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52 III. A Lagoa de Óbidos

Monografia_Geo_F2 (1) Museu Nacional Da História Natural

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    III. A Lagoa de bidos

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    III.1. Introduo A Lagoa de bidos situa-se no litoral ocidental portugus, entre o Cabo Carvoeiro

    e So Martinho do Porto em territrio que, administrativamente, pertence aos Concelhos

    de Caldas da Rainha (a norte) e de bidos (a sul) Fig. III.1. O regime de mars neste

    trecho da costa semi-diurno (duas mars dirias), com amplitude elevada (mesotidal) e o

    clima de agitao martima de alta energia.

    A Lagoa ocupa uma depresso pouco profunda, separada naturalmente do oceano

    por uma barreira soldada, de natureza arenosa, com 1,5 km de comprimento e apresenta

    uma forma irregular, alongada perpendicularmente linha costa na direco NW-SE

    (Freitas, 1989). Comunica com o oceano atravs de uma barra de mar (Aberta na

    toponmia local) mantida artificialmente, a qual assegura as trocas de gua e sedimentos

    entre os espaos lagunar e ocenico. As dimenses e posicionamento da barra variam no

    tempo e actualmente esto muito influenciados pela interveno antrpica com vista

    regularizao do sistema.

    A Lagoa de bidos possui uma superfcie molhada varivel mas que, em mdia,

    de cerca de 6,0 km2; apresenta comprimento e largura mximos de 4,5 km e 1800 m,

    respectivamente, e compreende um corpo lagunar central que se prolonga por dois braos,

    designados por Brao do Bom Sucesso e Brao da Barrosa, e ainda pela Poa das Ferrarias.

    A profundidade mdia pequena, da ordem de 2-3 m relativamente ao nvel mdio do mar

    (NMM).

    As cabeceiras das linhas de gua que drenam para a Lagoa de bidos localizam-se

    na Serra de Montejunto, tipicamente a 400-500 m de altitude (Henriques, 1996) e a bacia

    hidrogrfica ocupa uma rea total de 440 km2, podendo subdividir-se em diversas sub-

    bacias, sendo as mais importantes as dos rios Real e Arnia, com 250 km2 e 125 km2,

    respectivamente (Freitas, 1989). Alm destes rios, que se estendem por 9,31 e 33 km,

    outros afluentes ao espao lagunar que merecem referncia so os rios Borraa e da Cal

    (Freitas, 1989).

    A Lagoa de bidos corresponde, do ponto de vista geolgico, a uma laguna, ou

    seja: um meio sedimentar natural localizado numa zona deprimida que se desenvolve na

    interface dos sistemas hidrolgicos continental e marinho; dominado por gua salobra a

    salgada de provenincia ocenica, no qual os aportes de gua doce so suficientemente

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    pequenos para inibir diluio significativa da salinidade; e onde a largura da barra de mar,

    que assegura comunicao efmera ou permanente com o mar, inferior a 1/3 do

    comprimento da barreira limtrofe, que a abriga do oceano. De modo geral, as lagunas, so

    ambientes de grande riqueza econmica, de beleza paisagstica inegvel e notvel valor

    ecolgico e contam-se entre os meios mais produtivos da biosfera (Freitas e Ferreira, 2004).

    Figura III.1.: Localizao geogrfica da Lagoa de bidos.

    At decada de 1990, os estudos geolgicos sobre a morfologia, sedimentos,

    processos actuais e evoluo da Lagoa de bidos eram muito escassos, merecendo

    destaque os trabalhos pioneiros de Rodrigues e Quintino (1985), Peneda e Dias (1986),

    Quintino (1988) e Freitas (1989); a partir daquela data, multiplicaram-se os trabalhos e

    estudos, de cariz diverso, com relevncia para a hidrulica e estabilidade da barra de mar,

    que se traduziram na sua maioria em relatrios confidenciais e de acessibilidade limitada.

    Constituem excepo as abordagens de Henriques (1996), Henriques et al. (2002), Dinis et

    al. (2006), Costa (2006) e Oliveira et al. (2006).

    Neste captulo, apresenta-se uma caracterizao geomorfolgica da Lagoa de

    bidos na actualidade e sintetiza-se a respectiva evoluo nas ltimas dcadas; ainda

    efectuada uma abordagem a escala temporal mais longa, onde se prope uma

    reconstituio da variao morfolgica do espao lagunar ao longo do Holocnico.

    III.2. Metodologia A caracterizao geomorfolgica da Lagoa de bidos na actualidade foi efectuada

    com recurso anlise das fotografias areas correspondentes ao voo IMAER 2000 do

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    Instituto Geogrfico do Exrcito (IgeoE) (Tabela III.1.), visto tratar-se do voo disponvel

    mais recente e com cobertura completa da regio. As fotografias foram interpretadas com o

    auxlio de um estereoscpio de bancada Sokkisha MS 27 e obteve-se o esboo

    geomorfolgico de referncia, respeitante ao ano 2000. Os resultados da fotointerpretao

    foram verificados e validados no terreno. A informao obtida foi colocada em formato

    digital recorrendo a ferramenta SIG (Sistemas de Informao Geogrfica) e utilizando o

    software ArcGIS 9. As fotografias areas foram georeferenciadas de acordo com os

    ortofotomapas de 1995 (Instituto Geogrfico Portugus - Igeo), tendo-se utilizado o

    sistema de coordenadas rectangulares referentes ao Datum Europeu de 1950 para o fuso 29

    N (ED_1950_UTM_Zone_29N). Para facilitar a descrio geomorfolgica de referncia,

    optou-se por considerar na rea em estudo quatro sectores, designados por A, B, C e D e

    que correspondem, respectivamente, regio mais prxima do oceano e corpo lagunar

    central, Brao do Bom Sucesso e Poa das Ferrarias, desembocadura dos rios Arnia e Real

    e Brao da Barrosa (Fig. III.2.).

    Com o intuito de reconstituir a evoluo geomorfolgica da Lagoa de bidos nas

    ltimas seis dcadas (1947 2002), a mesma metodologia de anlise e tratamento de

    imagem foi aplicada a fotografias de outros cinco voos completos e dois parciais (FAP 147

    e INAG 2002, que apenas cobrem a faixa litoral) (Tabela III.1.) dos quais resultaram sete

    esboos geomorfolgicos. Em complemento, reinterpretou-se a Carta da Lagoa de bidos

    (Plano Hidrogrfico da Laga de bidos, Misso Hidrogrfica da Costa de Portugal, na

    escala 1:10.000.), datada de 1917, da qual resultou um nono esboo geomorfolgico.

    Os elementos definidos por observao estereoscpica foram agrupados em quatro

    tipos distintos que constam da legenda dos esboos geomorfolgicos:

    Formas Lagunares-Marginais compreendem unidades morfossedimentares

    caractersticas dos ambientes lagunares que marginam o espelho de gua na interface com o

    oceano (barreira arenosa e bancos arenosos de enchente e vasante) ou que bordejam o

    permetro lagunar, formando rampas estreitas e escassamente inclinadas, de natureza

    arenosa (margem arenosa) ou lodosa (margem lodosa);

    Formas Fluvio-Lagunares correspondem a contedos geneticamente resultantes

    da actividade fluvial; consideraram-se duas formas fundamentais: (1) plancie de inundao,

    correspondente a uma plataforma construda por materiais maioritariamente finos,

    essencialmente durante episdios de cheia, com relevo suave e em agradao vertical; (2)

    delta fluvial - corpos circunscritos progradantes sobre o espao lagunar, com morfologia

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    tpica em leque, e que correspondem descarga dos elementos mais grosseiros

    transportados pelos cursos de gua, devido ao encontro destes com uma bacia de maiores

    dimenses e consequente perca de capacidade de transporte;

    Figura III.2.: Sectores considerados na Lagoa de bidos para caracterizao geomorfolgica de referncia. Tabela III.1.: Documentao fotogrfica utilizada no presente trabalho.

    VOO ANO ESCALA COR AUSNCIA/PRESENA

    DE BARRA

    RAF 47 1947 1:30.000 P E B Presente

    RAF 54 1954 1:45.000 P e B Presente

    FAP 63 1963 1:20.000 P e B Presente

    FAP 50 1882 1:15.000 P e B Ausente

    FOTOGRAFIAS

    AREAS

    FAP 147 Setembro

    1989 1:15.000 P e B Presente

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    FAP 51 Maio

    1989 1:15.000 Cor Presente

    IMAER 2000 1:25.000 P e B Presente

    INAG 2002 1:8.000 Cor Presente

    Formas Antrpicas - respeitam a elementos com expresso superficial

    significativa, decorrentes da actividade humana e instalados sobre substrato natural (salinas

    e estruturas relacionadas, areeiros, depsitos de dragados, zonas urbanizadas, pista de

    aeromodelismo; outras ocupaes);

    Tipo de Ocupao/Ambiente identificaram-se quatro tipos de ambiente (paul,

    sapal, raso de mar e praia lagunar) e duas tipologias fundamentais de uso do solo

    (pastagem, agricultura), sobre as formas flvio-lagunares e lagunares-marginais.

    A reconstituio da evoluo do espao lagunar nos tempos histricos apoiou-se

    principalmente na compilao e anlise da bibliografia existente sobre esta temtica, a qual,

    por sua vez, inclui o estudo de documentao cartogrfica e escrita. Estes elementos foram

    completados de forma no sistemtica com outra informao topogrfica ou hidrogrfica.

    Na ausncia de informao de carcter geolgico, nomeadamente de sondagens do

    enchimento sedimentar holocnico, a qual permitiria definir com maior preciso esta

    reconstituio a uma escala temporal mais dilatada, utilizou-se o conhecimento adquirido

    em sistemas lagunares anlogos do litoral ocidental portugus para colmatar esta lacuna.

    Os vrios traados do espelho de gua propostos neste trabalho tiveram em conta e

    respeitaram: a representao em mapas e cartas editadas num passado recente (Carta

    Corogrfica de Portugal, 1:100.000, folha 19, 1867; Planta hidrogrfica da Lagoa de

    bidos, 1890 in Girard, 1915, reproduzida em Freitas, 1989); registos (datados) de cotas do

    plano de gua; a localizao e tipologia dos vestgios da ocupao humana desde o

    Paleoltico; condicionantes de natureza geolgica e geomorfolgica.

    As informaes obtidas foram colocadas em formato digital recorrendo a

    ferramenta SIG (Sistemas de Informao Geogrfica) e utilizando o software ArcGIS 9,

    tendo-se utilizado o sistema de coordenadas rectangulares referentes ao Datum Europeu de

    1950 e para o fuso 29 N (ED_1950_UTM_Zone_29N). Foi ainda utilizado como suporte

    o Modelo Digital de Terreno fornecido pelo Instituto Geogrfico do Exrcito (IgeoE).

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    III.3. Caracterizao geomorfolgica da Lagoa de bidos na actualidade

    O voo IMAER 2000 foi efectuado em situao de barra aberta, permitindo uma

    excelente observao das formas marginais e bancos intertidais associados embocadura

    na situao de referncia (Fig. III.3.).

    Figura III.3.: Esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos com base na foto area do ano 2000.

    III.3.1 Sector A Este sector (Fig. III.4.) caracteriza-se por contedos sedimentares e morfolgicos

    resultantes essencialmente da aco das correntes de mar e ondas; de todos os sectores

    considerados, onde se faz mais sentir o predomnio da dinmica marinha.

    A separao entre a laguna e o oceano efectuada por uma barreira de areia

    grosseira, que se encontra interrompida por um canal largo a barra de mar

    posicionado a sul e originando duas restingas de dimenses distintas, sendo a restinga norte

    substancialmente maior. A barreira construda por correntes de deriva litoral foradas

    pelas ondas e enraza nas arribas litorais perifricas Foz do Arelho e ao Gronho, talhadas

    em materiais jurssicos e cretcicos, respectivamente.

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    A barreira apresenta uma face de praia bastante inclinada para o mar (cerca de 10

    de acordo com Henriques, 1996) que se articula superiormente numa berma muito larga

    atravs de uma escarpa de eroso (sazonal, embora frequente neste litoral). A superfcie da

    berma mergulha suavemente para o espelho de gua lagunar (cerca de 4 de acordo com

    Henriques, 1996) e prolonga-se em continuidade por depsitos de galgamento. As dunas

    reduzem-se a pequenos amontoados de forma atpica, dispersos e escassamente

    sobressalientes da superfcie da berma e esparsamente vegetadas, excepto na raz da

    restinga sul, onde se reconhece uma forma rampeada (duna trepadora) que se encosta

    vertente leste do Gronho e prolonga para SW recobrindo o Bom Sucesso, encontrando-se

    muito degradada e coberta por ncleo urbano denso.

    Ladeando a embocadura lagunar pelo norte, ocorre uma outra escarpa de eroso,

    curva, que representa a cicatriz da abertura artificial da barra; a sul, a forma equivalente

    representa a amputao da ponta da restinga sul, motivada pelo encosto a esta margem do

    principal canal de escoamento. Esta configurao tpica de uma situao em que a

    ondulao predominante de NW, favorecendo deriva para SW; em consequncia, a

    Aberta divaga para sul, custa de: (1) acreo sedimentar na margem norte da barra; (2)

    deslocamento do canal de escoamento para sul, erodindo esta margem. Em regime natural,

    deste processo resulta alongamento e meandrizao do canal de mar e consequente perda

    de eficincia hidrulica, conduzindo ao fecho da barra que assegurado essencialmente

    pelas ondas. Esta a razo pela qual durante muitos anos se procedeu reabertura artificial

    da barra de mar nesta laguna. A situao de referncia apresenta j influncia humana no

    traado rectilneo do canal de escoamento principal e na presena de um dique de

    guiamento de correntes que tem contribudo para aumentar a longevidade da barra e limitar

    a faixa de divagao metade sul da barreira.

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    Figura III.4.: Detalhe do Sector A retirado do esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos na situao de referncia (ano de 2000).

    At ao Arinho, os fundos lagunares encontram-se muito assoreados e so

    dominados por sedimentos arenosos de provenincia marinha, organizados em bancos

    subtidais a supratidais com forma deltide, mveis, com o bordo progradante curvo

    dirigido para o interior da laguna. Estes bancos correspondem a segmentos activos ou

    desactivados de deltas de enchente e pores distais de leques de galgamento, imbricados e

    escassamente recortados por canais largos e pouco profundos; a superfcie destes bancos

    retrabalhada pelas correntes de mar e as figuras sedimentares de fundo reflectem a

    dominncia de enchente. Este efeito resulta da assimetria na intensidade e durao dos

    campos de corrente da mar durante as fases de enchente e vazante, sendo a primeira

    menos duradoura e mais intensa e, portanto, dominante no que respeita ao acarreio

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    sedimentar; as areias que entram no espao lagunar durante a fase de enchente s em parte

    so devolvidas ao oceano na vazante, gerando deste modo um efeito de armadilha e

    assoreamento inexorvel. O limite interno deste conjunto arenoso est muito bem marcado

    por um rebordo arenoso em forma de crista (Banco do Arinho ou Coroa) que corresponde

    a um escudo de vazante, o qual se precipita para o espao lagunar central atravs de um

    talude subtidal muito inclinado.

    Separando o delta de enchente das margens, observam-se dois canais principais,

    essencialmente activos nas fases de mar prximas da baixa-mar, quando os bancos esto

    destapados e o escoamento fica confinado a estes eixos de circulao. O canal sul encontra-

    se bastante mais assoreado que o canal norte, principalmente na regio vestibular da barra.

    O delta de vazante uma acumulao arenosa em forma de leque que se estende

    para o lado do mar a partir da embocadura e do qual s visvel na fotografia area a

    poro mais elevada principalmente durante a mar baixa. Este delta, gerado pelas

    correntes de vasante e constantemente alterado pela rebentao, menos desenvolvido que

    o de enchente, pois sofre o constante ataque das ondas, que redistribuem os sedimentos,

    controlando a sua forma e volumetria de equilbrio; quando a barra fecha, esta forma, ao

    fim de algum tempo, acaba por desaparecer.

    O corpo lagunar central corresponde a um tanque de decantao e sede de

    deposio essencialmente vasosa de provenincia fluvial, mais ou menos orgnica.

    No que diz respeito s restantes formas lagunares-marginais, verifica-se que so

    constitudas essencialmente por materiais de natureza arenosa, remobilizados pelas ondas

    de gerao local e a favor da enchente. At ao enfiamento do Arinho, organizam-se em

    praias largas e, mais para o interior, estas reduzem significativamente a sua largura e gradam

    para rasos de mar tambm arenosos. Na regio da Ponta do Espichel merece referncia

    uma restinga arenosa estreita, gerada pelas ondas locais e a favor da enchente e enraizada

    sobre um ponto de pronunciada inflexo da linha de costa; esta ladeada a leste por raso

    de mar arenoso, localmente coberto por material cascalhento escorrido das vertentes

    adjacentes e veiculado por pequena linha de gua. Parte do dorso da restinga encontra-se

    coberto por espesso depsito de dragados, essencialmente constitudos por vasa muito rica

    em bioclastos.

    Na margem esquerda (margem sul), na regio de Buinheira e de Ponta das Canas,

    observam-se ainda retalhos de margem lodosa restritos ao domnio intertidal superior e

    definindo ambiente de sapal e mesmo de paul. Parte destes ambientes foram utilizados para

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    rejeitar dragados, criando amontoados arenosos de grandes dimenses e com impacto

    visual significativo. Na zona da Aldeia da Lapinha encontra-se um pequeno delta fluvial

    colonizado por plantas tpicas de sapal, o qual resultou de descargas de uma ribeira

    existente nesse local. A zona mais a oeste desta margem, encontra-se estabilizada com

    sacos de areia, com o objectivo de evitar a eroso costeira, dado que esta zona se encontra

    densamente urbanizada.

    Na margem direita da laguna (margem norte), a plancie de inundao do Rio

    Borraa encontra-se integralmente cultivada e a sua margem exterior est ocupada por

    edificado urbano, parque de estacionamento (outras ocupaes na legenda das figuras

    III.3., III.11., III.12., III.14., III.15. e III.16.) e depsitos de dragados; o talvegue deste rio

    foi deflectido para nascente e a sua actividade deposicional contribui para robustecer

    localmente a praia lagunar.

    III.3.2 Sector B Deste sector (Fig. III.5.) fazem parte o Brao do Bom Sucesso e a Poa das

    Ferrarias, aos quais afluem duas linhas de gua que, no caso da Ribeira das Ferrarias define

    um pequeno delta fluvial na interface com o espao lagunar. O fundo destes vales

    encontra-se preenchido por sedimentos constituindo plancies de inundao, as quais esto

    ocupadas nas zonas mais a montante por exploraes agrcolas, e a jusante por ambiente de

    paul.

    O Brao do Bom Sucesso o local mais profundo da Lagoa de bidos e exibe uma

    configurao cuspidada tpica de corpos estreitos e alongados paralelamente ao vento

    dominante. A margem deste brao constituda por sedimentos lodosos, definindo

    ambientes de raso de mar e sapal, podendo estes ltimos gradar para canavial com

    extenso suficientemente diminuta para no ter expresso cartogrfica. Os fundos subtidais

    so igualmente constitudos por lodo orgnico.

    A Poa das Ferrarias, antigo brao lagunar, est hoje ligada ao corpo central apenas

    por um canal estreito (Caneiro); a separao feita por uma restinga, recoberta por

    dragados, os quais ocorrem igualmente mais a sul, nas cspides do Bico dos Corvos e

    Ponta Branca. Quer as margens quer os fundos subtidais so em todo semelhantes aos do

    Brao do Bom Sucesso.

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    Devido ao facto desta zona se encontrar abrigada pela Ponta do Espichel e de estar

    mais distante da barra de mar, a dinmica marinha faz-se sentir apenas na massa de gua,

    sendo os aportes sedimentares predominantes de natureza fluvial.

    Figura III.5.: Detalhe do Sector B retirado do esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos na situao de referncia (ano de 2000).

    III.3.3 Sector C Este sector (Fig. III.6.) abrange a maior e mais desenvolvida plancie de inundao

    adjacente ao espelho de gua lagunar, associada aos rios Real, Arnia e Vala da Poa.

    Antigo brao da laguna, est hoje completamente assoreado em resultado de intensa

    actividade deposicional, a qual invade j espao de acomodao para norte da frente

    definida pelas margens fluviais.

    Na plancie de inundao podem observar-se dois tipos de ocupao principal, a

    sul e a norte da confluncia dos talvegues; a sul, predomina a ocupao agrcola, secundada

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    por ambiente de paul nas zonas dulceaqucolas encharcadas da Poa do Vau, Coelheira e

    Clube de Aeromedelismo; a norte, ocorrem essencialmente sapais e pastagens.

    Na zona nordeste da plancie, existe uma pequena plancie de inundao cultivada

    conservando-se a jusante o respectivo delta fluvial, actualmente desactivado, ocupado por

    pastagem.

    Figura III.6.: Detalhe do Sector C retirado do esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos na situao de referncia (ano de 2000).

    Sobre a plancie de inundao principal esto bem evidentes formas/estruturas

    antrpicas: um aterro linear suportando pista de aeromodelismo; desaterro e muros

    marginais de um tanque relacionado com antiga unidade de explorao de sal, da qual os

    restantes vestgios foram obliterados pela sedimentao aluvial; depsitos de dragados

    constituidos por material arenoso conqufero, os quais se destacam da superfcie plana; um

    enrocamento aderente (muro) que limita pelo norte a parte mais elevada da plancie de

    inundao. Para norte deste muro o canal fluvial construiu uma estrutura deltaica, em parte

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    j abandonada, transformada em plancie de inundao e colonizada por sapal, e

    conservando um lobo terminal, activo, resultante das descargas mais recentes. Do material

    assim descarregado, a carga de fundo retida no lobo terminal deltaico e a fraco mais

    fina permanece em suspenso, constituindo uma pluma trbida que invade e se difunde no

    espao lagunar, observvel at Ponta das Boias.

    III.3.4 Sector D Deste sector (Fig. III.7.) faz parte o Brao da Barrosa onde afluem duas linhas de

    gua, sendo a principal o Rio da Cal. Estas linhas de gua construram plancies de

    inundao que so utilizadas quase na sua totalidade para fins agrcolas mas mais a jusante

    conservam caractersticas de ambiente de paul.

    As margens so constitudas por sedimentos finos (lodosos) verificando-se um

    predomnio do ambiente de raso de mar em relao ao ambiente de sapal. Este ltimo

    existe em manchas de reduzidas dimenses na margem norte, apresentando maior extenso

    na margem sul do brao. Na margem norte, verifica-se ainda a presena de duas pequenas

    plancies de inundao cultivadas, construdas por linhas de gua temporrias, apresentando

    a jusante deltas fluviais ocupados por pastagem.

    No Brao da Barrosa a coluna de gua diminuta e apresenta uma pluma trbida

    que se funde com a pluma proveniente do sul e referida no Sector C.

    Figura III.7.: Detalhe do Sector D retirado do esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos na situao de referncia (ano de 2000).

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    III.4. Evoluo da laguna de bidos nas ltimas nove dcadas A Lagoa de bidos tem experimentado contnuas modificaes, quer naturais quer

    foradas pela actividade antrpica. Neste item apresenta-se uma descrio das principais

    variaes geomorfolgicas observadas entre 1917 e 2002, neste espao lagunar, com base

    na anlise detalhada da fotografia area referida na Tabela III.1. e do Plano Hidrogrfico da

    Laga de bidos levantado em 1917 na escala 1: 100.000 pela Misso Hidrogrfica da

    Costa de Portugal (Fig. III.3. e III.8. a III.15.).

    Devido geometria dos fundos, pequenas oscilaes da cota do espelho de gua

    lagunar no instante em que as fotografias areas so efectuadas podem traduzir-se por

    modificaes aparentes na extenso das formas intertidais, no passveis de serem tomadas

    em linha de conta na interpretao geomorfolgica; por outro lado, a m qualidade da

    fotografia de 1982 prejudicou, de certo modo, a interpretao efectuada para este ano.

    III.4.1. Formas Lagunares-Marginais Em relao s formas lagunares-marginais verifica-se que entre 1917 e 2002 as

    modificaes mais significativas ocorreram na barreira arenosa e nos bancos (delta) de

    enchente, em consequncia da abertura artificial do canal de comunicao com o mar e

    divagao posterior da barra. No entanto, o limite interno do delta de enchente,

    materializado pela Coroa do Arinho, manteve posio invariante ao longo do tempo.

    A localizao da barra distinta nos diferentes anos, posicionando-se

    preferencialmente na sua metade sul (1954, 1963, Setembro de 1989, 2000 e 2002) e

    ocorrendo na regio central da barreira em 1947 e Maio de 1989 e na sua metade norte em

    1917 e em 1982. Estas variaes na posio da barra podem estar intimamente ligadas ao

    seu carcter migratrio, a favor da deriva litoral; a barra, aberta na metade norte ou poro

    central da barreira, desloca-se, em regra, para sul, onde fecha naturalmente; a representao

    de 1917 configura uma situao menos frequente: crescimento para norte da restinga sul (a

    favor de deriva dirigida para norte) e eroso na margem norte do canal.

    No levantamento de 1917 o escoamento para o oceano assegurado por um canal

    bem definido e pouco sinuoso, que se encosta primeiro margem direita, ladeando pelo

    norte os grandes bancos associados ao Arinho (1 na Fig. III.8.), para depois definir um arco

    de grande raio de curvatura, convexo para sul, e finalmente inflectir novamente para NE na

    boca da barra; a morfologia da ponta da restinga sul sugere que esta ltima inflexo

    consequncia da reorientao e extenso do canal na sua seco terminal, motivada pela

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    divagao para norte da barra de mar. A existncia de referncia cartogrfica explcita a

    um cordo dunar robusto, implantado no tero sul da restinga (e ausente na sua poro

    setentrional) sugere uma faixa de divagao da embocadura de mar restrita poro norte

    da barreira, situao que no se repete nas fotos posteriores, excepo do ano de 1982.

    Nas fotos de 1947, 1954 e 1963, o escoamento para o oceano tambm assegurado por

    um canal bem definido, com localizao idntica de 1917 no seu troo interno mas mais

    meandrizado, que contorna ainda pelo norte os bancos associados ao Arinho (1, nas Fig.

    III.9., III.10. e III.11.) para depois tocar a margem esquerda no Bom Sucesso, e finalmente

    inflectir uma vez mais na embocadura de mar, constatando-se complexidade e

    assoreamento crescentes dos bancos de enchente ao longo deste intervalo de tempo.

    Figura III.8.: Esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos com base em mapa do ano 1917.

  • 68

    Figura III.9.: Esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos com base na foto area do ano 1947.

    Figura III.10.: Esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos com base na foto area do ano 1954.

  • 69

    Figura III.11.: Esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos com base na foto area do ano 1963.

    A partir de 1982 as modificaes das formas lagunares marginais na regio da

    embocadura reflectem as operaes de dragagem para desassoreamento efectuadas a partir

    de 1981 e a construo do dique de guiamento de correntes em 1999. Estas operaes

    traduziram-se no aprofundamento do canal e linearizao do seu traado junto margem

    norte implicando o corte de bancos de enchente. Em consequncia, estes reorganizaram-se,

    especialmente a sul do canal. No levantamento de 2000 define-se um segundo canal

    encostado margem sul, responsvel por intensificao e extenso de eroso sobre os

    bancos do Arinho, a qual j era visvel a partir de 1963, mas localizada ao encosto sul da

    Coroa. O sistema lagunar no aceitou a configurao imposta pelas dragagens e a

    organizao morfolgica de 2002 (Fig. III.15.) tende a aproximar-se da que se observava

    nas dcadas de 1940-60, incluindo assoreamento intenso, meandrizao e extenso do canal

    de escoamento. Em todos os levantamentos observa-se um banco intertidal alongado

    (designado por 2 nas Figs. III.3. e III.8. a III.14.) que corresponde a uma barra linear

    marginal ao canal de escoamento principal e que apesar de ter sido dragada nos anos 80, se

    reconstruiu posteriormente.

    Em 1917, a margem arenosa organiza-se sob a forma de uma praia lagunar

    (supratidal) extensa, ocupando toda a margem norte at Ponta da Ardonha e a margem

  • 70

    sul at ao interior do Brao do Bom Sucesso (Fig. III.8.). Entre 1917 e 2000 a superfcie

    ocupada por praia lagunar diminuiu para cerca de metade. Nos levantamentos de 1947,

    1954 e 1963, a praia arenosa lagunar ocupa essencialmente a margem norte e restringe-se

    zona da embocadura, por agradao do banco identificado com 3 (Figs. III.9. a III.11.); na

    restante margem direita, a largura da praia reduziu-se significativamente dando lugar, por

    eroso, a um raso de mar arenoso. Na margem oposta, a praia lagunar tambm diminuiu

    acentuadamente de extenso e deu lugar a margem lodosa ocupada por rasos de mar e

    sapais. O ambiente de praia surge apenas em manchas descontnuas: na regio do Bom

    Sucesso, observando-se mesmo recesso deste ambiente naquele intervalo de tempo em

    associao com o processo de meandrizao do canal da barra, j referido anteriormente;

    na Aldeia da Lapinha, desaparecendo a partir de 1954 (inclusiv); nas Pontas do Espichel,

    Caneiro e Bico dos Corvos.

    As formas lagunares marginais mantm, a partir de 1982, caractersticas semelhantes

    s descritas para o intervalo 1947-1963, excepto nos locais onde foram rejeitados os

    dragados. Estes ocupavam uma rea relativamente restrita no levantamento de 1982, na

    regio da Ponta da Ardonha, sobre plancie de inundao cultivada e margem lodosa com

    sapal, e na plancie aluvial sul, sobre raso de mar lodoso; as manchas de dragados

    aumentaram significativamente em 1989 estendendo-se desembocadura do Rio Borraa,

    Ponta do Espichel, Bico dos Corvos e Ponta Branca (onde foram colocadas sobre margem

    arenosa) e totalidade da plancie de inundao sul, a jusante da confluncia dos Rios

    Arnia e Real (depositados sobre antigas estruturas de explorao de sal, por sua vez

    implantadas em terrenos intertidais de raso de mar e sapal). Em 2000 surgem novas reas

    ocupadas por dragados na margem sul em frente Aldeia dos Pescadores e a sul da

    Buinheira (ambas sobre sapal) e na margem norte, na desembocadura do Rio Borraa,

    sobre margem arenosa. Os depsitos de dragados arenosos da margem sul em frente

    Aldeia dos Pescadores e a sul da Buinheira devem ser periodicamente remobilizados pelas

    ondas, justificando o aumento de margem arenosa sob a forma de raso de mar que ocorre

    em 2000 relativamente ao levantamento anterior (1989). Em 2000, a mais extensa mancha

    de dragados lodosos depositados nos anos 80 na plancie aluvial sul, encontra-se j bastante

    renaturalizada, colonizada por vegetao de sapal e utilizada para pasto.

    Merece tambm referncia, no ano 2000, a menor extenso de margem arenosa

    ocupada por praia lagunar na regio do Bom Sucesso; esta deve-se a um processo erosivo,

    localizado, cuja persistncia resulta do reposicionamento do escoamento a sul, induzido

  • 71

    pelo dique de guiamento de correntes. Este processo erosivo, associado forte ocupao

    antrpica sobre o sistema dunar do Bom Sucesso, obrigou a medidas de proteco sob a

    forma de um revestimento aderente constitudo por sacos de areia.

    Por sua vez, a margem lodosa que ocupa essencialmente o permetro lagunar

    interno, e que resulta da acumulao da carga slida em suspenso de provenincia fluvial,

    aumentou a sua rea no Brao da Barrosa entre 1917 e 1963. Apesar de o canal de ligao

    deste brao ao restante espao lagunar ser estreito j em 1917 (Fg. III.8.), parece ter vindo a

    sofrer assoreamento progressivo neste intervalo de tempo. A partir de 1982 este canal

    tornou-se mais largo (Fig. III.14.), embora todo o brao tenha sofrido assoreamento

    intenso, observando-se em 2000 uma exgua extenso inundada que corresponde a menos

    de um tero da superfcie (Fig. III.3.). Os fundos entre a Ponta do Espichel e o Bico dos

    Corvos apresentam em 1982 uma situao de mximo assoreamento, que resultou de

    descarga sedimentar intensiva dos rios Arnia e Real, tendendo a isolar o Brao do Bom

    Sucesso (Fig. III.14.). Esta configurao foi corrigida atravs de extensa operao de

    dragagem responsvel pela reduo da margem lodosa nas fotografias posteriores (Fig.

    III.3. e III.13.). No seu todo, a margem lodosa aumentou progressivamente de extenso

    entre 1917 e 1963, mas nas datas posteriores a situao inverte-se: em 1982 j estava

    significativamente reduzida e em 2000 ocupava cerca de metade da rea de 1963; este

    padro de variao partilhado pelo ambiente de raso de mar.

    III.4.2. Formas Fluvio-Lagunares Os mais importantes vales afluentes Lagoa de bidos so, na seco terminal,

    formas de fundo plano devido a uma histria de acumulao sedimentar longa de alguns

    milnios, que justifica a extenso das plancies de inundao. Os talvegues apresentam

    sinais de regularizao associados ao uso do solo e, no encontro com o espelho de gua,

    desenvolvem deltas fluviais que invadem o espao lagunar. O levantamento de 1917 no

    permite identificar com clareza as estruturas deltaicas, cuja presena sugerida pela forma

    convexa da margem lagunar.

    O delta do rio Real-Arnia o mais extenso, em consequncia da dimenso da

    bacia hidrogrfica dos rios que o alimentam, e o que apresenta maior variabilidade

    morfolgica e de posicionamento ao longo do tempo. Em 1947 tem uma forma digitada,

    com mltiplos distributrios, passando nos levantamentos posteriores a uma configurao

    mais simples, lobada. Entre 1917 e 1982 o delta progradou para NW em direco Ponta

  • 72

    do Espichel; devido s operaes de dragagem, em 1989 diminuiu de extenso, voltando a

    aumentar em 2000 e redireccionando a progradao para NE, rumo Ponta da Ardonha.

    medida que o delta invade o espao lagunar para jusante, os segmentos recm abandonados

    aumentam de cota por agradao e vo-se transformando em plancie aluvial.

    O Rio da Cal dispe de um delta lobado bastante mais pequeno que no varia

    significativamente em termos dimensionais mas cujo posicionamento , ao longo do

    tempo, cada vez mais no interior do Brao da Barrosa, favorecendo a expanso da plancie

    aluvial sobre espao lagunar.

    Figura III.12.: Esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos com base na foto area do ano 1982.

  • 73

    Figura III.13.: Esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos com base na foto area de Maio do ano 1989.

    Figura III.14.: Esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos com base na foto area de Setembro do ano 1989.

  • 74

    Figura III.15.: Esboo geomorfolgico da Lagoa de bidos com base na foto area do ano 2002.

    O Rio Ameal e a Ribeira das Ferrarias desenvolvem deltas diminutos, cuja evoluo

    morfolgica e volumtrica no tem expresso significativa, sugerindo fraco dbito slido e

    capacidade de acomodao elevada. No Rio Borraa a frente deltaica no visvel mas tem

    expresso na forma convexa da plancie aluvial, que controla a posio do canal de

    escoamento norte da barra de mar e alimenta o banco marginal arenoso referenciado com

    3 nas figuras III.3. e III.8. a III.14.

    Quanto s plancies de inundao, estas tm aumentado progressivamente a sua

    extenso, desde 1917 at 2000. A plancie de inundao sul mostra crescimento lateral mais

    significativo na sua poro terminal entre 1963 e 1982. Na fotografia deste ltimo ano bem

    como na de 1989 a superfcie foi quase totalmente ocupada por depsitos de dragados e,

    como referido anteriormente, encontra-se parcialmente renaturalizada em 2000. Esta

    plancie ocupada por agricultura para montante da confluncia dos rios Arnia e Real, uso

    que persiste desde pelo menos 1947 at ao presente; o mesmo acontece com o paul da

    Poa do Vau.

    Em relao s restantes plancies de inundao, verifica-se que a da ribeira das

    Ferrarias e do rio Ameal ampliaram apenas ligeiramente a sua extenso nas ultimas 6

    dcadas, ao contrrio das plancies que do para o Brao da Barrosa e a do Rio Borraa, as

  • 75

    quais aumentaram significativamente a sua superfcie, evidenciando um transporte slido

    mais eficiente das respectivas linhas de gua.

    Ao longo das margens da laguna existem outras plancies de inundao de pequenas

    dimenses, as quais cresceram associadas a linhas de gua temporrias ou de menor

    importncia e dimenses.

    III.4.3. Tipo de Ocupao/Ambiente Os vrios tipos de ocupao/ambiente variaram ao longo do tempo.

    O ambiente de praia lagunar observa-se em todas as margens arenosas emersas, que

    so utilizadas como praias na poca estival. A evoluo deste ambiente foi j descrita em

    item anterior.

    O ambiente de raso de mar observa-se tanto em margem arenosa como lodosa,

    predominando a primeira no corpo lagunar principal e a segunda nos braos. Em termos

    de evoluo, as maiores diferenas so visveis no Brao da Barrosa e na plancie aluvial sul.

    No primeiro caso, aumentou naturalmente a sua extenso custa da reduo da superfcie

    inundada; no segundo caso, a interveno antrpica contribuiu para lhe reduzir dimenses:

    numa fase inicial, entre pelo menos 1947 e 1963 com a instalao de salinas; no incio da

    dcada de 80, estas estruturas j estavam desactivadas mas a superfcie foi invadida por

    plancie aluvial. No seu todo, o raso de mar aumentou progressivamente de extenso entre

    1917 e 1963, mas nas datas posteriores a situao inverte-se: em 1982 j estava reduzida a

    cerca de metade e continuou a perder extenso at 2000.

    O ambiente de sapal est claramente marcado em 1917 numa mancha extensa em

    associao com a plancie aluvial sul (Fig. III.8.). Esta mancha foi fortemente destruda pela

    instalao das salinas, visvel nas fotos de 1947 a 1963 (Fig. III.9. a III.11.). A extenso de

    sapais s recuperou nesta zona depois de 1989, pela parcial renaturalizao dos depsitos

    de dragados (Fig. III.3.). No restante espao lagunar, os sapais surgem em estreitas faixas

    ocupando a parte mais elevada das margens lodosas e no sofreram modificaes

    apreveis ao longo do tempo, excepo da mancha da Buinheira, onde a deposio de

    dragados, visvel em 2000, lhe reduziu a extenso a um tero (Fig. III.3.).

    As pastagens s se observam no voo completo mais recente (2000), na plancie de

    inundao do rio Real e na plancie de inundao da linha de gua temporria junto ao

    canal que liga o brao da Barrosa laguna.

  • 76

    As reas ocupadas para fins agrcolas tm aumentado de extenso acompanhando o

    crescimento das plancies de inundao, ao longo de todas as margens da laguna. Exceptua-

    se a plancie de inundao sul, onde as pores acrescidas foram utilizadas como destino de

    depsitos de dragados e a elevada salinidade apenas permite a instalao de pequenas reas

    de pastagem.

    Quanto aos pauis, estes tm ampliado a sua superfcie nas plancies de inundao

    dos braos da Lagoa, mantendo-se no ltimo meio sculo constantes as manchas da Poa

    do Vau e da Coelheira.

    III.4.4. Formas Antrpicas A interveno humana na Lagoa de bidos tem sido notria desde 1947 at

    actualidade, deixando marcas e efeitos bem visveis. Os primeiros sinais de ocupao

    antrpica traduzem-se pela utilizao de domnio intertidal para a instalao de salinas que

    permaneceram activas desde, pelo menos, 1947 at 1963. Entre 1947 e 1954 efectuou-se

    um alargamento na sua estrutura, cujos vestgios so reconhecveis at actualidade.

    A partir dos anos 80, a principal perturbao antrpica resulta da realizao de

    operaes de dragagem e da acumulao dos rejeitos desta. Os materiais arenosos

    resultantes do desassoreamento dos canais e deltas de enchente foram colocados nas

    margens direita sobre margem arenosa (em frente desembocadura do Rio Borraa) e

    esquerda, sobre sapal (na zona da Buinheira) e ainda na plancie de inundao sul; os

    depsitos lodosos foram colocados essencialmente na Ponta do Espichel e na plancie de

    inundao sul. Entre 1982 e 2000 a superfcie ocupada por rejeitos de dragagem nas

    margens lagunares (excluindo a plancie aluvial sul) aumentou 2,5 vezes de extenso.

    Desde pelo menos 1917 que existem construes numa faixa muito estreita no sop

    da vertente do Facho; a partir de 1963 (Fig. III.11.) observa-se tambm uma zona ocupada

    por algumas cabanas de pescadores assentes sobre a praia lagunar, a qual aumentou

    consideravelmente a sua extenso at pelo menos 1982 (Fig. III.13.). Entre 1982 e 1989

    essa ocupao foi removida e entre Maio e Setembro de 1989 foi construdo um parque de

    estacionamento no mesmo local, o qual existe ainda actualmente. Na margem sul, nas

    ltimas trs a quatro dcadas verificou-se um aumento substancial da rea construda,

    tendo o aglomerado populacional do Bom Sucesso ganho importncia a partir dos anos 70.

  • 77

    A explorao de areias (Areeiro) em substrato aflorante na margem, nomeadamente

    na regio da Poa do Vau, produziu impactos visuais importantes observveis nas

    fotografias de 1982 e posteriores (Fig. III.3., III.12. e III.14.).

    III.4.5. Assoreamento A comparao da batimetria que consta do Plano Hidrogrfico da Laga de bidos

    (1917) e da Compilao do Levantamento da Lagoa de bidos na escala 1:10.000

    efectuado pela Brigada Hidrogrfica n 2 do Instituto Hidrogrfico em 1980, permite

    concluir o seguinte (Freitas, 1989):

    - em 1917 os locais mais profundos da laguna encontravam-se no Brao do Bom

    Sucesso (mais de 6 m de profundidade) e na Poa das Ferrarias (profundidade superior a 4

    m); a profundidade do canal de comunicao com o mar era superior a 2 m em alguns

    locais mas, de modo geral, raramente ultrapassava 1 m; o corpo central da laguna atingia,

    pontualmente, mais de 4 m;

    - em 1980 tambm o Brao do Bom Sucesso contm as maiores profundidades mas

    que atingem apenas pouco mais de 4 m; a Poa das Ferrarias mostra profundidades de

    cerca de 2 m; a profundidade do canal de comunicao com o mar atingia quase 3 m em

    alguns locais mas, de modo geral, raramente ultrapassava 1 m; no corpo central da laguna

    ocorriam profundidades superiores a 3 m;

    - entre aquelas duas datas, a sedimentao predominou relativamente eroso,

    podendo contabilizar-se uma rea de 3 km2 para a primeira e de 0,6 km2 para a segunda;

    este padro traduz-se igualmente nos volumes de material que sedimentou (cerca de 3 x 106

    m3 ou seja, aproximadamente 43 x 103 m3/ano) ou erodido (cerca de 0,3 x 106 m3 ou seja 4

    x 103 m3/ano);

    - no Brao do Bom Sucesso e no canal de comunicao com o mar, a razo

    sedimentao/eroso de aproximadamente 2 e no corpo central da laguna a mesma razo

    de aproximadamente 32; nos dois primeiros locais parece ter havido uma migrao do

    canal (encostando-se margem W no Brao do Bom Sucesso e margem N na

    desembocadura), sendo a sedimentao, at certo ponto, compensada pela eroso,

    enquanto no segundo caso h assoreamento efectivo e intenso;

    - a sedimentao foi mais intensa nos Braos do Bom Sucesso e da Barrosa e no

    corpo lagunar central nas proximidades da desembocadura dos Rios Arnia e Real;

  • 78

    - nas zonas sedimentadas a acreco mdia durante este intervalo de tempo foi de

    cerca de 1,2 cm/ano enquanto nas zonas erodidas a eroso mdia foi de aproximadamente

    6 mm/ano.

    Fortunato et al. (2002, in LNEC, 2004) apresentam a comparao entre o

    levantamento de 1980 e um de 2000, tendo chegado s seguintes concluses:

    - o volume sedimentado no corpo lagunar central foi de 4,5 x 105 m3 ou seja, 2,3 x

    104 m3/ano e nos Braos do Bom Sucesso e da Barrosa e na Poa das Ferrarias foi de 3 x

    105 m3, equivalendo a 15 x 103 m3/ano; por seu lado, a eroso representou 1,6 x 105 m3 no

    corpo lagunar central (8 x 103 m3/ano) e 1,7 x 105 m3 (8,5 x 103 m3/ano) nos braos

    afluentes; o balano foi assim de 15 x 103 m3/ano no corpo lagunar central e de 6,4 x 103

    m3/ano nos braos afluentes;

    - este balano corresponde a taxas mdias de sedimentao de 1 cm/ano,

    representando uma estimativa por defeito na medida em que no incluem os volumes

    dragados entre 1981 e 1985.

    Entre 2000 e 2004 na rea correspondente aos braos afluentes foi registado um

    assoreamento de cerca de 2 x 105 m3/ano (LNEC, 2005), valor muito superior ao obtido

    entre 1980 e 2000.

    III.5. Evoluo da Lagoa de bidos na perspectiva geolgica A Lagoa de bidos tem actualmente uma rea molhada inferior a 6 km2, mas esta

    superfcie, bem como o contorno que a limita, variaram significativamente ao longo do

    tempo. Como laguna, tem uma existncia de cerca de 5 000 anos e no texto que se segue

    apresenta-se uma reconstituio deste espao ao longo dos ltimos milhares de anos,

    apoiada num conjunto diversificado de indicadores, nomeadamente geolgicos e

    arqueolgicos. A figura III.16. evidencia os locais onde ocorreram as modificaes

    morfolgicas mais significativas a esta escala temporal. Nesta e noutras figuras (III.20. a

    III.31.) representa-se, para efeitos de comparao, o permetro inundado em 2001, obtido

    das folhas 326 e 338 (Caldas da Rainha e bidos) da Carta Militar de Portugal, editadas

    pelo Instituto Geogrfico do Exrcito em 2004.

    III.5.1. Plio-Plistocnico Durante o Pliocnico, poca da Era cenozica entre 5 e 1,8 milhes de anos, o

    nvel do mar alcanou cotas mais altas devido a um clima mais quente, de feio tropical no

  • 79

    nosso territrio, e a linha de costa deslocou-se para o interior do continente, at Serra dos

    Candeeiros, cuja aba ocidental constituiria nesta poca uma arriba litoral (Fig. III.17.); desta

    inundao marinha so testemunho as formaes arenosas situadas na plataforma litoral

    entre aquela serra e o mar (Zbyszewski e Almeida, 1960). Nesta altura, a Lagoa de bidos

    no existia.

    No Plistocnico (Fig. III.17.), o nvel do mar oscilou em resultado de variaes

    climticas globais que determinaram diversas pocas glaciais e interglaciais. Durante as

    pocas mais frias, a reteno de quantidades significativas de gua sob a forma de gelo

    conduziu a um rebaixamento do nvel dos oceanos e favoreceu o entalhe da rede

    hidrogrfica, definindo-se assim os seus grandes traos. Os interglaciares correspondem a

    intervalos temporais de melhoramento climtico, fuso dos gelos e elevao do nvel do

    mar que, porm, no atingiu cotas to altas como no Pliocnico.

    A glaciao mais recente (Wrm) atingiu o seu mximo h cerca de 18 000 anos

    (ltimo Mximo Glaciar UMG). Nesta altura, em resposta a uma temperatura mdia

    global cerca de 4C inferior do incio do sculo XX, o nvel do mar estava cerca de 120 m

    abaixo da cota actual (Fig. III.18.) e a linha de costa situava-se 15 km mais para oeste. A

    Lagoa de bidos ainda no existia e a depresso que hoje ocupa fazia parte do troo mdio

    de um profundo vale fluvial escavado na plancie litoral (Fig. III.19.).

    A fase final do Plistocnico (posterior a 18 000 BP antes do presente) caracteriza-

    se por uma subida da temperatura e concomitante elevao do nvel mdio do mar. O

    aumento do volume dos oceanos conduziu a uma progressiva retrogradao da linha de

    costa que ainda se situaria para ocidente da actual; no entanto, devido ao seu profundo

    entalhe, a frente de inundao marinha avanou para o interior do continente nos vales

    previamente escavados, que se transformaram em braos de mar. No incio desta fase, a

    regio da Lagoa de bidos ainda faria parte do sistema fluvial situado para E da frente de

    inundao marinha; no final, j estaria suficientemente prxima dela para poder sofrer

    algumas incurses espordicas de gua salgada (Fig. III.20. e III.21.).

    A tendncia transgressiva foi perturbada por um episdio frio ocorrido no

    Atlntico Norte entre 11 000 e 10 000 BP (Fig. III.18.), marcando a transio para o

    Holocnico. Embora Dias et al. (1997) proponha para este intervalo uma descida do nvel

    do mar pronunciada, dados mais recentes para o litoral portugus sugerem que naquele

    episdio frio ocorreu apenas uma estabilizao do nvel de base, prximo de -30 m, que

    ter durado um milnio.

  • 80

    O Homem que no final do Paleoltico superior viveu nesta regio encontrou uma

    paisagem muito diferente da actual, modelada em clima mais frio, e habitou vertentes de

    vale fluvial caudaloso, mais fundo e apertado, talhado num relevo mais vigoroso, distante

    do litoral, sem acesso a recursos marinhos prximos.

    Hipsometria (m)

    Permetro inundadoem 2001 (IgeoE, 2004)

    Legenda:

    Juncal doArmazm

    Poa Pequena

    Aldeia dos Pescadores

    Poa das Ferrarias

    Bra o da Barrosa

    Brao do BomSucesso

    Poado Vau

    Plancie Aluvial do Rio Real

    e Arnia

    Figura III.16.: Toponmia das reas que sofreram maiores variaes morfolgicas ao longo do tempo

    (limitadas a violeta).

  • 81

    Figura III.17.: Reconstituio esquemtica da inundao marinha ocorrida no Pliocnico.

    Figura III.18.: Curva de variao do nvel mdio do mar na costa portuguesa nos ltimos 20 000 anos,

    segundo Dias et al. (1997).

    III.5.2. Primeira metade do Holocnico 10 000 a 5 000 BP O melhoramento climtico do incio do Holocnico favoreceu o retomar de um

    regime transgressivo intenso (cerca de 1 cm/ano), interrompido no milnio anterior, o qual

    se prolongou at h aproximadamente 7 000 anos. Nos dois milnios seguintes, observa-se

    diminuio acentuada da taxa de elevao do nvel do mar (para valores de cerca de 0,8-1

    mm/ano) o qual alcanou cota j muito prxima da actual cerca de 5 000 anos antes do

  • 82

    presente (correspondendo ao mximo da transgresso holocnica) (Freitas, 2005) Fig.

    III.22. e III.23.. Em resposta a este foramento, que se traduziu no espao ocupado pela

    actual Lagoa de bidos por uma inundao marinha franca mas progressiva, desenvolveu-

    se aqui, tambm de forma progressiva, um ambiente de ria/esturio aberto; igualmente

    nesta altura que as depresses de Alfeizero e Pederneira so inundadas pelo oceano na sua

    mxima extenso.

    H 5 000 anos o permetro de inundao marinha alcanou a sua mxima

    expresso, quer em superfcie, que orava pelo qudruplo da actual, quer em penetrao

    para o interior; prolongava-se at aos relevos de bidos e Rolia a sul (Fig. III.22. e

    III.23.), inundando a actual plancie aluvionar dos rios Real e Arnia, a Poa do Vau, a

    zona de Sobral da Lagoa e das Vrzeas (a SE da Amoreira), e penetrava tambm por todos

    os restantes pequenos cursos de gua afluentes actual Lagoa de bidos. O permetro do

    espelho de gua desta altura era muito mais recortado, coincidindo com o actual apenas nos

    troos onde a margem se materializa por uma vertente inclinada e talhada em substrato

    meso-cenozico. A inundao marinha trouxe para esta regio a diversidade de recursos

    vivos de guas salgadas ocenicas. Visto que estas massas de gua ocuparam os espaos

    definidos pelos entalhes fluviais, beneficiavam de excelentes condies de abrigo

    relativamente aos segmentos costeiros mais expostos.

    De acordo com Fernandes et al. (2006) os achados arqueolgicos mesolticos

    resumem-se a stios de margem (Tabela III.2. e Fig. III.20.), localizados hoje na margem

    da laguna mas que, no passado, se posicionariam na encosta, acima do fundo do vale. Os

    stios de margem so locais de acumulao natural de seixos siliciosos, utilizados como

    rea de matria-prima para o fabrico de utenslios lticos, incluindo pesos de rede, sinais

    explcitos de actividade ligada pesca. A presena de moluscos na estao arqueolgica

    neoltica do Outeiro da Assenta (Silva e Cabrita, 1966) Tabela III.3. congruente com a

    reconstituio apresentada, e mostra uma adaptao da dieta alimentar daquela populao a

    um conjunto de novos recursos. A diversidade tipolgica de stios maior nesta altura.

  • 83

    Figura III.19.: Reconstituio esquemtica da regio adjacente Lagoa de bidos h 18 000 anos.

    III.5.3. Dos 5 000 BP ao Perodo Romano A estabilizao do nvel do mar prximo da cota actual no final do Neoltico

    permitiu a diferenciao e desenvolvimento das barreiras arenosas terminais, que isolaram

    os ambientes de ria/esturio aberto e os transformaram em lagunas que persistem at

    actualidade. A Lagoa de bidos como tal nasceu, assim, h cerca de 5 000 anos atrs. Entre

    o final do Neoltico e o Perodo Romano, o nvel mdio do mar atingiu praticamente a cota

    actual, correspondendo a um pulso de elevao da ordem de 3-4m (valor prximo da

    amplitude de mar viva actual) que ocorreu a um ritmo relativamente baixo, da ordem de 1

    mm/ano. A pequena magnitude desta variao justifica que os romanos tenham

    encontrado um permetro inundado da primitiva Lagoa de bidos escassamente inferior ao

    do mximo transgressivo (Fig. III.24. e III.25.). A coincidncia dos achados romanos nas

    margens da Lagoa da Pederneira (Henriques et al., 2002; Dinis et al., 2006) com o mximo

    de inundao holocnica corrobora esta interpretao. O uso do solo da bacia hidrogrfica

    afluente ao espao lagunar neste intervalo de tempo produziu sedimentos que contriburam

    para o incio de um processo de entulhamento que prossegue ainda hoje.

  • 84

    LegendaPermetro de inunda o em 2001 (IgeoE, 2004)

    rea inundadah 10 000 anos atr s

    Hipsometria (m)

    Limite prov vel dentro da Lagoa de bidos

    -20m

    Limite da batimetria = -20m(linha de costa h

    10.000 anos atr s)

    bidos

    Vest gios arqueol gicos no Paleol tico e Mesol tico ( in Fernandes et al., 2006)

    241

    83B; 83D; 232; 234; 237; 237A

    Figura III.20.: A regio da Lagoa de bidos h 10 000 anos atrs.

    N

    0 2km

    Figura III.21.: A regio da Lagoa de bidos h 10 000 anos atrs vista em perspectiva.

  • 85

    Tabela III.2.: Achados arqueolgicos testemunhos da ocupao marginal Lagoa de bidos no Paleoltico Superior e Mesoltico (Fernandes et al., 2006).

    Localidade/ Tipo de stio Idade

    Covo dos Mosaranhos II (83B) (Stio de margem (?)) Pr-Histria indeterminada; Mesoltico (?)

    Covo dos Mosaranhos IV (83D) (Stio de margem (?)) Mesoltico (?)

    Ponta de Espichel (232) (Stio de margem (?))

    Pr-Histria indeterminada e Mesoltico (?)

    Challet (234) (Stio de margem (?)) Paleoltico inferior (Aucheulense) (?); Mesoltico (?)

    Caneiro (?) (237) (Stio de margem (?)) Pr-Histria indeterminada; Mesoltico (?) Bico dos Corvos (237A) (Stio de

    margem (?)) Pr-Histria indeterminada; Mesoltico (?)

    Galiota III (241) (Stio de margem (?)) Pr-Histria indeterminada; Mesoltico (?)

    Tabela III.3.: Achados arqueolgicos testemunhos da ocupao marginal Lagoa de bidos no Neoltico, Eneoltico e Calcoltico.

    Localidade/ Tipo de stio Idade

    Outeiro da Assenta* Eneoltico Matas da Amoreira (67)

    (Jazida arqueolgica de superfcie)** Neoltico (?)

    Casais da Areia I (136) (Stio de margem (?) /Habitat (?)**

    Pr-histria antiga, Neoltico (?), Calcoltico(?); Horizonte campaniforme

    Raposeira (146) (Stio de margem (?))** Neoltico (?) Ponte dos Ingleses (147) (Stio de Margem

    (?))** Neoltico (?)

    Casais da Quinta do Carvalhedo I (159) (Stio de margem (?))** Neoltico (?)

    Poa (223) (Stio de margem (?))** Neoltico (?)

    Casal Janeiro II (272A) (Locus (?))** Paleoltico superior (?); Neoltico (?)

    *Silva e Cabrita (1996); **Fernandes et al. (2006).

  • 86

    Legenda

    rea emersabidos

    Outeiro daAssenta

    139; 146; 147; 159

    67272A

    223

    Permetro de inunda o em 2001 (IgeoE, 2004)

    rea inundadah 5 000 anos atr s

    Vest gios arqueol gicos no Neol tico, Eneol tico e Calcol tico( in Fernandes et al., 2006)

    Mximo

    Mnimo

    Figura III.22.: A regio da Lagoa de bidos h 5 000 anos atrs, no mximo da inundao holocnica.

    N

    0 2km

    Figura III.23.: A regio da Lagoa de bidos h 5 000 anos atrs vista em perspectiva.

  • 87

    A acumulao de sedimentos perto das margens da bacia inundada produziu nesta

    altura reduo da profundidade e s depois terrestrializao, ou seja, diminuio da

    superfcie molhada. A reduo do espao de acomodao da laguna por assoreamento

    acontece sempre que o afluxo de sedimentos ocorra a um ritmo superior ao da elevao do

    nvel do mar, como aconteceu efectivamente nos ltimos 5 000 anos e com intensidade

    crescente ao longo do tempo. H 2 000 anos a zona das Vrzeas, mais interior, j no

    estaria inundada e os vales mostravam os primeiros sinais de colmatao nos troos mais

    internos (estreitos e com menor capacidade de acomodao).

    Os Romanos ocuparam a regio de bidos, sendo a cidade de Eburobrittium (sc. I a

    V- Moreira, 2002) o testemunho mais importante. Segundo Mantas (2002), seria uma

    cidade litoral, sobranceira Lagoa de bidos. O mesmo autor descreve-a como um porto

    secundrio, sendo o principal o da antiga Lagoa de Alfeizero, interpretao que

    fundamenta no traado da via Olisipo - Conimbriga. Os testemunhos de presena romana so

    numerosos e diversificados tipologicamente (Tabela III.4.), incluindo uma Villa localizada

    tambm na margem lagunar (referenciada com 1 na Fig. III.24.). Encontram-se referncias

    extenso da laguna nesta altura: Dizem que antigamente chegava o mar at aos muros

    desta vila [bidos], o que se tem por certo. Alguns escritores [entre os quais o Padre

    Carvalho da Costa (in Castelo-Branco, 1957)] apontam a existncia de pedras furadas para

    segurar as barcas e algumas argolas de bronze...; .... o mar banhava os muros de bidos do

    lado do poente. (Trindade, 1985). Frei Manuel de Figueiredo (in Castelo-Branco, 1957)

    refere: Dizem as tradies histricas (que) bateram nos alicerces dos muros da villa de

    bidos as agoas salgadas que ainda formo a Lagoa .... Esta situao, ter existido pelo

    menos at ...junto ao nascimento de Jesus Cristo... quando ...os Romanos se fizeram

    fora de armas, senhores da maior parte da Lusitnia... (Trindade, 1985). Efectivamente, o

    mesmo autor escreve, acerca da conquista de bidos pelo Imperador Jlio Csar: Porm,

    como tivesse passado bastante tempo sem que os Romanos pudessem entrar, e sempre

    sofrendo grandes perdas, porquanto os Celtas estavam bem fortificados e seus valentes

    muros bem guarnecidos de gente, excepto pelo lado do poente por ali chegar o mar ... e

    passados dias, embarcaram em um porto ao Norte (hoje a barra de S. Martinho) e de noite

    entraram pela boca da Foz do Arelho e navegando at junto aos muros da vila ...

    (Trindade, 1985).

  • 88

    III.5.4. Sculos XII a XV a Idade Mdia Os escassos elementos disponveis datados do perodo entre a ocupao Romana e

    a Idade Mdia, no fornecem indicaes sobre a extenso da Lagoa de bidos. Sabe-se que

    as igrejas de Sta Rufina e Sta Justa foram edificadas pelos Visigodos junto Lagoa

    (Trindade, 1985) sugerindo inundao pelo menos at ao paralelo do lugar e possivelmente

    mais para sul. Tambm os Muulmanos tiveram influncia na actual Vila de bidos, por

    exemplo na edificao ou re-edificao do castelo [1]. Pode apenas inferir-se, com alguma

    certeza, que o plano de gua foi diminuindo devido a assoreamento promovido pelo

    aumento da utilizao do solo, associado expanso e intensificao da actividade agrcola.

    Na Idade Mdia, bidos adquire papel preponderante na regio (Tabela III.5.),

    referindo Trindade (1985) que em 1491 um dia foi o princepe D. Afonso com diferentes

    cavaleiros divertir-se caa aos patos na Lagoa desta Vila (de bidos), junto ao lugar do

    Arelho. A localidade do Arelho no difere em latitude da de Sta Rufina, pelo que aquela

    descrio sugere que o assoreamento no se estenderia para norte deste lugar (Fig. III.26. e

    III.27.). So tambm constitudas nesta altura diversas comunidades volta da laguna e das

    vrzeas do Rio Real e Arnia, que desenvolvem actividades piscatrias (Silva, 1994).

    No sc. XIII a laguna j se confrontaria com problemas de estagnao e renovao

    das guas como atestado por Silva (2005) que refere j se assistia ao crescente

    entupimento da Lagoa assim como dos rios e braos que a levavam e dela ao mar.,

    "maus odores" e "maus ares" e sobretudo levando morte de muitas espcies de

    peixes e de marisco que dela costumavam obter.

    Tabela III.4.: Achados arqueolgicos testemunhos da ocupao marginal Lagoa de bidos no Perodo Romano.

    Localidade/Tipo de stio

    Eburobrittium (Cidade) * Outeiro da Assenta (Achados diversos)* bidos (Conquista) *** P Rolia (Moedas e alicerces)*

    Amoreira de bidos (Epgrafes; outros vestgios)*+

    Pinhal bidos (Moedas e objectos de adorno)*

    Vias Romanas entre civitas* Rolia (Moedas e asa de stula)* A-dos-Ruivos (Forno)* S. Gregrio da Fanadia (Moedas)*

    Caldas da Rainha (Estatueta)* S. Mamede (Achados diversos)* Casal Brs - Amoreira de bidos (Moeda)* Brejos (1) (Villa)**

    Cerca Rolia (Achados diversos)* Granja? (245) (Casal; achados avulsos)**

    Cesareda Rolia (Moedas e edifcios)* Senhora do Amparo III (265 A) (Marco com inscrio)** Olho de gua bidos (Moedas)* Aboboriz II (Villa) **

    * Moreira (2002); ** Fernandes et al. (2006); ***Trindade (1985).

  • 89

    Em 1380, durante o reinado de D. Pedro ...todo o terreno que hoje se chama

    Vrzea da Rainha ... naqueles tempos era uma grande mata e quase toda pantanosa

    (Trindade, 1985). Silva (1994) cita o Livro do Tombo do Concelho de bidos, para ilustrar

    a necessidade de reabrir artificialmente a barra de mar: como explicavam os pescadores ao

    rei, todos os anos urgia "abrir" a Lagoa que se "cerrava" cada vez mais, divorciando-se do

    mar. Trindade (1985) refere que ... pelos anos de 1460 ...determinaram que a Cmara de

    bidos por si possa, sem autoridade de mais algum obrigar o povo das vilas de Atouguia,

    Cadaval e Coutos Velhos para virem todas as vezes que fr preciso abrir a Lagoa desta vila,

    quando se conservar tapada por muito tempo e inundar os campos.... Houve na realidade

    um longo contencioso entre bidos por um lado e Cadaval e Atouguia por outro, que se

    prolongou desde os anos de 1400 data da carta de D. Joo I ordenando a estes concelhos

    o envio de gente para abrir a Lagoa sempre que fossem requeridos pelos juzes de bidos.

    Esta era efectivamente uma vila pequena e os problemas que se colocavam ao municpio,

    nomeadamente no que respeitava ao assoreamento dos rios e da laguna, exigiam o servio

    de grande nmero de efectivos que tinham que ser procurados nos arredores (Silva, 1985).

    As zonas do P e Olho Marinho so indicadas como vrzeas (Silva, 1994); estando

    estas localidades alcandoradas a mais de 30 metros de altura, os autores devem querer

    referir as zonas baixas mais prximas, correspondendo a terreno aluvial recentemente

    formado.

  • 90

    Figura III.24.: A regio da Lagoa de bidos h 2 000 anos atrs.

    Figura III.25.: A regio da Lagoa de bidos h 2 000 anos atrs vista em perspectiva.

    Os vales mostravam intensificao da colmatao, principalmente nos afluentes ao

    Brao Bom Sucesso e da Barrosa. A zona da Poa Pequena estava ainda inundada bem

  • 91

    como o Juncal do Armazm, embora este tenha vindo a perder superfcie. A vrzea a norte

    de bidos j era designada de vrzea da Rainha (D. Leonor), o que parece sugerir ausncia

    de inundao permanente neste local. A Vrzea da Rainha em 1544 ...estava nesta vila dos

    ps dos montes at Lagoa que por ser muito alagadia e terra baixa estava quase toda por

    aproveitar e o que dela se aproveitava se perdia o mais dos anos por causa das cheias

    (Bettencourt da Cmara, 1986). Esta vrzea seria uma zona pantanosa mas inundada

    quando "... as areias, invadindo a lagoa impediam a passagem das guas no seu curso para o

    mar ...." (Bettencourt da Cmara, 1986).

    Tabela III.5.: Testemunhos da ocupao humana entre os sculos XII e XV em redor da Lagoa de bidos.

    Localidade / Tipo de stio Idade

    Igreja de So Tiago/Cerca do Castelo de bidos* Sc. XII-XIII

    Castelo* Medieval Cristo

    Arelho (Caa aos patos)** 1491

    Sobral da Lagoa (indicada como comunidade piscatria fluvial a par da Lagoa)***

    Medieval (1441)

    bidos*** Medieval Vau (sede de actividade piscatria)*** Medieval Foz do Arelho (populao rural)*** 1445

    Amoreira (indicada como vrzea e sede de actividade piscatria)***

    Medieval (sc. XII a XV)

    P (indicada como vrzea)*** Medieval (sc. XII a XV) Olho Marinho (indicada como vrzea)*** Medieval (sc. XII a XV)

    * [2]; ** Trindade (1985); *** Silva (1994).

    III.5.5. Os sculos XVIII e XIX O intervalo de tempo que medeia entre os sculos XV e XVIII encontra-se

    tambm muito mal documentado para os fins do presente estudo, apenas se podendo

    adiantar com certeza que o assoreamento prosseguiu. Em finais do sculo XVIII existem

    referncias impossibilidade de cultivo dos campos devido reteno de gua que os

    inundava. Daqui pode inferir-se assoreamento extenso e intenso, que transformou espao

    lagunar em plancie de inundao (vrzeas) e barreira robusta e contnua (sem barra de

    mar) durante prolongados perodos, impedindo a drenagem eficiente. Trindade (1985)

    refere que Pelos anos de 1790, ainda os campos entre os dois montes Arelho e Sobral se

    no amanhavam por estarem sempre debaixo de gua, mesmo de Vero (Tabela III.6.). O

    mesmo autor refere ainda que Em 1826, o juncal existente entre a embocadura dos rios

    (Real e Arnia) e Santa Rufina estava sempre coberto de gua, e hoje [1850] preciso que a

  • 92

    Lagoa esteja muito cheia. Era ento onde se embarcava na ocasio das caadas. Em 1850

    Tem este lago de comprido desde Santa Rufina at barra ou boca da foz, mais de uma

    lgua [5km]. Tem dois braos, um ao Norte, chamado da Barrosa, e outro ao Sul, chamado

    do Bom Sucesso; de um destes braos ao outro tem mais de lgua. Do lado Sul tem pegado

    a poa do Vau que um grande campo, uma lgua de circunferncia, de palhagais e gua;

    tem mais por este lado a Poa da Cativa e a da Ferraria; todas comunicam com a Lagoa por

    pequenos canais. (Trindade, 1985). Os stios mais fundos da Lagoa so a verga ou canal

    prximo barra e o Brao do Bom Sucesso, que tem cinco braas [cerca de 9 m,

    considerando uma braa equivalente a 1,83 m] de fundo. Tem no Brao da Barrosa uma

    ilha chamada dos ratos... a circunferncia dela de 220 passos ordinrios. (Trindade,

    1985). Apesar do assoreamento, no sc XVIII e primeira metade do sc. XIX a Poa do

    Vau continuava ligada laguna, sendo a reduo de rea observada principalmente no vale

    dos Rios Arnia e Real, bem como nas linhas de gua que drenam para a Poa das Ferrarias

    e para o Brao da Barrosa (Fig. III.28. e III.29.).

    Do sculo XVIII no se conhecem representaes cartogrficas com pormenor

    suficiente, que s surgem na segunda metade do sculo XIX (Fig. III.30.). Trata-se da

    Folha 19 da Carta Corogrfica de Portugal editada em 1867 na escala 1:100.000 e da Planta

    Hidrogrfica da Lagoa de bidos editada em 1890 e reproduzida em Girard (1915, in

    Freitas, 1989).

    Em 1867 o limite de inundao permanente est representado cerca de 0,5 km a

    norte do paralelo de Sta Rufina, bastante inferior relativamente ao proposto na figura

    III.29. e a sua representao neste local sugere a presena de um delta progradante. O

    isolamento e a paludificao da Poa do Vau datam desta altura. O ritmo de progresso da

    frente de assoreamento dos Rios Real e Arnia foi muito elevado entre os sculos XV e

    XIX, tendo estes cursos de gua aumentado o seu percurso em cerca de 4 km. Quer os

    Braos, quer as Poas (incluindo a Poa Pequena), apresentam contornos exteriores aos

    representados em 2001. A zona da embocadura representada num estado de

    assoreamento intenso, sendo a localizao e dimenso dos principais bancos arenosos,

    incluindo o do Arinho, semelhantes s actuais. A barra de mar est localizada a norte,

    junto ao relevo do Arelho e a extenso da restinga sul sugere inverso da deriva litoral. So

    representados dois canais de escoamento principais: um encostado margem norte e outro

    margem sul, rodeando os bancos do delta de enchente.

  • 93

    O levantamento de 1890 mostra elevada semelhana com o de 2001 no que respeita

    ao contorno da superfcie molhada do corpo principal da Lagoa. A margem sul progradou

    substancialmente (cerca de 1 km) para norte e esta modificao envolve nestes 23 anos uma

    diminuio da superfcie inundada de cerca de 2,7 km2 custa da expanso da plancie

    aluvial sul. Todos os Braos e Poas reduziram a superfcie mas a Poa Pequena persiste.

    Na regio da embocadura persiste uma barra de mar localizada a norte e

    representado apenas o canal de escoamento norte (verga) que margina um conjunto de

    bancos soldados margem sul, num dispositivo semelhante ao de 1917 (Fig. III.8.). As

    profundidades mximas referenciadas para o corpo lagunar central rondam os 4,5 m, no

    Brao da Barrosa so apontadas profundidades mximas de 2,8 m e no Brao do Bom

    Sucesso de 6,2 m (bastante inferior aos 9 m apontados em 1850); no canal de escoamento

    norte as profundidades no ultrapassam os 3 m.

    III.5.6. O sculo XX Em complemento interpretao efectuada anteriormente para o sculo XX e

    essencialmente apoiada na anlise da fotografia area, foram ainda analisadas as

    representaes da Lagoa de bidos nas edies de 1938 1942 (trabalhos de campo de

    1930/31 e 1940) e 1970 (trabalhos de campo de 1964) das folhas 326 e 338 da Carta Militar

    de Portugal na escala 1:25.000 (Fig. III.32.).

    A representao de 1930/31 corresponde certamente a uma situao peculiar de

    plano de gua lagunar elevado, na medida em que a vrzea do Rio Arnia e Real se

    apresenta inundada, numa extenso superior de 1890 e 1917. A mesma razo pode

    justificar a aparente expanso do permetro de inundao no Brao da Barrosa e extenso

    para montante da Ribeira do Nadadouro. Relativamente ao corpo lagunar principal, os

    limites so muito semelhantes aos actuais, na medida em que as vertentes marginais so

    substancialmente mais ngremes. A barra situava-se ainda na metade N da barreira, e parte

    dos bancos de enchente deveria encontrar-se submersa.

  • 94

    Figura III.26.: A regio da Lagoa de bidos nos sculos XII a XV.

    Figura III.27.: A regio da Lagoa de bidos nos sculos XII a XV vista em perspectiva.

  • 95

    Tabela III.6.: Testemunhos da ocupao humana entre os sculos XVIII e XIX em redor da Lagoa de bidos.

    Localidade/Tipo de stio Idade Entre os montes do Arelho e Sobral Descrio de

    inundao* 1790

    Sta Rufina Juncal inundado* 1826

    Sta Rufina Juncal no inundado* 1850 Convento do Vale Benfeito (264) (Convento)** poca Moderna Rego Travesso (?) (270) (2 Azenhas e 1 Fonte)** poca Moderna/Contempornea

    Marco do Lobo (277) (Marco)** poca Moderna/Contempornea Vale do Ameal I (281) (Azenha)** poca Moderna/Contempornea

    Quinta do Furadouro (II) (285 A) (Marco)** poca Moderna/Contempornea * Trindade (1985); **Fernandes et al. (2006).

    Figura III.28.: A regio da Lagoa de bidos nos sculos XVIII a XIX.

  • 96

    Figura III.29.: A regio da Lagoa de bidos nos sculos XVIII a XIX vista em perspectiva.

    Em 1964 todo o contorno do permetro molhado muito semelhante ao de 2001.

    Apenas o delta progradante dos Rios Real e Arnia se encontrava deslocado lateralmente

    para a esquerda. Efectivamente, o canal terminal destes dois rios, mudou a sua direco

    ligeiramente para N, devido a interveno humana. Tambm, a Poa das Ferrarias

    encontra-se em 1964 isolada do restante corpo lagunar; efectivamente, o canal que a liga

    laguna, tem actualmente que ser dragado. Na zona da embocadura, a barra de mar situava-

    se a sul e o nico canal de escoamento apresentava-se bastante meandrizado, numa

    situao muito semelhante descrita na fotografia area de 1963 (Fig. III.11.).

    III.6. Consideraes finais A anlise da informao disponvel para a Lagoa de bidos mostra que este espao

    se diferenciou como ambiente lagunar h cerca de 5 000 anos, quando a taxa de elevao

    do nvel mdio do mar diminuiu acentuadamente, e desde ento experimentou

    assoreamento, cuja distribuio espacial e intensidade variaram consideravelmente. O

    balano entre a tendncia de elevao do nvel do mar e o ritmo de acumulao sedimentar

    nos fundos lagunares tem favorecido claramente a actividade da sedimentao, com duas

    consequncias essenciais: diminuio da profundidade (que inicialmente seria

    consideravelmente superior) e da superfcie molhada. Os primeiros trs milnios de

    evoluo deste espao devem ter sido essencialmente caracterizados por diminuio da

    espessura da coluna de gua, mantendo uma extenso de inundao razoavelmente

    invariante.

  • 97

    Mapa (Carta Corogr fica de Portugal, 1: 100 000, folha 19, 1867

    Legenda

    Planta hidrogr fica da Lagoa de bidos, 1890in Girard, 1915, reproduzida in Freitas, 1989)

    Legenda

    Figura III.30.: A Lagoa de bidos em 1867 e 1890. A hipsometria semelhante da figura III.20

  • 98

    Carta Militar de Portugal, folha 338, 1942 (trabalhos de campo de 1940)

    Carta Militar de Portugal, folha 326, 1938 (trabalhos de campo de 1930/31)

    Legenda

    Carta Militar de Portugal, folha 338, 1970 (trabalhos de campo de 1964)

    Carta Militar de Portugal, folha 326, 1970; (trabalhos de campo de 1964)

    Legenda

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    Figura III.31.: A Lagoa de bidos em 1930/31 1940 e 1964. A hipsometria semelhante da figura

    III.20.

    Uma vez suavizados os declives marginais, a sedimentao inicia um processo de

    colmatao em superfcie, subtraindo rea ao espelho de gua e gerando terreno alagadio,

    de aluvio, que inexoravelmente evolui para terreno de vrzea, progressivamente menos

    atreito a inundao medida que a superfcie se eleva devido acumulao sedimentar e a

    margem da laguna retrai. O ritmo a que a superfcie lagunar perdeu extenso depende assim

    de duas condicionantes principais: a taxa de produo sedimentar, por sua vez varivel em

    funo do uso do solo (progressivamente mais importante a partir da poca Romana) e das

    oscilaes climticas, e da forma e volume do espao de acomodao. As condies

    geomorfolgicas mais favorveis perca de superfcie encontram-se nas vizinhanas das

    embocaduras fluviais, onde a carga slida transportada pelas linhas de gua se deposita.

    Como os quatro principais tributrios afluentes Lagoa de bidos convergem para o seu

    extremo sul, natural que seja nesta margem que se verificam as maiores modificaes. Os

    Braos do Bom Sucesso, da Barrosa e da Ferraria ainda persistem, embora as suas

    dimenses tenham sofrido reduo considervel ao longo do tempo, devido ao facto de as

    respectivas bacias hidrogrficas serem de menores dimenses. Em contraste, o que at h

    pelo menos trezentos anos foi o mais importante brao lagunar, estendendo-se para sul,

    apresenta-se hoje completamente colmatado pelas aluvies dos sistemas fluviais Arnia e

    Real, cujas bacias dispem de elevada capacidade de produo sedimentar. Na ausncia de

    operaes de dragagem efectuadas nos anos 80 do sculo XX, a frente de progradao dos

    Rios Real e Arnia teria conduzido ao isolamento do Brao do Bom Sucesso e da Poa das

    Ferrarias e reduzido o permetro lagunar pelo paralelo da Ponta do Espichel Ponta da

    Ardonha. A Poa das Ferrarias mantida em ligao com a laguna de forma artificial desde

    os anos 60, a qual, de outro modo, ter-se-ia transformado em paul.

    As margens do corpo lagunar principal tm-se mantido razoavelmente invariantes

    em consequncia de se encostarem a substrato rochoso e de manterem declives acentuados

    mesmo abaixo do nvel de gua lagunar. As principais modificaes que ali ocorreram

    respeitam natureza dos sedimentos que as compem, sucesso natural de ambientes

    (sapais e rasos de mar), a ajustes nos padres de escoamento e, mais recentemente,

    interveno antrpica.

    Na zona da embocadura, tambm existe uma tendncia natural para assoreamento

    determinada pela dominncia da enchente no que respeita ao transporte e aprisionamento

  • 100

    de areias marinhas. natural que esta caracterstica persista desde os primeiros anos de

    diferenciao da barreira arenosa (h 5 000 anos atrs), pelo que os bancos de enchente

    devem tambm existir desde essa poca, mas com uma volumetria crescente. A

    configurao dos fundos adjacentes ao banco do Arinho limita a possibilidade de

    progradao horizontal deste banco que constitui um verdadeiro dique inibidor da

    actividade das correntes de vazante. Desde pelo menos a Idade Mdia que a barreira

    rasgada artificialmente para efeitos de renovao da gua lagunar e este procedimento

    favorece o assoreamento dos bancos de enchente. Mais recentemente, a colocao de um

    dique de guiamento de correntes em associao com a reconfigurao e dragagem de

    canais, tentaram inverter a dominncia de enchente e fixar a barra a sul, com relativo

    sucesso.