que podem ser enunciadas

proibitivamente ou preceptivamente para fins de proteção dos bens jurídicos.

Enquanto no enunciado proibitivo se proíbe a realização de uma ação

individualizada por um verbo, no enunciado preceptivo se proíbe qualquer outra

ação que não aquela individualizada pelo verbo no sentido de fazer algo

(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

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Tais enunciados preceptivos dão lugar aos chamados tipos de omissão

própria e tipos de omissão imprópria ou comissivos por omissão. Estes

correspondem aos tipos de resultado e têm por fundamento a posição de garantidor

do bem jurídico atribuída a determinados indivíduos, que implementa um dever

jurídico especial de agir, cuja lesão implica em responsabilidade pelo resultado,

como se fosse cometido por ação. Aqueles, inversamente, correspondem aos tipos

de simples atividade e se fundam na solidariedade humana, ensejando um dever

jurídico geral de agir, cuja lesão acarreta responsabilidade penal dolosa pela

omissão da ação mandada (SANTOS, 2002).

Ademais, os tipos omissivos apresentam, assim como nos ativos, elementos

objetivo e subjetivo, porém com caracteres distintos.

No aspecto objetivo do tipo omissivo, a realidade determinante do dever de

agir é a situação de perigo para o bem jurídico ou uma situação típica, que pode

estar explícita no tipo legal, no caso da omissão própria, ou implícita no resultado

descrito o tipo legal, no caso da omissão imprópria (SANTOS, 2002).

Além disso, exige-se que a conduta devida seja concreta e fisicamente

possível, pois o direito não pode exigir o impossível. Afinal, “não há conduta devida

de auxílio quando não existe possibilidade de prestá-lo” (ZAFFARONI;

PIERANGELI, 2004, p. 512). O nosso Código Penal consagra esse requisito em seu

artigo 13, § 2.º, no sentido de que “a omissão é penalmente relevante quando o

omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.

O tipo objetivo omissivo reclama, outrossim, um nexo de evitação do

resultado, isto é, uma probabilidade muito grande de que a conduta devida teria

interrompido o processo causal do resultado típico. Esse nexo de evitação,

conforme ensinam Zaffaroni e Pierangeli (2004), é estabelecido por um processo de

raciocínio mental: se se imaginar a conduta devida e o resultado desaparecer,

haverá o nexo de evitação; se, do contrário, o resultado permanecer, não existirá um

nexo de evitação.

De outra banda, na omissão imprópria há um elemento específico do tipo

objetivo que a distingue da omissão própria: a posição de garantidor daquele que

tem o dever jurídico de agir para impedir o resultado. Logo, o autor na omissão

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31

imprópria só pode encontrar-se dentro de um determinado círculo, pelo que a não-

evitação do resultado por ação mandada equivale à produção deste mesmo

resultado por ação proibida.

Santos (2002) afirma que a presença real do garantidor do bem jurídico

resulta em duplo significado concreto: primeiro, o titular do bem jurídico garantido

permite-se a exposições de perigo que, de outro modo, as evitaria; segundo, as

demais pessoas podem confiar na ação efetiva do garantidor bem jurídico e, por

isso, estão liberadas do dever jurídico de impedir o resultado.

A legislação brasileira adotou um critério formal para definir a posição de

garantidor no artigo 13, § 2.º, do CP, ao estabelecer que “o dever de agir incumbe a

quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra

forma, assumiu a responsabilidade de evitar o resultado; c) com seu comportamento

anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.

No que tange ao aspecto subjetivo do tipo omissivo doloso, por outro canto, o

dolo requer o efetivo conhecimento da situação típica e a previsão da causalidade.

Quando se tratar de uma omissão imprópria, requer ainda que o autor conheça a

qualidade que o coloque na posição de garantidor, bem como “o conhecimento de

que lhe é possível impedir a produção do resultado” (ZAFFARONI; PIERANGELI,

2004, p. 516).

Destarte, realizada a análise da tipicidade e de seus elementos, passa-se a

descrever a antijuridicidade e a culpabilidade, eis que elementos integrantes do

modelo analítico de crime.

2.4 Antijuridicidade

Ilicitude ou antijuridicidade são termos empregados como sinônimos. Alguns

autores preferem a primeira à segunda expressão, porquanto a reforma do Código

Penal em 1984, ao dar nova redação à Parte Geral, adotou o termo ilicitude,

abandonando a expressão antijuridicidade que compunha a Parte Geral do CP em

1940.

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Toledo (2010) anota que a opção pelo termo antijuridicidade por nossos

penalistas, influenciados por autores espanhóis e italianos, não é muito feliz, na

medida em que, com base na lição de Carnelutti, há uma contradição entre o delito

ser um fato e um ato jurídico e, ao mesmo, um fato ou ato antijurídico. Assim, afirma

ter o legislador de 1984 contribuído para afastar “o equívoco linguístico que parece

ter sido fruto de importação de uma tradução pouco precisa da palavra composta

alemã Rechtswidrigkeit, que significa, literalmente, contrariedade ao direito (não ao

jurídico)” (TOLEDO, 2010, p. 160).

Nada obstante os argumentos notáveis desse jurista, adota-se a expressão

antijuridicidade, primeiro, porque é empregada como sinônimo de ilicitude

(TOLEDO, 2010), e, segundo, se mantém atualizada à moderna dogmática jurídico-

penal contemporânea (BITENCOURT, 2004).

Dito isso, antijuridicidade pode ser conceituada como contradição entre a

ação humana e o ordenamento jurídico no conjunto de suas proibições e

permissões; estas entendidas como causas de justificação, aquelas como

descrições de ações ou omissões proibidas pelos tipos penais. O conceito de

antijuridicidade, pois, é o oposto ao de juridicidade (SANTOS, 2002).

Nesse sentido, um fato humano – qualquer que seja – será ilícito sempre que

estiver em contrariedade à ordem jurídica. E isso ocorre tanto pelo fazer o proibido,

quanto o não fazer o que determina esse mesmo ordenamento. A antijuridicidade é,

assim, a propriedade de certos comportamentos humanos, seja sob a forma de

ação, seja sob a forma de omissão, de se oporem ao ordenamento jurídico

(TOLEDO, 2010).

A antijuridicidade integra o conceito de injusto, pois este engloba toda e

qualquer ação típica e antijurídica, ainda que não seja culpável. A distinção entre

injusto e antijuridicidade, obtempera Toledo (2010), tem importância para o Direito

Penal, na medida em que aquele pode ser diferenciado qualitativa e

quantitativamente, enquanto esta não comporta diferenciações materiais ou

escalonamento. Assim, um homicídio, i. e., não seria mais antijurídico do que um

furto, mas é evidente que se distinguem qualitativa e quantitativamente no âmbito do

injusto.

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De outro vértice, faz-se necessário distinguir antijuridicidade de

antinormatividade.

A antinormatividade surge com a realização da conduta descrita no tipo de

uma norma proibitiva, que caracteriza a contradição entre aquela e a exigência

desta. Em resumo, “a tipicidade penal implica a contrariedade com a ordem

normativa” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 437).

A antijuridicidade pressupõe a antinormatividade, mas esta não é suficiente

para configurar aquela, pois a antinormatividade pode ser neutralizada por um

preceito permissivo ou uma causa de justificação que ampare a conduta. Decorre

daí que “a tipicidade atua como um indício da antijuridicidade, como um desvalor

provisório, que deve ser configurado mediante a comprovação das causas de

justificação” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 437).

As causas de justificação ou preceitos permissivos – também denominados

de tipos permissivos – estão previstas no artigo 23 e incisos do Código Penal:

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Esses tipos permissivos, entretanto, não serão objetos de análise neste

trabalho.

Nesse panorama, uma vez descritos os elementos que compõe o injusto,

quais sejam, tipicidade e antijuridicidade, passa-se ao último plano da estrutura

analítica de crime: a culpabilidade.

2.5 Culpabilidade

No contexto de um modelo finalista de delito – crime como ação ou omissão

típica, antijurídica e culpável – a doutrina contemporânea adota um conceito

normativo de culpabilidade, segundo o qual “um injusto, isto é, uma conduta típica e

antijurídica, é culpável quando é reprovável ao autor a realização desta conduta

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porque não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que

agiu, que nela se motivasse” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 437).

Esse atual conceito de culpabilidade, afirma Santos (2002), é o produto

inacabado de mais de um século de controvérsia sobre sua estrutura, que se iniciou

com o conceito psicológico do século XIX, evoluiu para o psicológico-normativo no

início do século XX, transformou-se em conceito normativo puro durante esse último

século e, na passagem para o século XXI, parece imerso em crise. O estudioso

assinala que novas propostas conceituais indicam essa crise, como a teoria da

responsabilidade normativa de Roxin, que procura integrar o conceito de

culpabilidade com o de prevenção (ou necessidade preventiva da pena), como

categoria capaz de dar conta de situações de exculpação.

De toda sorte, é certo que a culpabilidade constitui o fundamento e o limite da

pena, conformando o motivo decisivo para sua aplicação. Se o princípio da

culpabilidade (nullum crimen sine culpa), por um lado, (re)afirma que não pode haver

delito se não for ao menos culposo, por outro, reclama uma condição de

reprovabilidade para que o injusto seja culpável. Assim, “a culpabilidade somente

pode ser edificada sobre a base antropológica da autodeterminação”, isto é,

considerando o homem como um ente capaz de autodeterminar-se (ZAFFARONI;

PIERANGELI, 2004, p. 576).

Trata-se de uma culpabilidade pelo fato individual (Einzeltatschuld) – ou

Direito Penal de fato (Tatstrafrecht), que repousa sobre a conduta típica e ilícita do

autor, e não uma culpabilidade pela conduta de vida (Lebensführungsschuld) do

autor ou de seu caráter – ou Direito Penal do autor (Täterstrafrecht) (PRADO, 2011;

TOLEDO, 2010). Essa última forma de culpabilidade, aliás, como afirmam Zaffaroni

e Pierangeli (2004, p. 579) “é o mais claro expediente para burlar a vigência do

princípio da reserva legal e estender a culpabilidade em função de uma actio inmoral

in causa”. Neste caso, o Direito Penal passaria a cumprir qualquer outra função

(defesa da raça ariana, da ditadura do proletariado, etc.) exceto a de segurança

jurídica.

Nesse panorama, a culpabilidade (Schuld), entendida como reprovabilidade,

reclama, para estar presente, que se tenha exigido do sujeito a possibilidade de

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compreender a antijuridicidade de sua conduta, e que as circunstâncias em que agiu

não lhe tenham reduzido o âmbito de autodeterminação além de um limite mínimo.

Quando esse limite mínimo não é alcançado, por não se poder exigir do sujeito a

compreensão da antijuridicidade, seja pela falta de capacidade psíquica suficiente,

seja por encontrar-se em um estado de erro acerca da antijuridicidade, a

culpabilidade é excluída (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

À vista disso, tem-se como elementos da culpabilidade a imputabilidade, a

possibilidade de conhecimento da antijuridicidade e a exigibilidade de conduta

diversa.

2.5.1 Imputabilidade

É imputável o sujeito que possui a plena capacidade (estado ou condição) de

culpabilidade, entendida como capacidade de entender e de querer, e, por

conseguinte, de responsabilidade criminal (PRADO, 2011). É um atributo jurídico de

indivíduos cujos níveis de desenvolvimento biológico e normalidade psíquica os

autorizam a compreender a natureza proibida de suas ações e de orientar o

comportamento de acordo com essa compreensão (SANTOS, 2002).

Disso decorre que a imputabilidade possui dois aspectos, quais sejam, um

cognoscitivo ou intelectivo, traduzido na capacidade de compreender a ilicitude do

fato; e outro volitivo, no sentido de poder determinar a vontade conforme essa

compreensão (PRADO, 2011).

O Código Penal, em sede de exclusão de imputabilidade, adota um sistema

biopsicológico ou misto, que atende tanto às bases biológicas que conduzem à

inimputabilidade – como é o caso dos menores de 18 anos (art. 27 do CP e art. 228

da CF/88) – quanto às suas consequências na vida psicológica ou anímica do

agente – por exemplo, os portadores de doença mental que são “inteiramente

incapazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com

esse entendimento” (art. 26, caput, do CP) (PRADO, 2011).

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2.5.2 Possibilidade de conhecimento da antijuridicidade

Para que exsurja a reprovabilidade pela prática de um injusto (ação ou

omissão típica e antijurídica), do autor se exige, além da imputabilidade, uma

possibilidade exigível de conhecimento e compreensão da antijuridicidade

(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004). Trata-se, então, da possibilidade de o agente

poder reconhecer o caráter ilícito de sua ação, que se identifica por uma consciência

potencial – e não real – da ilicitude (PRADO, 2011).

Nesse sentido, a legislação penal brasileira adotou esse entendimento,

especialmente nos arts. 21 e 26 do CP, ao exigir apenas a possibilidade de

conhecimento da ilicitude, e não o efetivo entendimento dela. O que se requer,

dessa maneira, é uma “valoração paralela do profano”, a qual é uma “possibilidade

de conhecimento análogo ao efetivamente requerido a respeito dos elementos

normativos dos tipos legais” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 590). Estes

autores, contudo, advertem que, como não se pode exigir de todos o mesmo grau

de compreensão da antijuridicidade, quanto maior for o esforço do autor para

internalizar essa compreensão, menor será a reprovabilidade, e vice-versa.

Ademais, o conhecimento potencial da ilicitude, ressalte-se, não se refere às

leis penais, bastando, apenas, que o agente, ao menos, tenha podido saber que sua

conduta contraria o ordenamento jurídico (PRADO, 2011). A ausência da

consciência potencial, aliás, dá lugar ao erro de proibição, que, se inevitável, é

causa excludente de culpabilidade (art. 21 do CP), mas do qual não se ocupará este

trabalho.

Portanto, o agente só age culpavelmente quando conhece ou pode conhecer

a antijuridicidade de seu comportamento.

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2.5.3 Exigibilidade de conduta diversa

A inexigibilidade de comportamento diverso surge na dogmática jurídico-penal

mediante trabalhos de Freudenthal, correlacionada ao conceito normativo de

culpabilidade do início do século XX, mas de início é rejeitada como fundamento

supralegal de exculpação. No entanto, “Eberhard Schmidt sugere, em 1949, a

necessidade de despertar o problema da inexigibilidade do sonho de bela

adormecida” (SANTOS, 2002, p. 216), com o que mais recentemente são retomadas

as propostas de inexigibilidade “como cláusula geral de exculpação supralegal, ora

deduzida do princípio da culpabilidade, ora do princípio de justiça do Estado de

Direito” (p. 216). Na atualidade, a doutrina não lhe nega autonomia, ainda que sob

fundamentos distintos (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

A exigibilidade de conduta diversa, nesse contexto, representa o terceiro

estágio do juízo de reprovação de culpabilidade e funda-se na normalidade das

circunstâncias do fato. Com a confirmação da imputabilidade e da potencial

consciência da antijuridicidade, faz-se necessário que ao autor se tenha exigido

comportamento diverso, dentro de uma perspectiva circunstancial normal, para que

a ordem jurídica estabeleça a censura da culpabilidade. Do contrário, se as

circunstâncias de realização do injusto forem anormais, estas podem constituir

situações de exculpação que excluem o juízo de exigibilidade de comportamento

diverso (SANTOS, 2002).

De efeito, os motivos que conduziriam a situações de exculpação, como

hipóteses de inexigibilidade de comportamento diverso, seriam:

Primeiro, as situações de exculpação são hipóteses de redução de capacidade de comportamento conforme à norma, sob vários fundamentos: circunstâncias externas podem reduzir a livre determinação da vontade; o instinto de conservação em situações adversas pode afetar a capacidade de agir conforme ao direito; pressões psíquicas excepcionais podem excluir a culpabilidade da lesão da norma; segundo, as situações de exculpação constituem hipóteses de dupla redução da culpabilidade: redução da culpabilidade representada pela pressão psíquica do acontecimento concreto; redução da culpabilidade determinada pela redução do injusto: a lesão de um bem jurídico tem por fundamento a proteção de outro bem jurídico; por último, as situações de exculpação configuram casos de desnecessidade de prevenção geral ou especial, segundo a teoria dos fins da pena (SANTOS, 2002, p. 218).

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Assim, a ideia de inexigibilidade de comportamento diverso fundamenta

situações de exculpação que vão desde a coação moral irresistível e obediência

hierárquica (art. 22 do CP) ao estado de necessidade exculpante.

Destarte, analisadas noções gerais de Direito Penal que interessam à

pesquisa, descrever-se-á, no capítulo sequente, o crime de supressão ou redução

de tributos (artigo 1.º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990), conferindo

especial atenção ao seu conceito, bem jurídico tutelado e elementos do tipo, além

de noções gerais de Direito Tributário e de tributos federais.

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3 O CRIME DE SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS (ART. 1.º

DA LEI N.º 8.137/1990)

A preocupação com o patrimônio fiscal, entendido como bem jurídico coletivo

de acordo com o primeiro capítulo, tornou-se uma necessidade dos atuais Estados

Sociais e Democráticos de Direito, a exemplo do Brasil. Isso porque a concreção de

direitos sociais, coletivos e difusos, e, sobretudo, a promoção de uma sociedade

livre, justa e solidária, com diminuição de desigualdades sociais, pressupõe a

existência de recursos suficientes no atual contexto da economia global para realizar

esses misteres.

Entretanto, na mesma medida de atuação da política fiscal, cresceram as

condutas desviantes direcionadas a fraudar o pagamento de tributos. O patrimônio

coletivo, então, acabava sendo dilapidado por interesses egoísticos. Em razão

disso, o legislador brasileiro, verificando a insuficiência da esfera cível e

administrativa para conferir proteção ao bem jurídico em tela, criou a Lei 8.137, de

27 de dezembro de 1990, que definiu os crimes contra a ordem tributária,

econômica e contra as relações de consumo, e previu, especificamente, a conduta

típica de “supressão ou redução de tributos”. Contudo, faz-se necessário realizar

uma análise acurada dos elementos e caracteres que compõem esse tipo penal.

Nesse panorama, o objetivo deste capítulo será apontar os principais

aspectos do crime de supressão ou redução de tributos.

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3.1 Noções gerais de Direito Tributário

Antes de adentrar as especificidades do tipo penal, é preciso descrever

algumas breves noções de Direito Tributário, já que a existência do crime de

supressão ou redução de tributos pressupõe uma relação jurídico-tributária.

Conforme assinala Ichihara (2005, p. 611), “na interpretação e aplicação dos

tipos penais, rotulados como sendo crimes contra a ordem tributária, os mesmos

devem ser analisados à luz dos fatos e dos princípios e regras de Direito Tributário,

que são de fundamental importância”.

Assim, analisar-se-ão, de modo sucinto, conceitos de tributo, obrigação

tributária e crédito tributário.

3.1.1 O tributo e suas espécies

De efeito, dispõe o artigo 3.º da Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966

(Código Tributário Nacional), ser o tributo “toda prestação pecuniária compulsória,

em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato

ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente

vinculada”.

Carvalho (2005, p. 25) anota que por prestação pecuniária compulsória “quer

dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de

plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias”. Em consequência,

sua efetivação independe da vontade do sujeito passivo, que deve realizá-la,

mesmo contra seu interesse. Conclui, então, o mencionado doutrinador que, uma

vez “concretizado o fato previsto na norma jurídica, nasce, automática e

infalivelmente, o elo mediante o qual alguém ficará adstrito ao comportamento

obrigatório de uma prestação pecuniária”.

Outra particularidade do tributo é que o fato desencadeador do nascimento

da obrigação tributária não deve ser uma sanção por um ato ilícito. Carvalho (2005)

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explica ser essa característica sumamente relevante para a compreensão de tributo,

pois se separa, com nitidez, a relação jurídica do tributo da relação atinente às

penalidades pelo descumprimento de deveres tributários.

Ademais, a exigência de ser somente instituído por meio de lei traduz a fiel

observância do princípio da legalidade, previsto no artigo 5.º, inciso II, da

Constituição Federal de 1988, do qual é corolário o da estrita legalidade em matéria

tributária, também com previsão no artigo 150, inciso I, do texto constitucional. Logo,

o primado da legalidade, que se irradia por todos os segmentos da ordem político-

normativa, representa uma garantia aos cidadãos de não serem compelidos ao

pagamento de tributos que não sejam instituídos mediante lei (CARVALHO, 2005).

Por fim, o tributo é cobrado mediante atividade administrativa plenamente

vinculada, o que significa ser o procedimento de arrecadação um ato administrativo

vinculado, não comportando, pois, discricionariedade no momento de sua cobrança,

salvo em hipóteses previstas expressamente na legislação (CARVALHO, 2005).

Todavia, essa descrição abstrata do que vem a ser tributo, conforme adverte

Carvalho (2005), não é suficiente para que se conheça sua planta fundamental, isto

é, sua natureza jurídica específica. Criticando o artigo 4.º do CTN, o citado jurista

aponta que apenas a consideração do fato gerador não revela a natureza jurídica do

tributo, já que não seria possível diferenciar impostos de taxas, por exemplo. Por

isso, afirma que, no direito brasileiro, “o tipo tributário se acha integrado pela

associação lógica e harmônica da hipótese de incidência e da base de cálculo”

(CARVALHO, 2005, p. 29), conforme diretriz constitucional. Assim, o binômio

hipótese de incidência/base de cálculo, adequadamente identificado, revela a

natureza própria do tributo.

Dessa forma, dessume-se que tributo não se confunde com imposto. Este é

espécie daquele. Portanto, tributo é gênero, do qual são espécies os impostos,

taxas, contribuição de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios.

Embora essa classificação, também denominada de teoria quinquipartite, não seja

pacífica na doutrina (MACHADO, 2010), adota-se-a neste trabalho, porquanto está

em consonância com a Constituição (CARVALHO, 2005).

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Dito isso, imposto é o tributo que tem por hipótese de incidência, confirmada

por uma base de cálculo, um fato alheio a qualquer atuação estatal, consoante

prevê o artigo 16 do CTN. Têm os impostos um regime jurídico-constitucional

peculiar, visto que o constituinte repartiu, de forma taxativa, a competência para

instituí-los entre as pessoas políticas de direito público interno – União, Estados,

Distrito Federal e Municípios (CARVALHO, 2005).

Taxas, por sua vez, são tributos que se caracterizam por exteriorizarem, na

hipótese da norma, a descrição de uma atuação estatal, direta e especificadamente

ao contribuinte. Subdividem-se em taxas cobradas pela prestação de serviços

públicos e taxas cobradas pelo exercício do poder de polícia, consoante previsão no

artigo 77 do CTN e artigo 145, inciso II, da Constituição Federal de 1988, e podem

ser instituídas por qualquer ente político, no âmbito de suas respectivas atribuições

(CARVALHO, 2005).

Já a contribuição de melhoria leva em conta uma obra pública que, uma vez

concretizada, acarreta uma valorização dos imóveis particulares circunscritos a ela.

Essa é a hipótese de incidência que dá lugar a tal espécie de tributo. Difere-se do

imposto porque depende de atividade estatal específica, e da taxa porque esta

pressupõe serviço público ou exercício regular do poder de polícia (MACHADO,

2010). De qualquer sorte, assinala Carvalho (2005) que há de se respeitar o

quantum patrimonial que a obra pública acresceu indiretamente ao imóvel, pois, do

contrário, a exação feriria o princípio da capacidade contributiva.

As contribuições sociais, a seu turno, também são espécies de tributos que

possuem, como peculiaridade, sua correspondente finalidade constitucionalmente

definida. Podem assumir características ora de imposto, ora de taxa. Ademais,

subdividem-se em contribuições de intervenção no domínio econômico, que se

caracteriza por ter um objetivo específico pelo órgão estatal de intervir em

determinado setor econômico e por aplicar os recursos arrecadados no

financiamento da intervenção que a justificou; contribuições de interesse de

categorias profissionais ou econômicas, com vistas a propiciar a organização de

determinada categoria profissional ou econômica, fornecendo-lhe recursos para a

sua manutenção; e contribuições de seguridade social, que têm por finalidade o

custeio da seguridade social e encontram, na Constituição, disciplina exaustiva de

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suas hipóteses de incidência. Todas essas contribuições somente podem ser

instituídas pela União (art. 149, caput, da CF/88), com exceção das contribuições

que os Estados, Distrito Federal e Municípios podem cobrar de seus servidores,

para custeio, em benefício destes, de sistema próprio de previdência e assistência

sociais (art. 149, § 1.º, da CF/88). Anota-se, por fim, a contribuição destinada ao

custeio de iluminação pública, cuja criação a Constituição a outorgou aos municípios

(art. 149-A da CF/88) (MACHADO, 2010).

O empréstimo compulsório, neste deslinde, é tratado no artigo 148 da

Constituição Federal de 1988, que outorgou à União a competência para criá-lo

diante de “despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, guerra

externa ou sua iminência” (inciso I), ou “no caso de investimento público de caráter

urgente e de relevante interesse nacional” (inciso II). Assim, os recursos

provenientes da arrecadação deverão ser empregados exclusivamente na situação

que fundamentou a instituição do empréstimo compulsório (CARVALHO, 2005).

Esse, na essência, é o panorama dos tributos na nossa ordem político-

normativa.

A competência para instituir tributos, ademais, está expressamente delimitada

pela Constituição Federal de 1988, que a repartiu, formal e materialmente, entre

cada ente político, isto é, União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Logo, os

tributos federais são aqueles criados pela e em benefício da União, aqui entendida

como Administração Pública Federal lato sensu.

Sem pretender esgotar o assunto, ressalte-se que os tributos federais mais

comuns são: a) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre a

importação e comercialização de combustíveis (CIDE-Combustíveis); b)

Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); c)

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); d) Contribuições Previdenciárias;

e) Contribuição do Programa de Integração Social (PIS/PASEP); f) Imposto de

Importação (II); g) Imposto de Exportação (IE); h) Imposto sobre a Renda (IR); i)

Imposto sobre Operações Financeiras (IOF); e j) Imposto sobre Produtos

Industrializados (IPI), consoante divulgado no sítio eletrônico da Receita Federal

(BRASIL, 2013, texto digital).

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Conceituado o tributo e suas espécies, verificar-se-á, na sequência, a relação

tributária que exsurge da realização de um fato que se amolda a uma hipótese de

incidência prevista em um tipo tributário.

3.1.2 Obrigação tributária

Segundo Machado (2010), a relação entre o Estado e as pessoas sujeitas à

tributação não é simplesmente relação de poder, mas, ao contrário, uma relação

jurídica, de natureza obrigacional, que surge a partir da ocorrência de um fato

previsto em uma norma como capaz de produzir esse efeito.

A esse fato, ou melhor, “a uma situação definida em lei como necessária e

suficiente à sua ocorrência” (art. 114 do CTN), atribui-se a denominação de fato

gerador ou hipótese de incidência, que, uma vez ocorrido, faz nascer a obrigação

tributária. Esta, então, pode ser conceituada como “a relação jurídica em virtude da

qual o particular tem o dever de prestar dinheiro ao Estado, ou de fazer, não fazer

ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos, e o Estado

tem o direito de constituir contra o particular um crédito” (MACHADO, 2010, p. 129).

A obrigação tributária, outrossim, pode ser principal ou acessória. Esta

consiste em obrigações de fazer, de não fazer ou tolerar alguma coisa – também

denominadas de deveres instrumentais ou acessórios (CARVALHO, 2005) – no

interesse da fiscalização ou da arrecadação dos tributos (art. 113, § 2.º, do CTN);

aquela em obrigação de dar uma prestação pecuniária ao Fisco (art. 113, § 1.º, do

CTN). Registre-se, além disso, que a inobservância da obrigação acessória redunda

em conversão desta em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária

(art. 113, § 3.º, do CTN).

De outra banda, os sujeitos da relação obrigacional dividem-se em sujeito

ativo e sujeito passivo.

De acordo com Carvalho (2005), o sujeito ativo, titular do direito subjetivo de

exigir a prestação pecuniária, no direito tributário brasileiro, pode ser tanto pessoa

jurídica pública ou privada, quanto pessoa física. Entre as pessoas jurídicas de

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direito público, encontram-se aquelas investidas de capacidade política e, assim,

titulares da competência tributária (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e

outras que, sem possuir a competência tributária, estão credenciadas à titularidade

de direitos subjetivos. Entre as pessoas jurídicas de direito privado, sobressaem as

entidades paraestatais, que desempenham funções de grande interesse público.

Por derradeiro, a pessoa física poderia vir a ser sujeito ativo da obrigação, desde

que desempenhasse atividade exclusiva e de real interesse público.

Sujeito passivo da obrigação tributária, por sua vez, é a pessoa jurídica,

pública ou privada, ou pessoa física de quem se exige o cumprimento da prestação

pecuniária, no nexo obrigacional principal; ou um fazer, não fazer ou tolerar algo,

nas obrigações acessórias. Ainda, o artigo 121, parágrafo único, incisos I e II, do

CTN, dispõe que o sujeito passivo pode assumir feição de “contribuinte, quando

tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato

gerador”, ou “responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua

obrigação decorra de disposição expressa de lei” (CARVALHO, 2005).

No entanto, apenas a existência da obrigação tributária não autoriza o Estado

a exigir o pagamento do tributo. Para tanto, faz-se necessária a constituição do

crédito tributário (MACHADO, 2010).

3.1.3 Crédito tributário

Machado (2010) ressalta que obrigação e crédito tributários não se

confundem. O crédito decorre da obrigação tributária e tem a mesma natureza desta

(art. 139 do CTN). Didaticamente, obrigação tributária consistiria em uma obrigação

ilíquida no campo do Direito Civil. Já o crédito tributário corresponde a essa mesma

obrigação, porém depois de liquidada. E, para torná-la líquida e exigível, o Fisco

pratica um ato declaratório denominado juridicamente de lançamento.

O lançamento, nesse passo, é o procedimento administrativo pelo qual se

verifica a prática da hipótese de incidência da obrigação correspondente,

identificando seu sujeito passivo e determinando a matéria tributável, para, então,

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calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for

o caso, a penalidade cabível. Somente a autoridade administrativa competente pode

realizar o lançamento e, portanto, constituir o crédito tributário (MACHADO, 2010).

Saliente-se existir no Código Tributário Nacional três modalidades de

lançamento, quais sejam, lançamento de ofício, por declaração e por homologação.

Diz-se de ofício o lançamento quando realizado por iniciativa da autoridade

administrativa, nos casos em que a lei o determina. Por declaração é o lançamento

nos casos em que a lei impõe ao sujeito passivo a obrigação de prestar informações

de fatos à autoridade administrativa, para que esta calcule o valor do tributo e

realize o lançamento. Por derradeiro, “lançamento por homologação é aquele que

ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribui ao sujeito passivo o dever de fazer

a apuração do valor devido e antecipar o respectivo pagamento” (MACHADO, 2010,

p. 188).

Constituído o crédito tributário através do lançamento, nesse panorama,

aquele somente se modifica, ou se extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou

excluída, nos casos previstos expressamente em lei. Em razão disso, não pode a

autoridade administrativa dispensar seu pagamento ou suas garantias, sob pena de

responsabilidade funcional (art. 141 do CTN), pois, conforme visto anteriormente, o

tributo há de ser cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada

(MACHADO, 2010).

Neste deslinde, verificados os principais conceitos de Direito Tributário que

auxiliarão na compreensão do estudo do crime de supressão ou redução de tributos,

passa-se a analisar a estrutura desse tipo penal.

3.2 Conceito do tipo penal de supressão ou redução de tributos

A criminalização de condutas direcionadas à evasão tributária, com base em

meios fraudulentos e ilícitos, deve-se, em muito, às transformações políticas e

sociais do Estado (EISELE, 2002).

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Afinal, à medida que o Estado de Direito deixa de realizar um papel de mera

abstenção – característico de um Estado Liberal que se propõe apenas a garantir

direitos de primeira dimensão – e passa a ter o dever de corrigir eventuais

distorções na sociedade e de concretizar materialmente valores supremos como

dignidade humana e igualdade – funções típicas de Estados Sociais –, advém a

necessidade de se buscar receitas em volume proporcional aos custos da atuação

(PRADO, 2013; EISELE, 2002).

Os tributos, nesse contexto, são a principal fonte de receita pública derivada e

caracterizam-se por distribuir o financiamento dos dispêndios estatais entre a

população, respeitadas a capacidade econômica de cada cidadão e outras garantias

previstas na Constituição (EISELE, 2002). De acordo com Machado (2010, p. 74),

embora se reconheça a função do tributo como arrecadação de recursos, no mundo

moderno ele “é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia

privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o

consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na

economia”. São, portanto, imprescindíveis para a consecução dos objetivos de um

Estado Social e Democrático de Direito (PRADO, 2013).

Todavia, a partir do desenvolvimento da economia e do aumento do

consumismo na sociedade, cresceram sobejamente as práticas espúrias

direcionadas à supressão ou redução dos recursos necessários para a consecução

das finalidades estatais antes mencionadas. Por isso, percebeu-se a necessidade

de uma tipificação específica para a matéria, com o escopo de prevenir e reprimir

tais condutas, já que a seara extrapenal e as legislações penais anteriores se

mostraram insuficientes a atingir essa finalidade.

É criada, então, a Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que definiu os

crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo,

revogando as legislações penais anteriores que versavam sobre a mesma matéria,

notadamente a Lei n.º 4.729/1965, a qual previa especificamente o crime de

sonegação fiscal (EISELE, 2002).

Embora a expressão “crime contra a ordem tributária” possa ser atribuída ao

delito previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990, sua amplitude linguística abarca

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todos os delitos que atingem o bem jurídico “ordem tributária” – p. ex., artigo 337-A

do Código Penal e artigo 3.º da Lei n.º 8.137/1990 –, o que impede, pois, a adoção

dessa terminologia. Da mesma forma, a expressão genérica “sonegação fiscal” pode

ora referir-se ao delito previsto no artigo 1.º, ora ao disposto no artigo 2.º, inciso I,

ambos da Lei n.º 8.137/1990, porquanto esse último era previsto na revogada Lei n.º

4.729/65 (EISELE, 2002).

Em razão disso, prefere-se, na linha das lições de Machado (2009), a adoção

neste trabalho da terminologia crime de supressão ou redução de tributos, para se

reportar especificamente ao crime previsto no artigo 1.º, caput, da Lei 8.137/1990.

Advirta-se que, apesar de a redação do artigo 2.º da retromencionada lei

iniciar com a frase “constitui crime da mesma natureza”, o presente trabalho não o

analisará. Isso porque esse dispositivo contempla, segundo Machado (2009), crimes

formais em seus respectivos incisos, que não se confundem com o de supressão ou

redução de tributos.

Registre-se, por derradeiro, que o anteprojeto do Novo Código Penal sintetiza

os crimes contra a ordem tributária, dedicando-lhes capítulo exclusivo, e tipifica o

delito de “fraude fiscal ou previdenciária”, que abarca o crime supracitado.

Consoante justificava da comissão de juristas que o redigiu, entendeu-se de “propor

um novo conceito para crime tributário e previdenciário enfatizando a questão da

fraude para o fim de suprir ou reduzir tributo ou contribuição social, como elemento

fundamental do tipo” (ANTEPROJETO..., 2012, texto digital).

3.3 Bem jurídico tutelado

Embora não haja consenso na doutrina quanto ao bem jurídico tutelado pelo

crime previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990 (PRADO, 2013), uma (re)leitura

desse tipo penal à luz da Constituição demonstra ser a ordem tributária o

fundamento axiológico de cuja proteção há de se ocupar o Direito Penal nesse

campo (FERREIRA, 2002).

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Dessa forma, a legitimidade constitucional para a tutela penal da ordem

tributária, como expressão de princípios e regras que informam a atividade tributária

e, sobretudo, como noção de patrimônio coletivo, radica na importância de se

proteger a política socioeconômica, como receita estatal, pois os recursos

arrecadados se destinam a assegurar a finalidade do Estado Social e Democrático

de Direito: a promoção de melhores condições de vida a todos os cidadãos

(PRADO, 2013).

Salomão (2001, p. 188), no mesmo sentido, assevera:

A arrecadação tributária, porém, entendida como instrumento de formação de receita pública e de consecução e implemento das metas socioeconômicas definidas na Constituição através da percepção dos tributos instituídos e cobrados em conformidade com as normas e valores constitucionais, um valor superindividual, com relevância constitucional e indiretamente reconduzível à pessoa humana, apto, portanto, a ser tutelado com o emprego da sanção penal, ou seja, sob o ângulo do merecimento da pena.

Para a autora retromencionada, nesse passo, a identificação do bem jurídico,

no seio do sistema constitucional tributário, é capaz de captar potencialidades

estáticas e dinâmicas do valor daquele sistema. Potencialidades estáticas,

prossegue a jurista, no sentido de proteção da parcela do patrimônio público,

representada pela receita tributária, cuja destinação socioeconômica já de antemão

está identificada. Potencialidades dinâmicas que remetem à noção de

extrafiscalidade da exação tributária, igualmente orientada pelas metas

socioeconômicas do Estado Social e Democrático de Direito. Desse modo, conclui a

autora que o bem jurídico tutelado nesses termos pelo crime de supressão ou

redução de tributos “está apto a exercer as funções de limite do ius puniendi e de

instrumento crítico do direito positivo” (p. 188).

Trata-se, assim, de bem jurídico supraindividual, de cariz institucional, a

merecer proteção através do Direito Penal para que se possa garantir o

cumprimento de prestações sociais de que o indivíduo necessita por parte do

Estado, consoante observa Eisele (2002), invocando as ponderações de Claus

Roxin.

Compartilhando do mesmo entendimento, mas com uma abordagem

diferente, Tórtima (2005) afirma ser o patrimônio e a verdade fiscal, da qual

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depende a integridade do primeiro, bens de relevante valor a merecer tutela penal

através da criminalização de delitos fiscais, pois seu comprometimento implicaria

séria violação a direitos humanos.

Além disso, anota o retromencionado jurista ser a eticização do Direito Penal

Tributário, plasmado no dever moral de solidariedade social, um dado adquirido em

quase todos os quadrantes do mundo, pelo que o patrimônio tributário se apresenta

como bem jurídico de inestimável valor, necessitando de especial e reforçada tutela

por meio da lei penal. Bem por isso o Direito Alemão, por exemplo, através da

criação do delito tributário, tratou de conferir proteção ao bem jurídico patrimônio

fiscal, nos termos do §370 de sua Lei Tributária (Abgabenordnung) (TÓRTIMA,

2005).

Aliás, a noção de bem jurídico tal como acima exposta, isto é, no sentido de

universalização e generalidade, fez Roxin (2009, p. 19) afirmar que o “dever de

pagar impostos, detestado com frequência pelos cidadãos, não busca o

enriquecimento do Estado, mas o benefício do particular que está sujeito às

contribuições do Estado que estão financiadas precisamente através dos

gravames”. Por isso, conclui o citado jurista alemão que o Estado deve garantir, com

os instrumentos jurídico-penais, não somente as condições individuais para o bem-

estar social (vida, liberdade, propriedade, etc.), como também as instituições

estatais adequadas para esse fim.

Registre-se, ademais, que uma corrente minoritária defende ser o conjunto de

normas tributárias relacionadas ao poder de tributar o bem jurídico tutelado pelo

crime em estudo. Essa posição é perfilhada por Machado (2009), porém com a qual

não se pode concordar. E a razão é singela.

De efeito, a noção de bem jurídico defendida neste trabalho é aquela que,

primeiro, encontre respaldo constitucional (FELDENS, 2005) e, segundo, seja vital

para prover a segurança jurídica e assegurar a coexistência humana no Estado

Social e Democrático de Direito (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004). Em virtude

disso, não pode o Direito Penal tutelar “eficácia de normas tributárias” ou “poder de

tributar”, porque aí se estaria entregando sua missão à discricionariedade e à

arbitrariedade legislativa. É dizer, qualquer violação de uma regra instituída pelo

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Estado poderia a vir a ser crime, o que é flagrantemente incompatível com a nossa

Constituição.

Advirta-se, por outro canto, que deve ser repelido de plano o argumento de

que o crime de supressão ou redução de tributos tutela a função arrecadatória do

Estado.

Consoante ensina Tórtima (2005), com espeque nas lições de Juarez

Tavares, a função, como atividade estatal, não se apresenta como bem jurídico,

seja no crime fiscal, seja em qualquer outra espécie de ilícito penal. Assim, deve ser

descartada a noção de bem jurídico como protetiva de funções que encerram

atividades administrativas estatais, referentes tanto ao controle de determinado

setor social, quanto ao de seu próprio organismo (TÓRTIMA, 2005). Em razão disso,

o crime em estudo visa evitar a fraude fiscal e não cobrar o crédito tributário

decorrente de uma evasão anteriormente verificada (EISELE, 2002).

Nesse panorama, resta claro que o crime previsto no artigo 1.º da Lei n.º

8.137/1990 se põe a tutelar a ordem tributária, como ampla expressão do patrimônio

da coletividade, ou seja, no sentido de conferir proteção ao Erário (PRADO, 2013;

TÓRTIMA, 2005; SALOMÃO, 2001), materializando autêntica tutela penal de

interesse difuso e coletivo (FERREIRA, 2002).

Delimitado, destarte, o bem jurídico tutelado pelo crime de supressão ou

redução de tributos, descrever-se-ão os elementos integrantes desse tipo penal no

subcapítulo seguinte.

3.4 Elementos do tipo

Dispõe o artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990, in verbis:

Art. 1°. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

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III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

De acordo com Eisele (2002), o dispositivo acima transcrito descreve duas

modalidades típicas, ou seja, prevê duas espécies de crimes.

A primeira está tipificada no caput do artigo e seus incisos, assemelhando-se,

em parte, à que configura o crime de estelionato (art. 171 do CP). Porém, no crime

em estudo o objeto material sobre o qual recai a conduta é qualificado (tributo ou

contribuição social e acessório), há um sujeito passivo direto ou vítima imediata

(Estado em sentido lato) e o meio fraudulento esgota-se nas diversas condutas

previstas nos incisos do caput do dispositivo (EISELE, 2002).

A segunda modalidade típica está prevista no parágrafo único e caracteriza-

se por ser uma desobediência especial em relação à prevista no artigo 330 do

Código Penal, porém da qual não se ocupará este trabalho (EISELE, 2002).

Como todo tipo penal é composto por uma parte objetiva e outra subjetiva,

consoante já descrito no primeiro capítulo, na estrutura típica do crime de supressão

ou redução de tributos há, logicamente, elementos objetivo e subjetivo, doravante

denominados tipo objetivo e tipo subjetivo para fins didáticos.

3.4.1 Tipo objetivo

A conduta típica descrita no caput do dispositivo consiste em suprimir ou

reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório.

“Suprimir significa omitir, não cumprir a obrigação tributária devida, não

recolher o que deveria ter sido pago” (PRADO, 2013, p. 270). É, pois, uma conduta

omissiva que se caracteriza pelo completo inadimplemento de uma obrigação

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tributária, deixando de entregar ao credor o objeto dessa obrigação. Em suma, é a

evasão total (EISELE, 2002).

Reduzir corresponde a diminuir o quantum de tributo a ser recolhido. “É a

inadimplência parcial ou incompleta da obrigação por parte do devedor” (PRADO,

2013, p. 271). Enfim, redução é a evasão parcial (EISELE, 2002).

Conforme observa Eisele (2002, p. 142), a diferença entre supressão e

redução é meramente quantitativa, “pois a natureza é a mesma em ambas as

hipóteses, variando apenas na extensão”.

De outro giro, as expressões tributo, contribuição social e qualquer acessório

são elementos normativos jurídicos. Estes elementos, apenas para relembrar o que

foi colocado no primeiro capítulo, são aqueles cujo conhecimento depende de uma

norma jurídica – no caso, norma jurídico-tributária.

Dessa forma, quanto a esse aspecto do tipo objetivo não há nada a

acrescentar, na medida em que o conceito de tributo e de acessório foi

suficientemente descrito em subcapítulo específico. Ressalte-se, contudo, a

advertência da doutrina no sentido de que as contribuições previdenciárias ou

destinadas à seguridade social são objetos materiais do crime de sonegação de

contribuição previdenciária, previsto no artigo 337-A do Código Penal, razão pela

qual através do critério da especialidade se resolve o conflito aparente de normas

entre o delito antes mencionado e o previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990

(EISELE, 2002; PRADO, 2013).

Sujeito ativo na figura típica em análise, por outro canto, pode ser qualquer

pessoa, não se lhe exigindo nenhuma qualificação especial. Será, geralmente, o

sujeito passivo da obrigação tributária, ou seja, o contribuinte ou responsável, que

são as pessoas legalmente obrigadas ao recolhimento do tributo. Portanto, essa

espécie delitiva não configura crime próprio, já que pode ser realizada por outra

pessoa que não integra a relação jurídico-tributária (EISELE, 2002; MACHADO,

2009).

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São sujeitos passivos do delito, por sua vez, o Estado – Fazenda Pública da

União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios – e, indiretamente, a sociedade –

neste caso, em decorrência do bem jurídico tutelado (PRADO, 2013).

De mais a mais, saliente-se que não basta a mera supressão ou redução do

tributo para configurar o crime em estudo, mas também a prática de comportamento

fraudulento anterior (EISELE, 2002). Assim, somente estará configurado o delito se

o agente praticar qualquer das condutas descritas nos incisos do dispositivo legal, e

desde que com a finalidade de “suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e

acessório” (FERREIRA, 2002).

Nesse passo, o inciso I – “omitir informação, ou prestar declaração falsa às

autoridades fazendárias” – assemelha-se à falsidade ideológica (artigo 299 do CP) e

prevê condutas omissiva e comissiva (FERREIRA, 2002).

Na forma omissiva, tem-se como figura típica a omissão de informação, no

sentido de ocultar, deixar de dizer ou escrever, não mencionar qualquer dado

considerado relevante para o Fisco, por ser gerador de uma obrigação tributária,

seja ela principal ou acessória (PRADO, 2013).

Na comissiva, ao contrário, o agente presta, transmite, comunica, fornece a

informação, mas ela é inverídica. Ou seja, faz declaração diversa da que devia ser

prestada (PRADO, 2013).

Nas duas hipóteses, entretanto, é indispensável que o sujeito ativo do delito

viole o dever jurídico de prestar informações verdadeiras às autoridades

fazendárias, expresso em norma jurídico-tributária, e que a falsidade seja capaz de

enganar ou que a informação omitida seja relevante, tendo por objeto dado

relacionado com a obrigação tributária, de modo a implicar a supressão ou redução

do tributo devido (PRADO, 2013; FERREIRA, 2002).

É de se ressaltar, ademais, que autoridade fazendária constitui outro

elemento normativo jurídico do tipo e é aquela legalmente investida de receber do

sujeito passivo da obrigação tributária as informações necessárias, como, por

exemplo, os auditores fiscais (PRADO, 2013).

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No inciso II – “fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos,

ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei

fiscal” – tem-se como objetivo garantir aos livros fiscais a credibilidade necessária

quanto às informações neles consignadas, que devem retratar a veracidade dos

fatos referentes à atividade comercial, industrial ou ainda de prestação de serviços

(PRADO, 2013).

Inserir elementos é a conduta ativa de colocar, incluir, anotar, descrever,

redigir, consignar informações acerca de fatos, “que indiquem sua ocorrência (ou

não) ou suas características (como circunstâncias de tempo, modo, local, sujeito e

conteúdo, abrangendo quantidade, natureza, valor etc.)” (EISELE, 2002, p. 152). A

inexatidão dos elementos, com efeito, significa a contradição entre o fato real,

relevante na determinação do tributo, e o consignado, caracterizando a essência da

simulação (v. g., a denominada “nota vazada” ou “meia nota”, que consiste na

emissão de documento fiscal com a consignação de valores de operação inferiores

aos efetivamente praticados) (EISELE, 2002). Não abrange a interpretação do

significado jurídico do fato, pois não se pode obrigar o contribuinte a adotar postura

que lhe acarrete maior ônus tributário, sob ameaça de pena (MACHADO, 2009).

Omitir operação de qualquer natureza, a seu turno, é a conduta de índole

negativa consistente em não mencionar, não incluir o fato nos documentos ou livros

fiscais, de maneira a não ser registrado o fato gerador que faz surgir a obrigação

tributária, acarretando, por conseguinte, a supressão ou redução do tributo (PRADO,

2013).

Observa Eisele (2002) que a simples inserção de elementos inexatos ou

omissão de operações não são comportamentos suficientes para consubstanciar o

crime em estudo, sendo indispensável que tenham servido de meio fraudulento à

fiscalização tributária, e por meio deles o sujeito ativo tenha realizado a supressão

ou redução do tributo.

Ainda, o dispositivo alude a documentos ou livros exigidos pela lei fiscal, o

que denota tratar-se de lei penal em branco, razão pela qual se faz necessário, para

a complementação da conduta punível, recorrer à legislação tributária (PRADO,

2013).

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Por outro canto, a conduta típica prevista no inciso III – “falsificar ou alterar

nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à

operação tributável” – consubstancia-se nos núcleos verbais falsificar ou alterar.

Consoante ensina Prado (2013, p. 275), “a falsificação pode-se dar mediante

contrafação (fabricação de uma cópia falsa similar a um modelo verdadeiro) ou

fabricação (formação de um documento falso ao qual não corresponda um

verdadeiro semelhante)”. Já a alteração traduz ideia de modificação, pelo

acréscimo, adulteração ou supressão, de partes do conteúdo do documento (i. e.,

rasura de valores, modificação de datas etc.), de modo a adulterar seu sentido

original, levando-o a exprimir fato diverso do que inicialmente atestava (PRADO,

2013).

Esse inciso, além disso, é estruturado de forma a possibilitar a utilização do

recurso denominado interpretação analógica para a concretização desse conteúdo.

Desse modo, indica mediante fórmula casuística exemplificativa os elementos nota

fiscal, fatura, duplicata ou nota de venda para, ao final, exprimir a cláusula genérica

ou qualquer outro documento relativo à operação tributável (EISELE, 2002).

No inciso IV – “elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que

saiba ou deva saber falso ou inexato” – o dispositivo alberga várias condutas que se

assemelham às da falsidade documental, material ou ideológica (arts. 297, 298 e

299, todos do CP), e às do uso de documento falso (art. 304 do CP) (EISELE,

2002). Neste contexto, elaborar é formar o documento, podendo concretizar-se

mediante contrafação, fabricação ou modificação, como, por exemplo, as

denominadas “notas frias”, que são notas fiscais impressas sem autorização do

Fisco, ou com duplicidade numérica (nota paralela) ou, ainda, mediante a utilização

de dados fictícios (EISELE, 2002). Distribuir ou fornecer é entregar o documento a

terceiro para que este o utilize, mediante contraprestação ou não. Emitir é expedir,

pôr em circulação. Utilizar é tirar proveito de, empregar com vantagem, servir-se

(PRADO, 2013).

O dispositivo alude, ainda, a documento, que pode ser conceituado como

todo o escrito pelo qual se representa um fato juridicamente relevante,

potencialmente destinado a servir como meio de prova, consoante anota Prado

(2013), com base nas lições de Nelson Hungria. Sua falsidade, então, “pode

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57

decorrer tanto da irregularidade de sua elaboração, quanto da inexatidão de seu

conteúdo, seja em face de emissão indevida, seja em consequência de alteração

dos dados nele consignados” (EISELE, 2002, p. 156).

Derradeiramente, o inciso V – “negar ou deixar de fornecer, quando

obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou

prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a

legislação” – contempla, em sua primeira parte, as condutas de negar ou deixar de

fornecer.

Negar é não conceder, recusar, consistindo em uma manifestação clara de

dissentimento em relação a determinada obrigação ou afirmação com sentido

negativo. Deixar de fornecer, por sua vez, equivale a não entregar, abster-se de dar

alguma coisa a alguém, tratando-se de conduta omissiva. (PRADO, 2013). De toda

sorte, é evidente que o recusar equivale a deixar de fornecer, mas nem sempre

quem não fornece nega, razão pela qual Machado (2009) observa que a conduta de

negar é menos abrangente do que a de deixar de fornecer.

A obrigação de fornecer a nota fiscal decorre da legislação tributária (lei penal

em branco), tratando-se de um dever instrumental – ou obrigação tributária

acessória – que independe de solicitação do adquirente do produto ou do tomador

de serviços. Quando a legislação tributária estabelece a obrigatoriedade de sua

emissão, a nota fiscal não pode ser substituída por outro documento similar, emitido

a critério do sujeito, senão nas hipóteses expressamente previstas em tal conjunto

de normas, como é o caso dos cupons fiscais (EISELE, 2002). Além disso, faz-se

mister que a venda ou a prestação de serviços se realize efetivamente, “caso

contrário não há a obrigatoriedade do fornecimento da nota ou do documento

equivalente, desaparecendo a tipicidade pela falta de um de seus caracteres

objetivos” (PRADO, 2013, p. 278).

A parte final do dispositivo – fornecê-la em desacordo com a legislação –

alberga um comportamento de natureza comissiva, pelo que o agente entrega a

nota fiscal ou documento equivalente, porém os elementos necessários à perfeita

identificação da mercadoria ou do serviço, ou das partes envolvidas na operação,

não se fazem presentes (MACHADO, 2009).

Page 59: Monografia - A Incidência Do Princípio Da Insignificância... - Junho de 2013 - Felipe Fauri

58

Nesse panorama, analisados os elementos que compõe o tipo objetivo do

crime de supressão ou redução de tributos, há de se verificar seu elemento

subjetivo.

3.4.2 Tipo subjetivo

O elemento subjetivo que concretiza a tipicidade objetiva do crime de

supressão ou redução de tributos é, em regra, o dolo direto, pois a vontade do

sujeito passivo do delito se restringe à obtenção do resultado, isto é, à supressão ou

redução do tributo (PRADO, 2013).

Em consequência, não há necessidade de se perquirir a presença de um

elemento subjetivo distinto do dolo para configurar tal espécie delitiva (EISELE,

2002). Tampouco o tipo subjetivo admite a forma culposa, porquanto esta não foi

descrita expressamente no tipo penal (artigo 18, parágrafo único, do CP).

Por outro lado, no inciso IV são apontados, de forma expressa, tanto o dolo

direto (consciência de ser o documento falso e mesmo assim utilizá-lo para suprimir

ou reduzir tributo) como o eventual (o agente pouco importa em saber se o

documento é falso ou inexato e o utiliza, assumindo o risco) para configuração do

delito (PRADO, 2013).

3.5 Consumação e tentativa

A consumação do crime tipificado no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990 ocorre

com a realização do resultado danoso ao bem jurídico, materializado na efetiva

supressão (evasão total) ou redução (evasão parcial) de tributo, ou contribuição

social e acessório, por meio de uma ou de várias condutas fraudulentas descritas

nos incisos do dispositivo em exame (EISELE, 2002; PRADO, 2013).

Page 60: Monografia - A Incidência Do Princípio Da Insignificância... - Junho de 2013 - Felipe Fauri

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Trata-se, assim, de crime material ou de dano, que exige a presença do

resultado naturalístico para sua configuração. Sem ele, não há que se falar em

delito consumado (GOMES; BIANCHINI, 2005).

Eisele (2002) anota que o momento em que se consuma o crime de

supressão ou redução de tributos não é o da realização da conduta fraudulenta

antecedente, mas o da expiração do prazo para o recolhimento do tributo. Dessa

forma, ocorrido o resultado com a expiração do prazo para o recolhimento do tributo

o crime estará consumado. Eventuais atos posteriores, como a destinação do valor

evadido, referem-se à fase do exaurimento do crime, motivo pelo qual são

irrelevantes na esfera da tipicidade.

Gomes e Bianchini (2005), diversamente, explicam não resultar

perfectibilizado o delito sem que se verifique o efetivo dano fiscal. Assim, no que

concerne à supressão, impõe-se que o tributo seja devido. No caso da redução,

além de devido, há que se conhecer o valor pago a menor em relação àquele que

deveria ter sido recolhido pelo contribuinte.

Há de se ressaltar, nessa linha, que, na atualidade, a supressão ou redução

de tributos mediante a prática das condutas previstas nos incisos I a IV do

dispositivo supracitado somente se consuma após realizado o lançamento definitivo

do tributo. Essa é a posição consolidada do Supremo Tribunal Federal sobre esse

tema, que ensejou a publicação da Súmula Vinculante n.º 24.

Em outras palavras, sem adentrar o mérito da (in)constitucionalidade da

retromencionada súmula, se não se esgotar a discussão na esfera administrativa

acerca da exigibilidade do crédito tributário, não se tipifica o crime em apreço.

De outra banda, a tentativa afigura-se admissível na hipótese de realização

de qualquer das condutas fraudulentas elencadas nos incisos do dispositivo que

permitem o fracionamento dos atos executórios, sem que haja, no entanto, a

implementação do resultado por circunstâncias alheias à vontade do agente – p. ex.,

a intervenção do Fisco (EISELE, 2002; MACHADO, 2009). Diferentemente, as

condutas omissivas e as que não permitem o fracionamento, como, p. ex., as de

omitir informação (primeira parte do inciso I) e de deixar de fornecer (inciso V), não

admitem a tentativa.

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De toda sorte, mesmo quando for admissível a tentativa em tese, esta

configurará, antes, o crime previsto no artigo 2.º da Lei n.º 8.137/1990, pois no

núcleo desse tipo foram descritas, de forma autônoma e subsidiária, as condutas

passíveis de caracterizar a tentativa do crime tipificado no artigo 1.º do citado

diploma legal. Logo, quando ocorrer a tentativa desse último delito, a tipicidade do

fato será estabelecida em relação àquele crime, devido à aplicação do critério da

subsidiariedade na solução do conflito aparente de normas (EISELE, 2002).

Ante o exposto, analisados esses conceitos indispensáveis, no capítulo final

descrever-se-á, primeiramente, a função dos princípios e, após, o princípio da

insignificância, para permitir a investigação na doutrina e na jurisprudência dos

parâmetros que balizam a incidência do indigitado princípio no crime de supressão

ou redução de tributos federais.

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4 A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE

SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS

Embora controvertida sua origem histórica, é certo que se credita a Claus

Roxin o desenvolvimento teórico com maior notabilidade do princípio da

insignificância.

Já em 1964 o jurista tedesco trabalhou com a teoria do sobredito princípio.

Sua função, nesse passo, como regra auxiliar de interpretação do injusto penal,

seria a de restringir a atuação do Direito Penal em fatos que, embora típicos,

antijurídicos e culpáveis do ponto de vista formal, não causassem efetiva lesão ou

perigo dela ao bem jurídico.

Com ampla aceitação dogmática, tal princípio pode – e deve – incidir no crime

de supressão ou redução de tributos federais, informando e orientando o intérprete

da norma jurídica penal, em situações nas quais não há perigo ou dano ao bem

jurídico tutelado. Todavia, sabe-se que há divergências tanto na doutrina quanto na

jurisprudência acerca dos parâmetros utilizados para sua atuação.

À vista disso, neste último capítulo serão descritos, primeiramente, a função

dos princípios e o princípio da insignificância, para, na sequência, examinar

posições doutrinárias e decisões judiciais que tenham definido os parâmetros para

aplicá-lo no crime de supressão ou redução de tributos federais.

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4.1 A função dos princípios

Hodiernamente, já não se nega a força normativa dos princípios. Por serem

imanentes aos textos constitucionais dos atuais Estados constitucionais de Direito, o

discurso acerca dos princípios deve espraiar-se por toda a sociedade e, sobretudo,

sobre os ofícios daqueles que atuam diretamente na concretização do Direito, para

que o ideal de justiça esteja sempre presente na realidade social.

Mas no curso da história nem sempre foi assim. Basta lembrar-se das

ideologias políticas que marcaram a primeira metade do século XX – nazismo, na

Alemanha, e fascismo, na Itália – cuja ascensão ao poder ocorreu dentro do quadro

da “legalidade” e em nome desta “legitimou-se” a prática de inúmeras barbáries. O

fetiche da lei e o legalismo acrítico, subprodutos do positivismo jurídico, foram

responsáveis por uma das maiores atrocidades praticadas contra o ser humano na

época da Segunda Guerra Mundial. Para se ter uma ideia, “os principais acusados

de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas

da autoridade competente” (BARROSO, 2005, p. 12).

Por isso, a ideia de uma ordem político-normativa indiferente a valores éticos,

à noção de dignidade humana, já não tinha mais aceitação no pensamento

esclarecido do período pós-guerra. O fracasso político do positivismo, fruto de uma

crença exacerbada no poder de conhecimento científico, abriu caminho para novas

reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação (BARROSO,

2005).

A mudança de paradigma, nessa linha, foi capitaneada por Ronald Dworkin,

jurista anglo-saxão da Universidade de Harvard, que contribuiu sobremaneira para

“traçar e caracterizar o ângulo novo de normatividade definitiva reconhecida aos

princípios” (BONAVIDES, 2006, p. 265). A essa nova fase de interpretação e

compreensão do Direito atribuiu-se a denominação de pós-positivismo. Nela se

incluem “a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da

chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais,

edificada sobre o fundamento da dignidade humana” (BARROSO, 2005, p. 12-13).

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Parte de Dworkin, segundo Bonavides (2006), a teoria de que princípios são

direitos, com o que se abandona a doutrina positivista e se reconhece que tanto

princípios quanto regras positivamente estabelecidas têm caráter normativo. Daí

concluir-se que normas jurídicas ou são regras ou são princípios, sendo estes, no

entanto, razões decisivas àquelas (ALEXY, 2008).

Sem pretensão de finalizar o tema, faz-se mister esclarecer rapidamente a

diferença dogmática entre regras e princípios, para que se possa fornecer um

conceito a essa última categoria de normas.

De acordo com Barroso (2005, p. 15):

Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo tradicional de subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer. Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações. Em uma ordem democrática, os princípios entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do possível. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato.

Conclui o citado estudioso, desse modo, que os princípios indicam valores a

serem preservados ou fins a serem alcançados, trazendo em si um conteúdo

axiológico ou uma decisão política.

Na mesma linha, Alexy (2008), desenvolvendo os trabalhos iniciados por

Dworkin (BARROSO, 2005), leciona que princípios são normas cuja função é

ordenar que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades

jurídicas e fáticas existentes. São, por conseguinte, segundo o jurista alemão,

verdadeiros mandamentos de otimização, que podem ser satisfeitos em graus

variados.

Diferem das regras na medida em que essas são normas que são sempre

satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então se deve fazer exatamente

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aquilo que ela exige. Nada mais. Por isso, “as regras contêm determinações no

âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível” (ALEXY, 2008, p. 91). Logo,

para este autor, as regras são mandamentos de definição.

De outro ângulo, é necessário frisar que Ávila (2012), ancorado em excelente

doutrina, critica a tese largamente difundida de que os princípios só se aplicam na

ponderação. Essa teoria, inicialmente concebida nas obras de Dworkin e Alexy,

segundo explica o autor, foi recebida de maneira acrítica no Brasil, ensejando, como

de fato ocorreu, um “relativismo axiológico”: todos os princípios podem ser

afastados, inclusive os reputados fundamentais em um Estado Social e Democrático

de Direito, justamente por veicularem valores que não podem ser relegados. Em

razão disso, sustenta o doutrinador que a ponderação constitui apenas uma

característica contigente dos princípios.

Por isso, para Ávila (2012, p. 136), o elemento essencial dos princípios é o

alto grau de indeterminação estrutural; não no sentido de mera vagueza, mas na

noção específica de os princípios “não enumerarem exaustivamente os fatos em

presença dos quais produzem a consequência jurídica ou de demandarem a

concretização por outra norma, de modos diversos e alternativos”. Assim, conclui o

estudioso que os princípios devem ser entendidos como “normas que atribuem

fundamento a outras normas, por indicarem fins a serem promovidos, sem, no

entanto, preverem o meio para a sua realização” (p. 136).

Do exposto, pode-se afirmar, concordando com Bonavides (2006), que os

princípios encabeçam o ordenamento jurídico, guiam e fundamentam todas as

demais normas instituídas por ele, notadamente as regras. Além disso, tendem a

exercitar aquela função axiológica vazada em novos conceitos de sua relevância. Os

princípios, portanto, possuem funções, dentre outras, informativa e fundamentadora,

realizando a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico

legítimo.

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4.2 O princípio da insignificância

Tanto no direito brasileiro como no comparado, a via dogmática mais

apropriada para se alcançar o reconhecimento de um fato típico ínfimo ou de uma

conduta banal e sem relevância penal é constituída pelo chamado princípio da

insignificância ou de bagatela (GOMES, 2013, texto digital).

O princípio da insignificância é o que permite não processar condutas

socialmente irrelevantes, assegurando que essas não se transformem em uma sorte

de estigma para seus autores. Outrossim, por meio dele abre-se a porta para uma

revalorização do Direito Constitucional e a função da Administração da Justiça,

porquanto deixa de atender fatos mínimos para cumprir seu verdadeiro papel,

selecionando somente as condutas de alto conteúdo criminal. Não é um princípio de

Direito Processual, senão de Direito Penal (CORNEJO apud GOMES, 2013, texto

digital).

Para Greco (2009), tal princípio traduz um raciocínio minimalista, equilibrado,

pelo qual objetiva interpretar corretamente os textos legais, resultando em um

necessário Direito Penal do Equilíbrio.

Já Gomes (2013, texto digital) assevera correlacionar-se o indigitado princípio

com a nova posição do juiz no atual Estado Social e Democrático de Direito, cuja

função não mais está atrelada somente ao texto da lei – ou, como pretendeu

Montesquieu (2010, p. 175), “a boca que pronuncia as palavras da lei” – senão à

necessidade de se fazer justiça no caso concreto, conferindo proeminência aos

princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição.

Para alguns autores, a origem desse princípio remontaria ao Direito Romano,

onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, o que

deu lugar à máxima de minimis non curat praetor (ACKEL FILHO apud LOPES,

2000). Contudo, essa posição é fortemente criticada por Lopes (2000), que afirma

ser tal brocardo latino menos do que um princípio, um mero aforismo extrajurídico.

Por isso, esse último estudioso assevera ter o princípio da insignificância

surgido na Europa em virtude de problemas criminais relacionados ao patrimônio,

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eis que, ao final da Segunda Guerra Mundial, a devastação sofrida pelo continente

acarretou graves problemas socioeconômicos e o aumento de subtrações de

pequena relevância. Daí a primeira nomenclatura doutrinária de criminalidade de

bagatela, ou, como preferem os alemães, bagatelldelikte.

Nessa mesma linha, Gomes (2013, texto digital) anota que após o segundo

confronto bélico mundial do século passado quem chamou atenção para o princípio

da insignificância foi, em primeiro lugar, Welzel (mesclando-o, entretanto, com o

princípio da adequação social), e, depois, Roxin. De todo modo, atribui-se a este

jurista alemão a primeira menção ao princípio da insignificância (das

Geringfügigkeitsprinzip), ocorrida no ano de 1964 (LOPES, 2000).

Roxin, com efeito, propôs uma solução mediante um recurso à interpretação

restritiva dos tipos penais, excluindo, desde logo, danos de pouca ou nenhuma

importância ao bem jurídico tutelado. Nas palavras do conspícuo jurista:

[...] hacen falta principios como el introducido por Welzel, de la adequación social, que nos es una característica del tipo, pero sí un auxiliar interpretativo para restringir el tenor literal que acoge también formas de conductas socialmente admisibles. A esto pertence además el llamado principio de la insignificancia, que permite en la mayoría de los tipos excluir desde un principio daños de poca importancia: maltrato no es cualquier tipo de daño de la integridad corporal, sino solamente uno relevante; análogamente deshonesto en el sentido del Código Penal es solo la acción sexual de una cierta importancia, injuriosa en una forma delictiva es solo la lesión grave a la pretensión social de respeto. Como ‘fuerza’ debe considerarse únicamente un obstáculo de cierta importancia. Igualmente también la amenaza debe ser ‘sensible’ para passar el umbral de la criminalidad. Si con estos planteamientos se organizara de nuevo consecuentemente la instrumentación de nuestra interpretación del tipo, se lograría, además de una mejor interpretación, una importante aportación para reducir la criminalidad en nuestro país (ROXIN apud TOLEDO, 2010, p. 133-134).

Segundo Lopes (2000), Roxin ampliou, mais tarde, a ideia de interpretação

restritiva, chamando a atenção para a fragmentariedade do Direito Penal, para que o

âmbito de punibilidade se restrinja ao indispensável à proteção de bens jurídicos.

De outra parte, conforme anota Zaffaroni (2004), Klaus Tiedemann também

fez referência à teoria da insignificância, chamando-a de princípio de bagatela

(Bagatellprinzip). Na concepção de Tiedemann, explica o estudioso, esse princípio

se fundamenta na proporcionalidade que deve vigorar entre o delito e a gravidade

da intervenção estatal. Trata-se, assim, de um princípio que somente é aplicável nos

casos concretos, considerando-o ora como uma questão de antijuridicidade material

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e, por conseguinte, excludente da tipicidade, ora como um caso em que se

prescinde de pena.

De todo modo, convém ressaltar que em um Direito Penal cujo eixo central é

a exclusiva e subsidiária proteção de bens jurídicos andou bem Roxin em advogar,

com elementos teóricos consistentes, a existência de um princípio cuja atuação

permite ao intérprete da lei penal afastar do Direito Penal fatos de bagatela.

Realizada essa breve introdução, há de se descrever os fundamentos,

critérios e as consequências de aplicação do princípio da insignificância.

4.2.1 Fundamentos

Correlacionado a outros princípios constitucionais, o princípio da

insignificância se ajusta à equidade e à correta interpretação do direito. Pela

equidade, acolhe-se um sentimento de justiça, inspirado nos valores vigentes em

uma sociedade, excluindo do Direito Penal ações inexpressivas contra os valores

por ele tutelados. Pela correta interpretação do Direito, exige-se uma hermenêutica

constitucional para que se faça a necessária reflexão entre a conduta típica

praticada e os valores agasalhados na Constituição (LOPES, 2000).

Dessa forma, anota Lopes (2000, p. 56-57) que “nada parece mais natural

que se aceite o princípio da insignificância e que se busque uma forma de trazê-lo

para o sistema positivo como mecanismo receptor e divulgador do princípio da

igualdade dentro do Direito Penal”.

Por outro lado, também é certo que a fragmentariedade e a subsidiariedade

refletem no princípio da insignificância. Conforme já visto no primeiro capítulo, o

Direito Penal não tutela bens jurídicos que lhe são próprios e exclusivos. Ao

contrário, seleciona aqueles com coloração constitucional cuja proteção se mostra

insuficiente nos demais ramos do Direito. Porém, ao realizar essa seleção, o

legislador não dispõe de meios para evitar que condutas ínfimas não sejam

alcançadas pelo tipo penal (LOPES, 2000).

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Logo, o princípio em estudo surge justamente para evitar situações dessa

espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal. Conclui

o autor, dessa forma, citando Vico Mañas, que aquele princípio nada mais faz do

que revelar o caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal.

Para Roxin (apud GOMES, texto digital), a não incidência do Direito penal

sobre o fato insignificante resulta de “não ser socialmente danoso em sentido

material”. Sustenta esse autor, desse modo, a construção de um novo sistema

penal fundado na indivisibilidade entre Direito penal e Política criminal. Em razão

disso, o princípio da insignificância estaria inevitavelmente entrelaçado com os

postulados de Política Criminal (exclusiva proteção de bens jurídicos, intervenção

mínima, fragmentariedade, subsidiariedade, ofensividade, etc.). Portanto, a

penalização do bagatelldelikte, conclui o autor alemão, “geraria males muito mais

graves dos que os que tende evitar”.

O notável jurista tedesco, como se percebe, adverte que uma pena aplicada a

um fato insignificante seria demasiadamente excessiva àquele a que lei penal visava

proteger. Em suma, haveria uma desproporção entre a pena em abstrato e o fato

típico em concreto. Por isso, Feldens (2005) assevera que é o próprio Roxin a

afirmar que o princípio da proporcionalidade tem a aptidão de invalidar uma punição

de uma infração insignificante, pela proibição de excesso (Übermaßverbot, na

esteira da doutrina alemã), irrazoabilidade (juízo de manifest unreasonableness, na

doutrina inglesa) ou irracionalidade (juízo de irragionevolezza, na concepção

italiana).

Acolhendo as lições do doutrinador alemão, Feldens (2005, p. 191) explica

que:

Provavelmente não exista hipótese mais evidente de aplicação do princípio da proporcionalidade no âmbito do Direito Penal do que quando invocado o cognominado princípio da insignificância. Embora seguidamente reconduzido ao plano exclusivo da dogmática penal, a constatação acerca da insignificância jurídico-penal de uma conduta determinada não é senão a realização de um juízo concreto de desproporcionalidade que se realiza acerca da potencial incidência de uma medida legalmente prevista (a sanção penal) a uma situação de fato.

Para o citado estudioso, desse modo, diante de evidente descompasso entre

a ofensividade da conduta no caso concreto e a intrusão prevista no âmbito do

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direito fundamental restringido (liberdade), não haveria proporcionalidade em

sentido estrito para aplicação da coerção jurídica (sanção). Conclui o autor, assim,

estar a insignificância atrelada à noção de desproporcionalidade, ou melhor, ao

princípio da proporcionalidade, decorrente da cláusula do Estado Social e

Democrático de Direito (art. 1.º da CF/88).

Dias (2007), no mesmo sentido, anota que a mera violação do bem jurídico-

penal, por si só, não basta para desencadear a intervenção penal, antes se

requerendo que esta seja indispensável à livre realização da personalidade de cada

indivíduo na comunidade. Reforçando a ideia de que o Direito Penal constitui a

ultima ratio da política social e possui natureza eminentemente subsidiária de

proteção de bens jurídicos, o jurista português ensina ser o princípio da

proporcionalidade o meio pelo qual se limita a intervenção penal.

Não discrepa dessa posição Zaffaroni (2004), para quem a insignificância

está intimamente ligada à função geral do ordenamento jurídico e do Direito Penal

em particular, e a proporcionalidade entre o delito e a reação penal:

[...] la ciencia jurídica no se halla hoy entre el positivismo jurídico y el positivismo peligrosista, como creemos haberlo demonstrado em el curso de esta obra. Tampoco creemos que sea um planteamiento ‘metajurídico’ ni sociológico, preguntarse cuál es el objeto que persigue todo el derecho penal, puesto que preguntarse por los preceptos em particular y omitir la pregunta por el conjunto equivale a mirar los árboles y descuidar el bosque. Tampoco nos parece ‘metajurídico’ comprobar que el mínimo de la pena del secuestro es un año de prisión y que es regla general un mínimo de equivalencia entre el injusto y la pena. Para nada estas preguntas caen en el justamente criticado argumento positivista de la ‘dañosidade social’ ni en un planteo jusnaturalista que descarte las penas por ‘injustas’ en el plano de un idealismo valorativo, sino que se limitan al análisis de la función general del orden jurídico positivo y del derecho penal en particular y a la regla incuestionada de la proporcionalidad entre la cuantía del delito y de la pena o reacción penal (p. 556).

E conclui o Ministro da Suprema Corte Argentina que a admissão do princípio

da insignificância, criticando posições contrárias, deriva da função de segurança

jurídica do Direito Penal:

En base a estos elementos claramente jurídicos, cuya negación solo puede ser hecha por quien propugne una aplicación mecânica e irracional de la ley penal, podemos llegar a la admisión del principio de insignificancia, sin que ello afecte la seguridad jurídica, sino todo lo contrario o sea, derivándolo precisamente de la función de seguridad jurídica del derecho penal y de las reglas que sigue su especial modo de proveer a ella. Justamente, creemos que no puede llamarse ‘seguridad jurídica’ a una aplicación mecânica y exegética de la ley penal, que en vez de ser republicana (esto es, racional),

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se convierte en irracional, renunciando a preguntarse por el ‘para qué’ (el sentido) de la norma y del orden normativo, minimizando la función del bien jurídico y aproximándose peligrosamente al concepto de delito como pura lesión al deber, punto de vista desde el cual la ‘seguridad jurídica’ desaparece como objetivo de un Estado napoleônico. Es así que el rechazo del principio de insignificancia o de bagatela en nombre de la ‘seguridad jurídica’ es una falacia, porque, llamándola por su verdadera denominación, el rechazo se operaría en nombre de la realización incondicional de una voluntad irracional del Estado, que sería el único bien jurídico que ese derecho penal tutelaría (ZAFFARONI, 2004, p. 556-557).

Nesse panorama, conquanto se possa apontar vários fundamentos para a

aceitação do princípio da insignificância na dogmática jurídico-penal, sem dúvidas

aquele que possui maior solidez teórica e assento constitucional é o princípio da

proporcionalidade – ao qual, portanto, se vincula o da insignificância – consoante

antes mencionado por Feldens, Roxin, Dias e Zaffaroni.

Tecidas essas considerações, passa-se à análise dos critérios utilizados para

aplicação do princípio da insignificância.

4.2.2 Critérios para aplicação

Conforme relata Gomes (2013, texto digital), durante muitos anos não havia

uma doutrina ou jurisprudência bem definida sobre os requisitos válidos para a

incidência do princípio da insignificância.

Quiçá pelo fato de ambas sempre (re)afirmar que ofensas insignificantes aos

bens jurídicos não justificariam uma sanção jurídico-penal, olvidando, contudo, de

melhor esclarecer como se identificaria, com critérios consistentes, tais ofensas

bagatelares no caso concreto. Afinal, o que é uma ofensa insignificante?

Depois de vários julgados, entretanto, hoje já se pode dizer que o Supremo

Tribunal Federal (STF), em linhas gerais, acolhe os seguintes vetores: (a) ausência

de periculosidade social da ação; (b) a mínima ofensividade da conduta do agente;

(c) a inexpressividade da lesão jurídica causada; (d) e a falta de reprovabilidade da

conduta. Tais critérios foram sedimentados pelo Eminente Ministro Celso de Mello

no processo de Habeas Corpus n.º 84.412/SP, de cujo aresto foi relator, e que

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serviu de paradigma para as demais decisões sobre a matéria na jurisprudência da

Suprema Corte Brasileira (GOMES, 2013, texto digital).

Analisando a decisão paradigmática em tela, Gomes (2013, texto digital)

afirma que três critérios apontados pelo STF tratam do desvalor da conduta ou da

ação e um versa sobre o desvalor do resultado jurídico.

Mas a dúvida que subsiste é saber se aqueles vetores devem ser analisados

conjuntamente, ou se podem ser verificados separadamente, para que se conclua

pela insignificância do fato típico.

Gomes (2013, texto digital), quanto a esse aspecto, é enfático em asseverar

que se deve distinguir a insignificância da conduta da do resultado. Assim, conforme

a posição do autor, quando uma conduta é indiscutivelmente insignificante, ainda

que o resultado seja relevante, não há como incidir o Direito Penal. De igual sorte,

se um resultado for ínfimo, afasta-se o Direito Penal, mesmo quando a conduta for

desvalorada. E, por fim, o estudioso arremata que pode ser insignificante tanto a

conduta quanto o resultado.

Para corroborar sua tese, o jurista apresenta três exemplos:

1. Numa inundação dolosa (muito grave), quem ajuda o autor do fato (intencional) com o derramamento de um copo d’água não pode ser punido como coautor. Um copo d’água que é agregado a 10 milhões de litros d’água não significa absolutamente nada. O desvalor da ação, nesse caso, é absolutamente indiscutível. Ainda que o delito (inundação) tenha sido devastador (tendo prejudicado dezenas de moradores e de propriedades vizinhas), a ação absolutamente ínfima do agente (copo d’água) afasta a incidência do Direito penal. 2. Quem subtrai uma cebola (ou um palito de fósforo) pratica uma conduta desvalorada (o ato de subtrair é altamente desvalorado), porém, o resultado jurídico é absolutamente ínfimo (falta, portanto, o desvalor do resultado, falta um ataque intolerável ao bem jurídico). Aqui estamos diante de um caso em que só o desvalor do resultado jurídico é ínfimo. Mesmo assim, não há como deixar de aplicar o princípio da insignificância, apesar do desvalor da ação. 3. Num acidente de trânsito em que o agente atua com culpa levíssima e, ademais, gera uma lesão totalmente insignificante, não há como afastar a incidência deste princípio. Neste caso temos a combinação de ambos os desvalores: da ação e do resultado. Nem a ação foi grave nem o resultado foi relevante. Nesse terceiro grupo também não há como deixar de aplicar o princípio da insignificância (GOMES, 2013, texto digital).

Com base nesses exemplos, desse modo, o autor assevera que os critérios

adotados pelo STF devem ser compreendidos no sentido de que a incidência do

indigitado princípio pode ocorrer quando há puro desvalor da ação ou puro desvalor

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do resultado, ou a combinação de ambos. Acrescenta, ainda, que o fato deve ser

visto objetivamente e na medida de afetação do bem jurídico, prescindindo-se, pois,

da análise de eventuais antecedentes do agente, como reincidência, vida pregressa

etc. Contudo, não refuta a circunstância de que a multirreincidência ou reiteração

cumulativa afasta a insignificância, citando o exemplo de um gerente de banco que

desvia, diariamente, R$ 1,00 da conta de cada correntista e, ao final, aufere quantia

significativa.

Lopes (2000, p. 113), por outro lado, adverte ser necessário realizar uma

valoração global da ofensa, aliada sempre a um caráter rigorosamente normativo,

para evitar imprecisões conceituais do princípio da insignificância. Por isso, o autor

anota que “pode ser utilizado o parâmetro da nocividade social vinculada aos

critérios do desvalor da ação e desvalor do resultado e ao grau de lesividade e

ofensividade ao bem jurídico protegido pelo tipo penal”.

Aliás, a necessidade de análise global do fato concreto, no qual se inclui as

circunstâncias espaciais e temporais, a vítima, local etc., parece ser um critério com

o qual está de acordo a doutrina em geral.

Nesse sentido, Gomes (2013, texto digital) afirma que “para o

reconhecimento da insignificância e, em consequência, da infração bagatelar

própria, é muito importante a análise de cada caso concreto”. Cita, para reforçar

essa assertiva, o exemplo de que o furto de uma garrafa d’água, em princípio, é

absolutamente insignificante, porém para quem está no deserto do Saara não o é. E

finaliza asseverando não existir critérios apriorísticos concretos que definem o que é

insignificante.

Na mesma linha, Zaffaroni e Pierangeli (2004) também ensinam que a

insignificância não pode ser considerada à simples luz de sua consideração isolada,

mas, ao invés, à da finalidade geral que dá sentido à ordem político-normativa.

De todo modo, há de se ter sempre presente critérios sólidos para aplicar o

princípio da insignificância, exigindo-se do intérprete uma fundamentação adequada

para o caso concreto, sob pena de se cair em um subjetivismo perigoso que, ao

invés de reforçar a validez do princípio em tela, acaba por lesar a segurança jurídica

(PRADO, 2011).

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Por fim, quanto à afetação do bem jurídico como requisito do princípio da

insignificância, dúvida poderia surgir no que concerne ao crime tentado. Toda

tentativa seria insignificante? A resposta a essa pergunta só pode ser negativa.

De efeito, a afetação do bem jurídico pode dar-se por dano ou por perigo,

conforme já explicado no primeiro capítulo. Em razão disso, o que cabe considerar,

para a aplicação do princípio da insignificância, não é o dano físico (o resultado

naturalístico), mas sim a lesão jurídica ou o perigo dela ao bem jurídico protegido.

Quem, por exemplo, tenta furtar um milhão de reais guardados em um cofre não

causa dano nenhum (cofre e dinheiro permanecem íntegros), porém o perigo de

lesão para o bem jurídico é evidente (GOMES, 2013, texto digital). Nesse caso, a

colocação em perigo para o bem jurídico – em uma forma de lesão menor dele – é

valorada ex ante (ROXIN, 2009).

Nesse panorama, depreende-se que os critérios propugnados pelo STF, no

Habeas Corpus n.º 84.412/SP, são os mais consistentes para realizar a aplicação

do princípio da insignificância. A eles acresça-se, ainda, a necessidade de se

verificar cada caso na circunstância concreta, a fim de se evitar que o mencionado

princípio não se torne mera retórica de legitimação de um arbítrio do intérprete, que,

nas palavras de Lopes (2000, p. 53), “tende a reproduzir escala de injustiça análoga

à praticada pelo sistema legal em sua dogmática”.

4.2.3 Consequência

A aplicação do princípio da insignificância no caso concreto – isto é, depois

de se haver concluído pela ausência de periculosidade social da ação, mínima

ofensividade da conduta, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento

e inexpressividade da lesão jurídica provocada – afasta a tipicidade do fato

delituoso. Essa é a consequência jurídico-penal que advém do reconhecimento de

uma infração bagatelar, conforme a posição de Zaffaroni e Pierangeli (2004), Prado

(2011), Toledo (2010), Greco (2009), Roxin (2009), entre outros.

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Uma corrente minoritária, entretanto, vincula a insignificância à

antijuridicidade, quer dizer, vê aquela como causa de exclusão da antijuridicidade

material. Nesse sentido, Gomes (2013, texto digital) relata que José Luís Guzmán

Dalbora vincula a lesão insignificante ao bem jurídico tutelado à teoria da

antijuridicidade, pelo que esta seria excluída pela aplicação do princípio da

insignificância.

Outra corrente, ademais, reconduz a insignificância para o âmbito das

eximentes da pena. Filia-se a essa posição, de acordo com Greco (2009), o

professor argentino Abel Cornejo. Para este jurista, ainda que os fatos formalmente

descritos nos tipos penais sejam ínfimos, não podem ser considerados atípicos;

entretanto, por serem insignificantes, não há necessidade de aplicação da pena

(CORNEJO apud GOMES, 2013, texto digital).

Nada obstante essas respeitáveis posições, a escassez de ofensividade a um

bem jurídico tutelado, conforme já antecipado, acarreta a atipicidade do fato.

Isso porque já se viu no primeiro capítulo que a tipicidade penal é composta

da tipicidade legal – conduta descrita abstratamente no tipo – mais a tipicidade

conglobante – norma anteposta ao tipo e bem jurídico tutelado.

Assim, no momento em que não há uma lesão significativa ou perigo dela

para o bem jurídico, exclui-se a tipicidade conglobante e, por consequência, a

própria tipicidade penal, pela análise conglobada do tipo legal, conforme as lições de

Zaffaroni e Pierangeli (2004).

Desse modo, se o princípio da insignificância exclui a tipicidade, e se esta

compõe o sistema tripartido de crime, não faz nenhum sentido investigar a

antijuridicidade e a culpabilidade de um fato penalmente atípico (GRECO, 2009).

Alguns autores, por outro lado, como Gomes (2013, texto digital) e Greco

(2009), afirmam que a aplicação do princípio da insignificância exclui a tipicidade

material. A decisão paradigmática do STF – Habeas Corpus n.º 84.412/SP –

também andou nesse sentido. Dessa forma, uma infração bagatelar, em que pese

se amoldar formalmente a um tipo legal, segundo esses estudiosos, seria

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materialmente atípica. Operam, portanto, com os conceitos de tipicidade formal e

tipicidade material, que formam a tipicidade penal.

Greco (2009), em realidade, utiliza a teoria da tipicidade conglobante de

Zaffaroni para reforçar sua posição de que o princípio da insignificância exclui a

tipicidade. Já Gomes (2013, texto digital) explica coincidir o conceito de tipicidade

que perfilha com o do ilustre jurista argentino:

O conceito de tipicidade penal que nós acolhemos (o qual tem origem constitucional, pois é da Constituição que extraímos os valores, princípios e regras reitores do ordenamento jurídico, que orientam as finalidades do Direito penal, as quais, por sua vez, guiam o sentido das normas penais que, por seu turno, estruturam a teoria do delito e seus requisitos fundamentadores) (tipicidade penal = tipicidade formal + tipicidade material), em sua essência, coincide com o conceito de tipicidade conglobante de ZAFFARONI.

Logo, vislumbra-se que a tipicidade material nada mais é que a tipicidade

conglobante adotada neste trabalho, com a diferença, no entanto, de que a esta se

acresce a antinormatividade como exigência da tipicidade penal.

De outra banda, é de se ressaltar que, embora o fato insignificante não

constitua um ilícito penal, não deixa de ser um ilícito (civil, trabalhista, administrativo

etc.). Dessa forma, o princípio da insignificância exclui a responsabilidade penal do

agente, porém sobre ele podem recair todas as sanções jurídicas extrapenais

cabíveis. O que não se justifica, pois, conforme salienta Gomes (2013, texto digital),

“é a aplicação do Direito penal em fatos absolutamente destituídos de significado

penal”.

De tudo o que foi exposto, pode-se concluir que o princípio da insignificância

atua como fundamento de interpretação dos tipos penais, afastando a tipicidade

penal diante de circunstâncias de ínfima ofensividade ao bem jurídico tutelado.

Vincula-se, entre outros princípios e postulados de Política Criminal, ao princípio

constitucional da proporcionalidade, no qual encontra sua razão de ser. A sua

aplicação, por fim, estará condicionada à verificação de cada caso em concreto,

mediante a análise de certos vetores, tais como ausência de periculosidade social

da ação, mínima ofensividade da conduta, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do

comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.

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76

Analisadas essas premissas indispensáveis, parte-se para a verificação na

doutrina e na jurisprudência da aplicação do princípio da insignificância no crime de

supressão ou redução de tributos federais.

4.3 A incidência do princípio da insignificância no crime de supressão ou

redução de tributos federais

A exclusão da tipicidade do crime de supressão ou redução de tributos

federais, ante a incidência do princípio da insignificância, é perfeitamente

admissível.

Isso porque o bem jurídico tutelado, conforme visto no segundo capítulo, é a

ordem tributária, na expressão do erário de cada ente político ao qual a Constituição

Federal de 1988 atribuiu a competência tributária – no caso do presente trabalho,

erário da União –, cuja mensuração é possível verificar-se em vários patamares

(ínfima, pouca, média ou alta ofensividade ao bem jurídico).

À vista disso, examinar-se-ão as posições doutrinárias e jurisprudenciais,

respectivamente, a respeito da aplicação do princípio da insignificância nesse

específico tipo de crime contra a ordem tributária.

4.3.1 Visão doutrinária

Machado (2009) preleciona que, tendo em vista ser o objeto jurídico protegido

pela tipificação do crime de supressão ou redução de tributos a ordem tributária –

cuja concepção defendida por ele já foi objeto de crítica no segundo capítulo –, se

poderia argumentar não excluir o delito o pequeno valor econômico do tributo

suprimido.

Contudo, o estudioso assevera que não se pode deixar de lado os aspectos

práticos das questões jurídicas, mormente quando há normas no sistema jurídico

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dispensando o agente público de promover a cobrança de tributo em até

determinado valor. Por isso, para o autor, a insignificância estaria atrelada ao

montante de tributo cuja cobrança o sistema jurídico dispensa o agente público de

promovê-la.

Na mesma linha, Gomes (2013, texto digital) assevera ser o valor mínimo

exigido para que se proceda ao ajuizamento da execução fiscal o critério central que

governa o reconhecimento da insignificância no âmbito do Direito Penal Tributário.

Se o crédito tributário não ultrapassar o valor aceito para o ajuizamento da execução

fiscal, incluindo multa ou multas, há de se aplicar, segundo o autor, o princípio da

insignificância. E o argumento é o seguinte: “se até esse valor não vale a pena

propor a execução fiscal, com muito maior razão não tem sentido impor um castigo

penal”. Cita, para corroborar sua posição, os seguintes precedentes do STF: HC n.º

92.740/PR, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia; e HC n.º 92.438/PR, cujo Relator

foi o Ministro Joaquim Barbosa.

Assim, para o autor, o que vale é o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),

previsto no artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002, para o efeito da incidência do princípio

da insignificância nos crimes contra a ordem tributária cujo sujeito passivo é a

União, de modo geral, e no crime de supressão ou redução de tributos federais, em

específico. Porém, com a entrada em vigor da Portaria n.º 75, de 22 de março de

2012, do Ministério da Fazenda, que alterou o quantum correspondente para o

ajuizamento da execução fiscal de dívida ativa perante a União, afirma que o novo

valor a ser considerado para efeitos da insignificância é o de R$ 20.000,00 (vinte mil

reais).

Gomes (2013, texto digital), além disso, faz a advertência de que o critério

válido para o crime de supressão ou redução de tributos, inclusive para os demais

crimes tributários, não é um critério geral do Direito Penal, utilizável em todas as

modalidades de crime. De acordo com o jurista, o crime tributário é muito peculiar e,

portanto, está regido por uma solução também muito particular. O valor do

ajuizamento da execução fiscal, em síntese, não é um parâmetro válido para outros

delitos. Para o delito de furto, por exemplo, conforme explica o autor, não

preponderaria o critério acima exposto.

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No veio contrário, Gasperin (2011) assevera que, embora a doutrina e

jurisprudência se tenham inclinado a aceitar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)

como parâmetro para atribuir a pecha da insignificância aos crimes tributários

materiais, incluindo o previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990, tal raciocínio não

deveria ser aceito.

Isso porque, nas palavras do autor, tal patamar “de modo algum pode ser

considerado como um valor irrisório, ínfimo, irrelevante para o fim de balizar o

princípio da insignificância” (GASPERIN, 2011, p. 170). Por isso, o estudioso perfilha

o entendimento de que o valor de R$ 100,00 (cem reais), previsto no § 1º do art. 18

da Lei n. 10.522/2002, e adotado pelo Ministro Felix Fischer, no Recurso Especial

(REsp) n.º 685.135/PR, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), seria o mais razoável

para a aferição da insignificância nos crimes tributários materiais, pois nesse caso

há o cancelamento do débito inscrito na Dívida Ativa da União.

Entretanto, não deixa de admitir que “esse patamar até poderia ser elevado

pela adoção de uma posição intermediária, porém muito aquém de R$ 10.000,00

(dez mil reais)” (GASPERIN, 2011, p. 170).

Nesse sentido parece ser a posição de Eisele (2002), que argumenta não

bastar a consideração objetiva da relevância econômica, medida por determinado

valor, em relação à receita global do Estado, mas a necessidade de se verificar as

circunstâncias próprias de determinado fato. Desse modo, na visão do autor, devem

ser considerados, entre outros critérios, a quantidade de condutas típicas

praticadas, o valor evadido em face da capacidade contributiva do agente e a

repercussão socioeconômica do fato no local em que ocorreu.

Levando em conta tais parâmetros, segundo o jurista, a relevância social da

evasão seria avaliada conforme contextos econômicos próprios de cada fato e de

cada autor, conferindo-se, pois, igualdade substancial de tratamento entre autores

que praticam crimes contra a ordem tributária em circunstâncias socioeconômicas

distintas, conforme conclusão do autor.

Verificados esses parâmetros desenvolvidos pela doutrina, proceder-se-á, por

final, a uma análise de como os tribunais de nosso País estão acolhendo, nos casos

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concretos, o princípio da insignificância no crime de supressão ou redução de

tributos federais.

4.3.2 Visão jurisprudencial

Antes de adentrar e expor as particularidades das decisões dos tribunais

sobre a incidência do princípio da insignificância no crime supracitado, é necessário

frisar, de antemão, que a pesquisa se limitará a examiná-las por amostragem,

porquanto seria extremamente difícil – para não dizer impossível – realizar a análise

de um extenso volume de precedentes jurisprudenciais no contexto deste trabalho.

Para tanto, foram utilizados os termos “insignificância” e/ou “ordem tributária”, com

referência ao artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990, para consultar a base de dados dos

respectivos sítios eletrônicos dos tribunais e, desse modo, selecionar o maior

número de decisões possíveis.

Dito isso, nesta primeira etapa, será verificada uma decisão de cada Tribunal

Regional Federal (TRF).

Nesse compasso, o aresto abaixo, do Tribunal Regional Federal da 1.ª

Região (TRF1), foi particularmente selecionado porque demonstra a mudança de

entendimento do Tribunal a respeito da incidência do princípio da insignificância no

crime de supressão ou redução de tributos. A sua ementa é a seguinte:

PENAL E PROCESSUAL PENAL - SONEGAÇÃO FISCAL - ART. 1º, IV, DA LEI 8.137/90 - USO DE DOCUMENTO FALSO - ART. 304 DO CÓDIGO PENAL - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - TRIBUTO ILUDIDO DE VALOR IGUAL OU INFERIOR A R$ 10.000,00 - ARTS. 18, § 1º, E 20, § 1º, DA LEI 10.522/2002 - ATIPICIDADE DA CONDUTA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE - DELITO ÚNICO - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. I - A 2ª Seção do TRF/1ª Região, na esteira da jurisprudência do egrégio STJ sobre a matéria, vinha decidindo que o valor previsto no art. 18, § 1º, da Lei 10.522/2002 é o parâmetro norteador da aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, por se cuidar de norma extintiva do crédito tributário. Quanto ao tributo iludido de valor superior a R$ 100,00 (cem reais) e igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), entendia que - como determina o art. 20 e § 1.º, da Lei 10.522/2002 que a respectiva execução fiscal seja suspensa, sem baixa na distribuição, podendo ser reativada, quando os valores dos débitos consolidados ultrapassarem o limite indicado - não se tratava, pois, de extinção do crédito tributário, donde não se poder invocar tal dispositivo para regular o valor do débito caracterizador de matéria penalmente irrelevante, na forma da

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jurisprudência do colendo STJ sobre o assunto. II - Entretanto, ambas as Turmas do colendo STF, em acórdãos unânimes, firmaram posição no sentido de que "a análise quanto à incidência, ou não, do princípio da insignificância na espécie deve considerar o valor objetivamente fixado pela Administração Pública para o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das ações fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União (art. 20 da Lei n. 10.522/02), que hoje equivale à quantia de R$ 10.000,00, e não o valor relativo ao cancelamento do crédito fiscal (art. 18 da Lei n. 10.522/02), equivalente a R$ 100,00", inexistindo justa causa para a propositura da ação penal, quando o tributo iludido, no caso de crime de descaminho, não ultrapassa R$ 10.000,00, tal como previsto no aludido art. 20 da Lei 10.522/2002, em face da natureza subsidiária e fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do Direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos (HC 96.309-9/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma do STF, unânime, julgado em 24/03/2009, DJe n. 75, divulgado em 23/04/2009 e publicado em 24/04/2009; HC 96.374-9/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma do STF, unânime, julgado em 31/03/2009, DJe n. 75, divulgado em 23/04/2009 e publicado em 24/04/2009). III - Aplicação do entendimento do STF, consolidado sobre o crime de descaminho, ao delito de sonegação fiscal, uma vez que o referido limite de R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei 10.522/2002) "incide em relação a todas as execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, dentre os quais figura o decorrente de sonegação de imposto de renda", conforme consignado no parecer da PRR/1ª Região. IV - In casu, sendo o valor do tributo iludido inferior a R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei 10.522/2002), a conduta é atípica, em face do princípio da insignificância. V - "Ao fazer uso dos recibos objeto de contrafação perante a Receita Federal, a indiciada visou a fins exclusivamente fiscais, não havendo potencialidade lesiva para além do intuito de lesar a ordem tributária. Não existe razão, portanto, para não dar aplicação ao princípio da especialidade na hipótese, quanto mais tenha restado evidente que os fatos narrados orientam-se para a consecução do fim visado pelo agente, qual seja, a redução do tributo. Os recibos falsos também foram objeto de preocupação do legislador quando da elaboração da Lei nº 8.137/90, sendo intuitivo que a supressão ou redução de tributo - fato atribuído à recorrida - pode manifestar-se materialmente de diversas formas, arroladas nos incisos no art. 1º da referida lei penal, dentre elas a falsidade ideológica praticada na declaração feita ao Fisco, falsificação de documentos e o uso dos mesmos, e o estelionato, dentre outras." (RCCR 2007.38.15.000463-2/MG, Rel. convocado Juiz Federal César Fonseca, 3ª Turma do TRF/1ª Região, unânime, e-DJF1 de 07/03/2008, p. 123). VI - Com efeito, se, nos crimes contra a ordem tributária, a supressão ou redução do tributo, mediante a contrafação ou o uso do falsum, foram erigidos, pela Lei 8.137/90, em elementos constitutivos de outro ilícito, tem-se, na espécie, delito único, que é o de suprimir ou reduzir tributo, mediante aquelas ações referidas no art. 1º, IV, da mencionada Lei 8.137/90, afastando-se, na espécie, pelo princípio da especialidade, o crime previsto no art. 304 do Código Penal. VII - Ademais, a legislação do imposto de renda determina que o contribuinte que lançar deduções em sua declaração deverá estar de posse dos respectivos comprovantes para apresentação posterior à autoridade administrativa, quando solicitado. A simples entrega da declaração de ajuste anual, elaborada com base em recibos falsos, que não corresponderam à efetiva prestação de serviços, com a indicação do beneficiário no informe de rendimentos pagos, implica no uso dos respectivos recibos, para o fim de eliminação ou redução do tributo, dada a efetiva possibilidade de a Receita Federal averiguar as informações ali prestadas e intimar o contribuinte para a apresentação das provas das despesas declaradas. Assim, a apresentação, ao Fisco, dos recibos falsos, usados na anterior declaração de rendimentos anual, constitui mero exaurimento do crime contra a ordem tributária. VIII - Recurso improvido.

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(TRF1 - RSE 0010805-49.2007.4.01.3800 / MG, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES, TERCEIRA TURMA, JULGADO EM 20/10/2009, e-DJF1 p. 24 de 30/07/2010)

Como se percebe, o Tribunal até então perfilhava a posição de que o

princípio da insignificância somente incidiria quando o tributo federal suprimido ou

reduzido fosse inferior a R$ 100,00 (cem reais), porquanto esse valor de crédito

fiscal é cancelado, nos termos do artigo 18, § 1.º, da Lei n.º 10.522/2002. O valor

superior a esse patamar e inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), ao contrário, não

era insignificante, já que nesse caso a execução fiscal apenas ficava suspensa,

conforme o disposto no artigo 20 do citado diploma legal. Todavia, a partir de

decisões do Supremo Tribunal Federal que adotou esse último parâmetro para

aplicar o princípio da insignificância no crime de descaminho, o TRF1, no acórdão

acima exposto, de relatoria da Desembargadora Assusete Magalhães, mudou seu

entendimento. Passou, então, a acolher o critério adotado pelo STF para aplicar o

indigitado princípio no crime previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990, uma vez

que aquele se refere a quaisquer débitos fiscais para com a União, inclusive os

oriundos desse crime.

Dessa feita, o caso ora tratado versava sobre a redução do imposto de renda,

no montante de R$ 4.532,68 (quatro mil, quinhentos e trinta e dois reais e sessenta

e oito centavos). Para tanto, o agente lançou deduções com despesas médicas

fictícias em sua declaração de imposto de renda de pessoa física, que culminou na

redução da base de cálculo e, por conseguinte, do tributo devido, configurando o

crime de supressão ou redução de tributos (art. 1.º, inciso IV, da Lei n.º 8.137/1990).

No entanto, o juízo de primeiro grau rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério

Público Federal (MPF), aplicando o princípio da insignificância, por entender ser

atípico materialmente o fato delituoso praticado. Embora o MPF tenha recorrido, o

TRF1 manteve a decisão do juízo a quo, na linha de argumentação anteriormente

descrita, isto é, de que é aplicável o princípio da insignificância quando o valor do

débito tributário decorrente do crime em tela for inferior a R$ 10.000,00 (dez mil

reais).

Na mesma linha, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, no processo de

Apelação Criminal n.º 200651040025500/RJ, de relatoria da Desembargadora

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Liliane Roriz, considerou o parâmetro de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para aplicar o

princípio da insignificância no crime de supressão ou redução de tributos:

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA. NÃO CABIMENTO. I – Exige-se para a aplicação do princípio da insignificância, a presença das seguintes hipóteses: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação realizada; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. II - O bem juridicamente tutelado pela norma penal em questão é a integridade do erário público, visando resguardar, precipuamente, a Administração Pública em sua função fiscal, arrecadadora dos impostos devidos. III - De acordo com a jurisprudência mais recente das Cortes Superiores, a análise quanto à incidência, ou não, do princípio da insignificância na espécie deve considerar o valor objetivamente fixado pela Administração Pública para o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das ações fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União (art. 20 da Lei n. 10.522/02), que hoje equivale à quantia de R$ 10.000,00. IV - Deverá ser considerado o total do débito consolidado, na medida em que o dispositivo legal utilizado como parâmetro para se aferir a inexpressividade penal da conduta do crime em tela - artigo 20, da Lei 10.522/02 - se refere ao arquivamento, sem baixa na distribuição das execuções fiscais de débito inscritos como Dívida Ativa da União. V – Recurso provido para desconstituir a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para o prosseguimento do feito. (TRF2 – Apelação Criminal - Processo: 200651040025500/RJ Decisão: 09/08/2011 Publicação: 16/08/2011 Relator(a): Desembargadora Federal LILIANE RORIZ Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA Documento: TRF-200259347)

Nesse aresto, o TRF2 deu provimento à apelação interposta pelo Ministério

Público Federal, que pedia a reforma da decisão do juízo a quo pela qual absolveu

sumariamente o réu N. N. T. da imputação do crime previsto no artigo 1.º, incisos I e

IV, da Lei n.º 8.137/1990, sob o argumento de que o fato era insignificante. No caso,

considerou-se que o critério para incidir o princípio da insignificância é o valor de R$

10.000,00 (dez mil reais), previsto no artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002, no qual se

inclui o débito total inscrito em dívida ativa. Por isso, embora o réu tenha suprimido

R$ 6.159,56 (seis mil, cento e cinquenta e nove reais e cinquenta e seis centavos)

relativos ao imposto de renda da pessoa física, como o débito tributário consolidado

atingiu o montante de R$ 18.284,65 (dezoito mil, duzentos e oitenta e quatro reais e

sessenta e cinco centavos), a conduta delituosa era dotada de lesividade e,

portanto, na conclusão da Relatora, materialmente típica.

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De outra banda, adotando o valor previsto na Portaria n.º 75, de 22 de março

de 2012, do Ministério da Fazenda, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região

(TRF3), na Apelação Criminal n.º 0006466-17.2007.4.03.6120, julgada pela Primeira

Turma, ponderou ser insignificante a supressão ou redução de tributos federais cujo

valor não ultrapasse R$ 20.000,00 (vinte mil reais):

EMENTA: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DÉBITO FISCAL INFERIOR A DEZ MIL REAIS. AUSÊNCIA DE LESIVIDADE A BEM JURÍDICO RELEVANTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE FÁTICA. 1. Apelação da Defesa contra sentença que condenou o réu como incurso no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/1990, à pena de 02 anos de reclusão. 2. Reconhecida a ausência de lesividade a bem jurídico relevante, aplica-se à espécie o princípio da insignificância. 3. A Lei 10.522/2002, em seu artigo 20, com a redação dada pela Lei nº 11.033/2004, afastou a execução de débitos fiscais de valor igual ou inferior a R$ 10.000,00, demonstrando a falta de interesse fiscal da Administração Publica relativo a tributos que não ultrapassem este limite monetário. a Portaria MF nº 75, de 22/03/2012, majorou o valor anteriormente fixado para R$ 20.000,00. 4. A incidência do princípio da insignificância leva à atipicidade fática. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 5. Apelo provido. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0006466-17.2007.4.03.6120, Rel. JUIZ CONVOCADO MÁRCIO MESQUITA, julgado em 26/03/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/04/2013)

De acordo com o teor da decisão, a defesa de S. C. B. L. apelou da decisão

de primeiro grau que o condenou às penas do crime previsto no artigo 1.º, inciso I,

da Lei n.º 8.137/1990, alegando ausência de dolo. Em suma, o agente inseriu

despesas fictícias com saúde, instrução e pagamento de pensão alimentícia em sua

declaração de imposto de renda, que redundou na redução desse tributo no valor de

R$ 10.859,78 (dez mil oitocentos e cinquenta e nove reais e setenta e oito

centavos). Porém, o Relator Márcio Mesquita, Juiz Federal convocado, considerou

atípica a conduta, por considerar não ter ocorrido lesividade ao bem jurídico.

Explicou que o valor previsto no artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002, considerado como

parâmetro para aplicar o princípio da insignificância, foi majorado pela Portaria

Ministerial supracitada, pelo que a supressão ou redução de tributos federais aquém

de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), no entender do magistrado, deve ser tida por

atípica. Em razão disso, o TRF3 deu provimento à apelação de S. C. B. L. e

absolveu-o das imputações deduzidas pelo Ministério Público Federal.

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O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), da mesma forma, ao

rejeitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra agente detentor

de foro especial por prerrogativa de função, considerou o valor de R$ 20.000,00

(vinte mil reais) como parâmetro para aplicar o princípio da insignificância no crime

supressão ou redução de tributos federais. Tal decisão, nesse passo, restou assim

ementada:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LITISPENDÊNCIA PARCIAL. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA INSIGIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA QUANTO AO AGENTE COM PRERROGATIVA DE FORO. DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA. 1. Constatada a parcial litispendência, impõe-se a rejeição da denúncia no ponto, com fulcro no artigo 395, III, do Código de Processo Penal. 2. Nos crimes em que há elisão tributária, tais como os inscritos na Lei 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, incide o princípio da insignificância como excludente de tipicidade, quando a supressão das exações consistentes no valor consolidado - principal mais acessórios - não exceder o montante previsto no artigo 1º da Portaria MF 75, hoje correspondente a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), patamar este considerado irrisório pela Administração Pública para efeito de processamento de execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União. 3. Considerando que denúncia foi rejeitada em relação ao agente que detém foro privilegiado, o qual já responde ao processo que ensejou o reconhecimento da litispendência, e que este e o presente feito se encontram em fase processuais consideravelmente distintas, deve esta nova persecução processar-se em primeiro grau, uma vez que não mais justificada a competência originária desta Corte. Precedentes. (TRF4, INQ 0034969-43.2010.404.0000, Quarta Seção, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, Decisão em 12/11/2012, D.E. 19/11/2012)

Segundo a acusação formulada pelo MPF, o denunciado W. T., prefeito à

época do município de Porecatu/PR, teria inserido créditos inexistentes em

declarações de compensação apresentadas à Receita Federal, com o auxílio do

advogado E. L. P., suprimindo os tributos referentes ao imposto de renda da pessoa

jurídica e demais contribuições sociais devidas pela empresa da qual é

administrador, no período de 15 de abril de 2004 a 26 de janeiro de 2005. A Receita

Federal constatou a fraude e realizou lançamentos de ofício, em duas ações fiscais,

cujos valores redundaram em, respectivamente, R$ 10.969,84 (dez mil, novecentos

e sessenta e nove reais e oitenta e quatro centavos) e R$ 88.362,42 (oitenta e oito

mil, trezentos e sessenta e dois reais e quarenta e dois centavos). O MPF

denunciou ambos os investigados pelo crime previsto no artigo 1.º, incisos I e II, da

Lei n.º 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal.

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Nesse contexto, o Relator, ao analisar o cabimento da denúncia, constatou

haver litispendência com relação aos fatos que resultaram na ação fiscal de maior

valor e, por isso, rejeitou a denúncia nesse ponto. Além disso, como o montante de

tributos da outra ação fiscal não ultrapassava o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil

reais), previsto na Portaria n.º 75, de 22 de março de 2012, do Ministério da

Fazenda, ponderou que o fato delituoso era materialmente atípico e, em razão

disso, rejeitou a denúncia. Na visão do Relator, referida Portaria Ministerial

aumentou o valor previsto no artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002, motivo pelo qual o

valor do crédito tributário suprimido não acarretaria grave lesão ao bem jurídico.

Por outro canto, o Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (TRF5), no

julgamento do Habeas Corpus n.º 4935/AL, impetrado pela Defensoria Pública da

União (DPU) em favor de W. F. O., objetivando o trancamento da ação penal por

atipicidade, aplicou o princípio da insignificância ao caso adotando o parâmetro de

R$ 10.000,00 (dez mil reais):

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PLEITO DE TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO INFERIOR A DEZ MIL REAIS. LEI N.º 10.522/2002. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO DA ORDEM. - Não existindo interesse da Fazenda Pública em executar os valores devidos, não há porque considerar o fato como ilícito penal, em virtude da aplicação dos princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e da intervenção mínima, que fazem do Direto Penal a ultima ratio. - Comprovado que o auto de infração lavrado em 30 de março de 2011, em razão da sonegação de IPI, apurou um crédito tributário no valor de R$ 4.881,96 (quatro mil, oitocentos e oitenta e um reais e noventa e seis centavos), bem abaixo, portanto, dos R$10.000,00 (dez mil reais) previstos na Lei 10.522/2002 com a redação alterada pela Lei 11.033/2004, conclui-se que não há mesmo justa causa para o prosseguimento da ação penal. Precedentes do TRF1, TRF3 e STJ. - "Aplicação do entendimento do STF, consolidado sobre o crime de descaminho, ao delito de sonegação fiscal, uma vez que o referido limite de R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei 10.522/2002 "incide em relação a todas as execuções fiscais de débitos inscritos como Divida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, dentre os quais figura o decorrente de sonegação de imposto de renda" (TRF1, RSE 200738000109607, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Assusete Magalhães, e-DJF1 30/07/2010). - Ordem concedida para trancar a Ação Penal n.º 0002949-57.2012.4.05.8000. (TRF5 - PROCESSO: 00152862220124050000, HC4935/AL, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO, Segunda Turma, JULGAMENTO: 12/03/2013, PUBLICAÇÃO: DJE 14/03/2013 - Página 331)

Nesses autos, o Desembargador Francisco Wildo acolheu os argumentos

deduzidos pela DPU, que afirmava ser materialmente atípica a conduta do paciente.

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Segundo constou na decisão, embora W. F. O. tenha suprimido R$ 4.881,96 (quatro

mil, oitocentos e oitenta e um reais e noventa e seis centavos) referentes ao imposto

sobre produtos industrializados, tal valor era inferior àquele previsto no artigo 20 da

Lei n.º 10.522/2002, o qual é considerado pela Fazenda Pública para promover a

cobrança do débito tributário. Assim, concluiu o Relator que não haveria justa causa

para o prosseguimento da ação penal, pois, apesar de a conduta do réu ser

formalmente típica, ela é materialmente atípica, sendo indiferente para o Direito

Penal.

Visualizadas essas posições dos Tribunais Regionais Federais, pretende-se,

nesta segunda etapa, verificar decisões do Superior Tribunal de Justiça e do

Supremo Tribunal Federal a respeito do tema. Contudo, antecipa-se, desde já, que

não há decisão do Supremo com relação à análise do princípio da insignificância no

crime de supressão ou redução de tributos federais, por mais incrível que pareça

ser.

Já o STJ possui apenas uma decisão sobre essa temática, que foi proferida

no processo de Habeas Corpus n.º 175.930/PE, cuja ementa é a seguinte:

HABEAS CORPUS. PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL (ART. 1º, INCISO I, C.C. ART. 12, INCISO I, DA LEI N.º 8.137/90). PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. FALTA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. OFENSA À SUMULA VINCULANTE N.º 24 DO STF. INEXISTÊNCIA. ILICITUDE DAS PROVAS NÃO CARACTERIZADA. SIGILO BANCÁRIO. EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DE ATUAÇÃO DO FISCO. MATÉRIA NÃO SUSCITADA NA IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INCURSÃO AO CAMPO PROBATÓRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. SIGILO FISCAL. QUEBRA INDEVIDA. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PARA FINS PENAIS FEITA PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESCABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE VALORAÇÃO ISOLADA DE UMA DAS CONDUTAS. ORDEM DENEGADA. 1. A responsabilidade pelo crédito tributário foi apurada, integralmente, no Procedimento Administrativo Fiscal n.º 19647.000943/2004-05, no qual figurou o Paciente como investigado e que conta com lançamento definitivo, o que afastada as alegações de desrespeito à Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal e de cerceamento de defesa. 2. Nos termos da Lei Complementar n.º 105/2001, não constitui violação do sigilo bancário a requisição, pela autoridade fazendária, de informações referentes a movimentações financeiras, para fins de constituição de crédito tributário. Precedentes da Primeira Seção e das Turmas integrantes da Terceira Seção. 3. A tese de que o Fisco teria obtido dados que extrapolariam a permissão legal não foi suscitada na impetração originária, razão pela qual sua análise por esta Corte importaria supressão de instância. Ademais, ainda que assim não fosse, a questão demandaria uma minudente perscrutação do acervo probatório, providência incompatível com a via estreita do habeas corpus.

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4. A denúncia oferecida pelo Ministério Público decorreu de representação para fins penais formulada pela Autoridade Fazendária junto ao Parquet (fl. 441), e não da requisição de informações fiscais pelo órgão ministerial, sponte própria, o que afasta a alegação de quebra ilegal do sigilo fiscal. 5. A omissão do recebimento de R$ 7.559,00, a título de pro labore, da empresa Colmeia Câmbio e Turismo Ltda., não foi valorada isoladamente na denúncia, mas integra o conjunto de ações supostamente perpetradas pelo Paciente que acabaram por culminar na sonegação de R$ 10.604.034,34, o que a afasta o pedido de aplicação do princípio da insignificância. 6. Ordem denegada. (STJ - HC 175930/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2010, DJe 03/11/2010)

Nesse caso concreto, W. J. P. L. foi denunciado pelo Ministério Público

Federal pela prática do delito previsto no artigo 1.º, inciso I, combinado com o artigo

12, inciso I, ambos da Lei n.º 8.137/1990, duas vezes, na forma do artigo 69 do

Código Penal. Em síntese, o paciente teria suprimido imposto de renda de pessoa

física nos exercícios fiscais de 2000 e 2001, mediante omissão fraudulenta de

recebimentos auferidos de pessoa jurídica, realizada através de “laranja”, ensejando

um crédito tributário de R$ 10.604.034,34 (dez milhões, seiscentos e quatro mil,

trinta e quatro reais e trinta e quatro centavos). Dentre os pedidos do writ, pretendeu

a aplicação do princípio da insignificância para fins de julgar atípica uma omissão de

rendimentos no valor de R$ 7.759,00 (sete mil, setecentos e cinquenta e nove

reais), pois esse montante era inferior ao previsto no artigo 20 da Lei n.º

10.522/2002, que trata do patamar mínimo exigido para o ajuizamento da execução

fiscal.

Todavia, a Relatora do Habeas Corpus, Ministra Laurita Vaz, em que pese

tenha reconhecido ser o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) o parâmetro para

aferir a insignificância, assinalou não ser possível considerar a ação de omitir

rendimentos inferiores a esse patamar de forma isolada. Por conseguinte, como

referida conduta integrou um conjunto de outras ações que culminaram na

sonegação de R$ 10.604.034,34 (dez milhões, seiscentos e quatro mil, trinta e

quatro reais e trinta e quatro centavos), afastou a incidência do princípio da

insignificância no caso tratado, o que foi acompanhada, por unanimidade, pelos

demais Ministros integrantes da Quinta Turma do STJ.

Nesse panorama, ao que se depreende das decisões do Judiciário, o

parâmetro adotado majoritariamente pela jurisprudência para aferir a insignificância

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da conduta de suprimir ou reduzir tributos federais é o valor previsto no artigo 20 da

Lei n.º 10.522/2002, cujo texto assim dispõe:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). § 1o Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados. § 2o Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, as execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais). § 3o O disposto neste artigo não se aplica às execuções relativas à contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. § 4o No caso de reunião de processos contra o mesmo devedor, na forma do art. 28 da Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980, para os fins de que trata o limite indicado no caput deste artigo, será considerada a soma dos débitos consolidados das inscrições reunidas.

Os Tribunais Regionais Federais da 3.ª e 4.ª Regiões, diversamente,

adotaram o critério pecuniário de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sob o argumento de

que a Portaria n.º 75, do Ministério da Fazenda, teria aumentado o valor previsto no

dispositivo legal supracitado. Esse argumento, aliás, está em consonância com o

entendimento de Gomes (2013, texto digital), conforme anteriormente visto.

Nada obstante, com o devido respeito a essas respeitáveis posições, nenhum

desses parâmetros deveria ser utilizado para balizar a incidência do princípio da

insignificância no crime de supressão ou redução de tributos federais. E os

fundamentos são vários.

Primeiro, se princípios são mandamentos de otimização, como ensina Alexy

(2008), ou se princípios são normas que indicam fins a serem promovidos, sem,

contudo, enumerar fatos, na lição de Ávila (2012), jamais se poderá aceitar que o

princípio da insignificância permaneça vinculado exclusivamente a juízo de fato – no

caso, o valor para ajuizar execuções fiscais. Do contrário, não poderá ser tratado

como princípio, mas sim como um argumento objetivista que, a pretexto de conferir

objetividade no reconhecimento da insignificância, lhe retira a validade.

Segundo, o argumento central de que a supressão ou redução de tributos no

montante de até dez mil reais ou vinte mil reais deve ser considerada insignificante

externa-se no seguinte raciocínio: se esse patamar é considerado irrelevante para a

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Administração Pública Federal, que não ajuíza as execuções fiscais, mais

insignificante o é para o Direito Penal. Essa tese, no entanto, parte de premissas

equivocadas.

Ora, se a União, através da Procuradoria da Fazenda Nacional, não ajuíza as

execuções fiscais é porque, diante da conveniência e da oportunidade, mostra

desinteresse naquele momento em obter seu crédito. Isso fica claro na leitura dos

§§ 1.º e 4.º do artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002, cuja regra determina o

prosseguimento da execução fiscal no caso de o débito tributário posteriormente

superar o patamar de dez mil reais.

Do contrário, levando-se à risca o raciocínio acima esposado, adverte

Gasperin (2011) que em todos os crimes com reflexo patrimonial – não só o fiscal –,

e cujas vítimas não demonstrarem interesse em pleitear a reparação no juízo cível,

também haverá de se reconhecer a insignificância. Assim, se no caso de um furto

ou de um estelionato, p. ex., a vítima não ingressar no juízo cível buscando

reparação, a conduta delituosa praticada será insignificante.

É de se ressaltar, por outro lado, que o Ministro Marco Aurélio, no processo

de Habeas Corpus n.º 100.986/PR, do Supremo Tribunal Federal, afastou o critério

da insignificância com base no artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002:

Afasto a possibilidade de cogitar-se, na espécie, de atipicidade da conduta ante a insignificância do valor devido. Tenha-se presente que esta envolveu tributo não recolhido no importe de R$ 8.965,29. Mais do que isso, está-se diante da proteção da coisa pública, da administração tributária, não se podendo adotar postura conducente a levar à sonegação fiscal. A tanto equivale dizer-se que é atípica a conduta quando a sonegação, decorrente do descaminho, atinge substancial valor. Surge a problemática referente à Lei n.º 10.522/2002, considerada a redação imprimida pela Lei n.º 11.033/2004. Dá-se a extinção do crédito tributário quando não alcance o valor de cem reais – artigo 18, § 1.º, da Lei n.º 10.522/2002. Em se tratando de importância inferior a dez mil reais, enseja-se definição quanto à sequência imediata do executivo fiscal pelo Procurador da Fazenda. Concluindo de forma negativa, não há a extinção do débito, mas simples arquivamento, que não se mostra definitivo, do processo. Em síntese, caso ocorram outros débitos, o contribuinte pode vir a ter em curso a execução (BRASIL, 2011, texto digital).

Embora o caso tratasse do crime de descaminho (art. 334, caput, do CP), não

se pode perder de vista que o bem jurídico tutelado é o mesmo do crime de

supressão ou redução de tributos, pelo que a posição do eminente Ministro da

Suprema Corte é válida, de modo geral, para todos os crimes tributários. Saliente-se

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que a Primeira Turma do STF denegou a ordem no caso em apreço, por maioria,

pelos votos do Relator, Ministro Marco Aurélio, da Ministra Cármen Lúcia e do

Ministro Luiz Fux, vencidos os Ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.

Terceiro, a circunstância de os Tribunais Regionais Federais da 3.ª e 4.ª

Regiões considerarem que a Portaria n.º 75, do Ministério da Fazenda, aumentou o

valor previsto no artigo da Lei n.º 10.522/2002 retrata aquilo que Streck (2013, texto

digital) denomina de “fenômeno de baixa constitucionalidade”. Afinal, desde quando

uma portaria tem o condão de alterar uma lei votada e aprovada pelo Parlamento?

Desde a vigência da CF/88, jamais. Daí porque as cortes mencionadas deveriam, ao

invés de considerar o ato normativo para aplicar o princípio da insignificância, ter

realizado o controle de constitucionalidade no caso concreto e afastado o teor da

portaria que conflita com a legislação.

Quarto, mesmo desconsiderando as razões até aqui expostas, não há como

conceber que os critérios utilizados para a aplicação do princípio da insignificância

sejam distintos em determinados casos. Desse modo, se, para a jurisprudência, é

insignificante a sonegação de dez mil reais ou de vinte mil reais, por entender não

existir ofensa ao bem jurídico tutelado, há de se reconhecer, com base no princípio

da isonomia, o mesmo critério para a incidência do indigitado princípio em outros

crimes cujo bem jurídico protegido seja semelhante, a exemplo do estelionato e do

furto, que tutelam, em linhas gerais, a propriedade ou patrimônio. Aliás, vale

recordar que o crime de supressão ou redução de tributos em muito se assemelha

com o de estelionato, consoante visto no segundo capítulo.

Contudo, paradoxalmente a jurisprudência inclina-se a não aplicar o princípio

da insignificância em casos de furto ou de estelionato contra a União, suas

autarquias e empresas públicas.

Prova disso é que na Apelação Criminal n.º 0000404-98.2007.404.7003/PR o

Tribunal Regional Federal da 4.ª Região negou o reconhecimento do princípio da

insignificância em um caso de estelionato contra União, consistente na percepção

indevida de R$ 45,00 por meio do programa Bolsa Família. Nesse aresto, o Relator,

Des. Márcio Antônio Rocha, consignou que “o bem jurídico é afetado não só na sua

esfera patrimonial, mas também em seu âmbito supraindividual”. E a conduta

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praticada pelo réu, segundo o Relator, “importa lesão à própria estrutura social que

aquele patrimônio público encerra e promove” (BRASIL, 2012, texto digital).

Só que o mesmo Tribunal considerou, de forma isolada, a insignificância da

supressão de tributos realizada pelo ex-prócer de Porecatu/PR, no montante de R$

10.969,84 (dez mil, novecentos e sessenta e nove reais e oitenta e quatro

centavos), quando, na verdade, houve a supressão de aproximadamente cem mil

reais.

Essas idiossincrasias do sistema penal – e outras mais – são bem retratadas

por Streck (2012, texto digital), que, com emprego de uma dose de ironia que é

peculiar em seus textos, arremata:

[...] Sigo. Somos tão eficientes no combate à sonegação, por exemplo, que, pela Portaria do Ministério da Fazenda 75, os advogados públicos são proibidos de executar débitos inferiores a R$ 20 mil. Isso é que é eficiência. Aliás, recentemente o “Leão” se deu conta de que nos últimos cinco anos o Imposto de Renda sobre o 13o e 14o salário (sic) dos senadores não fora recolhido nem descontado daqueles abastados contracheques de suas Excelências. Qual a solução? O Senado da República saldará o débito! Quase como um pai indulgente (um pai-trimonialista!!!) que salda dívidas de bar do filho pródigo. Mas a verba é pública, cara pálida!! Enquanto isso, quando um Zé Mané furta, o sistema põe a mão rapidinho nele. Ao que sei, além de estarem arquivando execuções de até 20 mil, os juizados e tribunais pátrios estão estendendo a “boa nova” — com a concordância dos que defendem a res publica (e têm tantos) — para outros delitos, considerando que, agora, pela interpretação “oficial”, valores sonegados, contrabandeados e desviados de até R$ 20 mil são/serão considerados “insignificantes”. Isso é “bom” para apreendermos o conceito de isonomia: um patuleu furta coisas no valor de R$ 300 e a tese da insignificância é rechaçada com veemência; já um não-patuleu sonega tributos ou contrabandeia muambas no valor de R$ 11 mil e a tese da insignificância é bem-vinda. E vão me dizer que o julgamento do mensalão vai “arrumar” o país? Aliás, o que acham aqueles que combatem o projeto do Novo Código Penal do fato de que, em determinados crimes, a insignificância chegar ao “pequeno-valor-de-vinte-mil-pratas”? Para quem faz blague com o dispositivo do projeto do NCP que trata do “molestamento de cetáceos” — bom para fazer a plateia rir adoidada em palestras — por que não fazer blague com a Portaria 75 do Ministério da Fazenda que “introduz” um “novo” conceito para insignificância? Que tal? Não é de rolar de rir? Farfalhar? Ou, será que esse “novo-conceito-de-insignificância” beneficia determinada camada de acusados e por isso não é de bom alvitre fazer essa crítica? Desconfio que a teoria do bem jurídico em terrae brasilis também seja de conveniência. A propósito: estaria rindo o cidadão a quem o STJ negou a aplicação da insignificância em caso de 85 pratas? Bem feito. Deveria ter feito transações com “dólar-cabo”, modalidade que, como já se viu, não se enquadra em evasão de divisas... Ah, bom. O que os “manuais simplificadores” do Direito diriam disso? [...]

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Em realidade, esse quadro vai ao encontro da lição de Zaffaroni e Pierangeli

(2004) sobre a questão da seletividade do sistema penal. Conforme salientam os

autores, “em boa medida, o sistema penal seleciona pessoas ou ações, como

também criminaliza a certas pessoas segundo sua classe e posição social. [...] Há

uma clara demonstração de que não somos todos igualmente “vulneráveis” ao

sistema penal” (p. 72-73).

De efeito, parece ter sentido a afirmação de Fischer (2006, p. 211), com

menção a Daniel Drey, no sentido de que “la ley es como una telaraña, atrapa a las

moscas y a los pequeños insectos, pero deja que los abejorros, rompiéndola, se

abran paso a través de ella”.

Da mesma forma, Barroso ([2006?], texto digital) chama a atenção para o fato

de que a classe dominante brasileira não pune seus parceiros:

Para si, a classe dominante brasileira reservou a apropriação privada do Estado e a imunidade trazida por uma cultura de absoluta impunidade para os crimes que pudesse cometer. No espaço público, tomava posse não nos cargos públicos, mas dos cargos públicos, de onde passava a favorecer parentes, amigos e aliados. Os crimes contra a Fazenda Pública, a improbidade administrativa, a fraude a licitações, os crimes contra a ordem tributária dão traço nas estatísticas das condenações penais no Brasil. A elite brasileira — nós, não eles, repita-se — não pune os seus parceiros, os seus iguais. Deseja uma polícia eficiente, que reprima com firmeza quem lhes ameaça o patrimônio, mas não hesita em corromper o primeiro servidor público que se opõe a seus interesses imediatos.

Portanto, definitivamente não se pode concordar com a vinculação do

princípio da insignificância ao valor previsto para o ajuizamento das execuções

fiscais, sobretudo quando esse parâmetro somente é utilizado no crime de

supressão ou redução de tributos federais. Se o saber penal deve ser instrumento

de integração e não de marginalização, conforme mencionado no primeiro capítulo e

com amparo nas lições de Zaffaroni e Pierangeli (2004), não se pode interpretar a

legislação penal de maneira a selecionar determinadas pessoas ou ações.

Mas, então, quais seriam os critérios para aplicar o princípio da insignificância

no crime de supressão ou redução de tributos federais? A resposta é simples:

ausência de periculosidade social da ação, mínima ofensividade da conduta,

reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da

lesão jurídica provocada, entre outros fatores a serem verificados no caso concreto,

já que tais parâmetros são e podem continuar a ser aplicados a qualquer crime.

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5 CONCLUSÃO

Percorridas as trilhas delimitadas introdutoriamente, e exploradas no curso do

presente trabalho com a finalidade de procurar, ao máximo, desvendar algumas

riquezas da temática em exame, faz-se mister revelar, da maneira mais objetiva

possível, as conclusões a que se chegou a pesquisa.

O trabalho apresentado tratou, em linhas gerais, sobre o princípio da

insignificância e o crime de supressão ou redução de tributos, previsto no artigo 1.º

da Lei n.º 8.137/1990, com ênfase nos tributos de competência da União.

Por isso, no capítulo inaugural de desenvolvimento ocupou-se a monografia

em apresentar conceitos gerais de Direito Penal que tivessem pertinência à

compreensão do tema. Nesse sentido, demonstrou-se, primeiramente, que da

expressão Direito Penal exsurgem dois elementos: a legislação penal e o saber

penal; este interpretando aquela, para que o Direito Penal possibilite a redução das

desigualdades nas diferentes estruturas de poder e promova a integração social.

Sua finalidade, dessa forma, é a de prover a segurança jurídica, de maneira a

assegurar a coexistência humana, cuja manifestação se dá através da tutela de

bens jurídicos. Mais do que isso: a legitimidade ou validade do Direito Penal passa

por um modelo de proteção subsidiária de bens jurídicos com esteio na

Constituição, que traduzem as dimensões de direitos. À pena, nesse quadro, ao

assumir feição preventiva, é reservada a missão de materializar a finalidade do

Direito Penal.

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Além disso, verificou-se que o sistema tripartido de delito, através do qual se

possibilitou o desenvolvimento da teoria finalista da ação, encampada pelo nosso

atual Código Penal, é dominante na dogmática jurídico-penal contemporânea. Na

concepção desse sistema, pois, crime é todo fato típico, antijurídico e culpável.

Assim, a ação humana delituosa – que ofende ou exponha a perigo algum bem

jurídico – dever ser descrita na lei (tipo); contrária ao ordenamento jurídico

(antijuridicidade); e, por fim, culpável – isto é, que o autor seja imputável, tenha

potencial consciência da ilicitude e que lhe tenha sido exigido comportamento

diverso – (culpabilidade).

A tipicidade penal, de mais a mais, que com o tipo não se confunde, é a

característica de uma conduta estar subsumida a um tipo penal. Corresponde à

tipicidade legal mais a tipicidade conglobante. Esta realiza a interpretação daquela

no sentido de verificar, primeiro, a antinormatividade da conduta e, segundo, a

existência de perigo ou lesão ao bem jurídico tutelado. Dessa forma, a tipicidade

conglobante realiza a correção da tipicidade legal, resultando na tipicidade penal.

Analisados esses conceitos, no segundo capítulo descreveu-se o crime de

supressão ou redução de tributos, previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990,

apresentando seus caracteres. Antes, contudo, pelo fato de que a existência do

delito retromencionado pressupõe uma relação jurídico-tributária, foram

conceituadas noções de tributo, obrigação tributária e crédito tributário. Nesse

aspecto, pode-se afirmar ser o tributo uma prestação pecuniária compulsória, cuja

natureza jurídica é verificada pelo binômio hipótese de incidência/base de cálculo.

Ademais, o sistema tributário nacional adotou, ressalvados os entendimentos

contrários, a classificação quinquipartite dos tributos, pelo que esses compreendem

os impostos, taxas, contribuição de melhoria, contribuições sociais e empréstimos

compulsórios. E os tributos federais são aqueles cuja instituição a Constituição

Federal outorgou à União. Após a prática do fato gerador, que se amolda a um tipo

tributário, nasce a obrigação tributária entre o sujeito passivo e o Fisco, que, no

entanto, ainda é ilíquida. Para torná-la líquida, a autoridade administrativa realiza o

lançamento, surgindo, então, o crédito tributário.

No que tange ao tipo penal em exame, embora a Lei n.º 8.137/1990 o

denomine de “crime contra a ordem tributária”, essa rotulação semântica é bastante

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ambígua, pois pode referir-se a qualquer crime com conotação tributária. Por isso,

preferiu-se a adoção do termo “crime de supressão ou redução de tributos”, para

distingui-lo dos demais delitos, em especial do previsto no artigo 2.º da referida

legislação.

Dito isso, o crime em apreço tutela a ordem tributária; não no sentido de

proteger a finalidade arrecadatória do Estado, mas como expressão do patrimônio

fiscal necessário a promover serviços públicos eficientes e a concretizar direitos

fundamentais sociais. Quanto à estrutura do tipo penal em exame, ressalta-se que,

em seu aspecto objetivo, a supressão ou redução de tributos se caracteriza pelo

inadimplemento, parcial ou total, da obrigação tributária, mediante a prática de uma

ou mais condutas descritas nos incisos do artigo 1.º da Lei n.º 8.137/1990. No

aspecto subjetivo, o tipo somente admite a forma dolosa. A consumação, por outro

lado, ocorre com o dano fiscal, que somente se configura, no caso dos incisos I a IV

do mencionado dispositivo, após esgotada a discussão acerca da exigibilidade do

crédito na esfera administrativa, na esteira da Súmula Vinculante n.º 24. A tentativa

é, em tese, admissível; porém, como a maioria dos atos de execução configuram o

delito previsto no artigo 2.º da referida lei, subsiste essa figura delitiva, ante a

solução do conflito de normas pelo critério da subsidiariedade.

Como o objetivo do trabalho estava centrado na análise da incidência do

princípio da insignificância no crime de supressão ou redução de tributos federais,

no derradeiro capítulo, inicialmente, foram descritos a função dos princípios e, é

claro, o princípio da insignificância; ao depois, investigados os parâmetros de que se

valem doutrina e jurisprudência para aferir a insignificância da conduta de suprimir

ou reduzir tributos federais.

Nesse contexto, viu-se que os princípios são normas que atribuem

fundamentos a outras normas, notadamente as regras, e podem ser satisfeitos em

graus variados, segundo as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Sua função,

dessa feita, é a de realizar a congruência e o equilíbrio de um sistema jurídico

legítimo, informando e orientando a atuação do intérprete.

O princípio da insignificância, por sua vez, foi apresentado à comunidade

jurídica por Roxin, no ano de 1964, em um contexto histórico marcado pelo aumento

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da criminalidade de bagatela na Europa e, especialmente, na Alemanha. Conforme

propugnou o notável jurista tedesco, referido princípio atua como um recurso para a

interpretação dos tipos penais, excluindo da área de incidência do Direito Penal

fatos ínfimos ou danos de pouca importância ao bem jurídico tutelado. Partindo

dessa perspectiva, revaloriza-se a interpretação constitucional e abre-se caminho

para a concreção do ideal de justiça.

Indigitado princípio, além disso, imbrica-se com os postulados da

fragmentariedade e subsidiariedade e, mormente, com o princípio constitucional da

proporcionalidade, atuando como excludente da tipicidade legal, pois o fato

insignificante é penalmente atípico à luz da análise conglobada da tipicidade. Para

aquilatar a insignificância, nessa linha, é imprescindível a utilização de critérios

sólidos, tais como ausência de periculosidade social da ação, mínima ofensividade

da conduta, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e

inexpressividade da lesão jurídica provocada, a serem verificados nas circunstâncias

do caso concreto.

Após a exposição dessas premissas indispensáveis, partiu-se para a

verificação na doutrina e na jurisprudência dos parâmetros que autorizam a

incidência do princípio da insignificância no crime de supressão ou redução de

tributos federais. Nesse sentido, a doutrina inclina-se, de um lado, a propugnar

critérios como a quantidade de condutas típicas praticadas, o valor evadido em face

da capacidade contributiva do agente e a repercussão socioeconômica do fato no

local em que ocorreu; de outro, o parâmetro do valor mínimo para que se proceda

ao ajuizamento do executivo fiscal – dez mil reais, de acordo com o artigo 20 da Lei

n.º 10.522/2002, ou vinte mil reais, nos termos da Portaria n.º 75, de 22 de março de

2012, do Ministério da Fazenda –, porque até esse montante a Fazenda Nacional

não teria interesse em cobrar o crédito fiscal e, assim, o fato também seria

irrelevante para o Direito Penal.

Aliás, esse último critério é adotado de forma unânime pela jurisprudência dos

Tribunais Regionais Federais e pela do Superior Tribunal de Justiça. Há exemplos

como os arestos dos Tribunais Regionais Federais da 1.ª, 2.ª e 5.ª Regiões e do

STJ, que utilizaram o parâmetro de dez mil reais, e decisões dos Tribunais

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Regionais Federais da 3.ª e 4.ª Regiões, nas quais se mencionou o valor de vinte

mil reais, conforme demonstrado ao longo do último capítulo.

Diante da análise do problema proposto para este estudo – qual(is) o(s)

parâmetro(s) desenvolvido(s) pela doutrina e jurisprudência para aplicar o princípio

da insignificância na conduta típica de suprimir ou reduzir tributos federais? –, pode-

se concluir que a hipótese inicial levantada para tal questionamento é falsa, na

medida em que o critério utilizado amplamente para aplicar o princípio da

insignificância no crime de supressão ou redução de tributos federais é sui generis:

o valor mínimo estabelecido para o ajuizamento do executivo fiscal. Contudo, com o

devido respeito a essa posição, não se pode concordar com ela.

Ora, o princípio da insignificância, nos termos acima, não guarda nenhuma

semelhança com aquele propugnado por Roxin no sentido de excluir “danos de

pouca importância”, à exceção, por óbvio, do nome que lhe atribuíram. Isso porque

ele está sendo aplicado no delito acima referido de maneira acrítica pelos tribunais,

que o vinculam a um juízo de fato predisposto na legislação – artigo 20 da Lei n.º

10.522/2002 ou Portaria n.º 75 do Ministério da Fazenda –, subtraindo-lhe, dessa

forma, a qualidade de princípio.

Ademais, o argumento centrado na irrelevância penal de um valor que a

União o considera irrelevante para fins de execução fiscal parte de premissas

equivocadas. Uma coisa é o desinteresse em cobrar na esfera cível o montante do

tributo reduzido ou suprimido. Outra coisa é a lesão provocada ao bem jurídico

tutelado na esfera penal. Do contrário, se subsistir a validade daquele argumento,

todo crime patrimonial cuja vítima não ingressar no juízo cível postulando reparação

deverá ser considerado insignificante, a exemplo do furto e do estelionato.

Portanto, sustenta-se que os critérios a serem adotados para permitir a

incidência do princípio da insignificância no crime de supressão ou redução de

tributos federais deverão ser os mesmos utilizados nos demais crimes em geral, ou

seja: ausência de periculosidade social da ação, mínima ofensividade da conduta,

reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da

lesão jurídica provocada, entre outros no caso concreto.

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Caso ainda se considere insignificante a sonegação de dez mil ou vinte mil

reais, mesmo critério há de ser adotado em delitos que tutelam bens jurídicos

semelhantes, em respeito ao princípio da igualdade. Afinal, as leis penais não

podem ser iguais a “teias de aranha”, com a função de “pegar somente os pequenos

insetos”, mas, antes, devem ser interpretadas como instrumento de integração,

dirigindo-se à tutela da segurança jurídica em um Estado Social e Democrático de

Direito.

Nesse panorama, sem embargo de que seja retomado e pensado, o caminho

estabelecido no início chegou a seu termo. Não se tem a pretensão de que as

conclusões a que se chegou o presente trabalho sejam consideradas a melhor

solução para o problema enfrentado. Podem até não ser. Todavia, acredita-se que

sejam as mais razoáveis à luz da interpretação de um Direito Penal em

conformidade com a Constituição.

Por fim, poder-se-á dizer que a proposta é utópica. Mas, como bem salientou

Galeano, ainda que a utopia se distancie lá no horizonte, ela permite que o homem

continue a caminhar. O intérprete que tenha chegado até aqui, concordando ou não

com os fundamentos expostos, há de reconhecer: o autor atingiu seu objetivo.

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