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Hospital das Clínicas da FMRP-USP Estratégias de enfrentamento do estresse na hospitalização infantil revisão bibliográfica Ribeirão Preto 2012

Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

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Hospital das Clínicas da FMRP-USP

Estratégias de enfrentamento do estresse na hospitalização infantil – revisão bibliográfica

Ribeirão Preto

2012

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NICOLE DONATO

Estratégias de enfrentamento do estresse na hospitalização infantil – revisão

bibliográfica

Monografia apresentada ao Programa de

Aprimoramento Profissional em Psicologia do

Desenvolvimento na área da Saúde. Hospital das

Clínicas da FMRP-USP. Conclusão do curso de

aprimoramento profissional em Psicopedagogia

Clínica.

Orientador: Prof. Dra. Maria Beatriz Martins Linhares

Ribeirão Preto

2012

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DONATO, N.

BIBLIOTECA CENTRAL DA USP DE RIBEIRÃO PRETO

FACULDADE DE MEDICINA

DE RIBEIRÃO PRETO-USP

TOMBO: ____________________SYSNO__________________

MONOGRAFIA 2012

NOME DA MONOGRAFIA

ALUNO: NICOLE DONATO

ORIENTADOR: PROFESSORA DRA. MARIA BEATRIZ MARTINS LINHARES

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE

TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA

FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Donato, Nicole.

Estratégias de enfrentamento do estresse na hospitalização infantil – revisão bibliográfica.

Nicole Donato; orientadora Maria Beatriz Martins Linhares. Ribeirão Preto, 2012.

43

Monografia – Aprimoramento Profissional do Hospital das Clínicas da Faculdade de

Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2012.

1. Estratégias de enfrentamento 2. Hospitalização 3. Criança

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“Quando minha avó pegou artrite, ela não podia se debruçar para

pintar as unhas dos dedos do pé. Meu avô, desde então, pinta as

unhas para ela, mesmo quando ele tem artrite.”

(Definição do amor por uma criança de oito anos)

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DEDICATÓRIA

Aos meus queridos pais Jacemar e Roseli

Obrigada por serem sempre amor, carinho, incentivo e sabedoria de Deus em todas as fases da

minha vida. Obrigada por serem meus maiores exemplos caridade e por investirem

arduamente em meu crescimento espiritual e profissional. É por vocês que tudo se torna

possível em minha vida.

A minha amada e saudosa avó Lola (in memorian)

Obrigada por despertar em mim o desejo de cuidar, mesmo que tenha sido em meio a muito

sofrimento. Tudo o que vivi ao seu lado transbordou minha vida de alegrias tão intensas, que

ainda te sinto viva em minha vida.

As minhas irmãs Priscila e Raquel; e meu cunhado Sérgio

Obrigada por fazerem parte da base de tudo o que me sustenta e me faz mais forte. Em vocês

é possível encontrar o melhor lugar pra eu me encontrar, me reencontrar e repousar.

Ao meu amor Rafael

Obrigada por chegar oportunamente e me trazer constância, amor, carinho e paciência. É

também pelo futuro do nosso amor que essa conquista se concretiza. Sonhar com você uma

nova história e poder senti-la mais próxima da realidade a cada dia é o que sustenta cada novo

projeto de vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que em sua infinita bondade e amor despertou em mim o amor pelas crianças e norteou

todos os meus caminhos, preparando com perfeição cada pessoa que faria parte dessa história.

A minha professora, supervisora e orientadora Beatriz Linhares, por compartilhar seu

conhecimento durante toda a trajetória do aprimoramento. Sua contribuição me tornou mais

exigente e sensível a essa profissão que nos traz tantos desafios. Levarei sempre comigo seu

exemplo de ética, responsabilidade e de busca pelo conhecimento.

A minha companheira e amiga Julia, por ser calmaria e apoio nos momentos mais difíceis, sua

presença fez toda a diferença desde o primeiro dia. Levarei comigo cada momento ao seu lado,

principalmente seu sorriso escancarado e sua dedicação ao que faz. Um exemplo de

determinação e amor ao próximo.

As companheiras Ana Maria, Maria Fernanda, Nathalia e Julia, por permitirem que uma fizesse

parte da vida da outra e assim pudéssemos compartilhar as alegrias e tristezas que essa fase da

vida nos trouxe. Sou imensamente grata por tão grande companheirismo em todos os momentos.

Os dias com vocês foram mais alegres, mais gastronômicos e se tornaram inesquecíveis.

As supervisoras Carina, Regina e Ana Maria; e aos funcionários Carmen, Inez, Karina, Elaine,

William e Guilherme, por cuidarem de cada detalhe dessa fase de nossas vidas. Vocês fizeram

esta conquista ser ainda mais especial por tanto zelo e atenção dispensados. De minha parte,

carinho e admiração por vocês.

As supervisoras e amigas Claudia, Ana Claudia, Fabíola e Natali, por contribuírem em todos os

aspectos para que minha experiência no hospital fosse a melhor possível. Obrigada por terem

ultrapassado as formalidades e tornado meu dia-a-dia muito mais feliz e por me mostrarem

como é possível fazer Psicologia de forma correta e acima de tudo humana.

A todas as crianças que passaram por mim, obrigada por inspirarem esse trabalho e por

transbordarem tanta vontade de viver. De modo muito especial, agradeço a um menino que

transformou meus dias na enfermaria e despertou em mim o desejo por continuar nesse caminho

de luta pelos pequeninos. Aquilo que vocês me fizeram sentir ficará para sempre.

Page 8: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

Resumo

Donato, N. Estratégias de enfrentamento do estresse na hospitalização infantil – revisão

bibliográfica. 2012. 43. Monografia- Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2012.

A presente monografia teve por objetivo revisar a literatura nacional indexada e atualizada

sobre o tema estratégias de enfrentamento em crianças hospitalizadas. Foram selecionados na

base de dados Scielo, artigos empíricos utilizando-se as palavras-chave estratégias de

enfrentamento, hospitalização e criança. Foram obtidos sete artigos sobre o tema estratégias

de enfrentamento e hospitalização, com amostras de crianças até 12 anos. Dos sete artigos,

cinco eram do mesmo grupo de pesquisadores, cujos estudos tinham por objetivo a construção

do instrumento (AEH e o AEHcom) e o teste de sua aplicabilidade em pacientes pediátricos

da área de Oncologia. O referido instrumento foi validado para avaliação das estratégias de

enfrentamento facilitadoras e não-facilitadoras da condição de doença, da restrição da rotina e

do atendimento psicológico a essas crianças. Os dois artigos restantes foram estudos de

intervenção psicológica para o enfrentamento do estresse durante procedimentos terapêuticos

(cirurgias eletivas e inalação), em pacientes pediátricos. Ambos os estudos mostraram a

eficiência das intervenções na redução do estresse. Em conclusão, a revisão realizada mostrou

que existem poucos estudos sobre tema tão relevante para a saúde da criança e, além disso, as

amostras foram pequenas e locais, o que dificulta a generalização dos resultados. Novos

estudos devem ser delineados visando ampliar o corpo de conhecimentos científicos sobre o

tema de estratégias de enfrentamento do estresse infantil no contexto da hospitalização.

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SUMÁRIO

Introdução .................................................................................................... pág. 10

Objetivo ........................................................................................................ pág. 21

Metodologia .................................................................................................. pág. 21

Resultados ..................................................................................................... pág. 22

Considerações finais ...................................................................................... pág. 38

Referências bibliográficas ............................................................................. pág. 39

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Introdução

A presente introdução será organizada em três tópicos, a saber: desenvolvimento

infantil, consequências da hospitalização, conceitos de estresse e enfrentamento da

hospitalização de crianças.

Desenvolvimento infantil

O desenvolvimento humano é marcado por uma série de modificações que ocorrem

desde a infância até a vida adulta, mas nos primeiros anos de vida é que acontecem as

transformações mais significativas (PAPALIA et al, 2009). Inicialmente, o útero é o primeiro

ambiente ao qual a criança é exposta, sendo assim, fica suscetível às interferências e condutas

da mãe, como sua dieta e o seu humor, podendo ter seu ambiente e seu crescimento afetados

(PAPALIA et al, 2009). Em consequência disso, são raros os casos em que a criança consegue

se desenvolver por meio de um processo de maturação pura, sem que haja qualquer

envolvimento e/ou influência do meio; ao contrário, na maioria das vezes o que se vê são

mudanças perceptíveis no comportamento das crianças, influenciadas pela interação com os

estímulos externos (BEE, 2003).

Para entender como ocorre o desenvolvimento infantil, é preciso levar em

consideração que as mudanças ocorrem de forma contínua, sem um período determinado para

acontecerem, mas com momentos em que elas são extremamente significativas (BEE, 2003).

Tais transformações afetam diretamente todo o sistema da criança, ou seja, para uma nova

habilidade adquirida há a necessidade de que o indivíduo como um todo se adapte a essas

mudanças, tanto na área neurológica, motora e cognitiva, como na área afetiva e social (BEE,

2003).

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Existem muitas teorias que retratam a conceituação de desenvolvimento humano,

sendo um conjunto de processos que envolvem mudanças, desde o nascimento até a morte,

podendo afetar estruturas físicas, psicológicas e neurológicas, além do pensamento e a forma

como o indivíduo interage com o meio social (MOTTA et al, 2006). A teoria de

Bronfrenbrenner (2002), por sua vez, realiza uma integração entre características das pessoas

e dos contextos do desenvolvimento em uma perspectiva do tempo. Nesse sentido, leva em

consideração a diversidade característica de cada ser humano, como aquilo que é adquirido

por meio de vivências interpessoais e suas modificações em contato com o ambiente

(CREPALDI et al, 2006).

Após discorrer sobre alguns conceitos da teoria do desenvolvimento, é imprescindível

considerar que a criança não está assegurada de conseguir passar por todas essas etapas sem

que algum acontecimento acometa sua vida, seja psicologicamente ou fisicamente. Ao

contrário, todas estão expostas a situações que podem colocar seu desenvolvimento em risco,

como uma doença, que pode ser transitória ou crônica (MOTTA et al, 2006).

É possível pensar, ainda sob a perspectiva do desenvolvimento, que a criança está

sujeita a passar por situações que interfiram negativamente nesse percurso. Para tanto, estudos

apontam que a experiência da hospitalização para crianças no período da primeira infância e

período pré-escolar (6 meses e 4 anos) pode ser percebida como um evento assustador quando

separada dos pais e na iminência de procedimentos terapêuticos dolorosos (PRUGH et al,

1953; RUTTER, 1990). Crianças com idade superior teriam mais recursos cognitivos para o

enfrentamento dessas situações de separação e para entender a necessidade dos

procedimentos, tendo a possibilidade de controlar alguns medos e ansiedades (RUTTER e

RUTTER, 1993). A idade mostra-se ainda determinante para a comunicação desses

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estressores a equipe médica, ou seja, quanto maior for a idade da criança, maior sua

capacidade para expressar sentimentos relacionados à hospitalização (REISLAND, 1983).

Consequências da hospitalização

A Psicologia Pediátrica teve seu reconhecimento no momento em que se admitiu a

importância e influência dos aspectos psicológicos sobre a criança no momento em que está

acometida por uma doença e precisa ficar hospitalizada. Além disso, tais constatações

caminham no mesmo compasso em que se percebe a relevância do conhecimento do

psicólogo acerca do desenvolvimento infantil, sua colaboração para a comunicação com a

equipe médica, e pelas possibilidades de intervenções breves e eficazes que este profissional

pode oferecer para favorecer a situação da criança hospitalizada (BARROS, 2003; CASTRO,

2007).

No momento em que a criança é inserida no ambiente hospitalar, aquela instituição

passa a fazer parte de seu contexto social, pois influencia diretamente o seu desenvolvimento,

uma vez que o hospital passa a ser seu novo mundo (CREPALDI et al, 2006). Além disso, é

preciso considerar que as condições biológicas e sociais disponíveis na vida da criança se

configuram como um fator de risco ou de proteção para o desenvolvimento da criança em

todas as áreas (cognitiva, física, social e emocional), dependendo de como eles acontecem e

na frequência, podendo causar um grande impacto na vida da criança.

O impacto causado pela hospitalização no desenvolvimento da criança pode ser

avaliado em situações que a criança fica exposta a agentes estressores, mas seus efeitos em

cada uma dependerão de como se configura sua rede de apoio, dispondo de modelos

adequados para o enfrentamento positivo de sua condição de saúde (BARROS, 1998).

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As autoras (CREPALDI et al, 2006) consideram como condições de risco biológico

aquelas que acometem o corpo desde o nascimento, como os fatores genéticos, a

prematuridade, a infecção parasitária e as doenças crônicas. Os fatores de risco psicossocial

podem ser a situação socioeconômica, baixo nível escolar dos cuidadores, ausência de

estimulação motora e verbal para a criança, violência física, psicopatologia parental, vícios

em drogas e álcool na família. Para que seja possível proporcional a criança um equilíbrio

entre os eventos estressantes e os fatores de proteção, é preciso proporcionar uma rede de

apoio familiar e social, composta por familiares, amigos e a inserção da criança em grupos de

apoio, com atividades recreativas, com acesso total ao sistema de saúde.

Como mencionado por Crepaldi et al (2006), o adoecimento de uma criança e sua

hospitalização configuram em situação de risco para o seu desenvolvimento. Inicialmente, os

pais eram privados de permanecerem com a criança no período de hospitalização, pois

estavam sujeitos a infecções e poderiam perturbar a criança com lembranças do mundo

externo, dificultando a adaptação ao contexto hospitalar. Posteriormente foi possível notar as

consequências da separação, a importância do apego e essa privação como fonte de estresse

infantil. Adiante, os estudos mostraram a importância da assistência à criança durante a

hospitalização não só no âmbito do tratamento médico, mas também como um indivíduo que

continua a se desenvolver mesmo em um ambiente restrito, com necessidade de estimulação e

promoção de fatores de proteção.

A doença pode afetar o desenvolvimento infantil, de maneira geral, quando impõe a

criança o repouso, os procedimentos médicos dolorosos e invasivos, a restrição da

escolarização, o distanciamento de familiares e amigos. Todos estes fatores afetam as

condições psicológicas e sociais da criança, gerando sentimentos negativos como a angústia e

o medo da morte (CREPALDI et al, 2006).

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O estágio do desenvolvimento da criança e sua idade configuram-se novamente como

imperativos para a compreensão, aceitação e adaptação da criança a sua nova condição de

vida, pois os aspectos cognitivos e psicológicos influenciam na forma como a criança irá lidar

com esses acontecimentos. Faz-se necessário ainda considerar as habilidades emocionais dos

pais para dar apoio à criança, a representação social que cada um tem da doença e as

estratégias de enfrentamento do estresse adotadas diante de cada situação a que são

submetidos (CREPALDI et al, 2006).

Os efeitos da hospitalização podem ser descritos também de acordo com as fases do

desenvolvimento infantil, relacionando com a idade da criança. Para Angerami et al (2001),

do nascimento aos 18 meses, a criança tem necessidade de afeto, segurança e tem a figura

materna como fonte primária de proteção. Nessa fase, a criança não tem consciência do self e

busca o equilíbrio entre conduta e necessidade. Como consequência da hospitalização, a

criança dessa faixa etária passa a sentir-se abandonada, com tendência a depressão anaclítica,

insegurança, agitação, tensão, irritabilidade, apatia, dores, ausência de relação entre

hospitalização e desconforto, e hospitalismo.

A criança no estágio pré-operatório tem a crença mágica dos acontecimentos em sua

saúde e de cura, diferente das crianças no estágio operatório formal, em que há a possibilidade

de se obter uma consciência hipotética daquilo que atinge o corpo (PEROSA et al (2006). Em

contrapartida, a criança passa a adquirir a capacidade de compreensão dos conceitos de saúde

e doença na fase pré-operatória, fato que contradiz algumas atitudes de passividade dessas

crianças nos serviços de saúde. Evidencia-se a necessidade de que sua participação caminhe

proporcionalmente com as expectativas de toda a equipe médica de consulta para com elas.

Ainda segundo a autora,

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Ao pensar nos efeitos da hospitalização, Angerami et al (2001) descreve que dos 18

meses até os três anos, a criança passa pela fase do egocentrismo, com a crença de que é a

culpada pela hospitalização, ainda com as sensações de abandono, desproteção e medo de

perder o amor em consequência dessa situação. No período do pensamento concreto, os

efeitos da hospitalização se dão por meio do início da percepção concreta da doença como

causadora de restrições, levando a criança a ter dificuldades para adaptar-se aos

procedimentos e pessoas inseridas nesse contexto, além de causar fantasias assustadoras. Com

o passar do tempo, a criança passa a ter o controle de si e das situações por meio da

exploração e manipulação, e a imposição das medidas terapêuticas levam à interferência no

desejo por controle. Nessa fase, a criança busca a autonomia, mas a hospitalização causa o

efeito inverso, com o aumento dos comportamentos de vínculo e regressão e luta para manter

as habilidades já adquiridas. Quando a criança passa a ir contra os limites impostos, as

restrições advindas da doença causam reações negativas, além de agressividade e a família

tem um papel determinante, uma vez que interfere no desenvolvimento do controle dos

impulsos.

Para o autor acima mencionado, o pensamento concreto e o egocentrismo fazem parte

da fase inicial dos 3 aos 6 anos de idade e, nesse período, a dor, os sintomas e as condutas são

julgadas pelas crianças como uma punição. A criança adquire o domínio de habilidades,

conceitos, valores e relações, mas a hospitalização traz restrições à capacidade de atingir o

controle motor e competências sociais, com limites na interação com pares e aprovação,

causando limite no senso de domínio, temores, passividade e dependência. A espontaneidade

aparece e a criança passa a intercalar entre dependência e independência, com

desenvolvimento psicossocial, mas a hospitalização causa comportamento de regressão na

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criança e o retardo no ingresso à escola, com aumento na dependência de outras pessoas e

sentimento de raiva por ser diferente.

Na chegada da idade escolar, dos 6 aos 12 anos, torna-se importante a formação de

grupos ou pares, pois a hospitalização interfere nessa competência, além de causar raiva,

culpa e ressentimentos na criança. Com a aquisição da capacidade de compreensão de causa e

efeito, a criança tem maior consciência da morte e sente-se ameaçado, com reações de

angústia e luto. O aparecimento das habilidades físicas e sociais, o desenvolvimento do senso

de realização e o ajustamento ao setting escolar são comportamentos característicos para esta

fase do desenvolvimento, mas a hospitalização causa a baixa frequência escolar, insegurança

e ansiedade, aumento de queixas físicas, com diminuição de habilidades cognitivas e de

concentração, trazendo a frustração de sonhos e projetos (ANGERAMI et al, 2001).

Estresse e enfrentamento (coping)

Considerando as interferências que acometem o desenvolvimento, o estresse aparece

como um causador de reações adversas no ser humano, tendo implicações diretas no

desenvolvimento, levando à necessidade de ações e de aquisição de habilidades que auxiliem

nos processos de enfrentamento. Seguindo esta autora (Lipp, 2001), o termo pode ser

entendido como um estado de tensão ou desequilíbrio que causa rupturas internas no

organismo do indivíduo, sendo considerada uma reação patogênica do organismo e acontece

quando a incapacidade de responder a essa demanda se torna maior do que a capacidade

adaptativa da pessoa (LIPP, 2001).

A tensão mencionada pode emergir externamente ao próprio organismo, como sendo a

exigência de outrem, causando reações no indivíduo de acordo com aquilo que é demanda de

fora, com a estrutura psíquica no momento de responder à situação. Internamente, a tensão é

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entendida como uma auto-demanda ou auto-cobrança, e aparecem como expectativas irreais,

juízos distorcidos, perfeccionismo, sonhos difíceis de serem alcançados, e os desejos

depreendidos para si e para o outro ao redor. Essas tensões se somam a intensidade e

determinação do nível de estresse que será experimentado pelo indivíduo, mas estes

estressores podem ser mediados tanto por um repertório de estratégias de enfrentamento como

pela vulnerabilidade ao estresse (LIPP, 2001).

Como visto até este ponto, foram discutidos os aspectos que influenciam o

desenvolvimento infantil, além de mostrar a necessidade da aquisição de habilidades de

enfrentamento da hospitalização e seus estressores. Para que haja a melhor compreensão desse

conceito, é preciso descrever como o termo coping foi tomado como importante estratégia

para a redução de danos e promoção de fatores de proteção para a criança em situação de

hospitalização.

O termo coping, de Folkman e Lazarus (1980) foi traduzido como um conjunto de

estratégias das quais as pessoas se utilizam para se adaptarem a diversas situações, que

surgem por meio de eventos estressantes e são consideradas um fardo que excede em

sobrecarga aos recursos internos das pessoas. Para tanto, como o coping é considerado uma

estratégia que pode ser aprendida e aplicada ou não pelo indivíduo, não é possível considerar

os mecanismos de defesa inconscientes e não intencionais (negação, deslocamento e

regressão) (ANTONIAZZI et al, 1998).

O modelo criado por Folkman e Lazarus (1980), delimita as estratégias de coping,

como sendo a interação entre indivíduo e ambiente, em que seu objetivo principal é a lidar

com a situação estressora e se dá por meio dos recursos cognitivos que cada indivíduo dispõe

para avaliar e interpretar os fenômenos, tendo como resultado final uma mobilização de

esforços cognitivos e comportamentais para a administração das situações que surgem em sua

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interação com o ambiente. O objetivo dos estudos das estratégias de coping está em identificar

os estressores que a criança está sujeita e perceber se sua resposta frente a esta situação foi

positiva, ou seja, gerando uma resposta geral mais adaptativa ou se a situação de estresse

causou uma resposta negativa. Portanto, a qualidade do recurso disponível para o

enfrentamento das situações estressantes torna o indivíduo mais vulnerável ou não a esses

efeitos adversos (ANTONIAZZI et al, 1998).

Os autores precursores da teoria (FOLKMAN e LAZARUS, 1980), em sua

perspectiva cognitivista, propõem um modelo que divide o coping em: coping focalizado na

emoção e coping focalizado no problema. O coping focalizado na emoção leva em

consideração o esforço do indivíduo para regular seu estado emocional relacionado ao

estresse, seja ele propriamente dito ou o resultado de uma situação estressante, com o objetivo

final de reduzir os danos emocionais causados pelo estresse. O coping focalizado no problema

objetiva a redução desses danos causados pelas situações estressoras, por meio da atuação

direta naquilo que deu origem a situação, tentando muda-la. A partir dessa definição de

coping focalizado no problema, o indivíduo dispõe de ações que podem ser orientadas tanto

internamente quando externamente, ou seja, quando o coping é direcionado para uma fonte

externa de estresse, o indivíduo pode negociar ou pedir a ajuda de alguém para a solução do

conflito. O direcionamento interno, por sua vez, envolve a reestruturação cognitiva e pode

significar a ressignificação do agente estressor. A utilização dessas duas estratégias, focada no

problema ou não emoção, sugere que o indivíduo faça uma avaliação primária do risco

envolvido na situação estressora e secundariamente possa decidir, por meio de seus recursos

disponíveis, qual a melhor estratégia a ser empregada para lidarem com o problema.

Geralmente, o coping focalizado no problema tende a ser mais empregado em situações

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passíveis de mudança, e o coping focalizado na emoção em situações definidas como

inalteráveis (ANTONIAZZI et al, 1998).

A eficácia das estratégias de coping mostra-se controversa devido à subjetividade

envolvida nas respostas de cada um, sendo elas adaptativas ou não, boas ou não. Ao contrário,

é preciso levar em consideração todas as tentativas depreendidas pelo indivíduo para

administrar o evento estressor, seus recursos disponíveis para a administração e o seu

resultado final.

Os processos de coping mostram-se intimamente ligados ao desenvolvimento dos

indivíduos (LAZARUS e DELONGIS, 1983) e sugerem que essa variabilidade aconteça de

acordo com as mudanças nas condições de vida e as experiências vivenciadas por cada

pessoa. Segundo a definição dos autores, é preciso levar em consideração não somente a

idade, mas o significado que o evento estressor tem para cada indivíduo em diversos

momentos da vida.

Para que seja possível analisar as estratégias de coping na infância, é preciso, antes de

tudo, levar em consideração os recursos cognitivos de cada uma e seu contexto social,

principalmente por se tratar de uma relação de dependência com o adulto, em que a criança

está exposta as interferências de outrem. O desenvolvimento cognitivo irá nortear a forma

como a criança tomará para si cada evento estressor e isso dependerá de sua preparação

psicológica e biológica para responder a essas situações de estresse. Além disso, é preciso

levar em consideração que, dependendo do estágio de desenvolvimento, a criança terá uma

crença diferente sobre a auto-percepção, auto-eficácia, mecanismos inibitórios, auto-controle

e relacionamentos interpessoais (LAZARUS e FOLKMAN, 1984).

As pesquisas apontaram para a necessidade da criação de uma teoria de coping e

estresse específica para a criança, considerando que as formas de enfrentamento e respostas

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das crianças são diferentes dos adultos devido ao seu estágio de desenvolvimento cognitivo.

Além disso, aponta para uma diferença palpável entre as próprias crianças, uma vez que os

estudos mostraram que a idade e o gênero da criança podem influenciar nas escolhas das

estratégias de coping, por considerar que meninos e meninas têm suas diferenças, tanto na

criação quanto física (ANTONIAZZI et al, 1998).

A idade mostrou-se um fator limitador para as estratégias de coping em crianças, tanto

para as habilidades focalizadas no problema, quanto para as habilidades focadas na emoção. O

coping focalizado no problema, por exemplo, parecem ser mais perceptíveis em crianças na

fase pré-escolar, com evolução até os 10 anos, quando a criança já está na fase escolar. O

coping focalizado na emoção se dá após os 10 anos, mais precisamente até a adolescência,

quando a criança passa a adquirir a habilidade de compreender e tem a consciência de seu

estado emocional. (ANTONIAZZI et al, 1998).

A teoria do coping e sua relação com o desenvolvimento infantil mostrou ser uma

questão altamente relevante, uma vez que os estudos puderam evidenciar que a exposição a

situações de estresse colocam a criança em iminente situação de risco, trazendo como

consequência problemas de conduta, evolutivos e problemas emocionais. As pesquisas

evidenciaram que a diferença das respostas adaptativas de determinadas crianças a uma

situação adversa, de uma resposta não-adaptativa, é o coping, pois é o que viabiliza a

adaptação e a proteção da criança em situações de conflito (ANTONIAZZI et al, 1998).

Considerando a relevância dos estudos sobre enfrentamento do estresse de crianças em

condição de hospitalização, de acordo com uma perspectiva do desenvolvimento, torna-se

necessário revisar de forma sistemática, a contribuição brasileira da Psicologia para esta

temática.

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Objetivos

O presente estudo teve por objetivo revisar a literatura indexada e atualizada sobre o

tema estratégias de enfrentamento do estresse em crianças hospitalizadas.

Metodologia

A presente monografia trata de uma revisão bibliográfica, realizada por meio da

seleção de artigos científicos na base de dados Scielo.

As palavras-chave pesquisadas no Scielo foiram: a) Hospitalização infantil; b) Coping

infantil; c) Coping AND criança hospitalizada; d) Coping AND hospitalização infantil; e)

Estresse infantil AND hospital; f) Ansiedade AND criança AND hospital; g) Estresse AND

criança AND hospital; h) Estratégia de enfrentamento.

Os critérios de inclusão foram os seguintes:

a) Estudos empíricos que investiguem por meio de dados de pesquisas as estratégias

de enfrentamento do estresse de crianças em situação de hospitalização;

b) Artigos publicados no idioma Português;

c) Artigos produzidos na área da Psicologia;

Os critérios de exclusão foram:

a) Artigos de revisão, metanálises, comentários, editoriais ou cartas;

b) Estudos que não desenvolveram o tema das estratégias de enfrentamento do

estresse de crianças em situação de hospitalização;

c) Artigos não publicados no idioma Português;

d) Artigos que não eram da área da Psicologia.

Page 22: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

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A pesquisa foi realizada no mês de julho de 2012, sem limite de tempo, sendo que

foram encontrados 145 artigos. Desse total, após a análise dos resumos e de acordo com os

critérios de inclusão e exclusão, restaram sete artigos para análise. Dos 138 excluídos, 118

não se tratava do tema foco da revisão, sete não tinham a criança como diretriz da pesquisa,

quatro não eram empíricos e nove não era da área da Psicologia.

Resultados

A partir dos sete artigos selecionados, foi possível notar que cinco foram estudos

realizados por um mesmo grupo de pesquisadores que elaboraram um instrumento para a

avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização e o aplicaram em outras

pesquisas sobre o mesmo tema.

O estudo de Motta e Enumo (2004), após identificar os principais agentes estressores

que afetam o desenvolvimento das crianças em situação de hospitalização, realizaram uma

proposta de avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização em crianças com

câncer. Para a realização do estudo, participaram 28 crianças (9 meninas e 19 meninos), com

idade entre 6 e 12 anos, inscritas no Serviço de Oncologia de um hospital vinculado ao

Sistema Único de Saúde (SUS) de Vitória, no Espírito Santo. Na coleta dos dados foi

utilizado um roteiro para registro de dados familiares e de saúde, obtidos em prontuários

médicos e fichas sociais, com o objetivo de levantar informações gerais sobre as crianças.

Além disso, foi elaborado um instrumento de Avaliação das Estratégias de Enfrentamento da

Hospitalização (AEH).

A pesquisa foi realizada por etapas, a fim de alcançar os objetivos propostos.

Inicialmente, realizou-se a identificação dos participantes a partir do cadastro dos pacientes,

Page 23: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

23

que continham seus dados pessoais, fase do tratamento e a data de inscrição no serviço de

oncologia, para então selecionar os que se encaixavam nos critérios de inclusão, devendo ter

idade de 6 a 12 anos e frequentar regularmente o hospital por no mínimo uma vez por mês.

Também foi realizada a revisão dos prontuários médicos em dias e horários sem atendimento,

para que não houvesse um prejuízo na rotina do serviço. A última etapa, portanto, foi a

elaboração do instrumento AEH.

O instrumento foi elaborado com base em outros já disponíveis sobre estresse,

ansiedade infantil e qualidade de vida (A Escala de Estresse Infantil de Lipp e Luccarelli,

1998), o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATEC-C, de Spielberg, 1983), o

Autoquestionnaire Qualité de Vie Enfant Imagé – AUQUEI, de Manificat e Dazord

(ASSUMPÇÃO et al, 2000), a adaptação do Inventário de Estratégias de Coping de Folkman

e Lazarus (SAVOIA et al, 1996) e a Escala de Avaliação do Comportamento da Criança

(LÖHR e SILVARES, 1998).

Com o objetivo de adequar o instrumento da melhor maneira e obter sugestões de

temáticas a serem abordadas, foram realizados observações do cotidiano das crianças no

ambulatório e na enfermaria do hospital, onde foram registrados comportamentos de

enfrentamento, tais como brincar, cantar, chorar, dormir e ler. Além disso, utilizaram

pesquisas relacionadas a conceitos de saúde, doença e morte (FÁVERO e SALIM, 1995),

referentes ao uso do desenho como instrumento de coleta de dados.

O AEH (MOTTA e ENUMO, 2004) é composto por um roteiro de entrevista com

cinco perguntas, referentes aos pensamentos, estratégias e sentimentos relacionados às

estratégias de enfrentamento da hospitalização, ao que a criança gostaria de fazer e como o

brincar se caracteriza no contexto hospitalar. Também faz parte deste instrumento, um

conjunto de pranchas divididas em dois grupos: o Conjunto de Pranchas A (Enfrentamento da

Page 24: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

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Hospitalização), sendo um caderno espiral de desenho, com 21 cenas em preto e branco sobre

temas que retratam possíveis estratégias da hospitalização; o Conjunto de Pranchas B (Brincar

no Hospital), composto por 20 tipos de brincadeiras desenhadas em preto e branco. Além

disso, o instrumento é acompanhado por folhas de registro para as respostas.

O Conjunto de Pranchas A (Enfrentamento da Hospitalização) foi elaborado para

conhecer qual a forma adotada pela criança como estratégia de enfrentamento da

hospitalização. São 21 pranchas subdivididas em duas categorias, respostas facilitadoras (RF),

direcionadas para as respostas adaptativas das crianças, e não facilitadoras (RNF), para as

respostas não adaptativas às situações. O conjunto de pranchas A está demonstrado na tabela

abaixo:

Tabela 1. Conjunto de Pranchas A: Enfrentamento da Hospitalização

Prancha Conteúdo RF Prancha Conteúdo RNF

A1 Brincar A2 Chorar

A4 Assistir TV A3 Brigar

A7 Cantar e dançar A5 Esconder

A8 Rezar A6 Ficar triste

A10 Estudar A9 Desanimar

A13 Conversar A11 Fazer chantagem

A14 Ouvir música A12 Pensar em fugir

A17 Ler gibi A15 Sentir culpa

A18 Tomar remédio A16 Sentir medo

A21 Buscar informações A19 Pensar em milagre

A20 Dormir

Nota: RF=Respostas Facilitadoras; RNF=Respostas Não-facilitadoras.

Page 25: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

25

O Conjunto de Pranchas B (Brincar no Hospital) objetivou identificar a importância

dada pela criança ao brincar, em situação de hospitalização. Esta parte do instrumento foi

constituída por meio do Sistema Esar (GARON, 1996), que se utilizou da classificação por

família de brinquedos, permitindo diferenciar as expressões lúdicas, diferenciando os

brinquedos em: jogos de exercício (E), simbólico (S), de acoplagem (A) e de regras simples e

complexas (R). Além disso, acrescentou-se ao conjunto de pranchas, atividades recreativas

diversas (AD), que não foram classificadas pelo sistema Esar, mas ampliou a possibilidade de

escolhas lúdicas pelas crianças. A última etapa tratou de aplicar o instrumento por meio de

provas para a investigação das estratégias de enfrentamento em um grupo de crianças com

câncer.

Os resultados dessa pesquisa foram baseados apenas no Conjunto de Pranchas A, por

objetivar a produção de dados referente às estratégias de enfrentamento da hospitalização,

sendo o Conjunto de Pranchas B utilizado para a investigação específica do brincar como

estratégia de enfrentamento (MOTTA e ENUMO, 2002).

Para melhor validação dos desenhos ao que se pretendia transmitir, foi realizada uma

análise da adequação das pranchas a partir da descrição da criança, dividindo em duas

categorias: a) adequada sem ajuda (A), (b) adequada com ajuda (Aa) e (c) inadequado (I).

Com relação ao Conjunto de Pranchas A, os resultados mostraram que o grupo de crianças

com câncer apresentou um percentual de adequação superior a 94,6% de respostas

facilitadoras, se comparado ao grupo de pranchas de estratégias não-facilitadoras (82,8%). É

preciso levar em consideração que as cenas das pranchas com estratégias facilitadoras

apresentaram conteúdos mais simples de serem representados e compreendidos, por se

direcionar mais a ações que a sentimentos ou pensamentos.

Page 26: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

26

Com base na análise do comportamento, de acordo com as categorias propostas

Skinner (1978), tornou-se necessário considerar cada comportamento apresentado pelas

crianças poder ser desencadeado em função de um acontecimento anterior ou em função da

consequência que traria à criança, podendo direcionar e justificar as respostas das crianças,

tanto as positivas como as negativas. Para tanto, foram incluídas mais duas categorias ao

AEH: a) categorias fundamentadas em eventos antecedentes à resposta analisada, e (b)

categorias fundamentadas em eventos consequentes à resposta analisada, como demonstrado

na Tabela 2, para poder analisar a influência de determinados eventos nas respostas das

crianças.

Tabela 2. Subdivisão das categorias

Categorias fundamentadas em eventos

antecedentes à resposta analisada

Categorias fundamentadas em eventos

consequentes à resposta analisada

Ambiente Hospitalar Consequências positivas

Contexto da doença e do tratamento Consequências negativas

Característica da criança

Contexto familiar

Segundo as autoras, o AEH mostrou-se um instrumento pioneiro na avaliação das

estratégias de enfrentamento da hospitalização infantil, podendo auxiliar na mudança de

condutas das crianças, a fim de tornar mais positivas as respostas frente às situações de

estresse. Além disso, torna possível pensar em intervenções na medida em que as crianças dão

respostas não-facilitadoras, utilizando-se de atividades lúdicas, que são mais atrativas e pode

motivas as crianças a participação.

O mesmo instrumento (AEH) foi utilizado em mais dois artigos do mesmo grupo de

pesquisadores (MOTTA e ENUMO 2002; MOTTA e ENUMO 2004), fazendo uso do brincar

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como estratégia de enfrentamento da hospitalização. Tal estratégia tem se mostrado um

recurso eficiente para ajudar as crianças no enfrentamento de situações estressantes do

contexto hospitalar e, com base nesse pressuposto, as pesquisadoras citadas desenvolveram

duas pesquisas para demonstrar a importância do brincar em ambiente hospitalar.

Na pesquisa de Motta e Enumo (2004), participaram 28 crianças de 6 a 12 anos (9

meninas e 19 meninos), em tratamento no Serviço de Onco-Hematologia de um hospital

público de Vitória/ES. O nível escolar das crianças variou da pré-escola até a 6ª série do

ensino fundamental. Do total das crianças, 71,4% eram portadoras de leucemia, 64,3%

estavam em fase de manutenção e 85,7% sem recidiva. A escolha dos pacientes levou em

consideração o fato do tempo de internação e de tratamento ambulatorial serem prolongados,

colocando as crianças em situação de risco para o desenvolvimento.

Os procedimentos utilizados para a coleta de dados foram os mesmos do artigo

relatado anteriormente no artigo de Motta e Enumo (2004), sendo: informações extraídas de

prontuários médicos e fichas sociais; roteiro de entrevista sobre o Serviço de Oncologia; as

cinco perguntas já descritas, assim como a aplicação do AEH, sendo nesta pesquisa mais

utilizado o Conjunto de Pranchas B (Brincar no hospital).

O conjunto B do AEH é constituído por um caderno com 24 tipos de brincadeiras

desenhadas em preto e branco, o que permite investigar mais profundamente a importância

dada pela criança ao brincar no processo de hospitalização. Também foi utilizada a

classificação por grupo de brinquedos proposta pelo Sistema Esar (GARON, 1996).

De acordo com a aplicação prévia do Conjunto de Pranchas A: Enfrentamento da

Hospitalização foi possível verificar que o brincar já era parte integrante das estratégias de

enfrentamento da hospitalização da maioria das crianças (92,9%).

Page 28: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

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Os resultados da aplicação do Conjunto B (Brincar no Hospital) foram divididos em

dois grupos, a saber: a) dados obtidos pelo roteiro de entrevista; e b) dados obtidos com a

aplicação das pranchas do Conjunto B do AEH. Para a questão inicial sobre o que tem feito,

pensado e sentido durante a hospitalização, os dados obtidos pelo roteiro de entrevista

mostraram que o brincar foi a atividade mais citada pelas crianças, sendo 38,6%; e foram

seguidas pelas descrições da rotina da hospitalização, com 21%. O brincar também

correspondeu a 78,6% das respostas com relação ao que a criança gostaria de fazer no

hospital.

As respostas das crianças passaram por diversas classificações, a fim de melhor

identificar o tipo de resposta utilizada em cada situação. Ficaram assim divididas em respostas

afirmativas e negativas, de acordo com o tipo de brincadeira descrita. Um conjunto de

categorias também foi elaborado para as justificativas que as crianças davam, sendo as

respostas explicativas subdivididas em: a) ambiente hospitalar; b) contexto da brincadeira; c)

contexto familiar; d) características da criança; e) aspectos afetivos e emocionar; e f)

consequências específicas. As respostas valorativas eram do tipo: é bom/ é ruim; eu gosto/ eu

não gosto; é legal/ é chato.

Foi possível verificar, por meio do Conjunto B do AEH, que o brincar está presente na

realidade e no desejo da criança em situação de hospitalização. Essas crianças não selecionam

o tipo de brincadeira que gostariam de fazer, provavelmente por uma restrição

socioeconômica e pela pouca variedade disponível ou pela própria privação que o ambiente

hospitalar impõe. No entanto, quando é oferecida alguma possibilidade lúdica, a criança

parece não querer desperdiçar a oportunidade, deixando assim de selecionar com mais rigor a

atividade desejada, mesmo que no cumprimento do instrumento (AEH).

Page 29: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

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O instrumento utilizado nesta pesquisa permitiu caracterizar atividades lúdicas

possíveis em situação de hospitalização, de acordo com cada escolha feita pelas crianças no

Conjunto B, e ampliou a possibilidade de expressão dos sentimentos, pensamentos e

comportamentos das crianças com câncer. Além disso, a pesquisa utilizou-se dos relatos das

crianças, objetivando descartar as divergências encontradas em outros estudos com relação a

auto-avaliação infantil, as percepções dos familiares e da equipe médica responsável pelos

cuidados à criança (ASSUMPÇÃO et al, 2000).

As questões intermediadas pelas pranchas mostraram-se facilitadoras para a

identificação e compreensão da importância do brincar para a criança com câncer

hospitalizada, funcionando como importante subsidio para intervenções e ações mais

consistentes, tanto no âmbito psicológico como no institucional. O caráter lúdico mostrou-se

novamente como um agente facilitador das estratégias de enfrentamento da hospitalização e

dos procedimentos médicos invasivos, principalmente os específicos do tratamento da criança

com câncer. Esses fatores são os principais agentes estressores, fazendo-se necessário um

investimento em intervenções que busquem novas técnicas e estratégias mais positivas para o

enfrentamento do estresse. O brincar seria então uma das estratégias propostas por Motta e

Enumo (2004) para o enfrentamento da hospitalização infantil, podendo ser utilizado como

recurso terapêutico.

A importância do brincar como mediador de estratégias de enfrentamento da

hospitalização e da doença foi estudada por Motta e Enumo (2010). Participaram desta

pesquisa 12 crianças, com idade entre 7 e 12 anos (sete meninos e cinco meninas), internadas

na Enfermaria de Oncologia de um hospital público de Vitória/ES. Para as distribuições nos

grupos G1 e G2, o critério estabelecido foi pela ordem de chegada ao serviço, cada um

seguindo para um grupo, sucessivamente, até que cada grupo foi composto por seis crianças.

Page 30: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

30

O instrumento utilizado para este estudo foi o AEHcomp, o mesmo descrito

anteriormente, mas em uma versão informatizada. É composto por 20 telas ilustradas com

desenhos coloridos, onde o personagem representado corresponde ao gênero da criança

(personagem menino ou menina). As telas são divididas em cenas facilitadoras e não-

facilitadoras, como em Motta e Enumo (2004). A criança é apresentada a uma cena de cada

vez, devendo descrevê-la para depois indicar o quanto a cena do instrumento se parece com a

que ela tem feito no tempo de hospitalização, sendo as respostas: nunca, um pouco, às vezes,

quase sempre ou sempre. Em seguida a criança é questionada sobre a razão de sua escolha e a

resposta é gravada para então ser descrita na folha de registro.

O Programa de Intervenção Psicológica no Hospital (PIPH), também foi utilizado

nesta pesquisa, e se consiste em 24 atividades relacionadas a uma atividade lúdica centrada no

problema, com o objetivo de incorporar às brincadeiras das crianças um artífice terapêutico. O

PIPH foi incluído no grupo G1, cujo objetivo era mudar os comportamentos de enfrentamento

considerados não adequados pelo AEHcomp. Após um intervalo de três a cinco dias, o

AEHcomp era reaplicado para a verificação das possíveis mudanças de comportamento nas

crianças e seus efeitos. Todos os dados foram submetidos a testes estatísticos para fazer a

análise dos grupos, no pré e no pós-teste.

Na comparação entre grupos, as diferenças nos comportamentos não foram

estatisticamente significativas para os comportamentos facilitadores e não-facilitadores no pré

e no pós-teste. Com relação às estratégias de enfrentamento, os resultados entre os grupos

demonstraram que o G1 apresentou uma média da estratégia de solução do problema superior

à do G2. As médias das estratégias de solução do problema e busca por informação

mostraram uma mudança importante, após a intervenção (30%), evidenciando ainda que as

crianças com câncer submetidas ao PIPH (G1) foram mais beneficiadas do que as crianças do

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G2 (submetidas apenas ao brincar livre), em seu período de hospitalização, com relatos de

diminuição de comportamentos como chorar, sentir raiva, medo e desânimo.

O treino de estratégias de enfrentamento da hospitalização por meio de recursos

lúdicos, mediados com técnicas de intervenção mostrou-se eficiente. Houve efeitos positivos

na forma como as crianças com câncer lidam com a hospitalização, reduzindo os

comportamentos não-facilitadores de enfrentamento.

Seguindo a linha dos estudos descritos anteriormente, do mesmo grupo de

pesquisadores, Moraes e Enumo (2008) fizeram novo uso do instrumento AEHcomp para

avaliar as estratégias de enfrentamento e incluíram a aplicação da Lista de Verificação

Comportamental para Criança (Child Behavior Checklist - CBCL, de 6 a 18 anos),

(ACHENBACH e RESCORLA, 2004; ROCHA e SILVARES, 2006). O objetivo do estudo

era verificar se havia correlação entre problemas de comportamento anteriores à

hospitalização e os comportamentos não-facilitadores de enfrentamento. Os resultados

mostraram que não há correlação entre esses fatores. No entanto, houve efeito da idade da

criança nos mecanismos de coping (estratégias de enfrentamento) e no manejo do medo e da

ansiedade, uma vez que o estágio do desenvolvimento cognitivo da criança influenciou a sua

capacidade de compreensão e solução dos problemas. O AEHcomp revelou que as respostas

mais facilitadoras à hospitalização corresponderam a 58,8% Entre as estratégias de

enfrentamento especificadas no instrumento, ruminação e distração foram as mais recorrentes,

com 22% e 15,5% respectivamente.

Os resultados dos dois últimos artigos a serem apresentados seguiram a linha de

avaliar os benefícios da promoção de estratégias de enfrentamento em crianças na iminência

de procedimentos hospitalares específicos, por meio de intervenções psicológicas.

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Um programa de atividades envolvendo a leitura, a simulação, o relaxamento e a

fantasia, foi aplicado em um grupo de 20 crianças com idade entre cinco e oito anos,

diagnosticado com doença respiratória e sem problemas comportamentais a serem verificados

por meio da Escala de Categorias Comportamentais – OSDB e o Walker check list – WPBIC.

A pesquisa teve como objetivo avaliar os efeitos dessas atividades no repertório

comportamental de crianças submetidas ao procedimento médico de inalação, buscando sua

adaptação a esta situação (Soares e Bomtempo, 2004). Foi critério de exclusão as crianças

terem problemas de comportamento identificados pelo OSDB.

Por meio do OSDB, foi possível organizar as informações obtidas na observação das

crianças no momento da inalação, como indica a Tabela 3.

Tabela 3. Informações obtidas por meio do OSDB

Comportamentos Concorrentes Comportamentos de Adesão

Choramingar Falar

Chorar Responder verbalmente

Comportar-se de modo nervoso Solicitar informação

Agredir fisicamente Buscar suporte emocional

Gritar Olhar

Movimentar-se até a imobilização Olhar para outro estímulo

Fugir Auxiliar na execução do procedimento médico

Protestar

As crianças foram distribuídas aleatoriamente em dois grupos. As 10 incluídas no

Grupo Experimental (GE), que foram submetidas ao Programa de Atividades e as 10 do

Grupo-controle (GC), que não expostas ao programa.

O Programa de Atividades foi dividido em três etapas, para melhor cumprimento dos

objetivos do estudo, como informa a Tabela 4.

Page 33: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

33

Tabela 4. Etapas do Programa de Atividades

1ª Etapa: Livro infantil Descrever o ambiente hospitalar; informar

a função dos profissionais de saúde e a

razão dos procedimentos; identificar a

percepção da criança com relação à

doença e a hospitalização; incentivar a

verbalização de sentimentos

2ª Etapa: Brincar de médico Descrição de procedimentos; verbalização

de sentimentos; treinamento de

comportamentos de adesão

3ª Etapa: Relaxamento e fantasia Aliviar a tensão muscular; analisar

funcionalmente o comportamento;

identificar variáveis controladoras e

formas de intervenção mais eficazes

Na comparação das fases pré e pós-teste foi possível notar que o GE e GC não

apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos, no que concernem as

categorias do comportamento. O GE apresentou uma diminuição significativa dos

comportamentos concorrentes e um aumento dos comportamentos de adesão, como “falar” e

“solicitar informações”, em comparação ao GC. O procedimento utilizado mostrou-se mais

efetivo para o aumento da frequência de comportamentos de adesão do que para a diminuição

da frequência de comportamentos concorrentes. Os resultados dessa pesquisa comprovam a

eficácia da inclusão de programas de atendimentos às crianças para a redução de respostas

aversivas a procedimentos médicos hospitalares.

O estudo de Broering e Crepaldi (2011) analisou a preparação psicológica e o estresse

de crianças submetidas a cirurgias para avaliar a importância de intervenções psicológicas no

período pré-operatório. Participaram do estudo 30 crianças, (15 meninos e 15 meninas), com

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idade entre 6 e 12 anos, internadas em um hospital para a realização de cirurgias eletivas. Para

o desenvolvimento do estudo foi utilizada a Escala de Estresse Infantil (ESI, de LIPP e

LUCARELLI, 1998) e um kit de preparação pré-cirúrgica (estetoscópio, máscara cirúrgica,

pijama hospitalar do médico e da criança, frasco de soro com equipo, propé, algodão,

esparadrapo, luvas, seringa e um boneco cirúrgico munido de equipamentos médicos,

chamado Bebê Dodói).

As etapas foram: aplicação da ESI, preparação psicológica pré-cirúrgica e aplicação do

ESI de forma individual. Para que a pesquisa acontecesse, foram criados dois grupos, G1 e

G2, sendo que o primeiro seria submetido ao Programa 1, em que a criança receberia todas as

informações sobre sua cirurgia de forma individual, e o G2 faria parte do Programa 2, onde as

crianças recebiam as informações individualmente, com a utilização do kit de preparação pré-

cirúrgica.

Os resultados da pesquisa mostraram que ambos os programas foram eficazes para a

diminuição do estresse pré-cirúrgico, demonstrando diferença expressiva na redução do

estresse pré-teste para o pós-teste, após a realização da preparação psicológica. Não houve

diferença significativa entre os dois grupos, sendo os dois programas eficientes em seus

objetivos, o que demonstra a importância da preparação psicológica para auxiliar a criança na

adesão ao tratamento e no enfrentamento da situação cirúrgica.

Discussão

Os achados do presente estudo mostraram que um conjunto de pesquisas visou avaliar

as estratégias de enfrentamento da hospitalização em crianças com câncer, expostas a agentes

estressores quando privadas de sua rotina e submetidas a procedimentos invasivos e

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dolorosos. Além disso, objetivaram a demonstração empírica de alternativas para a redução de

danos emocionais nas crianças em seu período de hospitalização, para subsidiar o manejo

dessas situações, tanto com as crianças como com os profissionais e instituições envolvidas,

de forma que houvesse a promoção de estratégias de enfrentamento. No entanto, as amostras

utilizadas para as pesquisas foram pequenas e locais, não dando embasamento suficiente para

a generalização dos resultados, sendo necessária a utilização do instrumento em outros locais

e com um número maior de participantes.

Os estudos do grupo de Enumo (MOTTA e ENUMO, 2002; MOTTA e ENUMO,

2004; MOTTA e ENUMO, 2004a; MORAES e ENUMO, 2008 e MOTTA e ENUMO, 2010)

envolveram a elaboração de um instrumento (AEH e AEHcomp), na versão de pranchas e

informatizado, constituído e validado para a avaliação das estratégias de enfrentamento

utilizadas pelas crianças na hospitalização e, com isso, buscaram incentivar a elaboração de

programas que pudesse promover a redução do estresse das crianças nesse período. Para a

obtenção dos resultados, os instrumentos traziam conteúdos que se aproximavam da rotina da

rotina da criança, como leitura, jogos e desenhos, o que possibilitou a obtenção de respostas

mais precisas e realistas, favorecendo a avaliação dos dados. Esses achados confirmam que,

conforme descrito por Crepaldi (2006), a promoção de estratégias de enfrentamento também

favoreceu a aquisição de comportamentos mais adaptativos nas crianças e nos profissionais e

cuidadores envolvidos, uma vez que insere o indivíduo como agente ativo de mudanças, tanto

em si mesmo como no ambiente, levando em consideração tudo aquilo que é vivenciado por

meio da interação de relações interpessoais e as consequentes modificações que isso traz à

vida do ser humano. Tais mudanças puderam ser observadas nos achados dos estudos

revisados, como na redução do estresse em procedimentos médicos (BROERING e

CREPALDI, 2011); nas respostas comportamentais mais adaptativas em procedimentos

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36

médicos, com a utilização de leitura, simulação, relaxamento e fantasia (SOARES e

BOMTEMPO, 2004) e em respostas de enfrentamento mais facilitadoras para a

hospitalização, como brincar, conversar, tomar remédio e rezar (MOTTA e ENUMO, 2002 e

2004).

Esses resultados encontrados mostram que os enfrentamentos estavam mais centrados

no problema, ou seja, as estratégias de enfrentamento mostraram-se como importante

mediador de conflitos e de respostas facilitadoras no contexto hospitalar, reduzindo os danos

causados pela hospitalização por meio de ações diretas no comportamento. Nesse sentido, os

resultados vão de encontro à teoria de Folkman e Lazarus (1980) que consideram as

estratégias de enfrentamento centradas no problema mais eficazes e adaptativas. As

estratégias centradas na emoção exigem um grande investimento do indivíduo para regular

seu estado afetivo, dependendo de uma reestruturação emocional que demanda tempo e

recursos internos, tornando-se inviável para o contexto hospitalar (ANTONIAZZI et al,

1998).

As atividades lúdicas estiveram presentes em todos os estudos revisados, sendo parte

integrante da aplicação dos instrumentos ou como mediadoras de intervenções que

estimulassem reações mais adaptativas nas crianças em situação de hospitalização. A

utilização dessas técnicas puderam subsidiar estratégias de enfrentamento em crianças

hospitalizadas e submetidas a procedimentos médicos invasivos e dolorosos, o que demonstra

a importância da mediação de situações de conflito por meio de uma linguagem que possa ser

compreendida pela criança e faça parte de sua rotina, favorecendo a aceitação da doença, a

adesão ao tratamento e o aumento de fatores de proteção.

A pesquisa de Soares e Bomtempo (2004) revelou que crianças expostas a um

programa de intervenção apresentam mudanças em seu padrão comportamental quando

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comparadas a um grupo controle não exposto ao programa, produzindo comportamentos mais

adaptativos como o “falar”, “olhar para outro estímulo” e “auxiliar na execução do

procedimento médico”. A comparação entre grupos, no pré o no pós-teste, demonstrou

diferenças significativas nos comportamentos concorrentes e de adesão ao procedimento

médico de inalação. Deve-se ter cautela na interpretação desse resultado, pois a análise

estatística foi centrada na comparação entre grupos (pré e pós-teste) e não na comparação

entre grupos independentes, como era de se esperar para testar a eficiência da intervenção.

Nota-se a necessidade da elaboração de estudos que utilizem cuidadosamente todos os

instrumentos disponíveis para validar os resultados.

A faixa etária dos participantes dos estudos esteve, em sua maioria, concentrada na

idade escolar, aproximadamente dos 6 aos 12 anos. Este dado indica que a fase do

desenvolvimento infantil contribuiu para as pesquisas, uma vez que a criança, nesse período,

torna-se mais sociável e comunicativa, e com a aquisição dessas habilidades, é capaz de

desenvolver o auto-relato sobre comportamentos e ações em situações estressoras, permitindo

a identificação mais precisa das formas como toma o adoecimento de seu corpo e as

consequências da hospitalização (ANGERAMI et al, 2001).

Todos os artigos levaram em consideração que as crianças em situação de

hospitalização ficavam restritas em sua rotina de vida, e interferiam negativamente em seu

desenvolvimento, deixando de realizar atividades que outrora faziam parte de seu dia-a-dia,

como brincar e ir à escola. Para tanto, ainda ficam expostas a situações estressantes e

dolorosas, mostrando a necessidade de intervenções que favoreçam a promoção do

desenvolvimento dessas crianças, levando em consideração o seu estágio de desenvolvimento

e suas condições físicas, psíquicas, sociais e culturais, para a promoção de estratégias mais

adequadas (CREPALDI et al, 2006).

Page 38: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

38

Considerações finais

A presente revisão mostrou que, apesar da relevância da temática para a área de

Psicologia Pediátrica, foram encontrados poucos estudos sobre o tema estratégias de

enfrentamento do estresse durante a hospitalização com amostras de crianças. A maior parte

dos estudos tratou da construção e aplicação de um instrumento específico de avaliação e

apenas dois estudos foram de intervenção psicológica para ajudar no enfrentamento do

estresse em procedimentos terapêuticos. Nota-se, portanto, a necessidade de novos

investimentos em estudos desta natureza, a fim de trazer contribuições científicas para a área

de Psicologia Pediátrica.

Page 39: Monografia - Estratégias de Enfrentamento do Estresse na Hospitalização Infantil - NICOLE DONATO

39

REFERÊNCIAS

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