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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO MONOGRAFIA EXAME DA VALIDADE DA EXIGÊNCIA DE MULTA ADICIONAL DE 10% SOBRE O FGTS (LC 110/01) MARIANA PORTO ANDRADE NITERÓI 2015

MONOGRAFIA EXAME DA VALIDADE DA EXIGÊNCIA DE …app.uff.br/riuff/bitstream/1/2451/1/TCC - Contribuição FGTS LC... · tributária de contribuições sociais similares a impostos,

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO

MONOGRAFIA

EXAME DA VALIDADE DA EXIGÊNCIA

DE MULTA ADICIONAL DE 10% SOBRE O FGTS (LC 110/01)

MARIANA PORTO ANDRADE

NITERÓI

2015

MARIANA PORTO ANDRADE

EXAME DA VALIDADE DA EXIGÊNCIA

DE MULTA ADICIONAL DE 10% SOBRE O FGTS (LC 110/01)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),

como requisito parcial à obtenção do grau de

Bacharel em Direito da Universidade Federal

Fluminense.

Prof. Orientador: Dr. Thiago Rodrigues Pereira.

NITERÓI

2015

Universidade Federal Fluminense

Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direito

A553

Andrade, Mariana Porto.

Exame da validade da exigência de multa adicional de 10% sobre o

FGTS (LC 110/01) / Mariana Porto Andrade – Niterói, 2016.

46 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) –

Universidade Federal Fluminense, 2016.

1. Contribuição social. 2. Controle da constitucionalidade. 3. Fundo

de Garantia de Tempo de Serviço (Brasil) (FGTS). 4. Ação direta de

inconstitucionalidade. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de

Direito, Instituição responsável II. Título.

CDD 341.39

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os familiares, amigos e professores que colaboraram de qualquer forma para a

realização deste trabalho, ou que me fizeram ser uma pessoa melhor, somente por existirem em

minha vida.

Não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou pelos bens que possui.

O verdadeiro valor do homem é o seu caráter, suas ideias e a nobreza dos seus ideais.

Charles Spencer Chaplin

RESUMO

ANDRADE, Mariana Porto. Exame da Validade da Exigência de Multa Adicional de 10%

Sobre o FGTS (LC 110/01) – RJ/Brasil. 2015. 47 f.

Este trabalho constitui-se de uma análise da validade, bem como constitucionalidade, da cobrança

da contribuição instituída pelo art. 1º da LC 110/01. A área de concentração deste estudo é o

Direito Tributário, e o objeto é a referida contribuição social e a inconstitucionalidade da

manutenção de sua exigência após superada a finalidade que ensejou sua criação, tendo em vista

que o produto de sua arrecadação passa a ter destinação diversa da finalidade para a qual foi

criada. Para atingir os objetivos foram analisados: o histórico dos fatores que ensejaram a criação

da norma em análise e o conceito de contribuição social de acordo com a doutrina e definições

extraídas da norma tributária e constitucional. Procurou-se demonstrar a inconstitucionalidade da

referida cobrança em razão de sua incompatibilidade com o texto constitucional e,

principalmente, do exaurimento de sua finalidade, tendo em vista que as contribuições sociais são

tributos afetados a fins específicos.

PALAVRAS-CHAVE: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. LC110/01. MULTA ADICIONAL 10%

FGTS. ESGOTAMENTO DA FINALIDADE. DESVIO DE FINALIDADE.

INCONSTITUCIONALIDADE.

ABSTRACT

This work consists in an analysis of the enforceability and constitutionality of the collection of

the contribution introduced by art. 1 of LC 110/01. This study is focused on Tax Law and its

object is the unconstitutionality of the charge of the social contribution after surpassed the

purpose which excused its creation, considering that the product of its collection is diverted to

other destination that not the purpose for which it was created. To reach the objectives were

examined: the historical factors that explains the creation of the said provision and the concept of

social contribution according to legal doctrine and drawn definitions of tax and constitutional

rules. It sought to demonstrate the unconstitutionality of this collection because of its

incompatibility with the Constitution and particularly the depletion of its purpose, given that the

social contributions are taxes allocated to specific purposes.

KEYWORDS: SOCIAL CONTRIBUTION. LC110/01. ADDITIONAL FINE 10 % FGTS.

DEPLETION OF PURPOSE. DEVIATION OF PURPOSE. UNCONSTITUTIONALITY.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

Capítulo 1 PERSPECTIVA HISTÓRICA E LEGAL DO FGTS 12

Capítulo 2 A NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS 16

Capítulo 3 ANÁLISE DA VALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA

CONTRIBUIÇÃO 20

3.1 EXAURIMENTO DA FINALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO 21

3.2 DESVIRTUAMENTO DA FINALIDADE 26

3.3 ALTERAÇÃO DO ART. 149, § 2º, III, 'a' PELA EC 33/01 31

Capítulo 4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL 34

CONCLUSÃO 42

9

INTRODUÇÃO

A arrecadação tributária foi, durante muito tempo, objeto do ramo do Direito

Administrativo. Foi com o advento da Lei Tributária Alemã, em 1919, que o Direito Tributário

começou a ganhar tratamento especial1.

No Brasil, a Emenda Constitucional 18/65 inaugurou o sistema tributário que se

formalizou em 1966 com a edição do Código Tributário Nacional2. Àquele tempo, muitos juristas

contribuíram na interpretação das normas e formulação de princípios próprios, com destaque para

Aliomar Baleeiro, Amílcar Falcão, Geraldo Ataliba e Paulo de Barros Carvalho.

O conceito de tributo está expresso no art. 3º do CTN, mas sua compreensão

remete à análise da Constituição Federal Brasileira de 1988, especialmente do Capítulo “Do

Sistema Tributário Nacional”, que define, sobretudo, competências tributárias e limitações ao

poder de tributar.

Com fundamento no método de classificações dos tributos (mediante análise de

suas estruturas ou funções) adotado por Leandro Paulsen3, baseado no texto constitucional com

os acréscimos e alterações decorrentes das Emendas n° 39/02 e 41/03, temos 5 espécies

tributárias – a saber, impostos, taxas, empréstimos compulsórios, contribuições de melhoria e

contribuições – que compõem a receita tributária no Brasil tal qual ocorre na maior parte do

mundo.

A destinação legal (ou finalidade) do tributo é o critério basilar na identificação de

determinadas espécies tributárias, como as contribuições especiais.

No entanto, não é de hoje que se verifica a crescente participação na arrecadação

tributária de contribuições sociais similares a impostos, que têm sido desviadas de sua finalidade

para permitir o ajuste das contas federais. Sem maiores constrangimentos, o Poder Executivo vem

1 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 6ª. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2014, p 24. 2 PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. Contribuições – Teoria Geral – Contribuições em Espécie. Porto

Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 20. 3 Ibid, p. 38.

10

manipulando cada vez mais contribuições sociais como forma disfarçada de cobrar impostos.

Prova disto e a extinta CPMF e seus mecanismos de desvinculação tributária, que foram

sucessivamente prorrogados por 10 anos.

A presente monografia tem o objetivo de analisar a validade e constitucionalidade

da contribuição social instituída pelo art. 1º da Lei Complementar n° 110/01, publicada em 12 de

junho de 2001, autorizando créditos de complementos de atualização monetária em contas

vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, nos percentuais de 16,64% do Plano

Verão (janeiro de 1989) e 44,8% do Plano Collor I (abril de 1990)4.

A análise se concentra no estudo da questão do exaurimento da finalidade da

contribuição e, portanto, desvirtuação da arrecadação, tendo em vista que as citadas contribuições

sociais foram criadas para prover recursos para o pagamento da correção monetária das contas

vinculadas do FGTS, em virtude dos expurgos inflacionários dos citados Planos Econômicos.

No primeiro capítulo faz-se um breve histórico da criação e propósito do Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço, especificando as exações (algumas instituídas sob o nome de

“contribuições sociais”) cobradas pelo Poder Público para custear o amparo oferecido aos

trabalhadores.

O segundo capítulo apresenta a evolução da natureza jurídica das contribuições

sociais, discorrendo sobre o conceito e pressupostos extraídos do texto Constitucional, Legislação

Tributária e Doutrina majoritária.

O terceiro capítulo examina os argumentos de invalidade e inconstitucionalidade

da contribuição social criada pelo art. 1º LC 110/01, ante o exaurimento de sua finalidade, o

desvio do produto de sua arrecadação e, ainda, a sua incompatibilidade com texto constitucional

superveniente. Ao instituir a contribuição do art. 2º da LC 110/01, o legislador vinculou sua

vigência por prazo determinado – a saber, sessenta meses, nos termos do §2º do art. 2º –

caracterizando a natureza temporária, bem como a finalidade específica da exação. Contudo,

mesma sorte não possui a contribuição social descrita no art. 1º, singularidade que suscita um dos

debates atuais mais polêmicos na seara jurídica.

4 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp110.htm , acesso em 01.03.2016

11

O quarto capítulo analisa a posição dos tribunais e juízos federais sobre a matéria,

que aguarda a apreciação da Suprema Corte no julgamento do RE 878.313/SC e das ADIs 5050,

5051 e 5053, tendo em vista que na ocasião do julgamento da ADI 2556/DF, se manifestou,

apenas, que as contribuições criadas pela LC 110/01 são tributos da especie “contribuição social

geral”, e portanto, constitucionais. A questão do esgotamento da finalidade da contribuição, seu

desvio de finalidade e mesmo a “inconstitucionalidade material superveniente”, não foi apreciada

pelo STF àquela ocasião.

12

1 PERSPECTIVA HISTÓRICA E LEGAL DO FGTS

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS – foi instituído pela Lei n°

5.1075 em 1966 em vistas de criar uma poupança para o trabalhador. Foi idealizado como regime

alternativo à estabilidade no emprego, adquirida após 10 anos de serviço prestados à um

empregador, assegurada pelo art. 157, XII, da Constituição Brasileira de 19466, onde o

empregado que fosse dispensado depois de conquistar a estabilidade decenal sem justa causa,

teria direito a uma indenização equivalente a um mês de remuneração por ano trabalhado, além

de uma multa de 10%.

Note-se que, mesmo com a estabilidade prevista na CRFB/46, o novo regime do

FGTS era constitucional, uma vez que era uma opção do empregado que, para ter direito ao

FGTS, deveria renunciar à estabilidade decenal, conforme ensina Sérgio Pinto Martins7.

Trata-se, portanto, de depósito bancário que constitui um direito social

fundamental do trabalhador, consolidado no art. 7º inciso III da CRFB/88, podendo ser sacado

nas hipóteses previstas na lei, com destaque para a dispensa sem justa causa.

Como dito acima, a Lei de criação do fundo, editada antes da CRFB/88, previa que

os trabalhadores optantes pelo FGTS teriam direito a receber uma indenização de 10% decorrente

de dispensa sem justa causa. No entanto, o art. 10, I, dos Atos de Disposições Constitucionais

Transitórias (ADCT)8, majorou de 10% para 40% o valor da indenização adicional:

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I,

da Constituição:

I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da

porcentagem prevista no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de

setembro de 1966;

Atualmente, o fundo é regido pela Lei n° 8.0369 de 1.990, regulamentada pelo

Decreto 99.684 de 1.990, e determina em seu art. 18, §1º, o recolhimento da indenização nos

5 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5107.htm , acesso em 01.03.2016 6 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm , acesso em 01.03.2016 7 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 9 8 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#adct , acesso em 01.03.2016 9 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8036consol.htm , acesso em 01.03.2016

13

termos da disposição citada acima:

§1º. Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este,

na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por

cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a

vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos

respectivos juros.

O FGTS é constituído por saldos de contas vinculadas aos trabalhadores e de

outros recursos incorporados, cuja curatela é exercida pelo Conselho Curador do FGTS

(administrado pela Caixa Econômica Federal), de acordo com o art. 5º da Lei n° 8.036/90,

destinando-se tanto ao trabalhador quanto ao fomento de programas governamentais voltados

para o desenvolvimento econômico do país.

Para tanto, enquanto não disponibilizados para saque dos trabalhadores, os

recursos arrecadados pelo fundo são aplicados em projetos públicos, principalmente

financiamento de habitação, obras de saneamento básico e infra-estrutura. Veja-se que o art. 9º §

3º da Lei 8.036/90, determina que 60% dos recursos devem ser investidos em moradias

populares.

Nesse sentido, é notório o interesse do Estado em administrar a arrecadação de

contribuições ao fundo, destinando seus recursos aos objetivos expressos no art. 3º da Carta

Magna10, em atenção aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos tutelados pelo Estado,

à luz, inclusive, do art. 193, que assim dispõe: “A ordem social tem como base o primado do

trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

As obrigações devidas ao FGTS estão previstas nos arts. 15 e 18, §1º e §2º, da Lei

n° 8.036/90, com redação dada pelo art. 31 da Lei n° 9.491/97, cabendo ressaltar que não

possuem natureza tributária, tratando-se de um ônus de cunho trabalhista.

O art. 15 se refere a uma contribuição mensal correspondente a 8% da

remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, enquanto o art. 18, §1º, ocupa-

se do encargo de 40% devido sobre o montante de todos os depósitos realizados na conta

vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, no caso de dispensa sem justa causa.

10 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm , acesso em

01.03.2016

14

Caso a rescisão do contrato de trabalho se dê por culpa recíproca ou força maior, a

multa será de 20% do saldo da conta vinculada, a teor do art. 18, §2º, da Lei n° 8.036/90.

Note-se que os valores depositados na forma do art. 18 correspondem a uma

sanção por infração legal, possuindo natureza de multa. Por ser decorrente de uma infração legal,

o encargo não poderia ter natureza tributária, pois vai de encontro com a previsão do art. 3º do

CTN, que define o tributo como exação pecuniária compulsória que não constitua sanção de ato

ilícito.

Nesse sentido, importa frisar que o depósito de 8% prescrito no art. 15, configura

uma contribuição social – de natureza trabalhista11 – realizada em benefício do trabalhador que,

na hipótese de injusta dispensa, poderá sacar os valores depositados em sua conta vinculada com

os acréscimos de multa do art. 18.

Nos anos 90, o FGTS viu seu equilíbrio financeiro comprometido, parte por conta

de fatores exógenos que atingiram suas aplicações. No âmbito habitacional, essa crise teve

origem nos subsídios institucionais concedidos aos mutuários finais, agravados pelos efeitos de

planos econômicos de 1989 e 1990, cujas prestações, de forma geral, não cobriam os juros

contratuais por conta da inflação.

Em janeiro de 1989, durante a vigência do Plano Verão, o governo determinou

regras de correção das contas vinculadas diversas do índice divulgado do IPC, culminando numa

perda patrimonial de 16,06% do valor do saldo do fundo. Ademais, no mês de abril de 1990, na

vigência do Plano Collor I, as contas vinculadas do fundo sequer foram atualizadas, embora a

inflação do período tenha atingido 44,8%.

Como os índices de inflação foram aplicados a menor na correção monetária das

contas vinculadas do FGTS, os acumulados resultaram em perda efetiva de aproximadamente

68,9% sobre o rendimento dos valores depositados.

A Caixa Econômica Federal (CEF), então, foi condenada judicialmente a

promover as atualizações monetárias dos saldos das contas vinculadas do FGTS12.

11 VELLOSO, Andrei Pitten. op. cit., p. 103. 12 Recurso Extraordinário n° 226.855, STF, Rel. Min. Moreira Alves, publicado no Dj de 13.10.2000

15

Temendo-se a possibilidade de inúmeros ajuizamentos de demandas judiciais

visando a respectiva correção dos saldos, o que poderia paralisar o processo judiciário brasileiro,

a correção automática dos fundos foi estendida a todos os trabalhadores, independentemente de

decisão judicial, surgindo a necessidade de geração de patrimônio na ordem de bilhões de reais.

Isto ensejou a propositura do Projeto de Lei Complementar nº 195/01 visando

prover as despesas com as atualizações determinadas pelo judiciário, conforme se depreende pela

ementa do referido projeto de lei, abaixo transcrita:

Projeto de Lei Complementar n° 195, de 2001 (Do Poder Executivo) -

Mensagem n° 291/01:

Institui contribuições sociais, autoriza créditos em contas vinculadas do Fundo

de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de complementos de atualização

monetária decorrentes de decisão do Supremo Tribunal Federal, e dá outras

providências.13

O projeto foi convertido na Lei Complementar n° 110/0114, que instituiu, em

especial, em seu art. 1º, a contribuição social de 10% sobre o FGTS, para equilibrar o saldo

afetado pelos expurgos inflacionários decorrentes da implementação de diferentes planos

econômicos editados pelo governo:

Art. 1º. Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso

de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o

montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do

Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido

das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.

13 Mensagem n° 291/01, Diário da Câmara dos Deputados n° 044, ano LVI – publicado em 04.04.2001 14 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp110.htm , acesso em 01.03.2016

16

2 A NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

Na vigência da Constituição Brasileira de 1967, as contribuições se sujeitavam às

normas gerais de direito tributário. No entanto, com a superveniência da Emenda Constitucional

n° 8, de 14 de abril de 1977, tais Contribuições foram transferidas do Capítulo da tributação para

o art. 43, X, referente à Seção IV “Das Atribuições do Poder Legislativo”.

Ato contínuo, o STF se posicionou no sentido de que as contribuições sociais,

referidas no art. 43, X, daquela Constituição, deixaram de ser tributos, mesmo porque, sua

localização “topográfica” em capítulo diverso daquele relativo ao sistema tributário não

permitiria tal classificação15.

As Contribuições Especiais Sociais foram extraídas do capítulo que tratava do

sistema tributário nacional e passaram a integrar o capítulo que tratava das atribuições do Poder

Legislativo, especialmente para explicitar a competência do Congresso Nacional para dispor

sobre as mesmas.

Foi somente com o advento da Constituição Brasileira de 1988, que as

contribuições foram reguladas explicitamente no art. 149, no capítulo do Sistema Tributário

Nacional e reiteradas manifestações do Supremo Tribunal Federal pacificaram o entendimento

acerca de sua natureza tributária.

Ainda assim, muito se questionou que a Constituição tratou as contribuições como

figuras diferenciadas dos demais tributos. Hugo de Brito Machado ressaltou que o Código

Tributário, em seu art. 3°, ao definir tributo, conduz ao entendimento de que este e instrumento de

transferência de recursos financeiros do setor privado para o Estado, motivo provável pelo qual o

CTN não traz em seu conteúdo referência às contribuições16. No entanto, este entendimento

encontra-se superado pelo STF17.

15 Recurso Extraordinário n° 86.595-BA, Pleno, RTJ, 87/271 16 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006,

p. 76. 17 Recurso Extraordinário n° 146.733-SP, STF, Tribunal Pleno, publicado em RTJ, 143:684-704, fev. 1993; Recurso

Extraordinário n° 148.754-RJ, publicado em RTJ, 150:888-921, dez. 1994; etc.

17

Para Hugo de Brito Machado18, as contribuições sociais ostentam características

ora de imposto ora de taxa, tornando complexa sua classificação e determinação de sua natureza

jurídica específica. Assemelham-se com a taxa na medida que possui caráter contraprestacional, e

com o imposto em virtude do fato gerador, que ocorre com a realização de situação definida em

lei.

Todavia, é inafastável o entendimento a respeito de sua natureza tributária, já

sedimentado pelos Tribunais Superiores e doutrinadores, sendo imprescindível admitir que

constituem espécie tributária distinta.

Ora, as contribuições se encaixam perfeitamente no conceito de tributo definido

pelo CTN no art. 3°; são, de fato, prestações pecuniárias compulsórias, vez que derivam da mera

ocorrência do fato imponível, independentemente da vontade do sujeito passivo.

São, portanto, “tributos devidos em razão de atos praticados pelos contribuintes,

cuja cobrança gera receita predestinada a financiar atividades estatais ou despesas específicas.”19

Cumpre dizer que as contribuições sociais destinam-se ao custeio do sistema de

seguridade social e outros benefícios na área social, exigindo a atuação do Estado neste segmento

direcionada à coletividade.

No entanto, constata-se que o fato gerador destas contribuições não reside na

atuação estatal em si, não configurando, assim, ações gerais que poderiam ser custeadas através

de impostos ou ações divisíveis e específicas que seriam custeadas por taxas, vez que não

correspondem ao exercício do poder de polícia nem à prestação de serviço público divisível.

Nesse sentido, todas as contribuições especiais estão vinculadas à atuação do

Estado, mas não pela sua hipótese de incidência. A vinculação decorre das metas e finalidades

estatais definidas.

Pode-se dizer, então, que as contribuições têm um caráter “parafiscal” ao passo

que sua função não é meramente arrecadatória. Ainda que tal analogia possa trazer novamente à

debate a natureza tributária das contribuições, a doutrina brasileira é unânime em asseverar que a

18 MACHADO, Hugo de Brito. op. cit., p. 388 19 VELLOSO, Andrei Pitten. op. cit., p. 28.

18

parafiscalidade se submete aos pressupostos do sistema tributário.

Para Aliomar Baleeiro, “há, na parafiscalização, o elemento coativo peculiar a

todos os tributos”20.

O artigo 149 da Constituição Brasileira de 1988 dispõe que compete à União

instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias

profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas21.

Como o objeto de estudo do presente trabalho reside na análise de uma

contribuição social, é importante destacar que estas contribuições compreendem um rol mais

abrangente do que as que se destinam ao custeio da seguridade social, podendo ser instituídas

para qualquer finalidade relacionada ao financiamento das metas fixadas no Título VIII (Ordem

Social) da CRFB/88, custeando a atuação do Estado em todos os campos sociais.

Note-se que a Constituição Brasileira vigente não determina os fatos geradores das

contribuições especiais, salvo as de seguridade social, cujas materialidades possíveis estão

previstas no art. 195, CF, e a CIDE-Combustíveis, contribuição interventiva que tem seus

possíveis fatos geradores previstos no art. 177, § 4º, CF.

Assim, o problema central na análise da natureza das contribuições reside na

validação finalística, que as difere dos impostos e taxas. Isto porque as contribuições possuem

acepção abrangente, tendo em vista que o constituinte adota como critério classificatório das

contribuições a sua finalidade.

A principal peculiaridade das contribuições frente aos impostos reside no fato de

terem o objetivo de realizar as finalidades estatais constitucionalmente definidas. Isto importa

esclarecer que se for instituído um tributo com hipótese de incidência não vinculada, sem

relacionar suas receitas a uma finalidade especifica, teremos um imposto, e não uma

contribuição. Daí decorre o caráter finalístico das contribuições; a finalidade para a qual são

criadas é que autorizam a sua instituição.

20 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças, Rio de Janeiro, Forense, p. 290 21 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm , acesso em

01.03.2016

19

Nesse sentido, a destinação do produto arrecadado deveria ser rigorosamente

observada pelo legislador infraconstitucional no momento da instituição das contribuições.

Ao que tudo indica, o STF tem simplesmente entendido que, se o tributo se destina

a certa finalidade constitucionalmente prevista, cuida-se de contribuição.

Entretanto, merece destaque sua ligação indissociável com a finalidade que

ensejou a sua criação. De acordo com Marco Aurelio Greco, “a contribuição e caracterizada pela

inerência da finalidade à sua essência22”.

22 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições - uma figura sui generis, Dialética, 2000, p. 144

20

3 ANÁLISE DA VALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA

CONTRIBUIÇÃO

As contribuições instituídas pela LC n° 110/01, em especial a contida em seu art.

1º, foram criadas com a finalidade de gerar recursos para que o Governo Federal cobrisse os

rombos nas contas do FGTS provocados pelos expurgos dos Planos Verão e Collor I, de combate

à inflação, em 1989 e 199023.

A título de contribuição, instituiu-se na verdade um tributo com o fito de gerar

recursos para o pagamento de dívida do Governo, o que não se enquadra em nenhuma das

finalidades previstas no art. 149 da CRFB/88. Note-se que sua caracterização como contribuição

social geral só se daria caso instituída para financiar a atuação da União em áreas fixadas os

objetivos do título Da Ordem Social na Constituição.

No entanto, o STF, no julgamento das ADIns 2.556 e 2.568, posicionou-se pela

constitucionalidade das contribuições instituídas pela LC 110/01, entendendo que configuram,

validamente, contribuições sociais gerais.

Todavia, a discussão aqui desenvolvida é outra. Atualmente há três fundamentos

novos e autônomos ainda não apreciados pelo STF até o momento24, capazes de invalidar a

contribuição em questão, pois decorrem de fatos supervenientes.

O primeiro fundamento decorre do esgotamento da finalidade que justificou a

instituição da contribuição diante da consumação da recomposição dos fundos no decurso do

tempo.

O segundo deriva do desvio do produto da sua arrecadação desde 2012. No lugar

de ser incorporado ao FGTS, foi destinado para o reforço do superávit primário, através da

retenção de recursos pela União e, além disso, tem sido utilizado para financiar despesas estatais

diversas, como o programa “Minha Casa, Minha Vida” – PMCMV.

23 VELLOSO, Andrei Pitten. op. cit., p. 103. 24 Até o momento, pois, atualmente, aguarda-se o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 5.050,

5.051 e 5.053.

21

O terceiro é que não há justificativa constitucional que valide a instituição de

contribuição social geral sobre a folha de salários, em virtude das mudanças trazidas pela Emenda

Constitucional n° 33/2001 no art. 149 da CRFB/88.

Como se percebe, nenhum dos três fundamentos acima foi objeto de análise pela

Suprema Corte, provocando a disseminação e expansão de especulações e debates a respeito da

validade do tributo sob análise.

3.1 EXAURIMENTO DA FINALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO

Como já visto, a LC n° 110/01 instituiu a contribuição social do art. 1º com o

escopo de viabilizar a atualização monetária das contas vinculadas de FGTS, que sofreram

expurgos por ocasião da implementação do Plano Verão e do Plano Collor I.

Sobre isto, cabe transcrever a exposição de motivos do Projeto de Lei

Complementar nº 195/01 (mensagem nº 291)25, que se baseou especialmente no julgamento do

Recurso Extraordinário n° 226.855/RS, dando origem à LC n° 110/01:

O reconhecimento por parte do Poder Judiciário de que os saldos das contas

vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foram corrigidos a menor

na implementação dos Planos Verão e Collor I, teve o efeito de aumentar o

passivo do FGTS sem o correspondente aumento do ativo necessário para evitar

um desequilíbrio patrimonial no Fundo. Diante dessa decisão da Justiça, e

devido à possibilidade de que um número excessivamente elevado de

trabalhadores ajuizasse demandas para correção dos saldos na mesma proporção,

o que teria o efeito de paralisar o processo judiciário no País, Vossa Excelência

decidiu estender a todos os trabalhadores a correção automática de seus saldos,

independentemente de decisão judicial. Isto criou uma necessidade de geração

de patrimônio do FGTS da ordem de R$42 bilhões. (…)

Com estas medidas, o FGTS conseguirá alcançar a 92% dos titulares de contas

vinculadas, que têm complementos de atualização monetária não superiores a R$

1.000,00, até junho de 2002. Os demais titulares, que têm valores acima desse

montante, terão o complemento creditado em suas contas entre julho de 2002 e

junho de 2006, finalizando o pagamento em cinco anos, contados a partir de

julho de 2001.

O período necessário para que todos os trabalhadores recebam o que lhes é

devido é, dentro do acordo, bem menor do que provavelmente viria ao correr se

estes tivessem que entrar com demandas judiciais, dado ao acúmulo de

25 Mensagem n° 291/01, Diário da Câmara dos Deputados n° 044, ano LVI – publicado em 04.04.2001

22

processos que ocorreria na Justiça e a consequente lentidão que isto acarretaria

no julgamento destes processos.

Neste cenário, foi aprovado o projeto que resultou na LC n° 110/01, que instituiu a

contribuição social de 10% sobre os depósitos do FGTS nos casos de demissão sem justa causa,

cujo fato gerador é a despedida injusta do empregado, tornando a referida contribuição idêntica

ao depósito de 40% descrito no §1º do art. 18 da Lei n° 8.036/90.

Nesse sentido, a referida "contribuição social” poderia ser considerada adicional

da multa pela rescisão unilateral sem justa causa do contrato de trabalho, certo que seu fato

gerador representa uma infração legal, afastando-se da definição de tributo descrita no art. 3º do

CTN, como já visto anteriormente.

Contudo, os valores recolhidos referentes à multa de 10% não são revertidos para

o trabalhador, que continua percebendo apenas os 40% de multa rescisória sobre os depósitos

realizados no curso de seu contrato de trabalho.

A finalidade das receitas decorrentes das contribuições da LC n° 110/01 sempre

esteve atrelada ao custeio das despesas da União com o pagamento dos expurgos inflacionários

aplicados nos saldos das contas do FGTS do período. Vejamos a redação do artigo 4º da LC n°

110/01:

Art. 4º. Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas

vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de

atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de

dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e

quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas,

respectivamente, no período de 1o de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de

1989 e durante o mês de abril de 1990

Assim, resta implícito que esse adicional vigorará pelo tempo necessário às

atualizações monetárias dos valores das contas vinculadas dos empregados, evidenciando o

caráter temporário desta contribuição, até que se complete a reposição dos índices de inflação nas

contas do FGTS, suprimidos no passado.

Ademais, o Decreto n° 3.913/0126, regulamentador da LC nº 110/01, esclarece, em

26 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3913.htm , acesso em 01.03.2016

23

seu art. 4º, II, o cronograma de pagamento das complementações de atualização monetária do

FGTS, indicando que os dispêndios se encerrariam no ano de 2007. Vejamos:

Art. 4º. O titular da conta vinculada manifestará, no Termo de Adesão, sua

concordância: (…)

II - com a forma e os prazos do crédito na conta vinculada, consoante as

seguintes especificações: (...)e) o complemento de atualização monetária no

valor total acima de R$ 8.000,00 (oito mil reais), definido antes da dedução de

que trata o inciso I, alínea d, será creditado em sete parcelas semestrais, a partir

de janeiro de 2004, para os titulares de contas vinculadas que tenham firmado o

Termo de Adesão até o dia 30 de dezembro de 2003.

Todavia, é certo que trata-se de mera presunção de vigência pelo prazo necessário

ao ressarcimento dos valores sonegados nas contas vinculadas do FGTS por conta dos Planos

Econômicos Verão e Collor I, diferente do que ocorre com a contribuição instituída pelo art. 2º da

LC n° 110/01, que traz prazo de vigência prefixado, caracterizando sua natureza de tributo

temporário com finalidade específica.

Ademais, a referida lei desencadeou calorosas discussões a respeito de sua

constitucionalidade, sob inúmeras alegações de que as contribuições por ela instituídas seriam, na

verdade, impostos27, violando dispositivos constitucionais, com destaque para o princípio da

anterioridade (art. 150, III, 'b', CRFB/88).

O Supremo Tribunal Federal declarou a validade e a constitucionalidade das

exações no julgamento nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 2.556 e 2.568 pelo

Plenário, admitindo-as como contribuições sociais gerais, mas apenas a partir de janeiro de 2002,

em atenção ao princípio da anterioridade.

A caracterização das contribuições como “gerais”, afasta o tratamento do art. 195

da CRFB/88, sendo regidas pelo art. 149.

A finalidade das cobranças é manifestamente cobrir a dívida pública decorrente

dos rombos nas contas do FGTS, tornando mandatória a destinação da receita arrecadada para o

cumprimento do objetivo pretendido ao instituir as contribuições.

Note-se que as exações em estudo não podem ser caracterizadas como imposto,

27 Discussão objeto das ADIs nºs 2.556 e 2.568.

24

em virtude da proibição expressamente contida no inciso IV do art. 167, da CRFB/88, que veda a

vinculação de receita de impostos a qualquer órgão, fundo ou despesa, atentando-se também para

o disposto no art. 154, I, que proíbe a instituição de impostos que tenham o mesmo fato gerador

ou base de cálculo dos constitucionalmente já previstos.

Nesse sentido, o próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 16, veda a

instituição de imposto com destinação específica.

O art. 4º da LC 110/01 vinculou a receita do produto da arrecadação dos tributos

para restituir o saldo deficitário das contas vinculadas do fundo, hipótese vedada pelo art. 167, IV,

CF/88 que estabelece:

Art. 167 . São vedados:

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas

a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts.

158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde e

para manutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado pelo art. 212,

e a prestação de garantia às operações de crédito por antecipação de receita,

previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no §4º deste artigo.

Ocorre que em 08 de fevereiro de 2012, a Caixa Econômica Federal, responsável

pela administração das contas do FGTS, informou, por meio do Ofício n° 038/201228, dirigido ao

Secretário-Executivo do Conselho Curador do FGTS, que o saldo negativo já havia sido

equilibrado.

Certo que a CRFB/88 não submeteu as Contribuições ao regime jurídico dos

impostos (com destaque à vedação do art. 167, proibindo a vinculação da receita gerada com a

arrecadação a órgão, fundo ou despesa), mas a um regime jurídico próprio, inexiste a

possibilidade de se dar nova destinação à contribuição, vez que possui finalidade específica.

Diante disto, não se poderia exigir uma contribuição social cuja finalidade

originalmente atrelada à sua instituição resta exaurida, pois ameaça o princípio da segurança

jurídica, diante da confiança dos cidadãos nos atos do Poder Público.

28 Informação obtida em consulta à Ata da 128ª Reunião Ordinária do Conselho Curador do Fundo de Garantia do

Tempo de Serviço, realizada em 15 de maio de 2012, disponível em http://www.caixa.gov.br/Downloads/fgts-

atas-conselho-curador/20120515_Ata_128_Reuni%C3%A3o_Ordin%C3%A1ria_CCFGTS.pdf , acesso em

01.03.2016

25

Tendo em vista que a recomposição dos expurgos inflacionários das contas

vinculadas do FGTS foi atingida, culminando na situação superavitária do fundo29, a Câmara dos

Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar n° 200/12 (n° 198/07 no Senado Federal),

que tinha como objetivo acrescentar um parágrafo ao artigo 1º da LC 110/01, para fazer constar

um prazo para a extinção da contribuição social em análise.

Contudo, o citado projeto foi vetado pela Presidência da República, que, em sua

mensagem de veto nº 30130, publicada no DOU de 25.07.2013, afirmou expressamente que a

extinção da contribuição em análise geraria um impacto superior a três bilhões de reais por ano

nas contas do FGTS, o que reduziria os investimentos em programas sociais, em particular o

Programa Minha Casa, Minha Vida. O Congresso Nacional, em sessão realizada no dia

18.09.2013, decidiu manter tal veto.

As razões para o veto presidencial evidenciam o exaurimento da finalidade que

legitimou a instituição da contribuição, tanto é que os valores arrecadados passaram a ser

direcionados para programas sociais do governo.

Por conseguinte, uma vez alcançada a finalidade da contribuição, cessa a

compulsoriedade, pois, do contrário, quebra-se a confiança entre o Estado e os contribuintes, pilar

de todo processo de positivação do direito.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de

29 Notícia veiculada pelo site do FGTS em março de 2013, destacando a situação superavitária das contas do FGTS.

Disponível em: http://www.fgts.gov.br/noticias/noticia.114.asp , acesso em 01.03.2016 30 MENSAGEM Nº 301, DE 23 DE JULHO DE 2013: Senhor Presidente do Senado Federal, Comunico a Vossa

Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por contrariedade ao

interesse público, o Projeto de Lei Complementar nº 200, de 2012 (nº 198/07 no Senado Federal), que

"Acrescenta § 2º ao art. 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, para estabelecer prazo para a

extinção de contribuição social". Ouvidos, os Ministérios do Trabalho e Emprego, do Planejamento, Orçamento e

Gestão e da Fazenda manifestaram-se pelo veto ao projeto de lei complementar conforme as seguintes razões: "A

extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de

reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, contudo a proposta não está

acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas

compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção do texto levaria à redução de

investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas

realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FI-FGTS.

Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida,

cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS." Essas, Senhor Presidente, as razões

que me levaram a vetar o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do

Congresso Nacional.

26

Inconstitucionalidade (ADI) n° 255631, declarou que a contribuição é harmônica com a

Constituição Federal Brasileira de 1988, entendendo, no entanto, que “o argumento relativo à

perda superveniente de objeto dos tributos em razão do cumprimento de sua finalidade deverá ser

examinado a tempo e modo próprios”.

Ressalte-se que a Egrégia Suprema Corte posicionou-se, quanto à natureza jurídica

das contribuições sociais, in litteris:

(...) Min° JOAQUIM BARBOSA (Relator): A especie tributária “contribuição”

ocupa lugar de destaque no sistema constitucional tributário e na formação das

políticas públicas. Espécie tributária autônoma, tal como reconhecida por esta

Corte, a contribuição caracteriza-se pela previsão de destinação específica do

produto arrecadado com a tributação.

(...) Assim, a existência das contribuições, com todas as suas vantagens e

condicionantes, somente se justificam se preservadas sua destinação e sua

finalidade. (...)

Tendo o STF optado por não analisar, naquela oportunidade, a alegada perda de

objeto da contribuição pelo cumprimento da finalidade que havia justificado a sua instituição, a

controvérsia atual – matéria também discutida na ADI n° 5050, na ADI n° 5051, na ADI n° 5053

e no RE n° 878.313/SC – envolve definir se, atingido o motivo para o qual foi criada, a obrigação

tributária em estudo torna-se inconstitucional.

3.2 DESVIRTUAMENTO DA FINALIDADE

Como já exposto, o veto presidencial ao PLC 200/12 sob o argumento de

contrariedade ao interesse social, pois a “medida impactaria fortemente o desenvolvimento do

Programa Minha Casa, Minha Vida32”, evidencia que os recursos do tributo são desviados de sua

finalidade33.

Cumpre acrescentar que em 2013 o Poder Executivo apresentou ao Congresso

31 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2556, STF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, publicado no Dj

de 03.10.2012. 32 Mensagem de veto nº 301, publicada no DOU de 25.07.2013, disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Msg/Vet/VET-301.htm , acesso em 01.03.2016 33 O desvio de finalidade é tratado neste trabalho de acordo com a concepção do direito administrativo, onde a

realização de finalidade estranha à prevista pelo ordenamento jurídico para o ato administrativo resulta na

invalidade do ato.

27

Nacional o Projeto de Lei Complementar n° 328, exatamente com o objetivo de assegurar a

continuidade da cobrança da contribuição social a que se refere o art. 1º da LC 110/01. Veja-se,

portanto, que a arrecadação da contribuição social é manifestamente utilizada para fins diversos

daqueles estabelecidos quando de sua instituição.

Para tanto, o Projeto de Lei n° 328, de 2013, de iniciativa do Executivo, não altera

a destinação originalmente prevista, apenas acrescentando que a CEF poderá empregar parte do

produto da arrecadação da contribuição social depositada no FGTS no financiamento do

Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), mantendo a titularidade dos recursos no FGTS.

Destaque-se que, desde 1998, a partir da publicação da Resolução n° 289/98 do

Conselho Curador34, o FGTS concede descontos nos financiamentos para aquisição de imóveis,

possibilitando a ampliação do acesso ao crédito às famílias de baixa renda.

Com a implementação do PMCMV pela Lei n° 11.977/09, o Fundo de Garantia

revisou seu orçamento para financiar o programa, onde arca com 82,5% dos descontos

concedidos, enquanto o Tesouro Nacional completa com 17,5%35.

Desde 1998, a soma dos descontos concedidos pelo FGTS alcança cerca de R$

45,5 bilhões. Para o PMCMV, desde Abril de 2009, o FGTS ofereceu descontos que já

ultrapassam R$ 30,5 bilhões36.

A propósito, assevera Hugo de Brito Machado que “a função das contribuições

sociais, em face da vigente Constituição, decididamente não é a de suprir o Tesouro Nacional de

recursos financeiros.”

Visto então que a destinação é parte integrante da regra-matriz da natureza das

contribuições sociais, cumpre questionar: havendo desvio da destinação seria considerada

inconstitucional a arrecadação tributária? Para alcançar uma conclusão satisfatória, é necessário

compreender se o desvirtuamento da finalidade resta configurado.

34 Disponível em

http://acesso.mte.gov.br/data/files/FF8080812C12AA70012C12D1BBFF1AA2/r_19980630_289.pdf , acesso em

01.03.2016 35 Informação obtida no sítio do FGTS. Disponível em: http://www.fgts.gov.br/desconto.asp , acesso em 01.03.2016 36 Ibid.

28

É fundamental ter em mente que a utilização dos recursos arrecadados pela CEF

no financiamento do PMCMV, em linha com o que já e feito com o uso dos recursos em

saneamento, habitação e outros investimentos, visa custear a atuação Estatal na área social.

Nesse sentido, a finalidade da contribuição social é necessariamente aquela

descrita no momento de sua instituição mediante lei complementar ou seria a constitucionalmente

definida no art. 149?

Leandro Paulsen37 explica que não se deve confundir a finalidade que caracteriza a

contribuição e autoriza sua cobrança com a destinação efetiva dos recursos, usando o seguinte

argumento:

a finalidade ou destinação legal e requisito inafastável para a caracterização da

contribuição. O enquadramento da finalidade apontada na lei instituidora dentre

aquelas constitucionalmente previstas como autorizadoras da instituição de

contribuição é requisito de validade da mesma. Verifica-se qual é a finalidade

pela análise da destinação legal do produto da arrecadação.

Ademais, ensina que “o legislador não pode alterar a destinação das contribuições,

sob pena de retirar-lhes o suporte constitucional que decorre, justamente, da adequação às

finalidades previstas no art. 149 e 149-A da Constituição”. Nesse sentido, a instituição de

contribuições deve obedecer uma finalidade constitucionalmente definida:

Não há, pois, uma competência irrestrita, uma carta branca ao legislador para a

criação de tributos simplesmente justificados como destinados a uma finalidade

social. A validade da contribuição dependerá da finalidade buscada que,

necessariamente, terá de encontrar previsão no Título atinente à Ordem Social.38

Kiyoshi Harada defende que “uma das características essenciais da contribuição

social é exatamente a vinculação do produto de sua arrecadação a uma determinada finalidade,

assumindo características próprias de um imposto especial39”.

Veja-se que não se trata de um debate meramente político, diante da intenção do

Executivo em manipular a arrecadação do tributo determinando novo desígnio a este, em mais

uma nítida tentativa de instituir exações não submetidas a imunidades e demais princípios

37 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência.

7ª. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: ESMAFE, 2005, p. 140, 141 38 VELLOSO, Andrei Pitten. op. cit., p. 98. 39 HARADA, Kiyoshi. Contribuições Sociais Doutrina e Prática. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 139.

29

constitucionais tributários de alta relevância.

A tese da finalidade constitucionalmente definida40 não pode ser invocada

porquanto contribuição e um tributo que se caracteriza precisamente em função de sua finalidade

específica. A admissão de uma contribuição “sem finalidade constitucionalmente definida”,

permitiria a arrecadação de absolutamente tudo atraves de “contribuições gerais”, vez que seu

âmbito constitucional de incidência e quase que ilimitado, o que esvaziaria a competência

residual estabelecida no art. 195, § 4°, da CRFB/88, além da própria competência para instituir

taxas e imposto.

Isto posto, ainda que a referida contribuição originalmente tenha por objetivo

custear o déficit no FGTS causado pelos expurgos inflacionários, tal qual expresso da exposição

de motivos, esta intenção parece não ter sido incorporada à norma, que de fato não condiciona a

cessação da exigibilidade do tributo a termo ou condição.

Com efeito, as razões deduzidas na exposição de motivos não vinculam a

interpretação da norma, certo que a eventual intenção do legislador nada vale formalmente para a

interpretação jurídica, ainda que influencie significativos debates.

Note-se que a destinação dos recursos se encontra definida pelo artigo 3°, § 1°, da

LC n° 110/0141 e corresponde, estritamente, ao aporte de receitas ao FGTS, como se vê de seu

teor transcrito a seguir:

Art. 3° As contribuições sociais de que tratam os arts. 1° e 2o aplicam-se as

disposições da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990 e da Lei n° 8.844 de 20 de

janeiro de 1994, inclusive quanto a sujeição passiva e equiparações, prazo de

recolhimento, administração, fiscalização, lançamento, consulta, cobrança,

garantias, processo administrativo de determinação e exigência de créditos

tributários federais.

§ 1° As contribuições sociais serão recolhidas na rede arrecadadora e

transferidas à Caixa Econômica Federal, na forma do art. 11 da Lei no 8.036, de

11 de maio de 1990, e as respectivas receitas serão incorporadas ao FGTS.

Nessa lógica, ao serem incorporadas ao FGTS por previsão legal, as contribuições

40 Entendida aqui segundo a imposição do art. 149 da CRFB/88 para instituição de contribuições que tenham

finalidade prevista no texto constitucional, ainda que implicitamente, conforme demonstrado no desenvolvimento

deste trabalho. 41 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp110.htm , acesso em 01.03.2016

30

somam-se às demais fontes de receitas do Fundo, podendo admitir-se, como consequência, a sua

utilização tanto para fazer frente ao pagamento das correções monetárias das contas, como para

financiar outras atividades a ele vinculadas.

No art. 4°, encontramos a disposição que autoriza expressamente o crédito de

valores visando precisamente equilibrar o saldo afetado pelos expurgos inflacionários decorrentes

da implementação dos planos econômicos referentes aos períodos de 1989 e 1990:

Art. 4° Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas

vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de

atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de

dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e

quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas,

respectivamente, no período de 1° de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de

1989 e durante o mês de abril de 1990, desde que:

I – o titular da conta vinculada firme o Termo de Adesão de que trata esta Lei

Complementar;

II – até o sexagésimo terceiro mês a partir da data de publicação desta Lei

Complementar, estejam em vigor as contribuições sociais de que tratam os arts.

1° e 2°; e (Vide: ADIN 2.556-2 e ADIN 2.568-6)

III – a partir do sexagésimo quarto mês da publicação desta Lei Complementar,

permaneça em vigor a contribuição social de que trata o art. 1°. (Vide: ADIN

2.556-2 e ADIN 2.568-6)

Sendo assim, seria admissível a hipótese de que a aplicação da receita no

investimento de programas sociais pelo FGTS não configuraria um desvio de finalidade.

A contribuição tem incrementado o fluxo de caixa do FGTS, possibilitando ao

Fundo dar continuidade à expansão da aplicação de recursos no financiamento de programas de

habitação popular, de saneamento básico e de infraestrutura urbana.

Não obstante, por mais nobre que seja a nova destinação desses recursos, os

indícios de inconstitucionalidade da norma são visíveis.

Portanto, a incumbência de resolver o imbróglio e examinar a

inconstitucionalidade superveniente da exação descrita no art. 1º da LC n° 110/01 é da Suprema

Corte, com o julgamento das ADIs n° 5050, n° 5051 e n° 5053 e do RE n° 878.313/SC.

Frise-se que, em manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral do

31

Recurso Extraordinário42, o ministro Marco Aurélio salientou que na ADI n° 2556, o STF

declarou a contribuição constitucional, mas que “a controvérsia, passível de repetição em

inúmeros casos, está em saber se, constatado o exaurimento do objetivo para o qual foi instituída

a contribuição social, deve ser assentada a extinção do tributo ou admitida a perpetuação da

cobrança ainda que o produto da arrecadação seja destinado a fim diverso do original”.

3.3 ALTERAÇÃO DO ART. 149, § 2º, III, 'a' PELA EC 33/01

Por fim, outro aspecto que carece de enfrentamento diz respeito à superveniência

da Emenda Constitucional 33, de 11 de dezembro de 2001, publicada cerca de seis meses após a

LC 110/01, de 11 de junho de 2001.

A EC 33/01 introduziu expressivas limitações à competência tributária da União

para instituição de contribuição social, acrescentando três parágrafos ao art. 149 da Carta

Magna43 (com o objetivo de regular os mercados de importação e comercialização de petróleo e

seus derivados, gás natural e álcool combustível e etc.), restringindo as bases econômicas

(materialidades) passíveis de tributação a título de contribuições sociais no art. 149, § 2°, III, a,

ao faturamento, receita bruta, valor da operação ou valor aduaneiro:

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de

que trata o caput deste artigo:

III - poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da

operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro

Certo que a obrigação instituída pelo art. 1° da LC 110/01 incide sobre “montante

de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS,

durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas

vinculadas”, não há hesitação para se concluir pela revogação da norma, vez que não se

42 O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada

(Acórdão proferido no RE nº 878.313/SC, STF, Relator Min. Marco Aurélio, Dje de 22.09.2015.) 43 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm , acesso em

01.03.2016

32

harmoniza com a nova redação constitucional.

Ainda que evidente a incompatibilidade entre a base de cálculo definida da LC

110/2001 e a aquela determinada CRFB/88, com a redação da EC 33/01, mostrando-se patente a

“inconstitucionalidade material superveniente”, uma vez que a Emenda Constitucional e posterior

à LC, a contribuição em estudo foi julgada constitucional pelo Supremo.

No entanto, cumpre sublinhar que a EC n° 33/01 já estava em vigor há mais de dez

anos à época do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2556, realizado em 13 de

junho de 2012, de modo que sua edição não caracterizaria fato superveniente para motivar a

reapreciação da constitucionalidade da norma.

Ressalte-se, contudo, que esta questão não foi analisada naquela ocasião, visto que

a Suprema Corte julgou as alegações de violação dos arts. 5°, LIV, 150, III, 'b', 145, §1°, 157, II,

167, IV, todos da CRFB/88.

Neste sentido, importa dizer que a validade da norma não foi expressamente

apreciada à luz do pressuposto de seu próprio conflito com o texto constitucional, diante da

edição da Emenda à Constituição que afeta diretamente a validade da Lei Complementar em

exame.

Isto porque, de acordo com a jurisprudência do próprio Supremo, a superveniência

de uma norma constitucional materialmente incompatível com legislação ordinária anterior, opera

a revogação desta, ensejando sua alteração para adequar-se ao novo texto constitucional. Em

outras palavras, no fenômeno da recepção constitucional de normas infraconstitucionais, a

incompatibilidade provoca a revogação tácita da lei.

No entanto, ainda que a questão da constitucionalidade do direito anterior à

Constituição não tenha sido expressamente tratada pela CRFB/88, é impossível admitir que o

legislador deva observar a Constituição futura. Nesse sentido, as leis anteriores à Constituição

não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio mais tarde, mesmo porque o vício de

inconstitucionalidade é congênito, e nunca superveniente.

Ora, a nova redação constitucional não guarda qualquer vínculo com o

ordenamento infraconstitucional anterior. Dessa forma, analisa-se quais normas

33

infraconstitucionais se harmonizam com o novo ordenamento. As normas compatíveis serão,

portanto, recepcionadas, enquanto as incompatíveis restarão revogadas e sem eficácia.

Sobre isto, merece destaque o julgamento da ADI 244, na qual o Plenário não

conheceu da ação pela impossibilidade jurídica do pleito, vez que a Ação Direta de

Inconstitucionalidade não tem por objetivo o exame da revogação – ou não – de leis por

Constituição superveniente.

CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE.

REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE.

IMPOSSIBILIDADE. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei

inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando

fiel à Constituição; inconstitucional, na medida em que a desrespeita,

dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é

congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao

tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em

relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir

Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna

inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato

de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios.

Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao

ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei

ordinária. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que

cinquentenária. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade

jurídica do pedido.

Oportuno frisar que inicialmente a CRFB/88 outorgava competência para a

instituição de contribuições se observado unicamente o critério da finalidade (finalidade social).

No entanto, com o advento da EC 33/01, a outorga constitucional depende também da obediência

do critério da base econômica, condicionando a instituição de contribuições sociais sobre o

faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro.

Destarte, os pronunciamentos judiciais se manifestam tanto no sentido da higidez

da exação descrita no art. 1° da LC 110/01, quanto no de sua inconstitucionalidade, cabendo ao

Supremo Tribunal Federal o deslinde definitivo.

44 ADI nº 2, STF, Relator Min. Paulo Brossard, Dj de 21.11.1997

34

4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Ao passo que a questão ainda depende de análise pela Excelsa Corte, a primeira e

segunda instâncias veem oscilando sobre a manutenção da contribuição. Os poucos tribunais que

analisaram a tese têm se posicionado contrários ao reconhecimento de invalidade da obrigação.

No entanto, um precedente do TRF da 4ª Região desencadeou uma verdadeira

chuva de ajuizamentos no judiciário, que se acentuou quando foi reconhecida a repercussão geral

pelo Plenário Virtual do Supremo em 04.09.2015 no RE 878.313/SC.

Isto porque o fenômeno do “direito jurisprudencial”45 vem notoriamente ganhando

espaço inclusive no ordenamento jurídico brasileiro, tanto que o próprio NCPC (Lei nº

13.105/15) traz expressas disposições – nos arts. 926 e 927 – com o fito de ampliar o caráter

vinculante das decisões.

A tendência atual é que se estabeleça uma cultura de precedentes na qual a

jurisprudência deixe de ser mera fonte secundária do direito, aproximando-se do Common Law.

Insta, portanto, colacionar o teor da decisão proferida em 2007 pelo

Desembargador Federal Leandro Paulsen, que defende o caráter temporário da contribuição sob

estudo:

A Lei Complementar no 110/01 criou duas novas contribuições de modo a

viabilizar o pagamento correto da atualização monetária das contas vinculadas

de FGTS, que sofreram expurgos por ocasião do Plano Verão (janeiro de 1989) e

do Plano Collor (abril de 1990), reconhecidos pelos Tribunais Superiores quando

do julgamento, pelo Plenário do STF, do RE no 226.855-7/RS, rel. o Ministro

Moreira Alves, publicado no DJU de 13.10.2000, e, pela 1a Seção do STJ, do

REsp no 265.556/Al, Rel. Ministro Franciulli Netto, por maioria, DJU de

18.12.2000.As novas contribuições, diferentemente das anteriores, têm natureza

tributária, não sendo um encargo decorrente do contrato de trabalho. Veja-se que

o STF, nas ADIns 2.556 e 2.568, pronunciou-se pela constitucionalidade da LC

110/01, entendendo que as novas contribuições para o FGTS são tributos e que

configuram, validamente, contribuições sociais gerais. Transcrevo a decisão: -

Novas contribuições para o FGTS. LC 110/01. Natureza tributária. -

Constitucionalidade das novas contribuições ao FGTS (LC 110/01) como

contribuições sociais gerais. Sujeição à anterioridade de exercício. STF. "Ação

45 Aqui referido como a influência das decisões judiciais na aplicação da norma.

35

direta de inconstitucionalidade. Impugnação de artigos e de expressões contidas

na Lei Complementar federal no 110, de 29 de junho de 2001. Pedido de liminar.

- A natureza jurídica das duas exações criadas pela lei em causa, neste exame

sumário, e a de que são elas tributárias, caracterizando-se como contribuições

sociais que se enquadram na subespécie `contribuições sociais gerais' que se

submetem à regência do artigo 149 da Constituição, e não à do artigo 195 da

Carta Magna. - Não-ocorrência de plausibilidade jurídica quanto às alegadas

ofensas aos artigos 145, § 1o, 154, I, 157, II, e 167, IV, da Constituição. -

Também não apresentam plausibilidade jurídica suficiente para a concessão de

medida excepcional como e a liminar as alegações de infringência ao artigo 5o,

LIV, da Carta Magna e ao artigo 10, I, de seu ADCT. - Há, porém, plausibilidade

jurídica no tocante à arguição de inconstitucionalidade do artigo 14, caput,

quanto à expressão `produzindo efeitos', e seus incisos I e II da Lei

Complementar objeto desta ação direta, sendo conveniente, dada a sua

relevância, a concessão da liminar nesse ponto. Liminar deferida em parte, para

suspender, ex tunc e ate final julgamento, a expressão `produzindo efeitos' do

caput do artigo 14, bem como seus incisos I e II, todos da Lei Complementar

federal no 110, de 29 de junho de 2001." (STF, Plenário, maioria, ADIn

2.568/DF, out/02) Vide também: ADInMC 2.556/DF. Ocorre que a finalidade

para a qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do pagamento

dos expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e já foi atendida. Como as

contribuições têm como característica peculiar a vinculação a uma finalidade

constitucionalmente prevista, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há

que justifique a cobrança dessas contribuições. Por isso, entendo que não se

pode continuar exigindo das empresas, ad eternum, as contribuições instituídas

pela Lei Complementar no 110. Verifico, portanto, a relevância no fundamento

do pedido. Saliento que a lei exige, para a análise dos pedidos de liminar e de

antecipações de tutela, que haja risco para o autor de modo a justificar a medida,

mas que não se coloque em risco o réu, impondo-lhe dano irreversível. Em

matéria tributária, contudo, o risco de dano e, via de regra, exatamente o mesmo

para ambas as partes: não ter a disponibilidade imediata de recursos financeiros.

O contribuinte vê-se na iminência de ter de efetuar pagamento indevido e o

Fisco na de deixar de receber prestação devida, com prejuízo às atividades de

cada qual. Em qualquer caso, porém, a compensação futura e absolutamente

viável. Daí por que me parece que se estabelece uma certa neutralidade quanto a

tal requisito, assumindo caráter hegemônico para a decisão quanto aos pedidos

de liminar a relevância dos argumentos, traduzida nas fórmulas do forte

fundamento de direito (mandado de segurança), da fumaça do bom direito

(cautelar) ou da verossimilhança (antecipação de tutela). Desta forma, concedo

efeito suspensivo, determinando à agravada que se abstenha de exigir as

contribuições que ora se discute. Oficie-se ao Juiz de Primeira Instância,

comunicando os termos desta decisão. Intime-se o agravado para apresentar

contraminuta no prazo de 10 dias, forte no artigo 527, V, do CPC. Publique-se.

Intime-se.

(AG 2007.04.00.024614-7, Segunda Turma, Relator Desembargador Federal

Leandro Paulsen. Dje 27.08.2007)

Nesse sentido, alguns órgãos de primeira instância se estimularam a proferir

36

decisões descaracterizando a validade do tributo em questão.

A Justiça Federal de São Paulo concordou com a tese de que a finalidade da

contribuição, que rende anualmente R$ 3 bilhões ao governo, findou-se, conforme se vê pelo

trecho da sentença abaixo transcrita:

No caso dos autos, a parte autora pretende afastar a exação veiculada pelo art. 1º

da Lei Complementar 110/2001, à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o

montante dos depósitos ao FGTS, devida na hipótese de demissão sem justa

causa. Consoante se verifica dos dispositivos da LC nº 110/2001, ela instituiu

duas contribuições sociais, uma, a prevista no art. 1º, devida pelos empregadores

em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento

sobre os depósitos devidos referentes ao FGTS, durante a vigência do contrato

de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas, por

prazo indefinido. A segunda, a do art. 2º, devida pelos empregadores, à alíquota

de 0,5% sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador,

incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de

1990, pelo prazo de sessenta meses. O E. STF, nas Ações Diretas de

Inconstitucionalidade n.ºs 2.556-2/DF e 2.568-6/DF, pronunciou-se pela

constitucionalidade da LC 110/01, entendendo que as novas contribuições para o

FGTS são tributos e que configuram, validamente, contribuições sociais gerais,

ressalvando-se expressamente o exame oportuno de sua inconstitucionalidade

superveniente pelo atendimento da finalidade para a qual o tributo foi criado. No

voto condutor, proferido pelo relator Ministro Joaquim Barbosa na Ação Direta

de Inconstitucionalidade n.º 2.556-2/DF, foi consignado que, conforme

informações prestadas pelo Senado Federal, as contribuições foram criadas

visando, especificamente, fazer frente à atualização monetária dos saldos das

contas fundiárias, quanto às perdas inflacionárias dos Planos Verão e Collor I

(abr/90), em benefício de empregados que firmaram o Termo de Adesão referido

no artigo 4º da LC n.º 110/01. Assim, o tributo não se destinaria à formação do

próprio fundo, mas teria o objetivo de custear uma obrigação da União que

afetaria o equilíbrio econômico-financeiro daquela dotação. E, conforme

ressaltou o relator Ministro Joaquim Barbosa a existência das contribuições, com

todas as suas vantagens e condicionantes, somente se justifica se preservadas sua

destinação e sua finalidade. Afere-se a constitucionalidade das contribuições

pela necessidade pública atual do dispêndio vinculado (motivação) e pela

eficácia dos meios escolhidos para alcançar essa finalidade. A finalidade para a

qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do pagamento dos

expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e já foi atendida, tendo em

vista que a última parcela dos complementos de correção monetária foi paga em

2007, conforme cronograma estabelecido pelo Decreto n.º 3.913/01. Desta

forma, como as contribuições têm como característica peculiar a vinculação a

uma finalidade prevista, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há que

justifique a continuidade da cobrança dessas contribuições. Vale lembrar que o

Projeto de Lei Complementar n.º 198/07, aprovado pelo Congresso Nacional,

estabelecia termo final em 01.06.2013 para a exigência da contribuição prevista

no artigo 1º da LC n.º 110/01, considerando a saúde financeira do FGTS. O veto

presidencial total restou assim justificado: A extinção da cobrança da

37

contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três

bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

– FGTS, contudo a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto

orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas compensatórias, em

contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção do texto levaria à

redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações

estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do

Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FI-FGTS.

Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do

Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os

próprios correntistas do FGTS. Fica evidente que a própria Administração

Pública admite o desvio de finalidade da contribuição em questão. O tributo não

foi criado para fazer frente às políticas sociais ou ações estratégicas do Governo,

mas, sim, para viabilizar o pagamento de perdas inflacionárias nas contas

individuais do Fundo. Sendo assim, restando esgotada a finalidade da

contribuição, reconheço a violação a direito líquido e certo da impetrante.

Assim, ante ao exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução do

mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para

afastar a incidência da contribuição prevista no art. 1º da Lei Complementar

110/2001, nos termos da fundamentação. Reconheço, ainda, o direito da parte

impetrante à restituição dos valores indevidamente pagos, respeitada a

prescrição quinquenal. A correção monetária e os juros devem obedecer ao

disposto no Manual de Orientações e Procedimentos para os Cálculos na Justiça

Federal. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio

de dano irreparável, já que o Autor pode vir a ser prejudicado por medidas

tomadas pelo órgão fazendário na exigência desses créditos tributários, revejo a

decisão de fls. 174/177 e concedo a tutela antecipada, nos termos do art. 461, 3º,

do CPC, para determinar a suspensão da exigibilidade desses créditos tributários

até decisão final. Condeno a Ré ao pagamento das custas processuais e

honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.

Sentença sujeita ao reexame necessário. Noticie-se nos autos do agravo de

instrumento nº 0020740-66.2014.403.0000 a prolação desta sentença.

(Ação Ordinária nº 0011685-27.2014.403.6100, JFSP, 14º Vara Federal, Juiz

José Carlos Francisco. Dje 01.07.2015)

Merece destaque, também, a sentença proferida na 9ª Vara da Justiça Federal do

Distrito Federal, citada abaixo, que reconheceu a “inconstitucionalidade superveniente” da

contribuição pelo exaurimento da finalidade para a qual foi criada:

Discute-se nos autos subsistência de amparo constitucional a justificar a

manutenção, no mundo jurídico, do tributo previsto no art. 1º da Lei

Complementar n. 110/2001. A tese do autor, como relatado, é basicamente a de

que o tributo questionado (art. 1º da LC nº 110/2001) foi criado com a finalidade

específica de recompor as perdas geradas em decorrência dos pagamentos dos

expurgos inflacionários referentes aos Planos Econômicos Collor I e Verão, mas

como essa finalidade já foi alcançada, não mais subsistente base fática e jurídica

a legitimar a sua subsistência desde o início de 2007.

38

Trata-se, como já pacificado, de uma contribuição social geral, que, no plano

conceitual, consiste em um tributo que, apesar de ter hipótese de incidência

desvinculada de atuações estatais, é juridicamente afetado à realização de

finalidade específica.

Especificamente no caso, a sua instituição foi motivada na necessidade de

pagamento do passivo dos chamados expurgos inflacionários (Planos Verão e

Collor I), conforme exposição de motivos do Projeto de Lei Complementar. O

próprio Supremo Tribunal Federal adotou essa premissa quando do julgamento

do Recurso Extraordinário (RE) 226.855-7, Relator Ministro Moreira Alves, Dj

de 13/10/2000. Com efeito, consta da exposição de motivos do Projeto que deu

origem à LC 110/2001:

(...)

Conforme ressaltou o Ministro Joaquim Barbosa, Relator da ADI 2. 556-2, em

que reconhecida a constitucionalidade da contribuição em testilha, “a existência

das contribuições, com todas as suas vantagens e condicionantes, somente se

justifica se preservadas sua destinação e finalidade. Afere-se a

constitucionalidade das contribuições pela necessidade pública atual do

dispêndio vinculado (motivação) e pela eficácia dos meios escolhidos para

alcançar essa finalidade”

Isso significa que, assim que cumprida a finalidade que motivou a instituição da

contribuição, esta perde seu fundamento de validade, de modo que a exigência

passa, então, a ser despida de embasamento constitucional.

E é justamente essa a situação atual da contribuição social instituída pelo art. 1º

da lC 110/2001, considerando que a última parcela dos complementos de

correção monetária foi paga em janeiro de 2007, conforme cronograma

estabelecido na alínea 'e' do inciso II do art. 4º do Decreto 3.913/2001.

Não por acaso é que o Projeto de Lei do Senado 198/2007, recebido na Câmara

como Projeto de Lei Complementar 200/2012, estabelecia prazo para a extinção

da contribuição social do art. 1º da LC 110/2001. Embora o mesmo tenha sido

vetado, por meio da Mensagem 300, publicada no DOU de 25/07/2013, pág. 01,

integralmente por contrariedade ao interesse público, o exaurimento de sua

finalidade legal fica bastante claro quando da leitura da motivação do veto.

'A sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas

sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas

realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo

de Serviço - FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o

desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são

majoritariamente os próprios correntistas do FGTS.'

Logo, tenho que há de se reconhecer que a contribuição instituída pelo art. 1º da

lC 110 cumpriu a sua finalidade, não havendo mais fundamento constitucional

nem legal para a sua subsistência no mundo jurídico.

O desvio na destinação nada mais é do que nova destinação a demandar, se for o

caso, a instituição de nova contribuição.

Concluo, pois, pela “inconstitucionalidade superveniente” da aludida

39

contribuição pelo atendimento da finalidade para a qual foi criada. Como as

contribuições vinculam-se a uma finalidade constitucionalmente prevista,

admitida ou ao menos justificada, não se pode mantê-las após cumpridos os seus

objetivos, ao menos não sem nova deliberação legislativa nesse sentido.

No sentido que exponho, segue a lição de Leando Paulsen:

'A finalidade para a qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do

pagamento dos expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e já foi

atendida. Como as contribuições tem como característica peculiar a vinculação a

uma finalidade constitucionalmente prevista, nada há que justifique a

permanência da cobrança dessas contribuições da LC 110 após atendidos os

objetivos fixados pela norma.' (L. Paulsen, Direito Tributário, 2 Edição, Editora

Livraria do Advogado, 2013, p. 118).

Ante o exposto, julgo procedente o pedido, com base no art. 269, inciso I, do

CPC, para declarar a inexigibilidade da contribuição sobre o saldo do FGTS, em

caso de despedida sem justa causa, de que trata o art. 1º da Lei Complementar

110/2001.

(Ação Ordinária nº 49872-13.2014.4.01.3400, JFDF, 9ª Vara, Juíza Liviane

Kelly Soares Vasconcelos. Proferida em 08.09.2014)

No entanto, como já adiantado, verifica-se que grande parte das decisões

favoráveis conquistadas pelos contribuintes em 1ª instância são revertidas pelos órgãos

colegiados dos tribunais.

Para ilustrar o referido comportamento, aponta-se o acórdão do Tribunal Regional

Federal da 1° Região, que reverteu, em sede de Recurso de Apelação, a sentença proferida pela

Juíza Ivani Silva da Luz (publicada em 10.07.2014) – que declarou a inexigibilidade do crédito

tributário referente à contribuição social geral criada pelo art. 1° da LC 110/01.

A Quinta Turma entendeu que a norma não possui vigência temporária legalmente

prescrita e que inexiste disposição legal obrigando a destinação integral da arrecadação oriunda

das contribuições instituídas ao FGTS após 2003, nos termos da ementa abaixo reproduzida:

FGTS. CONTRIBUICAO DO ART. 1° DA LEI COMPLEMENTAR No

110/2001. PRECEITO NAO SUJEITO A VIGENCIA TEMPORARIA.

ALEGACAO DE INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE POR

EXAURIMENTO DE FINALIDADES. NAO ACOLHIMENTO.

1. A contribuição social prevista no art. 1° da Lei Complementar no 110/2001,

ao contrario da contribuição prevista no art. 2° da mesma lei, não teve nenhum

prazo de vigência fixado. Não se trata de um preceito temporário, a viger de

modo limitado no tempo, descabendo investigar se a finalidade pretendida foi ou

não alcançada. Ocorrido o fato gerador, enquanto a lei estiver em vigor, será

40

devido o tributo.

2. Não e relevante a alegação de inconstitucionalidade da contribuição criada

pelo art. 1o da Lei Complementar 110/2001. O egrégio STF entendeu que não

havia inconstitucionalidade que ensejasse a suspensão da eficácia de seus arts.

1° e 2° (ADI 2556, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe-185 divulg. 19-09-

2012 public. 20-09-2012).

3. Não e verossímil a tese de que, tendo sido editada a LC 110/2001 com a

finalidade de recompor as perdas geradas em decorrência do pagamento dos

expurgos inflacionários referentes aos Planos Econômicos Collor I e Verão, e

tendo sido tais parcelas integralmente creditadas nas contas de FGTS dos

trabalhadores, não haveria mais razão jurídica a legitimar a sua cobrança,

bastando, para tanto, lembrar das milhares de ações ainda em curso, seja na fase

de conhecimento ou fase de execução, nas quais se postula a recomposição dos

referidos expurgos inflacionários.

4. A circunstância de ser o tributo em questão contribuição social e não imposto

não implica concluir que se destine, apenas, a cobrir os valores gastos com o

pagamento dos acordos. A Lei prevê que apenas nos exercícios de 2001, 2002 e

2003 será assegurada a destinação integral ao FGTS de valor equivalente à

arrecadação das contribuições de que tratam os arts. 1o e 2o. Assim, nos anos

posteriores não há comando legal que imponha a destinação integral da receita

ao FGTS.

5. A alegação de que o patrimônio líquido do FGTS encontra-se superior ao

déficit gerado pelo pagamento dos expurgos não constitui motivo, por si só,

capaz de afastar a cobrança da contribuição em discussão, já que, nos termos do

artigo 2o da Lei de Introdução ao Código Civil, “não se destinando à vigência

temporária, a lei terá vigor ate que outra a modifique ou revogue”. Enquanto não

sobrevier lei revogando a referida contribuição, legítima será sua cobrança.

6. Apelação e remessa oficial a que se dá provimento.

(Apelação n° 0061948-40.2012.4.01.3400, TRF1, Quinta Turma, Relator

Desembargador Federal Néviton Guedes. Dje 29.04.2015)

Como o cerne da questão, que é saber qual seria a real finalidade do tributo, ainda

não foi ostensivamente enfrentado, é compreensível a hesitação do judiciário em consolidar um

posicionamento mais convicto e preciso. Somente a manifestação do Supremo definirá

solidamente a constitucionalidade ou não da contribuição social instituída pelo art. 1° da LC

110/01.

Há, portanto, de se buscar a resposta constitucionalmente mais adequada para o

enfrentamento desta demanda. Sobre isto, Lenio Luiz Streck46 entende que “argumentos para a

46 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso - Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas; Da possibilidade

à necessidade de respostas corretas em direito. 3ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 546/547.

41

obtenção de uma resposta adequada a Constituição (resposta correta) devem ser de princípio, e

não de política”.

Neste sentido, pede-se vênia aos Tribunais para afirmar que a análise do texto

constitucional não permite concluir senão pela inconstitucionalidade da exação estudada. A

exigência da contribuição é manifestamente incompatível com a Constituição Federal Brasileira

de 1988 e deveria, portanto, ser extinta, vez que sua cobrança não se mostra mais necessária para

atender a finalidade para a qual foi instituída.

42

CONCLUSÃO

A CRFB/88 não foi categórica ao determinar limitações à instituição de

contribuições, ao contrário dos impostos e taxas, permitindo assim a instituição de exações não

submetidas a imunidades e outros expressivos princípios constitucionais, que invadem

competências de outros entes federados.

A limitação imposta pelo constituinte originário simplesmente indica finalidades a

serem alcançadas mediante recursos obtidos com as contribuições e, como os objetivos fixados

compreendem um rol demasiado abrangente, possibilita-se a criação de tributos inconstitucionais

sob o desígnio de “contribuição social geral”.

É cediço que a jurisprudência do STF reconhece a validade da espécie tributária

contribuição social enquanto sua destinação se mantiver subordinada à qual motivou sua criação,

assentando que a destinação legal (ou finalidade) é característica particular das contribuições

sociais gerais.

A finalidade originária presumida das receitas decorrentes das contribuições da LC

n° 110/01 é promover as atualizações monetárias das contas vinculadas do FGTS, sonegadas na

implementação dos Planos Verão e Collor I de combate à inflação.

O STF, ao julgar a constitucionalidade do tributo em destaque, nas Ações Diretas

de Inconstitucionalidade nºs 2556/DF e 2568/DF, não se ocupou em analisar o cumprimento da

finalidade da contribuição, seu desvio de finalidade ou mesmo a “inconstitucionalidade material

superveniente”, fatos e fundamentos que inegavelmente demandam novo julgamento da materia

na Excelsa Corte.

O entendimento manifestado pela Corte àquela ocasião limitou-se a reconhecer

que as contribuições criadas pela LC 110/01 são tributos e que irrefutavelmente configuram

contribuições sociais gerais.

Ora, sob o desígnio de contribuição, o tributo instituído no art. 1° tem a insolente

finalidade de gerar recursos para o pagamento de divida do Governo. Ainda assim, a finalidade da

43

exação imposta já se encontra superada, em razão do reequilibro das contas do FGTS.

O desvio da arrecadação do tributo de sua finalidade originalmente definida

importa a instituição de uma nova contribuição, dependendo de deliberação legislativa. Quanto a

isso, os Projetos de Lei 200/12 e 328/2013 apresentados, respectivamente, com o propósito de

extinguir e ampliar a destinação original não vigoraram.

Resta claro que a finalidade das contribuições sociais é aquela definida em lei, em

atenção aos objetivos constitucionalmente prefixados. Nesse sentido, ainda que a destinação do

produto arrecadado vise financiar programas sociais compreendidos na Ordem Social da

Constituição, o desvirtuamento da arrecadação é patente e compromete flagrantemente a validade

da manutenção da contribuição.

Ademais, a incompatibilidade da norma com a redação do art. 149 da CRFB/88,

conferida pela Emenda Constitucional nº 33/01, impele concluir pela sua revogação diante da não

recepção pelo novo texto constitucional.

Nesse sentido, a afetação jurídica é traço conceitual das contribuições especiais, e

não simplesmente requisito de validade. Contribuição não afetada sequer de modo implícito não é

contribuição, mas imposto – inconstitucional, mas ainda assim um imposto – e não contribuição.

Isso significa dizer que: se a Constituição outorga competência para a realização

de uma determinada finalidade específica, ao exercê-la, o legislador fica obrigado a persegui-la

de forma plena e efetiva, caso contrário, terá criado um tributo inconstitucional.

Tendo em vista que a finalidade que justificou a criação da contribuição resta

superada, não há razão para que a mesma continue sendo exigida, ainda que vise custear

programais sociais compreendidos nos objetivos fixados na CRFB/88. A finalidade da

contribuição é aquela descrita pelo legislador no momento da instituição do tributo. Ainda que o

legislador infraconstitucional não o tenha feito de maneira expressa, é incontestável que a

finalidade – claramente temporária – e destinação do adicional de multa de 10% estão implícitas

na norma instituidora.

Seja pela “inconstitucionalidade material superveniente”, seja pelo esgotamento da

finalidade ou mesmo pelo desvio da destinação do produto arrecadado, a contribuição social

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instituída pelo art. 1º da LC 110/01 representa flagrante afronta à Constituição Federal. Assim, o

tributo não poderia mais ser exigido, visto que seu propósito específico teria deixado de existir.

Sendo assim, aguarda-se a manifestação final do STF sobre esta questão. Uma

decisão de mérito declarando a inconstitucionalidade da manutenção da exigência da contribuição

social descrita no art. 1º da LC 110/01, com modulação de efeitos, resolverá o problema em

definitivo.

45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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