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MONOGRAFIA DA FREGUESIA DE SÃO SIMÃO DE AZEITÃO 425 Anos de História 1570 - 1995 Edição de JOAQUIM OLIVEIRA

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MONOGRAFIA

DA

FREGUESIA DE SÃO SIMÃO

DE AZEITÃO

425 Anos de História

1570 - 1995

Edição de JOAQUIM OLIVEIRA

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JUNHO / 1995

AO JEITO DE PREFÁCIO

São poucos, muito raros mesmo, aqueles que lêem os prefácios ou os prólogos. Contudo, em jeito de prefácio, direi que como filho adoptivo da Freguesia de São Simão, há muitos anos que desejava dar público conhecimento do repositório de informação que, durante algumas décadas, pacientemente, tenho vindo a acumular sobre Azeitão, muito em particular, sobre a Freguesia de minha adopção. Nesse sentido, por duas vezes, através da divulgação dos "Subsídios Para a Monografia da Freguesia de São Simão" consubstanciei essa intenção. Na altura dessas divulgações, convidei "todo aquele que acumula informação para seu único deleite para que a publicassem". Não fui correspondido neste apelo, nem no amigável desafio, então lançado, para que "alguém mais habilitado publicasse a Monografia da Freguesia de São Simão ... " . Em face do insucesso do apelo e do desafio, e ainda, do alheamento das entidades a quem deveria caber esta responsabilidade, tomei a iniciativa de, na altura em que a freguesia perfaz 425 anos, melhorar e aumentar o conteúdo dos "Subsídios" , dando-lhes a qualidade de monografia, de forma a relevar a efeméride. Monografia que, dada a escassez dos meios próprios, e da já citada total falta de apoio e de incentivo, vai ser publicada de forma "artesanal" , digitada em computador e policopiada, uma deficiência gráfica, que espero, possa ser compreendida pelo leitor. S. Simão de Azeitão, ano 425 Joaquim Afonso Fernandes d' Oliveira

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Na passagem dos 425 anos

da instituição da Freguesia de São Simão de Azeitão

Dedico este trabalho

A todos aqueles que, no distante ano de 1570,

lançaram a primeira e fundamental pedra,

para a construção dos alicerces da nossa identidade .

O Autor

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REGIÃO DE AZEITÃO Dilui-se na nebulosa e longínqua bruma dos tempos a origem histórica da região e dos burgos de Azeitão, e suas remotas e enfeitiçadas lendas dizem-na antiquíssima, do tempo dos Celtas, aí por volta do século IV a.C. Mas se a lenda é bruma da verdadeira história, já existiria presença humana muito antes disso. No duro sílex, os nossos antepassados trogloditas talharam instrumentos de pedra lascada que no paleolítico utilizaram para os mais diversos fins. E sabe-se que na época neolítica foi a região abundantemente povoada. Isso se depreende, aliás, dos vestígios postos a descoberto e do espólio, que ao longo dos anos, empiricamente, tem vindo a ser recolhido. No caso específico da Freguesia de São Simão, muitos são os testemunhos da sua antiguidade, embora que se desconheça com exactidão, a origem de alguns dos menores povoados que, posteriormente, se formaram em burgos com algum significado. Destes testemunhos, e dos da génese de cada uma das actuais povoações que constituem a actual Freguesia de São Simão se tentará dar-vos conta, na forma de uma pequena e modesta Monografia .

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CAPÍTULO I

A FREGUESIA

DE SÃO SIMÃO DE AZEITÃO

ACTUALIDADE SITUAÇÃO E LIMITES Situa-se a Freguesia de São Simão de Azeitão, na Província da Estremadura, Distrito, Concelho e Comarca de Setúbal. Encontra-se, sensivelmente, a 38 º e 30 ' de Latitude Setentrional e a 9 º e 18 ' de Longitude Ocidental do Meridiano de Greenwich , ocupando uma área de 21 quilómetros quadrados, aproximadamente. A Freguesia de São Simão é limitada : A Norte, pelo Concelho do Barreiro, Freguesia de Coina ; A Sul, pelo Oceano Atlântico ;

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A Nascente, pelos Concelhos de Palmela e Setúbal, Freguesia da Anunciada ; Do Oceano Atlântico, (Pedra da Anicha e Monte da Areia) até ao Concelho (Penalva e Marco Furado) no sentido Norte-Sul, corre a linha de "fronteira" com a outra freguesia de Azeitão, São Lourenço . Sobre estes limites, o padre desta paróquia, Manuel José de Távora, numa informação de 1758 (Dicionário Geográfico, Torre do Tombo), escreveu : "(...) está situada esta terra nas abas de uma serra a quem os nacionais não dão nome, a qual um vistoso vale lhe embaraça a vizinhança da Serra da Arrábida: pela parte do sul lhe fica a dita serra que lhe embaraça a dilatar as vistas ; do Sul para o poente descobre o Castelo de Sesimbra, que dista légua e meia, Nossa Senhora do Cabo, que dista quatro léguas. Pela parte do Nascente descobre-se a Vila de Palmela; e continuando a vista para o Norte se vê a Senhora da Atalaia, no alto de uma campina, de que dista quatro léguas ; também se vê a Cidade de Lisboa de que dista três léguas de mar, servindo-se pelo porto de Coina, mais imediato a esta terra, e se vê grande parte do Termo de Lisboa, e a levantada Serra de Sintra que desta terra dista nove léguas e meia ... " Sobre o mesmo tema, o Padre Luis Cardoso, numa informação para o Dicionário Geográfico, em 1747 , escreveu : "(...) AZEITAM São Simão de Azeitão, Freguezia na Província da Extremadura, Patriarcado de Lisboa, Comarca de Setuval, termo da Villa de Cezimbra. Está situada no valle do limite de Azeitão, e tem de comprimento hum quarto de legua em cuja distancia se incluem cinco aldeas, de que se compoem a Freguezia, a saber, Camarate, Pinheiros, Vendas, e Villa Fresca antigamente, e hoje por corrupção do vocabulo Villa Freixe, e Castanhos. Ennobrece esta Freguezia a quinta do Conde do Prado e Marquêz das Minas Dom António de Sousa, e a de Joseph de Mello, porteiro mór ..."

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DIVISÃO ADMINISTRATIVA E POPULAÇÃO A Freguesia de São Simão de Azeitão compõe-se de uma Vila e quatro Aldeias, havendo ainda alguns lugares : Vila Fresca de Azeitão, Sede da Freguesia e da Paróquia de São Simão de Azeitão, e as Aldeias de Vendas de Azeitão onde está instalada a Sede da Junta de Freguesia, Pinheiros de Azeitão e Brejos de São Simão de Azeitão . Bacalhoa, Pacheca e Palhavã, são os "Lugares" mais importantes . No meio rural, temos os Arneiros e Alcube . - A população da freguesia, segundo o censo de 1991, ronda pelos quatro milhares, mas dada a reconhecida deficiência do processo, os números são muito duvidosos. - Eleitores inscritos, nos Cadernos Eleitorais : 3.016 ( Maio de 1994) A respeito das povoações que fazem parte da freguesia, o Relatório feito em 1758, pelo Pároco Manuel José de Távora, informa que "(...) esta freguesia tem cinco Aldeias que estão seguidas de poente a Levante. A primeira se chama Aldeia dos Castanhos ; segunda Vila Frexe, a que os antigos chamavam com grande acerto Vila Fresca pelo muito ameno que de quintas esta aldeia tinha. A terceira Aldeia (é) da Venda, por onde passa uma estrada pública de Coina para a Vila de Setúbal ; quarta a Aldeia de Pinheiros ; quinta a Aldeia de Camarate . A primeira chamada de Castanhos tem quarenta e sete

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pessoas ; a de Vila Frexe tem cento e setenta pessoas ; a de Pinheiros tem trinta ; a de camarate tem quarenta pessoas ; e as mais que fazem o número seiscentas e sessenta e duas ... vivem em quintas e casais em toda a distância da Freguesia " MORFOLOGIA DO SOLO Prosseguindo o cunho descritivo histórico, que se pretende dar a estes "Subsídios" também quanto à matéria específica dos solos, haverá referências a relatos antigos : O Engº Carlos Ribeiro, em 1882, refere para os "Estudos Geológicos" que : (...) O solo da serra compõe-se de rochas calcáreas dos períodos secundários e terciário, e o das planícies de camadas arenosas de terreno quarternário ... Toda a zona de terreno plano de dois a três quilómetros de largura que corre ao longo dos montes de Azeitão é uma das porções de trato mais produtivo que nesta região se conhece. A camada vegetal é de grés finos, desagregados, predominando a sílica, o feldspatho, o calcáreo, o ferro e a argila . O subsolo tem partes da mesma composição, e outras de argila arenosa ... " Ainda quanto à natureza do solo, pode-se acrescentar que para os geólogos, dadas as variadas formas estruturais que os movimentos orogénios, a erosão e os fenómenos sísmicos originaram, toda a freguesia - e muito em particular a zona abrangida pelo Parque Natural da Arrábida - constitui local privilegiado de estudo e observação . Os materiais de relevo são constituídos por calcários dolomíticos, siliciosos e calcários brancos compactos que constituem o núcleo dos principais relevos ; areias pilocénicas e quarternárias originaram as planícies Norte e Nascente que orlam o maciço da Arrábida e Brecha de cimento calcário, constituído por materiais do neo-Jurássico (impropriamente designada por mármore da Arrábida). A pedra da Anicha é

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um claro testemunho do avanço anterior do continente e é formada por calcários compactos do Miocénico . A título de curiosidade, pode-se acrescentar que, no Alto das Necessidades, junto à quinta da Palhavã de Cima, vulgarmente conhecida por quinta de Carlos Afonso, nos anos de crise das Primeira e Segunda Guerra Mundial, (1914/18) - (1939/45) extraiu-se de uma mina ali existente, algumas toneladas de Turfa (carvão vegetal fossilizado) de superior qualidade, que serviu como combustível industrial e doméstico . Uma última referência : Em 1955, uma empresa alemã, procedeu a prospecções de petróleo, por toda a Serra de São Simão e zonas envolventes. Os resultados foram silenciados, assim como destruídos todos os vestígios das perfurações. No entanto, há quem os tenha referenciados ... HIDROGRAFIA E COSTA Não há cursos de água com expressão nesta freguesia. Uma nascente, a que deram o nome de Rio de São Simão, por força de vários furos artesianos e minas de água, abertas a montante e a jusante, está praticamente seca. Esta nascente, debitava um caudal importante e imprescindível, para a irrigação de diversas quintas e pomares das proximidades, em sistema de alternância diária e horária, acordada e firmada por escritura, entre os vários proprietários das mesmas Na tombação do Morgado da Bacalhoa, mandada fazer por D. Jorge Manuel de Albuquerque, em 1630 ao licenciado Manuel Álvares Frausto, juiz de Marvão, lê-se a determinada altura do Título do Pomar, da Quinta da Bacalhoa : "(...) Item um pomar ... todo plantado de infinitas laranjeiras em ordem, limoeiros e cidreiras ... Tem do nascente ... um tanque de água, ladrilhado por baixo, que cobre um homem, cercado de predaria e de azulejo, feito em forma quadrada : tem vinte e nove varas de comprimento e fazem em circuito cento e dezesseis , do qual se rega todo o pomar atrás declarado com água do Rio São Simão, de que lhe pertence toda a dita água quatro dias naturais e tres horas cada nove dias ... " O chafariz de Vila Fresca, recebia, igualmente, água desta nascente. Quer as quintas, quer o chafariz, eram abastecidos por um complexo sistema de canalização, talhado na pedra viva ou, construído peça a peça no calcário da região. Estas peças de cerca de 2 metros de comprimento, talhadas em meia-cana eram depois cobertas com lajes do mesmo material, seladas com argamassa de cal.

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Ainda sobre o "Rio de São Simão", diz-nos o ilustre Azeitonense, António de Oliveira Parreira : "(...) as freguesias são delimitadas por um ribeiro, que correndo da Fonte do Pereiro aflui na corrente do rio de São Simão, e as suas águas vão depois afluir no Coina. Estes ribeiros, no Verão, secam completamente, porque as águas das suas nascentes são aplicadas às regas dos pomares que circundam Vila Fresca. A distribuição das águas do rio de São Simão acha-se determinada em escrituras antiquíssimas , sem que se encontre a escritura primordial pela qual foi estabelecida ... " Também o já citado Padre Manuel José de Távora, em seu relato de 1578 refere que : "(...) Junto à Aldeia de Vila Frexe está um lago pequeno de água a que chamam o rio de São Simão que continuamente está nele crescendo grande abundância de água com que se regam repartidamente por horas, oito quintas. O lago ou charco tem pouca altura e uma pedra no meio que dizem alguns vedores de água que se lha quebrassem ou tirassem seria tanta a água que se alagaria todo o Azeitão ... " Quanto à costa, esta situa-se entre parte da Praia dos Coelhos, que foi do morgadio do mesmo nome, até cerca de dois terços do chamado "Monte da Areia", na Arrábida, onde um marco, lá implantado, fixa o limite da freguesia. Facto pouco conhecido, é , o de cerca de um terço da superfície da Pedra da Anicha - o grande rochedo insular do Portinho da Arrábida, pertencer a São Simão, sendo por isso uma das suas balizas geográficas.

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AMBIENTE ECOLÓGICO FAUNA Na zona rural da freguesia, a par da expressiva actividade vitícola e da cultura do morango, somente a da pastorícia tem expressão suficiente para poder modificar o meio. No entanto, qualquer delas, vão mantendo - por enquanto - compatibilidade com o conjunto da comunidade natural, apesar da contínua contaminação dos terrenos, através dos adubos e pesticidas empregados intensamente nas citadas actividades agrícolas . Assim, a fauna selvagem menor, em termos de conservação das espécies não tem sofrido danos consideráveis por estas vias, mas sim pela intensa actividade humana aqui exercida, principalmente na expansão incontrolada e desenfreada do urbanismo, ocupando solos aráveis onde as referidas espécies se desenvolviam . A faixa de contacto entre o meio terrestre e o aquático, (aquela que está mais próxima do estuário do Sado) constitui um sistema ecológico rico pela diversidade de organismos vivos, sendo a fauna marítima rica em espécies, sobretudo, bivalves, entre os quais o berbigão (cardium edule) , a amêijoa (veneripus decussata) , o mexilhão (mytilus) , o "pé-de-burro" (venus verrucosa) . Há ainda, a navalha (solen marginaus) , o longueirão (ensis siligna) e a lapa (patella caerulea) . No capítulo dos mamíferos - segundo um estudo do Parque Natural da Arrábida - a degradação tem sido enorme . No entanto podem-se encontrar ainda, o coelho bravo (oryctolagus cuniculus) , a lebre (lepus capensis granatensis) , o texugo (meles meles) , a raposa (vulpes vulpes) , o ginete, o

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gato-bravo (felis sylvestris) . a doninha (mustela mustela) , o saca-rabos , (ictonyx striatus) entre outros. No Palácio de Calhariz, há troféus de caça, constituídos por hastes de veado, presas de javali e até mesmo de urso, (?) colocadas em cabeças de animais correspondentes à espécie, mas esculpidas em madeira, as quais presas, dizem ter sido apanhados, no século passado, na Serra da Arrábida. Encontram-se ainda várias espécies de morcegos, aracnídeos e insectos. De entre estes últimos, os lepidópteros (borboletas) a diversidade é grande, tendo sido já identificada 130 espécies. Por toda a região se pode encontrar os tão apreciados moluscos gastropoides, vulgarmente conhecidos por caracois (cepaes hortensis) e caracoletas : "boianos" (helix aspersa e helix pomatia) ou "bôcas negras" (cepaea nemoralis) . Na avifauna, podem-se observar mais frequentemente a perdiz vermelha (electoris rufa hispanica) a gaivota argêntea (larus argentatus), o pombo das rochas (columbus livis) , o pombo torcaz (columbus polumbus) , o andorinhão preto (apus apus) , o andorinhão real (apus melba) , a calhandra, encontrando-se com mais raridade o peneireiro vulgar (falco tinnunculus) , o bufo real (bubo bubo) a coruja das torres (tyto alba) , o estorninho preto (suturnus unicolor) , o melro azul (montícula solitarus) , a águia de asa redonda (buteo buteo) a águia de Bonelli (hieraetus fasciatus) e a pega azul (cyanopica eyaneus) . Na Primavera, nos beirais das casas, podem-se observar na construção de seus ninhos de barro, as afadigadas andorinhas (delichon urbica) ou nos campos a (hirunda rustica) . As aves mais frequentes são a caiada (saxicola denauthe) , o cartaxo (pratincola rubicola / rubetra) , a folosa (sylvia curruca) , o melro (turdus merula) , o papa-amoras (sylvia rufa) , o pisco (eritacus rubecula) , a rabeta (ruticilla phoenicurus) , rabiruiva , (ruticilla tithiys) , o rouxinol (daulias luscínia) e várias espécies de tordos (Turdus musicus / iliacus / viscivotus / pilaris ) e a tutinegra (sylvia atricapilla) .

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FLORA AGRICULTURA O já citado Engº. Carlos Ribeiro, dá-nos uma panorâmica sobre a situação agrícola de Azeitão, no último quartel do século XIX, que bem pode servir para ilustrar a actualidade : "(...) A principal cultura desta região é a vinha, (vitis vinífera), seguindo-se-lhe a da oliveira (olea europaea) , que deu nome a esta povoação. Os extensos olivais que já existiam no tempo da dominação árabe, fizeram com que os mouros lhes dessem o nome de Azzeitun que em árabe significa olivedo (olival) . Encontram-se aqui, oliveiras de troncos colossais que atestam imensa antiguidade, sobretudo no morgado instituído por Pedro Coelho, (Quinta Nova e Quinta Velha) , pertencente à Casa Palmela (isto em 1880) . Nesse sítio, à beira da estrada distrital, (Actualmente E. N. 10) existe um tronco que mede 8 metros de circunferência próximo à base ... " . E continua, o Dr. Carlos Ribeiro : " ... a cultura dos cereais: trigo (triticus durum) , cevada (hordeum vulgare ou hordeum distica) , milho (zea mays) é pouco importante , porque todos os esforços convergem para a vinha. Quando o oidium tuckeri grassou com mais violência e antes de se descobrir a eficácia do enxofre, este concelho empobreceu ; depois reanimou-se um pouco

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e oxalá nunca seja invadido pelo mais terrível inimigo da vinha, o Filoxera Vastratrix ... ... Os vinhos de Azeitão são bastante finos. A sua força alcoólica é de 12 a 14 graus, e a percentagem de seus mostos de 18 a 20. Produzem estes, excelentes vinhos de pasto . Fazem-se também óptimos moscatéis que figuram no mercado com o nome de «Moscatel de Setúbal» ... " VEGETAÇÃO Quanto à vegetação - porque o espaço geográfico da freguesia de São Lourenço se prolonga por ambas as vertentes da Serra da Arrábida até ao Atlântico - temos que destacar, a que faz parte do coberto vegetativo desta fértil "Serra-Mãe". O manto vegetal da Serra da Arrábida, é composto por antigas associações florísticas mediterrâneas, formando uma vegetação rica e variada de espécies - o folhado (viburnum tinus) , a murta (myrtus communis) , a aroeira (pistacia lentiscus) , o medronheiro (arbutus unedo), o carrasco (quercus coccifera) , o pinheiro bravo (pinus pinaster) , o pinheiro manso (pinus pinea), o sobreiro (quercus suber) , a azinheira (quercus rotundifolia) , o carvalho cerquinho (quercus robur) , o carvalho português (quercus faginea) , o zambujeiro (olea europaea) , a sabina da praia (juniperus phoenicea) , a madressilva (lonicera implexa) , o tojo arnal (ulex europaeus) , a esteva (cistus ladanifer) , a urze (calluna vulgaris) , o rosmaninho (lavandula stoechas) , o loendro (rhododendron ponticum) , o alecrim (rosmarinus officinalis) , a alfazema (lavandula officinalis), a giesta (cystisis scoparius) , formando um conjunto de arbustos e árvores de grande valor . Nos terrenos mais planos, pontilhando entre moitas de estevas desenvolvem-se - a par do oregão (origanum vulgare) , a alcachofra (cynara scolymus) e algumas espécies de cardos tais como : o de Santa Maria

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(silybum marianum) ; o corredor (eryngium campestre) ; o estrelado (centaurea calcitrapa) ; o penteador (dipsacus fullonum) ; o cardo santo (cnicus benedictus) e mais junto à costa, o cardo marítimo (eryngium maritimum) . Apesar de todas as agressões ao ambiente com a construção desenfreada de residências de verão, que proliferam nas faldas da Serra de Azeitão, Picheleiros, Casais da Serra, e do amanho precário dos campos, a vegetação que ainda reveste os montes arrábicos, graças à protecção do Parque Natural, é considerada como rara representante da vegetação mediterrânica das eras geológicas do terciário, surpreendendo quem nos visita . "(...) Assim, continuam existindo, principalmente nas fragas protegidas da acção do homem, espécies botânicas raras. Nas plataformas superiores adjacentes às arribas e nas falésias, condições climatéricas muito especiais, determinam o tipo de vegetação. O grau de humidade e de calor permitem a variedade da flora . Uma espécie endémica, ou seja que só ali existe, é, por exemplo a "Euphorbia Obtusifolia" . Esta planta pertence ao grupo das espécies típicas da macaronésia, designação porque é conhecido o conjunto de ilhas - Açores , Madeira, Canárias e Cabo Verde. A importância desta espécie é acrescida do facto de ser abrigo exclusivo de um insecto exclusivamente ibérico e hoje raro (Nemoptera bipennis) . Outra destas espécies endémicas, a roselha grande (cistus aldibus) e a rosa albardeira ou como alguns lhe chamam a rosa de lobo (paeonia broteroi) , têm aqui, - na Serra da Arrábida - o seu habitat privilegiado . Pelo Natal, em certos valados mais escusos e de vegetação mais espessa as rubras bagas do azevinho (ilex aquifolium) que são uma tentação para as decorações da época, mas que se encontra protegido, por risco de extinção . Em sua substituição colhe-se o "vasculho" , a gilbardeira (ruscus aculeatus) . Nas valas de águas correntes e limpas , há enormes colónias de agrião (nasturtium officinale) havendo ainda, nas suas margens a junça da areia (carex arenaria) . Nos pinhais nascem, espontâneos, os fetos, sendo os mais vulgares o feto macho (dryopteris filix-mas) , e os (osmunda regalis) e (pteridium aquilinum) . É, assim, a Serra da Arrábida, mais propriamente a zona protegida do Parque Natural da Arrábida, um dos raros locais da Europa onde ecossistemas mediterrâneos de estrutura complexa e de alta diversidade se mantiveram próximos daquilo que se pensa ter sido a sua formação primitiva .

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Ainda sobre a vegetação Mediterrânica da zona do parque, se poderá acrescentar - sem intuito científico, mas sim informativo - algo mais : "(...) Desde há milhares de anos que factores de natureza climática, geomorfológica e pedagógica têm vindo a contribuir nesta região para a manutenção de uma flora de folha perene muito peculiar. Assim. o coberto vegetal mediterrânico é dominado por espécies que têm em comum o facto de apresentarem um conjunto de adaptações à secura, à intensa luminosidade e à forte radiação. Ao observador menos atento não passarão despercebidas as folhas opinescentes do carrasqueiro (quercus coccifera) , coriáceas do lentisco (philyrea angustifolia) ou brilhante e cerosa da esteva (cistus ladanifer) ." Devido a condições - como já se disse - microclimáticas únicas, algumas plantas adquirem aqui um porte arbóreo "(...) que pela sua composição florística, dimensão dos elementos constituintes e raridade fitocenótica merecem ser considerados como património natural da humanidade" . Nessas estruturas incluem-se matas subripicolas de linha de água torrenciais, caracterizadas pela presença de zelhas (acer monspessulanum) , carvalhais marcescentes, dominados pelo carvalho lusitano (quercus faginea) , matas perenifólias dominadas por carrasqueiros (quercus coccifera) e adernos ( phyllirea latifolia) e ainda matas de zambujos (olea europaea) , medronheiros (arbutus unedo) e alfarrobeiras (ceratonia siliqua) . Como endemismo local, é de referir a Convolvulus fernandesil . Na zona mais ocidental do macisso Arrábico (já fora da nossa área geográfica) em estações ecológicas caracterizadas por elevada xerecidade , ocorrem formações vegetais floristicamente muito ricas que incluem a Euphorbia obtusifolia, arbusto caducifólio no estilo ; a Withania frutescens, e a Lavatera marítima, espécies estas que em Portugal apenas nesta área ocorrem, ou Arabis Sadina e galliun corrudifolium subsp. falcatum, que aqui tem a sua principal área de dispersão mas que se encontra noutras estações muito afastadas, desde o litoral do mediterrâneo ao litoral Marroquino e Ilhas Canárias . FLORESTA Presentemente, há na Freguesia de São Simão, duas pequenas manchas florestais : uma, um montado, de sobreiros (Quercus suber), no antigo morgado dos Arneiros ; outra, de pinhal, nos areais dos Brejos, constituido principalmente por pinheiros bravos onde pontuam soberbos exemplares mansos. Esta última mancha florestal, lenta mas insistentemente tem vindo a perder o lugar a favor da urbanização selvagem, ou mesmo da

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legalizada, mas que nem por isso deixa de ser selvagem, por não atender a princípios que respeitem o impacto ambiental, provocadas pelas mesmas . O pinheiro bravo (pinus pinaster) ou o pinheiro manso (pinus pinea) cujos melhores exemplares, foram salvos pela sua magestade para servirem de "guarda-sóis" de vivendas, ou, "adornos ecológicos" para valorização dos lotes de terreno a serem vendidos . O sobreiro (quercus suber) , árvore secular e indígena foi preservada, essencialmente, devido ao seu interesse económico, mas do ponto de vista biológico, ela assume um papel de grande relevância, podendo ser encarada como um verdadeiro ecossistema em miniatura . Com efeito, quer na casca, quer no tronco ou na copa, existem condições propícias para a instalação de plantas epifitas (liquenes, fetos) e de vários insectos e suas larvas. Aves, como os chapins, a pega azul (cyanopica cyanus) , o peneireiro cinzento (elanus caerulers) e de mamíferos roedores como rato o campo (apodemus sylvaticus) ou carníferos como o gineto (genetta genetta) . Nos terrenos arenosos dos Brejos, os pinhais que em tempos (segundo J. Rasteiro) : "(...) cingiam Azeitão de uma orla de verdura, defendendo-a das imanações insalubres de Coina e, o seu bom solo dos ventos de Setembro ..." , têm cedido o lugar à construção de áreas residenciais - autênticos dormitórios de Setúbal e Lisboa - , onde a clandestinidade da construção, o desordenamento, a falta de saneamento básico e o da rede de abastecimento de água, forçam a uma acentuada agressão ao meio ambiente, e ao subsolo, nomeadamente às linhas e lençóis de água, quer fendendo-as ou secando-as por inúmeros furos artesianos e poços, quer ainda contaminando-as através da implantação de fossas para uso doméstico ou - o pior dos casos - para resíduos pecuários ou industriais. Orlando os caminhos de alguns paços senhoriais e as estradas do interior da freguesia, ainda se podem contemplar portentosos plátanos (platanus hybrida) , faias (myrica faia e populus tremula) , ulmeiros (ulmus campestris) , eucaliptos ( eucalyptus globulus) , cedros (thuja occidentalis) e freixos (fraxinus excelsior) . Há ainda, imponentes ciprestes (cupressus sempervirens) . No entanto, o panorama arbóreo actual, não é - minimamente - comparável, ao que se poderia contemplar, no primeiro quartel do nosso século, orlando as estradas nacionais circunvizinhas : autênticos túneis verdejantes, ao que se poderia - com propriedade - chamar "Arcos de Triunfo da Natureza" . Tílias (tilia cordata) , lilases (syringa vulgaris) , acácias, a que chamamos "mimosas" (acacia longifolia e sophora japonica) , e jasmineiras

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(jasminum officinale) , continuam, ainda, a perfumar as noites estivais de algumas das nossas povoações . Também na zona costeira o valor botânico é notável no aspecto do desenvolvimento das variadas algas marinhas, tendo sido identificadas, até agora, 77 espécies, a maioria vegetando na Pedra da Anicha, considerada Reserva Zoológica . Entre as algas podemos distinguir: as laminárias ; saccharina ; digidata ; hyperborea e ainda, de outras espécies como a badelha (fucus vesiculosus) ; a castanha (macrocystis) e a "erva-do-mar" (zostera marina) . CLIMA Segundo o I.N.M.G. o estudo da variação e da distribuição espacial dos elementos climáticos relativos à região, leva às seguintes conclusões : Os valores médios, no mês, da temperatura do ar, incluindo os das temperaturas extremas, diárias, variam com regularidade ao longo do ano, com o máximo em Agosto e o mínimo em Janeiro, em regra, como é normal em Portugal continental, cujo território está situado na zona temperada do hemisfério norte do Globo . Quanto à distribuição espacial condicionada pela latitude e sobretudo pelo factor fisiográfico, nomeadamente a altitude, a exposição, a distância do mar, a natureza do solo e do seu revestimento, verifica-se que a temperatura, média do ar, no ano, tem valores entre 16 e 16.5 Graus C. A temperatura média do ar no mês mais quente, tem valores desde 21.4 º até 23 º (Graus C.) e, a do mês mais frio 10.6 º (Graus C.) . Os valores médios, no mês, da humidade relativa do ar às 09.00 horas, variam com regularidade ao longo do ano, com o máximo em Dezembro ou Janeiro, com valores entre 81 e 83 % , e o mínimo em Julho ou Agosto com valores entre 51 a 65% . Os valores médios de precipitação, no mês, variam ao longo do ano, em regra, e têm o máximo em Dezembro ou Janeiro com valores que vão desde 73 mm até 159 mm, e o mínimo em Julho ou Agosto, com o menor valor em 0.2 mm .

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CAPÍTULO

II

AZEITÃO Preâmbulo Um dos dilemas postos a quem pretende escrever algo sobre as monografias das Freguesias de São Simão e de São Lourenço, é discernir onde termina uma e começa a outra. Seria fácil, se as monografias se iniciassem na história e não no periodo a que se convencionou chamar "Pré-História de Azeitão" , sendo o vocábulo Azeitão, aqui, considerado como designação de uma Região, como, de facto é, e sempre foi . Desta "fatalidade histórica" para alguns, e orgulho para os demais Azeitonenses, a verdadeira história de Azeitão inicia-se na Pré-História da Humanidade. Por conseguinte, é a partir desse periodo que a irei iniciar, quer nos "Subsídios" para a Monografias da Freguesia de São Simão, quer para os da Freguesia de São Lourenço , tanto mais que perante milénios de História, a "fronteira da «água russa» é uma coisa insignificante ! Assim sendo, alguns capítulos dos "Subsídios" são comuns às duas freguesias de Azeitão: São Simão e São Lourenço .

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AZEITÃO I - DAS SUAS ORIGENS E PASSADO HISTÓRICO Entre as muitas designações locais encontramos duas de origem romana, Arrábida e Coina (a velha) e outras tantas de origem árabe, Azeitão e Alcube que parece serem as mais antigas. Arrábida pensa-se que virá do nome latino, rábida (áspera, brava, rude) com o artigo árabe «al» o «L» viria a ser assimilada pelo «R» e assim ficaria Arrábida. ( 1 ) Coina, segundo alguns estudiosos será e evolução da palavra Equa Bonna - Quabona - quaona - quona - quouna - couna - ou Coina. ( 2 ) Azeitão, que se escrevia Azeitã, Azeitam, e Azeitom, significa Olival ou Olivedo, em árabe. (3 ) Alcube é o mesmo nome que Al-Cuba (Al-Qubba), edifício tumular, árabe. ( 4 ) Na "Enciclopédia Geográfica" Pg. 582, pode-se ler o seguinte sobre a antiguidade de Azeitão : "(...) provado arqueologicamente que a região de Azeitão tem um povoamento de épocas muito remotas, talvez até pré-romanas, provado fica que o território destas freg.s (São Simão e São Lourenço), apesar de repovoado no início da Nacionalidade, teve uma

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povoação anterior a ela talvez não desfeita em tempo algum por longo espaço, através da dominação arábica, a que se deve o topónimo Azeitão, hoje mais propriamente um corónimo. A sua persistência prova, pelo menos, a continuidade da existência de população local desde o domínio arábico até à cristã ... A velha toponímia local, que devia ter existido sem dúvida, além dos arábicos Azeitão e Alcube e dos latinos (romanos) Coina e Arrábida, não conservou espécies indubitáveis, o que parece, devido à substituição por novos povoadores, após a reconquista de Lisboa e Alcácer definitivamente, ou, já antes, após a de Palmela e Sesimbra (segunda metade do séc. XII). Contudo, se esta toponímia local, atesta a antiguidade histórica da região de Azeitão, ainda se pode recuar muito mais no tempo, e entrar no periodo a que alguém já chamou "Pré-história de Azeitão", e consubstanciar melhor esta antiguidade. (5) Chamadas de Rodapé : (Página anterior) (1) a (4) - Sobre estes nomes, desenvolve o Padre Manuel Frango de Sousa, Pároco das freguesias de Azeitão, as seguintes considerações : Arrábida : "(...) Escrevi no Jornal Azeitonense que o nome Arrábida (como de Coina) era de origem latina, e que viria da forma feminina do adjectivo Rabidus, que quer dizer áspero. Eram minhas conhecidas as várias hipóteses aventadas para a paternidade ou maternidade desse nome. Joaquim Rasteiro falava em "arrabidah" (cadeia de montanhas), Álvaro de Camoens dizia "errabundus" (velle errans), havia quem opinava "Arabrica" (cidade antiga). André de Resende e Diogo Mendes de Vasconcelos referem "Rabidus" (áspero, selvagem), Orlando Ribeiro e José Manuel Pimentel opinam ser "Ribãt" (convento religioso-militar) ... ... Era ainda minha conhecida a designação de " La Rábida" para o convento franciscano existente em Huelva, onde Colombo deixou o filho à guarda dos frades. Parecia-me evidente que Arrábida era vocábulo igual a Rábida com o artigo "al", e Rábida era o latino tornado português, como em tantos casos acontece. Sobre o "Al Rábida" vir a dar Arrábida não é nada de anormal. Ainda hoje há pessoas que à aldeia de Portela chamam Alportela ou Aportela. Al-portela deu Apportela e esta deu Aportela. E assim Al Rábida daria Arrábida. Porém como nem sempre o que parece é, aqui vai uma achega à hipótese de Orlando Ribeiro e José Manuel Pimentel. Ao ler o livro "O Islame e a sua civilização" de André Miguel, da Escola de Altos Estudos de Paris, traduzido por Francisco Nunes Guerreiro sob a direcção de Vitorino Magalhães Godinho, deparei, no glosário com : "Ribat: arrábida, edifício onde residem, para defesa do Islão voluntários que ocupam o tempo com exercícios

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de piedade e operações militares . No mesmo livro apresenta-se o desenho do Ribãt de Sousse, séc. IX, que é uma construção acastelada quadrada. Assim Al Ribãt daria AL-Rabit e depois Arabid e Arrábida. No caso de ser válida esta hipótese, onde ficaria o Ribãt ? - No Portinho? No forte de Mouguelas ? No Casal do Bispo ? Em Palmela ? ... O historiador cordovês Ahmed Arrazi em 1344 escreve o seguinte em sua geografia : "(...) A cidade de Lixboa jaz sobre o ryo Tejo muy preto donde entra no mar. E Lixboa ha villas do seu senhorio, das quais hua he Almadãa e a outra Ossuma e a outra he Syntra. E em Almadãa vay huu braço de mar que entra en Tejo. E eno partimento de Beja e de Lixboa ha huus montes a que dize os montes dos filhos de Benamocer e chamanilhe os moradores Arrábida" Florian del Campo atribui a origem do nome Arrábida à barbarie dos Sárriospovos que povoavam a serra. Chamadas de Rodapé (Cont.) Azeitão : O topónimo Azeitão é de origem árabe e segundo os entendidos significa olival. Na grafia árabe seria Azzeitun, posteriormente Azeitam, Azeitã, ou ainda Azeitom. Em Portugal temos uma árvore de nome latino, oliva ou oliveira, cujo fruto é designado em árabe, azeitona e o óleo proveniente da sua trituração, azeite. O documento mais antiga que conheço onde aparece referenciado Azeitão está datado de 1310, da nossa era, e faz parte do "Livro dos Copos" da Ordem de Santiago. A folhas 65, verso, está este documento: "Dom Dinis pella graça de Deos Rey de Portugal e do Algarve a vos concelho dessetúbal saud. sabede que dom Diego munis mestre da cavalaria da ordem de santiago me disse que vos posestes notta postura que o vinho de sesimbra e dazeitom que o no t.vuessem a vender hy assetuval senom aquelles que o hy t.vuessem p mar E que disto vos dey minha carta ... ... Tenho por bem qu a dita postura que posestes sobre esto que nom valha se ao Mestre no puger. E que os de sesimbra e dazeitom tragam hy a vender seus vinhos ..." Coina : Joaquim Rasteiro apresenta assim a evolução da palavra Equabbona : Equabona - Quabna - Cauna - Couna - Coina . Em um documento de Dom Afonso Henriques. de 1184 escreveu-se "in castelo caune" e no testamento de Dom Sancho I escreveu-se já de outra forma " ... in constructione murorum ... de covilliana at de couna . Os dois documentos, de que mais se fala a seguir, são escritos em latim, sendo o de Dom Afonso Henriques mais clássico e o outro mais popular. No primeiro escreveu-se "Caune" em vez de "Caunae", (mas pronuncia-se da mesma

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maneira), no segundo escreveu-se já à maneira portuguesa "de Couna" em vez do latim "Counae". O Documento de Dom Afonso Henriques e alguns comentários : "In nomine Patris ... ego alfonsus Dei gratia Portugalensium rex ... simul cum filio meo ... domno Sancio ... facio karta donationis ... tibi Bernaldo Menendi, canonico Ulixbonensis eclesie Sancte Marie, de illis ecclesisis que sunt in castell caune inter Palmelam et Almadanam. ... quas tibi dedi pro populatione predicti castri quam mihi fecisti ... " Tradução : ( Em nome do Pai ... eu Afonso, por graça de Deus, rei de Portugal ... juntamente com o meu filho ... senhor (dom) Sancho ... faço esta carta de doação ..., a ti Bernardo Mendes, cónego da Igreja de Santa Maria de Lisboa, das igrejas que estão no castelo de Coina, entre Palmela e Almada. ...as quais te dei pelo povoamento do dito castelo, que me fizeste ...) Chamadas de Rodapé (Cont.) Comentários : Bernardo Mendes Bernardo Mendes era certamente um filho (terceiro ou quarto) da célebre família dos Mendes de Sousa do Porto (e arredores) . Vários factos levam a esta conclusão. Assim: Nessa altura era governador militar de Sesimbra Dom Gonçalo Mendes de Sousa, o chefe da dita família: Bernardo Mendes era cónego de Lisboa e nessa altura o canonicato era honra e função muito importantes. No foral de Lisboa, dado por Dom Afonso Henriques e na sua confirmação feita por Dom Sancho I, Bernardo Mendes é a primeira testemunha. Só os nobres e os altos eclesiásticos assinavam esses documentos. E Bernardo Mendes aparece não só com título de Cónego mas também com o DOM. ( Os altos eclesiásticos eram quase sempre filhos dos nobres) . Castelo de Coina entre Palmela e Almada Quando se diz : "das igrejas que estão no castelo ..." quer dizer-se: nas igrejas que estão na região do castelo Nessa altura havia só os termos de Palmela e Almada. Sesimbra pertencia ao termo de Almada. daí o dizer-se " entre Palmela e Almada", e não entre Palmela e Sesimbra.

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Povoamento Como é natural, esta região, por causa das guerras, estava despovoada. Era costume nessa altura darem-se terras despovoadas a pessoas ou a instituições e estas depois, instalavam colonos. Sabemos que Dom Sancho I instalou franceses em Sesimbra, mas não sabemos donde vieram os povos que Dom Bernardo Mendes instalou no castelo de Coina ( ou seja em Azeitão). Será que Nogueira, Raimunda, Oleiros, nomes que existem lá para as bandas do Porto, nos dizem que os colonos vieram de lá ? Do Testamento de Dom Sancho I "... In primis mando dare captivis 13085 morabitinos ... ... totum illud ... de castello de vermui et de Penafiel, et laioso, et de benviver, expendant in constructione et covilliana et de couna ..." Chamadas de Rodapé (Cont.) Tradução "... em primeiro lugar mando dar para resgate os cativos 13085 morabitinos ... tudo aquilo ... do castelo de Vermoil., e de Penafiel, e de Lanhoso e de Belver, gaste-se na construção dos muros e no municiamento de Benquerença e de Covilhã e de Coina" Comentários: O castelo de Coina estaria destruído e tê-lo-ia sido durante alguma incursão muçulmana. Não consta que tivesse sido reparado. Sobre Coina, mais propriamente sobre Equa Bonna, o documento mais antigo que a ela se refere é o Roteiro Militar de Antonino Pio no princípio do segundo século da nossa era. Também num códice do século X, da Biblioteca de Paris fala-se em Aqua Bonna. Itinerário de Antonino Pio Transcrevo uma pagina de Mário de Sá do Tomo VI das "Grandes Vias da Lusitânia"( O Itinerário de Antonino Pio) :

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"(...) Exacta é a posição de Equabona em Coina-a-Velha (no Vale de Coina e junto do "Castelo dos Mouros") onde houve uma remota localidade romana. Coina (a Nova) no esteiro do Tejo; era o porto marítimo de Equabona, que, desenvolvendo-se a dentro da era portuguesa, veio a ganhar foros de vila. E foi das mais notáveis da Riba Tejo, debaixo da simples designação de Coina. Na época romana a via de Lisboa a Equabona era, tanto quanto possível, terrestre e é na deste teor que se marcam as XVI milhas de extensão, do cais de Cacilhas a Coina-a-Velha, por Cova da Piedade, Torre da Marinha (extremidade do esteiro da Amora), Rio do judeu, Foros do Perú, Quinta da Conceição. É curso para 26 m., na equivalência das XVI mpm do texto. " Em resumo, pode-se dizer que aí há 1600 anos, no casal do Bispo existia uma povoação que se chamava Equabanna. Essa povoação tinha um castelo. O povo foi mudando o nome até ficar em Coina. O terreno que fica entre a vala real e a ribeira dos canais também se veio a chamar de Coina, a de Azeitão começou a dizer-se de Coina-a-Velha e a outra de Coina-a-Nova ou só Coina. A povoação do Casal do Bispo foi abandonada até que desapareceu, mas nasceu outra, com o mesmo nome, mais adiante. No séc. XVIII, a povoação de Coina (essa segunda cá de Azeitão) foi baptizada com o nome de Aldeia de Nossa Senhora da Piedade ou só Aldeia da Piedade. Chamadas de Rodapé (Cont.) Aconteceu que Diogo da Silva de Carvalho, que era dono da quinta das Donas, fez na sua quinta uma capela com o dito nome de Nossa Senhora da Piedade, e da capela o nome passou para a Aldeia. Ainda sobre Equa Bona ou Aqua Bonna , António Maria de Oliveira Parreira num trabalho avulso, feito em 13 de Novembro de 1882, escrevia o seguinte : "(...) A situação de Equa Bona é completamente incerta, não obstante designar-se unanimemente como correspondente a Coina, valendo para isso uma remota semelhança das palavras, e a circunstância de haver perto um lugar chamado Coina-a-Velha. Alguns escritores lhe chamam Abona e num Códice da Biblioteca de paris pertencente ao século X se encontra a denominação de Aqua Bona. Pode ser que este povoação romana fosse situada nesta região da margem sul do Tejo, apesar de não se lhe poder determinar a situação precisa. O nome de Aqua Bona só por ironia poderia convir à Coina moderna, local apaulado e sezonático ; mas poderia pertencer a qualquer povoação que demorasse da falda dos montes de Azeitão e que desse o nome a todo esse trato de terreno até ao Tejo. Em Coina-a-Velha , lugar de que fala Hubner, numa propriedade denominada casal do Bispo, no cimo de um monte existem as ruinas de um castelo que conserva ainda as quatro paredes da torre meridional em perfeita conservação até á altura de mais de tres metros, outra torre mais arruinada do lado norte, pedaços de muralha abatidos e uma cisterna, tudo envolto em altas moitas de carrasco. As paredes da cisterna são de uma argamassa composta de cal, areia e tijolo britado, o que lhes dá o aspecto de um só tijolo inteiriço: só desabou parte da abóbada . Os lanços de muralha abatidos parecem ter sido demolidos expressamente à cunha e não ser a sua ruina obra do tempo"

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Joaquim Pedro da Assunção Rasteiro é de opinião que o castelo de Coina de que se faz menção no testamento de D. Sancho I , e de que tratam vários documentos dessa época, não é outro senão este castelo arruinado de Coina-a-Velha. Alexandre Herculano, na sua História de Portugal fala na forte linha de Castelos de Almada, Coina, Palmela, Alcácer do Sal, e diz que Iacub foi atacar Almada deixando á esquerda o castelo de Palmela, Coina e Sesimbra. Só embarcando, o que não é de crer , poderia o Miramolim deixar Coina moderna à esquerda para passar a Almada. Seria este castelo de Coina-a-Velha arrasado por Iacub, como os de Sesimbra e Palmela em 1191 e ficaria por reparar por ser de menos importância que os seus vizinhos , mandados depois reconstruir por D. Sancho I ? Seja porém como for, a existência de um castelo em Coina-a-Velha é incontestável ,e se não é um dos castelos de que fala o testamento de D. Sancho I, são ainda mais nobres as suas ruínas, por serem ainda mais antigas ... Chamadas de Rodapé (Cont.) Alcube Alcube é um sítio, um território em que se encontram várias propriedades e uma aldeia, Aldeia grande de Alcube. O nome de Alcube é o mesmo que AL-Cuba. É o mesmo da vila de Cuba, no Alentejo. Cuba (Qubba) é o edifício contendo o túmulo de um grande personagem ou de um santo, na região árabe. Acontece que em Alcube existem dois edifícios iguais às cubas do Alentejo e do Norte de África. São esses edifícios, a capela-mor da capela de São Pedro de Alcube e uma construção quadrada sita na parte norte de Aldeia Grande, a qual está em ruínas e à qual o povo ainda chama a "Cubata" ... " (5) - Para além destes topónimos, parece manifestar antiguidade: Vale Andeiro (decerto por Vale de Andeiro, de início) , em que Andeiro é, aparentemente de origem Germânica, o próprio nome pessoal *Andeiro (Anduduarius, do gót. ands «espírito» e harjis «exército» ) o que demonstra talvez povoamento da época da dominação visigótica se a forma fosse outra mais nitidamente antiga (como a genitiva), e se não ficasse toda a possibilidade a uma importação (existe Andeiro na Galiza, pelo menos) ou ao que mais naturalmente deve ser: um povoador do século XII, de nome Andeiro, que aqui teve a sua propriedade.

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Os topónimos Arcos e Torres também podem ascender à Idade Média, o primeiro aludindo a arcos «memoriais», talvez, o segundo a uma torre senhorial, o que é verdade, por certo, pois houve torres fidalgas por aqui... ...Também Bassaqueira, é nitidamente medieva, pois é o mesmo que Buçaqueira que aparece muitas vezes na velha toponímia nortenha (derivado de Buçaco, de sentido obscuro : de "bustu" , alusivo à pastorícia)"

"Pré-História de Azeitão" No livro "Arqueologia da Arrábida" de Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, há importante e desenvolvida "panorâmica geral da evolução das comunidades humanas que habitaram a região da Arrábida desde o paleolítico à Época Romana ... ", Para o caso presente, (Região de Azeitão) extraímos uma breve resenha dos locais assinalados como estações arqueológicas e sobre estas, debitamos alguns apontamentos : Principais jazidas paleolíticas: - Quinta do Peru ; - Quinta dos Arcos ; - Basteza da Mó ; - Lapa de Santa Margarida ; - Gruta da Figueira Brava . Neolítico : - Galapos;

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- Alto de São Francisco . Calcolítico : Moinho do Cuco ; Cabeço dos Caracois ; Casal do Bispo . Idade do Bronze : Roça do Casal do Meio ; Castelo dos Mouros . Idade do Ferro : Castelo dos Mouros Época Romana : - Creiro ; - Vale da Palha ; - Painel das Almas ; OS PRIMEIROS HABITANTES Os mais antigos vestígios da presença do homem na região de Azeitão remontam a períodos mal determinados. "(...) Em Basteza da Mó, Quinta dos Arcos, Quinta do Peru, o conglomerado de Belverde forneceu alguns calhaus achatados que ... teriam recebido a acção do trabalho humano. A confirmar-se a cronologia atribuída ao conglomerado de Belverde bem como a autenticidade, como artefactos, das referidas peças, estaríamos em presença de um pré-acheulense bastante arcaico, dos mais recuados da Península Ibérica. Assim, em ambientes de praias ricas em calhaus rolados , comunidades certamente de Homo erectus teriam produzido, há mais de um milhão e duzentos mil anos, instrumentos muito simples, polivalentes, constituídos por seixos rolados e achatados, geralmente de quartzito., nos quais seriam criados gumes operantes ... " Já no Paleolítico Médio, encontramos a Lapa de Santa Margarida e a gruta da Figueira Brava " A Lapa de Santa Margarida, cavada pela abrasão

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apresenta junto da entrada, virada ao oceano um conglomerado de base onde Breuil e Zbyszewski recolheram, em 1940, um biface «abbevilense» muito rolado e utensílios considerados por estes autores como mustierenses, sobre quartzo. As duas brechas ossíferas que se lhe sobrepõem ... forneceram também alguns utensílios «mustierenses» de quartzo . A gruta da Figueira Brava ... teve uma génese semelhante à da lapa de Santa Margarida da qual dita escassas dezenas de metros. Abre-se a sua principal entrada na falésia natural. Os estratos arqueológicos da sala a que aquela abertura dá acesso foram muito perturbados por ocupações recentes. Foi em uma ampla sala ligada à primeira por uma estreita passagem ... que enxumámos, imediatamente abaixo de uma fina camada estalagmítica, diversos artefactos, alguma fauna e coprólitos ... os artefactos enxumados são pouco característicos e pouco numerosos, pelo que a sua atribuição ao Paleolítico é muito provisória. São quase exclusivamente sobre lasca, alguns sobre lascas regulares a tenderem para lâminas; estão presentes peças com entalhes laterais (enconches) e denticulados, buris e núcleos. Presente também a técnica levallois ... Pelo menos aparentemente associados à referida indústria encontram-se ossos de Cervus elaphus, dentes prémolares de Hyaena crocuta e conchas de moluscos marinhos dos géneros Mytilus e Patella ... " Até agora não é conhecida na Arrábida nenhuma jazida que possa ser atribuida com segurança ao Paleolítico Superior nem do Mesolítico, ou seja, da fase pós glacial durante a qual o homem, não obstante continuar a viver da recolecção, da pesca e da caça e a desconhecer, portanto, a economia de produção de alimentos evoluía social e culturalmente no sentido de vir a praticar esta última. Provavelmente pertencendo já ao Neolítico, é a jazida de Galapos, situada sobre a falésia litoral, na extremidade oriental da praia do mesmo nome. Quase totalmente destruída pela construção da estrada Galapos Portinho da Arrábida, sobre ela diz Tavares da Silva "(...) quer antes da realização de tais obras quer no decurso das mesmas, permitiram concluir que aí viveu uma população possivelmente neolítica ... que pelos abundantes restos de cozinha que deixou acumulados, formando um verdadeiro concheiro, teria vivido essencialmente da recolecção de moluscos marinhos (abundava o género Mytilus - mexilhão - sem dúvida o mais comum sobre os rochedos ... A pesca (talvez dourada - Sparus auranrata) praticada junto da linha costeira e a caça das aves, possivelmente marinhas, são actividades igualmente documentadas. Não surgiram ossos de animais domésticos . " Desenvolvimento da Economia Agro-Pastoril

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Na região de Azeitão, incluindo a Arrábida, não foram, até ao presente, descobertas manifestações das fases inicial e média do megalitismo, mas tão só do momento de apogeu deste fenómeno social e religioso. Durante esta fase, cronologicamente situável entre cerca de 3.100 e 2.500 a.C. , enquanto no interior do Alentejo, aqui bem perto, no Torrão, se assiste à construção dos grandes dólmens, (6) no perímetro do Parque da Arrábida, as tumulações colectivas têm lugar em grutas artificiais ou hipogeus escavados em rochas de calcário brando (Quinta do Anjo), e em grutas naturais, perto de Sesimbra, casos das Lapas do Fumo e do Bugio. ______________________________________________________________ (6) - Em o Arqueólogo Português, Joaquim Rasteiro, a respeito da presença de dólmens na nossa região, escreve : « Não sei se por aqui existem quaisquer antas mas parece ter havido umas perto da antiga vila de Sezimbra em caminho de Azeitão. No registo das propriedades da egreja de Santa Maria de Sezimbra, feito em principios do Século XV, há dois passos que fazem crer na sua existência ali. Assim : Affonso Vicente paga às alampadas da egreja de S. Maria um foro de 50 soldos, da moeda antiga, de uma herdade que faz nas Antas caminho de Azeitão - Affonso Vasques, pescador, paga um foro de 20 soldos de boa moeda antiga por uma vinha nos chãos acerca das Antas. A designação de Antas, ainda que se refira ao sítio, não foi de certo caprichosa, mas por ter havido no lugar algum d'aquelles monumentos dos antigos habitantes da península. Actualmente nem o nome já existe, sendo absorvido pelo de Sampaio, appelido dos senhores da quinta por esse nome conhecida» Registe-se, que nessas grutas, o espólio que acompanhava as tumulações era essencialmente constituído por micrólitos geométricos, pequenas lascas de silex, que encastados em hastes de madeira serviam de instrumentos de caça; peças de pedra polida para actividade agrícola e ainda peças rudimentares de cerâmica. (7) Ainda inédito continua um arqueossítio, datável, provavelmente do Neolítico recente/final . Trata-se de um povoado, identificado por Tavares da Silva e Joaquina Soares, no Alto de S. Francisco, uma das elevações da crista da serra do mesmo nome, entre Vila Fresca e Cabanas. Sobre ele dizem os referidos arqueólogos : "Aí se estabeleceu uma pequena comunidade talvez detentora de excedentes resultantes de uma actividade agrícola que encontraria nos férteis campos do vale do Alcube boas condições para se desenvolver. A necessidade de guardar e defender essa riqueza acumulada, por sua vez geradora de conflitos sociais, teria estado na origem da escolha de um sítio elevado, com boas condições naturais de defesa, para a implantação da aldeia. " (8) ______________________________________________________________ (7) In "Arqueologia da Arrábida" de Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares" : «O espólio que acompanhavam estas tumulações eram essencialmente constituídos por micrólitos geométricos, em geral trapezoides, de silex que, engastados em hastes de madeira, se comportavam como pontas ou barbelas de flechas utilizadas na caça ; pontas de seta de base triangular ou pendunculada, igualmente reveladoras de

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actividade venatórias : machados de secção transversal circular e enxós de pedra polida, peças directa ou indirectamente relacionáveis com a prática da agricultura ; recipientes cerâmicos quase sempre sem decoração e de fundo arredondado, por vezes de perfil carenado ; alfinetes de osso, providos de uma cabeça cilíndrica canelada que serviriam como elementos de adorno na composição do penteado ; placas de xisto gravadas, de carácter antropomórfico e cuja relação com o culto dos mortos parece evidente ; pequenas esculturas zoomórficas representando roedores («coelhinhos»), talvez conotáveis com o culto da fecundidade ». (8) - "... Esta estação arqueológica, muito destruída pela acção da erosão e da abertura de uma estrada que passa pela crista da serra, forneceu, por sondagens de reconhecimento, um conjunto lítico e cerâmico que consideramos de uma fase imediatamente pré-calcolítica, espólio comparável ao nível inferior da Parede (distrito de Lisboa), de acordo com a nova sequência estratigráfica proposta recentemente por Cunha Serrão. No Alto de S. Francisco, e no que se refere à cerâmica, surgem taças carenadas, recipientes de bordos extrovertidos e «denteados» por impressões sobre o lábio e fragmentos decorados por pequenos motivos foliolares ou em espiga («folha de acácia») pré-calcolítica, obtidos através da impressão (mais raramente da incisão) de um punção de extremidade aguçada ; esta decoração pode comportar-se como uma tardia reminiscência das fases iniciais do Neolítico. De notar a ausência de copos e taças com decoração canelada que irão surgir no horizonte crono-corológico imediatamente seguinte, do calcilítico antigo, tão bem representado na primeira ocupação do vizinho povoado do Padrão (encosta este da Serra de S. Luis). Quanto à indústria lítica é. sobretudo, de assinalar a presença do micrólito geométrico (trapézio) do furador robusto e da lâmina com retoque semi-abrupto. " Calcolítico ou Idade do Cobre Povoados de Cumeada Os excedentes acumulados nos finais do Neolítico, determinaram o aparecimento dos primeiros povoados implantados em elevações, e possivelmente, das primeiras actividades bélicas organizadas. No caso concreto da região de Azeitão, e na fase situável cronologicamente por volta de 2.500/2.400 a.C. instalou-se no Moinho do Cuco, na elevação sobranceira ao vale de Alcube, um povoado de cumeada, onde foram recolhidos por Tavares da Silva e Joaquina Soares, cerâmica calcolítica fragmentada de taça tipo Palmela ; de cerâmica canelada do calcolítico inicial; de cerâmica decorada por crucíferas do calcolítico pleno ou recente e ainda um fragmento de «queijeira» . Os mesmos arqueólogos, recolheram no Cabeço dos Caracois, (povoado situado sobre elevação em crista sobranceiro à estrada Vila Nogueira-Portinho da Arrábida) na proximidade de Porto de Cambas e Coina-a-Velha, um «machado-percursor» de pedra polida e vários fragmentos de cerâmica do Calcolítico. (9)

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Exploração do Sílex Segundo as conclusões das prospecções do Dr. Luciano Costa, acompanhado por Tavares da Silva e Joaquina Soares, o local onde provavelmente o Homem pré-histórico da nossa região teria o obtido o sílex para a produção de utensílios líticos nas formações conglomeráticas do neo-jurássico localizadas nas imediações da Casa Abrigo do Monte do Cabrito, entre a Comenda e a Albarquel. Estes arqueólogos recolheram no local numerosos nódulos de sílex, artefactos do neolítico ou do Calcolítico, como um instrumento de pedra polida. ______________________________________________________________ (9) - O Calcolítico (periodo da implantação dos povoados supra citados, também designado por Idade do Cobre, porque este nome indicía as características tecnológicas do periodo : produção de objectos de cobre e continuação do fabrico de instrumentos líticos) " é caracterizado - no ponto de vista económico-social - pelo desenvolvimento da agricultura, da criação de gado e do comércio, pelo aparecimento das primeiras formas de metalurgia do cobre e de uma consequente grande divisão social do trabalho, pela desagregação da comunidade primitiva e generalização da guerra ". O Homem físico Como seriam, fisicamente, os habitantes da nossa região nos finais do Neolítico e durante o Calcolítico ? Só por aproximação se poderá obter resposta para esta interrogação, dado que até ao momento não terem ainda sido descobertas, na área, tumulações dessas épocas. Assim, tomaremos como prováveis, também para os nossos antepassados, os resultados dos exames de ossos humanos encontrados em tumulações da lapa do Bugio, perto do Cabo Espichel, e nas grutas artificiais da Quinta do Anjo e que, segundo T.S. e J. S. foram os seguintes :" a estatura média provável dos indivíduos sepultados na lapa do Bugio era de 169,9 cm para o sexo masculino e de 161,4 cm para o feminino. O índice cefálico médio dos crânios estudados é de 78,9. valor que corresponde à mesaticefalia, o que é característica dos Portugueses que actualmente vivem no Sul do País. (10) Quanto aos indivíduos tumulados nas grutas da Quinta do Anjo, a altura média destes seria de 1,64 cm para os masculinos e de 1,57 para os femininos. (11)

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______________________________________________________________ (10) - No que se refere à patologia, assinalam os citados arqueólogos o facto de terem surgido somente 3 dentes cariados em 100 molares, o que mostra ter sido a cárie dentária relativamente pouco frequente. (11) - Segundo o estudo de Thomas Bubner ao material osteilógico humano recolhido nas grutas artificiais da Quinta do Anjo, e tendo em conta que nem todos os ossos humanos recolhidos foram entregues, torna-se impossível determinar o número de indivíduos tumulados durante cerca de mil anos de utilização das grutas como necrópole. No entanto, em face de da contagem de 403 dentes incisivos provenientes no hipogeu 4, conclui que, pelo menos 51 indivíduos foram lá sepultados. Nestas grutas, foram sepultados crianças, jovens, adultos e velhos de ambos os sexos. Esta constatação faz com que Bubner conclua que «fala a favor da hipótese de servirem os hipogeus como jazigos colectivos, nos quais um certo grupo humano enterrava os seus mortos». Segundo ainda o mesmo autor, a esperança média de vida destes indivíduos seria de 26,2 anos para cada, embora que tenham sido encontrado ossadas de indivíduos que indiciavam idade avançada (cerca de 60 ou mais anos). A última conclusão de Hubner foi a de que a população que utilizou a necrópole teria pertencido a um «tipo humano grácil», de proporções pequenas e bem equilibradas e de estatura média reduzida», tipo humano que durante o Neolítico final e o calcolítico teria ocupado uma vasta região do centro e sul de Portugal e que ainda actualmente nesta predomina. Idade do Bronze É em terras de Calhariz, no sopé da encosta ocidental do Monte do Formozinho que se encontra o monumento funerário da Roça do Casal do Meio, importante e elucidativo testemunho, da nova forma de organização social operada no final da Idade do Cobre, onde a estrutura tribal ia sendo substituída por um regime de chefaturas, já com alguns prenúncios de organização estatal. Este monumento funerário, escavado por Konrad Spindler, é de planta circular, limitado exteriormente por um espesso muro de cerca de 2,5 m de largura, revestido por grossos blocos de calcário, que definia um diâmetro de 11,5 m. (12) : apresentava uma abertura de que dava acesso a um corredor estreito de cerca de 4, 20 m de comprimento a qual por sua vez, conduzia a uma câmara funerária central, em forma de semicírculo, com um diâmetro de cerca de 3,3 m . Nesta câmara foram encontrados dois esqueletos (13) que, pelos objectos de bronze, de marfim e de cerâmica que os acompanhava, assim como pela sua disposição no terreno e pela grandiosidade do monumento, denotavam que os dois indivíduos ali sepultos

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eram personagens importantes de uma sociedade já vincadamente estratificada. (14) ______________________________________________________________ (12) - Uma reconstituição de Spindler e Veiga Ferreira diz que o monumento funerário do Casal do Meio «era de planta circular, limitado exteriormente por um espesso muro (cerca de 2,50 m de largura), revestido por grandes blocos ortostáticos de calcário da região, que atingia a altura de 1,20 m e definia um círculo com diâmetro de 11.5 metros : apresentava uma abertura de 1,20 m voltada a E. SE.. esta abertura dava acesso a um estreito corredor com 4,20 m de comprimento que, por sua vez, conduzia a uma câmara funerária central, de planta sub-circular (diâmetro, na base, de 3,3 m), coberta por uma cúpula. Entre o muro exterior e a câmara central havia um corredor circular sem entrada visível. » (13) - «Este monumental sepulcro ... foi objecto de apenas duas inumações. Na zona sudoeste da câmara pôs-se a descoberto um dos esqueletos. O morto fora colocado directamente sobre o solo, em decúbito dorsal, segundo da direcção NO-SE, com a cabeça par SE e a face para o norte e em posição estendida com a perna direita ligeiramente dobrada. Sobre o ombro esquerdo encontrou-se um pente de marfim e, sob o crânio, uma pequena pinça de bronze ao lado de um anel do mesmo metal. Aos pés, jaziam ossos dos membros de, pelo menos, duas cabras e dois carneiros que teriam sido depositados com carne aderente e no contexto de um acto ritual relacionado com o culto dos mortos ; tratar-se--ia, possivelmente «da comida preparada para a viagem do morto para o outro mundo». (Spindler) Na zona noroeste da câmara, sobre uma banqueta de argila, com a altura de 0,25 m, jazia o segundo esqueleto. Deitado sobre o seu lado direito, tinha a cabeça para este, com a face virada par o norte, e encontrava-se em posição contraída, com Chamadas de Rodapé (Cont.) as pernas e os braços flectidos. Junto do seu ombro esquerdo repousava uma pinça de bronze; na região do crânio, uma fibula também de bronze e, sobre a bacia, um fecho de cinturão. Faziam ainda parte do mobiliário funerário dois recipientes de cerâmica : um, bicónio, de fundo plano, com a altura de 390 mm, apresenta, na zona do bojo, como decoração, restos de retícula brunida; o outro é uma taça carenada e de fundo externo ligeiramente côncavo» (14) - «A fíbula, a pinça, o pente - surgem representados em estelas do Bronze Final descobertas no Sul do País, associados a figuras de guerreiro... ... As estelas ... colocadas verticalmente no solo, comportavam valor emblemático e serviam de referência às sepulturas de grandes personagens, desenvolveram-se durante um periodo compreendido entre os inícios do séc. X e os

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inícios do do séc. VII a.C., portanto em uma fase sensivelmente contemporânea da construção e utilização, como sepulcro, do monumento da Roça do Casal do Meio" . Idade do Ferro O Castelo dos Mouros, junto ao Casal do Bispo, a norte do Alto do Formozinho, elevação de acesso difícil que evidencia a situação instável do periodo de impacte entre as forças romanas e as populações indígenas , tem fornecido por prospecção de superfície, materiais cerâmicos dos finais da Idade do Ferro, muito semelhantes aos da ocupação do séc. I a.C. Peças indígenas produzidas ao torno e fragmentos (lábios) de ânforas itálicas do periodo republicano. A primeira referência que se conhece chamando a atenção para este "castelo", é um artigo do Padre Vicente Dias de Campos, prior de São Lourenço, inserido, em 1758, no Dicionário Geográfico - da Torre do Tombo - que diz o seguinte : « ... no sítio do casal do Bispo, que fica perto das aldeias, se acha demolido hum castelo que dizem ser do tempo dos mouros sem nome e outro na serra chamado castelo de Levide também demolido» .

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Joaquim Rasteiro na sua informação ao "Arqueólogo Português" escreveu que: «nunca encontrei cousa que desse notícia de estação humana nos tempos mais desviados como fragmentos de barro, qualquer instrumento de sílex ou objectos semelhantes» O Padre Manuel Frango de Sousa, actual Pároco de São Lourenço e de São Simão, que tem feito imensas prospecções no local, tem referenciado algumas peças encontradas quer por si, quer por Escuteiros, quer, ainda, por moradores das cercanias. Destaca os seguintes achados : uma espada- ferramenta de cobre, certamente Celta; um anel de ouro; e muitos fragmentos de cerâmica . Colonização Romana Os vestígios da ocupação romana no perímetro da Arrábida estão distribuídos por duas zonas geográficamente bem diferenciadas, uma, corresponde a uma área essencialmente agrícola, junto a Vila Nogueira, no Painel das Almas, outra no Creiro, de salga de peixe. Pelos vestígios encontrados, (15) tudo indica que o casal agrícola do Painel das Almas, tinha uma certa importância no tempo dos romanos. Posteriormente, teria sido destruído pela ocupação árabe. Reconquistado o território, a quinta voltaria a ter actividade agrícola. Dela se falará mais tarde, quando se tratar da génese de Vila Nogueira. ______________________________________________________________ (15) - Joaquim Rasteiro em 1893/4 escreveu um artigo que foi publicado no "Arqueólogo Português" Jan/Fev. 1897 onde diz o seguinte : " tenho tido e visto muito mais moedas romanas encontradas em redor de Vila Nogueira de Azeitão ... A sueste do mosteiro domínico de Santa Maria da Piedade, num sítio chamado Painel Chamadas de Rodapé (Cont.) das Almas, descobriram-se ... algumas sepulturas com vasos de barro: isto seria por 1840, mas tudo foi perdido ... ... na estrada do Hospício, as águas do passado inverno (1894) fizeram-lhe umas escavações, em que vi grandes pedaços de telha, do género imbrex ... conservo dois tijolos perfeitos: têm a forma de quarto de círculo, dos empregados na fabricação de colunas cilíndricas: medem 0,21 m de raio por 0,05 de espessura. " O Padre Manuel Frango de Sousa, em Julho de 1988, em "Azeitão - A Nossa Terra" sobre os seus achados no painel das Almas escreve : - "(...) das pesquizas de superfície encontrei : Pesos de tear ; parte de uma mó manual ; tres tijolos (iguais aos achados por J. Rasteiro) ; pedaços de peças de

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cerâmica de uso doméstico, desde dólios (talhas grandes) a ânforas e de peças finas, importadas, talvez, da Itália ..." Mais à frente relata que : " alertado para trabalhos que se faziam na Rua do Hospício, perto do Painel das Almas, viu numa vala, um pequeno tanque (0,90x1,80x0,90) rebocado a "opus" fino, várias estruturas de muro e um chão de opus que pode ser chão de casa ou de pátio ... " Também neste local - ou perto dele - foram encontradas moedas romanas, especialmente do século IV (Imperadores Graciano, Teodósio, Valentiniano, Arcádio, e Honório) "(...) o que não deve interpretar-se por trazidas para aqui e perdidas, com a aparência que à interpretação dá o facto de não aparecer por aqui pov. romana ... " O Padre Cardoso fundando-se na autoridade de Manuel Severim de Faria, fala de povoações romanas situadas nas faldas da Serra da Arrábida, cuja existência merecem alguma reserva, aos demais estudiosos. Diz o Padre Cardoso que : "(...) no sítio onde se fundou o actual convento dos franciscanos se descobriram ruínas de um Templo de Apolo e que na vertente da serra, onde hoje é a Torre do Outão houve outro dedicado a Neptuno ... onde nas escavações para os seus alicerces se achou um pedaço de uma estátua de

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mármore com versos em louvor de Neptuno ... e nas ruínas de um edifício próximo, achou-se uma estátua de metal ... muitas arquitraves, colunas e pedras com inscrições latinas , em que se dava àquele sítio o nome de Promontório de Neptuno... acharam-se, ainda, várias medalhas com o nome de Vespasiano e Tito ... As medalhas e as estátuas foram entregues pelo superintendente das obras Manuel da Silva Mascarenhas, ao Arcebispo de Braga, D. Pedro de Alencastre ... " Quanto ao Creiro, na Arrábida, junto ao actual parque de estacionamento, estão patentes as ruínas de uma fábrica de salga de peixe. Das escavações efectuadas transparecem ser as ruínas de uma "salga" dos séculos I e II da nossa era. Desde o século XIX que eram conhecidas estas ruínas, tendo sido achadas em 1968, uma centena de metros acima do local, uma ânfora de barro, com moedas de cobre, do tempo do Imperador romano Honório.

CAPÍTULO

III

FREGUESIA DE

SÃO SIMÃO DE AZEITÃO

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GÉNESES Feita a "pré-história de Azeitão", alicerçada na toponímia e na arqueologia, entra-se na "história", fazendo-se uma breve e simplista ligação entre o primeiro e o segundo periodo, de forma a se poder entender a formação da identidade do Chão e Povo de Azeitão, ainda como um todo : As origens das Aldeias mais antigas de Azeitão perdem-se na noite dos tempos. Atribuiem-na aos Sarriospovos que traficavam com os Fenícios na graã do carrasco, um insecto que se alimenta da baga desse arbusto, o qual, foi utilizado pela primeira vez, pelos Fenícios, no fabrico de tinta de púrpura, destinada essencialmente para a coloração de tecidos. Muito mais tarde, já no tempo da reconquista, houve notáveis propriedades fidalgas, algumas delas, do século XIII, providas de torres, o que também se gravou na toponímia, que é de resto o seu quase único vestígio. A este respeito, refere-se Joaquim Rasteiro dizendo : "(...) no lugar onde partilhavam os concelhos de Sesimbra e Palmela (Partilha anterior à constituição do Termo e do Concelho de Azeitáo) há uma quinta, cabeço de um morgado ... chamado Quinta da Torre ... Um documento autêntico de 1434, fazendo a delimitação dos velhos concelhos de Sesimbra e Palmela, diz : "daqui se vai direitamente águas vertente pela serra a fundo ter à Torre que foi de Afonso Lobo e aí está um marco ao pé da torre do poente" . Mais tarde os senhores do morgado levantaram uma casa grande mas sem nobreza de formas, no mesmo lugar, e o marco a que o documento se refere, ficou no meio da cozinha, servindio de pé a uma mesa , Das palavras "pela serra ao fundo" poderá depreender-se que a torre seria na planície, ou no vale ; mas não ; a torre era na quebrada que formam os Montes hoje chamados de São Franciso e de Santo Ovídeo. Noutro documento do mesmo século, concretamente de 1297, lê-se que " (...) Lourenço Diniz, morador em Lisboa e com quinta em Azeitão, emprestou dinheiro a Branca dos Reis, em Azeitão, para adubar as suas as vinhas do Ribatejo . (Testamento de L. Diniz . T.T.) É também certo que em fins do século XIV, vivia na quinta de Azeitão, no sítio onde hoje se chama Bacalhoa, um guarda-mór das matas reais de Azeitão, e por volta de 1430 (século XV) um documento de arrendamento do prior de Azeitão, imposto sobre algumas das suas propriedades, só refere vinhas nas zonas das Aldeias e em Alevide, (Alvide) que desde há muito se chama Picheleiros .

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Na verdade, nesse tempo, anterior à colonização dos "caramelos" as baixas eram pântanos, as areias eram matas, os barros de Azeitão à Baixa de Palmela eram hortas, pomares e vinhas, aproveitando-se as terras mais altas e secas para semeadura. E se assim era, não restam dúvidas de que as zonas mais propícias à instalação de núcleos populacionais, após a Reconquista e consequente estabilidade do reino, eram as terras de Almada, Azeitão e Baixa de Palmela, afinal, as mesmas que mais tarde foram ocupadas pela nobreza e fidalguia . Esta nossa meia encosta de Azeitão era nessa altura, e ainda mais do que é hoje, uma zona de excepção. Pela sua altitude e consequente pressão atmosférica, por se situar ao sul duma planície florestal, recebendo oxigénio em profusão, transportado pelos ventos do norte e ainda, pelas suas abundantes nascentes de água, era e é, um sítio ameno , fresco e agradável , propício por isso à implantação humana. "Apesar das incursões árabes, incursões essas, que muitas vezes dispersaram os povos, nada nos impede de concluir que os habitantes da região de Azeitão, pelos meados do século XIV, fossem os descendentes dos povoados trazidos por Dom Bernardo Mendes, e que os Moradores de Sesimbra fossem os descendentes dos franceses a quem D. Sancho I concedeu regalias, depois de a alguns deles ter dado Sesimbra ... " (Padre Manuel F. Sousa) Por serem povos diferentes, por Azeitão ser terra mimosa e povoada "de muitas companhas boas" e principalmente por Sesimbra ser cabeça de concelho e a sede do poder e da justiça, a relação não era amistosa, antes pelo contrário, bastante conflituosa. Por estas circunstâncias e ainda pelas imposições de índole comercial, quando se apresentaram condições propícias, o povo de Azeitão aproveitou-as da melhor maneira, conseguindo, com bastante dificuldade e sacrifício a sua independência religiosa e administrativa em relação a Sesimbra, contribuindo para tal dois factos capitais, que também se viriam a reflectir no futuro das terras de São Simão : - A visita a Aldeia Nogueira, do Bispo de Lisboa, Dom Vasco Martins, em 19 de Julho de 1344 : - A aquisição , pela família real de uma quinta junto à aldeia . Porque ambos os factos históricos tiveram amplo desenvolvimento nos "Subsídios" referentes a São Lourenço, aqui, somente os abordarei de forma muito resumida : - Quando, em 19 de Julho de 1344, o Bispo de Lisboa, Dom Vasco Martins, fazia uma visita pastoral a Azeitão, os povos da região queixaram-se das dificuldades sentidas para cumprir os deveres religiosos, por Sesimbra

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ficar algumas léguas distante. Por isso diziam que "acontece muitas vezes que morrem alguns do dito logo sem confesso, sem comunhão e sem baptismo e sem outros sacramentos que devem haver os fiéis de Deus..." É muito provável que na região de Azeitão houvesse um lugar de culto, porém os actos oficiais, missa dominical (obrigatória), sacramentos, funerais, tinham de ser feitos em Sesimbra, que na altura eram um pequeno povoado dentro e junto às muralhas do castelo, que era a sede da freguesia . Entendeu o Bispo que a queixa era justa e deu a necessária autorização para a construção de uma igreja em Azeitão, onde se fizessem os actos religiosos oficiais. Tendo em atenção a vontade do Mestre de Santiago, Dom Garcia Pires, já com interesses económicos em Aldeia Nogueira, esta foi mandada aqui construir . Esta decisão do Bispo em 1344, foi o primeiro e fundamental acto para que Azeitão fosse o que foi e o que é. "Pode considerar-se esta autorização como o «1º Foral religioso» , do qual adveio relevantes consequências civis ". O «2º Foral religioso», viria em 1350, sendo já Bispo de Lisboa, Dom Teobaldo e tendo já deixado de ser Mestre da Ordem de Santiago Dom Garcia Pires. Nessa altura, a igreja estava ainda por acabar porque "algumas pessoas contra Deus e suas consciências em grande dano e perigo de suas almas põem aí embargo" e o referido Bispo, através dos seus representantes manda que "dois homens bons e boa consciência e suficientes par isto, e um que seja escrivão ... procurem todos os direitos ... para se fazer acabar a dita igreja ... e façam acabar ... e isto não seja embargado por nenhuma pessoa sem razão ... e ... a todos aqueles que isto fizerem embargar ... pomos ... sentença de excumunhão . Da segunda circunstância, a do estabelecimento, em Azeitão, de uma quinta para a família real, da qual - segundo tudo indica - viria a "nascer" a própria Aldeia da Nogueira - teria havido, igualmente, consequências fundamentais e complementares : as de foro administrativo. Sabe-se que, quer antes, quer depois, do estabelecimento de Dona Constança Manuel, mulher do Rei Dom Pedro I , na Quinta da Nogueira, o termo de Azeitão, tinha sido contemplado com cartas de privilégios, passadas por corregedores e monarcas. Ao todo, 24 cartas, de 1274 a 1401. Dos Reis, Dom Afonso III que cria o Limite de Azeitão em 1274, e o confirma em 1293 , passando por Dom Pedro I, (1360) e Dom João I que em 1380 lhe concede o Foral (e o confirma dez anos mais tarde) até ao rei Dom Manuel I , 22 cartas de privilégios foram concedidas : dando, confirmando ou defendendo prerrogativas, ou mesmo, dispensando o cumprimento de posturas, oriundas do Concelho de Sesimbra. Em breve resenha, alguns desses privilégios :

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De 1310 "Dom Dinis pella graça de Deus Rey de Portugal e do Algarve a vos concelho dessetúval saud. Sabede que Dom Diego munis mestre da cavalaria da ordem de santiago me disse qe vos posestes notta postura que o vinho de sesimbra e dazeitom que o no t.vuessem a vender hy assetuval senom aquelles que hy t.vuessem p mar E que disto vos dey minha carta ... Tenho por bem que a dita postura que posestes sobre esto que nom valha se ao Mestre no puger. E que os de sesimbra e dazeitom tragam hy a vender seus vinhos ... " Azeitom, era, já naquele tempo, um termo que ia de "água de Oleiros ao termo de Palmela" (Cabanas) 1364 A 7 de Outubro de 1364, o Rei Dom Pedro I expediu de Trancoso Outubro uma importante carta, na qual autorizava o comércio e venda de viveres em Azeitão, desobrigando os produtores de irem obrigatóoriamente a Sesimbra vendê-los . Com esta carta de privilégios, procedeu-se à independência económica de Azeitão em relação a Sesimbra. Deu-se assim, mais um passo importante para a formação da identidade azeitonense. Por toda esta importância, e porque dela também resultou benefícios directos para as gentes e que moravam e labutavam da "aldeia do Boi anté ás terras de Martinho Pires Palhavã e destas á Torre e Val d'Al Cube" se transcreve no essencial : "(...) Dom Pedro, pela Graça de Deus, Rei de Portugal ... a vós juizes de Sezimbra saúde. Sabede que Antam Garcia proveedor dos bens da capela da Iffante Dona Costança (mulher do próprio rei) me disse que na aldea da Nogueira que há em termo dessa villa ouve de sempre e há ora carniceiros e paadeiras e vinhateiros e pescadeiras que vendiam que vendiam e vendem viandas aos moradores na dita aldea e aos que lavram e moram nas herdades que som a par dessa aldea e às outras companhas que hí chegam, e que ora novamente vós e outros homens poderosos que há em essa comarca queredes tirar da dita aldea esses carniceiros e paadeiras e vinhateiros e e pescadeiras e mandades que vãao levar e vender essas cousas a outros lugares do que diz que se

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seguia aos moradores da dita aldea e aos caseiros da dita capella gram dãnno e que as herdades da dita capella renderiam porém muito menos do que ora rendem e que fosse minha mercê e aver a ello remédio. E eu vendo o que assi dizia teno por bem e mando que na dicta aldea da Nogueira aia carniceiros e paadeiras e vinhateiros e pescadeiras pella guiza que os hi a attaa qui ouve e nom constraguedes nem mandedes constranger aquelles qui hi dello quiserem husar que levem essas cousas nem as vãao vender a outros lugares nem sofrades a outro nenhum que que os para ello constraga e mando que as cousas sobre dictas seiam vendidas em um lugar certo dessa aldea sob huum alpendre que o dicto proveedor diz que para ello dará na herdade da dicta capella unde al nom façades . dante em Trancoso 7 dias de outubro El Rei o mandou ... era de mil IIIIc e dous annos " (Por rectificação do calendário da Era de César para o Gregoriano, tiram-se 38 anos à era, dando, segundo a contagem de agora que 1402 corresponde a 1364 ). Novamente Dom Pedro I , por carta régia de 10 de Abril de 1365 (era de César 1403) concede aos habitantes da quinta da Nogueira , "dispensa de de hoste, fossado, galés e frota, e de velarem em Sesimbra, e que fiquem isentos de pagar se a justiça lhes não for feita em tempo devido , e concede a todos os habitantes de Oleiros à Torre (Cabanas) e da Serra de Azeitão a Coina-a-Nova um juiz que julgue às Terças-feiras e até à quantia de três libras e ainda possam ter porteiros (cobrador de direitos reais ; pregoeiro dos leilões judiciais) e almotaceis (Inspector de pesos e medidas, que taxava os preços dos géneros alimentícios) e também que possam fazer mercado de carne, pão e vinho e pescado (Açougue) . O rei Dom Fernando, por sua vez dispensa os moradores da quinta de irem a Sesimbra fazer mercado e avisa os de lá que não os obriguem. Dá ainda, ao juiz, o direito de julgar até dez libras e que a sua jurisdição se alargue até à Azenha da Ordem .

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Dom João I , confirma todos estes privilégios e determina que o juiz possa julgar até 50 libras . Quer os privilégios concedidos pelos monarcas aos criados, foreiros e rendeiros das suas terras e quintas em Azeitão, quer aqueles que, por extensão, acabaram por beneficiar toda a população desde "a água de Oleiros à Torre, limite de Palmela (Cabanas) e, da serra das portelas até à Azenha da Ordem " , obviamente. tiveram repercursão em terras de São Simão . Em conclusão : indubitavelmente, seriam os supra citados "Forais" religiosos, conjuntamente com as referidas cartas régias, os documentos fundamentais, para a efectiva independência religiosa de Azeitão, em relação a Sesimbra e a consequênte autonomia administrativa. No que se refere aos reflexos que eles tiveram em terras de São Simão, estamos crentes de que, sem estas autonomias para o Termo de Azeitão, muito dificilmente se poderia ter fundado, mais tarde, a paróquia e a consequente freguesia do mesmo nome. Eis, porque é fundamental, para o conhecimento da história da Freguesia de São Simão de Azeitão, conhecer antecipadamente a chamada, "pré-historia" de Azeitão, pelo menos, no periodo em que os seus destinos correram em paralelo. Posto isto, entre-se na história da Freguesia de São Simão :

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FUNDAÇÃO

DA IGREJA E DA PARÓQUIA

DE SÃO SIMÃO DE AZEITÃO SÍNTESE HISTÓRICA De um relato da Visitação, feito em 1781, a mandado do Bispo de Lisboa, à paróquia de São Simão lê-se o seguinte : "(...) Da cópia de uma provisão que vi no cartório desta Igreja se conhece ser a sua antiguidade desde 1570 em que o Senhor Rei Dom Sebastião, em atenção aos incómodos que lhe representaram os moradores desta vila pela distância que havia da de São Lourenço, sita em Aldeia da Nogueira que então era freguesia de todas estas aldeias, ordenando o mesmo sereníssimo que da capela filial fosse elevada a Paróquia Matriz da outra freguesia de São Lourenço próxima , e o Senhor Rei Dom José a condecorou fazendo que de vila Freixe ficasse em Vila Fresca, pondo-lhe Juiz de fora e câmara, ficando o povo obrigado a fazer côngrua ao seu reverendo pároco e a levar e paramentar a Igreja ... " De facto, assim foi ! Contudo, será necessário recuar no tempo e responder a algumas interrogações que a transcrição supra nos sugere, assim como transcrever os principais documentos em que assentam os três factos históricos : - A Construção da Igreja de São Simão, em Vila Fresca ; - A Fundação da Paróquia de São Simão ; - A Fundação da Freguesia de São Simão de Azeitão . Comecemos por responder às interrogações :

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ORIGEM DO NOME DA FREGUESIA

Para se obter uma resposta sobre as razões que presidiram à escolha do Apóstolo São Simão - o Cananeu - para Orago da nossa freguesia, teremos que nos consubstanciar nos poucos indícios documentais disponíveis, entre os quais se devem referir os que se detectaram nos seguintes documentos: - Relatórios de Visitações da Ordem de Santiago; - Testamento de Afonso Brás de Albuquerque; - Enciclopédia Geográfica; - Textos de Oliveira Parreira . A saber: Do "Relatório da Visitação da Ordem de Santiago, em 1516, à Capela de São Simão, em Vila Fresca (aldeia) ."

"(...) Visitámos a dita ermida a qual tem na capela um altar de alvenaria forrado de azulejo e assim o assento debaixo também forrado; e encima do dito altar está a imagem de São Simão a qual é de pau... Achamos por informação de algumas pessoas que a dita ermida era tão antiga que não há memória de quem a fundou ou edificou de novo..."

Mais tarde, em 1553: Do " Relatório da Visitação da Ordem de Santiago à Ermida de São Simão, situada em Azeitão junto à Quinta de Afonso Brás de Albuquerque"

"(...) A Ermida tem um altar de alvenaria ... sobre ele um retábulo de madeira de bordo em preto de um painel e no meio a imagem de São Simão a ele arrimada de vulto de madeira, cujo orago é a Ermida ..." No testamento de Afonso Brás de Albuquerque há também uma referência sobre a intenção religiosa que o motivou a mandar construir a Igreja de São Simão, em Vila Fresca : "(...) Como o culto de São Simão está muito esquecido determino a construção desta igreja, com destino à Paróquia ... porque sempre foi minha

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vontade de acrescentar e aumentar o serviço do Senhor Deus e honra de São Simão que tão esquecido estava para efeito do qual mandei fazer a dita Igreja com muito gosto e contentamento ..." Quanto ao texto sobre a Freguesia de São Simão contido na Enciclopédia Geográfica, ficamos a saber que na nossa terra, o culto a São Simão remonta provavelmente ao século XII : Diz a Enciclopédia : "(...) Em traços largos, pode resumir-se a história desta freguesia em um povoamento pré-histórico... e repovoamento pela Ordem de Santiago que funda a Igreja de São Simão (séc. XII - XIV), razão por que a freguesia foi curato da Ordem, o que é indício, como o orago, etc, de antiguidade. Repovoamento esse já por certo iniciado por D. Sancho I na carta de foral de 1201 "vobis populatoribus de Sisimbria" e seu termo, o qual englobava de certo Azeitão..." Sobre o assunto diz, o ilustre Azeitonense, A. M. Oliveira Parreira : "(...) A Igreja de São Simão foi construida no local onde havia uma capela destinada a São Simão, onde em tempos muito anteriores concorriam romarias de diversos pontos..." Em face destes elementos (e de outros também consultados) e, sem especular, poderemos deduzir que o culto a São Simão, Apóstolo, era prestado desde tempos imemoriais por terras de Vila Fresca e arredores, e que esse culto estava de tal forma arreigado no povo que conseguiu sobreviver e ultrapassar alguns acidentes de percurso. Cabe aqui dar algumas breves referências sobre o Apóstolo São Simão, o Cananeu : São Simão, Apóstolo, tem no seio da Igreja Católica um lugar relevante. Foi um dos companheiros de jornada de Jesus Cristo e por ser natural de Canãa, chamavam-lhe o "Cananeu". Diz a tradição que morreu mártir, na Pérsia, ao serviço do Apostolado e da Evangelização e, que o instrumento do seu martírio foi o serrote. Uma célebre pintura de Rubens, executada para o Duque de Lerna - entre 1612 e 1613 - que se encontra no Museu do Prado, em Madrid, apresenta São Simão, tendo na mão esquerda as Sagradas Escrituras, pousadas - na vertical - sobre o seu instrumento de suplício, um serrote utilizado pelos carrascos.

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Também, uma imponente escultura, em pedra, representando a figura

de São Simão, Apóstolo, que se encontra no interior do Convento de Mafra, apresenta o nosso Orago com a mão pousada sobre um serrote. É a imagem mais grandiosa que conheço configurando São Simão. De notar que a Imagem de São Simão, que está na Igreja de seu nome, em Vila Fresca de Azeitão, está serrada ao meio, sendo por encaixe que ela se complementa. Da Bíblia : "Marcos: 3.13 - E subiu (Cristo) a um monte e convocou os que quis, e eles foram ter com ele. 14. - e formou (um grupo de) doze, aos quais chamou também de "apóstolos" para que continuassem com ele e para que pudessem enviá-los a pregar. 15. - e a ter autoridade para expulsar os demónios. 16. - e os dos doze que formou eram Simão, a quem deu o sobrenome de Pedro. 17. - e Tiago o (filho) de Zebedeu, e João, irmão de Tiago, aos quais deu o nome de Boaherges, isto é, filhos do Trovão. 18. - e André, e Filipe, e Bartolomeu, e Mateus, e Tomé, e Tiago (filho) de Alfeu, e Tadeu, e Simão, o Cananita. 19. - e Judas Iscariotes que mais tarde o traiu" Como pormenor, acrescento que S. Lucas chama "Zelote" a São Simão, para indicar que este tinha um temperamento ardente.

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1570

FUNDAÇÃO DA PARÓQUIA DE SÃO SIMÃO DE AZEITÃO

CONSTITUIÇÃO DA FREGUESIA DE SÃO SIMÃO DE AZEITÃO

Pode-se considerar a data de 9 de Julho de 1570, dia em que é lavrada a "Escritura de Obrigação para a reedificação da Capela de São Simão, em Vila Fresca", para que esta se tornasse Sede de uma nova Paróquia, como a data, não só do início do processo da nossa separação da Paróquia de São Lourenço - onde estávamos integrados - como também, a de se iniciar, em paralelo, o processo de constituição de uma nova freguesia. De facto, nesse "instrumento de obrigação" Afonso Brás de Albuquerque e os fidalgos seus vizinhos, já se denominando a eles próprios "fregueses" comprometem-se - entre outras obrigações a: (...) por este público instrumento se obrigam e de facto logo se obrigaram deste dia para todo o sempre por si e seus bens de proverem a dita Igreja e Freguesia de todos os instrumentos necessários ..." •••• Dos documentos que tenho conhecimento sobre a fundação da

Paróquia de São Simão de Azeitão, ou sobre a constituição da nossa freguesia, é na "Escritura de Obrigação" supra citada, que se me aparece manifestada pela primeira vez, não só a intenção, de se constituir freguesia, como também - já em antecipação - o próprio reconhecimento dos signatários, da sua condição de "fregueses de São Simão". Facto, que só seria oficialmente formalizado por Escritura d'Obrigação dos Fregueses da Igreja de São Simão, "aos sete dias do mês de Agosto do ano presente (1570) no tabalião João Rodrigues da vila de Sesimbra" e, - posteriormente - reconhecido por D. Sebastião em carta datada de 26 de Setembro de 1570.

A este respeito, o actual Pároco de São Simão, Padre Manuel Frango de Sousa, o maior estudioso das coisas de Azeitão, diz o seguinte, na introdução e de um seu trabalho sobre a fundação da Paróquia e Freguesia de São Simão :

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"Apresentando, por motivos, os factos de haver muita gente em São Lourenço e de a Igreja de São Lourenço ficar longe para muitos habitantes da zona leste da paróquia, alguns (se não todos) donos de quintas e alguns habitantes das Aldeias de Camarate, vendas, vila fresca e castanhos, pediram à Ordem de Santiago, na pessoa d'El rei Dom Sebastião, a constituição de uma nova paróquia com sede na capela de São Simão, sita em Vila Fresca de Azeitão, que eles reedificariam e, pela manutenção da qual se responsabilizariam. Também se responsabilizariam pela sustentação do pároco que na paróquia estivesse. Foi-lhes concedido o que pediram" Seguem-se as cópias dos documentos deste processo. (A) - (A) Cópias extraidas pelo Padre Manuel Frango de Sousa, a partir dos documentos originais .

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9 de Julho de 1570

AFONSO BRÁS DE ALBUQUERQUE COMPROMETE-SE A FAZER A IGREJA DE SÃO SIMÃO

"Saibam os que este instrumento de obrigação virem, que no ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e setenta, aos nove dias do mês de Julho, em Azeitão, termo da vila de Sesimbra em a Quinta do Senhor Afonso de Albuquerque, do conselho d'El Rei Nosso Senhor, estando ele aí e os senhores Dom António de Menezes, Álvaro de Sousa, Dom Álvaro de Melo, André de Albuquerque, Rodrigo ... , Jorge de Melo, e assim mais estando presentes Afonso Leitão, juiz ordinário e Pedro ... , Jorge de Paiva, Fernão Martins, Cristóvão Dias, Diogo Gonçalves, Francisco Martins, Baltazar Fernandes, Francisco Pires, Diogo Fernandes, Simão Dias, Lourenço do Couto, António Gonçalves, Manuel Fernandes, Diogo Fernandes, António Dias, Pedro Anes, Brás Pires, Gonçalo Jorge, Bastião Velho, e os mais fregueses desta freguesia.... com a ajuda de Nosso Senhor ora se quer fazer da invocação do benaventurado São Simão, abaixo nesta nota assinados, moradores na Aldeia dos Castanhos, Vila Freixe, quinta, Vendas, Aldeia de Pinheiros, Camarate, Arneiros, Alcube, logo ... ditos senhores e mais povo foi dito que eles tinham pedido a El Rei Nosso Senhor uma petição por todos assinadas que lhe quisesse dar licença para erigir a dita Igreja de São Simão pelas causas na dita petição alegadas e porque era necessário para isto obrigação pública conforme ao despacho da Mesa da Consciência, e logo por eles todos foi dito em presença de mim tabalião e das testemunhas adiante escritas que eles por este público instrumento se obrigam e de facto logo se obrigaram deste dia para todo o sempre por si e seus bens de proverem a dita Igreja e Freguesia de todos os ornamentos necessários para os

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ofícios divinos conforme ao estado da Terra, ele dito Afonso de Albuquerque se obriga a fazer a dita Igreja à sua custa e a dar perfeita e acabada de todo e de a sustentar no estado em que for acabada, que sendo caso que a dita Igreja caia, o que Nosso Senhor não permita, ou tendo em diante algum danificamento, que ele se obriga por este público instrumento por si e todos os seus bens e herdeiros de a tornar a reedificar sem os mais fregueses serem obrigados mais que a fábrica dela e por isso disse que hipotecava e de facto hipotecou esta sua quinta de Azeitão e os rendimentos dela em seu nome e de todos os seus herdeiros que depois ele vierem e para todos cumprirem e disseram os ditos fregueses que obrigavam seus bens e os senhores os seus a tudo cumprirem o contido nesta escritura : em testemunho de verdade assim outorgaram e dela mandaram ser feito este instrumento de obrigação: testemunhas que foram presentes Pantalião Vieira e Pedro do Vale criados do Senhor Afonso de Albuquerque e Ba... deira criado do Senhor Dom António de Menezes, moradores neste Azei... Rodrigues tabalião que o escrevi o qual treslado e instrumento de obrigação eu dito João Rodrigues público tabalião na vila de Sesimbra e seus termos pelo Duque de Aveiro nosso Senhor trasladei do próprio que fica em minha nota e com ele concertei, e aqui meu público sinal fiz, que tal é. (Segue-se o sinal público)

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7 de Agosto de 1570

ESCRITURA D'OBRIGAÇÃO DOS FREGUESES DA IGREJA DE SÃO SIMÃO

"Em nome de Deus amen. saibam os que este instrumento d'obrigação virem, que no ano do nascimento de Nosso senhor Jesus Cristo, de mil quinhentos e setenta anos, aos sete dias do mês de Agosto, em Azeitão, termo da vila de Sesimbra, em presença de mim tabalião e das testemunhas adiante escritas sendo presente o Senhor Afonso de Albuquerque, do conselho d'El Rei nosso Senhor, e o senhor Dom Álvaro de Melo e o senhor Dom António de Menezes, e o senhor André de Albuquerque e o senhor Álvaro de Sousa e o senhor Jorge de Melo e o senhor Rodrigo de Moura e bem assim Jorge de Paiva, Afonso Leitão, Cristóvão Dias, Bastião Velho, João de Bouro, Fernão Dias, Pero Fernandes, Brás Pires, Domingos Gonçalves, Gonçalo Jorge, Baltazar Fernandes, Francisco Pires, Pero Anes, Simão Dias, Rodrigo Afonso, Domingos Gonçalves, Francisco Martins, António Gonçalves, António Fernandes, António Dias, Tomé Gonçalves, André Fernandes, Amador Rodrigues, Aleixo Teixeira, Avil Azedo, Bartolomeu Gomes, Diogo Fernandes, Brás Gomes,

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Gonçalo Martins, João Fernandes, António Gomes, Pero Fernandes, seu genro, o monteiro Afonso Fernandes, Gonçalo Fernandes, Afonso Durão, António Vaz, António Brás, Domingos Gonçalves, Afonso Fernandes, Pero Fernandes, Marcos Jorge, Álvaro Gonçalves, Francisco Fernandes, Pero Gonçalves, Belchior Lopes, Gonçalo Fernandes, Bartolomeu Vaz, Diogo Fernandes, João Gonçalves, Pero Sanches, Belchior Gonçalves, António Nunes, Manuel Fernandes, Diogo Lopes, Afonso Fernandes, Diogo Fernandes, Fernão Dias, António Gonçalves, Amaro Rodrigues, Diogo Martins, Pero Martins, e os mais que ora querem ser fregueses da freguesia de São Simão, moradores nas aldeias de Camarate, Aldeia dos Pinheiros, Vendas, Quinta, Vila Freixhe, Aldeia dos Castanhos, Alcube, Arneiros, estando todos juntos os ditos senhores e os mais moradores acima nomeados das Aldeias sobre ditas e os mais nesta nota assinados, por todos juntamente e cada um por si foi dito em presença de mim tabalião e das testemunhas abaixo nomeadas que eles se obrigavam e de facto logo obrigaram por este público instrumento de obrigação a dar em cada um ano ao padre que estiver por cura na Igreja de São Simão que ora se quer fazer em freguesia convém a saber que os que lavradores forem um alqueire e meio de trigo e um almude de vinho e os que lavradores não forem um almude de vinho e três vintens em dinheiro, que é o custumado que eles antigamente soem a dar, somente para mantimento do dito cura que na dita Igreja houver de estar, e para todo cumprirem e manterem, por si disseram que obrigavam e de facto obrigaram seus bens móveis e de raiz e de seus herdeiros que depois deles vierem, e em testemunho de verdade assim o outorgaram e dele mandaram ser feito este instrumento de obrigação, testemunhas que foram presentes. E os que vinho nem trigo não tiverem se obrigam a darem um tostão como eram obrigados a pagar ao cura de São Lourenço. Testemunhas que foram presentes Francisco de Barros e Onofre de Barros e Pantaleão Vieira, criados do dito Afonso de Albuquerque: declararam mais os ditos

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fregueses que o clérigo que lhe houver de ministrar o Santíssimo Sacramento que eles o não hão-de apresentar em nenhum tempo do mundo, nem o Mestre nem o Ordinário entenderão nisso, senão livremente eles senhores o apresentarão como o apresentavam em São Lourenço donde eram fregueses, e com esta declaração se entendera esta obrigação. Testemunhas os sobreditos. João Rodrigues tabalião que o escrevi. O qual treslado de obrigação eu Luis Vicente, tabalião do público judicial e notas na vila de Sesimbra e seu termo e neste limite de Azeitão, pela Excelente Senhora Duquesa Ana Maria Manrique de Lara, como administradora e governadora do estado do Excelente senhor Dom Raimundo, seu filho, Duque de Torres Novas, nosso senhor tresladei da própria nota que fica em meu poder a que me reporto em tudo e por todo, e aqui me assinei de meu público sinal que tal é. ( segue-se o sinal)

24 de Setembro de 1570

ESCRITURA DO COMPROMISSO

DE MANUTENÇÃO DO PÁROCO DE SÃO SIMÃO " Saibam os que este estromento de obrigação virem que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e setenta annos, aos vinte e quatro dias

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do mês de Setembro, em Azeitão, termo da villa de Cezimbra, nas casas de morada de Dom Álvaro de Mello, sobrinho de ELL REI, nosso senhor, em presença de mim tabalião e das testemunhas abaixo nomeadas, sendo presente o dito Dom Álvaro e Dom António de Menezes, e Affonso d'Albuquerque, por elles juntamente foi dito que elles com os moradores d'Aldeia de Vila Freixo e dos Castanhos, das Vendas e Camarate, Pinheiros, Alcube e Arneiros tinham feito hua obrigaçam que eu tabalião fiz para se presentar a ELL REI , nosso senhor, em que se obrigavam todos a dar certa pençam para hum cura, que lhe ministrasse os sacramentos na Igreja nova de Sam Symão que novamente fezeram no dito lugar de villa Freyxo, para nela se erguer hua freguesia com licença de Sua Alteza como perpétuo governador do Mestrado de Santiago, como mais largamente vai declarado no dito estromento, a qual pençam que lhe asim nomeavam para o dito cura foi Pam, vinho, dinheiro que antigamente até ora se deu ao cura de Sam Lourenço Freguesia deste limite donde se agora querem apartar : e per que da Meza da Consciencia lhe sayram com despacho, que pençam competente que aviam de dar ao cura, que lhe ministrasse os sacramentos avia de ser dous moyos de trigo e seis mil reis em dinheiro, que era o selayro que estava assentado pella difiniçam da Ordem que se desse aos Beneficiados e porque nestes fruitos, que nomeavam podia pelos tempos vindouros aver alguma deminuiçam, era necessário que os fregueses se obriguem, que sendo caso que no dito tempo ouvesse quebra ao dito selayro pelo modo no outro estromento referido, e não chegasse aos ditos dous moyos de trigo e seis mil reis em dinheiro, que elles se obrigassem a comporem todo o que faltasse ao dito cura. E para satisfaçam do dito despacho elles Dom Álvaro de Mello, Dom António de Menezes, Affonso d'Albuquerque por este público estromento se obrigavam, como logo se obrigaram deste dia para todo o sempre, que sendo cazo que o trigo, vinho e dinheiro que os fregueses se obrigavam a pagar ao dito cura não chegasse a contia dos ditos dous moyos de trigo e seis mil reis em dinheiro, pela

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maneira assim declarada que em tal cazo elles se obrigavam a satisfazer ao dito cura todo o que faltar e para isso diceram que obrigavam todas as suas rendas e fazendas. E se a pençam que tem nomeada do pam, vinho e dinheiro no outro estromento crecer, por serrem fruitos, que elles fazem pura e irrevogável doaçam ao dito cura que lhe ministrar os sacramentos de tudo o que mais crescer; e por sentirem ser asim serviço de nosso Senhor em testemunho de verdade asim o outorgam, e dello mandaram ser feito este estromento de obrigaçam : testemunhas que foram prezentes Pedro de Macedo e Pedro Molho e Ruy Borges, criados do dito Dom Álvaro moradores neste Azeitam ; eu Joham Rodrigues, tabalião que escrevi" (Concordat prout este in instromento publico exceptis omissis)

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26 de Setembro de 1570

CARTA DE LICENÇA D'EL REI DOM SEBASTIÃO

"Carta de Licença para se fazer a Igreja de São Simão, do Limite de Azeitão e os Freguezes dela serem obrigados a fazerem à sua custa e assim à Fábrica e Ornamentos dela e a pagar o Mantimento ao Capelão, na mesma assim declarada " "Dom Sebastião, por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, daquem e dalém mar em África, senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia, servindo como governador e perpétuo administrador que sou da Ordem e cavalaria do Mestrado de Santiago, faço saber aos que esta carta virem que os fregueses da capela de São Simão do limite de Azeitão me enviaram dizer que eles se apartaram da capela de São Lourenço do dito limite por serem já muitos fregueses e lhes ser trabalho irem à dita capela de São Lourenço a ouvir missa e receber os santos sacramentos e ordenarem a dita capela de São Simão e a tinham já principiado para nela terem capelão que lhes diga missa e aí serem sacramentados assim como o eram na dita capela de São Lourenço e a obra da dita capela de São Simão estava embargada e entretida por se fazer e edificar sem minha licença conforme os estatutos da ordem, pedindo-me que lhes desse licença para a fazerem e acabarem à sua custa por quanto eles se tinham obrigado de a fazerem e acabarem e assim a fábrica de ornamentos dela e a darem em cada um ano ao capelão que nela for de mantimentos dois moios de trigo e seis mil reis em dinheiro, apresentando logo dois públicos instrumentos instrumentos por que constou todo o acima declarado feitos por João Rodrigo, tabalião na vila de

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Sesimbra, um aos sete dias do mês de Agosto do ano presente e outro aos vinte e quatro dias de Setembro do dito ano o que tudo visto por mim, sentindo assim por serviço de Deus e bem das almas dos ditos fregueses como por lhes fazer mercê por esta dou licença aos ditos fregueses para fazerem e acabarem à sua custa a dita Igreja e capela de São Simão com tal condição que eles ditos fregueses para sempre obrigados à fábrica e ornamentos, reparação como corregimento da dita Igreja, que pelos visitadores da Ordem lhes for mandado que façam, sem a ordem a coisa alguma das sobreditas terem obrigação agora nem em tempo algum e que o capelão que na dita Igreja tiverem seja pago do dito mantimento à sua custa e será do hábito apresentado por mim conforme a determinação do capítulo geral da dita Ordem e não tendo o hábito lho mandarei para isso lavrar quando se houver de prover e os ditos dois instrumentos de que acima faz menção mandei lançar no cartório do convento de Palmela e esta carta se registará no livro da Câmara de Sesimbra e no fim da visitação da Ordem da Igreja Matriz da dita vila com certidão do escrivão da Câmara de como fora registada. Mando aos visitadores da Ordem como todas as justiças e pessoas a que pertencer que a cumpram inteiramente sem dúvida alguma. Dada em Sintra a 26 de Setembro, António Fernandes a fez. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e setenta. Francisco Coelho a fez escrever. EL REY D. Sebastião

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Em face destes documentos, toma-se conhecimento de todo o processoo da constituição da Paróquia e Freguesia de São Simão de Azeitão, assim como dos compromissos assumidos para com o Pároco. Todavia, estas obrigações foram, com o decorrer do tempo, sofrendo alterações, das quais as principais foram as seguintes : Do relato feito em 1758, pelo Pároco da freguesia, Padre Manuel José de Távora ; "(...) o pároco é capelão colado, com apresentação da Mesa da Consciência e Ordem. Tem de renda, paga pela Comenda de Sesimbra, dez mil reis, um moio de trigo, outro de cevada ; e os fregueses lhe fazem sustentação desta forma : os que fabricam vinho e trigo pagam um alqueire de vinho e alqueire e meio de trigo, e os que têm uma só espécie pagam com ela e três vintens sendo casados ; e os viúvos e solteiros metade ; que uns anos por outros rende três pipas de vinho, meio moio de trigo e doze mil reis em dinheiro ... " A título de avaliação da evolução destes compromissos para com o Pároco, insere-se um trecho do relato da supar citada visitação de 1781 : "(...) Presentemente (a Paróquia) se acha em priorado internamente sujeita à Ordem de Santiago de Espada que apresenta por consenso ao reverendo Prior dela pela Mesa da Consciência e Ordens e lhe confere para sua côngrua três moios de trigo e dois mais de cevada e vinte mil reis em dinheiro ficando por este modo os fregueses desonerados da côngrua que faziam e a que se obrigaram por aquela provisão por o sustento do seu rev. pároco ..."

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Temos assim, testemunho documental da data efectiva da instituição da Freguesia de São Simão de Azeitão e do seu reconhecimento por Carta Régia, assim como das razões fundamentais que motivaram essa fundação. Igualmente, quanto à Igreja e Paróquia, que tomou o nome do Apóstolo de Cristo, Simão, o Cananeu .

CAPÍTULO

IV

A INDEPENDÊNCIA

ADMINISTRATIVA Nota Prévia Novamente, se nos depara a situação, de tratar um assunto referente A São Simão de Azeitão, tendo que o analisar em consonância com o desenvolvimento que o mesmo teve em São Lourenço . O capítulo "A Independência Administrativa da Freguesia de São Simão" (em relação a São Lourenço), obriga a que se trate, em paralelo, a Independência Administrativa de (todo) Azeitão, em relação a Sesimbra .

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São, durante grande parte dos respectivos percursos, assuntos indossociáveis, pelo menos, até ao "cisma administrativo" que separou as duas Freguesias de Azeitão . Autonomia Religiosa e Administrativa Atendendo aos documentos conhecidos, fica-se a saber que, o processo de independência religiosa de Azeitão em relação a Sesimbra, decorreu em paralelo com o da independência administrativa . Conforme já foi referido, Sesimbra, constituía, ao tempo, a cabeça administrativa, judicial e religiosa do Termo com seu nome, onde, Azeitão representava a zona mais próspera. Desta realidade estavam cientes as autoridades de Sesimbra que manifestavam a opinião de que "com a independência de Azeitão, Sesimbra morreria pouco a pouco". Como tal, iam constantemente contrariando os privilégios autonomistas dados pelos Reis, (22 , ao todo) tendo estes que os repetir algumas vezes, de forma a serem respeitados, não evitando, contudo, ocasiões de verdadeiro conflito, nomeadamente quando o Ouvidor da Ordem de Santiago (ainda com sede em Sesimbra) anulou privilégios concedidos por carta régia, argumentando que "os procuradores de Azeitão não apresentaram a carta que diziam ter-lhes sido outorgada por Dom Pedro I . "Uma nova carta de Dom Fernando, confirmando a de seu pai, resolveria a questão a favor de Azeitão, e desde então o termo constituiu uma espécie de concelho filial, mandando vereador à Câmara de Sesimbra e conservando as autoridades locais citadas na carta de Dom Pedro I ".

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Também já se disse - mas é necessário repetir, por necessidade cronológica dos acontecimentos - que depois de confirmar os mais antigos privilégios como o da entrada do vinho de Azeitão em Setúbal, dado por D. Dinis, em 1310 e, os referentes ao foro religioso, vieram as cartas de privilégio concedidos por D. Pedro I, de índole administrativa, militar e judicial, que abrangiam, no princípio, somente os moradores na Quinta de Dona Constança e, posteriormente, extravasando para os que moravam "de Oleiros à Torre (Cabanas) e, da Serra de Azeitão a Coina-a-Nova". Mais tarde, novos privilégios concedidos por D. Fernando I, autorizando autoridades fiscais e confirmando a autorização para a actividade comercial e, finalmente as cartas de D. João I , alargando o âmbito da jurisdição judicial quer no quantitativo, quer no geográfico, indo o âmbito até à Azenha da Ordem. "E, com tudo isto se ia criando um limite que inicialmente era da ágoa de Oleiros ao limite de Palmela (Cabanas) e da serra das portelas (serra de Azeitão) a Coina-a-Nova, e depois se alargou para Oeste até à Azenha da Ordem. Também, e mais importante, se foi formando uma identidade de comunidade que ainda hoje perdura.. " A respeito desta independência administrativa o já extinto e grande vespertino "Diário Popular", publicou há alguns anos uns cadernos chamados "800 anos de História" , de responsabilidade de Maria Luísa Guerra e José Hermano Saraiva que no seu número 59, inteiramente dedicado ao assunto, dizia o seguinte : "Azeitão Beneficiada Em Desfavor De Sesimbra" "Lisboa, Abril de 1366 - Proferiu el-Rei sentença, dada com os do seu conselho e perante os procuradores das vilas de Azeitão e Sesimbra, num agravo interposto pelos procuradores desta de uma sentença do corregedor da comarca que mandar houvesse juiz na vila de Azeitão, que aí fizesse suas audiências e, bem assim, porteiro, almotacés, etc . Alegavam os procuradores de Sesimbra que sempre Azeitão fora termo da dita vila e que esta se despovoaria se a sentença se executasse porque os povos deixariam o castelo e sus cercanias para procurarem as povoações do interior. E que tal daria grande dano ao reino porque o

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castelo de Sesimbra é importante ponto de defesa marítima do reino. Por sua vez, os procuradores de Azeitão alegavam que a sua comarca era grande e muito povoada e com muito comércio, e há estrada pública que dali parte para muitos outros lugares do reino, e por isso por ali passam muitos mercadores e viajantes, quer de dia quer de noite, e não acham ali aquelas coisas que deviam encontrar. Mais se queixavam que o alcaide e meirinho de Sesimbra tomavam, sem razão, as armas às companhias que passavam pela comarca de Azeitão. Estas as razões mais significativas. O conselho de el-Rei tomou em consideração o seguinte : 1. Sempre foi costume escolher para juiz um homem bom de Azeitão, dos três pares que elegem para juízes : 2. É reconhecido ser Azeitão a terra mais populosa e mais rica do termo de Sesimbra ; 3. Fica no caminho usado para quem vai de Lisboa e segue para os Algarves ou outras terras de Portugal e de Castela, ou de lá para a dita cidade, o que não fazem pelos outros lugares do termo de Sesimbra porque ficam num dos cabos do mundo e fora de todo o caminho, salvo os que vão em romaria a Santa Maria do Cabo ; 4. Porque para ali são contratados homens de todo o lado para adubar os grandes vinhedos ali existentes ; Assim, determinou el-Rei confirmar a sentença do corregedor. Mais determinou que se escolha sempre um homem bom da dita comarca, anualmente , para juiz, que ouvirá e julgará os feitos dos moradores até ao valor de 2 libras, sem apelação , e que haja aí almotacéis, um porteiro, do conselho para fazer as execuções e o mais que cumprir e, bem assim padeiras, regateiras de pescados e, pelo menos, um carniceiro, todos moradores na dita comarca de Azeitão " O rei, era D. Pedro I . Posteriormente, seu filho D. Fernando I, viria a confirmar e ampliar estes privilégios.

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Prosseguindo a sua autonomia administrativa, onde incluímos a judicial, Azeitão foi elevada à categoria de Ouvidoria em 8 de Agosto de 1650, em virtude da sentença que alcançou a Duquesa de Torres Novas e Aveiro, Dona Ana Maria Manrique de Lara. Esta Ouvidoria compreendia na sua jurisdição as vilas de Sesimbra, Barreiro, Torrão, Ferreira, Santiago do Cacém, Sines, Castro Verde e Samora Correia . Foi extinta esta Ouvidoria por Decreto de 5 de Dezembro de 1759, por ocasião da execução do último Duque de Aveiro . Por este Decreto, foi Azeitão completamente separada de Sesimbra. Deste Decreto de 5 de Dezembro de 1759, resultaria o supra citado "cisma administrativo" , em virtude do Marquês de Pombal, por motivos de interesse pessoal, mas invocando políticos e jurídicos ligados ao chamado atentado dos Távoras, (onde se incluía o Duque de Aveiro) contra o Rei D. José I, para além da extinção da Ouvidoria, tinha através do supra citado Alvará da Chancelaria do Rei Dom José I elevado Vila Fresca à categoria de Vila (embora assim já fosse chamada) e criado, com sede nesta, o Concelho de Azeitão. Alguns historiadores são de opinião de que para além "do ódio que D. José I e o seu primeiro-ministro tinham por tudo que recordava os Aveiros, teria sido também a influência dos Guedes de Murça, administradores nessa época do morgado da Bacalhoa que teria motivado esta opção. Esta situação manteve-se enquanto o Marquês de Pombal esteve no poder. Destruído e desterrado Sebastião José de Carvalho e Melo, por ordem da Rainha Dona Maria I, foi a sede do concelho transferido para Vila Nogueira, por Alvará, da mesma soberana, datado de 1 de Outubro de 1786. Transferido a sede do concelho, foi também transferido o respectivo símbolo municipal, o Pelourinho . O motivo invocado para a transferência da sede do concelho e do pelourinho está descrito num documento arquivado na Torre do Tombo . (Desembargo do Paço, Corte e Estremadura . Maço 2307) Pelo documento fica-se a saber que se na altura se desenvolviam diversas diligência para oficialização da necessária petição a favor da mudança de sede de concelho. As diligências resultaram e, em determinado dia deslocou-se a Vila Fresca, à casa da Câmara, o Desembargador Doutor José Henriques de Anchete Fortes Pereira de Sampaio que ouviu a petição da Nobreza e povo de Azeitão. Diziam que : " Vila Fresca era pequena, que não tinha cómodos para os funcionários e

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que não havia possibilidade de os vir a ter, e que pelo contrário Aldeia Nogueira tinha todas as acomodações necessárias, além de estar lá o Convento, a Santa Casa da Misericórdia e o Hospital e, a Real Fábrica de Chitas e Tecidos de Azeitão." Pediram que a Câmara mudasse para Aldeia Nogueira e assinaram 136 pessoas. Anexaram ainda ao processo um relato da fundação da Freguesia de São Lourenço e o depoimento dos párocos das duas freguesias de Azeitão, São Simão e São Lourenço, ambos favoráveis à transferência. O supra citado Desembargador José Pereira de Sampaio, ao exarar o parecer final diz que "os suplicantes parecem serem dignos da mercê que suplicam " Em consequência da petição, do parecer e de outros empenhos, incluindo o da própria Soberana, a Rainha Dona Maria I, que revogava a maior parte das deliberações de Pombal, decretou a 1 de Outubro de 1786 a transferência, invocando que : "(...) Vista a resposta dos oficiais da Câmara, Nobreza e povo conformo-me com o parecer do Corregedor informante persuadindo-me de que hé conveniente a tranladação da villa que se creou na vizinhança da Aldea Nogueira para a mesma Aldea Nog. pelas justas razões que todos uniformem.te ponderam a favor da dita trasladação. R .(Rainha)" O Primeiro Juiz de Fora do Concelho de Azeitão foi o Dr. Francisco Xavier de Basto, mas só exerceu o cargo até 1784, antes da transferência da Sede para Vila Nogueira, sendo substituído por Agostinho Machado de Faria . A 24 de Outubro de 1855, é extinto o Concelho de Azeitão, por anexação ao de Setúbal, invocando-se no Decreto que tal permitiu, a necessidade de reduzir em todo o reino o número de concelhos. Com esta despromoção administrativa, esta freguesia e a de São Lourenço, tornaram-se, quase que inteiramente dependentes de Setúbal, apesar de mandarem - pelo menos - um vereador à Câmara de Setúbal .

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BRASÃO E BANDEIRA

DA FREGUESIA DE SÃO SIMÃO

Pequeno Historial

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O direito ao processo de "Aquisição ao direito de criação do Brasão e Bandeira da Freguesia de São Simão de Azeitão" foi iniciado pelo autor destas linhas, ao formalizar, em Junho de 1991, junto do Executivo da respectiva Junta de Freguesia, uma proposta nesse sentido, tendo para tal apresentado diversas alternativas gráficas e respectivas fundamentações históricas e heráldicas . A 7 de Junho o Executivo punha à consideração da Assembleia de Freguesia a Proposta nº 7 , solicitando autorização para abertura de um Concurso Público de forma a que os projectos apresentados por Joaquim Afonso Fernandes d'Oliveira tivessem a necessária concorrência. A Proposta foi aprovada por Unanimidade. Dadas as novas disposições legais sobre a criação de Heráldica Autárquica : Lei nº 53/91 de 23 de Agosto, o Executivo, a 23 de Outubro de 1991, deliberou por unanimidade (Acta nº 25) a dispensa de concurso público, tendo aprovado um dos Projectos apresentados por Joaquim de Oliveira, depois de ouvida a Assembleia de Freguesia e o Júri, entretanto constituído. A 1 de Novembro de 1991 é enviado o Projecto à Comissão de Heráldica do Ministério da Administração Interna. Este Ministério, por sua vez, envia-o à Associação dos Arqueólogos Portugueses para esta instituição emitir o Parecer, em virtude da Comissão de Heráldica Autárquica que devia ter resultado da Lei 53 / 91 ainda não estar constituída nem nomeada. A 31 de Maio de 1993 a Associação dos Arqueólogos Portugueses apresenta à Junta de Freguesia, uma sugestão para a permuta de um dos símbolos, de um dos projectos para outro, que, entretanto, tinha ido, junto ao processo, como alternativa. Apreciada a sugestão, a mesma foi aceite pelo Executivo e pelo autor dos projectos. Em 3 de Junho de 1993 a Comissão emite o Parecer Favorável, o qual é assinado pelo Secretário da Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses, constituído o referido Parecer a «Aprovação Oficial da Ordenação Heráldica para o Brasão, Bandeira e Selo Branco da Freguesia de São Simão de Azeitão, Município de Setúbal». A disposição á a seguinte :

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Brasão : Escudo de ouro, um serrote de lenhador acompanhado em chefe de uma cruz da Ordem de Santiago, tudo de vermelho, e nos flancos de dois ramos de oliveira, de verde, frutados de negro, contrachefe ondado de quatro faixetas de verde e prata. Coroa mural de três torres de prata. Listel de ouro com a legenda a negro "SÃO SIMÃO DE AZEITÃO. Bandeira : de vermelho. Cordão e borlas de ouro e vermelho ; Haste e lança de ouro . Selo Branco : circular com as peças do escudo sem a indicação de cores e metais, tudo envolvido por dois círculos concêntricos onde corre a legenda : "JUNTA DE FREGUESIA DE SÃO SIMÃO DE AZEITÃO" Finalmente a 14 de Novembro de 1993, às 9 horas da manhã, em cerimónia oficial com continência prestada pela Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Setúbal, na presença das entidades oficiais, convidados e população em geral , a Bandeira da Freguesia de São Simão é hasteada. Ficaria o Processo concluído com a publicação, nos termos da Lei, do Aviso, no Diário da República.

CAPÍTULO V

DIVISÃO ADMINISTRATIVA

GÉNESE

De Quinta de João Martins a Vila Fresca

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Sabe-se, por documentação antiquíssima, que antes de existir a povoação, hoje denominada Vila Fresca de Azeitão, o local, já povoado, essencialmente pelos criados e escravos da quinta chamada de João Martins Palhavã, a qual, a determinado tempo, passou a chamar-se "Quinta da Bacalhoa" . Entretanto, quintas idênticas iam-se desenvolvendo paralelamente ao redor de Vila Fresca, constituindo cada uma delas o seu próprio núcleo populacional rústico, podendo-se - graças a trabalhos de pesquisa do Padre Manuel Frango de Sousa - estabelecer a respectiva organização fundiária, na seguinte forma : Por volta de 1390 os sítios à volta de Vila Fresca estavam divididos em três partes, que cada uma ia da serra à charneca ou da charneca à serra, consoante o local em que nos situarmos.. A Nascente estavam as terras da Capela de Martinho Pires Palhavã ; a meio estavam as terras da Coroa real, e a poente estavam as terras de Afonso Martins Palhavã e as terras de Afonso Anes Nogueira. As terras da Casa Real tinham sido também da família Palhavã, na pessoa de Sancha Pires Palhavã. Andava por aí também um pequeno proprietário : Diogo Feyo, da família dos Feyos de Setúbal e de Palmela. (Ainda há pouco tempo umas terras por baixo das Vendas se chamavam o "vale de João Feio) . A Nascente - A "Capela dos Palhavãs ; Ao Centro - A Casa Real ; A Poente - As terras de Nuno Martins da Silveira A seguir vamos ver um pouco de história de cada uma destas três partes :

ZONA ORIENTAL

"Em 1306 tinham falecido já Dom Martinho Pires Palhavã, sua mulher, Dona Maria Soares, e a filha única de ambos, Dona Teresa. Os bens deles tinham ficado, por doação, para uns parentes, João Martins Palhavã e sua mulher, Dona Sancha Pires de Palhavã. Estes, na data supra (1306), fizeram uma "Capela" (ou seja uma fundação) com os bens que os ditos Martinho, mulher e filha lhes tinham deixado. Essa fundação

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destinava-se a garantir os ofícios religiosos por alma de todos eles. Os bens situavam-se em Setúbal, Palmela e Azeitão . Em Azeitão os bens eram uma quinta que confrontava pelo norte com caminho ; pelo poente com quinta da Coroa ; pelo nascente com quinta que veio a ser de Gonçalo Anes Sampaio ; e pelo sul, com a serra, e mais terras a norte desta quinta . Em 1502 esta fundação era governada por um tal Brás Gonçalves Palhavã que era vedor da Igreja de São Lourenço de Azeitão. Algumas destas terras ainda hoje se chamam Palhavã .

ZONA CENTRAL

Por volta de 1330 Dona Sancha de Palhavã, já viúva de João Martins Palhavã (os mesmos da página anterior) vendeu o "lugar de Azeitão" a um Pedro Afonso Mealha. Este Mealha, morava em Almada, onde tinha uma grande quinta e era pessoa de poderes económicos e políticos. Quando desempenhava a função de Tesoureiro do Rei Dom Fernando, o Mealha fez

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desfalque e por isso foi preso. Protestou a sua inocência o que não impediu que morresse na prisão e que seus bens fossem nacionalizados. Assim, desta forma, o "lugar de Azeitão" foi parar à Coroa. O Rei Dom João I, de posse destes bens, ajuntou-lhes a quinta de Diogo Feyo, que comprou, e o Príncipe Dom João, filho de Dom João I, ajuntou-lhe a quinta de Afonso Anes Nogueira (ou Afonso Anes das Leis). (Este Afonso Nogueira, era sobrinho de Lourenço Dinis Nogueira que fez a Igreja de São Lourenço de Azeitão) Assim, passou a ser constituída a QUINTA, que mais tarde, e até hoje, se chama "Quinta da Bacalhoa" .

ZONA OCIDENTAL "... Em 1413 Nuno Martins da Silveira aforou, em foro perpétuo, uma quinta em Azeitão, que era de Afonso Martins Palhavã. Em 1436 tinham já falecido o dito Afonso Palhavã e mulher, Constança Anes e não apareciam herdeiros apesar das diligências feitas para os encontrar .

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O Rei Dom Duarte tomou os bens para a Coroa e em seguida ofereceu-os ao dito Nuno Martins da Silveira que tinha sido seu aio. De Nuno Martins Silveira, são seus descendentes os Melos, Condes da Ponte e monteiro-mor, os Césares de Menezes, os Lobos da Silveira, senhores de Sarzedas, os Condes de São Lourenço, os Condes de Santiago, etc, e muitos outros que andaram por aqui, por Azeitão. Nuno Martins da Silveira teve uma contenda com os frades de São Domingos de Azeitão e essa contenda fez vir a Azeitão o Rei Dom Duarte que resolveu o assunto a contendo dos frades. Nos começos do século XVIII, era dono da Quinta um Luís César de Menezes e foi ele que a baptizou com o nome que ainda hoje tem, ou seja, "Quinta do César" . Luís César de Menezes, foi alcaide-mor de Alenquer, Alferes-mor do Reino, Governador do Rio de Janeiro, capitão General de Angola e Baía e Comendador da Comenda de São João de Rio Frio. É em razão deste último título que uma quinta em Vila Fresca se chama de "Rio Frio" . "In, "Azeitão , A Nossa Terra" nº. 36 de 27 de Outubro de 1991 "(...) Como se verifica esta tripartida divisão territorial só refere o tecido rústico, não havendo referências ao urbano, embora que, já tivesse estabelecido ao redor de cada uma das quintas um núcleo populacional

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constituído pelos trabalhadores e escravos que trabalhavam para os respectivos proprietários e foreiros. De um desses núcleos nasceu Vila Fresca, e daqui se partiu para o que é hoje a Freguesia de São Simão. Desse percurso se irá falar a seguir ... VILA FRESCA DE AZEITÃO Quando se fala no topónimo "Vila Fresca" , há que previamente ter em conta, o que em termos administrativos urbanos, significava na época da sua fundação, o termo "Vila" .

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Joaquim Rasteiro, in, "Quinta e Palácio da Bacalhoa" (1895) a este respeito diz que "(...) Vila, como é sabido, não designava, mesmo entre os Portugueses, a povoação sede municipal, mas a quinta com casarias, e assim se dizia villa urbana ou villa rustica, conforme era habitação de senhores ou predominavam n'ella as officinas agrárias. A Villa italiana, essa vem até nossos dias, e modernamente, vemos ir-se entre nos também, recebendo a locução para designar uma casa de campo com jardim, horta, etc. Aldeia, é bem sabido que não significava, como hoje, apenas a pequena povoação rural, mas era quasi o monte alentejano, um agrupamento de construções para acomodação do pessoal dependente da quinta e comprehendendo as officinas. Era cavalleiro villão, segundo os antigos foraes, o homem que possuia uma aldea, uma junta de bois, 4 ovelhas e um burro. (Et qui habuerit a deam, et uno iugo de bois et oues et uno asino et duos lectos comparet caua um . in, Foral de Sesimbra e Palmela.) Dentro destes parâmetros , a povoação criada a partir da Quinta de João Martins era uma aldeia chamada Bila feixe. E, esta povoação foi evoluindo dando origem à clássica formação urbana, na base de uma propriedade agro-pecuária, tendo ao centro a casa senhorial rodeada pelas instalações agrícolas e as moradias para o pessoal, não faltando a igreja. Tornou-se ainda, centro mercantil onde acorriam as populações circunvizinhas, daí que a aldeia se transformou num centro populacional evoluido, caracterizado pela actividade religiosa, administrativa e jurídica, alcançando a categoria de Vila e Sede de Município. Sobre Vila Fresca, uma informação avulsa, datada de 13 de Novembro de 1887, Oliveira Parreira escreve: "(...) Esta aldeia é antiquíssima e é toda rodeada de quintas com lindos pomares de laranja que a lepra das laranjeiras tem destruído completamente. Dois morgadios aí tinham como sede dois grandes palácios. Um é o Palácio dos Casares, da Casa de Sabugosa, outro, o Palácio da Bacalhoa, fundado, ou antes reedificado por Afonso de Albuquerque, filho do grande conquistador das Índias. Mais tarde, em 1895, Joaquim Rasteiro escrevia que "(...) A Aldea de Villa Fresca era pois o agrupamento de habitações junto à Quinta-Fresca, logar de residência dos caseiros, lavradores, foreiros, arrendadores e mais pessoal dependente d'aquella propriedade e participe dos seus privilégios e franquias ..."

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In, Enciclopédia Geográfica Vila Fresca "Freguesia do Concelho e Distrito de Setúbal, Diocese de Lisboa. Orago, São Simão. É também designada por São Simão de Azeitão. Vila Fresca, dista 10,5 Km. da sede do Concelho e está situada na estrada de Cacilhas a Setúbal, entre Vila Nogueira e Vendas. Tem serviço de Correios, escola primária, filarmónica, fábrica de lacticínios do afamado queijo de Azeitão ... " Do riquíssimo património construído de Vila Fresca e das outras povoações que constituem a Freguesia de São Simão de Azeitão, em capítulo próprio se falará dele. A Dança dos Nomes O primeiro documento que se conhece onde aparece escrito o nome de Vila Fresca é do tempo de Dom João I e datado de 1432. No entanto, nesta altura Billa Feyxe era a quinta, sendo a aldeia chamada de João Martins.

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Diz o documento : "Em nome de Ds. amem. Saibam qntos esta cta de pura veda. birem q na era do nacim.to de nosso senhor Jhu xpo de mill e q.tro cetos e tnta e dous anos ... em azeitã ... ts. queste pssetes foram alv.o afom brnca e Lço. affom de billa feyxe ... " A quinta passou de Quinta de João Martins Palhavã para Quinta de Dona Sancha de Palhavã e depois para Villa Feyxe e Villa Fraiche . A aldeia chamou-se de Aldeia de João Martins e depois da quinta mudar de nome também a Aldeia mudou de nome. Sobre a evolução do nome da quinta e da aldeia, Joaquim Rasteiro, no seu livro sobre a Bacalhoa, (1895) diz o seguinte : "(...) Eu, porque nunca encontrei escripta nem conheci tradicionalmente designação propria disse que a quinta apenas tem sido chamada do nome dos seus possuidores, assim : - Quinta de Azeitão em Ribatejo por ser aqui situada ; - Quinta de S. Simão por ser próxima uma ermida d'esta vocação ; - Quinta da Condestablessa, durante a administração da viúva do condestável D. Affonso, na menoridade de sua filha ; - Quinta de Affonso de Albuquerque depois da compra por elle feita aos Villa Real ; - Quinta da Bacalhoa, pelo casamento de D. Jerónymo Manuel, "o Bacalhau" com D. Maria de Mendonça. Do século XV nenhum documento conheço que nomeie a aldea de Villa Fresca, enquanto que para fazer conhecida a situação de uma propriedade se cita a quinta da Condestablessa. Depois, no século XVI, encontra-se escripta aquella designação sempre a modo de aproximar a pronuncia franceza Villa-Frexe , Villa Freixe, Villa Fréche, Villa Freiche. O theatino D. Manuel Catano de Sousa, que não nasceu n'esta aldea, mas por ali perto foi creado, diz em fins do século XVII, que este Freche é do francêz Fraiche. O equivalente portuguêz Fresca, começa a aparecer já meiado o século XVII e é geralmente admitido no século presente ...

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... A Villa Fraiche como hoje é (1895) se escreve, ou Villa Freche, no frances aportuguezado de então, seria a quinta. Finaliza o ilustre azeitonense a sua tese dizendo : "... Tenho pois que o primeiro nome da Bacalhoa pela posse de D. Brites, foi Villa Fraèche ou Fresca servindo a locução portuguesa e a palavra villa seria a designação que o architecto italiano lançou sobre os desenhos". Numa nota à margem do texto supra, feita pelo Padre Manuel Frango de Sousa, está manuscrito o seguinte : "Portanto não leu os documentos do Convento da Piedade nem do Convento do Salvador, pois neles se fala em Villa feixe. No sec. XV escrevia-se aldeia de billa ffeixe e ffeiche ..." Noutro local do texto, e igualmente em nota manuscrita, o supra citado Pároco, faz assim a cronologia da evolução do topónimo : Escreve assim :"(...) Depois de ter feito a pesquisa em documentos encontrei : 1432 - 1433 - Billa ffeixe Que podia ser Freixe ou fréixe . O 1º. caso é de freixo , árvore, o 2º é a pronúncia do francês "Fraiche". No mesmo documento aparece ffeixes que quer dizer freixos, árvores ; 1570 - Villa feihxe . No documento em que os fregueses de São Simão se comprometem a manter o pároco ; 1630 - Villa fresca e Villa feixe. No mesmo documento estão as duas fórmulas. É uma escritura que existe no Tombo da Igreja ; 1636 - Villa Fresca ( em escritura ) 1639 - Villa feixe ( em acento de óbito ) 1659 - Villa Fresca 1643 - Villa Fresca 1644 - Villa Fresca - (em escrituras) 1672 - Villa Fresca

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1694 - Villa Fresca 1714 - Villa Fresca O mesmo autor na "folha" da paróquia, "Azeitão, A Nossa Terra" nº. 8 , de 16 de Novembro de 1987, a este respeito acrescenta : "(...) O nome fraiche ou fresca vem-lhe de se usar francês na côrte de Dom João e Dom Duarte e do sítio ser mesmo fresco em virtude da grande abundância de água que corria do Rio de São Simão. Este rio era a maior fonte de toda a área de Azeitão..." Por sua vez, a "Enciclopédia Geográfica" trata o assunto da seguinte forma : "(...) Quanto ao topónimo hoje principal : Vila Fresca de Azeitão, foi chamada até 1759 Aldeia de Vila Frèche, declara sem mais explicações Joaquim Rasteiro, que acrescenta : «creio que primitivamente era a Aldeia ou como se diz no Alentejo, o Monte da Quinta Fresca que é propriedade do Infante D. João, Mestre de Sant'Iago ». Não explica, porém como é que primeiramente se dizia Fresca. Talvez razões fonéticas expliquem a primeira alteração ; uma correcção erudita, eclesiástica o regresso à primeira forma. Não explica igualmente como é que a primitiva designação Quinta Fresca, ou melhor, Quintão Fresca passou a Vila Fresca, alteração análoga de Quintão de Nogueira para Vila Nogueira que se esclarece por causas municipais do concelho de Azeitão. Seja como for o topónimo é relativamente recente e teve princípio que é afinal o do povoamento da propriedade quintã daquele Infante, filho de D. João I. Também o Padre Manuel José de Távora, Pároco da Freguesia, num seu relato de 1758, a determinada altura escreve que : "(...) Vila Frexe a que antigos chamavam com grande acerto Villa Fresca, pelo muito ameno que de quintas esta Aldeia tinha ... " Quanto ao que se estabeleceu na tradição oral, a versão tem contornos de Lenda, a qual, me foi contada assim : - Era uma vez ...

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... A Rainha que tinha vindo passear por estas bandas, a certa altura, teve sede, e mandou, que lhe procurassem uma fonte de água pura, para a saciar. Trouxeram-na até Vila do Freixo, onde se apeou, e na fonte de São Simão, bebendo das suas águas fartas e cristalinas, matou a sede ... ... Depois, foi até às "Entrecercas" , onde se deliciou sob a sombra das seus soberbos plátanos e graciosas faias. Aspirou os ares puros e refrescantes da amena brisa, que lhe trazia os odores perfumados e inebriantes das tílias e dos jasmins, que vindos das Quintas do César e da Má-Partilha, perfumavam os ares . ... Tão deliciada ficou que, indagou da comitiva como se chamava o sítio onde tão bem se sentia . - Vila do Freixo, disseram-lhe ... - "Que passe a chamar-se Vila Fresca" ! ordenou a Rainha . Assim ficou, para sempre ! Palavra de Rainha ! Em conclusão : face a alguma confusão estabelecida e a tantas opiniões contraditórias, resta-nos firmar no estudo criterioso e exaustivo feito pelo Padre Manuel Frango de Sousa que teve por base a documentação oficial do Tombo da paróquia e a de outros importantes arquivos. Nas páginas nºs. 67 a 70 , damos a relação desse estudo . VENDAS DE AZEITÃO Nos documentos que consegui compilar ou consultar pouco encontrei registado em relação a esta progressiva localidade da Freguesia de São

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Simão. Contudo ela é ilustre, não só pela urbanidade das suas gentes, como por ter sido berço de homens cultos e ilustres, no campo das ciências e das artes, principalmente no século XVI , tão glorioso para Portugal. Aqui viveram famílias de apelidos : Antunes, Magalhães, Costas, Passos, etc. que foram alfobre de gente muito sábia. Foram naturais de Vendas, nos séculos XVI e XVII o Doutor Manuel Pires, o Doutor Médico António Pires de Magalhães, e o Licenciado Padre Teotónio de Magalhães, e, sobretudo, os insignes músicos e compositores Filipe de Magalhães e Sebastião da Costa. Foram ambos Mestres de Música da Capela Real e igualmente, considerados dos maiores músicos dos séculos XVI e XVII . Deles se falará mais adiante . Sobre a povoação em si, Vendas de Azeitão é hoje uma terra em franco desenvolvimento económico e expansão urbana. Oliveira Parreira, em 1882, caracteriza a povoação desta forma : "(...) esta aldea é maior que Villa Fresca. Passa-lhe a sul a estrada de Setubal e a norte a de Palmela. Deve seu nome às vendas ou lojas que desde tempos imemoriais alli houve junto á estrada do Allentejo para Lisboa, que a atravessava e que era ainda frequentada antes da construção do caminho de ferro. Talvez que por alli passasse a estrada romana que fala Hubner. Na tradição local não há nada que confirme a existência da referida estrada romana, nem se conhecem vestígios da mesma. Diz-se que o nome de Vendas, vem das lojas - espécie de entrepostos comerciais - onde as caravanas de negreiros, que partindo de Lisboa, atravessavam o Tejo, subindo o Coina até "Negreiros" (assim chamada pelo facto). Aí chegados, os escravos seriam leiloados, seguindo posteriormente, em caravana, até ao Vale do Sado para repovoamento das diversas "Sesmarias". (propriedades agrícolas resultantes da Lei da Reforma Agrária, com o mesmo nome, mandada promulgar pelo Rei Dom Manuel I ). No trajecto, paravam e abasteciam-se, nas lojas da povoação a que chamaram "Vendas" . Como curiosidade, refiro que, ainda hoje, pelos lados de São Romão do Sado, há evidentes vestígios desse passado, quer nos usos e costumes, quer, sobretudo, nos traços fisionómicos dos seus mais antigos habitante, ou sejam : tez escura , cabelo encarapinhado, narinas e lábios grossos ... Como sinais do passado, Vendas de Azeitão tem alguns portais quinhentistas de cantaria redonda, sobretudo na "Chapeleira" ; um registo de azulejos setecentista, na rua principal e sobretudo a Capela das

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Necessidades e a Cruz das Vendas, esta última, mandada erigir por Vasco Queimado de Villa Lobos . Destes valores se falará mais à frente . FILIPE DE MAGALHÃES

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O ilustre músico Filipe de Magalhães era filho de António Gomes e de Filipe Fernandes. Nasceu em Vendas de Azeitão em 1565. faleceu em Lisboa, a 17 de Dezembro de 1652 e está sepultado, na Capela Paroquial de Nossa Senhora do Socorro. Muito jovem ingressou nos estudos eclesiásticos na Sé de Évora. A 16 de março de 1585 satisfaz o 2º. grau de ordens menores, e no mês seguinte, no dia 6, os terceiros e quartos graus, sendo celebrante deste último, o Arcebispo D. Teotónio de Magalhães, igualmente natural de Vendas de Azeitão. Em 1589 ocupa o lugar de Mestre de Clausura da Sé Eborense , sendo cantor desta Sé em 1590, foi considerado um dos maiores expoentes da sua Escola Musical. Em 1604 veio para Lisboa, onde foi Mestre-de-Capela da Misericórdia, antes de assumir, em 27 de Março de 1623, o Mestrado da Capela Real, onde permaneceu cerca de 40 anos, até ser jubilado pelo Rei por Dom João IV, que a esse respeito mandou lavrar o seguinte despacho real : "Eu El-Rei faço saber aos que este alvará virem que tendo consideração aos muitos anos que Filipe de Magalhães me serve de Mestre da minha Capela real, com boa satisfação e talento, hei por bem de lhe fazer mercê de o aposentar com os oitenta mil réis que nela tem de ordenado e que lhe sejam pagos ... cinco moios de trigo que mais tem de ordenado ... " (Transcrição do português arcaico) Filipe de Magalhães é considerado um dos maiores expoentes da música sacra portuguesa. Compõe, entre outras obras : - Cantus Eclesiasticus (1614) - Missarum Liber (1635) que contém : - 9 Missas a quatro e cinco vozes - 1 Réquie a seis vozes . - Cantica Beatíssima Virginis (1636)

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Tem Filipe de Magalhães, nome de Rua no "Bairro Novo da Cooperativa", em Vendas de Azeitão . SEBASTIÃO DA COSTA Sebastião da Costa, era filho de António da Costa e Leonor dos Santos. Nasceu em Vendas de Azeitão em 1638, tendo sido baptizado em São Simão em 26 de Janeiro de 1638, sendo seu padrinho o Licenciado Teotónio de Magalhães. faleceu em Lisboa a 9 de Agosto de 1696, sendo sepultado no Convento do Carmo, em Lisboa. Foi Sebastião da Costa, Cavaleiro professor da Ordem de Cristo ; Escrivão da Cozinha Real ; Mestre-de-Capela dos monarcas Dom Afonso VI e D. Pedro II . Foi ainda considerado um dos maiores músicos do século XVII e a sua linda voz de contralto arrebatava quem o ouvia. Prolífero compositor de música sacra, a sua obra inclui : - Salmos completos a 8 vozes ; - Missas a 8 vozes ; - Missa de estante a 4 vozes ; - Motetos vários ; - Misere a 8 vozes . Todas estas obras se conservam na Biblioteca Real de Música . Sebastião da Costa, tem, (a partir de 1992) nome de rua, no "Bairro Novo da Cooperativa" , em Vendas de Azeitão .

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PINHEIROS DE AZEITÃO A primeira referência que se conhece em relação a Pinheiros de Azeitão, encontra-se no Convento de São Domingos de Azeitão e consta do seguinte : "Em nome de Ds. amem. Saybbam q.ntos esta c.ta. de pura verd.de birem qna Era do Nacim.to denosso Senhor Jh~u xpos de mill Eqtro centos E ~Tnta Eh~um anõs ... em Azetã ... na aldea de billa feixe ... pareceu bernalda Dominguez ... morador no dito logo de azeitã na aldea dos pinheiros ... " Aldeia, como já se disse, era o núcleo urbano de uma herdade e geralmente tinha o nome do dono da herdade. Havia algumas excepções, mas raras. Por isso é minha convicção que Pinheiros era nome de pessoa. Nesse caso, quem seriam os Pinheiros ? Em 1411 viviam em Setúbal, Estevão Anes Pinheiro, Lourenço Pinheiro e Estevão Pinheiro. Eram todos originários de Barcelos, onde a família Pinheiros tinha importância. Tristão Gomes Pinheiro mandou amuralhar Barcelos. Era desta família, a mãe de Dom Afonso, filho bastardo de Dom João I , e primeiro Duque de Bragança. Os Pinheiros de Setúbal eram todos criados do Príncipe Dom João, Mestre da Ordem de Santiago. Nesse tempo, "criado" era cargo importante . Em 1427, Dom João fica dono da Bacalhoa sucedendo-lhe sua filha, Dona Brites que teve como "criado", outro Pinheiro, Diogo Pires, neto do supra citado Estevão. Em 1570, moram em Pinheiros : Brás Pires e Francisco Pires, ambos da família dos Pinheiros, pelo que é hipótese justificada que sendo da casa do Príncipe e da Infanta e responsáveis pela Bacalhoa, fossem donos da Herdade dos Pinheiros, onde se fundou a Aldeia. É possível ainda que a Aldeia da Quinta do Anjo, que também se chamou Aldeia dos Pinheiros, tenha tido a mesma origem. Pinheiros de Azeitão é circundada pelo antigo morgado dos Marqueses de Minas, que compreendia ainda a Quinta da Torre, sendo seu mais ilustre proprietário o célebre Dom Francisco de Sousa, primeiro Marquês de Minas e terceiro Conde do Prado que tomou Madrid na Guerra da Sucessão, de Espanha.

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Os testemunhos históricos mais antigos da Aldeia de Pinheiros são dois ou três portais quinhentistas. ALDEIA DE CASTANHOS Seguindo a lógica da formação das aldeias, como eram nos séculos XIV e XV, Castanhos deveria ser nome de uma família de que ainda não foram encontradas informações. Todavia, a tradição oral aponta noutro sentido, no de que o nome advém da existência no local onde foi fundada a povoação, de um souto de castanheiros bravos ; "castanhos" , como se usam chamar. Logo ao lado, na Quinta das Torres, podem-se ainda observar imponentes castanheiros bravos rodeando o seu lago. A teoria de que as povoações de Azeitão tiveram origem no nome de árvores e não no de pessoas, tem uma forte implantação na tradição oral popular. Contudo, a maioria dos historiadores locais são de opinião contrária . Para o povo, o freixo, a nogueira, os pinheiros, os "castanhos", deram origem ao nome das povoações : Vila do Freixo, mais tarde Vila Fresca ; Vila Nogueira ; Pinheiros e Castanhos ... Sobre Castanhos, Oliveira Parreira, num trabalho avulso escrito em 1887 escreve : "(...) Esta Aldeia é notável por um antigo recolhimento chamado de Jesus Bom Pastor, de que resta a Igreja . Foi extinto no tempo do Duque de Coimbra, Dom Jorge que transferiu as recolhidas para o Convento de São João, que fundou em Setúbal. Houve também um palacete e Quinta chamada do Nuno, que foi de Estevão de Valadares. Este nome consta da lista dos descobridores da Florida . O actual (1887) prior de São Simão Padre Alberto Carlos Coutinho de Miranda, é descendente desta família, por sua mãe. Nesta Aldeia nasceu Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, Ministro do Reino, em 1821 e 1823 . Os Velozos de Cerqueira tiveram uma Quinta e Casa Nobre no local do antigo recolhimento . Actualmente (1887) a casa e uma adega que foi do célebre explorador de África, José de Anchieta, é hoje por compra, de seu primo Alberto de Oliveira. Sobre o recolhimento de Jesus Bom Pastor, diz o Padre Manuel Frango de Sousa que ele não era importante e foi extinto em 1570 por falta de meios de subsistência. A capela do Convento, ultimamente servia de Armazém. Está hoje transformada em casa particular de habitação. Nela, de interesse, conservam-se a abóbada artesoada da capela-mor e no arco do cruzeiro, em pedraria. O arco é Renascentista com seu frontão e cornija e os dois medalhões com bustos

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relevados. Este arco é peça a conservar. Não se sabe ao certo a quem se referem os bustos. Eles são diferentes dos da Bacalhoa . Frei Luís de Sousa, na "História de São Domingos" diz que: "o Recolhimento foi suprimido por ficar em descampado e por falta de rendimento . Os magros bens sitos em Azeitão, Almada e Santiago do Cacém passaram para o novo Convento de São Sebastião de Setúbal que depois aforou os de Azeitão a Bárbara João. Um pouco mais tarde aparecem na posse de três famílias que de certa forma marcaram a Aldeia de Castanhos durante mais de dois séculos. São eles : Cerqueiras ; Pegado de Valadares e Gomes de Oliveira " A família Gomes de Oliveira deixou-nos o já citado Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, estadista e escritor que morou em Oleiros de Azeitão ; António Maria de Oliveira Parreira, aqui tantas vezes citado como fonte de informação, professor e escritor, e Oliveira Martins, o grande historiador. Estevão Pegado de Valadares esteve ligado à expedição que descobriu a Florida, no Novo Mundo e os Velozos de Cerqueira foram ligados à Casa de Aveiro. Numa crónica recente de Guilherme de Oliveira Martins, são citadas algumas curiosidades sobre a permanência de ilustres membros da sua família, em Castanhos, nomeadamente sobre o insigne historiador Joaquim Pedro de Oliveira Martins. O grande naturista José de Anchieta teve casa em Castanhos e provavelmente aqui viveu durante algum tempo, o mesmo teria acontecido a sua mulher, nomeadamente durante os longos períodos em que ele permaneceu em África, na sua grandiosa tarefa . De alguns destes ilustre homens se falará um pouco .

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JOSÉ DE ANCHIETA Em 13 de Setembro de 1897 morria em Angola no lugar de Chiambi, a caminho de Coconda, o ímpar cientista José de Anchieta, de quem Maria Helena Figueiredo Lima, escreveu "(...) Excepcional cientista , zoólogo-naturalista. Excepcional porque soube como nenhum outro, imprimir ao estudo das espécies zoológicas e ornitológicas, um ritmo de trabalho febricitante, numa dedicação sem limites. Viveu em Angola exclusivamente para a ciência. As espécies que coligia, das pequenas aves aos grandes mamíferos, as rochas, as plantas, com minuciosas explicações que faziam as delícias de outro grande cientista, Barbosa du Bocage, primo do poeta, Lente da Escola Politécnica. Ali, no seu Museu, podem-se ver ainda hoje, as peças mais raras e valiosas da flora e da fauna de Angola, que Anchieta enviava periodicamente desde Benguela para Lisboa ... " ... José de Anchieta era fidalgo de linhagem. Inteligente mas dispersino nos estudos. Boémio porque sonhava com espaços grandes, largos. A aventura atraia-o. A rotina irritava-o ... " Quando deflagrou a febre em cabo Verde, logo se ofereceu como voluntário, seguindo para a ilha de Santo Antão onde ali tratou desveladamente os doentes . "... Sentiu que nascia a paixão pela África. Interrompeu os estudos de Medicina e Politécnica. Foi para Angola e aí se realizou, entregando-se de corpo e alma às pesquisas científicas e tratamento das várias doenças tropicais. A pesquisa pelos matos em caminhadas de centenas de quilómetros, o encontro com feras, a riqueza do solo, a descoberta constante de novas espécies deslumbraram-no. Ia enriquecendo a colecção. Sofria de febres intermitentes que o deixavam enfraquecido,. Fazia os seus próprios remédios. Ninguém amou e conheceu tanto o interior como o litoral de Angola como este cientista despido de qualquer sentimento de superioridade, pelos estudos ou pela linhagem ... " José de Anchieta, fixa-se em Caconda, o estabelecimento mais antigo dos portugueses naquelas terras. Montou um pequeno laboratório nas ruínas de uma antiga igreja e é rodeado de telescópios, microscópios, livros,

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instrumentos de precisão e estojos de cirurgia e de ... animais., que passa 40 anos em trabalho constante. A mulher, doente de febres, teve de deixá-lo e regressou a Portugal, (quem sabe se para a sua quinta em Castanhos) donde escreveria ao Ministro, lamentando-se de que não conseguia demover o marido de vida tão trabalhosa, porque o amor da ciência para ele era superior a tudo. E acrescenta : "Chega a pagar carregadores do seu magro subsídio. Trabalha pela noite a dentro no embalsamamento das peças, ao som dos uivos das hienas e chacais e dos urros dos leões, com a maior indiferença pelo perigo ..." Um dia diminuído por um ataque de febre, em pleno trabalho de campo, é carregado numa tipoia fechada, por um carregador e por seu filho José - que tivera de uma mulher indígena - , e que com ele trabalhava já nas artes do preparo das aves, que seguiam para o Museu de Lisboa. Morreu pelo caminho no lugar de Chicambi, eram 10 horas da noite do dia 13 de Setembro de 1897, sem alcançar Caconda, longe do laboratório que nunca desamparava. Outro grande cientista, Dr. Bettencourt Ferreira, conhecedor dos trabalhos de Anchieta, escrevia . "(...) representa o mais grandioso esforço até hoje conhecido, tanto em Portugal como no estrangeiro, cerca de metade da vida de um homem, privado de todas as comodidades, de todos os deleites da civilização, entregue exclusivamente ao trabalho de estudar a natureza corpo a corpo, escrupulosamente, rebuscando os mínimos segredos da vida dos animais dotando constantemente o Museu de Lisboa com os despojos das suas acérrimas batalhas "

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Oliveira Martins Escritor, Historiador e Sociólogo. Defensor do Movimento Associativo. Fonte ideológica e de inspiração do Cooperativismo Português. Joaquim Pedro de Oliveira Martins, nasceu em Lisboa a 30 de Abril de 1845 e faleceu na mesma cidade em 24 de Agosto de 1894. Passou algum tempo da sua infância, em Castanhos, em casa de seu tios e primos. Órfão de pai (vitimado pela epidemia da febre-amarela em 1857) teve de interromper os estudos e empregar-se aos 15 anos para prover ao sustento da família, estudando à noite como autodidacta. Estreou-se com o romance "Febo Moniz 1867", de intenção política. Luciano Cordeiro levou-o a colaborar no jornal A Revolução de Setembro, onde publicou os primeiros ensaios de história e política social. Admitido no cenáculo de Antero de Quental em 1870, tornou-se seu grande amigo, assim como de Eça de Queiroz, com que fundou o efémero jornal A República . Trabalhou em Córdova, Espanha como administrador de minas. Em 1874 fixou-se no Porto onde dirigiu a construção de um troço da linha de caminho de ferro do Porto à Póvoa . Fundou a Biblioteca das Ciências Sociais, onde nesse ano publicou a "História da Civilização Ibérica", logo depois a "História de Portugal" e por último a História da República Romana 1885. Nesse ano de 1855 decidiu-se a intervir directamente na política participando no Partido Progressista. Publicou então Política e Economia Nacional 1885 e fundou o jornal "A Província". Em 1891 publicou "Os Filhos de D. João I ", Após o ultimato, D. Carlos fê-lo aceitar, em 17 de janeiro de 1892 a pasta da Fazenda, por ele recusada em 1889, mas foi levado a demitir-se em 27 de Maio de 1892, depois de tentar modificar o panorama financeiro do Estado. Ideologicamente evoluiu de um republicanismo social para um socialismo proudhoniano, privilegiando o social sobre o liberalismo individual. Tornou-se um dos teóricos do associativismo .

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BREJOS DE SÃO SIMÃO Embora que esteja dividido geograficamente pelas duas freguesias de Azeitão, os Brejos constituem um dos maiores aglomerados populacionais de São Simão. Globalmente, os Brejos são constituídos por quatro zonas distintas, que correspondiam a quatro antigas grandes propriedades : - Casal de Bolinhos, que era propriedade dos Cunhas, Condes de Pavolide e estavam ligados à Quinta da Torre, em Oleiros ; - Vale de Choupos, que era propriedade dos Condes de Feira e Marqueses de Sabugosa, cuja residência em Azeitão, era a Quinta do César, em Vila Fresca de Azeitão ; - Brejos do Clérigo , que era um prazo do Padre António Pires Brioso, residente em Palhavã, junto a Vila Fresca ; - Choilo, que era propriedade dos Coelhos Sousas, da Quinta Velha e do Calhariz . A partilha das quatro propriedades, por múltiplos aforamentos, teve lugar nos inícios do século XVII, dando-se assim o "nascimento desta grande terra de Azeitão . Foram os "Caramelos" , gente humilde e pobre, mas trabalhadora, oriunda da Tocha, Ílhavo e Vagos os primeiros arroteadores e povoadores dessas terras insalubres e agrestes tendo feito dela terra habitável e produtiva . Quem são e porque lhes chamam "Caramelos" ? Diz o Padre Manuel Frango de Sousa, que " não sabia a razão porque foram baptizadas por caramelos essas gentes que vieram de Cantanhede, Mira Febres, Tocha, Vagos, etc. Continuo a não saber a razão, e penso que nunca se vem a saber. Mas trago ... a opinião e a pesquisa do Padre Oliveira, prior de Mira . (...) Na linguagem popular desta região, a palavra caramelo significa gelo, ou melhor, terra gelada ; e assim esta gente pobre e

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descalça de outros tempos ... no inverno, ao começar o trabalho, e várias vezes durante o próprio trabalho , de pé descalço, diziam : isto é que está um caramelo !... É natural que à força de ouvir isto várias vezes, os povos de Azeitão ... começassem a chamar caramelos a estes trabalhadores " Posteriormente, o mesmo Padre Oliveira, envia outra interpretação : - "(...) Finalmente, depois de várias pesquisas encontrei vários homens "de outros tempos" que me afiançaram o significado da palavra caramelo aplicada a estes migrantes da Beira-Mar-Centro : «as pessoas daqui normalmente foram sempre afáveis e simpáticas, pessoas bondosas e bons trabalhadores ; daí chamarem-nos caramelos, quer dizer, doces, amigos, afáveis»

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ALCUBE Entre nós, quando se fala de Alcube, imediatamente se torna presente a Quinta com o dito nome. Mas esse nome trás consigo mais alguma coisa. A Quinta, praticamente não tem história, todavia, algumas informações que seguem, fazem parte de uma meada que se tentará desenrolar, a seguir : "(...) Foi em 1436, a 3 de Outubro, em Oleiros, em casa do tabaleão. De uma parte estava Diego Vicente, "criado e servidor de Dona Aldonça, mulher que foi de Rui Nogueira, que disse que »um casal de casas e vinhas e herdades de pão e foro dele, em Alcube» era dele Diego Vicente, por doação que lhe fez a dita Dona. Provou que o dito casal tinha sido comprado por Rui Nogueira, à comuna dos judeus da judiaria grande da cidade de Lisboa " Rui Nogueira, era falecido sem descendência. Tinha ele sido Alcaide-mor da Cidade de Lisboa, como o tinha sido também seu pai Afonso Anes Nogueira. Seu avô tinha sido o Mestre João das Leis e este irmão de Lourenço Dinis o fundador da Igreja de São Lourenço de Azeitão. O irmão de Rui Nogueira, Afonso Nogueira, também ele Alcaide-mor de Lisboa e depois Arcebispo da mesma cidade veio a Azeitão entregar ao Mosteiro de São Domingos a "capela" do dito Lourenço Dinis . É a família dos Nogueiras que por aqui andou e que foi tão importante para Azeitão, provavelmente , mesmo os fundadores de Vila Nogueira ... De outra parte, esteve em Oleiros, Estevão Esteves, que de Sesimbra veio morar em Azeitão. Este é que comprou a Vicente Diego a Quinta de Alcube.

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Quando Estevão Esteves se fez frade no Convento de São Domingos, na Aldeia Nogueira, e sua mulher Maria Lourenço, se fez freira no Convento de salvador, em Lisboa, a Quinta de Alcube passou a pertencer ao Convento do Salvador . (Estevão Esteves, fez a doação da quinta onde se instalou o Convento de São Domingos, em Vila Nogueira) Alcube é um sítio, um território, em que se encontram várias propriedades e uma Aldeia, Aldeia Grande de Alcube É uma das três zonas desta área : Alcube ; Azeitão e Coina-a-Velha . O nome de Alcube é o mesmo que Al-Cuba. É o mesmo da Vila de Cuba, no Alentejo. Cuba (Qubba) é o "edifício contendo o túmulo de um grande personagem ou de um santo, na região árabe" ... Acontece que em Alcube existem dois edifícios iguais às Cubas do Alentejo e do Norte de África. São esses edifícios, a Capela-mor da Capela de São Pedro de Alcube e uma construção quadrada sita na parte norte de Aldeia Grande, a qual está em ruínas, e à qual o povo ainda chama Cubata . Pobres que somos em monumentos árabes, era bom e útil que estes dois monumentos fossem protegidos e declarados, pelo menos, monumentos nacionais .

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OUTROS LUGARES Nos espaços entre Aldeias, há lugares com uma certa densidade populacional, que pela sua antiguidade e origem, assim como pela identidade própria dos seus habitantes, merecem aqui ser mencionados :

Camarate O documento mais antigo que se conhece em que é mencionado o nome de Camarate (o de Azeitão) é uma carta de Dom Afonso IV, em que diz

"(...) e das cabeças ruyvas a camarate que foy de Estevam Zasto, e de camarate comosse vay dereitamente atravessando a serra da Rábida ... " Não se sabe donde lhe vem o nome, mas há outros sítios com o mesmo nome : Camarate, perto de Sacavém e ponte de Camarate , perto de Alcochete . Na Aldeia de Camarate e na sua casa da Quinta da Bela Vista, viveram os Sousas, Marqueses das Minas, célebres nas campanhas da independência após 1640. Aí nasceu, mesmo, Dom Francisco de Sousa , que entrou com tropas portuguesas em Madrid, nos finais do século XVII, nas guerras da Sucessão de Espanha. Deste herói se falará mais adiante. A Quinta da Boa Vista, fazia parte dos bens do Morgadio de Camarate da Casa dos Marqueses das Minas. Era a habitação mais

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importante da Aldeia e além de casa nobre e celeiro, tinha anexas outras acomodações agrícolas, tais como Adega, Lagar de vinho, Lagar de azeite, e Abegoaria e um logradouro murado . Nesta casa, nasceu em 17 de Outubro de 1615 Dom Francisco de Sousa, 3º Conde do Prado e 1º. Marquês das Minas . Manteve-se nos bens da Casa Minas, até à morte, em 1827, da 8ª Marquesa das Minas, Dona Joana Berardo de Sousa Lancastre e Noronha, que não tendo descendentes nomeou seu testamenteiro o Marquês de Borba, Dom Fernando de Sousa, que a recebeu como remanescente da herança. Em 1834 pertencia à Marquesa de Borba, mulher do seu testamenteiro, e em 1843 o seu filho, Conde de Redondo, vende a quinta e várias courelas anexas a Francisco Manuel Correia Lopes, que por sua vez a cede a seu cunhado Manuel Caetano Pereira Martins. Mais tarde, um filho deste de nome Francisco Manuel Correia Martins herda a quinta e por morte deste, em 1911 passa a pertencer à sua viúva Dona Ethelina Couvreur Correia Martins. Em 1914, António Soares Franco Júnior, compra a Dona Ethelina a quinta e várias courelas anexas. Nessa altura viviam várias famílias na Aldeia de Camarate em pequenas casas rústicas e em mau estado de conservação. António Soares franco vai comprando as casas e transferindo os seus proprietários para casas que mandou construir na Aldeia de Pinheiros, saindo os últimos em 1940.

Pacheca Na estrada que vai da Palha-vã para as Vendas de Azeitão, fica a quinta da Pacheca e o sítio da Pacheca. No Solar dessa quinta, esteve em tempos instalado, por alguns dias, El Rei Dom José, e foi nessa altura, e aí que ele assinou o documento que permitia o descoutamento do Vale de Picheleiros. Apanhando os séculos XVII e XVIII aparece uma família de apelido Pacheco : Bartolomeu Pacheco pai de João Pacheco de Brito e avô de Maria Pacheca, viúva, que faleceu por volta de 1735. Foram donos desta quinta (com posse útil, visto ser um foro da Bacalhoa) o Capitão João Pacheco de Brito, seu filho Bartolomeu e posteriormente, o irmão deste Duarte Pacheco . João Pacheco de Brito e seu filho Bartolomeu viveram sempre em Oleiros de Azeitão. Em São Simão faleceram Francisca Pacheca, filha de

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Bartolomeu. Esta última era filha natural, visto que o pai nunca casou. A mãe dela, Maria Murzela, vivia também em São Simão. Deve ter sido uma destas senhoras de apelido Pacheco, que deu nome à quinta e ao sítio da Pacheca .

Palhavã ou Palha-vã A Quinta da Palhavã ou Palha-vã na antiga grafia, está hoje transformada em duas, mercê do corte longitudinal provocado pelo rompimento da estrada nacional que a atravessou, tornando-a em "Palhavã de Cima" e Palhavã de Baixo" . Pertenceu esta quinta à família do mesmo nome cujo apelido lhe adveio de uma quinta que tinham em Lisboa, com esse nome . (Recorde-se o Palácio da Palhavã, hoje sede da Embaixada de Espanha, e o Hospital da Palhavã) . As pessoas mais antigas conhecidas desta família são João Martins Palhavã e Afonso Martins Palhavã, no tempo do Rei Dom Dinis, do qual Afonso Martins foi Vice-Chanceler do Reino. Há ainda, outro Afonso Martins, casado com Dona Sancha Pires, mas já no tempo de Dom João I. Esta família foi dona de uma grande quinta em Azeitão. A viúva de João Martins Palhavã vendeu a maior parte da quinta a Afonso Mealha e deste, como já foi referido noutro local, passou para a Coroa e é hoje a Bacalhoa. A outra parte ficou na família mais tempo; em 1413 pertencia ao segundo Afonso Martins e a sua mulher. Depois, por terem falecido sem descendência, passou também para a Coroa. É hoje o sítio e a Quinta da Palhavã, Junto à Bacalhoa .

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Quinta da Torre Provavelmente, no século XVI, os Marqueses das Minas mandaram construir um Palácio no Vale da Quinta da Torre, a poucas centenas de metros da Quinta da Boa Vista, de Camarate. Este Palácio foi completamente destruído por um incêndio e hoje nada resta no local desse palácio, sendo as actuais construções do final do século XIX, princípio do século XX . Sobre esta quinta, Joaquim rasteiro conta-nos que "(...) no lugar em que partilham os antigos concelhos e comendas de Palmela e Sesimbra, há uma quinta, cabeça de um morgado, ainda há pouco (1894) na administração dos Marqueses das Minas . Houve ali uma habitação senhorial, de que restam apenas algumas pedras. A sua queda deve ser anterior ao século XVII, porque logo nos primeiros anos Dom António de Sousa e sua mulher Dona Maria Teles de Menezes, residiam na Quinta da Boa Vista, na Aldeia de Camarate , onde lhes nasceu primogénito, Dom Francisco De Sousa, 1º marquês das Minas e 3º do Pardo, baptizado em São Simão de Azeitão (Vila Fresca) a 17.10.1615, que tão brilhantemente fez as campanhas da Restauração e a Embaixada a Roma em 1670 ". Um documento de 1434, fazendo a delimitação dos velhos concelhos de Palmela e Sesimbra diz "(...) e daqui se vai direitamente águas vertentes pela serra a fundo ter à torre que foi de Afonso Lobo e aí está um marco ao pé da torre da parte poente ... " . Mais tarde os senhores do morgado levantaram uma casa grande mas sem nobreza de formas, no mesmo lugar e o marco, a que se refere o documento atrás, ficou no meio da cozinha servindo de pé. a uma mesa . Além desta torre senhorial, deve ter existido outra, também na serra, próximo da Fonte do Sol, na propriedade chamada Torres Altas, ao nascente daquela "(...) Estas torres senhoriais podem talvez datar do século XII ou XIV, preferivelmente anteriores a Dom Dinis, visto que este as proibiu erguerem-se e serem necessárias quando os mouros dominavam o Algarve e erguidas por fidalgos a foro da Ordem de Santiago " .

Aldeias Desaparecidas Aldeia do Passa-Rego e Aldeia do Boi eram as habitações de duas pequenas quintas sitas entre Vila Fresca e Quinta Velha.

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Na primeira metade do século XV, aparecem em documentos de Azeitão, Martim Anes Passa-Rego , Domingos Fernandes Passa-Rego e Martim Boy. Eram estes os proprietários e deram nome às Aldeias .

CAPÍTULO VI

PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO

INTRODUÇÃO AO TEMA Prosseguindo na perspectiva de que o presente trabalho poderá constituir um modesto subsídio para a Monografia da Freguesia de São Simão, e nesse contexto, pensar que sobre os alicerces da constituição da freguesia, há já razoável matéria, passa-se agora ao capítulo do Património Construído, aliás, alicerçado nos "caboucos da História" aqui referenciada. A Igreja e as Capelas, Os Cruzeiros e o Pelourinho, os Palácios e os Solares, as Fontes e as Azenhas, as Ruas e as modestas casas de habitação, são "Pedras que Falam" . São pedaços da história local. São ainda, algumas delas, marcos importantes na História de Portugal. Como tal, e sempre na perspectiva supra, irão ter a nossa atenção.

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O Pelourinho reconstruído / construído em Vila Nogueira de Azeitão, esteve - sem qualquer margem de dúvida - implantado em Vila Fresca, como Padrão distintivo de autonomia municipal, do poder autárquico, que na realidade o teve, como primeira Sede da Câmara Municipal de Azeitão. O Concelho de Azeitão foi instituído em 3 de Novembro de 1759 e extinto em 24 de Outubro de 1855, por ter sido anexado pelo de Setúbal. Entretanto, a sua Sede foi transferida de Vila Fresca para Aldeia Nogueira em 1 de Outubro de 1786 . Daí, a consequente transferência do Pelourinho. Dos outros sinais representativos da autonomia Municipal, resta o edifício onde esteve instalada a Câmara e a cadeia, infelizmente em galopante degradação . Passo a documentar o acontecimento : O Pelourinho Em 8 de Agosto de 1650 Azeitão foi elevada à categoria de Ouvidoria em virtude da sentença favorável que alcançou a Duquesa de Aveiro e Torres Novas, Dona Ana Manrique de Lara. Esta Ouvidoria compreendia na sua jurisdição as Vilas de Sesimbra, Barreiro, Torrão, Santiago do Cacém, Sines, Castro Verde, Samora Correia e Ferreira do Alentejo. O Rei Dom José I extinguiu a Casa de Aveiro, em 1759, e por consequência foi igualmente extinta a Ouvidoria, anexando a maior parte dos seus terrenos às Comarcas de Setúbal e de Ourique . Determinou também Dom José I , no diploma de extinção da Ouvidoria que, se criasse o Concelho de Azeitão, fazendo-o por Alvará da sua Chancelaria de 13 de Novembro de 1759, no qual estabelece que teria por Termo as freguesias de São Simão e São Lourenço . "(...) A Aldeia Fresca elevada à categoria de Vila, com a denominação de Vila Fresca, passou a ser Sede do novo Concelho, não obstante Aldeia Nogueira ser a povoação mais importante das que constituem o Limite de Azeitão . Este facto deveu-se, muito provavelmente, ao ódio que Dom José I e o seu Primeiro-Ministro tinham por tudo que recordasse os Aveiros e à influência dos Guedes de Murça, administradores nessa época, do morgado da Bacalhoa" .

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O Primeiro Juiz de Fora do novo Concelho foi o Dr. Francisco Xavier de Basto que tina exercido o cargo de último Ouvidor de Azeitão. Sucedeu-lhe o bacharel Agostinho Machado de Faria cuja actividade foi exercida de 1784 até 1801. Seria a Machado de Faria que " (...) se ficaria devendo não só enorme progresso ... mas também o louvável asseio e ornato da casa da Câmara que se achava indecentíssima e ainda o ter "erigido" e levantado o Pelourinho. " Segundo J. Cortês Pimentel "A Sede da Câmara foi transferida mais tarde para Aldeia Nogueira que - que passou a chamar-se Vila Nogueira - por Alvará de Dona Maria I, datado de 1785. A Rainha pôs em destaque, nesse documento a importância daquela Aldeia por «se achar nela a praça onde se faziam os leilões, a Santa Casa da Misericórdia e o Hospital, um Convento de religiosos dominicanos, e a Real Fábrica das Chitas e Tecidos de Azeitão» e determinou que «para ela se transporte o Pelourinho que se havia estabelecido em Vila Fresca» . (Alvará da Chancelaria de Dona Maria I , de 1 de Outubro de 1786) Sobre a transferência do pelourinho, o Padre Manuel Frango de Sousa, também se pronunciou, dando um contributo decisivo para o facto histórico que, por falta de informação, se estava a tornar em "lenda" . De "Azeitão, A Nossa Terra" : "De vez em quando levantam-se velhas polémicas sobre o pelourinho, e vem sempre à baila o dito de que foram os de Vila Nogueira que o "roubaram" . Na Torre do Tombo, Desembargo do Paço, Corte e Estremadura. Maço 1381, nº 4, está tudo explicado . «O assunto andava no ar e certo dia veio à casa da Câmara o Desembargador Doutor José Henrique de Anchete Fortes Pereira de Sampaio que ouviu a petição da Nobreza e povo de Azeitão. Disseram que, villa Fresca era pequena, que não tinha cómodos para funcionários e que os não podia vir a ter, e que pelo contrário aldeia Nogueira tinha todas as acomodações necessárias, além de estar lá o Convento, a Misericórdia, e a Fábrica de Chitas . Pediram que a Câmara mudasse par Aldeia Nogueira e assinaram o documento 136 pessoas .

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Juntaram ao processo um relato da fundação da Freguesia de São Lourenço e o depoimento dos párocos de São Lourenço e São Simão. No parecer final o supra dito Desembargador diz que os suplicantes parecem ser dignos da mercê que suplicam. A rainha Dona Maria decretou "Vista a resposta dos oficiais da Câmara, Nobreza e povo conformo-me com o parecer do Corregedor informante, persuadindo-me de que he conveniente a transladação da villa que se creou na vizinhança da Aldeia Nogueira para a mesma Aldeia Nog. pelas justas razões que todos uniformem.te ponderem a favor da dita transladação. R. (Rainha) A Mudança da Câmara exigia a mudança do Pelourinho . É tradição que os habitantes da Freguesia de São Lourenço cumpriram na íntegra o que consideravam como determinação régia, conduzindo o pelourinho de Vila Fresca para Vila Nogueira. O acontecimento ocorreu numa noite de Outubro de 1786, sendo o monumento transportado num carro puxado por uma junta de bois. foi esta, segundo cremos, a origem do pelourinho existente no Rossio de Vila Nogueira de Azeitão, e não propriamente o que lá está lavrado, atribuindo o seu levantamento ao Senado constituído após a instalação da Câmara na sua Sede de Vila Nogueira, como faz supor a inscrição «Fidelíssima Regina D. Maria 1ª Imperante Senatus Fexit : Anno 1786», que se lê na base do fuste do monumento . Memória Descritiva O pelourinho de Azeitão - agora defrontando o palácio que pertenceu ao Duques de Aveiro, no Rossio de Vila Nogueira, é "um monumento setecentista, que pompeia alto e esbelto na brancura da sua pedra calcária e na elegância das linhas clássicas . O monumento assenta num trono de quatro degraus. É de fuste clássico, encimado por um ábaco clássico e capitel de quatro faces, rematado por uma esfera armilar em ferro ; entre o ábaco, moldunado na ordem jónica e o capitel de coxim cúbico, assentam, cruzados, quatro ganchos em ferro, tendo cada um, a dois terços do seu comprimento, uma curvatura em meia-cana, donde pende uma argola ; as extremidades destes ganchos, são triforcados na vertical, configurando cabeças de serpente com as mandíbulas abertas, donde emergem línguas viperinas, como que em posição de bote . Segundo os termos classificativos de Luis Chaves, pode-se atribuir ao nosso pelourinho, o estilo, pelas proporções ; e a identificação pelo seu

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coroamento . Atrevo-me, assim, a dizer que o Pelourinho de Azeitão é de estilo clássico e o seu coroamento, um bloco prismático, cúbico, rematado em "pinha" e encimado por esfera armilar. Em conclusão : será um coroamento intermédio, entre o "coluço" e a "picota" . O fuste e o capitel, devem ser os da primitiva, os que estiveram implantados no Largo da Câmara, em Vila Fresca, representando pela primeira vez o poder Municipal de Azeitão. O altar, é de outra pedra, nitidamente diferenciada. Talvez que, aqueles que consumaram a transladação, de forma furtiva e provavelmente acidentada, só tivessem tempo de levar metade ... Capelas e Ermidas Da Paróquia de São Simão No relato do Pároco de São Simão, em 1758, arquivado na Torre do Tombo, lê-se : "(...) Tem esta freguesia cinco ermidas e metade de outra, porque em um outeiro está a ermida de Santo Ovídio, e o termo de Palmela com o limite de Azeitão partem pelo meio a Capela-mor, ficando esta no termo de Palmela e o corpo da ermida no limite de Azeitão, e por esta causa vem o pároco de Palmela oficiar à dita ermida , por estar o altar nos limites da sua jurisdição. Na Aldeia dos Castanhos está a ermida de Nossa Senhora dos Remédios, cuja administração é de um morgado que possui o Capitão Dinis Veloso de Cerqueira. " Há ainda no relato de 1758, mais a seguinte informação : "(...) em uma quinta chamada da Palha-Vã, alguma cousa afastada da Aldeia está a ermida com a vocação da Senhora do Cabo, e é de uma pessoa particular ; em um alto distante da Aldeia está a ermida de São Francisco que é do Marquês das Minas ;Em a quinta do Porteiro-mor que chamam Alcube, um quarto de légua distante das Aldeias está a ermida de São Macário . Em o alto da serra a que estas Aldeias estão encostadas , um pouco distantes delas , está a ermida de Nossa Senhora das Necessidades, cuja administração tem o Porteiro-mor ... "

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ERMIDA DE NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS Em Castanhos Na Aldeia de Castanhos está a ermida de Nossa Senhora dos Remédios, cuja administração é de um morgado que possui o capitão Dinis Veloso de Cerqueira. Mais tarde, em 1781, num Relato da Visitação a mandado do Bispo de Lisboa lê-se que "tem um só altar com uma imagem de vestir com o dito título e nela se diz Missa todos os Domingos e Dias Santos que manda dizer o dono da quinta e casas em que está anexa a dita ermida..." "Por volta de 1570 era a capela do recolhimento das irmãs Dominicanas. Dom Jorge, Duque de Coimbra, em 1572 extingue este recolhimento, mandando as Dominicanas para o Convento de São João Baptista, que tinha mandado construir em Setúbal. Conserva (em 1894) a antiga capela-mor de abadia artesoada , nos seguintes do arco, dois medalhões com busto em alto relevo, mas as camadas de cal de tal modo se acumulam sobre a pedra que não pode avaliar-se do seu merecimento ou autor ... " (Actualmente, 1995, estão recuperados) Dom Manuel Caetano de Sousa, em "Notícias Históricas de Azeitão", manuscritos existentes na Biblioteca Nacional de Lisboa, diz a respeito de

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António Veloso de Cerqueira, um dos proprietários dessa ermida : "(...) bom poeta, destríssimo em jogar as rimas, grande caçador e poderosa ligeireza em correr ... " Os Velosos de Cerqueira eram gente da Casa de Aveiro. O mais antigo que se conhece é um Gaspar Veloso. Um filho deste, casado em 1590 com Dona Joana, e de nome António, foi baptizado em São Simão de Azeitão, em 1621. Esta família conservou o apelido de Veloso até finais do século XIX . ERMIDA DE SANTO OVÍDIO Quanto á supra citada ermida de Santo Ovídio, acrescente-se o que Joaquim Rasteiro deixou escrito a respeito das curiosas divisões administrativas do interior do Solar e da capela da Quinta de Alcube : "(...) Assim como na cozinha se dava o facto estranho de pertencer a dois concelhos, do mesmo modo a ermida de Santo Ovídio (também chamada de Santa Helena) tinha a capela-mor na freguesia de Santa Maria, concelho e comenda de Palmela, enquanto o restante da igreja ficava na freguesia de S. Simão (Vila Fresca) comenda e concelho de Sesimbra e ultimamente (desde 1759) concelho de Azeitão. Esta partilha deu causa a questão entre os párocos das duas freguesias porque se um não queria que o outro oficiasse para os seus fregueses, o de Palmela não permitia que o de S. Simão celebrasse nos limites da sua paróquia. O caso foi resolvido pelo prelado a favor do pároco de Santa Maria de Palmela . " Nesta ermida, também chamada de Santa Cruz, fazia-se uma grande festa, a 15 de Agosto .

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CAPELA DE SÃO MACÁRIO O Palácio da Quinta de Alcube, "(...) uma casa baixa de formas irregulares e que foi solar dos Morgados de Pilatos, fundado no século XV por Álvaro de Sousa e sua mulher Dona Francisca de Távora, tinha uma capela devota a São Macário. Em 1758 ainda existia, porque contava de um relato do Pároco de São Simão, que a ela muito breve se referia : (...) m a quinta do Porteiro-mor que chamam Alcube, um quarto de légua distante das aldeias está a ermida de São Macário ... " Hoje, o edifício da capela, ainda com a traça tradicional serve de habitação a um trabalhador da quinta. São Macário que viveu de 301 a 391 d.c. foi "solitário" durante muitos anos no deserto de Cete . A primitiva Imagem de São Macário, está guardada na Capela das Necessidades (1993) . Sobre esta capela escreveu Joaquim Rasteiro : A capella dedicada a S. Macario é de regulares proporções, mas nada tem de notável ; de há muito profanada, hoje serve de celleiro. Enquanto alli residiram os Souzas e Mellos foi a capella logar de baptismo dos filhos da casa ; ministrou-lhe o sacramento o bispo do Funchal, Dr. Lourenço Pires de Tavora - o arcebispo de Martyrio D. Christovão d'Almeida e o prior-mór de Santhiago D. Diogo Lobo.

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CAPELA DE NOSSA SENHORA DO CABO Na quinta da Palhavã, junto à Bacalhoa, existiu uma capela mandada edificar por volta de 1722, pelo Sargento-mor Manuel Pires de Carvalho Brioso, proprietário dessa quinta. (...) A capela devota a Nossa Senhora do Cabo, era-o por certo, por influência do Padre Manuel de Castello Branco, capelão do Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel, que tinha comprado a Quinta da Palha-vã para dote de casamento a sua sobrinha, casada com o dito Sargento-mor ... " (In, Comunicação escrita, Padre Manuel F. Sousa - 1991)

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ERMIDA DE NOSSA SENHORA DAS NECESSIDADES

A CRUZ DAS VENDAS

(In, Relatório do Pároco de São Simão, em 1758 - Torre do Tombo) Em o alto da serra a que as Aldeias estão encostadas, um pouco distante delas, está a Ermida da Nossa Senhora das Necessidades. Tem esta ermida uma cruz com uma hasta de duas varas e meia de comprimento, e encima continua uma pequena cruz maravilhosamente lavrada com duas imagens ; para a parte do Norte a imagem de Cristo com a vocação de Senhor da Boa Ventura e da parte do Sul, na cruzada dos braços, a imagem de Nossa Senhora com a vocação das Necessidades, tudo de pedra branca e muito fina que dizem os artífices não ser destes contornos. O pé é da mesma pedra, em oitavado ;e lhe servem de ornato dois altares ; em cujo pé estão umas letras góticas que dizem o seguinte : « por serviço de Deos Vasco Queimado de Villalobos fidalgo da Casa de El Rey e goarda mor que foy do Infante dom Pedro e camareiro e do Concelho dos Duques Fellipe e Carlos de Borgonha mandou por aqui esta cruz era mil quatro centos e setenta e coatro rogai a deos por sua alma ». Esta cruz estava ao rigor do tempo até que um homem Chamado Manuel Martins de sua devoção e com seu dinheiro e algumas esmolas que alcançou fez uma ermida a que deu princípio em 27 de Abril de mil setecentos

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e quarenta e oito anos, e em primeiro de Maio de setecentos e cincoenta se benzeu, e se ficou sempre fazendo a festa em o dito. e no dia tres do mesmo se faz também festa, e acode grande concurso de gente de distâncias de duas a tres léguas ..." Sobre a Ermida votiva a Nossa Senhora das Necessidades e do monumento chamado "Cruz das Vendas" para além do supra dito, muito mais há a dizer : Vejamos, em síntese, como se processou a sua evolução histórica : A passagem entre os montes de São Simão e São Francisco fazia-se em solo do morgado de Alcube e era conhecida por Portela da Cruz por ali ter sido erigida em 1474, por Vasco Queimado de Villa Lobos, um cruzeiro a que se chamou Cruz das Vendas. O monumento esteve durante séculos ao ar livre. elevando-se aquela soberba iminência donde muito longe podia ser avistada . O padrão de Vasco Queimado de Villa Lobos é uma cruz floreada, colocada sobre uma haste oitavada de dois metros de altura e que tem uma base octogonal, talhada em pirâmide onde se encontra, em caracteres góticos a inscrição já mencionada . Na parte superior da cruz estão esculpidas duas pequenas imagens, representando, a do lado poente, Jesus crucificado e do lado nascente, a Virgem Maria. Por baixo das esculturas, rodeando a haste da cruz, reconhecem-se quatro brasões, todos orlados, o maior dos quais são as armas dos Villa Lobos, representados por dois leões passantes e encimados por um elmo de perfil, de grades abertas, indicando alta linhagem. Os três brasões mais pequenos têm, como constituição heráldica, respectivamente, um leão rompante, uma cabeça de lobo e uma barra abocada por duas cabeças de serpente . A Cruz das Vendas como também é conhecido o padrão esteve ao rigor do tempo durante séculos, sendo resguardado, nos meados do século XVIII dentro da ermida de Nossa Senhora das Necessidades, onde até hoje se encontra . De princípio, seria, no âmbito deste trabalho, a monografia adequada para estes monumentos. Contudo, tendo presente a história da construção da ermida, da transladação do cruzeiro, e o retrato da época, contada na "Revista Illustrada" , nº 44 de 1892, por um dos maiores historiadores de Azeitão, Joaquim Rasteiro, sinto-me na obrigação de a divulgar. Como tal, transcrevo-a na sua quase totalidade, fazendo-o, respeitando a escrita original. (os subtítulos são de responsabilidade desta edição) .

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Escreveu Joaquim Rasteiro : A Paisagem -"A portella das Necessidades separa os montes de São Simão e São Francisco e dá passagem á estrada real nº 22. É um dos mais bellos logares de passeio e um dos mais formosos sitios frequentados pelos forasteiros, que em Azeitão passam a estação calmosa. A subida é suave e coberta de prolongados arvoredos. Ao nascente o valle d'Alcube, talhado a meio pela ribeira, que choupos esguios de longe apontam, é bordado a mil côres pelo vermelho das argilas , pelo branco dos calcareos, pelo pardacento dos humus, pelos verdes variados das producções silvestres e plantações culturaes . Uma casa antiga de fórmas irregulares alveja por entre a verdura dos eucalyptos e o esbranquiçado dos alamos - é o solar do morgado de Pilatos, fundado no século XVI por Alvaro de Sousa e sua mulher D. Francisca de Távora, franciscano da provincia de Santo António que leu artes e theologia nos conventos de sua ordem e foi bispo do Funchal. Manoel de Mello, grão-prior do Crato, porteiro-mór e um dos conjurados de 1640, ali teve residência... ... Além do valle , multiplicadas ravinas, caindo do Cordova, semelham as pregas de um véu gigante, lançado sobre o monte, que parece só ter-se separado da serra da Arrábida para deixar estender a vista ao Sado e suas marinhas e uma tira do território transtagano a perder d'olhos. Ao cair da noite, quando o despontar da lua desenha os contornos phantasiosos da crista das serras e montes, é deveras masgestoso o espectaculo, que se goza do alto da portella. Se aqui nos demoramos voltados para o norte, quando uma luz forte illumina o largo panorama, é o que ha de mais esplendoroso - o oceano, o Tejo, Cintra, Lisboa, e tudo o mais até Santarem, emmoldurando uma tela enorme, com as aldeias d'Azeitão lançadas caprichosamente na planura e aqui e acolá por entre o verde dos pinhaes, branquejando, pequenas casas em terras de cultura ; mais ao largo todas as povoações marginaes da esquerda do Tejo. No corte da portella, como que guardando a passagem, está a ermida das Necessidades, com eremitério junto. Pousa a cavalleiro da estrada e resguarda uma cruz , que, por quasi tres seculos, dispensou aquelle abrigo ... A Cruz de Vasco Queimado de Villa-Lobos ... É um monumento da piedade religiosa dos velhos tempos que se encontra no centro da ermida sobre um dado de alvenaria ordinaria, formando nas suas quatro faces lateraes outros tantos altares. É possivel que a tosca algamassa vele alguma trabalho em pedra, que melhor fora ficar a descoberto .

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A base da cruz é octogona e pyramidal, e n'ella se lê : Por serviço de Deus. Vasco Queimado de Villa Lobos, fidalgo da casa d'el-rei e guarda-mór, que foi do infante D. Pedro e camareiro e do conselho dos duques Filippe e Carlos de Borgonha, mandou pôr aqui esta cruz. Era 1474 annos. Rogae a Deus por sua alma " ... O infante, de que ali se trata é D. Pedro, dito da Alfarrobeira, morto em 20 de Maio de 1449 pelas gentes do seu sobrinho e genro Affonso V. Os duques são Filippe, o Bom, casado com Isabel de Portugal e Carlos, o Temerario, seu filho, morto em frente de Nancy a 5 de Janeiro de 1477. Não consta que Vasco Queimado tivesse a propriedade do sitio e desconhece-se a causa, que determinou a collocação da cruz n'aquelle logar; é de crer, porém que Vasco só ali se a levantasse como prece á piedade dos viandantes, convidando-os á oração pelo descanço de sua alma. O monumento de Vasco Queimado é uma cruz floreada sobre uma haste de uns dois metros de alto ; na face que olha a poente tem a imagem do Christo crucificado, symbolizando talvez o occaso da vida ; na face do nascente ha uma imagem de Maria , querendo dizer que d'ella nos veiu o filho, como do oriente raia a primeira luz . Sobre a haste, em torno da pedra, que serve de peanha á cruz, ha quatro escudos todos orlados ; no da frente por debaixo do Christo, ha um escudo em diagonal com as armas dos Villa-Lobos, 2 lobos passantes esplados ... Sobre o escudo um elmo aberto, indicativo de alta linhagem. na face opposta, n'um escudo perpendicular está uma cabeça de lobo. No lado norte o escudo tem uma banda saindo de duas cabeças de serpe: corresponde-lhe do sul outro escudo com um leão ". A ermida das Necessidades é de moderna data. Foi edificada no meado do século XVIII por deligencias de Manuel Martins, homem de pouca fazenda, habitante da vizinha aldeia das Vendas. O porteiro-mór José de Sousa e Mello permitiu a edificação e contribuiu para ella com longo donativo . José de Mello ficou padroeiro da ermida e Manuel Martins teve a faculdade de collocar sobre a porta uma lápide com o seu nome e fazer-se sepultar no recinto sagrado. Antes da edificação da ermida o logar era chamado portella da Cruz. As Lendas Como ao divino sempre anda ligado o fabuloso , esta cruz tem também a sua lenda maravilhosa entre o povo . Nas praias de Manguellas (hoje Ajuda) foi encontrada a cruz, fabrica dos Anjos, como demonstram o seu apparecimento maravilhoso e a execução aprimorada dos lavores. Um dia o senhor pretendeu leval-a para Lisboa, fazendo-a seguir caminho d'Azeitão n'um carro ; chegada porém á portella, não poderam mais os bois arrastar a carga ; reforçados com outras juntas e

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instigados pela voz e aguilhão dos conductores não lograram fazer mover o carro, até que este se partiu, reconhecendo-se d'aqui, que era determinação divina não passar mais além e ali foi collocada, mas sempre crescendo, segundo a lenda. Ha annos, talvez pelo decrescimento da fé, a cruz deixou de elevar-se, e parece haver estacionado , a não ir com ella augmentando o comprimento do metro. VASCO QUEIMADO DE VILLA - LOBOS "(...) Em tempos do rei Diniz esteve ao seu serviço Pedro Martins Queimado, homem-fidalgo que teve um filho Ruy Queimado. Não consta quem fosse sua mãe, porque as unicas noticias a seu respeito são colhidas de uma inquirição a que o rei mandou proceder para dar a Martim Paes os privilegios que lhe advinham por ser collaço do filho de um nobre , pois Mayor Paes, mãe de Martim, havia amamentado Ruy Queimado e seu filho ficava livre de toda a pena vil. Um Nobiliario da bibliotheca de Lisboa, seguindo uma inscripção sepulchral da capella-mór do mosteiro de S. Francisco de Setubal diz, que Ruy Queimado filho de Vasco Queimado que seguiu a voz do mestre de Aviz e casou com Maria Eannes Escobar . D'estes nasceu um outro Vasco Queimado, quee também ouvia João I e que era casado com D. Isabel de Villa-Lobos. Estes foram os progenitores de Vasco Queimado de Villa-Lobos, de que reza a inscripção da cruz . O lugar de guarda-mór do infante era de grande preeminencia e confiança, pois assistia ao deitar e ao erguer do senhor, tinha as chaves da porta da sua camara e junto d'esta porta dormia a noite. Em 1449 Vasco Queimado achou-se no combate da Alfarrobeira, em que foi prisioneiro e soffreu, com os demais vencidos, o confisco dos bens. Restituido á liberdade por lograr evadir-se do carcere, ou por outra forma, passou a Inglaterra com "carta de favor" da rainha D. Isabel, filha do príncipe seu amo, para Henrique VI na qual muito recomendava sua pessoa, nobreza e partes. Serviu este rei nas guerras com Carlos VII de França, alcançando as honrarias que contam da legenda. Repatriado ainda no reinado do algoz do illustre infante D. Pedro, não casou, mas de Helena Fernandes, moça solteira, teve tres filhos : Vasco, Job e Isabel, nomes que não seriam do acaso : Vasco lembraria os da sua raça, Job a resignação com que soffreu o captiveiro e perda dos bens, Isabel memoraria a

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rainha, sua protectora. Vasco, legitimado em 1476, foi guarda-mor da casa da Índia no tempo do rei D. Manuel. Job teve o mesmo lugar de seu irmão e foi provedor das feitorias de Tanger, Alcacer, Ceuta e Azamor. Isabel casou com Nuno Fernandes da Mina, commendador de Panoyas. Vasco Queimado de Villa Lobos, diz D. Rodrigo da Cunha, professou na ordem de S. Francisco e parece ter acabado seus dias no mosteiro de Setubal. N'esta cidade ha ainda uma rua do Queimado, talvez do nome d'este ou dos da sua família.

A IGREJA

DE SÃO SIMÃO DE AZEITÃO

INTRODUÇÃO

Quem conhece um pouco da história da freguesia de São Simão de Azeitão, apercebe-se que ela tem um núcleo central à volta do qual os restantes elementos giram. Esse núcleo materializa-se na Quinta e Palácio da Bacalhoa e pode-se dizer que se individualiza, no nome de Brás de Albuquerque, que tomou, por ordem real, o nome de seu pai, passando-se a chamar Afonso de Albuquerque. Também, quando pretendo escrever algo sobre a freguesia, nomeadamente quando se trata de património construído, tenho que gravitar sobre textos e documentos que reputo essenciais para consubstanciar a narrativa. Deste modo, algumas transcrições documentais aparecem obrigatória e simultaneamente em diversos trabalhos meus, tornando-se - como a Bacalhoa - o centro nuclear, donde tudo parte e converge. Assim, por força dessa circunstância o presente capítulo não "escapou a essa regra", aparecendo com bastante assiduidade citações dos seguintes documentos : - Escritura de Obrigação para Construção da Igreja de São Simão ; - Escritura de Obrigação dos Fregueses de São Simão ; - Compromisso de Manutenção do Pároco; - Carta de Licença do Rei Dom Sebastião;

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- Testamento de Afonso de Albuquerque; - Relatos das Visitações da Ordem de Santiago ; - Informação Avulso do Pároco de São Simão de Azeitão. (Padre Manuel Frango de Sousa) Para os que eventualmente já conhecem estes textos, a repetição poderá ser um avivar de memória. Para os outros, será a novidade, que penso, lhes será útil para entenderem a génese e o desenvolvimento do assunto aqui tratado: A Igreja de São Simão de Azeitão, como Monumento e como Sede da Paróquia do mesmo nome. A ERMIDA DE SÃO SIMÃO GÉNESE A Igreja de São Simão foi edificada para substituir uma Ermida existente em local próximo, deixada cair em ruína, a qual era igualmente devotada ao Apóstolo S. Simão. O novo Templo foi mandado edificar a expensas de Afonso de Albuquerque, filho de "Albuquerque, o Grande", para que viesse a servir de Panteão para sua família, muito especialmente para seu pai, conforme se pode constatar nesta passagem do seu testamento : - "( ...) Mando que sendo caso que dantes de minha morte, não tenha mandado as ossadas de meu pai, e molher e filha à Igreja de São Simão, que mandei fazer à minha custa em Azeitão, que logo as façam mandar para a dita Igreja ... e portanto mando que tanto que minha alma se apartar desta miserável carne se leve à dita Igreja de São Simão onde será sepultado no lugar e sepultura que deixo declarado no dito livro ... " Outra razão forte para a construção da Igreja de São Simão era um forte e tradicional culto ao Apóstolo, desde há muito implantado na região e, ao que parece, estava um pouco descuidada. (16) Sobre este culto, diz Oliveira Parreira : - "(...) No local da Igreja havia uma capela destinada a São Simão, onde em épocas muito anteriores, concorriam romarias de diversos pontos ..."

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Também o instituidor da Igreja de São Simão, no supra citado testamento, se pronuncia quanto às razões religiosas que o levaram a mandar construir o Templo -"( ... ) Porque sempre foi minha vontade de acrescentar e aumentar o serviço do Senhor Deus e honra e glória de São Simão que tão esquecido estava para efeito do qual mandei fazer a dita Igreja com muito gosto e contentamento ... " ----------------------------------------------------------------------------------------------- (16) - Diz o Dicionário Geográfico : " a devoção ao titular, a julgar dele próprio, deve provir pelo menos do século XII ou XIV ..." De facto, a devoção a São Simão, se não esquecida, andava descurada, conforme se documenta mais adiante. Justificadas as principais razões que motivaram a construção da Igreja de São Simão, torna-se necessário - para um melhor entendimento da situação - recuar no tempo e fazer referência à Ermida que existia no local. Sobre esta, dizia assim a referência mais antiga que conheço : O Relato da Visitação da Ordem de Santiago de 1516 ; " Visitámos a dita ermida a qual tem na capela um altar de alvenaria forrado de azulejos e assim o assento debaixo também forrado; e encima do dito altar está a imagem de São Simão a qual é de pau; tem um retábulo de bordos ; a dita capela está forrada de pinho e muito bem pintada que mandou pintar a excelente senhora com suas armas e está ladrilhada e as paredes são de pedra e cal; tem de comprido quatro varas e de largo quatro varas. E o corpo da dita ermida está madeirado de castanho e debaixo desta ermida sai uma fonte ; tem de comprido seis varas e de largo quatro varas; as paredes são de pedra e encima do portal tem uma cruz de azulejos e uma meia de cada parte... Achamos por informações de algumas pessoas que a dita ermida era tão antiga que não há aí memória de quem a fundou ou edificou de novo..." Quanto a esta antiguidade, repito o que diz o Dicionário Geográfico: "( ... ) A devoção do titular, a julgar dele próprio, , deve provir pelo menos do século XIII ou XIV, o que faz crer que a criação da paróquia se deve à Ordem de Sant'Iago, que talvez fundasse o templo, evidentemente diverso do actual ... " Joaquim Rasteiro, também se debruça sobre as origens da devoção a São Simão, em terras que, posteriormente tornando-se freguesia adoptaram o nome do Apóstolo.

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Escreve Joaquim Rasteiro : "(...) Em traços largos pode-se resumir a história desta freguesia (São Simão de Azeitão) em um povoamento pré-histórico e romano talvez apreciáveis ; despovoamento, talvez, posterior, mais ou menos acentuado ; povoamento arábico (topónimos como Alcube e Azeitão, este significando na origem do vocábulo arábico, olival) ; reconquista cristã e repovoamento pela Ordem de Sant'Iago, que funda a Igreja de São Simão (séc. XII-XIV), razão por que a freguesia foi curato da Ordem, o que é indício, como o Orago, de antiguidade, repovoamento esse que já por certo iniciado por D. Sancho I na carta de foral de 1201 «vobis populatoribus de Sisimbria» e seu termo , o qual englobava decerto já Azeitão ..." Em 1553, novo relato da Ordem de Santiago, dizia o seguinte : " Visitação da ermida de São Simão, situada em Azeitão junto à quinta de Afonso de Albuquerque (lembro que a Quinta já lhe pertencia desde 1528) ... a Ermida tem um altar de alvenaria forrado de azulejos sobre um tabuleiro de tijolo forrado do mesmo. Sobre ele um retábulo de madeira de bordo em preto de um painel e no meio a imagem de São Simão a ele arrimada de vulto de madeira cujo orago é a ermida. A capela oitavada; as paredes de alvenaria; o solho ladrilhado; o tecto de madeira forrada, oitavado, pintado de vermelho, uma coroa no meio dourada. O arco do cruzeiro de pedraria redondo chanfrado, com grades; as paredes da ermida de alvenaria de empena, com uma fresta de alvenaria semi encravado, ao norte. " Em 1564, seis anos antes da construção do novo templo, novo relato de Visitação da Ordem de Santiago: "( ... ) Achámos a ermida de São Simão estar em grande ruina, tanto paredes como telhado pelo que mandamos aos mordomos da dita ermida que logo a mandem concertar assim paredes como telhado e emadeirar de madeira nova ." O estado ruinoso da Ermida de São Simão. o descurar da devoção e as já citadas intenções de Afonso de Albuquerque, criaram as condições propícias para uma nova e mais nobre edificação. (17) Desta edificação tratará o próximo capítulo.

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-------------------------------------------------------------------------------------------- (17) - Brás de Albuquerque, o instituidor da Freguesia e da Paróquia de São Simão de Azeitão. assim como responsável pelos custos e manutenção da Igreja de Vila Fresca, mudou de nome por ordem do Rei Dom Manuel I , passando-se a chamar - como seu pai - Afonso de Albuquerque. Por tal motivo, será pelo nome de Afonso de Albuquerque que neste trabalho será referenciado. Quando se falar de seu pai, acrescentaremos algo mais ao seu nome, de forma a não se confundir as personagens. Exemplo : Afonso "O Grande" : "Conquistador da Índia" , etc.

I

O NOVO TEMPLO Afonso de Albuquerque sensível ao estado de abandono em que se encontrava a ermida, sentiu-se "obrigado" a mandar construir um Templo digno do Apóstolo São Simão, tanto mais que, para além das intenções já apontadas, havia ainda, a de instituir a Paróquia e, com base nela, constituir a Freguesia de São Simão de Azeitão. Assim viria a acontecer : Em 20 de Julho de 1570 Afonso de Albuquerque, vincula-se por "Escritura de Obrigações" não só à sua construção de uma igreja, como também à sua conservação, tendo para isso " vendido os foros de casas, que Affonso, o Grande, havia deixado em Goa, para se dizer missa quotidiana por sua alma na capela de Nossa Senhora da Serra ... O remanescente d'aquellas rendas seria distribuido em esmolas dadas às sextas feiras aos meninos orphãos filhos de portugueses. Uma bulla pontifícia auctorizou a permuta, ficando em Goa uma renda de 40$ooo réis para a missa quotidiana na capela ... " (18) Obtida a Bula Papal que autorizava a permuta da intenção primária para outra aplicação do produto da transacção acima referida. iniciou Afonso de Albuquerque as diligências necessárias para a construção do templo, tendo para tal, antecipadamente hipotecado a Quinta da Bacalhoa e a Casa dos Bicos, em Lisboa, para que ficassem garantias as obrigações contraídas.

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Para tal, mandou lavrar em seu testamento : "( ... ) Digo e mando que para porção e sustento dos ditos capelões e fabrica da dita Igreja e ornamentos dela se comprem cincoenta mil réis de Juro, sendo caso que em minha vida os não tenha comprado ... " ------------------------------------------------------------------------------------------------ (18) - Sobre este desvio, ou permuta, diz Gaspar Correia em «Lendas da Índia» : " Mas esta esmola dos meninos se perverteu, que seu filho, que ficou no reino, o quiz antes para si, que não para os meninos, nem para outra esmola ". Como se pode deduzir, esta apreciação é gratuita; revela - no mínimo -desconhecimento dos factos, ou - talvez - intenção de difamar o filho de Afonso de Albuquerque, "O Grande" .

II

Construção do Templo A construção do templo nem sempre foi pacífica, apesar da grande importância política (incluindo a Diplomática) e económica que Afonso de Albuquerque, desfrutava. Basta dizer que, ao tempo, era Presidente do Senado da Capital , e que os seus rendimentos, faziam dele um dos homens mais ricos do Reino. Era ainda "do Conselho D'El Rei e tinha sido Provedor da Misericórdia e Vedor da Fazenda". Mesmo assim, como se pode verificar, pela carta de Dom Sebastião datada de 26 de Setembro de 1570, a obra estava embargada, por esta estar a ser executada sem a necessária autorização da Ordem de Santiago. Mais propriamente do próprio Rei, porque Dom Sebastião, " Rei de Portugal e dos Algarves, daquem e dalém mar em África, senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia", era, ainda, Governador e Perpétuo Administrador da Ordem e Cavalaria do Mestrado de Santiago " Afonso de Albuquerque, apesar do seu próprio empenhamento e do de outros fidalgos seus pares nesta cruzada, não conseguiu evitar o embargo. Embargo que viria a apanhar as obras da Igreja já adiantadas, porque - presumo - deviam já terem sido iniciadas algum tempo antes de 1570, muito provavelmente por volta dos primeiros meses de 1568.

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Baseio este raciocínio no facto de que seria improvável haver já obras de construção de uma nova Igreja antes de 1568 e, a esse respeito, nada constar no relato desse ano, da Visitação da Ordem de Santiago à antiga Ermida. A reforçar este juízo, tenho presente a recomendação exarada nesse Relato para que se proceda a uma grande reparação dessa mesma Ermida. Entretanto corria o ano de 1568, e "( ...) Affonso de Albuquerque, era sem sucessor, e no dia 27 de janeiro, em Azeitão, elle e sua mulher, D. Maria de Noronha vincularam a quinta de Azeitão com seu assento de casas, pomar e vinha, cercados fóros havidos e por haver, e as casas de Lisboa ás Portas do Mar (Casa dos Bicos) ... instituindo um hospital na Igreja do bemaventurado S. Simão, que era junto da quinta de Azeitão, para n'elle se agasalharem pobres caminhantes. O título foi escripto, a rogo dos instituidores, pelo licenciado Aleixo de Albuquerque, seu capelão, e foi approvado no dia 28 de fevereiro do mesmo anno, na quinta do senhor Affonso de Albuquerque pelo tabelião João Rodrigues. " (19) Em face deste documento mais conjecturas se poderão formular sobre a data provável do início da construção, e entre elas , a seguinte : Tendo em conta que o documento refere a instituição de um "hospital" (tratava-se de um Albergue para caminhantes) na igreja, era porque esta já existia como edifício e como estrutura orgânica de forma a poder compartilhar o vínculo. Contudo, apesar de haver alguma lógica no raciocínio, aceito que o termo "Igreja" se possa referir ainda ao templo antigo e que a "nova Igreja de São Simão de Azeitão tenha como data provável de início de construção 1570 ", mais propriamente no dia 9 de Julho, data da "Escritura de Obrigação". Algum tempo após 1570, a Igreja ainda em fase de acabamentos, mas já aberta ao culto, (20) continuava nas preocupações dos instituidores, que ao nomearem para administrar o morgado, seu sobrinho e capelão André de Albuquerque, que entre outras obrigações já constituídas, determinaram também " a de mandar cantar em dia de São Simão (28 de Outubro) uma missa com pregação, e que o orador peça tres Ave Marias por alma dos instituidores " Em 1588, as obras da Igreja de São Simão ainda não estavam terminadas, nem mesmo muito mais tarde em 1607. Disso se dá conta através de dois testemunhos : o primeiro do Bispo de Targa, em 1588, que "manda, que a igreja seja forrada de madeira de bordo, sob pena de 50 cruzados" ; o outro, de 27 de Outubro de 1607 " é feita pela ordem de Sant'Iago, e n'ella os visitadores Jacomo Ribeiro de Lemos e Fernão Velho da Silva dizem : « porquanto a igreja de São Simão era ainda em parte sem forro e toda sem sobrado, de modo que o visitador manda seja juncada (21) tres vezes por anno, pela Semana Santa, pelos Santos, e pelo Natal ... porquanto corre demanda sobre quem ha de ser herdeiro do dito defunto (Affonso de Albuquerque, filho), nem ha administrador certo ... e mandam aos officiaes da igreja « que tanto

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que houver herdeiro certo e administrador dos bens e fazenda» lhes façam notificar as ordens dos visitadores e a pena em que incorrem não cumprindo ... " ---------------------------------------------------------------------------------------------- (19) - Afonso de Albuquerque e de D. Maria de Noronha de, em 1568, não tinham descendentes, devido "á morte prematura de dois filhos : António de Albuquerque que morreu moço, e D. Joanna de Albuquerque, primeira mulher de D. Fernando de Castro, primeiro Conde de Basto, capitão mor de Évora fallecido sem geração ..." (20) - Joaquim Rasteiro, no seu livro sobre a Bacalhoa refere que : "(...) Por morte de Affonso de Albuquerque, (6 de Maio de 1581) já se celebravam os officios religiosos na Igreja de São Simão, e era constituida a nova circunscripção parochial" (21) - Juncada - Neste caso, juncar, tanto pode querer dizer :cobrir o solo da Igreja com flores, durante as citadas festas religiosas, como juncar, com junco. Como se verifica, apesar de todas as garantias deixadas vinculadas por Afonso de Albuquerque, trinta e sete anos depois da "Escritura de Obrigações" ainda se apresentavam entraves à concretização plena dos compromissos contraídos. Contudo, em nada se pode culpar o instituidor. Ele deixou os compromissos bem explícitos no seu testamento e para tal vinculou os bens necessários para que seus herdeiros os cumprissem . A esse respeito, recordo esta passagem do testamento : "( ... ) Digo e mando que para porção e sustentação dos ditos capelães e fábrica da dita Igreja e ornamentos dela se comprem cincoenta mil réis de juro, sendo caso que em minha vida os não tenha comprado e a repartição dos ditos cincoenta mil réis farão meus testamenteiros conforme declaração que disso tenho feito no dito livro ... " Entretanto o litígio entre os herdeiros de Afonso de Albuquerque (que dificultava o cumprimento vinculado aos administradores do morgado) só terminaria definitivamente em 20 de Junho de 1615, com a sentença que conferia a administração vincular do morgado a D. Luisa de Mendonça . No entanto, apesar de ainda decorrer em julgado a contenda entre os diversos pretendentes à administração do morgado as obras já tinham terminado durante a administração de D. Maria de Mendonça e Albuquerque, que tinha herdado a administração do morgado por sentença transitória de Janeiro de 1610. Face ao exposto, poderemos concluir que, a grosso modo, se poderá dizer que : entre o início e a conclusão das obras de construção da Igreja de São Simão, em Vila Fresca, há um longo e penoso periodo de cerca de 40 anos.

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III

A Degradação

Depois da administração do morgado da Bacalhoa (como se sabe, responsável pela manutenção e conservação do Templo) ter deixado de pertencer a D. Maria de Mendonça e Albuquerque, e ser a partir de 20 Junho de 1615, de responsabilidade de D. Luis de Mendonça, o templo, por falta de cumprimento das obrigações dos responsáveis, foi-se degradando, ao ponto de no ano de 1720 aquando de uma visitação a mandado do Bispo de Lisboa, este ter mandado lavrar no relato o seguinte : " Constou-nos que Luis Guedes de Miranda é obrigado aos reparos desta Igreja e porque necessita de se mandarem consertar os telhados e o forro da sacristia lhe ordenamos que ... o mande fazer ... " Nove anos depois, a situação estava ainda pior. Recomendava o visitador em 1729 : "( ... ) Achei que esta freguesia necessita que se concertem os telhados e o forro do tecto ao que é obrigado o morgado da Quinta da Bacalhoa ... " Já depois do terramoto, em 1757, o visitador da Ordem de Santiago relata : " ( ... ) Achei pois esta igreja paroquial bastantemente livrada dos deploráveis efeitos que em tantas causou o sempre memorável terramoto fúnebre do 1º de Novembro de 1755, menos a torre que de todo se vê arruinada " Como se irá verificar há relatos que contrariam, em muito, a panorâmica traçada pelo visitador de 1757 , entre elas a do Pároco da Freguesia de São Simão, padre Manuel de Távora, que no seu relatório de 1758 escreve : "(...) Com o terramoto de 1755 houve alguma ruina em esta

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terra em muitas propriedades de casas que algumas se têm reedificado ; a igreja paroquial tinha quatro torres, uma com relógio, outra de sinos, e duas fantásticas ; cairam duas em cuja ruina morreu um homem, e as outras duas estão gravemente arruinadas ..." Sabendo-se, também, que havia em aberto um litígio entre a Corporação da Igreja e o Administrador do Morgado sobre o cumprimentos das obrigações vinculadas pelo instituidor da freguesia, Afonso de Albuquerque, quanto à reparação dos grandes estragos causados pelo terramoto, é difícil compreender a opinião do visitador de 1757 . No próximo Capítulo, que trata da arquitectura interna e externa do templo, introduz-se o assunto de forma a dar-lhe sequência.

IV

A IGREJA DE SÃO SIMÃO

ATRAVÉS DOS TEMPOS Encerrado o capítulo da génese e construção do templo, tenta-se agora dar imagem às diversas fases por que este passou, quer no seu aspecto exterior quer interior. Para tal, se irá socorrer a documentação diversa, nomeadamente aos relatos que fizeram os Párocos da freguesia e os Visitadores da Ordem de Santiago. Quanto à remodelação operada no interior do Templo no ano de 1959, serão baseados nos relatos recolhidos junto de pessoas consideradas idóneas, entre elas, alguns intervenientes directos na acção. Do que se apurou, algumas facetas não são muito agradáveis de relatar ... Postas estas considerações, desde logo surge uma interrogação : - Como seria o interior da Igreja de São Simão, em Vila Fresca, antes do terramoto de 1755 ? O único documento de que tenho conhecimento que pode responder a esta interrogação, é o relato do Padre Luis Cardoso, da Congregação do Oratório de Lisboa, inserto no Dicionário Geográfico, publicado em 1747 e, dado a conhecer em 1943 através d'uma brochura intitulada "Breve Notícia das freguezias de S. Lourenço e de S. Simão, situadas no limite de Azeitão" (Gráfica Ajudense 1943). Diz a "Breve Notícia" :

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"(...) A Paróquia, de que he Orago S. Simão Apostolo, he filial da Matriz de Nossa Senhora da Consolação do Castello da Villa de Cezimbra, e da Ordem de Santiago, apresentação da Mesa da Consciencia, he Curato, e rende duzentos mil reis; está fundada na Aldea de Villa Freixe ; tem duas naves com cinco arcos cada huma, e cinco altares, no mayor está a Imagem do Santo Patrono, e a de Nossa Senhora da Saude ; no Altar collateral da parte da Epistola está o Arcanjo S. Miguel, S. Braz, e Santo Antão Abade; o Altar do corpo da igreja da mesma parte tem a Imagem Christo Crucificado e Nossa Senhora da Piedade ; o Altar collateral da parte do Evangelho tem as de S. Bento, Santo Amaro e S. João Bautista ; e o Altar do corpo da Igreja da mesma parte tem as de Santo António, Santa Catharina e Santa Luzia ; Foy fundada esta Igreja no anno de 1570, pela piedade e magnificencia de Affonso de Albuquerque, filho ilegitimo do grande Affonso de Albuquerque, Vice Rey da India ; e fundou á honra do Apostolo S. Simão, como consta da verba do seu testamento, que se acha no Archivo da mesma Parochia, e diz assim : « Sempre foy minha vontade de acrescentar, e augmentar a honra do Senhor Deos, e honra de S. Simão, que tão esquecida estava, para effeito da qual mandey fazer a dita Igreja com grande gosto e contentamente » . E deixou o seu Morgado com a obrigação de reparar as ruinas, que padece a dita Igreja, assim em paredes, como em telhados, não sendo por causa de incendio o que satisfaz com toda a promptidão o possuidor do Morgado, que hoje he João Guedes de Miranda. Tem esta Igreja a porta principal para o Nascente, devendo ser para o Poente, como era estylo fazer-se naquelles tempos ; e deve ser acausa porque a procissão da Pascoa da Ressurreição. entra por huma porta, que lhe fica opposta da quinta do Fundador, por dentro da qual anda a dita procissão. Para esta Igreja determinou seu Fundador, trasladar os ossos de seu pay da capella mór de Nossa Senhora da Graça dos Religiosos Eremitas de Santo Agostinho da Cidade de Lisboa, o que até agora se não fez. Tem tres Irmandades, a do Santissimo Sacramento, a de S. João Bautista, e das Almas " - Procurando a aproximação entre o que era a Igreja, antes e após o Terramoto de 1755, transcreve-se do Relato, feito em 1758 , pelo Pároco de São Simão de Azeitão, Padre Manuel de Távora, o seguinte : " ( ... ) A Igreja paroquial está dentro da Aldeia de Vila Frexe. O orago da paróquia é o Apóstolo São Simão. Tem a Igreja cinco altares com a capela-mor onde está o Santíssimo sacramento, a Imagem do Apóstolo São Simão, no lado da Epístola, e no lado do Evangelho uma formosíssima Imagem de Nossa Senhora da Saúde, a quem este povo em o dia oito de Setembro, tributa festivos aplausos, em agradecimento de os livrar de uma tão grande epidemia que matou famílias inteiras, e se metiam gados pelas casas, em o ano de mil setecentos e vinte e três. Da parte esquerda está um altar colateral do Espírito Santo, também chamado das almas por ter São

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Miguel . Da parte do Evangelho tem outro colateral de São João Baptista. tem mais um altar de santo António e outro defronte com uma imagem perfeita de Cristo crucificado, com a evocação de Senhor Jesus dos esquecidos . Tem esta igreja tres naves; e tres Irmandades: a do Santíssimo; São João Baptista, e das Almas ... ... Com o terramoto de 1755 houve alguma ruina em esta terra em muitas propriedades de casas que algumas se têm reedificado ; a Igreja paroquial tinha quatro torres, uma com relógio outra de sinos, e duas fantásticas ; cairam duas em cujas ruinas morreu um homem, e as outras duas estão gravemente arruinadas ... " Sobre as consequências do terramoto de 1 de Novembro de 1755, na Igreja de São Simão este é o primeiro documento discordante do relato da Visitação da Ordem de Santiago, em 1757. O segundo, é uma transcrição do livro da Bacalhoa, escrito por Joaquim Rasteiro : "(...) O terramoto de 1755 arruinou a sacristia e lançou por terra as torres da freguezia de São Simão, e a corporação administrativa da egreja, depois de pedir inutilmente a Luiz Guedes a sua reconstrução, teve de recorrer aos meios judiciais para obrigar os senhores do morgado a cumprirem a cláusula da escriptura de 1570 , em que Affonso de Albuquerque lançára sobre o vínculo os encargos da conservação do templo. Este litigio foi em tempo de D. Magdalena Vicência de Mascarenhas e pelos documentos que tenho à vista, durou desde agosto de 1765 até meiado de 1768. Os advogados da egreja foram D. Francisco Antonio Vannicelli e José Luis Soares de Barbosa, pae do conhecido poeta Bocage, ambos com banca em Setubal. D. Magdalena recusava-se a pôr o edifício no primitivo estado, querendo restaurar o que julgava absolutamente necessário. No dia 6 de Julho de 1768, de Lisboa fez uma proposta para levantar só uma das torres e reparar os demais estragos. Parece haver-se chegado a acordo, apeando-se a frontaria até ao portal e construindo-se a torre actual, que é de um talhe estranho ao mais do templo ..." Outro documento importante para se conhecerem as inovações arquitectónicas e de decoração interior e exterior do Templo, é o relato da visitação de 1781 a mandado do Bispo de Lisboa: Neste relato pode-se observar que, as alterações mais notórias foram as efectuadas quanto ao patrono de cada altar . Também se pode verificar que as obrigações dos fregueses de São Simão para com o pároco estava já "desoneradas", passando estas a ser de

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responsabilidade da Ordem de Santiago, mais propriamente do Príncipe Dom João, Grão-Mestre da Ordem. Diz o relato de 1781 : "( ... ) Da cópia de um provisão que vi no cartório desta Igreja, se conhece ser a sua antiguidade desde 1570 em que o Sr. Rei D. Sebastião , em atenção aos incómodos que lhe representaram os moradores desta vila pela distância que havia da de São Lourenço, sita em Aldeia de Nogueira que então era freguesia de todas estas aldeias ordenando o mesmo sereníssimo rei que da capela filial fosse elevada a paroquia Matriz de outra freguesia de São Lourenço próxima, e Sr. Rei Dom José a condecorou fazendo que de vila Freixe ficasse em Vila Fresca pondo-lhe Juiz de fora e câmara ficando o povo obrigado a fazer côngrua ao seu reverendo pároco e a levar e paramentar a Igreja. Mas presentemente se acha em priorado internamente sujeita à Ordem de Santiago de Espada que apresenta por consenso ao Rev. Prior dela pela Mesa da Consciência e Ordens e lhe confere para sua côngrua tres moios de trigo e dois mais de cevada e vinte mil reis em dinheiro ficando por este modo os fregueses desonerados da côngrua que faziam e a que se obrigaram por aquela provisão por o sustento do seu rev. pároco..." Cabe aqui abrir um parêntese para falar da côngrua: Aquando da constituição da Paróquia, os fregueses ficaram por escritura de obrigação, que já se transcreveu, sujeitos à manutenção do Pároco. Pelo que agora se lê, eles estão "desonerados" dessas obrigações que, lembramos, eram as seguintes : "( ... ) Saibam os que este estromento virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e setenta annos. aos vinte e quatro dias do mês de setembro, em Azeitão, termo da villa de Cezimbra, nas casas de morada de Dom Álvaro de Mello, sobrinho de Ell REI, nosso senhor, em presença de mim tabalião ... sendo presente o dito Dom Álvaro e Dom António de Menezes, e Affonso de Albuquerque, por elles juntamente foi dito que elles com os moradores d'Aldeia de vila freixo e dos Castanhos, das Vendas e Camarate, Pinheiros, Alcube e Arneiros tinham feito hua obrigação que eu tabalião fiz para se presentar a Ell REI ... em que se obrigavam todos a dar certa pençam para hum cura, que lhe ministrasse os sacramentos na Igreja nova de Sam Symão ... a qual pençam que lhe assim nomeavam para o dito cura foi Pam, vinho, dinheiro que até ora se deu ao cura de Sam Lourenço ... ... E para satisfaçam do dito despacho elles Dom Álvaro de Mello, Dom António de Menezes, Affonso d'Albuquerque por este público estromento se obrigavam deste dia para todo o sempre, que sendo caso que o trigo vinho e

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dinheiro que os fregueses se obrigavam a pagar ao dito cura não chegasse a contia dos ditos dous mous de trigo, e seis mil réis em dinheiro, pela maneira assim declarada que em tal caso elles se obrigavam a satisfazer ao dito cura todo o que faltar e para isso diceram que obrigavam todas suas rendas e fazenda ... " Antes, a 7 de Agosto, por Escritura de Obrigação, os fregueses tinham ficado onerados a dar " ( ... ) em cada um ano ao padre que estiver por cura da Igreja de São Simão ... a saber que os que lavradores forem um alqueire e meio de trigo e um almude de vinho e os que lavradores não forem um almude de vinho e tres vintens em dinheiro ... e os que vinho nem trigo não tiverem se obrigam a dar um tostão como eram obrigados ao cura de São Lourenço". No relato já aqui também referido do Padre Manuel José de Távora, lê-se a este respeito que : "(...) O pároco é capelão colado, com apresentação da Mesa da Consciência e Ordem. Tem de renda, paga pela comenda de Sesimbra, dez mil reis, um moio de trigo, outro de cevada; e os fregueses lhe fazem sustentação nesta forma : os que fabricam vinho e trigo pagam um almude de vinho e alqueire e meio de trigo; e os que têm uma só espécie pagam com ela e tres vintens sendo casados; e os viuvos e solteiros metade; que uns anos por outros rende tres pipas de vinho, meio moio de trigo e doze mil reis em dinheiro ..." Pelo que se vê, só depois de 1758 teve lugar a "desoneração". Fecha-se agora o parêntese, e regressa-se ao relato da visitação de 1781 : Do Relato da Visitação da Ordem de Santiago, de 1781 "( ... ) É dedicada esta Igreja ao glorioso Apóstolo São Simão que está colocado em vulto de madeira encarnada de três palmos de altura em o lado da Epistolo na tribuna da Capela-mor e em correspondência da parte do Evangelho está a Sr.a da Soledade de roca, quase da mesma altura com opa roxa, e manto azul e huma toalha nas mãos e com o círculo de prata cheio de estrelas e no centro está o sacrário separado do altar maior e banqueta; que é de talha à modeana dourada, guarnece a capela-mor um arco e duas colunas por banda, tudo de talha dourada e no centro está na boca da tribuna uma perfeita imagem de vestir que tem o título de Sr.a da Saúde ; o interior da tribuna é trono que assim este como os demais se acham ameaçando a última ruina, depois do subpedânio se seguem dois degraus de pedra e se acha o cruzeiro suas grades de pau santo torneadas que decorrem pelos lados até quase ao meio da Igreja entremeadas com colunas de pedra com proporcionada distância de uma a outra. Quanto ao comprimento da Igreja terá vinte braças e de largura nove; tem três naves sendo a do meio mais elevada e as dos lados se sustentam em cinco colunas de pedra de cada lado com seus capiteis e em distância igual de

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uma a outra. Nas duas primeiras se acha em correspondência em cada uma sua pia de água benta e são as que sustentam o coro que está ao nascente e as últimas duas estão junto do arco da capela-mor. Tem um só púlpito de madeira dourada e pintada, que está na coluna do centro da parte do Evangelho e tem uma só porta travessa no fim das grades da parte do sul. Tem mais quatro altares, dois de cada lado em igual correspondência, os primeiros com a face para a porta da Igreja; o da parte do Evangelho é dedicado a São João Baptista, he de madeira, estofada e nos lados da p.te direita está sobre a banqueta S. Bento e da esquerda S. Amaro tão bem de madeira estofada. O altar da parte da Epístola é dedicado ao Arcanjo São Miguel e Almas que está colocado em pianha no centro do altar e tem mais de 3 palmos de altura e he de madeira dourada e mais cores subidas e sobre a banqueta estão do lado direito S. Brás com paramentos de Bispo e do esquerdo S. to Antão Abade; segue-se da mesma banda hum altar de excelente talha dourada, em cuja tribuna está um Santo Cristo com cabelos que infunde nos fiéis m. to respeito e veneração ; na banqueta deste altar estão da parte direita S. José e da esquerda S.to André Avelino com paramentos sacerdotais ambos de madeira estofada e aos pés do Santo Cristo está uma Senhora de Vestir com sua coroa de prata com o título de Senhora da Graça. O altar correspondente da parte do Evangelho hé dedicado a Santo António que está colocado em peanha no centro do altar, com o Menino nos braços e na banqueta dele está da parte da Epístola S. ta Luzia e do Evangelho S. ta Catarina todos de madeira estofada e todas capelas são de talha antiga dourada. Tem uma sacristia muito pequena e indigna de guardar os paramentos sacros ; Tem uma só torre, com quatro ventanas com sua cúpula de abóboda e só um sino ... " Também Joaquim Rasteiro, no seu livro de 1895, dedicou algum espaço à Igreja de São Simão : "( ... ) O templo é de tres naves, sendo abobadadas as laterais; a central ainda por morte do fundador tinha o tecto por forrar . Cinco arcos de pleno címbrio , repousando em colunas dóricas, abrem as naves menores sobre a principal. Uma das imagens mais venerada é a Virgem da Saude, ali posta por Albuquerque; poderia ser recordação e ter relação com a peste de Lisboa em 1569, em que Affonso, então presidente da municipalidade da capital do reino, se distinguiu pelos serviços á cidade assolada pela terrível epidemia ..." E continua Joaquim Rasteiro : " ... As paredes do templo são de alto a baixo vestidas de excellente azulejo lizo, com desenho a tres cores ; sobre cada arco há um quadro com a imagem de santo. Na parede da nave do Evangelho, n'um quadro representando o Baptista, lê-se : «Juiz, escrivão e mordomo mandaram fazer esta obra . Os que agora servem este anno de 1648. » Este pessoal era da confraria de S. João.

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E termina a descrição da seguinte maneira : "... O exterior da igreja é singelo, teve uma torre em cada ângulo; mas, derribadas pelo terramoto de 1755, o administrador do morgado, a quem competia a conservação do templo, apenas levantou a que actualmente existe ... " O PASSADO PRÓXIMO Século e meio após o relato de 1758, novamente a Igreja de São Simão sofre alterações apreciáveis no seu interior. Mais propriamente, em 1959, ano em que o Padre Agostinho Gomes "Fez importantes obras que orçaram por duas centenas e meia de contos. Foram arranjados os telhados e o tecto ; foi ladrilhado o chão ; foram completados os painéis de azulejos, etc ..." Sobre estas importantes obras, há alguma controvérsia, quanto ao radicalismo das mudanças operadas no interior do Templo, nomeadamente pela forma de desmantelamento de estruturas seculares, valiosas e de grande beleza arquitectónica e ornamental. (22) Referem-se as "críticas" ao apeamento do coro; ao desmantelamento do Altar de Nossa Senhora do Rosário, assim como ao da galeria gradeada - com seus balaústres torneados, em pau santo, - que iam de coluna a coluna, ao correr de grande parte das naves laterais. Para uma melhor análise das transformações efectuadas, em 1959, na arquitectura interior do Templo, descreve-se, de forma sucinta, como eram as estruturas apeadas ou desmanteladas : O CORO O Coro da Igreja de São Simão, era uma estrutura em madeira de castanho, com um balcão de grades de balaústres de madeira rica, provavelmente, pau santo. Assentava lateralmente nas duas primeiras colunas do lado nascente - (as que têm as pias da água benta junto a si) tendo , ainda, como suporte o imponente "guarda-vento" da entrada principal, que também foi desmontado na altura. O acesso ao coro, era feito por uma porta no interior da torre sineira, a qual dava para um pequeno patamar que interrompia o gracioso "caracol" da escadaria que vai do solo até à ventana. ----------------------------------------------------------------------------------------------

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(22) - O termo "desmantelamento", poderá ser tomado como excessivo. Contudo, em face das estruturas não terem sido reparadas ou substituídas ; de não haver vestígios das madeiras ricas dessa estruturas, nem do seu aproveitamento para benefício directo no Templo, não encontram os "críticos" outro termo mais exacto para caracterizar a acção. Contudo, não desvalorizam as beneficiações e reparações efectuadas. O GRADEAMENTO O Gradeamento, que foi desmontado corria ao longo de grande parte das naves laterais e no limiar da capela do Altar-Mor, deveria ser o mesmo que foi descrito no documento citado anteriormente, ou seja : "(...) de grades de pau santo torneadas que decorrem pelos lados até quase ao meio da Igreja, entremeadas com colunas de pedra com proporcionada distância de uma a outra ... " Embora que, delimitando espaços e, eventualmente retirando alguma amplitude global ao Templo, o seu valor histórico, ornamental e material, sobrepunha-se a qualquer anseio de modernidade ou de outra qualquer espécie. (23) O ALTAR DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO Havia também um altar, que não constava em nenhum dos relatos a que tive acesso, o qual era vocativo de Nossa Senhora do Rosário. Era um altar, encastado à parede do lado da Epístola, (presumo de forma provisória) no local onde está hoje o painel de azulejos do Espírito Santo. Era estruturado em madeira, com uma arcatura de volta completa onde se encontrava entronizada a Imagem da Santa. O balcão do altar tinha uma ampla câmara em cujo interior repousava, em seu esquife, uma dolorosa imagem do "Senhor Morto" . Com o desmontar deste altar, as imagens foram colocadas em dois locais diferentes : A de Nossa Senhora está sobre o balcão da Sacristia, dentro de uma arcatura em madeira. Esta é totalmente guarnecida por um friso de talha dourada constituída por vários lances de folhagem de acanto. A imagem de Cristo, coroada de espinhos, é impressionante e dolorosa: amortalhada, deitada em seu esquife, mostra as chagas da crucificação e do flagelamento. É a perfeita Imagem dos que sofrem e

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morrem pelas sua convicções, pela defesa dos princípios que deviam reger a Humanidade. Esta perfeita Imagem encontra-se guardada numa outra dependência da Igreja, juntamente com outras, de Santos, entre elas, creio ter reconhecido, a de Nossa Senhora da Soledade, de que fala o relato da visitação de 1781. Nesta remodelação, também foi desmantelado o púlpito de madeira, "que estava junto da coluna do meio, a do lado da Epístola". ---------------------------------------------------------------------------------------------- (23) - A quase totalidade destes balaústres estão a decorar uma capela particular, tendo sido adquiridos com legalidade. Outros estão dispersos, incorporados em mobiliário (pés de mesa), ou, ainda, no seu estado primitivo. De alguns deles tenho conhecimento.

O TEMPLO ACTUAL

Na introdução a este trabalho informou-se que ele se desenvolveria contrastando o passado com o presente, de forma a simplificar o entendimento das transformações que foram decorrendo durante os 425 anos de vida da Igreja de São Simão. Assim, para fazer o relato da actualidade, quanto à sua arquitectura interior e exterior, inicia-se este capítulo, recuando até ao fatídico dia 1 de Novembro de 1755, mais propriamente, às consequências sofridas pelo Templo, devido ao cataclismo ocorrido nesse dia. Relembra-se que o terramoto de 1755 causou grandes estragos ao edifício. A sua reconstrução foi conflituosa, e quando, tardiamente, se chegou a acordo com a administração do morgado da Bacalhoa, a quem competia a reparação, só parcialmente o Templo recuperou a sua traça original. Antes, a Igreja "(...) tinha quatro torres, uma com relógio, outra de sinos, e duas fantásticas, cairam duas em cuja ruina morreu um homem, e as outras duas estão gravemente arruinadas ... " Lembra-se, ainda, o que escreveu Joaquim Rasteiro no seu livro sobre a Bacalhoa quanto ao desenvolvimento do conflito entre as Irmandades da Igreja de São Simão e a detentora do morgado da Bacalhoa, no sentido de serem efectuadas as reparações : "(...) O terramoto de 1755 arruinou a sacristia e lançou por terra as torres da freguesia de São Simão, e a corporação administrativa da egreja, depois de pedir inutilmente a Luis Guedes a sua reconstrução, teve de recorrer aos meios judiciaes para obrigar os senhores do morgado a cumprirem a clausula da escriptura de 1570, em que Affonso de Albuquerque lançára sobre o vínculo os encargos da conservação do templo.

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Este litigio foi em tempo da administração de D. Magdalena Vicencia de Mascarenhas, e pelos documentos, que tenho á vista, durou desde agosto de 1765 até meiado de 1768. Os advogados da egreja foram D. Francisco António Vannicelli e José Luiz Soares de Barbosa, pae do conhecido poeta Bocage, ambos com banca em Setúbal. D. Magdalena recusava-se a pôr o edificio no primitivo estado, querendo restaurar o que julgava absolutamente necessário . No dia 6 de Julho de 1768, de Lisboa fez uma proposta para levantar só uma das torres e reparar os demais estragos. Parece haver-se chegado a acordo, apeando-se a frontaria até ao portal e construindo-se a torre actual, que é de um talhe estranho ao mais do templo ... " ( A ) - ARQUITECTURA EXTERIOR E ESPAÇO ENVOLVENTE Actualmente, a arquitectura exterior do Templo apresenta-se assim : Arquitectura de traça austera, sem grandes ornatos. A fachada também muito simples apresenta um pórtico clássico orlado por colunelos, dóricos, (um por banda) assentes em robustos pedestais e, levemente adossados ao arco de entrada. Os ábacos dos capitéis suportam a arquitrave do entablamento do frontão triangular. A arcada interior do pórtico é de volta completa, arrancando da imposta dos pilares que têm o intra e extradorso lisos. A arquivolta tem dois pequenos medalhões com os bordos planos. Sobre o pórtico, uma ampla janela, rasga a empena, tendo a sutoposto uma cruz da Ordem de Santiago esculpida em cantaria. A ampla porta principal da Igreja é de duas abas, de sólida madeira, almofadada, com fortes ferragens . A flanquear o Templo, duas torres: à direita, a sineira de tipo meridional: no flanco oposto, a outra "fantástica". Ambas têm pilastras de cantaria nos cunhais que rematam lateralmente a fachada. A torre sineira tem quatro ventanas, orladas por pilastras rematadas por impostas, das quais partem graciosas arcadas. Duas destas ventanas são sineiras: a do lado Sul, tem o sino menor, a do nascente o maior. Abaixo destas duas ventanas estão os mostradores de um relógio já sem ponteiros (e sem maquinismo, no interior), tendo a numeração romana talhada na pedra. A cúpula, em abóbada claustral é interrompida por um pináculo em forma de urna, rematado por uma esfera em cantaria. Nos quatros vértices da base da cúpula, sobre a cornija, pináculos esferóides terminados em estrias helicoidais. A torre "fantástica" termina ao nível do remate do beirado do telhado, que prosseguindo na horizontal, atravessa-a Por cima desta parte do beirado, dois pináculos, um de cada lado, rematam as pilastras.

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O telhado do corpo da Igreja é de duas águas, havendo uma outra água que cobre o corpo da "Casa dos Irmãos", o qual flanqueia o lado esquerdo do Templo. Nos vértices de cada empena, sobre o beirado do telhado uma cruz em cantaria, encimada por um lintel. A fachada lateral, do lado Sul, tem uma porta travessa com pilastras em alvenaria nas quais se desenvolvem a arcada com arquivolta, rematada por um lintel frisado. Sobre esta porta, um vão oblíquo, suporta uma janela gradeada com grossos varões de ferro. Duas outras amplas janelas em cantaria, também gradeadas, mas em arabescos de ferro forjado, estão á face, flanqueando a fachada. Desnivelados, no pé alto do corpo principal, mas acompanhando a linha do flanco Sul, dois outros corpos complementam o edifício : um, o da sacristia, com telhado de uma só água de beiral a meia altura do corpo principal do Templo, flanqueia um outro tramo, mais recuado, onde se acolhe o trono da Capela-Mor, cujas paredes se elevam até ao nível máximo do edifício. Na parede do lado do Evangelho, uma ampla janela debruça-se para a única aba do telhado da sacristia. Esta janela, de amplo vão oblíquo, rasgado na grossa parede, permite a entrada de um fluxo de luz natural que ilumina com esplendor o vasto Templo. O flanco norte da Igreja de São Simão tem vários desníveis por causa das confrontações e do desnivelamento do terreno, e por força dessas circunstâncias não tem grandes adornos arquitectónicos, a não ser duas janelas, simples, as da "Casa dos Irmãos" . Quanto às traseiras, nada há, no presente digno de realce. No meado do presente século, havia três degraus em pedra que davam acesso a uma porta de ligação com o interior, mais propriamente na parte de trás do trono do Altar-Mor. Uma casa, imediatamente mais abaixo dessa porta, era - dizem os antigos - e tudo parece confirmar, pertença da Igreja, servindo de residência ao sacristão. O ADRO O Adro, fronteiro à fachada principal, é um amplo terreiro todo murado à volta, só interrompido a meio pelo cruzeiro, datado de 1743 e por dois portões laterais, em ferro forjado: um do lado Sul, outro do Norte, confrontando-se. O portão Sul, dá directamente para a Rua da Igreja. O outro, permite o acesso a uma escadaria, em pedra, que desce até à rua principal, onde, do outro lado se situa o "Chafariz de Vila Fresca".

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Ao longo de todo o muro, na parte interior do adro, um banco corrido, com o espaldar completamente forrado com fragmentos de azulejos, do mesmo tempo dos do interior do templo, aproveitados, crê-se, dos escombros do terramoto de 1755 ou de remodelações, anteriores e posteriores. Alguns destes fragmentos ou azulejos em avulso proporcionam, pela sua disposição, curiosas e belas composições, formando segmentos de alguns dos padrões parietais aplicados no Templo ou já não existentes em seu património azulejar. (24) ---------------------------------------------------------------------------------------------- (24) - Há alguns padrões, barras e cercaduras com desenhos que não têm correspondentes, nem no património da Bacalhoa nem no da Igreja de São Simão. Tambem não poderiam pertenciam à antiga Ermida, porque estes eram do século XVI , (Hispano-árabes) e os do Adro são do Século XVII . (ver pag.ª 2)

( B ) O INTERIOR DO TEMPLO AS NAVES Feita - sumariamente - a descrição do aspecto exterior do edifício da Igreja e do espaço envolvente, passa-se ao seu interior, iniciando-se o périplo pelas naves: O Templo de São Simão de Azeitão é de três naves, sendo a central mais elevada, e as colaterais sustentadas em cinco colunas por banda. A nave central, forrada em caixotões de madeira, está pintada de azul. As laterais formam-se em abóbadas ogivais de aresta, repetindo-se consecutivas, em cada vão das arcadas e, apresentando nos panos vestígios de frescos, postos há pouco tempo a descoberto, por um pequeno sismo que fez cair o reboco com que estavam cobertos. Presumivelmente, estes frescos corriam pelas colunas, onde ténues vestígios dão essa presunção. Cinco arcos de pleno címbrio, assentes nos capitéis das elegantes colunas dóricas, abrem as naves menores sobre a principal. A pintura dos frescos das abóbadas ogivais, toda a verde esmeralda e ouro, ponteada aqui e ali por outras tonalidades, desenvolve-se dentro de reservas que acompanham o desenvolvimento de cada ogiva. Os ornamentos em "caracois barrocos" e grinaldas que circundam arcanjos, dispostos em cada vértice das ogivas. As pinturas por estarem muito deteriorados e "vandalizadas", não nos permitem avaliar do seu valor artístico global. Contudo, no que nos é dado observar, a pintura é graciosa e de qualidade.

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A CAPELA DO ALTAR MOR A Capela do Altar-Mor não sofreu modificações arquitectónicas notórias, em relação ao que ficou após as obras resultantes dos estragos do terramoto de 1755. Somente o balcão e a ara do altar, tudo em madeira estofada, com alguns ornatos em dourado, foram desmontados, quando do Concílio Ecuménico, vieram as novas directrizes para a disposição dos altares onde se celebravam as Missas. A sua tribuna, um trono em pirâmide, formada de sucessivos lances em degrau, é de madeira estofada, ornamentada com graciosos caracois barrocos em talha dourada. No topo da pirâmide, um gracioso Sacrário, (estava sobre o antigo altar) formado por quatro colunas que sustentam uma abóbada, tudo em talha dourada, onde em tempos se expunha o Santíssimo. Na boca da tribuna, ao centro, um Cristo crucificado, de cerca de um metro de altura Guarnece o Altar-Mor um arco assente em duas ordens de colunas por banda, tendo de permeio painéis em talha barroca, dourada, formando caracois de folhas de acanto. As colunas, aparentam, - por interrompidas - terem, em tempos, estado assentes numa mísula semelhante à dos outros altares . Uma arcada formada por painéis almofadados em azul, com alguns adornos em dourado, guarnece todo o conjunto, subindo até ao tecto de caixotões, tomando a forma deste, em seu címbrio. Nas laterais desta arcada, a meia altura, há uma pequena mísula com um busto em barro. Estes, totalmente abertos por detrás, têm encastado ao centro do peito, um círculo envidraçado, onde estão legendados os seus nomes: o do lado do Evangelho, Santo Inácio de Loyola e, o colocado no lado da Epístola, legendado, S. Francisco, possivelmente, de Assis. Ambos têm esplendor dourado. Sobre os bustos, sobrecéus, em madeira com ornamentos dourados. A ornamentação das colunas helicoidais de talha dourada, compõe-se de parras e uvas correndo ao longo dos torneados. A das almofadas são modelações de acantos, tendo de permeio "Aves do Paraíso", de asas abertas e estigmas de acanto entre os bicos. Estas modelações continuam o seu desenvolvimento pelos painéis da arcada, a qual é fechada com uma panóplia almofadada, com ornamentos laterais, também em talha (como que uma cartela brasonada). A almofada desta cartela, pintada de branco, tem a forma de um coração, em cujo centro, está um Cálix com a Sagrada Partícula a encimá-lo, tudo em dourado. Do lado do Evangelho, sobre uma mísula, em brecha da Arrábida, está a imponente Imagem do Apóstolo São Simão, o orago da freguesia.

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Não é já a Imagem de "vulto de madeira encarnada de tres palmos de altura", mas sim, de barro e, de vulto um pouco superior ao natural. A Imagem é formada em duas partes que se encaixam por emalhetado. (Esta configuração, talvez que queira simbolizar o martírio que, segundo a tradição, sofreu o Apóstolo: a morte, por serração, ocorrida na Pérsia, quando pregava o Evangelho ). A figura do Apóstolo, apresenta-se descalça, tendo na mão direita, elevada ao nível do peito, um crucifixo erguido e, na esquerda, caída ao longo do corpo, e apoiada na ilharga, as Sagradas Escrituras: um grosso volume, com grossa capa, de dobradiças e fecho configurando metal. São Simão "veste" túnica azul marinho, de larga barra dourada. Em dourado, são também os ornamentos trilobolados, formando estrelas de quatro pontas, que estão dispersas pela veste cintada por correia preta afivelada. Uma capa vermelha, de forro amarelo e debruada a dourado está traçada sobre o ombro direito, caindo costas abaixo, vindo uma das pontas à mão que segura o crucifixo, passando sobre o braço flectido. O Apóstolo, de imponentes barbas, aparadas e cabelo sobre a nuca, tem em sua cabeça um radioso esplendor dourado. É uma figura austera, imponente, inspirando respeito e confiança. Um Altar, ocupa o centro da capela. É todo em brecha da Arrábida, a que alguns, erradamente, chamam mármore. A Ara, está assente em quatro colunas - duas de cada lado, a par - torneadas em facetado rectangular, boleado e estão adossadas ao pano do altar, o qual, tem ao centro, uma cruz em relevo, também em brecha, mas mais clara. O Sacrário do Santíssimo, igualmente em brecha, está assente sobre a Ara, ao centro. Configurando um "Templo Grego", com uma fachada de duas colunas sustentando um frontão triangular, tem uma pequena porta em metal amarelo. Depois do altar segue-se o subpedânio e, a este, outro degrau e um pequeno patamar, empedrado, dando para a nave central.

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ALTAR DE NOSSA SENHORA DA SAÚDE Após a Capela-Mor, o Templo lateraliza 90º para ambos os lados, no sentido das naves colaterais, formando duas faces voltados para a porta de entrada, onde foram colocados dois altares: o do lado do Evangelho votado a Nossa Senhora da Saúde e, o do lado da Epístola, em correspondência, dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. (25) O Altar da Nossa Senhora da Saúde, é em talha dourada, sendo a arcatura onde está entronizada a Imagem, em madeira estofada, pintada em azul celeste com "patine" dourada. A parede do fundo desta arcatura tem uma decoração relevada, composta de troncos e folhas de hera de três lóbulos, em graciosos enleios. Partindo de míssulas, e ladeando todo o altar, dois colunelos em espiral. Dos seus capitéis, compósitos, parte uma arcada, também em espiral, mas adossada. Parras e cachos de uvas, em talha dourada correm ao longo de toda a espiral. Um retábulo rococo esculpido em talha dourada, assente sobre uma míssula, interpõe-se entre as colunas e a arcatura, desenvolvendo-se igualmente, mas fraccionado, pela arquivolta . Os ornamentos do retábulo, compõe-se de desenvolvidas folhagens lanceoladas e de acantos com suas flores de longos cachos de estigmas. A arquivolta que parte dos capitéis é fechada com uma panóplia encartelada em talha dourada, tendo ao centro uma pomba, representando o Espírito Santo, o nome de uma das três Irmandades da Igreja .

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A face da míssula tem ornamentos de talha formando "laços" de acantos, flores e estigmas. O balcão do altar, de madeira estofada, em forma de urna, tem uma cercadura dourada ao longo de todos os perfis, e um único adorno: uma cruz em talha, formada por quatro triângulos cujos vértices coincidem num centro estrelado de quatro pontas . A sanefa e sebastos do pano onde adossa o balcão é em talha dourada, formando ondulados de acantos. ---------------------------------------------------------------------------------------------- (25) - Como se verifica, as Imagens colocadas nestes altares não são as mesmas de que falam os relatos anteriormente mencionados: - Onde está agora a Padroeira, era dedicado antigamente a São João Baptista, "tendo sobre a banqueta S. Bento e Santo Amaro . - O que actualmente é devotado ao Sagrado Coração de Jesus, era anteriormente dedicado a São Miguel Arcanjo e Almas e, em tempos mais recuados, a Nossa Senhora da Soledade. (Ver textos anexos) A Imagem de Nossa Senhora da Saúde é lindíssima. Joaquim Rasteiro, no seu livro sobre a Bacalhoa, diz ter sido Albuquerque que a trouxe da Índia, o que é pouco credível, visto que foi moldada em terracota, matéria muito frágil, para longas e turbulentas viagens marítimas, como eram as da época. Escreveu Joaquim Rasteiro : "(...) Uma das imagens mais veneradas é a Virgem da Saúde, ali posta por Albuquerque; poderia ser recordação e ter relação com a peste de Lisboa em 1569, em que Affonso, então presidente da municipalidade da capital do reino, se distinguiu pelos serviços á cidade assolada pela terrível epidemia ... " Pela invulgar importância religiosa que a Imagem e a devoção a Nossa Senhora da Saúde representa para a Igreja de São Simão (Igreja na verdadeira acepção da palavra) e, pelo valor artístico, histórico, tradicional e lendário da própria Imagem, vai-se tentar descrevê-la, de forma a contemplar algumas destas vertentes. Para tal, aproveita-se o que se escreveu no "livro" sobre a Festa a Nossa Senhora da Saúde, acrescentando, ainda, mais alguns apontamentos : "É uma belíssima Imagem de Maria, Mãe Santíssima, com seu Menino ao colo. Modelada em terracota, por virtuosas mãos, provavelmente de um artista que a criou partindo de um modelo vivo, talvez que o da sua própria mãe, tal é o realismo da beleza contemporânea, retratada, do porte de Mãe, em toda a plenitude da palavra. O Menino, nu, mas coroado como sua Mãe, está em seus braços, na posição de sentado, bem aconchegado ao colo. Tem na sua mãozinha esquerda

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uma romã aberta, que tomamos como símbolo da abundância material e espiritual e aqui da saúde. É, ainda, uma Imagem portadora de magia e ao mesmo tempo de uma simplicidade grandiosa, que nos grandes momentos de fé, nos transporta aos dias felizes em que nossa próprias mães nos traziam embalados. Todo este encanto só se pode desfrutar em raros momentos, naqueles em que é entronizada em seu andor, antes da investidura dos mantos ". A Imagem, é como diz Rasteiro, "de vestir", mas a própria decoração das vestes pintadas na terracota, em verde e ouro, com drapeados bem desenvolvidos caindo por todo o corpo, é belíssima. Tem, ainda, modelado, longo manto que, partindo da cabeça, aflora a longa cabeleira e, em gracioso drapeado se expande em arqueado que envolvendo as costas vem terminar traçado à frente. A cabeleira de longos "saca-rolhas" em cabelo natural, expande-se graciosa pelos ombros, embelezando a Imagem. Toda a pintura da veste da Santa é salpicada de flores de Lis, em ouro. O manto, está ornado de arabescos de folhagens pintados a ouro. A Senhora está entronizada sobre uma modesta peanha pintada de azul celeste, tendo como único adorno um querubim alado, em talha dourada. Esta modéstia do trono. é enriquecida permanentemente com lindíssimos arranjos florais que durante todo o ano a embelezam. As vestes, túnicas e mantos, que cobrem Nossa Senhora da Saúde são mudadas anualmente, pela festa, escolhendo-se um dos muitos e riquíssimos mantos que lhe pertencem e que, foram todos eles, doados pelos fieis. Um deles, pela própria Rainha Dona Maria Amélia de Orleans e Bragança. Pela festa, a Imagem é adornada com parte das jóias, que fazem parte do seu riquíssimo "tesouro". (Todo este património está devidamente inventariado, e resguardado, havendo segurança e garantia dupla no seu inventário e resguardo)

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ALTAR DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS Do lado oposto ao altar da Nossa Senhora da Saúde, em sua correspondência de posição, voltado também para a porta de entrada, está o Altar do Sagrado Coração de Jesus, cuja Imagem deve medir pouco mais de um metro. A escultura, tem uma larga túnica pintada de ouro, já envelhecido pela patine do tempo e configura Cristo de braços abertos e palmas das mãos, estigmatizadas pela crucificação, voltadas para nós, como que nos acolhendo em fraterno amplexo. Tem, a peito aberto, o seu Sagrado Coração, alado e irradiante . Ao redor de sua cabeça uma auréola anelar. A Imagem está entronizada numa peanha dupla, adornada na base por três painéis, sendo os laterais de acantos e o central composto de uma videira frutada. A parte superior da peanha , em forma de urna, é orlada de arabescos em talha. Imagem e peanha estão sob uma arcatura idêntica à do Altar de Nossa Senhora da Saúde, mas pintada de verde esmeralda. Os bordos da arcatura são orlados de folhagem de hera trilobolada, em talha dourada, entrelaçada de forma a ter exposta a face para o exterior. O restante altar é todo em talha dourada: tem dois colunelos por banda, com adornos idênticos aos do altar antecedente: retorcidos helicoidais, acompanhados nesse desenvolvimento por parras e cachos de

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uvas que correm engavinhadas de baixo a cima, desde as misulas até aos capitéis. O Retábulo, de almofadões laterais de folhas e flores de acanto, desenvolvendo ondulados, repete-se fraccionado sobre a arcatura, fazendo alas a uma panóplia encartelada, tendo ao centro uma almofada em forma de coração. No centro dessa cartela, um coroa dourada encima um coração, em relevo, cercado por espinhos que o dilaceram. As misulas assentam num balcão onde estão colocados castiçais em talha dourada. A sanefa deste balcão está ricamente decorada da mesma talha. O balcão que suporta a Ara, todo de madeira estofada é semelhante ao da Nossa Senhora da Saúde. ALTAR DE SANTO ANTÓNIO Depois do altar de Nossa Senhora da Saúde, e prosseguindo pelo lado do Evangelho, encontra-se o de Santo António de Lisboa: Este altar tem duas arcadas, tudo em talha dourada, mas em relação aos outros, o seu arqueamento é de menor diâmetro, em virtude de toda a talha estar emoldurada por tapete de padrão azulejar e cercadura compósita do mesmo material cerâmico. A arcada principal tem colunas facetadas e a interior, colunelos helicoidais. As arquivoltas do altar partem de impostas, assim como a da arcatura, onde se encontra o taumaturgo. Os colunelos helicoidais são adornadas com parras e uvas engavinhadas ao longo dos torcidos e a arquivolta por graciosas ramagens onduladas de talha do género Renascentista. As almofadas laterais do retábulo suportam uma pequena peanha e, em cada uma destas, uma pequena Imagem de um Santo, abrigadas por sobrecéus. Uma lindíssima cartela brasonada em talha dourada ostenta em seu centro uma cruz grega. O corpo desta cartela, em declive, vai adossado desde o fecho do primeiro arco do retábulo, até ao centro da arcatura onde se encontra a imagem. Esta arcatura é almofadada em madeira estofada e primorosamente lavrada em acantos de talha nua. Tem ainda este vão, uma moldura em talha dourada, recortada em sucessivos lances de caracois barrocos.

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O trono onde está colocado o Santo - também em talha dourada - de diâmetro largo, tem a base oitavada e a parte superior redonda formada por bordos gomados. A sanefa e as laterais do pano onde adossa o balcão do altar é também decorada, mas de folhagem de acanto. O balcão do altar, é idêntico aos restantes já mencionados, tendo ao centro do pano igualmente uma cruz . A Imagem de Santo António pode não ser a que o Visitador relata em 1781 . Diz o relato : "( ...) O altar da parte do Evangelho é dedicado a S. to António que está colocado em peanha no centro do altar com o Menino nos braços ... ". De facto não se pode considerar, em rigor, que o Menino esteja nos braços de Santo António. O Santo, moldado em barro "veste" o hábito de Franciscano, cintado pelos cordões dessa ordem, caindo as pontas ao longo do corpo. Está com o braço direito flectido segurando uma cruz trilobada, (em madeira) cuja haste inferior é de maior dimensão de que as restantes. O braço esquerdo, também flectido em perpendicular ao tronco, tem ao longo deste, até à mão, um livro fechado, na posição horizontal, como se fora uma peanha onde o Menino, vestido, se encontra de pé e de bracinhos semi abertos em direcção ao Santo. Santo António ostenta esplendor de prata e o Menino uma coroa fechada do mesmo metal. ALTAR DO SENHOR JESUS DOS ESQUECIDOS O Altar de Santo António é o último do lado do Evangelho. Do lado da Epístola, segue-se ao Altar do Sagrado Coração de Jesus, o que tem a evocação de Senhor Jesus dos Esquecidos. A Imagem de Cristo, crucificado, é a personificação perfeita de Cristo em sua agonia no Monte Calvário: Está coroado de espinhos, que lhe dilaceram o rosto; a fronte pendida, em agonia ; as cinco chagas, abertas em seu tronco, sangrando ; mãos e pés trespassadas pelos pregos que ligam o corpo á cruz ; a túnica que lhe cobre o ventre, manchada de sangue que lhe escorre do peito e dos flancos . A cruz, é em madeira e a imagem em cerâmica. O esplendor, solar, em prata, refulgindo seus raios ondulados e pontiagudos está assente na cruz sobre a cabeça do Redentor. Uma cartela, também do mesmo metal, está pregada no braço superior e mais curto da cruz. O altar é completamente diferente de todos os outros. Está todo forrado em azulejo de padrão seiscentista, considerado como protótipo. O interior da arcatura também é forrada do mesmo padrão. O arco do altar,

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de volta perfeita parte de uma imposta. A pedra de ara e os sebastos do altar são em mármore, contudo, o pano é forrado a azulejo . Praticamente está feito o levantamento da arquitectura religiosa do interior da Igreja de São Simão de Azeitão. Faltam o Baptistério, a Sacristia, a Torre Sineira e algumas instalações interiores, anexas ao Templo.

OS AZULEJOS SEISCENTISTAS DA IGREJA DE SÃO SIMÃO

INTRODUÇÃO AO TEMA Quem entrar pela primeira vez na Igreja de São Simão, ficará surpreendido com a grande variedade de padrões dos azulejos de revestimento parietal, denominados de «tapete», que cobrem totalmente as suas paredes. Praticamente, cada pano de parede entre arcadas, tem um padrão diferente, parecendo que o decorador quis demonstrar toda a criatividade dos nossos artistas azulejeiros de seiscentos.

O AZULEJO EM PORTUGAL

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NO SÉCULO XVII

TAPEÇARIAS Em plena inflorescência criadora, as composições de azulejos chamados de «tapete» gerados pela repetição dos motivos unitários, bordejados de cercaduras, constituindo, quando aplicados, autênticas tapeçarias, dominaram o Século XVII . O desenvolvimento desta modalidade de composições geométricas, em quatro, seis, nove ou mais ladrilhos, multiplicando-se indefinitivamente vem permitir o revestimento de grandes superfícies, como capelas, arcos triunfais, cúpulas e vastas superfícies parietais em rica policromia de azuis, amarelos, branco e verdes. Foi, segundo os entendidos, a majólica sevilhana que inspirou os nossos primeiros padrões seiscentistas, conhecendo-se no início do século XVII o seu maior desenvolvimento, imitando o desenho de tapeçarias, brocados, rendas e modelos originários de Espanha . Os assuntos escolhidos pelos pintores eram vários e obedeciam principalmente ao fim em vista, principalmente ao fim a que eram destinados os edifícios, conferindo-lhes a respectiva monumentalidade. Os padrões constituindo verdadeiros tapetes, executados nos mais diversos desenhos estavam constantemente em renovação artística . Os padrões que se inspiram nos motivos italo-flamengos, que seguiram a tradição mourisca, geométrica, com as linhas de força em diagonal, tiveram a maior repercussão na azulejaria portuguesa do século XVII, visto que estes esquemas apresentavam, num só azulejo, os elementos separados que compunham os tapetes. Das alterações que foram sofrendo resultaram no decurso da primeira metade do século XVII, padrões que se inspiravam em motivos de origem oriental, que conferem outra sensação visual, ao ponto dos revestimentos parietais serem confundidos como autênticos tecidos brocados ou adamascados. O uso das composições de tapete, sábia e artisticamente compostas, atingiram neste século, um brilho e monumentalidade inultrapassáveis, que personalizaram a arte da nossa azulejaria. A produção portuguesa não se limitou, porém, só aos azulejos de padrão para tapetes. Também se fabricaram painéis decorativos formados por azulejos tendo como motivos principais uma representação humana ou emblemática com a sua moldura própria, alguma dos quais se utilizaram conjuntamente com os azulejos de padrão. É o caso da nossa Igreja onde

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abundam os quadros com motivos religiosos, embutidos no meio dos tapetes de padrão. Resta acrescentar que o estilo e a originalidade do azulejo português do século XVII é o que melhor se harmoniza com os outros elementos decorativos, nomeadamente a talha dourada. Em face destas circunstâncias, justifica-se plenamente todo o invulgar repositório de azulejaria de padrão, hagiográfica e emblemática do Século XVII , existente no templo de São Simão, em Vila Fresca.

DO ALTAR MOR À SACRISTIA

UM PÉRIPLO DE BELEZA ADMIRÁVEL

ALTAR MOR E NAVE DO LADO DO EVANGELHO

Para a composição de «tapetes» destinados a superfícies muito vastas os azulejeiros portugueses criaram os padrões de 6 x 6 , limitando no entanto o repertório a poucas variedades . De facto, verifica-se que sendo alguns destes padrões frequentemente utilizados, apenas um esquema teve aceitação. Precisamente o que forra a

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capela do Altar-Mor da Igreja de São Simão que se apresenta-se com oito elementos gerados por seis matrizes, sendo que duas delas são rebatidas ... " A guarnição parietal superior e lateral é uma cercadura de acantos que tem a bordadura interior e filetes tudo a amarelo. Esta cercadura é sem dúvida, considerada como a mais vulgar no enquadramento de padrões comuns no século XVII . A parede do Lado do Evangelho é interrompida por um espaçoso vão de janela, donde entra a maior parte da luz natural que ilumina interiormente o Templo. O vão também é decorado com o mesmo padrão . Da parte da Epístola, o padrão remata directamente na parede lateral, que é mais larga e, tem uma porta que dá para um corredor estreito, serpenteado e abobadado, que liga a um anexo do Templo e às traseiras do Altar -Mor. Destas instalações se falará mais adiante. Entra-se, agora, na nave lateral do lado do Evangelho e, verifica-se que, um novo padrão cobre o espaço parietal que vai do Altar da Nossa Senhora da Saúde até à primeira coluna do Altar de Santo António. Este padrão, de uma geometria muito acentuada (considerado raro ou de pequena expansão) apresenta-se como tendo um fundo de cor - azul ou amarelo - : os elementos brancos são sempre «ornatos» que aparecem sobe o fundo. Por tendência estética ou por motivos económicos , os azulejeiros portugueses procuraram bem cedo tirar proveito do fundo branco sobre o qual dispuseram os ornatos. A guarnição deste espaço, é considerada muito rara. A seguir, vem a guarnição que envolve o espaço entre o arqueamento de talha dourada do Altar de Santo António até ao arco que parte da imposta das duas colunas que ladeiam este mesmo altar. É um compósito de três elementos : dois frisos laterais e iguais, colocados em oposição, orlando a Cercadura. O Friso é de longe o que mais vulgarmente se empregou em Portugal . a Cercadura é das mais correntes, mas não das mais belas" Prosseguindo o périplo pela nave do lado do Evangelho, temos a seguir o espaço parietal compreendido entre a terceira e a quarta coluna que, como todos os outros, seus correspondentes das naves laterais, formam arcos, em virtude de se iniciarem, a partir da imposta, uma das quatro faces arqueadas das ogivas que compõem os lances abobadados do tecto destas naves. Neste segmento que envolve a porta travessa, novo padrão se nos depara. O decorador da Igreja de São Simão, ciente de que a repetição se tornaria monótona e cansativa, foi variando os temas azulejares. Tarefa

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relativamente facilitada, dado que teria disponível toda a versatilidade produtiva dos artistas portugueses da época. O novo padrão contrasta com o anterior na formação geométrica do tema; um formando círculos, outro quadrados interrompidos por semi círculos centrais e por circunferências tangentes, que conforme o ângulo em que são vistos, se nos apresentam num jogo de ilusão de óptica diferenciada. Este tapete parietal, está guarnecido por um compósito de três elementos exactamente iguais e com a mesma disposição do anterior. Contudo, porque menos limitado no espaço, parece-nos mais gracioso . Logo a seguir a este espaço depara-se-nos um tapete no qual está inserido um Painel Emblemático: o da Irmandade de S. João Baptista. Na organização deste padrão é notória a intenção decorativa derivada das laçarias de ascentralidade mudéjar, com base no esquema da estrela e cruz. Os tapetes destes padrões apresentam-se com um fundo azul ou com alternância de azul e amarelo. Este grupo foi frequente em Sevilha e de lá vieram os protótipos que se reproduziram nas oficinas portugueses desde o princípio do século XVII, repetindo-se regularmente até ao meado do século. O esquema de laçarias sofre uma evolução de tendência mais barroca ao encurvarem-se os ornatos que enquadram os centros de rotação. Esta última arcada parietal está interrompida, a meio, pela referida câmara, a qual dá acesso às escadas de pedra, em caracol, que sobem até ao campanário da torre sineira. Esta câmara, faz um recanto angular de 90º. (uma das faces tem a porta de acesso à torre ; a outra vai ter à parede do fundo, onde se encontra a porta principal. O rodapé de toda a nave é de azulejo, azul escuro, esponjado, que confronta com as guarnições próprias de cada espaço aqui definido e individualizado . NAVE DO LADO DA EPÍSTOLA Partindo novamente do Altar-Mor em direcção à porta principal, temos um espaço que vai do altar do Sagrado Coração de Jesus, até ao pilar donde começa a imposta do arco do Altar de Cristo Crucificado. Este espaço é interrompido por um vão de janela muito largo, também revestido a azulejo igual ao padrão envolvente. O tapete deste segmento é igual ao que na outra nave lateral tem inserido o painel de São João Baptista .

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Segue-se o altar onde está Cristo Crucificado, aqui denominado como Senhor Jesus dos Esquecidos. Toda a arcada parietal onde assenta a cruz, assim como a arcatura interior e pano do altar são revestidos a azulejo . A guarnição deste altar é um compósito de três elementos : Uma Cercadura , ladeada por dois Frisos . O pano do altar é uma composição de «caixilho» . Temos, agora, o espaço entre Cristo Crucificado e a terceira coluna parietal. É um espaço que abrange a porta para a "Casa dos Irmãos" . Novo padrão se nos apresente e, novamente, nada tem a ver com os restantes: É um Padrão da variedade "massaroca" .. É uma barra constituída por dois azulejos de largura, talvez que deslocada esteticamente em relação às restantes. A porta, para a Casa dos Irmãos, é em cantaria arredondada, ao uso do tempo de quinhentos. Inserido neste tapete parietal, está um painel emblemático, característico da época de seiscentos. Pertence à Irmandade do Santíssimo Sacramento. (É um painel clássico, com todas as características que lhe são próprias) . No capítulo próprio se falará dele. Passada a coluna posterior à porta que dá para a "Casa dos Irmãos", encontra-se o pano parietal azulejar onde está inserido o Painel votivo a S. Miguel Arcanjo. (a exemplo do anterior, este painel emblemático da Irmandade de S. Miguel e Almas, será tratado em espaço próprio). O Padrão que reveste este espaço é igual ao que se lhe confronta na outra nave, e no qual está inserido o Painel da Irmandade de São João Baptista. A finalizar o revestimento parietal do final desta lateral do Templo que, com a que se lhe confronta, é uma meia arcada, interrompida, temos uma composição azulejar formada pelo padrão adornado por uma cercadura . Esta meia arcada, segundo tudo aparenta, foi interrompida pela construção da câmara onde está a Pia Basptismal . O BAPTISTÉRIO

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A parte final da nave do lado da Epístola, é idêntica à que se lhe confronta, quer na configuração rectangular, quer no revestimento parietal exterior. Contudo, se a câmara da nave do lado do Evangelho dá acesso à torre sineira por uma porta de madeira, a do lado oposto, ou seja a que comporta a Pia Baptismal, o acesso é feito através de uma ampla arcada , em arco perfeito, de alvenaria . Por tal motivo, o interior da Capela do Baptismo, é composto somente por três paredes e, no que concerne ao respectivo revestimento e ao das abas laterais da arcada, este é constituido por um lambrim de padrão e respectivas guarnições . O lambrim e a guarnição são de tipos diferenciados. podendo-de descrever da seguinte forma : - Lambrim da parede de fundo : - Este lambrim da parede frente à arcada de entrada para a câmara onde se encontra o Baptistério, é composto por um tapete de Padrão do género "massaroca de pintinhas", guarnecido com rodapé constituido pela Cercadura , e um friso . A cercadura é considerada uma das "cercaduras novas ... das que foram feitas propositadamente para encomendas individualizadas", encontrando-se o protótipo catalogado, na Igreja de Marvila, em Santarém, o qual é datável de 1637 . O friso, diferencia-se cromáticamente no fundo e nos motivos, pois estes, da Igreja de São Simão são pintados em azul e somente o floreado central é em amarelo. A Guarnição superior é constituida, friso encimado pela Cercadura . "Grifo" Estas cercaduras foram criadas para grandes desenvolvimentos lineares e que tiveram origem em Espanha onde eram muito empregadas, glosando-se os temas de grifos, querubins, e sereias . - Quanto ao lambrim das paredes laterais ele compõe-se pelo Padrão cujo exemplar tomado como protótipo, datável de 1652, encontra-se na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, no Ramalhal. O rodapé e a guarnição superior são idênticos aos da parede do fundo . Os panos das paredes laterais são circundados completamente por um "caixilho" de friso O Padrão é considerado uma "nova aplicação de um picado de padrão de caixilho composto que, surgiu, porque "os azulejeiros dispondo de um «picado» de padrão de caixilho, depressa reconheceram que, utilizando este em ambas as faces , ou seja , invertendo-o - por rebatimento - podiam conseguir dois «estercidos» simétricos um esquerdo e um direito ". E da aplicação generalizada deste expediente técnico resultaram padrões do género os quais

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saídos de uma mesma matriz de "caixilho composto", originaram novos padrões de 2 x 2 azulejos. Ao centro do Baptistério, a respectiva pia, em pedra. Esta, é ampla e está coberta por uma cúpula, semi-esférica, em cobre, a qual, estando dividida em duas partes iguais, torna-se funcional quando a parte móvel, corrediça, vai acolher-se ao interior da parte fixa, deixa a descoberto metada do vaso onde é administrado o baptismo. AS ARCADAS DA NAVE CENTRAL Como foi dito anteriormente, a nave central tem cinco arcos por banda e, encimando cada arco, um painel hagiográfico, em azulejo. Os azulejos parietais que forram os arcos são todos de padrão igual ao do Altar-Mor, guarnição das arcadas também é igual para todas : a superior é uma Cercadura de Acantos A guarnição inferior é um compósito constituído por Cercadura e Friso: a cercadura guarnecendo directamente o padrão, e o friso contactando com o arco. O friso é considerado como pertencendo a "uma família popular, mantendo-se, longos anos nos repertórios oficinais, assim como, nas suas variantes, tornando-se conhecidos como frisos « dente de serra ». Feita a identificação dos tapetes de padrão e das cercaduras que forram os arcos das colunas, é ocasião para se falar dos painéis hagiográficos (26) e emblemáticos que encimam esses mesmos arcos. Contudo, antes dessa identificação, deve-se fazer algumas breves considerações sobre o que são, em termos de azulejaria, painéis hagiográficos e emblemáticos. ----------------------------------------------------------------------------------------------- (26) Hagiografia - Descrição da vida dos Santos. PAINÉIS HAGIOGRÁFICOS E EMBLEMÁTICOS Do "Corpus da Azulejaria Portuguesa" de J. M. Santos Simões :

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"( ...) A representação narrativa como figuração humana foi, particularmente favorecida na segunda metade do século dezasseis, quando a cerâmica passou a poder servir como suporte de pintura. Os majolicários italianos e os seus continuadores italo-flamengos procuraram transpor para os esmaltes polícromos da cerâmica a pintura dos frescos e das tábuas que faziam a fortuna dos mestres renascentistas. Em Espanha, particularmente em Talavera, o processo teve alguma aceitação. mas o azulejo, sempre artefacto barato e iminentemente utilitário, não comportava as habilidades dispendiosas dos grandes pintores : era, por tradição , lavor de artesões humildes e ignorantes, indigno da aristocracia dos artistas de cavalete. Em Portugal, o azulejo de «quadros» figurativos desaparecera com a geração dos Matos - Marçal e Francisco - e, depois de 1585, regressa-se à azulejaria mais decorativa do padrão, ainda que revigorada nos termos ornamentais ... ... No entanto, o azulejo aceita tudo quanto se lhe desejasse pintar , tanto o ornato mais ou menos abstracto do geometrismo mourisco, como as estilizações fitomórficas dos padrões de lavores, ou as figurações anedóticas e iconográficas ... O painel independente, tendo como motivo principal uma figuração humana ou emblemática, concebido propositadamente como um «quadro» perfeitamente limitado com sua moldura, só aparece, pelo menos com regularidade e continuidade, no fim do primeiro quartel do século XVII. Eram encomendas especiais que se destinavam a assinalar votos piedosos ou a registar a datação das obras e, na maior parte dos casos , para colocar juntamente com os tapetes de padronagem. A partir de 1635, pelo menos, os azulejeiros passam a incluir os painéis figurados na linha de produção normal, multiplicando-se os exemplos em todas as oficinas ... ... A época áurea do painel iconográfico é a que se situa entre 1645 e 1670 . É nessa época que se fixam verdadeiros protótipos, tanto no respeitante à temática como aos processos de pintura. Estes são os mesmos usados na restante azulejaria mas a paleta teve forçosamente de ser enriquecida com tonalidades capazes de produzir efeitos de carnações, de meios tons, de castanhos e negros, de verdes e amarelos, de avinhados mais ou menos claros ... Nos painéis emblemáticos o tema mais comum é a Eucaristia, na forma da Custódia para exposição da Partícula. Aparecem, como é o caso da Igreja de São Simão, com relativa frequência, já sobre arcos triunfais, já nas paredes de capelas privativas das Irmandades do Santíssimo Sacramento, já, isoladamente em outros locais de igrejas ou claustros. Há os que apenas mostram a Custódia, sempre pintada de amarelo, sugerindo ouro, destacando-se de um fundo radiado. São igualmente frequentes os que enriquecem com querubins entre nuvens que se transformam em anjos nos painéis maiores. mais ambiciosos são

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aqueles onde a Custódia, colocada sobre o altar, é adorada por anjos turibulários ... " Feita a necessária apresentação técnica do que são painéis hagiográficos e emblemáticos, inicia-se a descrição dos que ornamentam a Igreja de São Simão. O percurso é feito a partir do Altar-Mor, indo pelo lado do Evangelho em direcção à porta principal : PRIMEIRO ARCO O painel hagiográfico que coroa o primeiro arco deste lado da nave central é formado de 4 x 5 azulejos com friso incluído, sendo este ornamento somente pintado a meio azulejo. O painel representa São João Baptista, sentado sobre num montículo de pedras, tendo o "Cordeiro de Deus" entre os braços e aconchegado ao peito. São João Baptista, "veste" uma pele curta e recortada. Esta apresenta-se pintada de azul, esponjado, tal como a lã do cordeiro. O Santo tem capa amarela, caída pelo ombro direito e traçada por baixo de si. Entre os braços, enclinada e assente no seu ombro direito, um bordão com uma cruzeta na ponta, donde parte uma flâmula amarela, com a seguinte inscrição ; " ECCE A...NES DEI" . A Imagem tem auréola. O friso (a meio azulejo) é de acantos, com o motivo pintado em aguada de azul e contornado da mesma cor. O «fundo», amarelo, está separado do largo bordo exterior, pintado em azul forte, por um estreito filete branco. O bordo interior, «fingido», onde assenta o acanto é igual, mas não tem filete separador. No painel, o azulejo onde está pintada o braço esquerdo do Santo está fracturado, mas recuperado. Um dos fragmentos que compõem o restauro do azulejo é alheio ao painel: é um fragmento de um azulejo de padrão . SEGUNDO ARCO O segundo arco, é também dedicado ao Baptista. O painel que o decora é formado em 4 x 4 azulejos, faltando-lhe, segundo tudo indica, a fileira superior, visto que a pintura, nomeadamente a auréola do santo, está interrompida a meio. São João Baptista, encontra-se - como no painel anterior - sentado, mas num montículo de terra com alguns tufos de ervas. O traje é igual ao antecedente, variando as cores da lã da pele que lhe cobre o corpo: esta, é

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pintada em avinhado muito forte. A capa, embora igualmente amarela é pintada a cheio. O cordeiro, tem a lã pintada em azul, na mesma imitação de lã, executada no anterior, e está igualmente aconchegado ao peito do Santo. O bordão também é igual, assim como o seu posicionamento : ostenta em sua flâmula amarela, caída na vertical, a seguinte inscrição : " ECCE AGNVS DEI " . O Friso, pintado a meio azulejo é semelhante ao anterior . TERCEIRO ARCO Este arco do lado do Evangelho repete o motivo dos que se lhe antecedem : São João Baptista. Contudo, quer pelo desenho quer pela técnica pictórica, (aguadas fortes e esbatidos) quer ainda pela cromática utilizada, foi - seguramente - pintado por artista diferente do, ou dos, que pintaram o mesmo motivo nos painéis que o precedem e lhe sucedem. A imagem configura o Santo, de pé, ocupando o vulto toda a altura do painel. Ao contrário das figuras anteriores, São João não é "Menino", mas sim, homem feito, de rosto austero, com "pêra" e bigode, aparados. Este painel, mais perfeito nas formas e no desenho, aparenta ser da mesma "oficina" do painel emblemático da Irmandade de S. João Baptista. A figura do Santo, equilibrada e proporcionada, está descalça, pisando um montículo de terra tufado de erva. São João Baptista, tem o corpo coberto por uma pele curta e não aparada. Sobre esta, pelos ombros, ampla capa em tecido amarelo-limão, caída corpo abaixo e vindo traçar e atar na cintura formando movimentos drapeados bem acentuados. A pele, curtida, que cobre o corpo do santo está pintada de azul claro, com aguadas frisando enrrugamentos da curtição. O Santo, tem entre a curva do braço direito um grosso bordão que, um pouco inclinado, assenta no chão. O Bordão é pintado de amarelo, donde, em sua cruzeta, parte uma longa flâmula azul clara, ondeando graciosa ao vento. Esta flâmula, cortada em duas a partir de um terço do comprimento e no sentido longitudinal, não tem legenda, mas no pano, junto à cruzeta, vê-se, pintada, também em azul, mas mais carregado, a Cruz da Ordem de Malta. São João Baptista, transporta ao correr do seu braço esquerdo, que está flectido em ângulo recto, uma tábua larga onde o cordeiro se posiciona deitado, sobre as patas dianteiras e ao correr desta espécie de peanha.

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Um círculo amarelado envolve a cabeça do Santo, formando uma mancha auréolar . Este painel é de 4 e 1/2 x 4 azulejos : Tem os azulejos da base cortados ao meio, faltando-lhe a parte que deveria ter uma das faces de friso pintado. (o apogeu da arcada ocupa o espaço em falta no painel) Como tal, a cercadura do painel que é pintada no azulejo e não independente, somente o está em três faces. A pintura deste friso é semelhante à anterior, tendo a mais um filete no bordo interior, pintado de amarelo, o qual, corre ao redor das três faces compartilhadas com o "miolo" do painel. QUARTO ARCO Novamente um arco está encimado por um painel de 5 x 4 azulejos (com a barra incluída) com a figura de São João Baptista. O desenho, em tudo semelhante à dos painéis das duas primeiras arcadas, diferencia-se somente dos outros por alguns pequenos pormenores cromáticos: São João "veste uma pele", toda pintassalgada de azul, a cobrir-lhe o corpo ; da mesma cor e forma está pintado o cordeiro, que tem entre braços, e aconchegado ao colo. A capa, a exemplo das dos Santos anteriores, continua pintada de aguadas de amarelo. O bordão, a flâmula e a legenda, são igualmente semelhantes. Um único elemento principal do desenho não é comum aos três «quadros»: no lado direito, uma pequena árvore, está pintada antes do horizonte visual. A guarnição repete o desenho das anteriores, mas também sofre modificações cromáticas : o acanto é todo amarelo e são pintados de azul escuro o «fundo» e os bordos. A parte inferior desta guarnição está ocupada (como no painel anterior) pelo desenvolvimento máximo do friso da arcada . QUINTO ARCO O quinto e último arco do lado da Epístola ostenta em seu cimo um lindo painel figurativo. Este painel, datado, assinala a finalização das obras de 1959, ostentando em baixo, ao centro, uma cartela com a data de 8 -12-1959 .

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O tema hagiográfico refere Santo António falando aos peixes. O painel polícromo de 4 x 5 azulejos tem a toda a volta uma moldura pintada, configurando perfil metálico, debruado. Pintado, aos cantos, pregos de cabeça quadrada em forma de pirâmide, aparentando a afixação do "quadro" ao tapete de padrão. Santo António, sentado num pequeno rochedo à beira mar (ou rio) é a figura central. A superfície líquida está fervilhando de pequenos peixes, todos voltados para o Santo que, com o dedo da mão direita em riste, está em posição de advertência. Na mão esquerda, um singelo bordão assente no solo, firma a posição do taumaturgo. O Santo tem auréola anelar e está com o hábito Franciscano, mas pintado em azul turquesa . Em cada um dos quatro cantos do painel, entre a moldura e uma composição alegórica de peixes estilizados, há um querubim de asas abertas em leque, formando uma "gola" que envolve todo o rosto . A metade inferior da composição tem em semicírculo a já referida composição de peixes "prateados e dourados" : quatro para cada lado, enrolados uns nos outros ou abocados. O último peixe de cada lado é dourado e dele partem novelos de fumo formando núvens, que por sua vez, em arco fecham uma cartela dourada com a seguinte inscrição : ΙΙΙΙ ΧΧΧΧ ΘΘΘΘ ΓΓΓΓ ΣΣΣΣ. Por detrás do Santo, ao fundo, um resplendor doirado e flamejante, contém em seu interior um Menino Jesus, de braços abertos, caminhando em direcção ao Padroeiro de Lisboa. PRIMEIRO ARCO DO LADO DA EPÍSTOLA De novo, a partir do Altar-Mor faz-se o reconhecimento do revestimento azulejar das arcadas do Templo. Agora, as do lado da Epístola. Todas estas cinco arcadas estão revestidas com padrão igual às que se lhe confrontam e, igualmente, cada arcada tem sobre o cimo do arco, um painel emblemático ou hagiográfico. O Padrão, é igual ao que reveste a capela do Altar-Mor e a parede do fim do Templo. As guarnições cerces aos arqueamentos e ao tecto também são iguais às do lado do Evangelho. Neste primeiro arco está inserido um painel emblemático da Eucaristia de 4 x 4 azulejos, incluindo uma barra pintada nos bordos

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esquerda e direita, e outra independente (de meio azulejo) orlando a parte superior e inferior. O painel representa o Santíssimo Sacramento, (uma das três Irmandades da Paróquia) na forma de uma Custódia, toda pintado em amarelo, sugerindo ouro. Esta alfaia religiosa apresenta-se no centro do painel envolta num círculo auréolar radioso e flamejante também "dourado" . A Custódia tem ampla base circular donde parte um gracioso pé, tipo candelabro, de bicos abertos, que suporta o corpo (a charola) da Custódia. Este, formado por uma urna coberta por uma campânula abobadada em arco abatido está encimado por uma cruz. Nos vértices da abobada e da cimalha da urna destacam-se flamas. Pendurados nas extremidades inferiores do corpo da Custódio duas elegantes campainhas completam o conjunto. No corpo da Custódia amplo óculo oval deixa transparecer duas silhuetas humanas rodeando um Cristo Crucificado. SEGUNDO ARCO O segundo arco está encimado por um painel hagiográfico de 4 x 5 azulejos, sem guarnição, sendo que a barra dos bordos, pintado em azul escuro, somente está visível nas laterais, visto que o padrão parietal, em cima e a cercadura da arcada, em baixo, "come" a barra nestes espaços. A figura pintada no Painel configura Virgem Maria com o Menino ao colo e, segundo parece, a Imagem representa Nossa Senhora da Saúde : - Senhora e Menino estão coroados. Jesus segura na sua mão esquerda, que está enconchada na de sua Mãe, uma coroa encimada por uma cruz.. Com a mão direita, Nossa Senhora, ampara o Menino para junto do seu colo. A Mãe de Deus usa túnica e manto: a primeira pintada em avinhado e o segundo em azul cobalto . A cabeça e o rosto estão envoltos por amplo lenço azul claro. Por sua vez, o Menino está nu, contrastando, creio que intencionalmente, esta nudez com a majestade do seu coroamento dourado e a exposição de outra em sua mão. A Imagem de Nossa Senhora com o Menino, da qual imana um halo radioso, está sobre um nimbo de nuvens parcialmente tapado pelo desenvolvimento da guarnição azulejar da arcada. (27) Este painel é um verdadeiro exemplo do periodo áureo dos painéis figurados (1645 a 1670) que " nos cativam pela ingenuidade do desenho e da

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pintura, sendo alguns, neste particular, verdadeiras obras-primas do que se poderia considerar hoje «arte popular» dos pintores «naifs» ". TERCEIRO ARCO O terceiro arco do lado da Epístola está encimado por um um painel emblemático de 4 x 5 azulejos que repete o motivo da Eucaristia, na forma da Custódia para exposição da Partícula. Contudo, o Sagrado Expositor tem uma configuração muito diferente da do painel da primeira arcada deste lado do Templo : a Custódia tem a servir de base um Arcanjo e, do qual parte o pé, torneado, onde assenta o corpo rectangular, mais alto que largo, ladeado por colunas em espiral, nas quais assentam contrafortes em SS. A cúpula é em abóbada gomada, ornamentada por uma cruz no alto. Como ornamentos da cimalha partem coruchéus torneados e, dos vértices da base do corpo da Custódia pendem campainhas. A Custódia está rodeada por um amplo círculo flamejante (um pouco descentrado derivado à irregularidade do rectângulo) raiado em tremulantes e finas flamas douradas (pintadas em amarelo) que fazem uma tangente às laterais do painel, deixando vagos espaços em cada canto, onde estão pintados, também em amarelo, pequenos arcanjos com as faces voltadas para o interior e as asas excêntricas ao rosto. Uma estreita barra, pintada em azul escuro, no próprio azulejo, circunda os quatro lados do painel. ------------------------------------------------------------------------------------------------ (17) Segundo algumas opiniões, baseadas na tradição oral, esta Imagem representa Nossa Senhora da Saúde. Outras versões, apontam como sendo a Padroeira, a Imagem que está pintada no painel do quarto arco.

QUARTO ARCO

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O Painel hagiográfico que encima o quarto arco tem a mesma dimensão do "quadro" anterior, isto é, 4 x 5 azulejos, com barra incluída. O motivo, A Virgem Maria com o Menino ao colo, está rodeado por um círculo flamejante, idêntico ao do painel anterior. O mesmo acontece no que se refere aos quatro Arcanjos - um a cada canto, que diferem apenas no maior volume, na posição das asas, neste caso, concêntricas, e nas pinceladas azuis nos contornos, mais acentuadas . A pintura, ("mais um exemplo da ingenuidade da arte popular") representa Nossa Senhora da Saúde, a Padroeira da Paróquia. A Senhora tem amplo manto azul cobalto que se arrasta pelo chão, cobrindo uma túnica amarelo-limão com decote justo e singelo. O Menino, está nu, pousado sobre o braço direito de sua Mãe que o aconchega para junto de si. A mão esquerda da Virgem, ajuda a manter o Menino sentado. O drapeado das vestes é muito acentuado e dá um ar muito "pesado" e volumoso à Imagem, denotando a "artesania" do pintor. QUINTO ARCO Este último arco do lado da Epístola do Templo , tem em seu címbrio, um painel hagiográfico de 4 x 5 azulejos que representa São João de Brito. É um "quadro" datado, que assinala a data do início das últimas obras de beneficiação do Templo : 17 - 5 - 1959 . A exemplo do painel que se lhe defronta, (o dedicado a Santo António) está pintado de acordo com as técnicas actuais, denunciando a chacota, vidragem, desenho, cromática, a origem industrial. A moldura que orla todo o "quadro" é igual à do painel de Santo António, sendo ainda, guarnecida por uma barra (grosseira) de uns oito centímetros, vidrada em anilado e assente de forma não concordante com as juntas do painel, discordância que, acentua ainda mais, a "extemporânea" inclusão destes quadros, nas arcadas revestidas de padrões setecentistas e painéis do mesmo tempo ... O Santo e Mártir, português (ver texto em anexo) ocupa o centro do "quadro azulejar". Está descalço, em genuflexão incompleta, assentando somente o joelho esquerdo em um pedaço plano de terra verdejante, junto à beira de uma escarpa. Está vestido de penitente Pandará-Suami de túnica verde cobre e, manto e turbante azul cobalto. Tem o braço direito cruzado sobre o peito, segurando um pequeno crucifixo, sem imagem. O Braço esquerdo está aberto, completando a atitude de súplica. Em segundo plano uma paisagem Oriental constituída por tufos arbóreos e palmeiras tudo em verdes cobre e citrino, que envolvem uma torre cúbica, acastelada, pintada

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em aguada ocre, ameada nos vértices e, com amplas arcadas nas duas faces visíveis. Tem cúpula gomada pintada de verde, tendo um longo pináculo a encimá-la. Sobressaindo dos tufos arbóreos e, em plano inferior, vêm-se duas cúpulas gomadas, ocres. (Iguais às dos Cubelos da Bacalhoa). Palmas, verdes, encurvadas para dentro, saídas de ornatos de acanto, em azul, extremam o cenário. Na parte inferior do painel, ao centro, uma Vieira, hepto-gomada, pintada em ocre-verdoso está ladeada, em arco, por folhagem de acantos e caracois barrocos pintados em aguadas ocres e sombreados da mesma cor. Entre esta composição e cada vértices dos cantos inferiores da "moldura" do painel, Arcanjos, de asas verde-azulado e citrino, de rostos envoltos em gola alada e, voltados para o exterior. Sobre os Arcanjos, leques de palma, do género Indiano. Por sua vez, nos cantos superiores, formando como que, um arco triunfal, Anjos, saindo de nimbos azulados, tendo o da direita, uma coroa de louros que vindo ao centro, encima a auréola anelar que envolve a cabeça do Santo. O Anjo do lado esquerdo, segura uma palma . Junto ao centro do bordo superior, iluminando a palma e a coroa, um semi-Sol de raios triangulares entremeados por outros, serpentedos, pintados em "amarelo-dourado". Ao centro desse semi-Sol as letras I H S. PAINÉIS DAS NAVES LATERAIS Inseridos no revestimento parietal das naves laterais da Igreja de São Simão, há, inseridos no padrão azulejar, três painéis emblemáticos, representativos de igual número das antigas Irmandades da Igreja de São Simão : (28) - A Irmandade de São João Baptista representada na galeria do lado do Evangelho ; no lado da Epístola, representadas a do Santíssimo Sacramento e a de S. Miguel Arcanjo e Almas . ______________________________________________________________ (28) - Do Relatório do Pároco da Freguesia de São Simão, Padre Manuel José de Távora, escrito em 1758: - "(...) tem esta igreja tres naves, e tres irmandades, a do Santíssimo, São João Baptista, e das Almas ( por ter S. Miguel) ... "

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PAINEL DE SÃO JOÃO BAPTISTA O painel emblemático da Irmandade de São João Baptista, é datado de 1648, e a legenda: "JUIZ , ESCRIVÃO E MORDOMOS, MANDARAM FAZER ESTA OBRA, OS QUE SERVEM ESTE ANO * 1648*, está grafada da seguinte forma : " ΙΙΙΙVIS HE ESCRIVAÕ••••EMORDOMOS••••MAÕ DARÃO FAZER••••ESTA••••OBRA••••OS QVE SERVEMESTEANNO 1648 Inserido no padrão, este painel de 7 x 8 azulejos, tem pintado a Imagem de São João Baptista, caminhando em terreno plano e, apoiado num bordão, com cruzeta junto à extremidade superior. Da intercepção desta cruzeta parte uma flâmula azul-celeste, ondulada e recortada no final, tendo pintada uma cruz, presumo, da Ordem de Malta (ou será de Cristo, a das Caravelas das Descobertas) em azul-cobalto. O Santo está descalço, e enverga sobre o corpo, uma maltratada pele esverdinhada. Pelos ombros e caindo pelas costa uma "capa de retalhos de pele" cosidos de forma rudimentar, e de cor amarelo-laranja. O rosto de São João, é jovem, e o cabelo farto, mas aparado, pintado de azul, cobre a cabeça auréolada por um círculo fechado, cheio a amarelo-laranja. O braço direito de São João, está flectido, e a mão, aberta, estende-se em direcção ao Cordeiro que, de pé, sobre um montículo tufado, verde-cobre, olha o Santo. O animal está pintado de azul-cobalto e tem auréola, fechada e pintada de alaranjado. Por detrás do "Baptista", ladeando-o, dois montículos tufados - tudo em verdete-cobre, sustentam dois cedros : o do lado direito, junto ao Cordeiro, de grande porte, de tronco, turtuoso, pintado em azul-cobalto e folhagem espessa, verde-cobre ; o do lado oposto, mais delgado e coleante, de tronco vinhático-escuro, ramos amarelo-mel e folhagem, igualmente densa, verde-azulado. Na frente do Santo, sobrepondo-se ao longo de toda a legenda um tufo erbácio, também pintado em verde-cobre. A já citada legenda, que corre ao longo dos cinco azulejos que compõem o motivo do painel, está pintada em azul, sobre fundo branco. A Guarnição deste painel, pintada a azulejo inteiro, tem a particularidade de os cantos se formarem com azulejos cortados em diagonal, trocando-se as metades assim obtidas e, colocando-as a par, no sentido invertido do corte, de forma a conjugar o desenho com o restante

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cercadura. É um compósito duplo, formado por acantos, que orlam o bordo exterior e, pelo Friso no bordo interior. Esta composição integra-se perfeitamente, quer na forma, quer na cromática, no tapete de padrão envolvente. Como já foi assinalado, o Painel de S. João Baptista, está colocado no espaço parietal entre a porta travessa do lado Sul, e a câmara de acesso à torre sineira. Este painel, pela sua datação e especificidade do tema está citado em diversos livros sobre azulejaria portuguesa e aparece pela primeira vez referenciado numa publicação, por Joaquim Rasteiro, em 1895, no seu Livro sobre o Palácio da Bacalhoa. Diz, J. Rasteiro : "(...) As paredes do templo são de alto a baixo vestidas de excelente azulejo liso, com desenho a tres cores ; sobre cada arco ha um quadro com uma imagem de santo. Na parede da nave do Evangelho, n'um quadro representando o Baptista, lê-se : «Juiz, escrivão e mordomos mandaram fazer esta obra. Os que agora servem este anno de 1648» PAINEL DO SANTÍSSIMO Como já foi referido, a parede da nave do lado da Epístola tem dois quadros inseridos em seu tapete parietal de azulejo de padrão: - Um, emblemático da Irmandade do Santíssimo, e outro, configurando S. Miguel Arcanjo e as Almas do Purgatório, que penso, representa a Irmandade de São Miguel e Almas e, se assim for, também emblemático e não hagiográfico. O Painel do Santíssimo, inserido no tapete de padrão P - 107, que envolve a porta que dá acesso à chamada "Casa dos Irmãos", encimamndo-a, é um exemplar típico dos quadros emblemáticos "(...) cujo tema mais comum é o que simboliza a Eucaristia, na forma da Custódia para exposição da Sagrada Partícula ... mas, para além de enriquecido com querubins entre nuvens, é da espécie dos que se tornaram mais ambiciosos, tendo a Custódia colocada sobre o altar ... e adorada por anjos ..." O "Quadro Azulejar" tem 13 x 13 azulejos, o que dá, práticamente, 1, 95 metros quadrados de área . Sendo o maior do Templo, talvez que queira

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significar por isso, que a Irmandade do Santíssimo, seria a de maior representitividade na Igreja de São Simão. Tem este painel como motivo central uma Custódia, toda em amarelo, sugerindo ouro, ostentando formas e pormenores muito elaborados. O pé em forma de cálice e facetado em oitavado enconchado, tem gola dupla, servindo de nó de ligação a uma cúpula invertida, semi-esferoide que serve de base ao tabernáculo do Ostensório. Este, é ladeado em cada vértice, por pares de colunelos de capitéis coríntios, de folhas de acanto, sobre os quais assenta o entablamento. A encimar a Custódia um frontão quebrado de duar ordens sustentam um pináculo em forma de urna e rematado por um crucifixo. A completar a cúpula, coruchéus orlando os vértices da cimalha. No interior do tabernáculo (ou charola) do Ostensório, uma peanha, formada por dois caracois barrocos e uma gola de nódulos, sustenta, na vertical, um anel doirado, que serve de auréola à Sagrada Partícula, a qual tem, simbolicamente, em seu interior, uma cruz. O "dourado" da Custódia destaca-se de um fundo branco, intensamente radiado, por flamas tremulantes e estáticas interpoladas. Rodeando-a, castiçais com velas acesas. Castiçais e Custódia assentam, centrados, na pedra de Ara, pintada de esponjado azul, com filetes dourados e barra de "caracois barrocos". A sanefa é composta por um frizo franjado em azul e "oiro". A pedra do altar, é, ainda ornamentada por toalhas rendilhadas a azul e ouro. Por sua vez, o pano do altar, está completamente adornado por folhas soltas de acanto, flamas, e arabescos, tudo em "ouro", espalhados simetricamente. As laterais do painel. junto à cercadura, estão envoltas em novelos de nuvens, pintadas em azul cobalto. Dos cantos superiores, imergem dos novelos, dois Querubins de cada lado. Na base do Painel, ajoelhados junto ao altar, dois Anjos Turibulários (gémeos) incenssam o Altar e o Ostensório. Os Anjos, "vestem" túnica amarelo-claro e sobrecapa verde-cobre, atada pela cintura por um cordão "dourado". As asas dos Anjos, subidas na vertical e desniveladas, mostram as penas bem definidas nos contornos, pintadas em camadas de amarelo-dourado e azul-turquesa. A cercadura que guarnece o painel, tem fundo branco e acantos pintados em amarelo. Tem quatro filetes, dois no bordo exterior e outros tantos no interior. Os de fora são azuis-cobalto e os de dento em amarelo-dourado. Ao longo dos filetes interiores partem as folhas de acantos. Um outro filete azul-cobalto, que se "enraiza" em forma triangular no interior dos acantos corre ao redor de todo o painel, formando "bicos" nos intervalos entre os acantos. Esta Cercadura é considerada invulgar.

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PAINEL DE SÃO MIGUEL E ALMAS Considerando que este painel é emblemático da Confraria de São Miguel e Almas, ficam assim, através da arte azulejar, todas as Irmandades da Igreja de São Simão representadas . O "Quadro", tem 9 x 10 azulejos incluindo a guarnição pintada em 1 1/2 azulejos. O motivo, quase todo pintado em azuis, centra-se no Arcanjo São Miguel pisando o demo . Para um melhor entendimento da simbologia do quadro pintado em azulejo, devemos anteceder a descrição do mesmo, com uma breve nota sobre o Arcanjo S. Miguel : É um dos três anjos nomeados na Bíblia. Aparece no Livro de Daniel como chefe da hierarquia celeste e o protector do povo de Javé, e no Apocalipse como o chefe da milícia e o protector do povo de Deus. O seu culto já estava difundido nos começos do século IV nas igrejas do Ejipto. A piedade cristã invoca-o como o porta-bandeira do céu, guia das almas e assessor de Deus no julgamento, cabendo-lhe pesar os méritos ou deméritos de cada um. Fruto de toda esta simbologia o painel apresenta o "Protector do Povo de Deus" de asas erectas, envergando traje guerreiro, (chefe de milícia) constituido por elmo, sem viseira, mas emplumado, túnica azul-esmeralda com sobrecasaca de couro, (mas pintada a azul-cobalto) traçada paliada a partir da cintura. Uma larga faixa verde-esmeralda, traçada do ombro à cintura, vem formar amplo laço nas costas. Completa a indumentária cotoveleiras e joelheiras reforçadas e sandálias militares. São Miguel, empunha na sua mão direira uma longa espada encurvada, subjugando e ameaçando com este gesto o demónio que trás calcado sobre seus pés, calçados de sandálias militares, um sobre a cauda flechiforme, outro sobre o ombro do demo. Na mão esquerda, flectida, transporta uma balança, em cujos pratos, equilibrados, duas "Almas" estão sendo aquilatadas sobre os seus méritos e deméritos. Lucifer, estendido ao comprido, embora esteja dominado, tem a cauda em riste e, sua face diabólica, ornada de chifres, de orelhas e barba de caprino, é ainda ameaçadora. Um segundo plano do painel, mostra quatro Almas Penadas, duas de cada lado, emergindo de labaredas do Purgatório. Ainda mais atrás, um núcleo de nuvens azuis sustenta largas flamas que rodeiam o anjo, formando uma espécie de auréola.

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A guarnição do painel é algo complexa, mas enquadrada-se perfeitamente no padrão em que está inserido. Trata-se de um compósito constituido por uma Cercadura, ocupando um azulejo e um Frizo compartilhando metade de um azulejo com o motivo do painel. A cercadura compõe-se: no bordo exterior, por acantos brancos sobre fundo azul, tendo triangulos interiores, igualmente azuis, bordados a amarelo. Na bordo interior, losangos e pérolas, tudo a amarelo. O Frizo que está em contacto com o interior do painel (no qual ocupa meio azulejo, é igualmente de acantos .

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A SACRISTIA O Corredor O acesso à Sacristia, tanto pode ser feito pelo interior como pelo exterior do Templo, e em ambas as hipóteses. por um pequeno corredor de cerca de três metros de comprimento. Vindo-se do interior, fica-nos à direita a porta da sacristia . Nas suas laterais e na parede que a confronta, um lambrim composto por azulejos diversos, fruto de aproveitamento de sobras ou dos escombros causados pelo terramoto de 1755 . A parede que defronta a porta tem um "lambrim" , que apesar das circunstâncias restritivas da composição foi executada com um sentido estético muito gracioso, o qual se pode identificar da seguinte forma : - Um motivo central, servindo de padrão de 2 x 2 azulejos, composto pela repetição dos eixos centrais, o qual assenta num rodapé de cercadura de "Grifos", igual nas suas características cromáticas e de desenho à que guarnece a capela onde está a Pia Baptismal. - Por cima do "padrão" , uma composição formada por uma Barra dupla . A coroar este triplo conjunto, um lindo friso de dois azulejos de altura, pintado com motivos repetitivos de "palmetas de adamascado", a dourado, sobre fundo branco. Ao longo de toda a borda inferior este friso é ornamentado por cadilhos dourados, o que parece indicar, com certa segurança, que estes azulejos, em determinada tempo (talvez antes de 1755) deveriam estar a servir de sanefa a um pano de um altar deste Templo. De notar, as muitas "brancas" para preencher a ausência de azulejos similares, necessários para completar a sequência . No que se refere aos espaços laterais da porta de acesso à sacristia, o aproveitamento é mais pobre, tendo ainda mais "brancas" no conjunto azulejar que formam este "lambrim". Na totalidade, o conjunto demonstra que é um aproveitamento de circunstância .

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O Interior da Sacristia A sacristia da Igreja de Vila Fresca, ao que parece, é de construção posterior à da primitiva do templo, e não deve ser a mesma que em 1781 o relator do Bispo de Lisboa dizia que era "(...) muito pequena e indigna de guardar os paramentos sacros ... " A porta, travessa do lado sul que lhe dá acesso pelo exterior, indo-se pelo pequeno corredor atrás descrito, e a janela gradeada, a meio da parede do mesmo lado, também devem ser relativamente recentes. Pelo menos, no relato da Visitação a mandado do Bispo de Lisboa, em 1781, constava somente o seguinte : "(...) quanto ao comprimento da Igreja, terá vinte braças e de largura nove ... e tem uma só porta travessa, no fim das grades da parte do sul ... ", ou seja a porta a meio do corpo do edifício. Logo à entrada, no lado direito, um amplo armário, embutido na espessa parede, serve como arquivo para alguns documentos e livros da Paróquia. Logo a seguir, na mesma parede, antes dela flectir mais para o interior, um antigo e valioso tapete persa, com visíveis marcas do tempo. A parede, ao flectir, forma um recanto que vai até ao balcão do fundo. Centrada, e a cerca de meio metro do solo, esta assente, na parede, um pequeno fontanário em cantaria, parecendo uma miniatura, do chafariz de Vila Fresca. Esta fontanário de parede, agora desactivado, era abastecido através de um reservatório. Na parede do fundo, há um soberbo balcão, em madeira, de amplos gavetões, onde se guardam alguns paramentos, atoalhados e alfaias religiosas, do quotidiano litúrgico. Em cima deste móvel, ao centro, a aqui já referida arcatura envidraçada com a Imagem de Nossa Senhora do Rosário, que esteve entronizada em seu próprio altar, até o mesmo ser desmontado, aquando das obras de 1959. A Imagem está vestida de longo vestido e manto, de seda natural, forrada a cetim, tudo cor de mel-torrado, bordado a fio de seda, dourado e prateado, formando ramagens, flores e rede, em verde escuro, sépias, e rosa-

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velho. Uma mantilha branca, de "tule de seda" cobre a cabeça, coroada da Virgem, vindo a cair sobre o colo do vestido, alto e fechado, singelamente ornamentado com dois ramos floridos, na vertical, mas, ligeiramente arqueados para o lado exterior. A Santa, segura em sua mão esquerda, (oculta pela saia do vestido do Menino) uma pequena Imagem de Jesus, igualmente coroado e vestido do mesmo tecido de sua Mãe. Esta, segura na mão direita uma ponta de um comprido rosário de contas, que pende do pequeno pescoço do Menino-Deus, formando, ao cair, um amplo arco desencontrado. Outras pequenas Imagens estão sobre o amplo balcão, assim como uma antiga Caixa de Esmolas, em madeira, pintada de azul e dourado, cujo espaldar tem um Cristo crucificado. Na caixa, propriamente dita, logo abaixo do fecho, a seguinte legenda, em letras bem desenhadas: " Esmolas para A Cera do Senhor Jesus dos Esquecidos" . Na parede do lado sul, entre a porta e o vão da janela, com alguns azulejos encontrados aquando das obras de 1959 fez-se a reconstituição de um painel que representa o "Nascimento de Nossa Senhora" . O painel, na primitiva deveria ter 14x10 azulejos, com cercadura. Santos Simões, diz-nos que é do século XVIII. Dispondo os elementos recolhidos, (37 peças de cercadura e 48 de figurativo) nas posições que ocupariam no painel primitivo, deixando-se vagos os azulejos em falta, "na esperança de virem a ser encontrados, como nos diz Santos Simões ... " , tentou-se reconstituir o painel. Com um pouco de imaginação e algum "atrevimento" a cena reconstituída, pode ser descrita da seguinte forma : O painel é de 14x10 azulejos, incluindo a cercadura de acantos, igual às dos painéis das primeiras arcadas do Templo, do lado do Evangelho . O motivo central revela, talvez, uma "madona" de vestido de rebuço azul claro que vai cobrir a cabeça. Veste corpete azul cobalto, e ampla saia amarela, de drapeados bem acentuados. Segura entre as mãos uma criança de tenra idade, talvez recem-nascida, que pelos peitos redondos e mamilos bem definidos aparenta ser do sexo feminino. Também são visíveis, o colo e os braços de outra personagem feminina, de mangas arregaçadas, presumivelmente, a parteira, que ajuda a amparar a criança. Esta, está suspensa sobre o que aparenta ser uma ampla bacia de pedra, montada sobre pedestal, devendo estar a sair do banho, porque, no lado direito da cena, outra personagem, do qual só se revela o rosto e as mãos, está segurando peças de roupa infantis, aquecendo-as numa lareira térrea, de achas bem flamejantes, sobre o chão ladrilhado .

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Entre a personagem que "enchambra" as roupinhas, e a "madona", uma outra, seguramente feminina, como denota a única parte reconstituída, um amplo decote, em V, com abotoadura ao centro. Na parte esquerda do painel, atrás da personagem que identificamos como "parteira" , uma outra personagem feminina transporta uma vasilha metálica, uma espécie de ânfora, a qual deveria conter a água para o banho. No canto superior esquerdo, um cortinado - talvez um reposteiro - apanhado para os lados. Sobre o vértice deste reposteiro, um pouco mais à direita, duas personagens, femininas (?) parecem estar debruçados sobre um parapeito de janela , observando a cena. Ao correr de toda a parte superior do painel , observa-se o rústico travejamento dos aposentos. Como se pode verificar, os azulejos disponíveis, mesmo devidamente colocados nas posições que, se presume, lhes pertençam, podem dar a leitura supra, ou outra mais completa ... Ao longo de toda a parede da Sacristia um lambrim de 6 azulejos de altura com rodapé de ladrilho cerâmico, em barro vermelho. Este lambrim não é uniforme, sendo composto por diversos padrões azulejares, na generalidade diferentes de todos os outros que guarnecem o interior do Templo. Este facto e a colocação pouco uniforme da padronagem, poderá denunciar que estes azulejos sejam resíduos de escombros de cataclismos naturais sofridos pelo templo ao longo dos anos, e não sobras de outros revestimento. A vingar esta hipótese, não se podem tomar como sobras. Pela sua diversidade, faz-se a descrição sector a sector, mesmo tendo em conta que o espaço coberto por este lambrim é relativamente curto . Lambrim das paredes interiores da Sacristia : Todo o Lambrim tem como guarnição superior a barra catalogada como B- 62, sendo esta particularmente referenciada no "Corpus" de J. M. dos Santos Simões, "Azulejaria em Portugal no século XVII ", como fazendo parte do património desta Igreja . Outra situação paralela é a do rodapé, todo igual, de ladrilho cerâmico, em barro vermelho e de igual dimensão dos restantes azulejos que compõem o lambrim. Laterais da porta : Lambrim composto por uma barra dupla, superior, que flecte para baixo, em ângulo recto, para acompanhar o perfil da porta. A barra e os

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cantos, são iguais ao restante lambrim. O Padrão da lateral esquerda, igualmente enquadrado por esta barra, é um mesclado de padrão tipo "Massaroca" . O Padrão do lado direito não foi possível identificar . Na parede sul, a que tem o painel supra referido, nos panos laterais da janela, o compósito azulejar é muito idêntico ao da lateral direita da porta. O vão da janela tem revestimento diferente, quer nas laterais quer no pano, embora que a barra continua a ser a mesma, mas cortada pela cantaria. O pano, é composto por uma variante do padrão circular entrançado. com targeta espinhada circular, azul . Contornando, o balcão da parede frontal à porta, cujo revestimento azulejar está encoberto pelo móvel, situamo-nos no recanto onde está o pequeno fontanário de parede. A barra superior continua a ser a mesma mas o padrão é constituido por módulos de caixilho, que em rigor não se deveriam considerar padrões. Na Igreja de São Simão estão revestindo o pano do altar de Senhor Jesus dos Esquecidos. Exemplares idênticos, fazem parte do espólio do Museu do Azulejo . Lateralmente e sobre a fonte, estão dispostos simetricamente, mas em avulso, alguns exemplares de azulejos relevados, do século XVI, talvez da anterior ermida. São como que pequenos quadros de quatro ou de uma só peça, e ainda como "sanefa" um friso de sete peças. Sobre este, um outro friso de outros tantoa azulejos, dispostos em diagonal e mais espaçados, formando o conjunto uma espécie de "Memória", talvez para nos recordar que a antiga Ermida de São Simão, tinha em 1516 e continuava a ter em 1553"(...) um altar ... forrado a azulejo e assim o assento debaixo também forrado ... " Dentro destes "quadros" podem-se identificar azulejos relevados do século XVI, idênticos a alguns da Quinta da Bacalhoa . A parede que confronta com a janela, é interrompida pelo armário já referido .

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IGREJA DE SÃO SIMÃO PANTEÃO DOS ALBUQUERQUES Conforme se verificou pela leitura do Testamento de Afonso (Brás) de Albuquerque, uma das intenções para que foi mandado construir a Igreja de São Simão, em Vila Fresca foi a de servir de sepultura aos ossos do pai do instituidor e de sua família mais próxima . Recordemos : - "(...) mando que sendo caso que dantes da minha morte não tenha mandado as ossadas de meu pai e mulher e filha à Igreja de São Simão, que mandei fazer à minha custa em Azeitão, que logo as façam mandar para a dita Igreja ... " Quanto aos restos mortais de seu pai, não foi possível satisfazer tal intenção, não por culpa sua, mas sim porque "(...) os frades da Graça venderam ao Conde da Ericeira a sepultura do maior herói que teve Portugal e os seus ossos sumiram-se, talvez acintosamente ... No que se refere, a ter sido a Igreja de São Simão de Azeitão, o local do enterramento do filho do Grande Afonso, da respectiva mulher e filha, nada se sabe de concreto, havendo fortes hipóteses concordantes, e outras tantas contrariando-as . A intenção expressa no testamento por Albuquerque era inequívoca : - "(...) E por tanto mando que tanto que minha alma se apartar desta miserável carne se leve à dita Igreja de São Simão onde será sepultado no lugar (na tribuna da capela-mor) e sepultura que deixo declarado no dito livro ... " . No entanto, Afonso de Albuquerque faleceu antes da Igreja estar

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concluida e, como tal, é provavel que seu corpo não teria tido o destino desejado. Todavia, nuns manuscritos de D. Manuel Caetano de Sousa, arquivados na Biblioteca Nacional de Lisboa, afirma-se que : - "(...) Afonso de Albuquerque fundou a igreja de S. Simão de Azeitrão e ... está enterrado na freguesia de S. Simão no lugar onde está hoje a tribuna ...". A transcrição supra é contestada por Joaquim Rasteiro que afirma, em 1894, o seguinte : "(...) Aproveito ... para desfazer um logro que está preparado para os incautos nuns manuscritos que se encontram na Biblioteca Nacional de Lisboa e que pertenceram ao teatino D. Manuel Caetano de Sousa. Falando da igreja de S. Simão ... escreveu D. Manuel : Afonso de Albuquerque fundou a Igreja de S. Simão de Azeitão, e Nuno de mendonça está enterrado na Freguesia de S. Simão, no lugar em que hoje está a tribuna ... " Um falsário qualquer, querendo dar aquela igreja por depósito das cinzas ilustres do grande homem, aspou as palavras precisas para alcançar o seu intento ; contudo não o conseguiu, porque eu pude ler através dos traços o que primeiro se havia escrito, concorrendo para isso as tintas, que eram diversas e que o tempo, em vez, em vez de amalgamar, mais distintas tornou ... " Contrariando esta posição, há opiniões que se manifestam dizendo que só uma peritagem laboratorial, poderá dizer, se há realmente falsificação e, em caso positivo, se a mesma, não teria sido executada em sentido contrário ao que nos apresenta J. Rasteiro ... Contudo, não ficam por aqui, as discripâncias entre conceituados historiadores de Albuquerque, quanto aos seus últimos dias. Atenda-se, por exemplo, na seguinte : - É um dado adquirido que, o autor dos "Comentários de Afonso de Albuquerque", teve votos para Procurador às Cortes de Tomar, em Janeiro de 1581. Igualmente se sabe que ele faleceu a 6 de Maio de 1581, conforme se verifica no respectivo acento de óbito, existente no Arquivo da Sé de Lisboa . Apesar destes factos incontroversos, há no entanto - talvez por desconhecimento dos documentos que atestam o atrás citado - quem afirme, que Afonso de Albuquerque, filho, faleceu em 1580 ... E, porque quem o diz é conceituado, muitos outros tomam o dito como verdade ... Quanto ao local da sua sepultura, poderemos ter como certificado o supra citado acento de óbito, firmado pelo cura Pedro Vaz , no qual se pode ler o seguinte :

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- "(...) a seis de mayo de 81 faleceo afº dalbuquerque e Recebeo t.os os

sacramentos E fez testm.to e ficou sua molher dona ctª por testamentera e se mãodou enterrar en azeitam e por verdade asiney aqui dia mes e era ut. supra petrus vaz cura " O teor do documento é ilucidativo. Como tal, Afonso de Albuquerque, (filho) está sepultado na Igreja de São Simão, em Vila Fresca de Azeitão . Contudo, não se conhece, até agora, nenhuma lápide que o ateste . No que se refere a outros Albuquerques, sepultados no Templo, Joaquim Rasteiro, baseado em acentos de óbito, conta ao longo do seu livro sobre o Palácio da Bacalhoa, os seguintes : - D. Jerónimo Manuel, "O Bacalhau" , falecido a 16 Janeiro de 1620 ; - D. Maria de Mendonça e Albuquerque, falecida a 26 Setembro de 1613 ; - D. Jorge Manuel de Albuquerque , falecido a 1 de Outubro de 1651 ; - D. Nuno de Mendonça , falecido em 15 de Fevereiro de 1684 . António Oliveira Parreira, numa breve resenha sobre a monografia de Azeitão, em texto avulso, dado a conhecer por Dimas Vidal da Maia, em 13 de Novembro de 1882, escreve a determinada altura: "(...) Todos estes sucessores de Albuquerque foram sepultados em Azeitão, o que se prova pelos registos de óbito, mas não se encontra epitáfio algum que o indique " A referência a "Todos estes sucessores" , tendo em conta o contexto em que está inserida a frase, diz respeito aos seguintes sucessores de Albuquerque : - João Afonso de Albuquerque (seu filho natural) ; - Jerónimo Manuel de Albuquerque ; (consta da relação anterior) - D. Maria de Mendonça e Albuquerque; (consta da relação anterior) - D.António de Albuquerque ; (depois Afonso) - D. Jorge Manuel de Albuquerque; - D. Jerónimo Afonso de Albuquerque . Na "Enciclopédia Geográfica" , citando Joaquim Rasteiro, lê-se que, "na Igreja paroquial de S. Simão havia bom número de sepulturas com

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campas, entre outras as dos Ferreiras de Passos ... com as reformas da igreja, porém, todas as campas têm sido tiradas, ou mudadas de lugar. Numa pedra ainda se encontra (1894) a seguinte inscrição : Sepultura de Estevam Pegado de Valladares e de sua mulher D. Dorothea. 632 " Segundo Oliveira Parreira, num texto de 1882, "Este nome encontra-se numa grande lápide da Igreja de S. Simão do tempo dos Filipes . Diz o epitáfio ser fidalgo da Casa Real e o nome da mulher tem Dom... " Estevam Pegado de Valadares, era proprietário da antiga Quinta do Nuno, junto a Castanhos, em cujo palacete, hoje residência da família Gargalo, viveu seus últimos dias . O nome deste fidalgo consta na lista dos descobridores e conquistadores das terras Americanas da Flórida. O Pároco de São Simão, Alberto Carlos Coutim de Miranda, que exerceu seu ministério por volta de 1882, era descendente deste ilustre fidalgo-navegador . Pesquizando as pedras tumulares existentes na Igreja, para obter elementos para o presente trabalho, não se conseguiu localizar tal lápide. As pedras tumulares que estão legíveis, localizam-se em dois dos extremos do Templo : uma ao centro e à beira do subpedâneo, cuja legenda está amputada no lado esquerdo, mostrando-nos, contudo, o seguinte : ... \QVIE STA DIGNACIA CAR ... OZADEGOVEA MOLHER FORAM ... ÐS BÐORA AVEILlO E CASTELBRº ... VIDDC FALEÆ ANN 1663 Pelo que se consegue interpretar, esta pedra tumular diz o seguinte: _ Aqui está Dona Inácia Cardosa de Gouveia, mulher de Estevão de Arcuelo e Castelo Branco, Ouvidor ... falecido no ano de 1663 . A outra pedra tumular, encontra-se ao cento da nave-mor, na direcção das últimas colunas, junto à porta principal, e nela consta o seguinte : A

S DE HETITOR RA

DOLI & DE SVA MOLHER IZA BELMENDE SE DE SEV SERDEI RUS 16Z 8

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Algumas outras pedras tumulares que pertenceram à Igreja, servem de lajes ao patamar e degraus do chafariz que está defronte do Adro, mais propriamente junto a um dos cubelos da Quinta da Bacalhoa, conhecido pelo da "Casa da Índia" . IGREJA DE SÃO SIMÃO TEXTOS DE RODAPÉ Do Missal Romano, das Enciclopédias e, ainda, de textos avulsos, retiraram-se os apontamentos que se seguem, os quais têm por finalidade complementar a informação monográfica, biográfica ou outra. São como que "Rodapés" , que por serem muito extensos, não se enquadrariam, nem estética, nem literariamente, em pé de página. ALTAR DE SÃO JOÃO Deste altar, - segundo o investigador Faria Monteiro - teriam saído três pedras esculpidas em baixo-relevo, uma das quais ornamenta a Fonte da Aldeia Rica . Sobre elas o referido investigador diz que "constituiriam um conjunto originariamente único, portador de uma mensagem de teor messiânico, que tinha como denominador comum os símbolos do Espírito Santo e de São João Baptista, e que deveria ter pertencido ao altar daquele apóstolo, existente na Igreja de São Simão de Azeitão, bastante atingida pelo sismo de 1755. " Esta tese, não é defendida por outros investigadores, entre os quais o Dr. J. Cortez Pimentel que a esse respeito diz :

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"Concordamos com Faria Monteiro no que respeita ao provável significado dos baixos-relevos e à causa do seu desmembramento, o mesmo não acontecendo quanto ao local onde pensa ter existido a obra primitiva " Pensa o Dr. Pimentel que as pedras são oriundas do Palácio dos Duques de Aveiro, em Vila Nogueira de Azeitão, e que dali teriam sido levadas a mando de Machado de Faria. Fundamenta esta posição, porque tal transparece da nota acusatória feita em 1777, a Machado de Faria nos inquéritos a que foi sujeito no reinado de D. Maria I , quando exercia o cargo de Presidente do Senado da Câmara de Azeitão Recordemos que esta pedra de mármore de Estremoz é um baixo-relevo que tem como elementos figurativos, anjos, pombos, e cordeiros, dentro de medalhões . VIRGEM MARIA Maria Mãe de Jesus Cristo, é apresentada pelo Novo Testamento não só como a «serva do Senhor» mas também acentua de modo especial a sua situação peculiar de mãe virginal do filho de Deus (Lucas 1, 35). As afirmações biblicas de uma especial sobrevalorização de Maria como Mãe do Salvador (Lucas 1, 48) originaram, já na primitiva Igreja do Ocidente, a formação de um culto próprio diferencial de Maria. O culto de Maria alcançou uma fundamentação total com a dogmatização do título de «Mãe de Deus» [[[[grego, Tehtókos; latim, Dei genitrix]]]] na disputa cristológica do séc.V (431 em Éfeso) , sendo considerado superior a todo o culto devido aos santos (hiperdulia) e só inferior ao culto devido a Deus (latria). Além da fé na Sua virgindade ( antes, durante e depois do parto de seu filho Jesus Cristo) impôs-se a fé na sua absoluta impecabilidade , na sua isenção de pecado original (Imaculada Conceição) e na sua assunção em corpo e alma aos céus. Desde o século XII Maria é venerada como «Mãe da Cristandade». Na Igreja Católica o culto de Maria (Virgem Maria) é praticado de modo especial nos dogmas da Imaculada Conceição (proclamado em 1854) e da assunção aos céus (definido em 1950) e no título de Mãe da Igreja (conferido oficialmente em 1964). O seu culto estendeu-se também às Igrejas Ortodoxas, como o demonstra a sua riquíssima iconografia, enquanto nas Igrejas Protestantes foi relegado para plano inferior, se bem que no diálogo ecuménico se estejam a realizar grandes progressos num retorno à lídima tradição cristã. As festas principais em honra de Virgem Maria são:

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- A Imaculada Conceição (8 de Dezembro) ; - Visitação de Maria (encontro com Isabel, a 31 de Maio) ; - Assunção em corpo e alma aos céus ( 15 de Agosto) ; - Natividade de Maria ( 8 de Setembro). A Purificação de Maria (2 de Fevereiro) e a Anunciação a Maria ( 25 de Março) são mais propriamente Festas do Senhor. Na nova ordem litúrgica do calendário Romano, desde 1969, denominam-se Apresentação do Senhor e Encarnação do Senhor. (In, Missal Romano e Enciclopédias) FESTA DA IMACULADA CONCEIÇÃO "A Virgem Maria foi preservada e isenta de toda a mancha de pecado original, desde o primeiro instante da Sua conceição , por uma graça e um privilégio do Deus omnipotente, em previsão dos méritos de Jesus Cristo, salvador do Género humano. Esta doutrina é revelada por Deus e, por isso, deve ser firme e inviolàvelmente professada por todos os fiéis" .(Definição de Pio IX) Por este privilégio único, a Virgem Maria foi «cheia de graça», desde o primeiro instante em que começou a existir no seio de Sua mãe. É esta grande graça que Deus concedeu a Nossa Senhora que nós celebramos nesta festa. » IMACULADA CONCEIÇÂO A doutrina católica ensina que Maria, Mãe de Cristo, por uma graça especial de Deus, foi concebida sem mancha de pecado original na previsão dos méritos de seu Filho. O Papa Pio IX proclamou esta doutrina como dogma de fé em 8.12.1854 pela bula Ineffabilis Deus . A arte cristã representa este privilégio com Maria de pé sobre a Lua, nuvens ou globo terrestre, pisando uma serpente (símbolo do demónio e do mal) . A devoção à Imaculada Conceição tê-la-à introduzido em Portugal o inglês D. Gilberto,

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primeiro Bispo de Lisboa (1147-1166), após a Reconquista. Em começos do Séc. XIII já era celebrado no norte do País, no Mosteiro de Pombeiro, perto de Guimarães. O culto generalizou-se nas dioceses portuguesas a partir do primeiro quartel do séc. XIV. D. Nuno Álvares Pereira, cerca de 1420 fez erguer em Vila Viçosa a Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Em 25 de Março de 1646 D. João IV proclamou solenemente Nossa Senhora da Conceição padroeira de «nossos Reinos e senhorios». (In, Enciclopédias) FESTA DA ASSUNÇÃO DA VIRGEM MARIA Tendo participado, mais do que ninguém, na Vida, Paixão e Morte de Seu Filho Jesus, a Virgem Maria foi também a primeira a participar da glória da Sua Ressurreição. Nossa Senhora nunca foi atingida pelo pecado; por isso, também não devia ser atingida pela corrupção do túmulo. «Maria, a imaculada Mãe de Deus, tendo acabado o curso da sua vida terrestre, foi levada, em corpo e alma, para a glória do Céu» . (Pio XII, na definição do dogma da Assunção, em 1950) Agora, que Ela reina no Céu com Jesus, podemos chamar-Lhe, com toda a verdade, a nossa «Mãe do Céu». (In, Catecismo Romano) ASSUNÇÃO É a doutrina segundo a qual não só a alma mas também o corpo da Mãe de Deus obtiveram a glorificação ao terminar o curso da sua vida terrena . Tornou-se dogma de fé solenemente proclamada por Pio XII em 11 de Novembro de 1950. Mas tal verdade dogmática surge já explícita no fim do séc. VI no Oriente, que festejava a Dormição ou Trasladação para o céu

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do corpo de Nossa Senhora. A festa de Nossa Senhora da Assunção celebra-se a 15 de Agosto, sendo dia santo de guarda. (In, Enciclopédias) FESTA DA NATIVIDADE DE NOSSA SENHORA Esta festa era celebrada em Roma, desde o século VII, mas Inocêncio IV, a pedido dos cardeais, acrescentou-lhe uma oitava, no primeiro Concílio de Lião em 1245. Foi este dia escolhido para a festa da Natividade, fixando-se a Festa da Imaculada Conceição nove meses antes. O nascimento de Maria é o pré-anúncio do de Jesus. Toda a expectativa do Amtigo Testamento tem o seu termo nesta donzela que nunca conhecerá o pecado. (In, Catecismo Romano) SÃO JOÃO BAPTISTA Costuma a Santa Igreja celebrar só o nascimento para o céu dos seus santos. A S. João Baptista abre excepção, visto ter sido santificado no seio de sua mãe, Santa Isabel. As Epístolas, da Vigília e da Festa, apresenta-nos as profecias relativas à santificação e missão do santo Precursor. Os Evangelhos narram-nos o seu cumprimento. S. João foi o profeta austero que anunciou o Messias e preparou, pela pregação da penitência, o povo a fim de bem O receber. Mais tarde, ele O indicou e O baptizou nas margens do rio Jordão. Não admira o culto excepcional que a Santa Igreja lhe tributa. Seu nome figura no cânon da Missa. A data comemorativa do seu nascimento é o dia 24 de Junho. (In, Missal Romano) SANTO ANTÓNIO DE LISBOA

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Santo António, nasceu em Lisboa, junto à Sé, em 1195 e chamava-se Fernando de Bulhões. Aos 16 anos vestiu o hábito de cónego regrante de Santo Agostinho, no Mosteiro de S. Vicente de Fora, mudando-se dois anos depois para o Mosteiro de santa Cruz de Coimbra, onde foi ordenado sacerdote. Nesta cidade assistiu à trasladação das ossadas dos Mártires de Marrocos e, então, resolveu ir pregar à Àfrica. Tinha, então, 25 anos. Em 1220 torna-se frade franciscano no Eremitério de Santo Antão dos Olivais, em Coimbra e logo embarcou para a Àfrica do Norte. Após uma breve estadia em Marrocos uma pertinaz doença obriga-o a deixar território africano, indo o barco aportar, devido a furiosa tempestade, não à Península Ibérica, que era seu destino, mas à Sicília. Dali seguiu para o Capítulo Geral, convocado por S. Francisco para 23 de Maio de 1221. Obrigado a pregar diante dos seus confrades em fins de 1222, revelou os seus talentos. passou então a pregar em Itália e em França e a ensinar Teologia (o primeiro que fez na sua ordem) nas escolas franciscanas de Bolonha, Mompilher e Toulous. Em 1227, nomeado ministro provinçal no Norte de Itália, continuou a sua actividade de pregador e de professor de Teologia em Pádua, onde faleceu de doença súbita em 13 de Junho de 1231. Foi canonizado a 30 de Maio de 1332 por Gregório III, menos de um ano após a sua morte. Veio a ser proclamado Doutor da Igreja por Pio XII, em 6 de Janeiro de 1946. Santo António de Lisboa (também conhecido como de Pádua) foi o primeiro português a granjear projecção universal pela sua cultura totalmente adquirida em Portugal e que faz dele o autor mais importante da pré-escolástica franciscana, sobretudo pela sua qualidade de taumaturgo que o faz designar o «santo de todo o mundo». Tanto a pintura como a escultura, quer da arte popular, quer da arte erudita, têm inúmeras vezes tomado Santo António como fonte de inspiração. Padroeiro secundário de Portugal e padroeiro principal da cidade de Lisboa, é festejado em 13 de Junho . SÃO JOÃO DE BRITO São João de Brito, nasceu em Lisboa a 1 de Março 1647 e morreu em Oriur, na Índia, com 46 anos, a 4 de Fevereiro de 1693. Educado na corte de D. João IV, foi pajem do futuro D. Pedro II. Jesuita desde 1662, sendo já sacerdote embarcou para as Missões de maduré, na Índia, em 1673, tendo para isso de vencer a oposição da corte a rogos de sua mãe. Como método de conversão abraçou a vida austera e penitente dos Pandarás-Suamis. Depois de ter sofrido dolorosos tormentos (1886) , veio à Europa como procurador das missões, tendo chegado a Lisboa em 8 de Setembro de 1687. D. Pedro II quis retê-lo como aio do principe e dos infantes. Vencendo a oposição do rei,

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partiu para a Índia em 8 de Abril de 1690 com 25 novos missionários , onde, menos de três anos depois, foi decapitado. Apelidado o Xavier Português, foi canonizado em 22 de Junho de 1947. É padroeiro secundário da cidade de Lisboa. A sua memória litúrgica é evocada a 4 de Fevereiro .

PALÁCIO

E

QUINTA DA BACALHOA

O Palácio da Quinta da Bacalhoa, em Vila Fresca de Azeitão, é o monumento mais notável de Azeitão e, na opinião dos maiores especialistas, um dos protótipos da arquitectura portuguesa. Segundo Joaquim Rasteiro, "(...) o Palácio e a quinta formam só por si um monumento artístico da mais alta significação em Portugal" . Como tal, vai merecer nesta compilação monográfica uma elaborada e pormenorizada descrição do seu património histórico e monumental . Foi, ainda, por mais de 500 anos, a Quinta e o Palácio da Bacalhoa um nobre domínio: primeiro na posse dos infantes da Dinastia de Aviz e posteriormente na de Afonso Brás de Albuquerque, ou Afonso de Albuquerque, filho. Porém, após a morte deste notável fidalgo, o domínio sofreu um percurso acidentado e por vezes degradante. Desse percurso se irá falar a seguir.

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ACONTECIMENTOS HISTÓRICOS Na sequência de D. João I, seu avô, senhor destas terras, e depois de seu pai, o infante D. João que primeiro adquire o direito ao uso da casa e da propriedade e depois adquiriu a posse total (38), a princesa D. Biatriz (39) herda em 1442 esta propriedade de Villa Fresche. (40) Personalidade brilhante esta poderosa princesa veio a desposar o irmão de D. Afonso V, D. Fernando, duque de Viseu e de Beja, o mais rico senhor do Reino. D. Brites e D. Fernando, foram pais de D. Diogo duque de Viseu (que D. João II matou em Setúbal), de D. Leonor, a rainha casada com D. João II (que viu o filho morrer de desastre em Santarém e sem descendência), da duquesa de Bragança (a quem D. João II matou o marido) e do rei D. Manuel I. (que veio a ficar com a suspeita de ter envenenado o rei D. João II) . É provável que tenham sido os infantes de Beja, mais de que a sua herdeira, a viúva do Condestável, conhecida por a "Condestablessa" que em 1506 constroem um palácio na quinta de Vila Fresca, "tão abundante em águas". Imponentes vestígios são as numerosas torres que à maneira medieval flanqueiam os ângulos do palácio e cingem ainda a quinta.

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Em 1528, o domínio, conhecido como quinta da Condestablessa, é vendida a D. Afonso, filho natural e único do grande Afonso de Albuquerque . Joaquim Rasteiro, o grande historiador da Bacalhoa, na sua "Monografia Historico-Artistica", editada em 1895, tem sobre a mesma, a seguinte opinião: "(...) Conto a Bacalhoa como obra do último quartel do seculo XV mandada executar por D. Brites, filha do infante D. João, Mestre de Sant'Iago, e mulher do infante D. Fernando, porque esta princeza, dama caprichosa e de grandes teres, possuiu a propriedade por largos annos e no periodo de maior effervescencia da revolução artística de Itália, paiz que attrahia por isso todas as attenções das altas classes e a que D. João II recorreu para o restabelecimento das artes do seu reino. D. Brites amava com extremo seu neto , filho do duque de Viseu D. Diogo; deu-lhe por occasião do seu casamento a Bacalhoa, e parece-me mais have-lo feito como offerta de um mimo fino, de como dom valioso pelas rendas". ______________________________________________________________ (38) - 1427 (39) - Nos documentos, antigos princesa D. Brites. (40) - A era do documento é a de César. Há que descontar uma diferença de 38 anos para o Calendário Gregoriano: 1459 - 38 = 1421 Porque se me apresenta como essencial seguir o conselho de Joaquim Rasteiro de que para se estabelecer base para um estudo sobre a Bacalhoa, será útil fazer-se a história e géneses da propriedade, acrescento mais alguns dados retirados do seu livro acima citado, em que uma e outra destas matérias é focada em pormenor, permitindo que se complemente o que anteriormente já foi dito. Escreveu J. Rasteiro : "(...) Nos tempos do rei D. João I era seu monteiro mór das matas de Azeitão em Ribatejo, João Vicente, que trazia emprazada em vida de tres pessoas uma quinta em Azeitão que partia de um cabo com Affonso Annes das Leix e do outro com Nuno Martins. Metade da quinta pagava duas dobras de oiro de fôro á corôa, o restante era foreiro a Dieguo Fêo. João Vicente estava velho, cego e pobre, sem meios de cultivar a quinta e nem os fôros já pagava. D. João I comprou o domínio directo a Diogo Fêo e tomou para si toda a quinta, havendo o emphyteuta João Vicente por desatado do fôro. Em seguida emprazou em tres vidas toda a propriedade a Alvaro Annes, seu barbeiro por duas corôas de oiro por anno. A carta é datada de Évora 7 de maio da era de M.IIIIC.LIX. (anno 1421) (3)

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Seis anos depois, o mesmo rei deu licença a Álvaro Annes para vender o emprazamento ao infante D. João, seu filho, por carta datada de Cintra a 4 de setembro de 1427. Esta venda foi por vinte e oito mil reaes brancos por uma peça de pano de jngraterra, conforme o instrumento feito e assignado por Gil Esteves e pelo infante em Setuval pustumeiro dia de setembro de 1427. O infante teve a quinta pelo antigo fôro de duas corôas de oiro, até que seu irmão D. Duarte lhe fez mercê pura e irrevogável doaçam da dita quintãa de juro e de herdade, de suas rendas, direitos, entradas, saídas, e pertenças d'este dia para todo sempre para elle e todos seus herdeiros e successores que depos elle veerem nom embargando que seja da corôa. E portanto lhe mandamos dar esta carta assignada por nós e assellada do nosso sello de chumbo. Dante em Cintra XXVII dias de agosto - Lourenço de G.es afez era do nascimento de nosso senhor ih~uus x~po de mill iiu.e xxx uj annos. (1427 ?) (Pe. MFS) " D. João II, de Sintra, a 7 de Setembro de 1485, e D. Manuel, de Alcochete a 24 de Junho de 1496, confirmam esta doação, estando na posse da propriedade a infanta D. Brites, sogra do primeiro e mãe do segundo. No dia 20 de Junho de 1490 D. Manuel, em Setúbal, deu a sua mãe uma carta de privilégios que compreendiam os caseiros, lavradores, arrendadores dos bens, lagareiro do lagar de azeite, e mordomo e escrivão, que estivessem na quinta. A 22 de Agosto de 1508, novamente D. Manuel confirma os privilégios, agora a sua sobrinha D. Brites : "(...) querendo fazer graça e mercê a D. Brites, minha sobrinha, filha do condestable, que Deus tem, meu muito amado e presado sobrinho, mando aos juizes e justiças da dita comarca de Azeitão e ao ouvidor d'ella que guardem os privilegios da quintãa de Azeitão ..." Em 1500, como já foi dito, D. Brites intervém no contrato nupcial do seu neto, o Condestável D. Afonso, com D. Joana de Noronha, irmã do 2º marquês de Vila Real, oferecendo-lhe a quinta. No entanto D. Afonso falece em 1504, ainda em vida de sua avó, e a quinta passa para a posse de sua filha D. Brites de Lara a qual, segundo Joaquim Rasteiro, "... desmembrou da Bacalhoa a Quinta das Torres e a deu em dote de casamento a D. Maria da Silva, filha de Vasque Annes Corte-Real " . D. Brites de Lara, nasceu por volta de 1502. Era bela, rica e ao que parece não desdenhava que lhe fizessem a corte . Diz dela J. Rasteiro : " Promettida esposa do conde de Alcoutim, destinada ao primogenito dos Braganças, acceitou os galanteios do duque D. Jayme, teve amores suspeitosos com o príncipe herdeiro, e a final veio a casar em fins de 1520 ou em 1521 com o seu primeiro desposado D. Pedro de Menezes, conde de Alcoutim e que foi terceiro marquez de Vila Real ..."

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A 1 de Dezembro de 1528 D. Brites de Lara "vendeu a Afonso de Albuquerque, filho, por quatro mil cruzados de ouro a sua quinta em Azeitão da banda de alem, em ribatejo com todos os seus paços, casas, adegas, lagares, terras de pão, vinhas, pomares, olivaes, pinhaes, matos e terras baldias, pacigos, aguas ..." Esta escritura foi feita em Lisboa, nas casas do muito illustre principe e muito excellente senhor, o senhor marquez de Villa Real estando hi presente o dito senhor marquez e a muito illustre princeza e muito excellente senhora a senhora D. Brites, marqueza de Villa Real, sua mulher. ... O preço de quatro mil cruzados de ouro, que valem um milhão e seiscentos mil reis, foi pago por Affonso de Albuquerque por uma grande somma de vintens e tostões de prata e algumas peças de ouro ... E porque a quinta era do dote da marquesa, precedeu licença do rei, que no mesmo alvará, datado de 31 de Outubro, permite que os marquezes firmem o contrato com juramento, sem embargo da ordenação no livro quarto, que defende que se façam contratos jurados. Está a quinta na posse de D. Afonso Brás de Albuquerque, filho natural e único do grande Afonso de Albuquerque. Educado sob a protecção do rei D. Manuel I, e senhor de enorme fortuna, prosseguirá uma brilhante carreira, como político, cortesão e escritor. (41) Alguns anos mais cedo tinha acompanhado a Saboia a esquadra portuguesa, onde seguia D. Beatriz, filha do rei, casada por procuração com o duque Carlos de Saboya, e tendo permanecido vários meses em Itália teve a grande oportunidade de admirar todas as grandes maravilhas da Renascença, maravilhas essas, que serão transpostas quer para a sua casa das Portas do Mar, em Lisboa - Casa dos Bicos - inspirada nos "Diamanti" de Ferrara, quer para a sua quinta e palácio de Azeitão, que ele mandaria construir entre 1528 e 1554, como o atesta, a inscrição sobre a porta de entrada. (42) Este procura adaptar a velha residência, conservando as partes provavelmente antigas, que considera belas, como seja cerca de uma dezena dessa torres circulares com cúpulas de gomos. talvez que os dois corpos de construções actuais tivessem sido colocados por cima de elementos anteriores, o que poderia explicar o seu aspecto essencialmente maciço. Sobre esta tese escreve J. Rasteiro : "(...) Os torreões da cerca inferior são seis e descendo-se ás minuciosidades precisas vê-se distinctamente que os torreões dos ângulos foram construidos com a cerca de muros e os intermédiários feitos posteriormente , para que houve de rasgar-se o muro e não tanto como o necessário, pois a parte que restou dentro dos torreões deu origem a que estes se partissem por ali ... "

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E continua mais à frente ; " ... No terrapleno superior em que está o palácio é onde se vê clara a reforma de Albuquerque, filho, cujas construcções se desviam do género architectonico primitivo". Desenvolvendo esta teoria, adianta ainda : (...) Quem attentamente observar o palacio e quinta da Bacalhoa e os vir minuciosamente encontrará nas edificações tres idades e influencias das epochas. Duas casas com abobodas ogivaes restos da habitação do tempo do monteiro mór João Vicente, ou do príncipe D. João, mestre de Sant'Iago, palacio e cerca torreada de D. Brites sua filha, construcções e decoração polychromica de Affonso de Albuquerque. ______________________________________________________________ (41) - Escreveu os "Comentários do Grande Afonso" . Em capítulo próprio se fará uma pequena biografia de Afonso Brás de Albuquerque. (42) - "Anno 1554 - Alfonsus Albuquercus Alfonsi Magni indorum debellatoris filius - sub Joanne III Portugaliae rege condidit Anno MDLIII. (Esta residência foi construída em 1554 por Afonso de Albuquerque, filho de Afonso o Grande, que descobriu as Índias sob o reinado de João III de Portugal.) Apesar de todas estas fases, este é um edifício privado onde pela primeira vez encontramos em Portugal as novas formas da Renascença, como é o caso da planta em L e das "loggias" simples a ocidente e duplas a norte, elementos esses criteriosamente adaptados ao modo de vida e ao clima do nosso país, e que por esta razão se tornarão no decurso dos tempos verdadeira característica da arquitectura nacional. De forma bem feliz, poderemos dizer que "aparece aqui nova ditadura - a da simetria - aliada a uma sábia simplicidade. Tudo se torna então rítmo. A cadência regular das janelas acentuadas por nichos, o ordenamento dos vãos abertos sobre as arcadas, o encadeamento das paredes escondidas pelo ritmo das colunas, e mesmo o tempo das escadarias de dois lanços. Todas estas aberturas para o exterior mais ainda do que qualquer forma de pesquisa decorativa, traduzem o novo espírito desta habitação de recreio, próxima da natureza, de onde desapareceu toda a função defensiva". O pátio é completamente rodeado com altos muros flanqueados por torres, mas uma vasta galeria de arcadas proporciona-nos um antegosto ao jardim, ao qual dá acesso um conjunto de duas portas muito simples, discretas, sobrepujadas por inscrições, em latim, muito adequadas. (43) A quinta, cercada de muros e torres tem cerca de quatro hectares para os quais deitam as "loggias" de norte e poente. É totalmente plantada

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de vinha, donde sai o famoso "Bacalhoa" e de pomares, reservando a parte sul um espaço para o jardim propriamente dito. Este estende-se por largas ruas, com canteiros de buxo e de flores. Mas o elemento principal deste jardim é a chamada Casa de Fresco ou do Lago, ou ainda, do Prazer, que precede um vasto espelho de água. (44) Um pouco no mesmo espírito da dupla "loggia" da fachada norte, rodeada de torres de cúpulas de gomos o arquitecto aqui criou um longo pórtico de arcadas pontuadas por três torres, mais modernas, terminadas em pirâmide. "(...) Os tectos d'estes pavilhões e loggias eram de estuque apainelados, seguiam o pendor dos madeiramentos e pintados de varias historias, diz o tombo de 1630. As coberturas pyramidaes dos pavilhões foram de lousas de ardosia, de que apenas se encontraram restos ..." (J.R.) ______________________________________________________________ (43) - Na porta Norte : "Dirige Domine meus in conspectu tuo viam meam" ( Faz, Senhor, que eu siga sempre a via dos teus ensinamentos) - Na porta Sul : " Satiabor cum apparuit gloria tua " ( Serei feliz quando a tua glória aparecer ) (44) - A este pavilhão acrescem a Casa das Pombas e a Casa da Índia, sendo esta última ornada de Panos de Arras que representam as cidades em que o grande Afonso de Albuquerque se distinguira. É em Sevilha, reputada pelos seus azulejos hispano-árabes, que Afonso de Albuquerque encomenda nas melhores fábricas, por volta de 1550, ladrilhos de estilo mudéjar. Contrariamente ao hábito sevilhano, este manda dispô-los em diagonal na Casa do Lago revelando um grande sentido monumental e original, já bem português. Estes azulejos mudéjares estarão entre os últimos que se encontram em Portugal, pois apesar da qualidade excepcional do seu desenho," já influenciado pela nova gramática ornamental italiana, pertencem a uma estética já ultrapassada com o seu desenho geométrico, o seu aspecto brilhante e o seu relevo, que já não poderiam satisfazer Afonso de Albuquerque, apaixonado pela modernidade." Prefere então utilizar com abundância os azulejos lisos - pisanos - onde as separações em relevo - arestas - desapareceram já. Na técnica anterior dos esmaltes à base de chumbo as arestas serviam para separar duas cores, mas mostram-se agora inúteis dado que se passou a usar uma percentagem crescente de sais de estanho e estes fixam as cores. "Em vez de os importar da Flandres, ou de Sevilha, onde os azulejos pisanos se fabricam já, Afonso de Albuquerque, segundo a opinião de Santos Simões, prefere recorrer aos « malegueiros » flamengos de Lisboa." A originalidade desta encomenda, escalonada provavelmente ao longo de vários anos, até perto de 1570, reside na variedade dos motivos onde, lado a lado com os azulejos de padrão com motivos repetitivos na tradição

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hispano-árabe e ocidental se encontram painéis alegóricos modernos no novo estilo italiano e flamengo. Esta dupla corrente de inspiração que se manterá com a predominância dos azulejos de padrão até ao fim do século XVII, fez do Palácio da Bacalhoa uma vez mais um protótipo da arquitectura nacional. Além dos azulejos monocromáticos, dispostos em mosaico e em xadrez, parte de uma dúzia destes bordados geométricos cobrem como um tapete tanto as paredes da Casa do Lago ou da "loggia" poente, como os bancos e os alegretes floridos, num espírito de continuidade entre os interiores e os exteriores que se tornarão uma constante nas residências portuguesas. Polícromos, estes azulejos guardam um equilíbrio entre os diferentes óxidos metálicos que são os verdes-cobre, os violetas-manganêz. os amarelos-antimónio, os azuis-cobalto e os brancos. Todavia, mais tarde, como acontece na "loggia" poente, o gosto parece ter evoluido, porque é abandonada a disposição em diagonal, e aumentada a densidade do branco. Mais espectaculares ainda os azulejos historiados, igualmente polícromos, que representam cenas bíblicas, mitológicas, alegóricas ou ornamentais, inspiradas em grande parte em gravuras de origem flamenga. Para a Casa do Lago, foram, segundo Santos Simões, estampas de Aeneas de Vico, que foi um dos grandes fornecedores de modelos para os ceramistas flamengos e para certos artistas italianos que serviram para o "Rapto De Hipodémia" e para "Susana Surpreendida Pelos Velhos". (45) Este último painel é famoso tanto pela sua beleza como por estar datado de 1565. Além do "Rapto de Europa", destinado a um banco, acrescentam-se a este programa iconográfico alegorias de rios em estilo verdadeiramente flamengo, como é o caso do Tejo, na Casa do Lago ou o Douro, o Mondego, o Nilo, o Eufrates e o Danúbio, incluídos nos painéis de cerâmica da "loggia" poente. Finalmente, os rodapés da Casa do Lago representam maravilhosos desenhos do grotesco onde alegres libélulas aparecem lado a lado com «putti», grifos e sereias. (46) Eminentemente portuguesa a sua concepção, esta decoração de azulejos era acompanhada, ao gosto italiano, por numerosos bustos e medalhões em mármore, em terracota, ou em faiança. Sendo menos resistentes às injúrias do tempo e à incúria dos homens (47) de que os azulejos, restam somente alguns bustos nos nichos da fachada nascente e alguns medalhões no estilo dos de Della Robia, cercados por grinaldas de flores e frutos. Melhor conservados são, talvez, os maravilhosos medalhões da fachada norte, no estilo Renascença, introduzido em Portugal pelos escultores franceses vindos no primeiro quartel do século XVI. Joaquim Rasteiro, vê nestes bustos a evocação do Infante D. João e de sua esposa D. Isabel, do infante D. Fernando e de D. Beatriz.

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No muro que limita a quinta pelo lado sul não existem nichos e os medalhões são menores e em baixo relevo, representando personagens históricas como Alexandre, Octávio Júlio César, Scipião, Nero, Pompeu, Aníbal e outros, num total de doze medalhões, correspondentes a espaços definidos por outras tantas pirâmides colocadas sobre o muro. Constata-se que o descanso de Afonso Brás se realizava, não só sob o auspício destas figuras históricas como também pelas figuras alegóricas das Quatro Virtudes Cardeais, da Casa do Lago, também conhecida pela Casa do Prazer. ______________________________________________________________ (45) - O painel com a cena de "Susana e os Velhos" - segundo Santos Simões; "(...) é feito segundo uma estampa de Aeneas Vico, reproduzindo o célebre quadro de Ian Metzjs que se guarda no Museu de Bruxelas . (46) - Sobre estes plintos resta ainda um fragmento assinado "TOS" . mais que a Francisco de Matos, o autor, em 1584 dos painéis de S. Roque em Lisboa, Santos Simões atribui-lo-ia a Marçal de Matos, talvez seu avô, cuja actividade parece ter andado muito ligada à dos ceramistas flamengos de Lisboa. (47) - No tempo de Raul Martins Leitão, segundo testemunhos que recolhi junto de pessoas idóneas, alguns destes bustos e medalhões foram vendidos para Itália. "Muito eruditas são também as citações latinas que acolhem o visitante e esmaltam o passeio. "(48) Depois da Morte de Afonso Brás de Albuquerque, em Lisboa, (?) a 6 de Maio de 1581 (49), a quinta fica por herança ou pelo casamento durante cerca de três séculos na família Albuquerque. Sempre sob o signo de galhardos navegadores. Os seus mais célebres proprietários que se sucedem, no princípio do século XVII são D. Jerónimo Manuel, comandante da frota das Índias, alcunhado o Bacalhão, que dará origem do nome da quinta, e D. Luis de Mendonça Furtado, nomeado Vice-Rei das Índias nos fins do século XVII. A quinta comprada em 1906 pelo rei D. Carlos, é herdada - depois do regicídio - pelo rei D. Manuel. Posteriormente é vendida a Raul Martins Leitão, que a cede em 1936 a Mrs. Orlena Z. Scoville. Esta última com bastante talento e carinho empreendeu o restauro a partir de 1937. Presentemente está na posse do neto de Mrs. Scoville, o senhor Thomaz Scoville.

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______________________________________________________________ (48) - Sobre a porta da entrada: "Ecce elongavi fugiens et mansi in solitudinem." ( Eis que me repouso e permaneço na solidão ) - No muro junto ao lago : "Tempora la buntur more fluentis aqua." ( O tempo passa como a água que corre ) "Vivite victuri moneo mors omnibus instat" ( Vivei despreocupados, a morte encarrega-se de lembrar a todos que o tempo é próximo) (49) - Assento de óbito, existente no Arquivo da Sé de Lisboa: (...) a seis de mayo de 81 faleceo aº dalbuquerque e Recebeo t.os sacramentos. E fez testm.to e ficou sua molher dona cª por testametera e se mãodou enterrar ~e azeitam e por verdade asiney aqui dia mês e era ut supra petrus vaz cura " ROTEIRO DE VISITA Cada vez que visito a Quinta e o Palácio da Bacalhoa - e faço-o algumas vezes por ano - descubro "novidades" que me surpreendem agradavelmente. Umas, "descubro-as" por acidente, outras, porque deliberadamente sigo as pistas deixadas por conceituados estudiosos deste lindíssimo espaço. Na intenção de que a crónica dessas "descobertas" e algumas transcrições retiradas dos roteiros que me têm servido de guia para essas maravilhosas viagens pelo passado, vos aliciem para meus cúmplices de jornada, tomo a liberdade de, para já, vos propor uma visita guiada :

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Espero por vós junto ao portão que actualmente funciona como o principal da quinta. E, como faria o " Tio Jones ", - saudoso e dedicado caseiro e cicerone deste histórico e monumental espaço - , chamo-vos à atenção para o brasão que encima esta entrada, repetindo de memória as palavras que dele ouvi em idêntica circunstância: - " O brasão que observamos está dividido em quatro partes por dois riscos em cruz, e em diagonal da direita para a esquerda tem em duas partes as armas de Portugal, e tem em diagonal da direita para a esquerda, também em duas vezes, as cinco flores de Liz das armas de França." E continuaria o bom do "Tio Jones" ; - " Este brasão (o segundo dos Albuquerques) foi usado por D. João Afonso, filho de D. Afonso Sanches, cuja esposa era da Casa de França. O primeiro brasão, usado por Afonso Sanches, filho bastardo de D. Diniz e senhor do Castelo de Albuquerque, é o que está do lado de fora do portão norte do pátio." Já agora, diria o cicerone : " uma vez que não vamos ver o outro brasão, devido ao local onde está que não é acessível, digo-lhes que esse primeiro brasão, o de Dom Afonso Sanches, tem uma cruz de hastes largas, ao centro, de cima a baixo e ao centro de lado a lado. Para além da cruz, tem quatro partes aos cantos. Na cruz tem cinco castelos, sendo um ao centro e outro ao meio de cada uma das hastes. No intervalo dos castelos tem leões, que ao todo são quatro. Nos quatro cantos tem as armas de Portugal." E com esta recordação, convido-vos a entrar no pátio para prosseguirmos a viagem : Transposto o portão depara-se-nos um vasto e asseado pátio com a sua galeria de 13 graciosos arcos de traça florentina, de pleno címbrio, apoiados em esbeltas colunas, tudo em brecha da Arrábida e encimada por telhado de antiga telha portuguesa que cobre as cavalariças e os anexos do palácio . O recinto é vedado por altos muros, (50) onde no lado norte, oposto ao portão de que nos servimos para entrar encontra-se um outro, também brasonado e do qual já falei. A Nascente a fachada do palácio, austera, com duas janelas por banda tem ao centro uma escadaria de três patamares, em alvenaria, que corre paralela à parede do edifício e voltando sobre si noutro lanço a alcançar a pequena varanda superior, dá acesso ao salão do piso superior. Esta escadaria nem sempre foi como se nos apresenta actualmente. Segundo Joaquim Rasteiro: " A escadaria que dá entrada para o palácio tinha por guarda uns corrimãos supportados por pilares intervallados com balaustres de marmore branco, e no patamar superior ainda assim é (1895); no medio, porém, formou-se um mainel massiço, enchendo os vãos da gradinata de alvenaria revestida de azulejos de relevo, do genero que mais abunda na

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quinta, e em tudo dissimilhante do azulejamento interior do palacio. Ainda aqui ha a notar que os azulejos da escadaria são de tres desenhos differentes ... Esta alteração na gradinata da escadaria não é restauração, mas remendo. Em 1631 ainda todo o corrimão era sustentado por balaustres. " Os azulejos que revestem a escadaria, os alegretes e as molduras das quatro janelas da fachada são peças mudéjares. De notar que os das escadas estão dispostos de ângulo ao alto (em diagonal), disposição inusitada e sobre a qual se falará no capítulo dedicado especificamente aos azulejos. Dois torreões de forma cilíndrica com cúpulas de gomos encimados por pirâmides, rematam a fachada. (...) Terão o aprumo de um Marte, de cuja raça descendem, mas de um Marte que despiu a sua armadura para veranear no campo com damas gentis ..." Num edículo , que encima a porta de entrada do palácio , vê-se um busto de barro, de proporções naturais e de boa execução. "Mostra um varão na força da vida " e é crido como a reprodução fiel de Albuquerque, filho. O lugar que ocupa é realmente o que compete ao dono da casa. Os restantes bustos dos demais edículos das janelas da frontaria são de fino mármore e segundo se pode julgar representam figuras mitológicas. No friso inferior à cornija que orla esta porta lê-se « Ecce elongavi fugiens et mansi in solitudinem » (48) que se pensa ser a expressão dos desejos de ocasião de Afonso Brás, enquanto um pouco desiludido com o rei D. João III , aqui escrevia "Os Comentários do Grande Afonso" . ______________________________________________________________ (50) - Neste recinto muitas vezes correram-se touros. Este costume, deve ter extravasado os muros palacianos e popularizando-se, teria dado origem às afamadas "pamplonas" , em Vila Fresca, que usualmente eram corridas na "terra verde" , mesmo defronte da quinta. Depois de contemplar o pátio, entra-se pelo torreão do lado direito, passamos por um túnel, e por escada estreita subimos à galeria virada a oeste. Tem seis arcos abertos sobre o jardim, o lago e a Igreja de São Simão. É um interior de habitação, como que de intimidade. Nesta loggia observamos o forro ornamental e as alegorias dos rios Eufrates, Mondego, Nilo, Danúbio e o Douro - metidos em cartelas de expressão flamenga - e personificados em figuras humanas com vasos donde saem as águas que dão origem aos rios e que, segundo Joaquim Rasteiro: "palestram amigavelmente entre si ". As alegorias dos rios, tomando como exemplo a do Douro, foram assim descritas: "(...) A figura mostra o systema de um adorno de paredes por azulejos ... O desenho executado em azul, amarello, verde, e castanho sobre fundo branco é circundado de uma bordadura de ovolos, e cobre a parede até

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á altura de 1,72m. Os paineis (Kartushen) polycromos representam personificações dos rios principais de Portugal ... " (Th. R.) Os azulejos ornamentais são delicados e de cores calmas e deles falarei mais adiante. Deixamos este local, invertendo o sentido do percurso pelo qual o alcançámos e tomamos o caminho do jardim e da quinta. Antes de se iniciar o périplo por este esplendoroso espaço, convido-vos a abarcar com a vista todo o horizonte em redor e, vêdes que ele é dividido em dois terraplenos por um muro que suporta as terras mais altas. A cerca inferior condiz com a arquitectura do palácio : em ambos podemos ver os torreões cilíndricos com as suas exóticas cúpulas de gomos. O terrapleno superior tem nos ângulos do lado norte dois pavilhões chamados, um a casa da Índia, por ter tido telas (Panos de Arras) representando as cidades onde neste antigo "Estado" se distinguira com mais valor o Grande Afonso, o outro casa das pombas. Nos ângulos sul ficam, num o palácio, no outro o lago, casa da pena e mais dois pavilhões ligados por loggias. Os torreões da cerca inferior são seis. Em quatro destes torreões, ou cubelos, (como lhes chama o tombo do Morgado) foram, em tempos, "aplicados a estações da via sacra, com altares de mármore preto, forrados de azulejos nas frentes e, por não bastarem, meteram-se-lhes de premeio uns nichos nos muros para completarem os sete passos da Paixão de Christo" . (51) ______________________________________________________________ (51) - Neste recinto, também era recebida a Procissão dos Passos que se formava na vizinha Igreja de São Simão (ao tempo pertença da Bacalhoa) e que visitava a quinta por privilégio dos seus proprietários. Na tombação feita à quinta em 1631, regista-se o seguinte:"( ... ) tem esta rua (da quinta) um portal que sae par a igreje e freguesia de S. Simão, pouca distancia de portal a portal, da qual igreja é costume sair a procissão da Ressurreição de Christo Nosso salvador e correr as ruas do dito pomar e tornar-se a recolher pela mesma porta á igreja" Olhando para as fachadas que nos envolvem reparamos que a que olha o norte, não é simétrica em todas as suas partes, mas do mais belo efeito perspectivo. Dois torreões, (52) os mais altos, extremam-na, como a do leste. "Caminhando d'este lado para o poente , ha uma jannela com tarja de azulejo em volta , sobre ella a cornija, distanciada como as outras, e por cima um nicho já ermo: seguem-se duas galerias sobrepostas, abertas por escadas, verdadeiras loggias. A arcada superior repousa em sete colunnas doricas assentes n'um stylobata, ou base commum; a inferior pousa sobre quatro pilares assentes no pavimento. Par ornar os seguintes dos tres arcos inferiores, ha quatro bustos de alto relevo, saindo de outros tantos medalhões circulares - imagines clypetae - que attrahem as attenções do amador ... Representam os dois extremos homens, os do centro damas. A julgar pelos typos serão, o infante D. João, mestre de San'Tiago, de barba e farto

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bigode, e sua mulher D. Izabel, a infanta D. Brites e seu marido o infante D. Fernando, com a barba toda, mas sobre o curto. O espaço que vae d'estas loggias ao torreão ocidental é occupado por tres janellas desigualmente distanciadas. O serviço da galeria inferior para a quinta é por uma graciosa escadinha em espiral. As arcadas abertas e ainda sobrepondo-se dão ao todo uns odores de Italia, um arremedo fujitivo das construcções florentinas e de Veneza, quer olhando jardins e terreiros, quer mirando ao longe, como na fachada norte, quer espelhando-se nas águas, como no lago, e estas, distanciadas das restantes, seriam uma adaptação das novas construcções ao genero commum. " Prosseguimos a visita: Alguns passos à frente e depara-se-nos um banco de Jardim em alvenaria. No espaldar tem em azulejo a representação do "Rapto de Europa" e na frente do assento uma espécie de carrancas ou rostos emoldurados. Pelas cores vê-se que é uma obra unitária. As cores são diferentes de todas até agora vistas. São menos vivas, mais agradáveis e bonitas. Rafael Salinas Calado disse ser uma obra de Talavera de La Reina. ______________________________________________________________ (52) - Estas torres, semelhantes na forma de cobertura aos cubelos da Torre de Belém, teriam ainda feito parte do palácio de D. Brites, ou talvez, de alguma obra do tempo da marquesa Condestablessa. De facto, correspondem à parte mais antiga do palácio e foi precisamente em uma dessa torres - hoje adaptada a oratório - que se encontraram os azulejos do tipo levantino atrás mencionados. É natural que Afonso de Albuquerque, filho, no seu afã modernizador tenha desprezado tais azulejos pavimentares, decerto muito antiquados para o seu gosto humanista. Seguindo até ao lago, pelo arruamento, podemos ver no pavimento algumas peças das famosas tijoleiras de 0,20 x 0,10. Do lado do muro vamos observando os alegretes e bancos. Do lado do muro estes alegretes são a espaço interrompidas por cadeiras de alvenaria revestidas de azulejo; do lado oposto, também a distancias certas, há uns cubos mais elevados para plantas de maior porte. " O azulejo d'estes cubos é sempre de qualidade superior ao dos alegretes, variando no desenho e todo de relevo. Entre cubo e cubo e entre cadeira e cadeira , nos pannos de cada alegrete encontram-se quatro formosos azulejos de relevo, assente em diagonal: são dos mais apurados no gosto, no desenho, nas tintas e no esmalte. O fundo d'estes azulejos é branco, os desenhos folhas e flores de phantasia, e n'uns apparecem uns fructos, que na fórma se approximam da romã. Os desenhos são

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combinados para quatro azulejos". (Podemos observar algumas espécies de mudéjares e também de majólica. Vê-se também um belíssimo enxaquetado com peças brancas, verdes, azuis e amarelas, de amarelo torrado). Antecedendo a Casa do Lago ou Casa de Prazer há um pequeno pátio, descoberto e com alegretes. Os alegretes são forrados com grandes peças cerâmicas com desenhos de grotesco, para as quais chamo a vossa atenção, e delas falaremos mais adiante. A Casa do Lago, - recorde-se - compõe-se de três pavilhões ligados entre si por galerias. Pavilhões e galerias abrem-se para o Lago, os primeiros por portas, os segundos por uma arcada de cinco vãos. Particularmente belas são as portas em correnteza, que resultam muito esculturais com suas largas ombreiras quinhentistas, arredondadas, e as suas cornijas sobrepostas por nichos, bem depressa uma componente essencial das grandes casas portuguesas. Este tipo de pavilhão , muito renascentista vem inscrever-se também na tradição dos jardins árabes, com seu tanque de irrigação e a sua decoração de azulejos. Joaquim Rasteiro, diz o seguinte deste espaço : "(...) Este recinto em 1528, pela venda dos Vila Real, era parque, agora é esta parte a mais aprimorada ... Encontra-se aqui o torreão; trocou-se, porém, a fórma cylindrica pelo cubo e substitui-se a cupula por telhados pyramidaes. As galerias de sobre o lago não destoam das do palacio, mas aos pavilhões quadrilados que as extreman deu-se a cobertura de telhas acoruchadas das torres angulares d'esta parte da quinta ..." A face oeste do lago toca o muro que forma um grande paralelograma de trinta metros de largura, emoldurado numa tarja longa de azulejo de relevo, reparado posteriormente com azulejo de igual desenho, mas de superfície lisa. Dentro desse quadro é a entrada da água que vem pela boca de um golfinho (ou baleia estilizada) tendo por cima um edículo em que esteve um Tritão. Há mais dois nichos igualmente ermos; por baixo do que fica mais a sul, numa lápide, lê-se: (48) l"Tempora labuntur more fluentis aqua" ao que do outro lado outra lápide lhe corresponde ; " Vivite victuri moneo mors omnibus instat" . Quatro grandes medalhões circulares ficam entre os nichos e como estão pouco acessíveis à nossa vista, vou descrevê-os com algum pormenor, socorrendo-me do texto de Joaquim Rasteiro; "(...) Estes medalhões são de alto relevo, apresentam bustos de tamanho quasi natural , vistos até mais de meio peito. Os medalhões medem de diametro 0,54 m só por si, e com as cercaduras 0,78 m. Estas cercaduras são em forma de corôa, tecida de folhagem , flores e fructos. A primeira, terceira e quarta parece terem sido menos boas e estão muito mutiladas. da segunda tratarei em separado. São sem duvida da escola dos Della Robbia, notando-se variantes na côr dos fundos. Andrea della Robbia foi quasi constante na côr azul dos seus fundos, sendo este um característico das suas composições. Giovanni variou na côr dos seus fundos e usou mais desenvolvidamente a polychromia ...

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A partir da casa da penna : 1.º - Busto de homem com pouca barba, parecendo um mancebo que entra na puberdade, tem cabello comprido puxado para trás das orelhas. Tem corôa de louro. A imagem é bem modelada, olha á esquerda. Não foi (ao que parece) colorida, nem é esmaltada. O medalhão é de barro vermelho, a moldura de grés amarellado e brando. 2.º - Está em quasi perfeito estado de conservação, sem deixar de ser tocado por alguns tiros de pedra, ... relevo alto, fundo arroxeado, busto de mulher como que mirando as aguas. O peito está todo a descoberto, apenas um manto de tecido ligeiro, que se traça debaixo do lado direito, vem prender-se sobre o hombro esquerdo. este manto é de um roxo quasi transparente. O cabello louro, entrançado na parte anterior, cáe em madeixas nos hombros até ao peito. Um véu, ou cousa assim de tecido leve, azul muito claro, nascendo da testa, onde tem um pingento, segue pelo meio do penteado, até envolver-lhe de todo a parte de trás ; genero de toucado de phantasia. A carnação é clara, as faces rosadas, olhos e supercilios negros. Typo italiano. O esmalte de toda a figura é nitido e transparente. A moldura ... tem mutilações, ainda que pouco importantes. A sua composição é de folhagem e fructos polychromicos esmaltados. Os fructos, commeçando do logar onde os relogios de torre marcam o meio dia, são : 2 pepinos, 1 nabo, 2 marmellos, 1 romã, 1 pera, 1 cidra, 2 cachos de uva branca, 1 nabo, 1 marmello, 1 cidra, 2 cachos de uva tinta. Este circuito engrinaldado é de grés e feito de peças unidas ao assentamento ... 3.º - Medalhão circular ... Moldura muito mutilada. Busto de mulher. Olha á direita. Toucado fluctuante. Manto preso sobre o hombro direito deixando a descoberto o peito esquerdo. Não é esmaltado. Se foi colorido, o tempo destruiu-lhe as tintas. A moldura de folhagens e fructos engrinaldados é polychomica esmaltada, na maxima parte destruida. 4.º - Medalhão como os anteriores no tamanho e moldura. A figura, a que falta a cabeça, era de homem. É polychromo esmaltado". Seguindo a mesma parede, na rua que vai dar à Casa da Índia, encontramos nichos, intervalados por medalhões. As cercaduras desses nichos, os pilares que as sustentam e todo o mais trabalho em alvenaria são de uma perfeição e nitidez, que não pode exceder-se; todas as arestas são finas como que buriladas. Todos os nichos estão ermos. Agora, mais de perto, observamos que os medalhões têm o fundo azul, e são menores que os antecedentes e com a grinalda que os envolve terão cerca de 0, 64 m de diâmetro. A grinalda em forma de coroa é tecida de folhagem verde, flores azuis ou amarelas de cinco pétalas, pequenos frutos como romãs verdes e nozes e uns outro frutos, parecendo-me peras amarelas. É feita de peças combinadas e reunidas no assentar. Os medalhões são cercados por filetes concêntricos. Têm bustos de baixo relevo. " A imagem, de grês, foi

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moldada sobre um sob-molde de argila vermelha, a que ficou adherida. Medalhões e moldura são esmaltadas". O primeiro medalhão, junto ao lago, tem um busto de homem, de perfil sobre a direita, coroado de louro e está pouco mutilado. o segundo, terceiro, quarto e quinto, são bustos de mulher e estão bastante destruídos. O sexto, "é de um "mancebo imberbe. Tem capacete, de que sáem umas pequenas azas e tranças entrelaçadas. Veste armadura fechada ao alto do peito por uma pequena máscara. No capacete, nas bucculas e no thorax ha listas amarellas e verdes. Será um Mercúrio de convenção ou arremedo de um busto de Scipião, célebre esculptura do fim do seculo XV. Estes bustos são como os das medalhas, cabeça e collo de perfil." Também na parede que pelo sul segue a rua que vai do jardim ao lago há doze medalhões, correspondendo a cada um deles uma das esferas ladeadas por pirâmides, que coroam o muro. Estes medalhões têm o mesmo diâmetro dos anteriores e a moldura é a mesma, com pequenas variantes. No rebordo da décima primeira moldura que cerca o busto de Octaviano há uma assinatura. Pensa-se ser do artista ou do fabricante. Sobre esta assinatura diz J. Rasteiro : "(...) Pareceu-me dever ler ali Donus Vilhelmu, isto é, mestre Guilherme, porque a palavra donus, contracção de dominus, teve aquella significação, como tambem mestre se disse ao jurisperito e ao medico... Em 1628 existia em Delft, na Holanda, um ceramista Willem (Jacobus) ; é possível que o fabricante das nossas molduras fosse pae ou avô d'estes ." Caminhando do palácio para o lago identificam-se os doze bustos: 1.º - MARC. LIVS. CRAS. ( Marcus Livius ) 2.º - TRAIANVS. IMP. ( Trajano ) 3.º - SCIPIO. AFR. ( Scipião ) 4.º - DIVI. IVL. CZES. ( Júlio César) 5.º - ANIBAL. CARTA. ( Aníbal) 6.º - (destruído)

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7.º - MVTIVS. SCE. 8.º - NERONE. CLA. ( Nero ) 9.º - ALEXA. M. ( Alexandre Magno ) 10.º - POMPEIVS ( Pompeu ) 11.º - OCTAVIAN. AVG. ( Octaviano ) 12.º - (destruído) Falta-nos visitar detalhadamente a Casa do Lago, ou Casa de Prazer. Reclamo aos meus companheiros de visita, a sua especial atenção para o revestimento deste espaço. Digo-lhes que para além do que vão ver, têm necessidade de ouvir, - com a máxima atenção - as explicações que se vão seguir, por as considerar essenciais para se valorizar e compreender todo este valioso e ímpar património. Digo-lhes, ainda, que neste espaço, está a génese da azulejaria portuguesa e parte importante da história da técnica e arte da azulejaria universal. Para dar cumprimento ao que indiquei como essencial, teremos que nos socorrer de habilitados testemunhos técnicos e documentais, de transcrições extraídas de tratados sobre o assunto, (53) assim como do conhecimento empírico que fui adquirindo, nomeadamente daquele que a convivência e diálogo constante e íntimo que tenho mantido com este espaço me tem proporcionado. Acresce, ainda, que " se a Quinta da Bacalhoa como utilização de uma clara gramática decorativa italianizante, apresenta um programa formal de pátio, casa, jardim e pavilhões, ele não se mantém dominante na composição de cada uma das partes" . Como tal, por todas e por cada uma destas circunstâncias, muitas das explicações técnicas e teóricas que se seguem, não se circunscrevem somente á Casa do Lago e espaço envolvente, mas também ao todo arquitectónico que constitui a Quinta e Palácio da Bacalhoa, por onde se dispersa toda essa decoração. Postas estas considerações, entremos na antecâmara da Casa do Lago: O tal pequeno pátio aberto de que já se fez referência, e que merece ser "revisitado", muito especialmente o revestimento dos alegretes, pintados no género grotesco e atribuídos ao mesmo pintor dos frisos dos pavilhões, o ainda não completamente identificado "... TOS" . Tal incógnita não se apresenta a alguns estudiosos da Bacalhoa, como - por exemplo - o Dr. Theodor Rogg que no também já citado trabalho de 1895, escreve: "(...) Francisco de Matos não

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foi só um pintor aprimorado, mas um ornamentador excellente, um decorador de genio. Com faxas ornamentaes, ou humuristicas ... vestindo os alegretes de pinturas grotescas ... " . Estes frisos grotteschi e humoureschi dos alegretes, não são repetitivos, compondo-se de figuras e personagens fantásticas; pássaros com cara humana, de grandes orelhas e ornados de cornos; libélulas fantasiadas; flores e frutos estilizados, grifos ... ______________________________________________________________ (53) - Os principais tratados consultados foram : - "Quinta e Palácio da Bacalhoa de Azeitão" de Joaquim Rasteiro - "Azulejaria Em Portugal - Séc. XV e XVI" de Santos Simões - "O Azulejo Em Portugal" de Reynaldo dos Santos - "Interiores Em Portugal" de Helder Carita - " Quintas E Palácios / Arredores de Lisboa" de Anne de Stoop - " Casas Nobres De Portugal" de Marcus Binney - "Quintas de Recreio" de Ilídio Araújo - " Solares Portugueses" - Carlos Azevedo Percorrida esta antecâmara, com a necessária atenção, entrámos no primeiro compartimento da Casa do Lago. Acabados os habituais comentários dos visitantes, impressionados com o impacto visual que lhes provocou a deslumbrante panorâmica proporcionada pela perspectiva das portas das câmaras, em "correnteza" e da visão do lago reflectindo a fachada dos pavilhões, cedo-lhes o texto de apoio que se segue, - imprescindível como já referi - o qual tem um preâmbulo, tornado necessário para escalonar cronológica e tecnicamente as "idades azulejares" deste valioso património:

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PREÂMBULO A Quinta da Bacalhoa é justamente considerada como "o mais importante repositório da azulejaria primitiva em Portugal" . A sua história foi feita por Joaquim Rasteiro, na sua " Monographia Histótico-Artistica" denominada "Quinta e Palacio da Bacalhoa", editada em (1895) . Também, há já vários anos, o Padre Manuel Frango de Sousa, pároco das freguesias de São Simão e São Lourenço tem dedicado particular atenção a esta quinta, complementando e, por vezes rectificando a versão anterior, através de uma criteriosa e persistente investigação.

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Quanto aos azulejos, muitos os têm estudado e investigado, entre os quais é da mais elementar justiça destacar o Engº. J. M. Santos Simões, e outros estudiosos, os quais vão sendo citados no decorrer deste trabalho. RECAPITULANDO ... Já foi dito que, uma primeira edificação, de certo vulto, existiu no tempo dos Infantes de Beja, D. Brites e D. Fernando e posteriormente por seu neto, D. Afonso, Condestável do reino, no tempo de seu tio D. Manuel.É desta primeira época de construção que devem datar os azulejos de modelo levantino que foram encontrados nas obras de reconstrução efectuadas a partir de 1937 por Orlena Z. Scoville, mais concretamente nos restos de um velho pavimento sob o torreão do sul do palácio atestam, mais uma vez, a preferências dos Infantes de Beja pela decoração cerâmica, e que fazem parte de uma pequena mas valiosa colecção do palácio, "e pertencem aos tipos de rajolas que se produziram em Valência na segunda metade do século XV". (arcaica-levantina) Lembramos ainda que depois da quinta estar na posse dos herdeiros de D. Afonso esta passou em 1 de Dezembro de 1528 para a posse de D. Afonso de Albuquerque, filho, por compra feita a D. Brites de Lara, por quatro mil cruzados de ouro . Ao adquirir a quinta, teria Afonso Brás de Albuquerque em mente adaptar a velha mansão ao nosso gosto artístico, conservando, provavelmente aquelas partes da construção antiga com algum interesse estético, nomeadamente as torres circulares, de cobertura lobulada, que lhes conferem certo sabor Manuelino. As obras de Afonso de Albuquerque, filho, estariam em condições de receber ornamentações pelos anos de 1540 - 1545 e foi em Sevilha que se forneceu de azulejos estrangeiros, escolhendo os desenhos mais recentes e originais, produzidos nas melhores oficinas de Triana, alguns dos quais encomendados propositadamente. "(...) O estudo da azulejaria de aresta da Bacalhoa deveria constituir motivo para mais longa consideração ... limitar-nos-emos a chamar a atenção para aqueles que, em absoluto, fogem aos modelos convencionais produzidos em Sevilha ... e dos compartimentos da chamada «Casa de Prazer» ou «Casa do Lago». Independentemente dos desenhos ou padrões, o que imediatamente fere a atenção é a sua organização decorativa, a qual vive da disposição diagonal dos azulejos, constratando com a colocação normal, única conhecida em Sevilha .

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Não só a qualidade técnica é excelente como as composições dos desenhos revelam preocupações e requintes estéticos, do mais puro renascimento. Não julgo que estes azulejos possam ter sido feitos fora de Sevilha, pois só ali se produzia tal qualidade; no entanto a preocupação decorativa da colocação demonstra uma nova visão de monumentalidade que já é bem portuguesa. Tal disposição insólita na Andaluzia, pode ter sido ordenada pelo reconstrutor da Bacalhoa, pessoa que demonstra um extraordinário sentido de equilíbrio e de bom gosto. Temos para nós que os azulejos deste tipo sevilhano da Quinta da Bacalhoa foram os Últimos que se instalaram em Portugal, encerrando o ciclo do azulejo mudéjar ". (Santos Simões) Mesmo sob o ponto de vista técnico, notam-se já em alguns azulejos certas discrepâncias dos sistemas ortodoxos de « aresta ». As arestas parecem já não ter a função de separar os esmaltes mas apenas o de conferir « relevo » e valor plástico à decoração. Na verdade nota-se que os esmaltes cobrem essas « arestas » como se tratasse de pintura. A percentagem de estanho é cada vez maior, o que leva a crer que a técnica dos esmaltes plumbíferos - que justificara a necessidade das separações de corda seca e de aresta - começara a ceder o passo à pintura cerâmica dita «pisana» ou seja, sobre azulejo plano. Prosseguindo nesta nota prévia sobre o "autêntico Museu do Azulejo" que se nos depara e nos deslumbra cada vez mais, à medida que dele vamos tomando conhecimento visual e técnico, voltamos aos manuais e aos estudos que deles têm sido feitos. Falou-se já de duas "idades da arte do azulejo" . Falemos agora da terceira : É opinião das maiores autoridades sobre o assunto que é nas casas de Afonso Brás de Albuquerque que se encontram os primeiros exemplares de azulejos pisanos, provavelmente feitos em Lisboa. Vimos atrás que Afonso de Albuquerque assinalou com a data de 1554 o fim das obras do palácio. No entanto, é convicção de que esta data deve referir-se à reconstrução da parte arquitectónica, já que, como veremos, ele próprio deve ter continuado ocupado com o aformoseamento dos jardins, e naturalmente, com a sua decoração. "Observamos igualmente que a azulejaria do tipo mudéjar sevilhano corresponde a modelos especiais denotando um propósito de « novidade » . Por sua vez, quando nos interrogamos sobre as razões que teriam levado Afonso de Albuquerque, a empregar - nesta fase - azulejos de superfície plana, preferindo-os aos de aresta, pantenteia-se perante nós uma muito forte e justificada; "(...) o desejo de dar à sua casa esse carácter moderno tão característico do «renascimento». É que os azulejos relevados de Sevilha, ainda que adaptando ornamentação da gramática italiana do «quatrocento» continuavam pela ordenação geométrica e pelo brilho dos

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esmaltes a sugerir o « mudéjar » ou « mourisco » pertencentes a uma linguagem ultrapassada" (S. S.) Além disso, o novo azulejo era plano, mais simples, de coloração mais suave, adaptando-se melhor à arquitectura das «villas». Os mensageiros desse novo gosto decorativo para Espanha e Portugal haveriam de dar o golpe de misericórdia na azulejaria de tradição mourisca (na nossa região Afonso Brás de Albuquerque, e D. Diogo D'Eça, na Quinta das Torres são disso exemplos) . Podemos conjecturar que Afonso de Albuquerque poderia ter importado estes novos azulejos directamente da Flandres ou mesmo de Sevilha , onde já se fabricavam, mas "julgamos que preferiu tentar o recurso aos « malegueiros flamengos de Lisboa » . De facto, a análise dos azulejos «pisanos» da Bacalhoa revela características tecnicas e artesanais que os afastam dos tipos conhecidos daqueles centros cerâmicos, espanhois ou flamengos, dando mostra de originalidade bem diferenciada". (S.S.) Na complexidade da azulejaria presente na Quinta da Bacalhoa há que distinguir mais de um tipo de azulejo, uma vez que são patentes diferenças de qualidade . Uma primeira destrinça se deve fazer entre os azulejos destinados à decoração abstracta - tapetes de padronagem de repetição - e aqueles formando «quadros» ou painéis historiados. Assim mesmo, em cada uma dessas classes ainda há que distinguir os que parecem poder atribuir-se a um bom artista pintor e os que lhe são manifestamente inferiores em qualidade. Postas estas considerações deveremos ter uma noção mais exacta do que se vai deparar perante nossos olhos, dado que, extasiados pela beleza e profusão deste invulgar património artístico e cultural, poderemos não estar inteiramente receptivos ou atentos ao "cicerone". SEGUNDA ETAPA ... Retomámos a visita, olhando a perspectiva tirado ao enfiamento da portas abertas que interligam as galerias: As portas de acesso aos compartimentos maiores são sobrepujadas por nichos onde, muito provavelmente, teriam havido estatuetas de terracota.

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Sob os nichos, ermos, podemos observar azulejos planos com os seguintes letreiros: IVSTIÇA, PRVDEMCIA, TÊMPERANÇA e FORTALEZA, acusando no tipo de pintura e no material a mesma procedência dos azulejos de padrão. Mais notáveis, porém são as guarnições dos rodapés do primeiro e quinto compartimento, formadas por placas rectangulares de 13x26cm ostentando, no primeiro, onde estamos, "uma teoria de «grotteschi» com sereias e grifos. Faltam, infelizmente, os azulejos da parte central da parede maior, um dos quais, ainda em 1897, A. Blanc reproduziu, e no qual se liam as três últimas letras do que se tem por suposto ter sido o nome do pintor responsável pelas obras : ... TOS . Permanece, misteriosamente, a interpretação destas letras. É natural que, conhecendo-se o nome de Francisco de Matos, assinando os Painéis de S. Roque em 1584, tivesse ocorrido que o ...TOS ligado ao cronograma 1565 , fosse de uma e mesma pessoa. (54) No entanto, não só a diferença cronológica - 19 anos - como principalmente, a disparidade morfológica e técnica, parecem opor-se a uma identificação entre os autores das duas obras. (55) ______________________________________________________________ (54) - Apelidos portugueses terminados em TOS apenas ocorrem em MATOS, BASTOS e SANTOS . (55) - Algumas têm sido as argumentações apresentadas para explicar a ligação entre Francisco de Matos e os azulejos da Bacalhoa e de São Roque, mas nenhum teve, até agora, força convincente para se impôr. A descoberta de um pintor de azulejos com o mesmo apelido - Marçal de Matos, provavelmente avô de Francisco - dado como «pintor», e ainda as íntimas ligações deste com «malegueiros flamengos», precisamente em 1575, parecem trazer mais uma achega para o esclarecimento da azulejaria da Bacalhoa e aos inícios da fabricação de azulejos em Portugal. Se tais ligações são pertinentes, poder-se-à concluir que a azulejaria «pisana» da Bacalhoa se deve ligar à actividade desses ceramistas flamengos, e que com eles terá colaborado, como «pintor», Marçal de Matos. Continua a ser prudente não aceitar esta hipótese como única plausível. No entanto, no estado actual dos nossos conhecimentos, e até prova em contrário, é ela a que mais logicamente explica o surto de fabricação azulejar no nosso país, pedra angular de todo o edifício que, a partir dos princípios do século XVIII, já assenta em bases sólidas e concretas. Numa descrição publicada em 1895 por Theodor Rogge, professor de desenho e estudioso alemão, sobre os Azulejos da Bacalhoa, extraímos o seguinte, sobre o primeiro pavilhão da Casa do Lago: "(...) N'este pavilhão distinguem-se pela belleza as duas tarjas, que no rodapé e junto ao tecto limitam o azulejamento das paredes; são pintadas em quadrangulos de 0,270m x 0,135. A tarja superior representava um ininterrupto panorama de montes, castellos, habitações, riachos, a que dão vida creanças que jogam, brincam,

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banham-se, que occupam em variados misteres, ou em infantis folgares. A tarja inferior é uma delicadíssima composição de flores de phantasia , rematada nos angulos da casa e nos cunhaes das portas e janelas por meios corpos phantasticos de homens ou mulheres, que um capricho do desenho fez sair da extremidade de um ramo ou da corolla de uma flor.´" Quanto ao que concerne ao presumível autor dos azulejos, Theodor Rogge, desenvolve uma teoria baseada em analogias ou repetições, que na sua opinião existem, em alguns dos painéis historiados, nos revestimento de bancos alegretes ou de galerias e loggias e que, para ele, são como que assinaturas. Vejamos : (...) É no centro d'esta ercadura, na parede do fundo, que n'um cartoccio está o nome do auctor da composição, e que para evitar repetições lançou aqui um traço de união para reconhecimento dos seus trabalhos, que no azulejamento abundam. Repare-se na forma do pequeno cartoccio que contém a palavra MATTOS. (56) e ver-se-hão reproduzidos os seus traços no emmoldurado do escudo de armas da loggia ocidental, o mesmo se dá nos dois rios da loggia do palácio, da que olha o jardim. Há aqui também uns caracoes, umas borboletas, e outros pequenos animaes, que passam para o revestimento dos assentos e alegretes de um quadrangulo cerrado de muros, que serve de vestìbulo descoberto ás galerias do lago; no quadro que representa o Nilo lá se vêm uns patos que nadam ou mergulham, reproduzidos no quadro de Suzana no banho, e um pequenino ornato igual ao que antecede e se segue ao nome MATOS." (Th. R.) ______________________________________________________________ (56) - O autor diz textualmente ;"na palavra MATOS". Atenda-se que no mesmo ano de 1895, A. Blanc, fez em aguarela o desenho deste friso, onde reproduz um fragmento onde só são visíveis três letras : TOS. No princípio deste ano, foi-me mostrado pelo Padre Manuel Frango de Sousa - que penso ser, na actualidade, aquele que está mais habilitado a falar sobre os azulejos da Bacalhoa - fotografias de fragmentos de azulejos pertencente a frisos ( do grotesco ) que tudo indicam ser o fragmento que falta para completar a palavra MATOS, do rodapé deste compartimento da casa do Lago. Ao juntarem-se a imagem dos fragmentos achados com a copiada em aguarela, vê-se nitidamente que formam o conjunto. Recentemente esta "descoberta" foi levada ao conhecimento público através do Boletim do Museu do Azulejo . No quinto compartimento da Casa do Lago, - que convém lembrar também é conhecida por Casa de Prazer - o rodapé está íntegro e mostra os « grotechi » tendo como motivos libélulas e macacos. Estamos agora no pavilhão central.

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Neste compartimento estão os três mais notáveis painéis historiados da Bacalhoa, dos quais, apenas um se encontra íntegro. Cada um destes quadros ou painéis têm igual dimensão - 8x14 azulejos - representando respectivamente a cena do "Rapto de Hipodémia", uma « patomaquia » - o Rio Tejo - e a cena de "Susana Surpreendida Pelos Velhos", este ostentando o cronograma 1565. Apenas o último se apresenta completo, tendo os outros dois sido vandalizados com a perda de muitas peças. Os três quadros têm a limitá-los um friso ou tarja de sabor clássico, pintado a azul. "(...) O artista pintor responsável por estes quadros, teve à sua disposição estampas que reproduziu com extrema fidelidade. Assim, o Rapto de Hipodémia - que alguns julgam ser o "Rapto das Sabinas" - foi feito sobre uma estampa de Aeneas Vico, datado de 1542 ( Mrs. Scoville encontrou a estampa na Colecção do National Gallery de Washington )(57) modelo que foi utilizado por ceramistas flamengos e italianos. (58) Quanto à cena de Susana e os Velhos, é também feito segundo uma estampa de Aneas de Vico, reproduzindo o célebre quadro de Ian Metzjs que se guarda no Museu de Bruxelas. ( este painel tem pintado sobre um pórtico uma datação - 1565 - igual à que Afonso de Albuquerque, filho, mandou gravar como data do acabamento das obras) Notaremos que as gravuras de Aeneas Vico foram um verdadeiro manancial de inspiração para os ceramistas flamengos e para os últimos majolicários italianos, sendo notável o grande quadro cerâmico representando a "Conversão de São Paulo", que se guarda na Vieille Boucherie de Antuérpia, atribuído a Ian Van Boghart e datada de 1547. (S.S.) ______________________________________________________________ (57) - Um prato de majólica atribuído às oficinas dos Fontana de Urbino, mostra exactamente o Rapto de Hipodémia, agora com a inscrição "Centauros e Lapitas" (58) - Também esta estampa foi utilizada por artistas esmaltadores de Limoges : um prato datado de 1558 do esmaltador Pierre Courteys, hoje no Bayershes Museu de Munique é exacta réplica da gravura. Quanto à alegoria ao Rio Tejo - infelizmente com grandes lacunas - ela provém de gravuras flamengas muito usadas como ornatos em mapas ou vistas da cidade. São conhecidas algumas destas «potomaquias», como por exemplo, as das vistas de Visser, ornamentadas por Ian Floris de Antuérpia.

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Sobre estes três quadros será curioso e importante saber o que diz o já citado Theodor Rogge : "(...) A composição do quadro de Suzana e do que lhe ficava fronteiro, mostram que Matos (O cronista não tem dúvidas sobre a autoria) era um pintor de raça, capaz de abordar todos os generos de pintura. Sobre os barro, n'um trabalho em que tem de primor a ligeireza, em que não ha retoques nem mimos de execução, vê-se o genio valente do artista , que não se prende, nem vacilla, um pincel que segue rapido a inspiração que o dirige. Nun accessorio do quadro de Suzana, no portico do palacio de Joaquim, lê-se a data de 1565; n'um lago proximo nadam uns patos como na agua do Nilo da varanda oeste do palacio; no tocado de Suzana nota-se um adorno de tecido ligeiro, igual na fórma e côr ao do segundo medalhão do lago, parecendo que um deu a idéa do outro, e que o artista n'este se inspirou. O quadro que lhe é fronteiro, a mais de meio destruido , parece representar um festim, em que os commensaes, mulheres e homens nus, atacados de improviso se defendem. Vê-se ainada a parte de uma mesa , alguns vasos por terra, um homem que puxa da espada, cuja bainha pende de um balteum, posto sobre as carnes, e algumas outras figuras. Na parede do fundo um quadro, quasi aniquilado, representava o Tejo ..." Os compartimentos maiores da Casa do Lago estão revestidos de azulejos de aresta. Nas paredes fundeiras, porém houve painéis cerâmicos: os do segundo compartimento desapareceram totalmente, ficando apenas o alvéolo; o do quarto compartimento ostenta hoje uma composição heráldica com as armas dos Albuquerques-Mesquitelas. (...) n'um escudo de fórma muito caprichosa, envolvido em ornatos de enrolados , genero de cartoccio typico do auctor, decorado com duas cabeças de satyros. O escudo é esquartelado como o do portão meridional do pateo. No primeiro e quarto quarteis as armas do reino com oito castellos na orla, esta roxa, certamente porque o fogo alterou o vermelho, aquelles amarellos, as quinas azues em campo branco, no segundo e terceiro quarteis cinco lizes amarellos em aspa sobre campo azul. (Th. R.) Trata-se, no entanto, de um painel feito no século XIX, procurando substituir outro original, cujo paradeiro se desconhece mas de que se encontram algumas peças na própria Quinta da Bacalhoa. Para o guarnecimento parietal dos três compartimentos menores da casa do Lago elegeram-se quatro padrões diferentes, todos de esquemas radiais e apresentando as mesmas tonalidades: azul, amarelo-claro, verde de cobre e roxo, ou ocres de manganês. Os esquemas ornamentais são de inspiração italiana e o padrão completa-se com quatro azulejos iguais. "Ainda que pouco distanciados no tempo, pensa-se que os azulejos de padrão empregados na quinta se podem separar cronologicamente em duas

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encomendas, pertencendo os da Casa do Lago à primeira, entre 1560-1565 . No entanto, chama-se à atenção para o guarnecimento do paredão que limita o tanque pelo poente. Aqui é manifesto que se começou por eleger azulejos de «aresta» - provavelmente - da última encomenda de Sevilha - de um padrão que se afasta da gramática usual. Ou porque não chegassem para completar a decoração ou porque se tenha resolvido reproduzir em azulejo « pisado » o mesmo desenho, são desta última técnica alguns "remendos" acusando incidências técnicas patentes na má fixação das cores. Teriam sido verdadeiros ensaios e daí, as primeiras tentativas de pintar com cores de Pisa ? O esquema ornamental é sensivelmente o mesmo que encontramos - agora perfeito nos contornos e na fixação das cores - no primeiro compartimento, o que pressupõe que o artista responsável por estes já tinha adquirido maior segurança no emprego das cores e no doseamento do fogo. " (S.S.) RECUANDO NO TEMPO Para quem não dispõe de uma "máquina do tempo" para regressar ao passado, tem que se socorrer da História como veículo ideal para essa

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transposição e, humilde e sequiosamente, beber a sabedoria dos poucos privilegiados que a souberam escrever. É, assim, que não tendo a capacidade de fazer melhor, e porque se necessita enriquecer este trabalho, transcrevo na íntegra - quer na forma quer no conteúdo - o registo da tombação do morgado de Azeitão, que copiei (é o termo) do excelente livro de Joaquim Rasteiro "Monographia Historico-Artistica" da Quinta e Palácio da Bacalhoa . (1895) Com a devida vénia e respeito pela memória do ilustre Azeitonense, antes da transcrição supra citada, por necessitar de a posicionar no espaço e no tempo, trancrevo também, um pouco do texto - que no referido livro - lhe dá a introdução: Com a divulgação deste texto, ficamos mais conhecedores do nosso passado e da enorme importância que teve a quinta da Bacalhoa no desenvolvimento socio-económico da nossa freguesia. Afinal, como tudo girava em seu redor. Naturalmente que este texto adicional terá maior importância para os naturais ou habitantes da Freguesia de São Simão, mas, na verdade, foi essencialmente para estes que compilei e alinhavei todo o trabalho.

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* " ( ... ) D. Jeronymo Manuel, o Bacalhau, de posse do morgado, veio com sua familia residir no seu palacio de Azeitão, e a 26 de setembro de 1613

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aqui falleceu sua mulher, que foi sepultada em S. Simão junto com o altar mór. Chegado ao reino, depois da viagem da India, voltou D. Jeronymo para a sua quinta, aonde falleceu a 16 de janeiro de 1620, e sepultou-se na mesma igreja, no taboleiro do altar mór, disseram-me, (acrescenta o cura Pedro de Magalhães), com testamento ao conde da Vidigueira. D. Jeronymo Manuel e D. Maria tiveram tres filhos, já nascidos quando se estabeleceram na quinta de Azeitão: D. Jorge Manuel de Albuquerque, D. Lourenço Manuel e D. Antonio de Mendonça. - D. Lourenço Manuel morreu sem geração. - D. Jorge Manuel de Albuquerque sucedeu na casa de seu pae, e teve de sua mãe o morgado de Azeitão, continuando aqui a residencia. Os livros de notas dos tabellães e os registos parochiaes até meiado de 1624 fazem-lhe repetidas referências. Em Africa portou-se sempre como soldado valente. Irrequieto e não liso nos seus procedimentos, foi por alguns crimes degredado para Mazagão, aonde esteve preso por ordem do governador D. Gonçalo Coutinho. Pela Restauração estava em Madrid, recebendo de Filippe IV de Hespanha, o titulo de conde do Lavradio, que em Portugal não lhe foi confirmado. Algum tempo depois voltou para sua casa de Azeitão, aonde faleceu no 1º de outubro de 1651, sendo sepultado na capella mór de S. Simão. Tinha casado com D. Thereza Maria Coutinho, filha de D. Francisco da Gama, quarto conde da Vidigueira e almirante da Índia, de quem nasceram D. Jeronymo Manuel de Albuquerque, baptizado em S. Simão a 21 de dezembro de 1639 e D. Francisco Manuel de Albuquerque, nascido a 20 de janeiro 1650 e baptisado na mesma freguezia no dia 5 de fevereiro. A viuva de D. Jorge Manuel, que nascera em 5 de agosto de 1616, morreu na quinta de Azeitão a 25 de outubro de 1657, com testamento a seu irmão o marquez almirante, e foi sepultada ao pé do altar mór de S. Simão. D. Jorge Manuel em 1630 requereu a tombação do morgado, designando para este serviço o licenciado Manuel Alvares Frausto, juiz de Marvão, e que fizera o tombo das freiras do Salvador de Lisboa. Diz o requerente que as propriedades se achavam alheadas, divididas e sonegadas pelas muitas demandas que houve sobre a successão do morgado. O alvará, que defere o pedido. é de 31 de maio de 1631. Deixemos a petição e alvará para podermos conhecer o palacio e cêrca nésta epocha, conforme a descripção feita na tombação: TITULO DAS CASAS DA QUINTA «Umas casas muito grandes e muito nobres, edificadas com muito primor, com varandas de todas as partes e casas, e muitas salas, camaras, recamaras, como abaixo se declara especialmente e o numero d'ellas, postas da

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parte do norte e do levante, ficando a quinta e pomar com seus jardins da parte sul e poente, e tem o sitio das ditas casas em circuito pela extremidade da parte de fóra a saber: «Da banda do nascente, indo do norte a sul, de extremo a extremo do edifício e assento das casas, tem trinta e quatro varas e meia, e cada vara de cinco palmos, dos que falla a ordenação d'este reino. «E da parte do norte, de nascente a poente, de extremo a extremo, tem trinta varas e meia. «E da parte do poente, em uma ponta que o edifício faz, tem quatorze varas e meia, e vindo da parte do poente para o nascente contra o sul tem vinte e seis varas, e voltando de norte a sul, pela banda do poente, na ponta que o sitio das casas faz para o sul, tem vinte e quatro varas e, n'este vão, no longo do edifício das ditas casas, está um jardim com uma fonte e casa de àgua no meio, de que se faz a declaração e medição seguinte: «E pela parte do sul de nascente a poente e pelo extremo da ponta, que as ditas casas fazem parra a dita parte do sul, tem, de canto a canto. oito varas e n'esta fórma fica o edifício todo metido em circuito, todo com as ditas pontas, que fazem as ditas casas para o poente e sul, e tem cento e trinta e sete varas, que são juntas as medições atrás declaradas. «Tem mais estas casas tres cubellos nos tres cantos, que se fazem para fóra contra o norte, dois ao norte e um ao sul, com o que ficam muito realçadas e lustrosas, e a entrada, que está em um pateo muito grande com seus portaes, cerrado de muro, em que se correram e podem correr touros, está uma escada toda de pedraria com uma volta, toda com seus balaustres de marmore, que formosea a entrada da primeira sala. As quaes casas têem de salas, camaras, recamaras, retrates e antecamaras dezoito em número, todas espaçosas e todas ladrilhadas e com azulejos pelas paredes, altura de mais de um covado e alguns retretes todos lavrados de azulejos e os tectos lavrados de bordo e com molduras, e pintados de diversas e agradaveis pinturas, e por baixo outras muitas casas e officinas e almarios, que respondem ás casas superiores, mas repartidas em muito maior numero. «Tem mais duas varandas com seus arcos de jaspe e columnas do mesmo, uma para a banda do poente e outra par o norte com suas grades de ferro até ao meio, com seus azulejos até meio das paredes com figuras. Tem a varanda da parte do poente de comprido onze varas e meia e de largo quatro varas. E a varanda da parte do norte, em que não ha grade de ferro, tem uma meia parede de pedra lavrada, com seus azulejos por dentro, sobre que armam as columnas, tem de comprido dez varas e de largo quasi tres varas. E as portaes de todas estas casas são de pedraria de jaspe, com suas portas de bordo e muito bem lavradas e com suas chaminés de pedraria e todas as mais pertenças respondentes á qualidade do edifício. PATEO «Item um pateo defronte das ditas casas cercado de muro com dois meios cubellos, com duas portas, por que se entra e sáe á estrada publica e é commum a todos e feito em quadro. Tem do norte a sul trinta e cinco varas, e

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de nascente a poente trinta e cinco e meia, e para a parte do nascente tem uma varanda de columnas de jaspe, que serve entre as casas terreas e gasalhados de creados, e tem um chafariz de agua a uma parede da banda do norte. JARDIM «Um jardim, que fica entre as duas pontas das casas atrás medidas com o qual fica o sitio das ditas casas em quadriangulo. Tem de norte a sul pela parte do poente e por onde confronta com o pomar , que se segue, vinte e quatro varas e de poente a levante outras vinte e quatro, e pelos outros dois lados confronta com as casas, com uma fonte no meio e em roda com seus canos de agua feito em quadro. É arruado e ladrilhadas as ruas. TÍTULO DO POMAR «Item um pomar contiguo ás casas e jardim que lhe ficam para a parte do levante, todo plantado de infinitas laranjeiras em ordem, limoeiros e cidreiras com todo o mais genero de fructas, mui espessas e plantadas em ordem e fileiras, o qual está todo cercado ao redor de um muro mais de doze palmos em alto e pela parte de dentro com suas ruas de azulejo que abaixo se declaram. Tem do nascente, ou jardim, atrás declarado, até ao tanque de agua por uma rua cercada de azulejos e alegretes e ladrilhada de largura de mais de tres varas, oitenta e quatro varas e n'este canto, que o dito pomar faz para o poente, está um tanque de agua ladrilhado por baixo, que cobre um homem, cercado de pedraria e de azulejo, feito em fórma quadrada; tem vinte e nove varas de canto a canto e fazem em circuito cento e dezasseis, do qual se rega todo o pomar atrás declarado com agua do rio de S. Simão, de que lhe pertence toda a dita agua quatro dias naturais e tres horas cada nove dias. «Tem o dito tanque, na cabeceira pela parte do sul, cinco casas de prazer armadas com columnas de jaspe e forradas todas de azulejo e os tectos pintados em estuque com varias historias e figuras, e ao lado das ditas casas de prazer, para a parte do nascente, tem um jardim com seus alegretes na distancia e largura das mesmas casas. «E a agua que cáe para o dito tanque, cáe pela boca de uma baleia artificiosa com um Tritão em cima, que formoseia muito o dito tanque e casas de prazer, e com figuras varias em nichos, feitos de pedraria pelas paredes do dito tanque. «Tem mais o dito pomar pela parte do poente, começando do sul e norte, outra rua, que vae do dito tanque, da mesma largura e feitio com seus azulejos e alegretes e pela parede seus nichos com varias figuras, que tem cento e

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dezesseis varas, e no remate do canto de baixo, da banda do norte, tem uma casa quadrada com quatro janellas, em que estão pintadas sobre estuque as historias da India, com as quatro grandes cidades principaes conquistadas pelo grande Affonso de Albuquerque, pae natural de Affonso de Albuquerque, instituidor déste morgado. ( É erro. A pintura era em tela, de que restam as réguas, que a pregavam, e representavam Goa, Calecut, Malaca e Ormuz.) «Tem esta rua da parte do poente, uma porta, que sáe para a igreja e freguezia de S. Simão , pouca distancia de portal a portal, da qual igreja é costume sair a procissão da Ressurreição de Chisto Nosso Salvador e correr as ruas do dito pomar e tornar-se a recolher pela mesma porta á mesma igreja. «Tem o dito pomar do dito canto da casa da India, atrás declarada, de poente a nascente, pela banda do norte, cento e trinta e sete varas, que tambem servem para medição da vinha abaixo declarada que confina com o dito pomar pelo pela banda do norte e do canto, que o muro faz para a banda do nascente até ao jardim, d'onde esta demarcação e medição começa, subindo de norte a sul, tem cento e seis varas ficando no meio a ponta que as casas fazem para a parte do poente, que se mettem entre o jardim e o pomar. Pela parte d'onde a dita demarcação d'elle começou, em o dito canto de baixo, está uma casa que se chama das Pombas, com um bufete de jaspe ao meio. E da dita casa, na largura d'ella , que corre de norte a sul, como se diz atrás, até ás ditas casas principaes , vae uma rua de ladrilho com seus alegretes de azulejo na fórma das outras ruas atrás declaradas. TÍTULO DA VINHA «Tem mais uma vinha pela parte do norte, que dos lados fica dentro dos muros do pomar atrás confrontado e dividida do dito pomar pelo muro menos principal. Tem de sul a norte, pela parte do nascente, cento e trinta e tres varas e de nascente a poente, pela parte do norte, cento e quarenta e duas varas e meia, e pelas outras duas partes tem a mesma medida de varas por estar em fórma quadrada. TÍTULO DAS MAIS CASAS DE CREADOS LAGARES DE AZEITE E VINHO ESTREBARIAS, COCHEIRAS, E MAIS PERTENÇAS. «Item defronte do pateo das casas principaes, atrás confrontado e medido, para a parte do nascente está um pateo contíguo ao outro atrás, o qual tem as casas seguintes de comprido de norte a sul vinte e tres varas e de nascente a poente treze e meia, e para este pateo se entra por duas portas, a

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saber: uma a porta menos principal, que vae do outro pateo para este entre as casas dos creados e outra porta maior e principal para a parte do norte, por onde póde entrar um coche, e defronte d'ella fica uma cocheira, e á ilharga, da parte do norte, fica um lagar de vinho, e á outra ilharga, para a parte do nascente , um lagar de azeite com quatro varas e dois moinhos e duas caldeiras e todas as mais pertenças necessarias aos ditos lagares, e para a moenda d'estes lagares vem a agua do rio de S. Simão, que lhe é necessaria por servidão enquanto moer. «E por baixo do dito lagar pela parte do norte, junto á porta principal por onde se entra no pateo, correm umas estrebarias para a parte do norte, que têem de comprimento vinte e sete varas e meia, e de largo quatro varas, cuja porta e serventia está dentro do dito pateo com porta fechada sobre si, dentro do qual pateo estão dois fornos de cozer pão (...)" TERRA DO ROCIO «Uma terra, que serve de rocio e parte com as mais casas da quinta atrás, da parte do sul com os muros dos pateos, do nascente com as casas das estrebarias e vizinhos que seguem ... do norte parte com estrada publica, que vae das Vendas para o mosteiro de Azeitão, e do poente com cerca e muro da vinha e pomar da dita quinta ...»(A) O documento de que me estou servindo, segue na descrição de outras propriedades do morgado, que não importa conhecer, no entanto aproveitar-me-hei d'elle, na parte referente ás : ______________________________________________________________ (A) - É uma faixa de terreno entre a cerca da quinta da Bacalhoa e o lugar da Pacheca, estando hoje integrada nesta última. CASAS DO HOSPITAL D'ESTE MORGADO «Um páteo e casa grande, que serve de hospital e outra do hospitaleiro e outra dos doentes, que são por todos os tres e um pateo, que está em aldea de Villa Freixe, junto á egreja de S. Simão. Tem de comprido, de levante a poente, pela parte do norte e sul, dezoito varas e de largo onze varas. Parte ao norte com as casas da mulher de André Fernandes e ao sul com a egreja de S. Simão

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e ao poente com logradouro da aldeia e ao nascente com logradouro e cêrca da quinta d'este morgado. (B) A casa do açougue tambem era pertença do morgado e é descripta assim : (B) - Casas junto à Igreja, da parte do norte. CASA DO AÇOUGUE «Uma casa, que serve de açougue, que está fóra dos muros da quinta, parte do nascente com muro do cano da agua, que vae aos lagares da dita quinta e do norte com os mesmos lagares e do poente com terra e logradouros da quinta e do sul com as casas de Francisco Nunes, foreiro á dita quinta. Tem de comprido quatro varas e meia e de largo duas varas» A descripção d'esta casa pouco importa para a nossa historia; mostra, porem, que na quinta e palacio se concentrava toda a vida do logar ; de um lado e quaisi junto aos muros, o hospital e a egreja, do outro a casa do mercado. (C) (C) - Açougue - Igual a Mercado AFONSO BRÁS DE ALBUQUERQUE Num nicho que encima a porta da entrada do Palácio da Bacalhoa, vê-se um busto de barro, bem modelado e de proporções naturais. "Mostra um varão na força da vida, cabello sobre o curto e cuidado, barba despontada

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como na epocha de João III, o rosto oval, o nariz aquilino e a fronte espaçosa, a expressão é clara e de distincta serenidade. veste de um tecido de malha, virando-se como golla em bicos, deixa o pescoço a descoberto. Do hombro cae até meio braço um adorno do mesmo tecido e tambemem bicos. Duas largas faxas, como pontas de um manto, traçam-se sobre o peito, ligando-se em nós sobre os hombros talvez o diplax dos philosophos ... (...) Na frente do que forma o assento da figura ha um listrão com as extremidades enroladas, como que destinado a um nome, que não tem, pois mal ficava n'um retrato. Não lhe pude achar monogramma, assignatura, ou marca de auctor. É crido, como a reprodução fiel de Albuquerque, filho. O logar que occupa competia de direito ao senhor da casa. (J.R.) É este o retrato de Afonso Bráz de Albuquerque, ou, como também o chamam, Afonso de Albuquerque, filho. Mas quem foi este importante fidalgo, diplomata, político e escritor. que teve influência fundamental para a historia da nossa freguesia : "(...) Affonso de Albuquerque, o Grande, saindo para a India em 1506, deixou no reino um filho natural, por nome Braz, legitimado por carta regia de 26 de fevereiro do mesmo anno. Braz teria uns cinco annos, e ficou entregue aos cuidados de sua tia materna D. Izabel de Albuquerque, casada com D. Pedro da Silva ... Se não pôde gosar os carinhos do pae, teve d'elle um dos seus ultimos pensamentos. A 15 de dezembro de 1515 Affonso de Albuquerque, de bordo da nau Flor da Rosa, caminho de Goa, escreveu ao rei D. Manuel uma carta em que lhw dizia : « Senhor, quando esta escrevo a Vossa Alteza, estou com um soluço, que é signal de morte. N'esses reinos tenho um filho, peço a Vossa Alteza, que m'o faça grande como meus serviços merecem que lhe tenho feito com minha serviçal condição, porque a elle mando, sob pena de minha bençam, que vol-os requeira...» No dia seguinte aquelle vulto immenso, aquelle genio assombroso, vergado ao peso de uma affronta do rei ingrato, era cadaver." (J.R.) D. Manuel quando recebeu a notícia da morte de Afonso de Albuquerque e das sua últimas vontades expressas em testamento, tratou de imediato de chamar a si o herdeiro do Grande Afonso, "para dirigir a seu geito os cabedais que haviam de advir-lhe ... os haveres de Affonso de Albuquerque não podiam deixar de ir a algum da família do rei ou seu apaniguado."

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Brás de Albuquerque entrou por ordem do monarca no mosteiro de Santo Eloi, a cujos cónegos foi confiada a sua educação e, para que ganhasse importância com um nome prestigioso e afamado. fê-lo trocar o nome que tinha recebido por baptismo pelo de seu pai Afonso de Albuquerque. Era já mancebo de cerca de vinte anos Afonso de Albuquerque, filho, quando D. Manuel (em 1520) lhe destinou para esposa e para partilhar a herança do herói da Índia, D. Maria de Ayala e Noronha, filha do escrivão da puridade D. António de Noronha, conde de Linhares, fidalgo de parcos haveres, da casa de Linhares por seu pai e da casa de Bragança por sua mãe. Para este casamento, D. Manuel concedeu-lhe um juro de 400$000 réis, e mandou-lhe pagar mais 180.000 cruzados dos soldos em atraso ao vice-rei da Índia e dois quintais de pimenta que também lhe eram devidas. No ano seguinte, Afonso de Albuquerque, já genro do escrivão da puridade de D. Manuel, foi escolhido para com um grupo de fidalgos de alta linhagem para acompanhar a Saboya a infanta D. Brites, filha de D. Manuel, o Venturoso, casada com o duque Carlos de Saboya e teve nessa missão o comando de um galeão de 230 tonéis. A infanta D. Brites tinha-se casado por procuração em Lisboa, no dia 7 de Abril de 1521, mas só no dia 10 de Agosto a frota que a conduziu saiu do Tejo, fundeando no importante porto de Niza no dia 29 de Setembro. Contudo, a sua entrada oficial na corte dos Saboyas só se efectuou em Maio do ano seguinte. A oficialidade e fidalgos da armada, ociosos, faziam excursões por toda a Itália, em plena explosão do Renascimento. Afonso de Albuquerque aproveitaria para visitar as mais lindas cidades daquele país, onde as artes se desenvolviam extraordinariamente. Entretanto, em Portugal o rei D. Manuel caia doente a 4 de Dezembro, tendo falecido a 13 do mesmo mês, uma sexta-feira, deixando por cumprir as promessas de satisfazer no filho os serviços de Afonso o Grande. Depois de terminadas as obras, Afonso de Albuquerque, filho, com sua mulher e família, habitou o palácio, conforme consta em alguns contratos aqui lavrados por ambos. Em 1568, sem sucessor, Afonso de Albuquerque (passará aqui no texto a ser assim identificado Braz de Albuquerque) e sua mulher a 27 de Janeiro "(...) vincularam a quinta de Azeitão, com seu assento de casas, pomar e vinha, cercados, fôros havidos e por haver , e as casas de Lisboa das Portas do Mar (Casa dos Bicos) que partiam com o Dr. Luiz da Veiga e com a mulher, que foi de Ayres Tavares, instituindo um hospital na igreja do bemaventurado S. Simão, que era junto da quinta de Azeitão, para n'elle se agasalharem pobres caminhantes."

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O título foi escrito pelo capelão da quinta, o licenciado Aleixo de Albuquerque, que o fez a rogo dos instituidores, e foi aprovado no dia 28 de Fevereiro de 1568, "na quinta do sr. Affonso de Albuquerque pelo tabellião João Rodrigues" . No dito hospital, que hoje se chamaria albergue «deveria haver cinco camas, em memória das chagas de Cristo. Em cada cama caberiam duas pessoas e teriam seus estrados de madeira, enxergão de palha, dois cobertores de almafega, uma manta do Alentejo, um travesseiro de lã e outro de almafega,. As roupas e camas deveriam ser renovadas annualmente. O albergado poderia demorar-se tres dias alem do da entrada, teria azeite para luz toda a noite e, durante o inverno, lenha para se aquecer e enxugar o fato. Vindo doente, poderia demorar-se cinco dias, recommendando á caridade dos administradores do vínculo, quando fossem na quinta, proverem os enfermos do necessário. Pedem aos albergados, que cada um reze cinco vezes o Padre nosso e a Avé Maria pela almas dos instituidores e de Afonso, o Grande » . Para lhes suceder na administração do morgado nomeiam seu sobrinho André de Albuquerque, na condição deste escolher consorte na família de D. Maria Ayala de Noronha. Impõe ainda o vínculo aos seus futuros administradores que estes tomem o nome de Afonso de Albuquerque, e sendo mulher esse apelido. Cumpre ainda a estes fazer cantar em o dia de S. Simão uma missa com pregação e que o orador peça três Avé-Marias por alma dos instituidores. A muitas outras obrigações ficam submetidos os herdeiros que venham a ficar como administradores do vínculo : "(...) não poderá suceder no morgado o mentecapto, o abreviado do juizo, o furioso, ou heretico, o que for contra o reino, a femea que não for virtuosa, ou fizer como tal usando mal de si; também não sucederá o que tiver defeito algum que não possa ser casado..." Mandou Afonso de Albuquerque que se fizessem três tratados da instituição: uma para a Torre do Tombo; outra para o cartório do Mosteiro de Santo Eloi e a terceira para o administrador do Morgado. A inspecção anual do albergue ficou a cargo do visitador do Arcebispado de Lisboa ou em alternativa ao Mestrado da Ordem de Santiago, conforme o primeiro que o visitasse. O espírito de benfeitor de Afonso de Albuquerque e de D. Maria de Noronha não ficaria por aqui. mais tarde, a 20 de Julho de 1570, obriga-se por escritura à construção de uma Igreja para se fundar a nova freguesia de S. Simão. A conservação do templo também ficou a cargo do morgado.

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Sobre as escrituras de obrigação para a construção da Igreja de São Simão e instituição da freguesia, em brochura editada especificamente para o efeito já delas dei conhecimento. Acrescente-se ainda que: " o osprital de peregrinos em Azeitão e a egreja pegada com elle foram feitos com o produto da venda dos fóros de casas, que Affonso, o Grande havia deixado em Goa, para se dizer quotidiana por sua alma na capella de Nossa Senhora da Serra, por elle edificada sobre a porta por que o grande capitão entrára a cidade, e que lhe serviu de primeiro jazigo. O remanescente d'aquellas rendas seria distribuido em esmolas, dadas ás sextas feira aos meninos orphãos filhos de portugueses. Uma bulla pontificia auctorizou a permutação, ficando em Goa uma renda de 40$000 réis para a missa quotidiana na capela. Nos meados de 1570, já D. Maria de Ayala de Noronha não assinava os importantes documentos em que interveio seu marido, mas por um contrato de aforamento de 4 de Agosto de 1578 assinado também por ela, se confirma que ainda era viva. Já muito idoso, mas achando-se capaz de passar a segundas núpcias Afonso de Albuquerque consorciou-se com D. Catarina de Menezes. Como era de prever, continuou sem geração legítima. Faleceu Afonso de Albuquerque - talvez em Lisboa - a 6 de Maio de 1581, conforme se pode ver no assento de óbito, existente no Arquivo da Sé de Lisboa: "(...) a seis de mayo de 81 faleceo aº dalbuquerque e recebeo t.os os sacramemtos E fez testm.to e ficou sua molher dona cª por testam~etera e se mãodou enterrar ~e azeitam e por verdade asiney aqui dia mês e era ut supra petrus vaz cura". Contudo, deixou legitimado D. João Afonso de Albuquerque, que por ser menor foi o Dr. Braz Dias de Abreu, Juiz dos orfãos, em Lisboa e das partilhas da fazenda de Afonso de Albuquerque que se propôs defender os direitos do menor, a quem foi dado por tutor António Fernandes da Silva .

ALBUQUERQUES

HERÁLDICA E GENEALOGIA Na família dos Menezes se originou a dos Albuquerques, uma das mais distintas de Portugal, porque ao sangue esclarecido da linhagem de que

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provera, juntou a de outras muito ilustres e o das casas reais de Castela e de Portugal. D. Afonso Teles de Menezes, filho de D. Telo Peres de Menezes e da sua mulher D. Guntrode Garcia de Vilamaior foi segundo senhor de Menezes, Medelim, Monte Alegre e outras terras e o primeiro povoador de Albuquerque, vila de que também teve o senhorio. Morreu no ano de 1230 e foi sepultado no mosteiro de Palaçuelas. Casa-se duas vezes, a primeira com D. Elvira, filha de D. Rodrigo Gonçalves Girão, rico-homem e senhor da casa dos Girões, e de sua mulher D. Maior, de cujo matrimónio deixou descendência, que depois seguiu o apelido Girão ; e a segunda vez com D. Teresa Sanches, filha bastarda de D. Sancho I de Portugal, de quem teve D. João Afonso de Menezes, que sucedeu nos senhorios de seu pai e foi rico-homem e alferes-mor de D. Afonso III de Portugal, seu primo coirmão. D. João Afonso de Menezes foi casado, mas é incerto o nome de sua mulher, pois três lhe atribuem. Segundo o Conde D. Pedro, chamava-se D. Elvira Gonçalves Girão, filha de Gonçalo Rodrigues Girão do qual teve vários filhos que seguiram o apelido Meneses e entre eles D. Rodrigues Anes Teles de Meneses, que sucedeu a seu pai na casa e terras, e, em tempo do Rei D. Afonso X de Castela, foi terceiro senhor de Albuquerque. casou-se com D. Teresa Martins de Soverosa, filha de D. Martim Gil de Soveral e de sua mulher, D. Inês Fernandes de Castro, de cujo matrimónio nasceu D. João Afonso de Albuquerque, o primeiro que usou este apelido, tirado da vila de que foi quarto senhor. Sucedeu D. João Afonso em toda a casa de seu pai : foi muito bom cavaleiro, teve o título de Conde de Barcelos por carta de 8 de Maio de 1298 e exercitou o ofício de mordomo-mor de D. Diniz. Fez testamento no ano de 1304. Casou-se duas vezes; a primeira com D. Teresa Sanches, filha bastarda de D. Sancho IV de Castela, de quem deixou geração, em breve tempo extinta ; a segunda, com D. Maria Coronel, filha de D. Pedro Coronel, ficando deste matrimónio D. Teresa Martins, que alguns autores dizem ser filha da primeira mulher, a qual se recebeu com D. Afonso Sanches , filho bastardo de D. Dinis e D. Aldonça Rodrigues Telles. De D. Teresa Martins e de seu marido provêm os Albuquerques, a quem João Rodrigues de Sá nas suas coplas dedicou o seguinte : As cinco flores de lys com quinas em quarteirão

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os Albuquerques trarão aos que del rei dom Denys trazem na geração E por tocar tão estado bem merece ser honrado sempre que tem tal mistura per tão honrada natura dyno de ser nomeado. As armas antigas eram de vermelho com cinco flores-de-lis de ouro. Timbre uma asa de negro, com cinco flores-de-lis de ouro em sautor. Modernamente usam: Esquartelado o primeiro e o quarto, de prata. com cinco escudetes de azul postos em cruz, cada escudete carregado de cinco besantes de preto. em sautor; o segundo e o terceiro, de vermelho com cinco flores-de-lis de ouro postas em sautor. Timbre: um castelo de ouro, rematado por uma flor-de-lis do mesmo; ou uma asa de negro, carregada de cinco flores-de-lis de ouro postas em sautor. O primeiro e o quarto quartéis nem sempre se apresentaram de Portugal antigo, mas com bordadura de vermelho, carregado de sete castelos de ouro e um filete negro em barra.

OS SENHORES DA BACALHOA

UM POUCO DE HISTÓRIA

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I Já aqui foi dito que a Quinta e o Palácio da Bacalhoa é "um nobre domínio, primeiro dos infantes da Dinastia de Aviz e posteriormente de Afonso de Albuquerque, filho ... " Vimos também que antes de ser dos infantes, a quinta de Azeitão foi de João Vicente, monteiro-mor das matas de Azeitão e que em 1421 o rei D. João I as tomou para si e as entregou posteriormente a Álvaro Annes, seu barbeiro, e só em 1427 ela foi comprada pelos acima referidos infantes. Tendo falecido o infante D. João em 1442, sucedeu-lhe na posse da quinta sua filha D. Brites que casando em 1447 com o infante D. Fernando, filho do rei D. Duarte e irmão de Afonso V. D. Brites destinou muito cedo a propriedade a seu neto D. Afonso que o rei D. Manuel fez Condestável de Portugal. D. Afonso casou em Janeiro de 1502 com D. Joana de Noronha, filha do primeiro marquês de Vila Real, tendo-lhes nascido uma filha em 1502, Brites de Lara. Tendo morrido primeiramente D. Afonso e posteriormente sua avó D. Brites, em 1506, sucedeu-lhe na posse da quinta D. Brites de Lara, sua bisneta, que veio a casar com D. Pedro de Menezes, conde de Alcoutim e terceiro marquês de Vila Real. A quinta que era do dote da marquesa, foi por esta vendida, como também já se disse, a Afonso de Albuquerque, filho. Do casamento de Afonso de Albuquerque, filho, com D. Maria de Noronha nasceram dois filhos, António que morreu ainda jovem e Joana que viria a casar com D. Fernando de Castro, primeiro conde de Basto, capitão-mor de Évora e que faleceu sem geração. É sabido que Afonso de Albuquerque, filho, faleceu sem descendência, mas antes de falecer, ele e D. Maria de Noronha vincularam a quinta para instituição de um "albergue" em Vila fresca e que nomeiam para lhes suceder na administração do morgado seu sobrinho André de Albuquerque. Afonso de Albuquerque, passa a segundas núpcias com D. Catarina de Menezes, e deste casamento não lhe adveio geração. falecendo em 1581, deixa legitimado D. João Afonso de Albuquerque, que por ser menor foi tutelado. D. João Afonso, já mancebo, casa com D. Isabel de Cerqueira , tendo nascido deste enlace D. Afonso de Albuquerque que viria a morrer na Índia, não deixando geração. "(...) Largos foram os litígios á herança de Albuquerque, filho, não só sobre o morgado de Azeitão ... mas também com respeito ao vinculo que Albuquerque, o Grande, formára na India. Albuquerque no testamento que fez na India, criou uma capela para seu filho Braz, e, estabelecendo a sucessão dizia: « E acontecendo os casos, que dito tenho, a não haver filhos do meu filho, ou fallecendo, antes de mim e ficando assim, quero que Pero Corrêa os

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haja (os bens) e seus filhos com condição de os dar a quem o fizer melhor e cumprir e, não ficando filhos, torne-se esta capella ao filho de D. Fernando, o mais velho e de D. Constança minha irman.» "(...) Por morte do instituidor a capella passou para seu filho Braz; no tempo da morte d'este, porém, Pero Corrêa era fallecido sem geração, D. Fernando, D. Constança e seus filhos também haviam morrido, o parente mais proximo, que por então existia, era D. Luiza de Noronha, neta d'aquelles conjuges. Os filhos de D. Constança e D. Fernando haviam sido: D. Affonso, promogenito, D. Alvaro, D. Garcia e D. Antonio. Como oppositores ao morgado da India, apresentaram-se D. Luiza de Menezes, bisneta de D. Alvaro, D. Garcia, neto de outro D. Garcia, D. Aleixo de Menezes, neto de D. Alvaro, e D. Violante, neta de D. Affonso. O litígio durou até 1615, e no dia 20 de Junho foi dada sentença que conferia a administração vincular a D. Luiza de Noronha, neta de D. Constança, era ao tempo da morte de Affonso de Albuquerque, filho, a mais proxima parente viva de D. Constança de Castro. Ao morgado instituido por Albuquerque e sua mulher D. Maria de Ayala de Noronha appareceram outros oppositores..." (J.R.)

II A viúva de Afonso de Albuquerque, filho, D. Catarina de Menezes, pretendia a administração do morgado, mas o Dr. Eduardo Brandão, lente de cânones na Universidade de Coimbra, foi o patrono do menor D. João Afonso de Albuquerque, (legitimado com filho de Afonso de Albuquerque,

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filho) e fundamentando os direitos do seu cliente conseguiu para este a posse do morgado, tendo ficado na posse dele até, pelo menos, 1585. Mas as dúvidas suscitadas durante o litígio despertaram novos contentores. Sem entrar em grandes pormenores, direi que o morgado em 1588 já andava tão descurado que o Albergue já era um pardieiro e que os bens andavam a ser desbaratados a esmo. O relatório de uma visitação da Ordem de Santiago de 1607 dizia que "não se conhece quem está na posse do morgado, e não é o proprietário melhor cumpridor dos encargos do que o administrador da albergaria, porquanto a Igreja de São Simão era ainda em parte sem forro e toda sem sobrado. Por isso, o visitador " manda que seja juncada tres vezes por anno, pela Semana Santa, pelos Santos, e pelo Natal; a albergaria continuava sem camas, e corria execução contra Melchior Lopes por ter alleado casa e chão sem licença regia " . Em 1588. o bispo de Targa manda que a Igreja seja forrada de madeira de bordo ... e a visitação de 27 de Outubro de 1607, feita por Jacomo Ribeiro de Lemos e Fernão Velho da Silva a mando da Ordem de Santiago, dizem ; " porquanto corre demanda sobre quem ha de ser herdeiro do dito defunto ( Affonso de Albuquerque, filho) nem ha administrador certo ... mandam aos officiais da igreja que tanto que houver herdeiro certo ou administrador dos bens e fazendas lhes façam notificar as ordens dos visitadores e a pena, em que incorrem não cumprindo" De D. Joana de Albuquerque e Manuel Teles Barreto tinham nascido cinco filhos: - Afonso Teles Barreto, que morreu solteiro sem geração; - Manuel Teles Barreto, frade dominicano, também sem geração; - Lizuarte Teles Barreto, que morreu sem geração; - Jerónimo Teles Barreto, a favor de quem foi sentenciado a causa, ficou prisioneiro dos holandeses, na Índia, morrendo sem geração. O morgado, por sentença de Janeiro de 1609, veio a caber a sua irmã, D. Maria de Mendonça e Albuquerque, casada com D. Jerónimo Manuel, de alcunha «o Bacalhau».

III

Sabe-se que D. Maria de Mendonça e D. Jerónimo Manuel em 1610 já estavam instalados na quinta, havendo "já noticia de da estada d'aquella familia na casa de Affonso de Albuquerque em Azeitão, fazendo menção de

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D. Jorge Manuel de Albuquerque, filho de D. Maria e D. Jeronymo, com padrinho de uma creança" (J. R.) Sobre D. Jerónymo Manuel, sua mulher D. Maria de Mendonça e seu filhos; D. Jorge Manuel de Albuquerque, D. Lourenço Manuel de Albuquerque e D. Antónia Albuquerque de Mendonça, dei apontamento aquando da tombação do morgado. O primogénito de D. Jorge Manuel, toma o nome de D. Jeronymo Affonso de Albuquerque e toma conta do morgado, mas passado pouco tempo morre, o mesmo sucedendo a sua mãe D. Theresa que falece em Outubro de 1657. Nos finais de 1658 já se encontra por herdeiro de Jeronymo de Albuquerque, seu irmão, menor de oito anos, Francisco Sebastião de Albuquerque que fica sobre tutela de seu tio materno D. Vasco Luiz da Gama, almirante da Índia e primeiro marquês de Niza. "(...) Bem novo encetou D. Francisco a carreira das armas, pois em 1663 já se encontra na restauração de Evora. Em 1666, quando o conde de S. Vicente, João Nunes da Cunha, passou á India por vice-rei, D. Francisco Sebastião acompanhou-o e em breve ali morreu, como seu irmão Jeronymo, solteiro e sem geração legítima ... " De D. Francisco Sebastião de Albuquerque apenas ficou uma filha natural, D. Maria de Albuquerque, freira em Odivelas. Extinto este ramo, a casa foi devolvida ao primogénito de D. Antónia de Mendonça, irmã de D. Jorge Manuel de Albuquerque.

IV D. Antónia Albuquerque de Mendonça, única filha - ainda viva - de D. Jeronymo Manuel «O Bacalhau», casou com D. Pedro de Mendonça

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Furtado, alcaide-mor da vila de Mourão, comendador de San'Tiago de Cassem, (Santiago de Cacem) e que depois dos acontecimentos da conspiração do marquês de Vila Real, contra o rei, foi agraciado com a comenda de Vila Franca, da Ordem de Cristo, por D. João IV, em virtude deste ter vagado pelo crime daquele fidalgo. D. Antónia Albuquerque de Mendonça e seu marido residiam na Bacalhoa, aonde lhes nasceram dois filhos : - Luiz de Mendonça Furtado, baptizado na Igreja de S. Simão a 4 de Julho de 1627, e Jeronymo Manuel, também aqui baptizado, mas a 14 de Agosto de 1630. Este nobre casal ainda teve mais três filhos : Nuno de Mendonça ; João de Mendonça e Maria Josefa de Mendonça, que devem ter nascido fora do palácio, porque: diz Rasteiro, " não encontro os seus registos baptismaes" . Luís de Mendonça Furtado ainda muito novo alistou-se no exército do Alentejo, cujas campanhas fez com grande distinção, a ponto de ser destacado para o serviço marítimo, dadas as suas qualidades e aptidões. Foi-lhe confiado nesse serviço comandos importantes. "Depois de duas viagens á India como capitão-mór da armada, voltou para aquellas paragens na monção da primavera de 1657 por general dos galeões de alto bordo, posto a que foi elevado por carta de 24 de março d'aquelle anno assignada por D. Luiza de Guzman, regente do reino. (J.R.) Pouco tempo depois de chegar á Índia, Luís de Mendonça Furtado é nomeado pelo governador comandante das naus que deveriam "varrer os holandezes dos mares de Goa". A armada enfunou as velas em 5 de Janeiro de 1658 e logo travou batalha com o inimigo, vencendo-o. Entretanto, no reino a anarquia campeava e em breve chegaria à Índia, onde facções garreavam entre si. Duas das mais aguerridas e que mutuamente se degladiavam eram as de Luís de Mendonça Furtado e Bartolomeu de Vasconcellos. Por carta de 6 de Março de 1657 a regente nomeou D. António Telles de Menezes, conde de Villa Pouca de Aguiar para vice-rei da Índia, mas este não chegaria a ocupar o seu posto, por ter falecido a caminho destas paragens. No dia 7 de Setembro. desembarcaram em Mandovi o seu cadáver. A 22 de Março de 1660 D. Luiza de Gusmão, regente do reino, nomeia novo governo para a Índia, composto por D. Manuel de Mascarenhas, Luís de Mendonça Furtado e Albuquerque e D. Pedro de Lencastre. O primeiro pediu renúncia do cargo e os dois restantes membros, em contínua divergência exerceram até 14 de Junho de 1661 os cargos, data em que toma posse como vice-rei D. António de Mello e Castro.

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D. Luís de Mendonça Furtado e Albuquerque regressa a Portugal em 1668 e embrenha-se nas intrigas da corte surgidas no período entre a morte de D. João IV e à entronização de seu filho D. Pedro, e de tal maneira soube manobrar que em Dezembro de 1669 foi nomeado vice-rei da Índia. A história de D. Luís de Mendonça e de seus irmãos é rica em factos históricos, atribulados e trágicos, por vezes. Como tal, vai merecer especial atenção neste trabalho, pela transcrição de parte do texto que a esta geração Joaquim Rasteiro dedicou no seu livro sobre a Bacalhoa. Diz Joaquim Rasteiro : "(...) A frota que deveria partir com o novo vice-rei foi de cinco vasos, e par a guarnição, alem dos que voluntariamente se alistaram, prenderam-se em Lisboa e no reino todos os inquietos e divertidos, que poderiam haver-se; nos mareantes não houve melhor escolha nas qualidades ou aptidões. O vice-rei que devia partir na primeira monção de 1670, foi feito conde do Lavradiu em março, e a armada levantou ferro do porto de Lisboa em principios de abril, chegando á India no anno seguinte, em que tomou posse do vice-reinado ... ... Desempenhou o lugar de vice-rei por espaço de sete anos e vinte dias e, embarcando para o reino, faleceu na Bahia em 1667, com cincoenta annos de idade. Se fez bom governo. ou a contento do soberano, não foi menos solicito nos negocios de sua casa e interesses pessoais e não aprendeu pouco nas viagens, que fez á India, sobre o modo de fazer fortuna ... Em 10 de Março de 1670 ordenava elle as suas cousas, mandando lavrar uma procuração ampla a seu irmão Jeronymo e a dois irmãos, Diogo de Chaves e Simão Rodrigues de Chaves para administrarem os seus negócios na Europa. Morava então Luíz de Mendonça Furtado e Albuquerque na sua quinta extra-muros de Lisboa, junto ao mosteiro de S. Bento da Saude ... ... Nas suas últimas disposições fez seu universal herdeiro Jeronymo de Mendonça e na falta seu irmão Nuno. " Já se disse anteriormente que Jeronymo de Mendonça, de seu nome completo, Jeronymo Manuel de Mendonça Furtado e Albuquerque, tinha nascido na Bacalhoa e foi baptizado na Igreja de São Simão a 14 de Agosto de 1630. Foi este fidalgo cavaleiro da Ordem de Malta , mas não professou. Serviu a Pátria nas campanhas do Alentejo "como capitão de cavalos e mestre de campo de um terço" . Tendo deixado a carreira militar, no entanto assistiu como civil à Batalha do Ameixial a 8 de Junho de 1663, tendo sido encarregado pelo Conde de Villa Flor para trazer a boa nova da vitória.

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Por retribuição dos serviços à Pátria foi nomeado governador de Pernambuco, mas "commeteu taes excessos que, amotinado o povo, veio preso para Lisboa e da prisão escapou-se para Castela ..." Luís de Mendonça Furtado e Albuquerque, o vice-rei da Índia, querendo proteger seu irmão, colocou-o como administrador do morgado de Azeitão. Mais tarde, Jeronymo de Mendonça e seu irmão Francisco implicados numa conspiração contra a coroa, em Setembro de 1673, são sentenciados à morte por degolação. Francisco, foge para Castela, mas seu irmão é preso e enviado para S. Julião da Barra. A Francisco, são-lhe confiscados os bens, e em figuração, é degolado no Rossio a 11 de Maio de 1674. Jeronymo, sentenciado primeiro à degola em pelourinho e depois pelo cadafalso, por ser menos infamante, foi, finalmente comutado de pena capital, por interferência do marquês de Fronteira. Condenado a degredo, foi enviado para a Índia de onde não voltou. Em Goa, foi protegido pelos bens de seu irmão Luís, por condescendência de sua irmã, Maria Josepha.

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Por falecimento do antigo vice-rei da Índia e conde do Lavradio, Luís de Mendonça Furtado e Albuquerque, sucedeu-lhe na administração do morgado, seu irmão Nuno de Mendonça Furtado e Albuquerque, clérigo minorista, isto é, sem professar. Numa sortida que fez em Castela, foi feito prisioneiro, só sendo libertado após ter sido assinada a paz entre Portugal e Espanha. Nuno de Mendonça, tendo renunciado ao canonicato, em Évora, veio residir para o seu Palácio da Bacalhoa, aonde faleceu a 15 de Fevereiro de 1684. D. Maria Josepha de Mendonça e Albuquerque, única sobrevivente a seus irmãos, casada com Pedro Guedes de Miranda Henriques, senhor de Murça, sucedeu a seu irmão Nuno no morgado de Azeitão e na administração dos fartos haveres que seus pais tinham conseguido juntar aos que eles próprios tinham herdado. De D. Maria Josepha e D. Pedro nasceram quatro filhos: - João Guedes de Miranda Henriques, falecido aos dez anos; - Antónia de Miranda Henriques, freira no convento do Salvador ; - Joanna de Mendonça, casada D. António José de Mello ; - Luís Guedes de Miranda Henriques, casado em 1673 com D. Maria de Ataide, filha de Nuno de Mendonça, segundo conde de Valle de Reis. D. Maria Josepha de Mendonça passava tempos em Azeitão, tendo como principal residência a sua quinta em Arroios, em Lisboa, até que em 1770 estabeleceu definitivamente a sua residência na Bacalhoa. "(...) no dia 1º de março, fez aqui testamento cerrado, escripto pelo tabellião José Felix Falcão, e no dia 2 fel-o guardar no archivo do convento dominico de Nossa Senhora da Piedade, de Azeitão, cujo prior, Frei Domingos da Cruz, passou certificado de o haver ali arrecadado. Até 1709 encontram-se nos livros de notas e registos parochiais repetidas referencias a D. Maria Josepha ; a ultima, de 27 de julho d'aquelle ano , é uma carta de alforria a duas escravas, Francisca de Mendonça e sua filha Luiza Maria de Mendonça, a quem libertou por sua morte, legando 10$000 réis á mãe e 30$000 réis á filha. " .(J.R.) Pouco importaria saber o nome das duas escravas se não fora o caso terem os apelidos dos seus senhores, o que não era muito usual. D. Maria Josepha teria falecido por volta de 1713.

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Luís Guedes de Miranda Henriques, casado em 1673 com D. Maria de Athaide, sucedeu a sua mãe na posse do morgado. Tendo reclamado do rei D. Pedro o cargo de estribeiro mór que lhe pertenceria por morte de seu pai, o monarca recusou-o. " e tão solto foi de palavras e acções por este facto, que lhe valeu ser encerrado na torre de S. Julião."(J.R.) Do casamento de Luís Guedes com D. Maria de Athaide, nasceram : - Pedro Guedes, que morreu muito jovem ; - Francisco de Assis ; - João Guedes. Tendo começado mal o consulado de Luís Guedes de Miranda Henriques à frente do morgado de Azeitão, pior haveria de acabar. De alguns sobressaltos deste percurso, das interferências de personagens célebres no mesmo, até ao decreto que o interditou, irei dar conta, socorrendo-me, uma vez mais, da monografia sobre a Bacalhoa, escrita por Joaquim Rasteiro, transcrevendo alguns excertos da dita: (...) Em 1712 ainda havia filhos menores de Luís Guedes de quem este não tinha a tutela. No dia 2 de dezembro Manuel Carvalho de Atahide (C), moço fidalgo da casa de sua magestade e commendador da ordem de Christo, parente de Luís Guedes, data de Senancelhe uma procuração a Pedro Vieira da Fonseca, residente na quinta de Azeitão (Bacalhoa) para poder comprar um pinhal para o menor Francisco de Assis ... e outra a Manuel Salgado de Araujo, advogado da casa da supplicação para cobrar de Luís Guedes de Miranda 80$000 réis mensais de alimentos para cada um dos filhos menores d'este com prehendido Francisco de Assis, dos quais Manuel Carvalho era curador ... " Pelo que se pode depreender desta e de outras procurações para tratar de negócios do morgado, pelo menos, até 1718, Luís Guedes não deveria morar na Bacalhoa . (1) - Manuel Carvalho de Athaide, pai do célebre marquês de Pombal, era casado com D. Thereza Luiza de Mendonça, filha de D. João de Almada e Mello, alcaide mor de Palmela, casado com D. Mayor de Mendonça, filha ilegítima de Francisco de Mendonça, alcaide mor de Mourão, meio irmão de D. Maria Josepha de Mendonça e Albuquerque, mãe de Luís Guedes de Miranda. Na procuração, Manuel Carvalho chama tio a Luís Guedes .

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João Guedes, de seu nome completo de Miranda e Albuquerque, casou em 30 de Janeiro de 1707, em segundas núpcias, com D. Francisca de Noronha, filha dos terceiros condes de Aveiro. "(...) Em 15 de junho de 1721 Fernando de Morais Madureira Machado Pimentel tomou posse do morgado da Bacalhoa por procuração de João Guedes. A 28 do mez seguinte já sua mulher D. Francisca de Noronha, data de Lisboa ocidental uma procuração para arrendamento de uma propriedade do morgado, em virtude da administração de que a encarregou seu primo o sr. João Guedes de Miranda. Desconheço a conveniência de D. Francisca dar a seu marido o tratamento de primo ... D. Francisca reside na Bacalhoa e tem a administração da casa. D'aqui arrenda a herdade de quinta de Corona, na freguesia de Nossa Senhora A Bella, em Sant'Iago do Cassem, a herdade de Juliôa e outras propriedades na ribeira do Guadiana, em Mourão, Moura e Monsaraz. No anno seguinte ainda aqui reside, dando de arrendamento a herdade do Miranda no termo de Alcacer, e entre as condições ha, a do rendeiro pôr em Azeitão ou na quinta do Montijo, as pitanças que eram : 12 porcos de dois annos, 6 marrãs de um ano e 30 galinhas ... Em 29 de janeiro um decreto do rei, e despacho do desembargo do dia 31 de Janeiro de 1732, ao provedor das capelas, interdita João Guedes por demência, nomeando D. Francisca de Noronha como tutora e administradora da pessoa e dos bens de seu marido ... " Deste segundo casamento de João Guedes nasceram : - José Guedes e Juliana de Noronha que morreram crianças ; - Luís Guedes de Miranda Lima de Mendonça e Albuquerque . Luís Guedes, casou com D. Magdalena Vicencia de Mascarenhas, filha dos terceiros marqueses de Fronteira, D. João e D. Helena. Em Maio de 1749, já administrador do morgado, data uma procuração, onde se pode ler o seguinte: " Luís Guedes de Miranda e Lima de Mendonça e Albuquerque, senhor das villas de Murça, Bruhaes, Água Revés, Torre de D. Chama, comendador e alcaide môr das villas de Cabeço de Vide, Alter Pedroso, e Granja do Hospital e capitão de dragões ..." Luís Guedes, pouco tempo teve o morgado, tendo falecido em Lisboa em 1757. Residiu sempre em Lisboa, administrando os bens de Azeitão e os outros, por procuração.

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VII Com a morte de Luís Guedes de Miranda Lima de Mendonça e Albuquerque, sua mulher D. Magdalena ficou como cabeça de casal e com a administração do morgado da Bacalhoa, até finais de 1782. O terramoto de 1755 arruinou parte da Igreja de São Simão, inclluindo a sacristia e as torres. A corporação administrativa da igreja, depois de solicitar inutilmente a Luís Guedes a sua reconstrução, foi forçada a recorrer judicialmente para obrigar os senhores do morgado a cumprir a clausula da escritura de obrigações que tinha sido feita em 1570 pelo instituidor do morgado, Afonso de Albuquerque, filho. Este litígio alongou-se de 1765 até meados de 1768. "(...) Os advogados da igreja foram D. Francisco António Vannicelli e José Luiz Soares de Barbosa, pae do conhecido poeta Bocage, ambos com banca em Setubal. D. Magdalena recusava-se a pôr o edifício no primitivo estado, querendo restaurar o que julgava absolutamente necessário. No dia 6 de julho de 1768, de Lisboa fez uma proposta para levantar só uma das torres e reparar os demais estragos. Parece haver-se chegado a um acordo, apeando-se a frontaria até ao portal e construindo-se a torre actual , que é de um talhe estranho ao mais do templo. " Luís Guedes de Miranda Lima de Mendonça e Albuquerque não deixou filhos legítimos, teve-os naturais, um, Manuel José Guedes de Miranda, que por um título datado de 1785, se fica a saber que : "... o preclaríssimo Manuel José de Miranda, senhor do morgado é ... do conselho de sua magestade fidelíssima ... senhor de Murça, Brunhaes, Agua Revés, Torre de D. Chama, alcaide mór e commendador das commendas de Cabeço de Vide e Alter Pedroso ... " "... Por fins de 1785 ainda Manuel José Guedes tinha a administração do morgado de Albuquerque , em Abril de 1786 porém, já se encontra um contrato feito em nome do armeiro mór D. José Francisco da Costa e Sousa. "(J.R.)

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VIII Mais um recuo na história da Quinta e Palácio da Bacalhoa. Desta vez, para vermos como o morgado de Afonso de Albuquerque, pôde chegar aos Costas de Mutella, Novamente, também, é necessário situarmos numa posição já aflorada, mas que pelos turtuosos caminhos das sucessões e heranças desta geração se nos deparou mais à frente. É o caso : - D. Maria Josepha de Mendonça e Albuquerque e Pedro Guedes de Miranda tiveram além de outros filhos, Luís Guedes, que sucedeu a seus pais e cuja linha se extinguiu e, D. Joanna de Mendonça , que em 1672 casou com D. António José de Mello Homem. Deste casal, nasceram : - D. Pedro e - D. Magdalena D. Pedro José de Mello Homem casou com D. Maria Antónia de Bourbon . D. Maria Antónia faleceu em Março de 1716. D. Pedro faleceu em Maio de 1740 Deste casal nasceram os seguintes filhos: - D. António José de Mello Homem, a 8 de Setembro de 1709 e casou no ano de 1731 com D. Mariana Joaquina de Mendonça, filha de D. Filipe de Sousa, capitão da guarda alemã. - D. Magdalena Luiza de Mendonça que casou em Julho de 1690 com D. António Estevam da Costa, que veio a falecer em Janeiro de 1724 . De D. Magdalena e D. António nasceram vários filhos, entre eles; - D. José da Costa, a 22 de Julho de 1694

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- D. António José da Costa D. José da Costa casou em 1734 com D. Maria de Noronha, filha dos quintos condes dos Arcos. Sucedeu na casa e títulos de seu pai. Foi armeiro-mor e faleceu a 10 de Março de 1766, sem geração. D. António José da Costa casou com D. Antónia Rosa de Mello, foi para a Índia onde serviu na armada até morrer no naufrágio da fragata Vencimento em 1748. Deste casal havia um filho : - D. José Francisco da Costa e Sousa, nascido a 28 de Maio de 1740. Com 26 anos herdou a casa e títulos de seu tio paterno D. José da Costa, incluindo o de armeiro mor. Em 1772 casa com D. Maria José de Sousa de Macedo, segunda viscondessa de Mesquitela, por morte de seu pai em 1783. De D. José Francisco e de D. Maria José foi filho : - D. Luís da Costa e Sousa de Macedo, nascido a 25 de Março de 1780 e que veio a suceder a seu pai. (S) Posta esta cronologia genealógica, regressemos à sucessão de Manuel José Guedes de Miranda e ao excelente livro de Joaquim Rasteiro : "(...) Ha annos vi umas cartas trocadas entre Manuel José Guedes e seus primos Costas (José Francisco e Luiz), e d'elles pude deprehender, que aquelle era um caracter não vulgar pela sua honradez, largueza e desprendimento; Manuel José Guedes, posto na posse do morgado, julgou-se em consciencia ali intruso, e, parecendo-lhe que seu primo D. Antonio José de Mello Homem estava na melhor linha descendente de sua visavó D. Maria Josepha, por preceder por via masculina de D. Joanna de Mendonça, chamou-o a tomar posse do morgado; o caso despertou as attenções de seu primo José Francisco da Costa e Sousa, que se apresentou como opponente. Ao tempo da morte de Luís Guedes de Miranda de Mendonça e Albuquerque em 1757, eram vivos D. José da Costa, nascido em 1694, e D. Antonio José de Mello Homem, nascido em 1709, ambos primos do fallecido em terceiro grau canonico e sexto civil. De D. José da Costa, falecido em 1766, fôra universal herdeiro seu sobrinho D. José Francisco da Costa e Sousa, armeiro mór, filho de D.

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Antonio da Costa, irmão de de D. José da Costa, e fallecido em 1748, como atrás se disse. D. José Francisco viu que seu tio D. José da Costa podia preferir pela prioridade do nascimento, e, embora elle não tivesse apresentado e feito prevalecer os seus direitos, quiz fazel-os valer D. José Francisco , como herdeiro e sucessor de seu tio. Rico e preponderante na política e sociedade da epocha, D. José alcançou que a idade prevalecesse á melhor linha, e desapossou D. Antonio de Mello dos bens, que seu primo Manuel José Guedes lhe entregára. Guedes residia em Moura e, logo que teve conhecimento da resolução dos tribunaes julgando a successão de José Francisco, preferindo a D. Antonio de Mello, fez entrega ao novo senhor do morgado de Azeitão dos vinculos da Landeira e de Sant'Iago do Cassem ..." Não parece que o novo senhor do morgado residisse na Quinta da Bacalhoa, antes pelo contrário, devia residir perto da corte ou proximidades e ao que se nos apresenta era, quando conveniente, ufano de ter laivos de sangue de Albuquerque, o Grande, tratando-se em seus documentos como : " D. José Francisco da Costa e Sousa de Albuquerque, visconde de Mesquitella, armador mór de S. M., do seu conselho, cavalleiro professo da ordem de Aviz, commendador da commenda de S. Vicente da Beira ... " D. José Francisco faleceu em 6 de Janeiro de 1802. "Sucedeu-lhe seu filho, D. Luiz da Costa e Sousa de Macedo e Albuquerque, mancebo de vinte e dois anos que em 13 de setembro de 1807 casou com D. Maria Ignacia de Saldanha Oliveira e Daun, filha dos primeiros conde de Rio Maior. Em 22 de janeiro de 1818 foi feito conde de Mesquitela, e em 1826 par do reino. D. Luiz da Costa e Sousa de Macedo e Albuquerque, primeiro conde de Mesquitella, armeiro mór, como seus avós, faleceu em Lisboa a 27 de novembro de 1853. "(S.S.) Do enlace matrimonial de D. Luís com D. Maria Ignacia de Saldanha, nasceram ; - D. Maria Amália, a 10 de Março de 1809 - D. Maria José , a 2 de Março de 1811 - D. João Affonso, a 11 de Fevereiro 1815 - D. Luiz António, a 25 de Outubro de 1816 - D. Pedro, a 14 de Maio 1821 - D. António, a 24 de Novembro de 1824 A D. Luiz da Costa, sucedeu seu filho : " D. João Affonso da Costa e Sousa Macedo e Albuquerque, segundo conde de Mesquitella, par do reino, do conselho de S. M. , decimo segundo

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armeiro mór, grã cruz da ordem da Conceição, commendador de Christo e condecorado com diversas ordens estrangeiras , serviu de capitão da guarda real de archeiros por impedimento do duque de Palmella. Em 1886 foi creado duque de Albuquerque pelo rei D. Luiz I . Foi um cortezão distinctissimo , conhecedor de todas as etiquetas palacianas, e de tão fina polidez que preferiu a todos os fidalgos da côrte para receber no desembarque as princezas Estephania, desposada do rei D. Pedro V , e Maria Pia do rei D. Luiz I ... Na vida da sociedade era o mais fino cavalheiro; numa sala com damas não havia quem se lhe avançasse Da sua casa foi um mau administrador ; as suas propriedades rusticas ou urbanas distinguiam-se pelo desleixo total ... A sua alma era boa. " Faleceu sem geração em 24 de Setembro de 1890, com setenta e cinco anos de idade: sucederam-lhe na casa, que era grande, seus irmãos , cabendo a quinta, o palácio e as demais propriedades de Azeitão a seu irmão D. Luiz António da Costa e Sousa de Macedo e Albuquerque, terceiro conde de Mesquitella, que em 1895 andava a tentar "restabelecer as ruínas " ... D. Luiz António da Costa e Sousa Macedo e Albuquerque, casou com D. Mariana da Mota, a qual, por falecimento de seu marido, veio a herdar o morgado. Vendeu a quinta, em 1903 ao Rei D. Carlos, talvez que influenciado pela já rainha, D. Maria Amélia, que ainda princesa real aqui esteve, dando conta do seu abandono, executando croquis e estudos para trabalhos de desenho e pintura. Ficou a futura rainha desolada com todo o abandono e apaixonada pelo seu património azulejar. Por morte violenta do rei D. Carlos, a quinta foi para a posse de seu filho, o rei D. Manuel. Termina aqui o percurso fidalgo, e, por vezes de realeza, desta Quinta e Palácio da Bacalhoa. Também deveria terminar aqui este trabalho, mas a natural insatisfação de quem procura transmitir aos outros os conhecimentos adquiridos, ou de divulgar os documentos que tem disponíveis, impulsionou-me a acrescentar algo, tanto mais que os principais destinatários desta compilação serão aqueles a quem foi ou a quem é mais difícil o acesso a essa documentação. Para esses, os textos são novidade, são cultura adquirida. Para os outros, uma minoria, culta e iluminada agradeço a tolerância, ou até mesmo a indiferença. Se já sabem tudo, que poderão aprender ?... Materializando o sentimento agora expresso, passo a transcrever alguns excerto de um texto de Oliveira Parreira - outro notável azeitonense -- pelo qual é possível conhecer, como em 1890 se ia desenvolvendo a agonia e

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a ruína da Quinta e Palácio da Bacalhoa, ainda sob o domínio dos Albuquerques . Como todas as outras transcrições insertas neste trabalho, é conforme o original. Eis o que escreveu A. M d'Oliveira Parreira no nº 11 da publicação "Revista Ilustrada" , editada no ano de 1890 : - "(...) O edificio apresenta a sua fachada occidental, sobranceira a um pequeno jardim, enramado de buxo, é a sede de um grande morgado que foi de Braz ou Affonso de Albuquerque, filho do celebre conquistador das Indias. É geralmente sabido que em honra do heroe, D. Manuel quiz que o filho mudasse o nome de Braz para Affonso. Actualmente a quinta chama-se Bacalhoa, e pertence ao sr. duque de Albuquerque ... "(...) A historia d'esta quinta e da egreja annexa tem já por mim sido feita em dois diccionarios historicos e nos valiosissimos trabalhos do meu amigo Rasteiro ... Entretanto o monumento é tão notavel e a sua completa ruina tão imminente que julgo um dever inaddiavel avivar por todos os modos as recordações historicas que elle desperta, antes que de todo as tenham apagado o tempo e o desleixo ... " Prossegue o autor com algumas referências sobre a sucessão dos proprietários da quinta até ao momento presente (1890). Depois, continua a descrição do que foi observando: -"(...) O palacio é um bijou de architectura, e, na opinião de muitos, um dos mais bellos monumentos da renascença em Portugal. Os cubellos ... as varandas, os pavilhões do lago revestidos de lindissimos azulejos em relevo accentuam mais ainda um certo cunho de orientalismo que por toda a parte se gravava alli, apesar das tendencias classicas que no seu tempo invadiam a literatura e as artes, e dão ao todo um encanto inexcedivel. Sua magestade a rainha D. Maria Amelia, quando ha dois annos, sendo ainda princeza real, visitou Azeitão, tomou alguns croquis d'estas ruinas. Os azulejos, principalmente, causam a admiração de todos os visitantes ... Tem esta quinta o privilegio de receber em seus muros a procissão de domingo de Paschoa, que entrando pela porta fronteira á egreja , vae dar volta ao jardim ... O buxo, de sociedade com as silvas, tem quasi completamente obstruido as ruas, mas por occasião da festa o quinteiro faz lhe a toilette despontando as silvas cubiçosas de se apegarem ás capinhas encarnadas dos devotos.

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Os avós do actual duque vinham sempre em trajos de gala ao portão da quinta, esperar o divino hospede que lhes honrava o solar. Hoje está tudo em ruinas. O actual proprietário, muito vaidoso do nome de Albuquerque, que tomou para titulo do seu ducado, deveria ter sido mais zeloso na conservação d'aquelles dois monumentos - a egreja e o palacio. Os amadores, vandalos tambem, augmentam as ruinas a titulo de salvarem os lindos azulejos da aniquilação de que o desleixo os ameaça ... A fachada principal olhando a nascente apresenta um aspecto ainda mais arruinado, que a parte oposta ... Um pateo com dois portões, ou antes com as hombreiras de dois portões, essas mesmas partidas, a norte e a sul, dá serventia aos que vão de Villa Fresca para o lugar da Pacheca, e aldeia das Vendas, e essa servidão foi talvez cedida para annexar á quinta uma azinhaga que separava o pomar do resto da cerca , e que partia do pavilhão chamado Casa da India e terminava no pavilhão das Pombas, do qual só restam as paredes ..." Novamente o autor, desenvolve a descrição arquitectónica do restante palácio até que se lhe depara outra situação de ruína : "... Defronte da fachada principal , uma arcada com columnas toscanas, negras e cambaleantes, corre de um cubello a outro tomando a frente ás officinas de lavoura e casas de criados, que tambem estão quasi todas destelhadas. Um dos dois cubellos só tem meia parede. N'uma d'essas casas que ainda resta de pé dão hospitalidade a mendicantes, depois que ardeu a casa da albergaria que Albuquerque fundou em 1568, junto á antiga capella de S. Simão, capella que elle em 1670 começou a transformar em vasto templo, destinado a egreja parochial. Essa albergaria, perfeita possilga, tal como hoje existe é o paradeiro de todos os vadios, maltrapilhos, aleijados, ciganos, e mendigos de toda a espécie, que fazem do pateo uma verdadeira cour des miracles ... " Mais uma vez Oliveira Parreira, descreve o palácio : agora a "loggia" dupla do lado norte, e a paisagem deslumbrante que se pode desfrutar dela. Depois, prossegue noutro ponto do texto a descrição do estado deplorável em que encontrou a quinta : "(...) Pena é que tudo esteja em tal estado de ruina, que faz suppor que em breves annos não restarão de todas aquellas maravilhas mais que montões informes de pedras negras , cadaver sem tumulo symbolisando a nossa grandeza moribunda, e a perda das nossas conquistas gloriosas. Quando a regia visitante tomava os croquis de que fallei, viu-se forçada a sentar se n'uma cadeira collocada sobre a palha estralhada do pateo nobre, transformado em pateo de curral, ao som dos grunhidos de um porco pouco respeitoso que chafurdava no seu chiqueiro formado de fustes

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partidos enlaçados por toscas varas de pinheiro. Se este vasto desmoronamento fosse filho da pobreza, dos estragos da guerra, ou do lento corroer do tempo, seria menos dolorosa a impressão que nos causa; mas não é vetustez respeitavel, nem são as cicatrizes honrosas do veterano, é o abandono imperdoavel, o esquecimento, a incuria que o tem produzido gradualmente ; e a perda d'este monumento é talvez agora irreparavel. As culpas já vem de longe, mas o actual proprietario tem grande quinhão n'ellas. Nobilissimo pelo nascimento e não menos pelas virtudes que o adornam, é para mim verdadeiramente respeitavel: só não lhe perdôo este abandono, e, nem a historia, nem a arte, nem o patriotismo, nem o bom gosto lh'o poderão já mais perdoar." (E) Relembrando uma vez mais os Albuquerques que por esta quinta e palácio passaram, nasceram ou morreram, Oliveira Parreira, termina o artigo, num verdadeiro hino a este espaço : "(...) Os actos da vida publica e litteraria do fundador; os feitos dos seus sucessores, entre os quaes se registram nomes illustres como os de Jeronymo Manuel, O Bacalhau, capitão-mór da armada de Goa, de Pedro de Mendonça Furtado, alcaide-mór de Mourão, um dos vultos mais conspicuos de 1640, de D. Luis de Mendonça, vice-rei da India, as aventuras de D. Jorge Manuel, celebre pela valentia e genio desordeiro, as dos Guedes de Miranda, um dos quais passou quaisi toda a vida na prisão, no reinado de D. Pedro II, e foi celebre pelas extravagancias e paradoxos, e o outro foi ainda estribeiro-mór depois de ter sido salteador como Henrique V da Inglaterra, a conspiração mallograda dos Mendonças, para voltar a collocar no throno o infeliz Affonso VI, tudo daria vasta materia para o romance e para o drama : dramas e romances passados n'aquellas salas, á borda n'aquelle lindo lago , n'aquelles pavilhões deslumbrantes pela magnificencia dos azulejos e das arcarias, no meio d'aquellas bellesas naturaes, ante um vastissimo horisonte, com um rio Tejo, uma cidade como Lisboa, ao fundo, colhendo vislumbres longinquos do Oceano sob o bello sol do nosso Portugal, emmoldurado tudo em verdura, ondas azues, perfumes e flôres. Quantos segredos de amor, quantos sonhos de gloria, quantas ambições de poderio e renome sob aquellas ramadas virentes, ante aquelles bustos de heroes, Scipião e Annibal, Cesar e Pompeu ..." Era este o estado da Bacalhoa, em 1890. Por muitos mais anos continuaria a degradação e delapidação deste património ...

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(E) -D. João Affonso da Costa Sousa Macedo e Albuquerque, duque de Albuquerque, 2º conde de Mesquitella, armeiro-mor, é o fidalgo que Oliveira Parreira não identifica expressamente, e do qual já anteriormente nos debruçámos sobre ele. LISTA DOS SENHORES DA BACALHOA (Linhagem dos Albuquerques) Esta listagem nominal e cronológica é apresentada na forma escrita da respectiva época. 1º - Braz ou Affonso de Albuquerque, filho ; 2º - D. João Affonso de Albuquerque ; 3º - Jeronymo Telles Barreto ; 4º - D. Maria de Mendonça e Albuquerque ; 5º - D. Jorge Manuel de Albuquerque ; 6º - D. Jeronymo Affonso de Albuquerque ; 7º - D. Francisco Sebastião de Albuquerque ; 8º - Luiz de Mendonça Furtado e Albuquerque ; 9º - Nuno de Mendonça Furtado e Albuquerque ; 10º - D. Maria Josepha de Mendonça e Albuquerque ; 11º - Luiz Guedes de Miranda e Albuquerque ; 12º - João Guedes de Miranda e Albuquerque ; 13º - Luiz Guedes de Miranda e Albuquerque ; 14º - Manuel José Guedes de Miranda Henriques ; 15º - D. Antonio José de Mello Homem ; 16º - D. José Francisco da Costa e Sousa de Albuquerque ; 17º - D. Luiz da Costa de Macedo e Sousa Albuquerque ; 18º - D. João Affonso da Costa e Macedo de Sousa e Albuquerque ; 19º - D. Luiz Antonio da Costa Macedo de Sousa e Albuquerque ; 20º - D. Mariana da Mota Macedo de Sousa e Albuquerque .

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A QUINTA DA MÁPARTILHA E OS CONDES DE CARVALHAIS Até 1992 a Quinta da Mápartilha, ultimamente conhecida por Quinta do Barroso e antes desta designação por Quinta do Bom Pastor, tinha o seu solar em autêntica ruina. Agora reconstruido e modificado no seu interior, tem nele instalado uma unidade hoteleira . Contudo, este solar, nos seus primitivos tempos foi testemunha de muita opulência e também de muita dor e, nele, alguns acontecimentos históricos tiveram lugar. A respeito desta quinta e dos acontecimentos nela passados no rescaldo da batalha do Viso e da Convenção de Évora-Monte, Oliveira Parreira, na "Revista Ilustrada" nº 59, editada em 1882 escreveu o seguinte: " Entre as duas pequenas aldeias denominadas Castanhos e Villa Fresca ... encontra-se uma casa assáz vasta, com um pateo de lavoura servindo-lhe de atrio, ou pateo nobre, e estendendo-se ao longo de uma azinhaga funda e escura formada por um muro fronteiro à fachada norte do edifício. (59) Meio palácio, meio granja, esse edifício apesar da rusticidade do atrio e até mesmo do sombrio aspecto da azinhaga, tem certo cunho de nobreza que accusa à primeira vista uma casa nobre. Construção modesta dos fins do século XVII, a casa não ostenta bellezas architectonicas, mas o panorama que se descortina a norte das janellas do primeiro andar, panorama esplendido, commum a todos os pontos de Azeitão e, á serra da Arrabida em mais ou menos vasto horizonte, dá-lhe o encanto principal. Esta propriedade denominava-se a quinta da Mapartilha. Na frontaria sul, um jardim antigo, formado por aléas de buxo tão crescido que reveste as paredes até á altura do primeiro andar, communica com uma rua coberta, flanqueada por altos olmos e freixos entrelaçados com murta e louro, formando cerrada aboboda de folhagens. Mais a sul estendia-se um lindo pomar de laranja, na epocha a que me reporto tão virente e copada, que interceptava os raios de sol.

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Outras ruas cobertas com árvores de sombra e de fructo, dois grandes lagos onde os peixes vermelhos passeavam aos cardumes, e uma meia laranja de olmos altíssimos no centro, davam á quinta um ar de frescura e de abundancia que deleitava os sentidos " _____________________________________________________________ (59) - Antes da quinta ficar fraccionada pelo traçado da Estrada Nacional 10, esta azinhaga ia desembocar a um largo portal aberto - hoje entaipado - por detrás do "canto", em Vila Fresca, no local onde a presente Travessa do Cesar, faz um "cotovelo". No muro desse portal havia um painel em azulejo que identificava a quinta como sendo "Quinta do Bom Pastor" . Quanto ao edifício do solar, seu recheio e biografia dos seus primitivos e últimos proprietários, J. Cortez Pimentel em o Jornal "O Azeitonense" diz-nos o seguinte : "(...) O edifício tinha um vestíbulo quadrado e ladrilhado, que comunicava à direita com a capela e o jardime, à esquerda com os aposentos do feitor e com uma fila de salas, a casa de jantar, as dispensas e a cozinha. O primeiro andar era ocupado, na totalidade pelos quartos dos proprietários e dava para a capela por intermédio duma tribuna, fronteira ao altar. Aquela dependência apresentava as paredes cobertas de quadros religiosos e esteve ornamentada durante algum tempo com três famosos quadros que tinham sido expressamente executados pelo célebre pintor Alberto Durer para os oferecer a Rui Fernandes Almada antepassado dos proprietários da Quinta da Mápartilha e seu grande amigo, que residia em Antuérpia e estava ligado à feitoria de Portugal naquela cidade ... " Estes quadros que constituiam o mais valioso património da Quinta da Mápartilha tiveram o seguinte destino : Um deles que representa a ida de Cristo para o Calvário foi cedido a Carlos Pernes por 2.500$000 réis que segundo se pensa o vendeu por grande lucro em Inglaterra. O segundo é o célebre S. Jerónimo datado de 1521 é assinado com as iniciais "AD", foi negociado pelo último herdeiro do conde de Carvalhais por 1.500$000 réis à Academia de Belas Artes, encontrando-se actualmente no Museu de Arte Antiga. O terceiro quadro, evocando Jesus, a Virgem Maria e S. José ficou na posse do mesmo herdeiro, ignorando-se - ao certo - o destino que lhe deu, pensando-se que foi igualmente vendido para Inglaterra. Não podemos contudo falar da quinta da Mápartilha sem recordar alguns dos seus ilustres proprietários : A quinta pertenceu aos Almadas administradores da Casa da Índia, que como se sabe, era uma instituição destinada a orientar os negócios do comércio e da navegação do Oriente e que a partir de 1570, por ordem de D. João III passou a funcionar com o carácter de alfândega, dada a modificação dos seus regulamentos e a criação do alto cargo de Provedor das Alfândegas, cujo primeiro titular foi Fernão Rodrigues de Almada, fidalgo de nobre linhagem, o qual constituiu o tronco de uma série de provedores da mesma família, em virtude do cargo ser transmissível por herança, e por tal facto ficaram a ser conhecidos por os Almadas da Casa da Índia ou por Almadas

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da Boavista por habitarem em Lisboa o Palácio da Quinta do Outeiro da Boavista, hoje Largo do Conde Barão. Voltemos a Oliveira Parreira : "(...) O emprego de provedor rendia ainda nos últimos annos a importante somma de dezeseis mil cruzados , e todos os creados da casa exerciam cargos mais ou menos importantes segundo a graduação no serviço do fidalgo ... (...) Os muitos bens de corôa e ordens possuidos pelos Almadas desde longos tempos, os senhorios de Carvalhaes, Ilhavo, Verdemilho e Avelãs, as grandes propriedades urbanas que constituiam em Lisboa um lado da rua das Gaivotas e parte da do Poço dos Negros, davam a esta família grande riqueza e esplendor. Exerciam os principaes cargos do paço e da diplomacia, e o último provedor fôra tambem védor da infanta D. Maria Benedicta. Nomes famosos na diplomacia illustraram esta familia, distinguindo-se entre outros os de João Gomes de Almada e Fernão de Almada, diplomatas celebres dos tempos de D. Manuel e D. João III. e o do muito conhecido Francisco de Almada, agente dedicado do marquez de Pombal na questão da extincção dos jesuitas. Christovam de Almada, celebre favorito de D. Pedro II, que figura no romance de Andrade Corvo foi um dos que mais concorreram para a deposição do infeliz Affonso VI. Celebre pelo prolificuidade, teve 19 filhos legitimos e 20 naturaes, rivalisando assim com o celebre Gustavo de Suecia. Senhor, pelo seu casamento com uma Eça Côrte Real, (D. Luisa) do morgado da Quinta das Torres, em Azeitão ... e tendo-lhe todos os filhos do primeiro matrimónio, este morgado sahiu da casa; mas uma filha do segundo matrimonio (com D. Filipa Maria de Mello), D. Antónia de Almada, comprou varias porções de terreno em Azeitão e fundou ahi os morgados da Mapartilha( 1696) e Arneiros ..." Esta D. Antónia de Almada, seu marido e, posteriormente, seu filho D. Francisco de Almada ao administrarem imoderadamente a casa, quase que comprometeram irremediavemlmente a sua sobrevivência se não fossem os privilégios vinculares de que a família dispunha. D. Joaquim Lobo da Silveira e Almada, primeiro conde de Carvalhais, foi o último provedor da Casa da Índia, extinta após a sua integração em 1820 na Alfândega Geral, visto que " a decadência do nosso commercio oriental e a conveniencia do serviço aduaneiro , já de há muito exigiam a supressão, d'aquelle estabelecimento, e os reformadores de 1820 encorporaram a Casa da Índia na alfandega geral". Este fidalgo teve uma vida bastante amargurada não só pela morte prematuara de três dos quatro filhos mas também pelo sequestro e confiscação dos seus bens, motivado por ter sido um proeminente partidário de D. Miguel. (60) No entanto, nunca deixou de conservar a Quinta da Mápartilha visto que o seu feitor, António de Almeida e Sales que era protegido do duque de Terceira e exercia o cargo de Vereador na Câmara de Azeitão, ficou como fiel depositário do sequestro, tornando tal medida fictícia.

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O conde de Carvalhais morreu em 1854 e o seu último filho com quem vivia, faleceu em 1878. A Quinta da Mápartilha e os outros poucos bens de Azeitão foram dexados a Alberto James de Oliveira um vizinho, de Castanhos, a quem os Almadas estavam ligados por estreita amizade e parentesco muito afastado. ______________________________________________________________________ (60) - Nos já mencionados artigos da "Revista Ilustrada", Nºs, 59, 60 e 61 Oliveira Parreira, descreve com grande brilhantismo toda a tragédia desta família, resultante das também já mencionadas prematuras mortes e das igualmente já referidas consequências para os "Miguelistas", da Convenção de Évora-Monte. Recomenda-se tal leitura. CASA NOBRE DA QUINTA VELHA O ANTIGO MORGADO DE AZEITÃO Entre a Quinta das Torres e Castanhos situam-se duas propriedades denominadas Quinta Nova e Quinta Velha. "Quinta de Azeitão" era a antiga denominação deste espaço (61) e "(...) com todo o assentamento de casas assim nobres e térreas e o pomar vizinho constituiu a cabeça de um morgado, instituido em 1550 por Pedro Coelho (32) secretário de D. Jorge, Duque de Coimbra e Grão-Mestre da Ordem de Sant'iago..." Pedro Coelho e sua mulher vincularam desde logo a este morgado outras bens próprios, tais como vinhas que tinham aforadas, "fazendas de casas e chão que se achavam da banda de fora no Rocio" , o Rosal na Bassaqueira, cinco moinhos em Coina, ( herdados dos pais de D. Margarida Cotta ), vinhas e casas na Telha e três courelas em S. Vicente (Lisboa). ______________________________________________________________

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(61) - Nota do Tabalião João Rodrigues. Sesimbra, 11 de Julho de 1550 - Em termos geográficos e administrativos a Quinta Velha pertence à Freguesia de São Lourenço e, obviamente, o mesmo acontece com os seus moradores. Contudo, estes - tradicionalmente - sempre se integraram na vida social e afectiva da Freguesia de São Simão, mais propriamente de Vila Fresca, que lhes fica mais perto, invocando - entre outras "razões" - que o seu aglomerado populacional se encontra da "vala da água russa" para cá. Igualmente, os naturais de Vila Fresca, nutrem os mesmos sentimentos pelos da Quinta Velha, invocando idênticos argumentos. Como nota curiosa revela-se que na primeira metade do século XV aparecem nos documentos de Azeitão, do Convento de São Sebastião, de Setúbal, depositados na Torre do Tombo, referencias a duas pequenas quintas entre Vila Fresca e a Quinta Velha, chamadas Aldeia do Passa-Rego e Aldeia do Boi. Aldeias, eram no tempo, denominados os pequenos aglomerados habitacionais onde viviam os criados das quintas, os "aldeões" ,e tomavam por regra o nome dos proprietários dessas quintas. Neste caso, era assim : a primeira aldeia era de Martins Passa-Rego e de Domingos Fernandes Passa-Rego; no segundo caso a quinta e o aglomerado era de Martin Boy. Ambas as aldeias desapareceram sem deixar vestígios aparentes. (62) - Pedro Coelho constituiu este morgado conjuntamente com sua mulher Margarida Cotta para " (...) haver nele suceder seu filho António Coelho..." Mais tarde ficou também vinculado a este morgado uma outra quinta, denominada Quinta Nova (63) , "(...) constituida por adega, cocheira, abegoaria, palheiros e quinta com pomares e terras de semeadura, e ostenta no portão (64) o brazão dos Sousas, escudo quartelado com armas de Portugal no primeiro e quarto quartel e quadernas de meisa luas no segundo e terceiro, encimado por um elmo e por um castelo com três torres.(65) Segundo uma antiga descrição, a casa nobre da Quinta Velha, era "(...) de altos e baixos, tinha uma escada de cantaria, possuia uma tribuna que permitia que se ouvisse a missa na capela contígua, pertencente à propriedade e ostentava, sobre o portão, a pedra de armas dos Coelhos: um elmo colocado de frente, com um escudo pendente, em posição diagonal, tendo ao centro um leão, no canto superior esquerdo uma estrela de cinco raios e. na orla, cinco coelhos..." A propriedade compreendia para além da casa nobre e as casas dos caseiros e criados, um casão para os trabalhadores sasonais e outro para as alfaias e gado, adegas lagar e armazém de azeite, palheiros, terras de pão, olivais e vinhas. Havia ainda um forno de cal.

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O morgado de Azeitão foi herdado por António Coelho, filho dos instituidores, comendador da choupada de Alvaiázere e por sua mulher D. Leonor Faria, e posteriormente por seu filho Francisco Faria Coelho, fidalgo da casa de D. Filipe II, casado com D. Violante de Mello, filha de Pedro Coelho Cardoso, da casa de D. Jorge, Duque de Coimbra, e administrador do morgado da Quinta dos Anjos. A filha e herdeira de Francisco Faria Coelho e de D. Violante de Mello, D. Leonor de Mello Coelho, casando-se com D. António de Sousa, fidalgo escudeiro, que serviu na Armada e faleceu em 1637, na Baía de Cadiz por ocasião do naufrágio do galeão S. Nicolau, ficou ligada à família dos Sousas do vínculo de Calhariz (66). ______________________________________________________________ (63) - Nota de um tombo do Morgado de Azeitão mandado fazer por D. Alexandre de Sousa Holstein, seu administrador, em 1794, em que se diz que: "(...) a Quinta de Azeitão é também chamada Quinta Velha... e, do vínculo faz parte uma outra deniminada Quinta Nova, contígua à anterior..." (64) - Esta pedra d'armas foi apeada em 1989 e encontra-se na posse de um colecionador particular ligado à família dos Sousas de Calhariz. (65) - Os marcos que passaram a demarcar as "terras, propriedades, foros e mais direitos do morgado, tinham gravadas, quatro meias luas reunidas em trevo". (66) - A razão pela qual o brasão desta família (34) estava colocado sobre uma das entradas da Quinta Nova. Na segunda metade do século passado o morgado tornou-se pertença da casa de Palmela, quando D. Pedro de Sousa Holstein, descendente dos Sousas de calhariz foi agraciado com o título de marquês e depois de duque de Palmela. Podemos considerar que o velho Morgado de Azeitão deixou de existir definitivamente quando a casa de Palmela vendeu a Quinta Velha e a Quinta Nova em 9 de Junho de 1909, ao Dr. António Bento de Sousa, proprietário da visinha quinta das Torres. (67) Presentemente a quinta pertence aos herdeiros do Dr. Américo Paz do Couto, perdeu toda a dignidade de paço senhorial e é habitada por alguns arrendatários das poucas casas habitáveis. Um pouco à margem do texto e a título de curiosidade, acrescente-se que, um herdeiro deste morgado, tem título de poeta. Trata-se de Francisco Faria Coelho, neto de Pedro Coelho, instituidor do Morgado. Nasceu este poeta no Solar da Quinta Velha e era filho do historiador António Coelho Gasco, igualmente nascido neste Solar. Da parte da mãe, Faria Coelho, era descendente dos Farias, alcaides-mor de Palmela.

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Esta informação foi prestada pelo Padre Dom Manuel Caetano de Sousa, grande historiador, fidago da Casa de calhariz, e bisneto do poeta. Faleceu em 8 de Novembro de 1652, e enterrou-se na Igreja do Convento de São Domingos de Azeitão. _________________________________________________________ (67) - Escritura feita pelo Notário Tavares de Carvalho. QUINTA DO CÉSAR Em 1413 Nuno Martins da Silveira aforou, em foro perpétuo uma quinta, a Afonso Martins Palhavã. Seria esta quinta que mais tarde havia de tomar o nome de Quinta do César. Em 1436, tendo já falecido o dito Afonso Palhavã e sua mulher Constança Anes e não aparecendo herdeiros, apesar das diligências feitas a mandato do Rei Dom Duarte, este tomou os bens para a Coroa e em seguida ofereceu-os ao supra citado Nuno Martins da Silveira, que tinha sido seu Aio. De Nuno Martins da Silveira são descendentes famílias ilustres, como os Mellos, monteiros-mor e condes da Ponte ; os Lobos da Silveira, senhores de Sarzedas ; os condes de São Lourenço ; os condes de Santiago e Os Cézares de Menezes . Seria um Cézar de Menezes, Luis de seu nome que, já no século XVIII, daria o nome à quinta, o qual se conserva até hoje .

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Luis Cézar de Menezes, foi Alcaide-mor de Alenquer, Alferes-mor do Reino, Governador do Rio de Janeiro, capitão de Angola e Baía e Comendador da Comenda de São João de Rio Frio .

GASTRONOMIA REGIONAL

O Queijo de Azeitão

Um pouco da sua história

Conhecido por Gregos e Romanos, citado pela Bíblia, por Homero e Aristóteles e por outros escritores da Antiguidade, a origem do queijo perde-se na noite dos tempos .

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Reza a lenda que teria sido "inventado" por Aristeu, rei da Arcádia, filho de Apolo e de Cirene, que teria aprendido o segredo da sua confecção com as Ninfas, suas amas ... Contudo, o afamado Queijo de Azeitão, como especialidade regional, tem pouco mais de cem anos e não foram as Ninfas a tomar a seu cargo a divulgação do seu segredo ... que o tem, e, bem preservado ! Segundo a tradição oral, teria sido um pastor - roupeiro, trazido propositadamente da Beira para Azeitão, quem primeiro o produziu, dando-lhe as características do da sua região. "Isto teria sido por volta de 1830 ..." Ao certo sabemos que : "há anos, no início do século passado, na região da Península de Setúbal, mais propriamente no «Termo de Azeitão», só havia pequenos núcleos de ovinos leiteiros da raça "Saloia" semelhantes aos existentes no «Termo de Lisboa» Por volta de 1830, um homem de nome Gaspar Henrique de Paiva, natural de Monsanto, na Beira Baixa, vem para Azeitão para se dedicar à agricultura, mandando buscar um rebanho de ovelhas leiteira, de lã preta, da raça «Bordaleira Cumum» , que demonstraram adaptar-se bem ao clima e aos pastos locais, ao ponto de haver até há pouco tempo rebanhos afamados ... Por certo, devido a saudades da sua terra natal, todos os anos vinha de Castelo Branco um queijeiro fabricar-lhe queijos (tipo Serra) . Foi este que ensinou a um dos pastores de Azeitão, os segredos do seu fabrico, que se foi transmitindo a sucessivas gerações de queijeiros-artesãos , que deram a fama ao queijo de ovelha de Azeitão. Transmitido o segredo somente por esta forma, naturalmente que, são poucos os que o dominam, nos rigorosos preceitos do fabrico desta especialidade.

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Os queijos fabricados na primitiva pesavam entre 1 e 1,5 quilo como os da Serra da Estrela, mas por razões de ordem comercial, Frederico Franco de Paiva, filho do já citado Gaspar Henrique de Paiva, reduziu o tamanho e peso para cerca de 330 gramas (depois de seco), a fim de cada 3 queijos corresponderem a 1 quilograma. Alguns anos depois, e também por motivos comerciais, houve nova redução de peso, agora para 250 gramas por unidade. Quer numa quer noutra alteração de peso, correspondeu, também, algumas alterações na técnica de fabrico, especialmente no processo de cura. Gaspar e Frederico de Paiva, viram reconhecidos os seus esforços para dar a conhecer o tipo de queijo que criaram a partir do método do

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queijo da Serra da Estrela, pois os seus produtos criaram fama e foram devidamente apreciados, tendo o seu êxito merecido uma medalha na Exposição Industrial Portuguesa - 1888 - Secção Agrícola e na da Real Associação Central dos Agricultores Portugueses, já neste século, em 1905. Na última metade do nosso século, dada a grande procura deste queijo, existiam na zona (hoje demarcada) onde se considera possa ser possível fabricar o autêntico queijo de Azeitão, cerca de 20 rebanhos de ovelhas, com efectivos entre 200 e 800 cabeças, correspondendo a cada rebanho, uma unidade de fabrico de queijo, geralmente referenciada pelo nome da quinta onde estavam instaladas. Além destes grandes rebanhos de maior dimensão existiam alguns outros, mais pequenos, não excedendo 50 ou 60 cabeças e cujos donos eram tipicamente "pastores-roupeiros", pois não sendo proprietários de terrenos, apascentavam os rebanhos em pastos alugados ou cedidos a troco de determinado número de borregos. Em 1990, foram referenciadas somente 10 queijeiras orientadas no sentido de produção deste típico queijo. O acentuado decréscimo do número de rebanhos e das respectivas unidades de produção, nos últimos 25 anos deve-se essencialmente às alterações que têm sofrido as explorações agro-pecuárias da região, cujos terrenos têm sido usurpadas pela desenfreada e clandestina expansão do tecido urbano. Outro factor, de maior importância, senão capital, para o futuro do queijo de Azeitão é a notória falta de queijeiros e pastores, profissão que tem que ser dignificada com cursos de formação e especialização . Actualmente, a produção está num surto de desenvolvimento, e o maior expoente deste desenvolvimento, o Engº. António Francisco de Avillez, tem concepções mais actuais sobre os pastos, e, mesmo, sobre os métodos de fabricação do queijo típico de Azeitão. Posto em face da convicção de leigo na matéria : "de que um bom queijo de Azeitão deve ser produto de determinada raça de ovelhas, de determinados pastos, nascidos em solos com certas características, o Engº Avillez, diz que não, e esclarece : - "O tradicional queijo de Azeitão é feito com leite de ovelha bordaleira. Outrora abundante nestes campos que a construção civil, o alargamento para o sul da grande metrópole, Lisboa, quase fez desaparecer. A ovelha deixou o pasto tradicional. No seu caso tem-na a retouçar em prados permanentes , com gramíneas para o efeito seleccionadas por entendidos na matéria. Não se notam diferenças no produto final ... " Quanto aos tradicionais "segredos" que se referem serem -por vezes - praticados na preparação do queijo, diz :"(...) nada se encontrou até hoje, que fosse determinante na qualidade e características do Azeitão. Uma coisa pode ser importante : as condições de humidade da queijeira, sendo que, as

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caves apresentam as melhores. Pelo constância da temperatura, por permitirem o desenvolvimento de bactérias e fungos ..." Não se pode falar no Queijo de Azeitão, sem registar o nome a opinião do Engº. Fernando Soares Franco, da Quinta de Camarate( antiga Aldeia de Camarate), junto a Pinheiros de Azeitão, o qual é considerado - entre outras mais qualidades - como a maior autoridade sobre ovinicultura, em toda a região, ombreando com os melhores do País. Tem o Engº. Fernando Soares Franco - Presidente da ARCOLSA - Associação Regional de Criadores de Ovinos Leiteiros da Serra da Arrábida - percorrido as quatro partidas do Mundo, em estudo e procura de novas raças de ovinos ou de processos de apuramento e de cruzamento das mesmas. É, ainda pioneiro na introdução em Portugal, de várias espécies, essencialmente as que melhor se adaptam às nossas particularidades regionais. Simultaneamente, tem investigado a fabricação do queijo de ovelha nos mais recônditos cantos do Globo. Desta larga experiência, muitos ensinamentos têm recolhido os restantes produtores. Em face desta autoridade, será de registar o que disse, em 29 de março de 1990, numa entrevista ao Jornal "O Tempo" : "(...) Um dos factores que mais importância tem no futuro do queijo de Azeitão é a falta de queijeiros e pastores, profissão que deveria ser dignificada com cursos de especialização e cartões de profissionais . Além disso, este queijo implica muito trabalho, portanto as necessidades de mão de obra são muitas ... ... Se tudo corre correctamente podemos obter um bom queijo, mas infelizmente as instalações na quase totalidade das quintas não conseguem controlar a humidade ou o vento" , sublinha o Engº. Soares Franco. Mais adiante, acrescenta "(...)Também o clima da zona da Serra da Arrábida e a flora das suas pastagens têm influência muito marcada nas qualidades organoléticas deste afamado queijo, pois foram verdadeiros fracassos todas as tentativas feitas durante anos em propriedades distanciadas poucos quilómetros desta zona de eleição, em que as pastagens eram todas elas em terras de areia do Pilocénico, muito embora levassem para lá queijeiros daqui com bastante prática ... "

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A Confecção

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Querendo habilitar-me a escrever um texto sobre a confecção do queijo de Azeitão, permaneci por vários dias, nos locais de trabalho, junto dos dois maiores queijeiro do nosso tempo, e de sempre, o "tio Virgílio , o Balageia" e o "tio Alfredo Filipe", ambos já fora do nosso convívio terreno. Deles aprendi o seguinte : - O principal segredo do fabrico do queijo de Azeitão, está na cura, nomeadamente quanto ao local onde a mesma é efectuada, tendo grande importância a ventilação natural e a direcção em que a mesma circula. Tal tese, é exageradamente simplista. Do facto, me apercebi, quando durante três dias, junto do "tio Alfredo", na Quinta Nova observei e registei em fita magnética e fotograficamente, todo o complexo ritual de que é revestido a confecção deste "produto dos Deuses" . Do que me foi dado observar e registar preservo tudo quanto possa - eventualmente - trair o segredo . Do que julgo, possa ser do domínio público, irei contar seguidamente. penso, contudo, que o maior segredo está no "toque" pessoal de cada queijeiro, muito especialmente na preparação da qualhada, ou - quem sabe - noutras das fases, e, que por mor do ditado, "quanto mais olhas menos vês", tal me tivesse acontecido ... A receita que se segue, é produto da observação directa e da gentileza dos dois "roupeiros" já citados. O resto, para além da receita, ou seja o segredo da confecção e da cura, não sei, e ainda bem ! Há já por aqui, por toda a região demarcada do Queijo de Azeitão, "especialistas" a mais ... Sobre o ponto de vista de um observador, leigo, mas atento, e tendo em conta que não irei entrar nos pequenos-grandes pormenores que são segredos próprios da experiência e saber acumulados pelos queijeiros, o processo tradicional da confecção pode-se resumir nas seguintes fases : O leite é de ovelha, bordaleira, à temperatura de 30 graus. Dissolve-se nele sal em quantidade variável de mais ou menos 25 gramas por litro, Adiciona-se cardo (espigos da flor) na proporção de meio grama de flor, por cada quilo de leite, quagulando durante 45 minutos, em pote de barro vidrado, junto de uma lareira para manter a temperatura. Após o leite qualhado, a chamada "qualhada" é deitada com cuidado para dentro de um "cincho" , ou como outros lhe chamam "trincho" - perfurado profusamente a toda à volta - que se encontra sobre uma mesa, em plano inclinado, e murada a toda a volta terminando em escoadouro, chamada queijeira ou francela, onde a "qualhada" é trabalhada, lentamente, com as mãos, até se separar de certa quantidade de soro, que vai saindo

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pelos orifícios do cincho. A este líquido, em certos locais do País chamam-lhe "almece" . Com a massa obtida, enchem-se pequenos cinchos - com o diâmetro pretendido - sendo comprimida novamente com as mãos, com força, até sair a quantidade de soro julgada conveniente para permitir que se processe uma boa fermentação e consequente cura do queijo. Os queijos - frescos - assim obtidos, seguem para a chamada "casa de enxugo" ou da "sangria" , onde permanecem cerca de 20 dias, com um mínimo de arejamento, a uma temperatura de 10 a 12 graus e uma humidade relativa de 90 a 95 % . Passado esse tempo, são transportados para outra divisão, chamada "casa da cura" ou da "seca", onde sofrem outra fase de fermentação durante mais 10 dias, favorecida por lenta corrente de ar, uma temperatura de 12 a 15 graus e uma humidade relativa de 85 a 90% . Finalmente são lavados e preparados para a venda. Seria tudo muito fácil, se fosse só seguir a "receita". garanto-vos que estive nos locais de fabrico, acompanhando os dois citados mestres e, nunca vi, nas suas queijeiras ou rouparias , como lhes queiram chamar, qualquer instrumento de medição de temperatura ou humidade ! Vi, sim, estes especialistas, condicionarem "as voltas" às qualhadas ou aos queijos, de acordo com certos "sinais" recolhidos na observação empírica do tempo, ou mesmo de comportamentos de certos animais domésticos, nomeadamente dos gatos, que "quando voltam o traseiro para a lareira" lhes anuncia mudanças de tempo ... Além do mais, os "Virgílios" e os "Alfredos" conheciam, em profundidade, as ovelhas, os pastos, e tudo o mais que consideravam como factores variáveis, mas capitais para este processo. Sobretudo, foram em toda a sua vida, homens e profissionais de uma integridade tal, que respeitavam escrupulosamente todos os preceitos de fabrico, todos "rituais", mesmo sabendo que este seu comportamento, aumentava, necessariamente, os custos de produção . Receio que, no futuro, na ânsia do lucro fácil, se caia na diminuição da qualidade ... O Queijo de Azeitão, tem como imagem de marca, os de "Camarate", "Bassaqueira" e "Quinta Velha" .

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ÍNDICE Página 2 - Ao jeito de Prefácio 3 - Dedicatória 4 - Região de Azeitão 5 - CAPÍTULO I

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A Freguesia de São Simão de Azeitão - Actualidade Situação e Limites 7 - Divisão Administrativa e População 8 - Morfologia do Solo 9 - Hidrografia e Costa 11 - Ambiente Ecológico - Fauna 13 - Flora - Agricultura 14 - Vegetação 16 - Floresta 18 - Clima 19 - CAPÍTULO II - Azeitão - Preâmbulo 20 - Das Suas Origens e passado Histórico 21 - Chamadas de Rodapé 27 - Pré-História de Azeitão 28 - Os primeiros habitantes 31 - Calcolítico ou Idade do Cobre - Povoados de Cumeada 32 - O Homem Físico 33 - Idade do Bronze 35 - Idade do Ferro - Colonização Romana 38 - CAPÍTULO III Freguesia de São Simão de Azeitão - Géneses 44 - Fundação da Igreja e da Paróquia de São Simão de Azeitão Síntese Histórica 45 - Origem do Nome da Freguesia 48 - Fundação da Paróquia de São Simão de Azeitão Constituição da Freguesia - Documentos Históricos 50 - 9 de Julho de 1570 Escritura de Obrigações para a Construção da Igreja 52 - 7 de Agosto de 1570 Escritura de Obrigações dos Fregueses de São Simão de Azeitão 54 - 24 de Setembro de 1570 Escritura de Compromisso para com o Pároco de São Simão 56 - 26 de Setembro de 1570 Carta de Licença do Rei Dom Sebastião

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59 CAPÍTULO IV A Independência Administrativa 60 - Autonomia Religiosa e Administrativa 65 - Brasão e Bandeira da Freguesia de São Simão Pequeno Historial 67 - CAPÍTULO V Divisão Administrativa Génese Da Quinta de João Martins a Vila Fresca 72 - Vila Fresca 78 - Vendas de Azeitão 80 - Filipe de Magalhães 81 - Sebastião da Costa 82 - Pinheiros de Azeitão 83 - Aldeia de Castanhos 85 - José de Anchieta 87 - Oliveira Martins 88 - Brejos de São Simão 90 - Alcube 92 - Outros Lugares Camarate 93 - Pacheca 94 - Palhavã / Palha-Vã 94 - Quinta da Torre 95 - Aldeias Desaparecidas 96 - CAPÍTULO VI Património Construído - 97 - O Pelourinho 100 - Capelas e Ermidas da Paróquia de São Simão 101 - Ermida de Nossa Senhora dos Remédios - Castanhos

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102 - Ermida de Santo Ovídio 103 - Capela de São Macário 104 - Capela de Nossa Senhora do Carmo 105 - Ermida de Nossa Senhora das Necessidades A Cruz das Vendas 109 - Vasco Queimado de Villa-Lobos 110 - A Igreja de São Simão de Azeitão - Vila Fresca 111 - A Ermida de São Simão 114 - O Novo Templo 115 - Construção do Templo 118 - A Degradação 119 - A Igreja Através dos Tempos 125 - O Passado Próximo O Coro 126 - O Gradeamento O Altar de Nossa Senhora do Rosário 127 - O Templo Actual 128 - Arquitectura Interior e Espaço Envolvente 129 - O Adro 130 - O Interior do Templo As Naves A Capela do Altar-Mor 133 - Altar de Nossa Senhora da Saúde 136 - Altar do Sagrado Coração de Jesus 137 - Altar de Santo António 138 - Altar do Senhor Jesus dos Esquecidos 139 - Os Azulejos Seiscentistas da Igreja de São Simão 141 - Do Altar-Mor à Sacristia Um Périplo de Beleza Admirável Nave do Lado do Evangelho 143 - Nave do Lado da Epístola 144 - O Baptistério 145 - Arcadas da Nave Central 146 - Painéis Hagiográficos e Emblemáticos 154 - Painéis das Naves laterais 155 - Painel de São João Baptista 156 - Painel do Santíssimo 158 - Painel de São Miguel e Almas 160 - A Sacristia

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165 - Igreja de São Simão - Panteão dos Albuquerques 169 - Textos de Rodapé 175 - Palácio e Quinta da Bacalhoa 176 - Acontecimentos Históricos 184 - Roteiro de Visita 202 - Recuando no Tempo Tombação da Quinta da Bacalhoa 212 - Albuquerques Heráldica e Genealogia 215 - Os Senhores da Bacalhoa 233 - Lista dos Senhores da Bacalhoa 234 - A Quinta da Má-Partilha - Os Condes de Carvalhais 238 - A Casa Nobre da Quinta Velha O Antigo Morgado de Azeitão 241- Quinta do César 242 - Gastronomia Regional O Queijo de Azeitão

BIBLIOGRAFIA

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A Colecção de Pintura dos Duques de Palmela - Gabriel V. do Monte Pereira A Estremadura Portuguesa - 1908 A Fronteira (Azulejos do Palácio Fronteira) - Pascal Quignard - 1992 A Santa Casa da Misericórdia de Setúbal de 1500 a 1755 - Laurinda Faria S. Abreu Aldeia Rica - Augusto da Costa - 1948 Animais da Terra - Selecções Reader's Digest - 1970 Armorial Lusitano - Afonso E. Martins Zoquete / António Machado de Faria Arqueologia da Arrábida - Carlos Tavares da Silva / Joaquina Soares Arquivo Pitoresco - Padre Duarte Saúde As Grandes Vias da Lusitânia - Mário de Sá As Mais Belas Vilas e Aldeias de Portugal - Júlio Gil - 1984 Aves de Portugal - Rei Dom Carlos - 1904 Azeitão,- A Nossa Terra - Paróquias São Simão e São Lourenço - nºs 1 a 32 Azulejaria Barroca Portuguesa - (Figuras de Convite) - Luísa Arruda - 1993 Azulejaria de Exterior em Portugal - A. J. Barros Veloso / Isabel Almasqué Azulejaria em Portugal no Século XVII - J. M. Santos Simões - 1971 Azulejaria em Portugal Séculos XV e XVI - J. M. Santos Simões - 1990 Azulejos - Europália - 1991 Azulejos a Lisbonne - Marylène Terol Azulejos de Lisboa - Serviços Culturais Câmara Municipal de Lisboa - 1984 Bíblia - Editorial Verbo Boletim Junta Distrital Estremadura - Guedes Leal - 1951 Cadogan -- Guide - Davia J. J. Evans - 1990 Casa e Ducado de Aveiro - Montalvão Machado - 1971 Casa e Jardim - 1979 Casas Nobres de Portugal - Marcus Binney - 1987 Cerâmica do Renascimento - Mirella Benini - 1990 Corografia Portuguesa - Padre António Carvalho da Costa -- 1712 Corpus da Azulejaria Portuguesa - J. M. Santos Simões - 1971 Dicionário Enciclopédico - Koogan Larousse Dicionário Geográfico - Padre Luis Cardoso - 1747 Dutch Tiles - Philadelphia Museum of Art - 1984 Freguesia de São Lourenço de Azeitão - Padre Manuel Frango de Sousa Gazeta Setubalense - 1886 Geografia Histórica - D. Luiz Caetano de Lima - 1736 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira - 1942 Guia de Portugal - 1924 Guia de Portugal - Fundação Gulbenkian - 1983 História da República - Raul Rego - 1938 História de Portugal - Edições Alfa História de Portugal - Oliveira Martins História de Portugal - Pinheiro Chagas - 1816

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História de Portugal - Alexandre Herculano - 1846 História do Homem - Selecções Reader's Digest Igreja de São Lourenço - Padre Manuel Frango de Sousa - 1980 Jornal " O Setubalense" Jornal "Correio da Manhã" Jornal "O Azeitonense" - S. F. Perpétua Azeitonense José de Matos Rocha - Descripto Poetica Villae Carlarisiana - 1739 Les Animaux Sauvages d'Europe - Sven Mathiasson / Giran Dalhov Les Oiseaux de France & Europe - Peter Hayman et Philip Burton Manuscritos de Joaquim Rasteiro - 1898 Manuscritos de Joaquim Rasteiro - 1896 Missal Romano - 1943 Moderna Enciclopédia Universal - Lexoteca - 1991 Moinhos de Maré - António J. C. Maia Nabais - 1986 O Archéologo Português - 1897 O Azulejo em Portugal - Reynaldo dos Santos - 1957 O Estilo da Casa Portuguesa do Sé. XVII - Raul Lino - 1943 Oriente e Ocidente nos Interiores em Portugal - Helder Carita / Homem Cardoso Os Dois Morgados de Selir - Carlos Ary dos Santos -- 1964 Por Terras de Portugal - Selecções de Readers Digest - 1985 Portugal Contemporâneo - Oliveira Martins Portugal Pittoresco e Illustrado - 1907 Quinta e Palácio da Bacalhoa - (1895) - Joaquim Rasteiro Quintas de Recreio - Ilídio de Araújo - 1973 Quintas e Palácios dos Arredores de Lisboa - Anne de Stoop - 1986 Revista da Academia das Belas Artes - 1955 Revista Ilustrada - 1892 Shells of the World - A. P. H. Oliver - 1983 Solares Portugueses - Carlos Azevedo - 1969 Symbols Signs & Signets - Ernst Lehner Templos de Sesimbra - 1955 Tesouros Artísticos de Portugal - Selecções Reader's Digest - 1970 Testamento de António Cramer - 1733 Tiles In Architecture - Hans Van Lemmen - 1993 Travels in Portugal - (1780-1790) - James Murphy Viagem Através de Portugal - (1797-1799) - Link Viagem a Portugal dos Cavaleiros Ton e Lipponani em 1580 Viagem de Filipe II ao Reino de Portugal - Baptista Lavanha - 1622