Monografia_hilton - Gerenciamento de Crises Presidio

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HILTON HUBERT PICKLER

O GERENCIAMENTO DE CRISE NO SISTEMA PENITENCIRIO: GESTO EM REBELIES

Joinville 2003

HILTON HUBERT PICKLER

O GERENCIAMENTO DE CRISE NO SISTEMA PENITENCIRIO: GESTO EM REBELIES

Monografia apresentada ao Curso de PsGraduao Latu Sensu em Modalidades de Tratamento Penal e Gesto Prisional, da Universidade Federal do Paran Professor Orientador: Angelo Oliveira Salignac

Joinville 2003

TERMO DE APROVAO

HILTON HUBERT PICKLER

O GERENCIAMENTO DE CRISE NO SISTEMA PENITENCIRIO: GESTO EM REBELIES

Monografia apresentada ao Curso de Ps-Graduao Latu Sensu em Modalidades de Tratamento Penal e Gesto Prisional, da Universidade Federal do Paran, pela seguinte banca examinadora

Professor Orientador: Angelo Oliveira Salignac

Curitiba, ____ de ______________de 2003.

AGRADECIMENTOS

Ao finalizar esta monografia, desejo sinceramente agradecer: Ao grande amigo, Dr. Paulo Cezar Ramos de Oliveira, pelo apoio, confiana e por ter me indicado para freqentar o Curso; Ao meu orientador, professor Angelo Oliveira Salignac, pelo acompanhamento incansvel e pelas sugestes oportunas; Dra Ivonete Rogerio, por no ter mensurado esforos em atender as necessidades e anseios dos alunos deste curso; Ao corpo docente, pela pacincia, compreenso e dedicao no decorrer das aulas; Aos colegas de turma, pela troca de experincias pessoais, profissionais e, principalmente, pelo carinho, afeto e amizade prestados no decorrer do curso; A minha esposa Evania, o meu grande amor e minha incansvel companheira, por ter me acompanhado em todos os momentos, tornando-se a minha principal fonte de inspirao e coragem na luta diria; Aos meus pais, Jos Lino e Edite, pelo exemplo de vida, trabalho, dedicao, seriedade e honestidade, valores estes que, em muito, auxiliaram na minha formao familiar e profissional; e A Deus, por ter me guiado, protegido e orientado nos momentos mais difceis, sendo o meu maior Mestre nos caminhos da vida.

Dedico este trabalho cientfico a minha esposa Evania e ao meu filho Jos Guilherme, pela pacincia, colaborao, dedicao e compreenso nas minhas horas de ausncia para a realizao do curso e deste trabalho.

SUMRIO

INTRODUO .........................................................................................................................1 1 A PENA.................................................................................................................................4 1.1 SIGNIFICADO E EVOLUO.........................................................................................4 1.1.1 Sanes Penais espcies ........................................................................................5 1.1.2 Penas Privativas de Liberdade ...................................................................................6 1.1.3 Finalidades da Pena .....................................................................................................8 1.2 OS EFEITOS DA PRISO SOBRE O CONDENADO .............................................10 1.2.1 Efeitos Sociolgicos ...................................................................................................10 1.2.2 Efeitos Psicolgicos....................................................................................................12 2 O SISTEMA PRISIONAL .................................................................................................14 2.1 MASSA CARCERRIA .................................................................................................15 2.2 TRATAMENTO DO DETENTO NO SISTEMA ..........................................................15 2.3 DAS CONDIES PENITENCIRIAS AO RECLUSO ...........................................17 3 AS REBELIES ................................................................................................................19 4 A CRISE..............................................................................................................................24 5 O GERENCIAMENTO DE CRISE..................................................................................29 5.1 O PLANEJAMENTO ......................................................................................................32 5.2 A IMPLEMENTAO DOS PLANOS E ORDENS ...................................................35 5.3 SISTEMA DE GERENCIAMENTO DA CRISE ...........................................................37 6 PROPOSTA DE ESTRUTURA ORGANIZACIONAL PARA O GERENCIAMENTO DE CRISE NO SISTEMA PENITENCIRIO ................................40 6.1 COMIT DE GERENCIAMENTO DE CRISE ............................................................40 6.2 SUB GERENTE DE APOIO LOGSTICO...................................................................50 6.3 SUB GERENTE DE OPERAES.............................................................................52 6.4 SUB GERNCIA DE ADMINISTRAO ....................................................................57 6.5 SUB GERNCIA DE PLANEJAMENTO .....................................................................58 6.6 SUB GERNCIA DO GRUPO DE NEGOCIAO...................................................59 6.7 SUB GERNCIA DO GRUPO TTICO.......................................................................67 CONCLUSO.........................................................................................................................70 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................................72

INTRODUO

Este estudo refere-se especificamente ao tema: O Gerenciamento de Crise no Sistema Penitencirio: Gesto em Rebelies. A escolha se deu por ser um tema atual na atividade policial brasileira, principalmente por tratar especificamente das atuaes no sistema penitencirio, onde o enfoque gesto em rebelies, no apresenta uma forma de gerenciamento que d ao problema uma abordagem cientfica, ocasionando, conseqentemente, atitudes e aes tipicamente

amadorsticas no que se refere a sua gesto. Com isso, se faz necessrio no mais realizar o gerenciamento de crise de forma casustica, improvisada e de bom senso, pois gerenciar a arte de pensar, decidir, agir, resolver conflitos e obter bons resultados. De um lado, pode-se tratar o gerenciamento como algo cientfico e racional, enfatizando as anlises e as relaes de causa e efeito, prevendo e antecipando aes de forma coerente e eficiente. De outro, deve-se aceitar a existncia, na gesto, de uma face de imprevisibilidade e de interao humana, que lhe conferem a dimenso do ilgico, do intuitivo, do emocional, do espontneo e do irracional. Por isso, os gerentes destes eventos, devem entender a gesto em ambos os sentidos. Em notcias recentes veiculadas pela mdia como, por exemplo, os altos ndices de fugas e rebelies em estabelecimentos prisionais, seqestros, homicdios, aes diversas do crime organizado, enfim, crimes contra a sociedade, observa-se a audcia dos criminosos que, destemidos em relao a polcia, prejudicam a ordem e o bem estar comum. Esta conjuntura, aliada ao crescimento da violncia no Brasil,

principalmente nos grandes centros, acarreta no sensvel aumento das situaes crticas e no grau de periculosidade a que a sociedade est exposta. A fora policial, por sua vez, tem sua ateno constantemente desviada por chamados diversos, o que fragmenta suas aes e torna intermitente o envolvimento no processo decisrio da crise. Decises so tomadas atravs de aes isoladas e opinies diversas, s vezes, pouco coerentes. Os problemas aparecem medida que vo surgindo e a busca de solues baseada em informaes parciais, imperfeitas e de primeira mo, quase sempre, envoltas por

2 incertezas. Entretanto, vale salientar que a gerncia existe, simplesmente, porque existem atividades que um indivduo no pode fazer por si s, necessitando da cooperao e interao de outros para uma ao coletiva na busca de um objetivo comum. Para alcanar este objetivo, existem meios que podem ser previamente identificados como mais, ou menos, adequados para atingir o mesmo fim. Portanto, gerncia o exerccio de uma atividade que exige mais de uma pessoa para exerc-la; existe um objetivo comum; requer uma ao calculada e racional no emprego dos meios para se alcanar os fins e necessita de cooperao e interao entre os indivduos, para que um no atue em detrimento do outro. Diante desta problemtica, esta monografia busca resposta as seguintes questes: por que a capacidade de gerenciamento de crise necessria para as organizaes policiais? por que o gerenciamento de crise exige estudos e treinamentos especiais? como se pode aplicar a doutrina do gerenciamento de crise em rebelies no sistema penitencirio? Vamos partir do princpio que a formao racional e tcnica do gerente deva permitir uma grande capacidade analtica e entendimento dos problemas organizacionais, analisando-os, decompondo-os em diferentes partes e

reordenando-os na busca de uma soluo. Trata-se de uma habilidade importante e crucial no mundo de hoje, pois quanto mais complexa a atividade, maior a necessidade de cooperao e utilizao de tecnologias variadas e sofisticadas. Sabe-se que o gerenciamento de crise tem duplo objetivo: preservar vidas e aplicar a lei e, estes objetivos, devem ser buscados exaustivamente. Como esta monografia visa explorar, especificamente, o gerenciamento de crise em rebelies nas penitencirias, o objetivo apresentar genericamente a doutrina do gerenciamento de crise, aplicada em rebelies no sistema penitencirio. Portanto, pretende-se demonstrar que este conhecimento tem por objetivo preservar vidas e aplicar a lei nas rebelies em estabelecimentos prisionais. Nesta linha de pensamento, busca identificar as melhores prticas da utilizao da doutrina, aplicada nas rebelies em penitenciarias, a fim de apurar os resultados quanto a melhoria na soluo destes problemas, o aprendizado e preparo do gerente e sua equipe e a qualidade de segurana na preservao da vida dos presos, pessoas capturadas, visitantes, policiais, bem como, todos os envolvidos no processo.

3 Para isso, estruturou-se o trabalho da seguinte forma: a contextualizao da pena; do sistema prisional; das rebelies; da crise; do gerenciamento de crise e da apresentao de uma proposta de estrutura organizacional para o

gerenciamento de crise no sistema penitencirio, enfocando a gesto em rebelies. Nesta linha de pensamento, busca dar as principais caractersticas do sistema prisional queles que normalmente no conhecem suas peculiaridades, principalmente aos policiais que, diariamente, efetuam prises, no entanto, no convivem neste ambiente e, conseqentemente, no entendem a cultura, comportamento e motivaes que levam s rebelies. Da mesma forma, apresenta genericamente, uma noo a respeito da doutrina do gerenciamento de crise, da atuao do gerente e de todos os envolvidos no processo, para que haja um perfeito entrosamento, integrao e coordenao, durante a ocorrncia destes eventos.

4 1 A PENA

Para o perfeito entendimento do tema O gerenciamento de crise no sistema penitencirio: gesto em rebelies, e da proposta a ser apresentada, inicialmente, se faz necessrio o estudo do histrico da pena, do sistema prisional e das rebelies, haja vista no se tratar de assunto de conhecimento da maioria dos policiais que atuam nestes eventos, o que prejudica o gerenciamento, a anlise comportamental, motivacional e a tomada de deciso na ocorrncia de incidentes prisionais.

1.1 SIGNIFICADO E EVOLUO

Como passo inicial anlise do significado da palavra pena, verificamos que Etimologicamente, o termo pena procede do latim (poena), porm, com derivao do grego (poine), significando dor, castigo, punio, expiao, penitencia, sofrimento, trabalho, fadiga, submisso, vingana e recompensa. A pena to antiga quanto o homem e, historicamente, cada povo dedicouse a aplicao de penas prprias. A execuo da pena, at o fim do sculo XVIII e incio do sculo XIX, constitua -se num espetculo de horror em que o condenado era submetido a um sofrimento prolongado publicamente. Era tratado com requintes de crueldade aos olhos de toda a comunidade. A pena assumia carter essencialmente retributivo. Primitivamente, as penas privativas de liberdade eram ignoradas e a pena de morte era utilizada largamente para punir os criminosos. Segundo OLIVEIRA, em sua obra que tem como objeto o estudo da priso, nos diz,Nas sociedades pouco desenvolvidas a priso preventiva no era necessria, pois a responsabilidade ainda coletiva e no individual. No s o acusado que deve reparar o mal cometido, mas, se ele faltar, o cl, de que ele mesmo fez parte, arca com as conseqncias. A medida, porm, que a sociedade vai se desenvolvendo, cresce a vida coletiva e se intensifica a responsabilidade que se torna individual. Para evitar fuga a

5priso aparece, localizada nos palcios dos reis, nas dependncias dos templos, nas 1 muralhas que cercavam as cidades.

Explica LEAL,(...) a priso constitua-se apenas em um meio de se conservar os criminosos, para submet-los a uma pena definitiva. Jogados em cavernas, minas e masmorras, alimentados com o mnimo suficiente para no morrerem, ali permaneciam os delinqentes unicamente a espera do suplcio final. Tinha assim a priso um carter essencialmente 2 processual e provisrio.

Diz, ainda, OLIVEIRA,Com o aparecimento da pena de recluso houve o enfraquecimento progressivo da pena de morte (...) A pena privativa de liberdade durante muito tempo guardou um carter misto e indeciso, muitas vezes, era aplicada acessoriamente, at se desembaraar pouco a pouco e atingir sua forma definitiva. Da priso preventiva, passou posteriormente para 3 priso, na forma de pena privativa de liberdade.

Somente no sculo XVII que a pena privativa de liberdade foi reconhecida como pena definitiva em substituio a pena de morte. No incio, as prises eram subterrneas, apresentavam-se insalubres, infectadas e repelentes. Tais estabelecimentos, verdadeiras masmorras do desespero e da fome, se abarrotavam de condenados, criando situaes tenebrosas e insuportveis. Desde o sculo XIX, a privao da liberdade , por excelncia, a pena aplicada pelo Estado queles que transgridem as regras de conduta social. pena privativa de liberdade, referem-se trs funes: retribuio, preveno e

ressocializao.

1.1.1 Sanes Penais espcies

As sanes penais subdividem-se em: penas privativas de liberdade, penas restritas de direito, multa e medidas de segurana, estando a considerada privativa da liberdade do condenado como a que causa ao ser humano um maior poder ofensivo, muito embora estejam elencados vrios regimes prisionais divididos entre1 2 3

OLIVEIRA, Odete Maria. Priso: um paradoxo social. Florianpolis: UFSC, 1984. p. 25. LEAL, Joo Jos. Crimes hediondos. So Paulo. Editora: Atlas, 1996. p. 54. OLIVEIRA, Odete Maria. Priso: um paradoxo social, 1984. p. 27.

6 esta estrutura, conforme cita a Lei de Execues Penais, quanto ao local de cumprimentos das penas, mormente no tocante a periculosidade e gravidade do delito praticado pelo ora sentenciado, dividida conforme o quadro abaixo:REGIME PRISIONAL FECHADO SEMI-ABERTO ABERTO ESTABELECIMENTO CORRECIONAL ADEQUADO PENITENCIARIA DE SEGURANA MAXIMA OU MDIA. COLONIA PENAL AGRICOLA OU SIMILAR CASA DO ALBERGADO LOCAL DE PERNOITE

Para efeitos do presente trabalho, a anlise fixar-se- na pena privativa de liberdade.

1.1.2 Penas Privativas de Liberdade

Os artigos 33 a 42, do Cdigo Penal, definem a matria referente s penas privativas de liberdade, como apenas de recluso e deteno, regimes fechado, semi-aberto e aberto, regime especial para mulheres (estabelecimento prprio), direitos do preso, trabalho do preso, supereminncia de doena mental e detrao penal. As penas privativas de liberdade obedecem, pela sistemtica da legislao penal em vigor, em relao execuo penal, a forma progressiva, segundo o mrito do condenado, no sentido da mitigao do cumprimento da pena, como sucede na transferncia do regime fechado para o semi-aberto e deste para o regime aberto e do regime aberto para a priso-albergue domiciliar. O rigor da priso ou crcere no depende exclusivamente da modalidade de pena privativa de liberdade, mas do tipo do regime prisional fixado na sentena condenatria, como por exemplo, na pena de recluso com regime aberto, esta reprimenda a cumprida de forma amena, ou seja, em casa de albergado ou em estabelecimento similar, ou at na residncia do apenado, sem embargo de ser reclusiva. Dispe a lei que o regime inicial da execuo da pena privativa de liberdade

7 estabelecido na sentena de condenao, com observncia do artigo 33 e seus pargrafos, do Cdigo Penal. Condenado o agente, o juiz, atendendo tais dispositivos, que dizem respeito natureza e quantidade da pena, bem como reincidncia, estabelece regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade que, em algumas hipteses, obrigatrio, e, em outras, depende do critrio do juiz frente s circunstncias judiciais previstas para a fixao da pena base (art. 59 do CP). O art. 33 do Cdigo Penal estabelece distino, quanto ao regime inicial para os condenados pena de recluso e de deteno. Para o condenado pena de recluso que reincidente, o regime inicial ser sempre fechado. J se entendeu, que no havendo impedimento expresso, pode ser fixado o regime semiaberto inicial ao condenado reincidente. Entretanto, a proibio esta implcita no artigo 33, pargrafo 2, b, do Cdigo Penal, que s permite a fixao do regime semi-aberto ao condenado no reincidente. O regime inicial no depende exclusivamente da quantidade da pena fixada, mas das circunstncias judiciais da fixao da pena base, prevista no artigo 59 do Cdigo Penal. Desde que haja fundamentao expressa na sentena, o condenado que tenha pssimos antecedentes, alta periculosidade, desvio de comportamento moral, insensibilidade e perverso, ainda que primrio e condenado pena inferior a quatro anos, deve ficar sujeito ao regime fechado. Tratando-se de condenado a pena de deteno, como no possvel estabelecer-se o regime fechado inicial, o condenado reincidente e aquele que foi imposta pena superior a quatro anos, deve ser obrigatoriamente encaminhado ao regime semi-aberto. Tambm, inadmissvel a fixao do regime fechado, quando o condenado foi submetido pena de priso simples. Quando a pena for igual ou inferior a quatro anos, pode o juiz fixar inicialmente o regime aberto. Se o condenado satisfaz esse requisito, vedado impor-lhe regime mais severo sem qualquer fundamentao. Alis, quando cabvel, em tese, para regime mais brando, a fundamentao para a fixao de regime mais severo obrigatria. Em qualquer das hipteses, a fixao do regime aberto depende, alm da compatibilidade do condenado, de outras condies, estabelecidas no artigo 14 da Lei de Execues Penais. Dependendo, a fixao do regime inicial, dos requisitos subjetivos no artigo 59 do Cdigo Penal, no possvel, em tese, seja deferido pedido de habeas

8 corpus para alterao daquele fixado na sentena. Esta tese s vlida, porm, enquanto o regime recolhido esteja, teoricamente, dentro dos limites admitidos pela lei. Se a sentena determinar regime no previsto no texto legal, configura-se o constrangimento ilegal sanvel pela via do writ.

1.1.3 Finalidades da Pena

THOMPSON trata dos objetivos que, juntos, compem a finalidade da pena de priso: Punio retributiva do mal causado pelo delinqente; preveno da prtica de novas infraes, atravs da intimidao do condenado e de pessoas potencialmente criminosas; regenerao do preso, no sentido de transform-lo de criminoso em no criminoso4. Esses so trs objetivos de fundamento para a pena privativa de liberdade, mas sobressai finalidade ressocializadora, a regenerao do condenado. No quer dizer que os outros objetivos tenham menos importncia, mas a ressocializao parece ser o objetivo mais visado. Exemplo disso a prpria Lei de Execuo Penal que, em seu artigo 1, dispe: A execuo penal tem por objetivo efetuar as disposies de sentena ou deciso criminal e proporcionar condies para a harmnica integrao social do condenado e do internado. Alm desse dispositivo, encontram-se na Lei de Execues Penais diversos elaborados, tendo-se em vista a ressocializao do condenado, como as diversas formas de assistncia entre elas a assistncia ao egresso a prpria progresso de regimes, tudo visando a reintegrao social do condenado. Apesar do destaque que se d ao carter ressocializador da pena privativa de liberdade, THOMPSON (1993:65), ressalta que, na realidade, no existe um prevalecimento deste sobre os demais objetivos da pena: Oficialmente, tem prevalncia o alvo da recuperao, mas no se autoriza seja obtido custa do sacrifcio dos objetivos punio e intimidao.4

THOMPSON, Augusto. A questo penitenciria. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 64.

9 O homem, ento, colocado na priso para ser punido, privado da intimidade e ressocializado. Pergunta-se: Como possvel castigar, causar sofrimento, fazendo com que o castigo sirva de exemplo aos homens, para que no pratiquem crimes, e, ao mesmo tempo, preparar aquele que delinqiu para a vida em sociedade, para que ele retorne sociedade recuperado, quer dizer, sem voltar a delinqir? Ora, no se precisa de muita anlise para concluir que existe, nas finalidades da pena, uma incongruncia. Poder-se-ia admitir a retribuio e a intimidao como finalidades da pena, no seria humano, mas, pelo menos, seria lgico (os suplcios tinham esses objetivos). Mas unir retribuio, intimidao e ressocializao , no mnimo, ilgico. Bernard Shaw, que qualificou o sistema de priso de fraude, acentuou que, uma das razes de tal qualificao a de que as pretenses reformatrias so incompatveis com a punio. SHAW (1991) apud THOMPSON, ento, traz um exemplo bastante esclarecedor, merecendo ser ressaltado,(...) Punir e reformar pessoas na mesma operao , exatamente, o mesmo que tomar um homem sofrendo de pneumonia e tentar combinar tratamento punitivo e curativo. Argumentando que um homem com pneumonia um perigo para a comunidade e que ele no precisaria ter contrado a doena se houvesse tomado adequado cuidado com sua sade, voc resolve que ele deve receber uma severa lio, tanto para puni-lo por sua negligncia e sua fraqueza pulmonar, quanto para dissuadir outros de seguirem seu exemplo. Por isso, voc o deixa nu e, nesse estado, o faz ficar em p a noite inteira na neve. Mas, como admite o dever de restabelecer sua sade, se possvel, e salt-lo com pulmes sadios, voc contrata um mdico para superintender a punio e administrar pastilhas contra tosse, com o sabor mais desagradvel possvel para no mimar o 5 culpado.

Punio imposio de sofrimento e o que se constata que a priso nunca deixou de ser punio, mas dizer que ela curativa quanto punitiva incompreensvel. Na poca dos suplcios, o sofrimento imposto era explicito, a pena tinha como fim a punio, o sofrimento, cumprindo suas funes de retribuio e intimidao, j que o suplcio era realizado como um espetculo pblico, todos assistiam ao sofrimento prolongado que era submetido o infrator. Hoje, tenta-se mascarar a punio atribuindo pena, um carter essencialmente ressocializador. Na realidade, a pena privativa de liberdade essencialmente punitiva. Tanto assim, que a privao da liberdade no nica privao que sofre o condenado e, no dispor de sua5

THOMPSON, Augusto. A questo penitenciria, p. 67.

10 liberdade, no a nica conseqncia que a pena traz para sua vida.

1.2 OS EFEITOS DA PRISO SOBRE O CONDENADO

O indivduo, quando condenado a cumprir sua pena privativa de liberdade em um estabelecimento de segurana mxima ou mdia, quer dizer, em regime fechado, no fca sujeito apenas privao da liberdade, havendo certos fatores i que devem ser relevados.

1.2.1 Efeitos Sociolgicos

A priso, por sua natureza, torna o condenado dependente e suas vontades ficam agora limitadas pelo Estado no que concerne ao vesturio, lazer etc... Na priso, verifica-se que o homem obrigado a adequar-se ao sistema imposto pela administrao prisional, perdendo, com isso, parte de sua identidade como sociedade. Como ressocializar o condenado, como devolv-lo sociedade recuperado, ou seja, sem que ele volte a delinqir, se a priso tolhe qualquer iniciativa do indivduo, submetendo-o a uma rotina predeterminada pela instituio? Uma rotina que, seguida durante muitos anos, pode transforma-lo em um homem sem capacidade de deciso. Como esse indivduo pode se adaptar ao convvio social, a vida da sociedade moderna, estando habituado a seguir determinaes alheias a sua vontade? THOMPSON traz, em seu livro, alguns depoimentos que evidenciam esse efeito da priso,Ao deixar o refeitrio fui instrudo para retornar cela a mim designada. Quando ali cheguei a porta estava aberta, mas fiquei hesitante entre continuar ou esperar que me ordenassem fizesse isso ou outra coisa. Esse automatismo, renovado com freqncia nas cadeias, uma tortura; as pessoas livres no imaginam a extenso do tormento. Certo, h uma razo para nos mexermos desta ou daquela maneira, mas, desconhecendo o motivo dos nossos atos, andamos toa, desarvorados. Roubam-nos completamente a iniciativa,

11os nossos desejos, os intuitos mais reservados, esto sujeitos verificao; e foram-nos 6 a procedimentos desarrazoados.

Ressalta o referido autor: Lesionado, de maneira profunda, no senso de autodeterminao, hesitante, sempre, entre fazer ou no fazer, o recluso habitua-se a esperar que tomem decises por ele e isso lhe caracteriza a personalidade. Quando o condenado ingressa na priso, ergue-se uma barreira, ele totalmente afastado da vida social, no mais importam suas vontades ou aspiraes, torna-se fruto do meio a que est inserido, sente-se diminudo, tambm, quanto aos pouqussimos objetos e posses que lhe so permitidos pela instituio e, ainda, pelo limite espacial que lhe imposto. A Lei de Execues Penais determina, no artigo 88, que a cela deva ter no mnimo dois metros por trs, porm, se milagrosamente, o recm admitido tiver sorte de encontrar uma cela que no esteja superlotada, ainda assim, trata-se de dimenses muito reduzidas para uma pessoa viver. Outra grave agresso a personalidade do indivduo, diz respeito a sua intimidade. BITENCOURT relata ser ela violada em dois sentidos:1) durante o processo de admisso, todos os dados relativos ao interno, bem como sua conduta passada, especialmente os aspectos desabonatrios so recolhidos e registrados em arquivos especiais disposio da administrao penitenciria. A instituio total, invade todo o universo intimo do recluso, sejam de carter psquico, pessoal ou de qualquer natureza, desde que possa significar algum descrdito. 2) Tambm se anula a intimidade pela falta de privacidade com que se desenvolve a vida diria do interno. Ele nunca est s. Tem que se manter obrigatoriamente na companhia de pessoas que nem sempre so suas amigas. A obrigatoriedade de estar permanentemente com outras pessoas pode ser to angustiante quanto o isolamento permanente. O mais grave desta situao a impossibilidade de evaso da instituio total, como ocorre na sociedade civil. Esse desrespeito a intimidade da pessoa, verifica-se at mesmo, nos locais reservados a 7 satisfaes fisiolgicas, como dormitrios coletivos e latrinas abertas.

Sem dvida, a invaso de privacidade que a priso provoca na vida do condenado, durante todo o cumprimento da pena, aviltante. A prisionalizao outro efeito importante da priso sobre o condenado. Para BITENCOURT (1993:86) a forma como a cultura carcerria absorvida pelos internos. Acrescenta BITENCOURT (idem ibidem): Trata-se de uma aprendizagem que implica em um processo de dessocializao. Esse processo dessocializador um poderoso estimulo para que o recluso recuse, de forma definitiva, as normas6 7

THOMPSON, Augusto. A questo penitenciria, p. 78.

BITENCOURT, Csar Roberto. Falncias da pena de priso: causas e alternativas. So Paulo, Revista dos Tribunais, 1993. p. 83.

12 admitidas pela sociedade exterior. A prisionalizao constitui-se, ento, num entrave ao objetivo

ressocializador da pena.

1.2.2 Efeitos Psicolgicos

No mbito da Psicologia, muito se discutiu a respeito da existncia da psicose carcerria, e hoje, no se fala mais em psicose carcerria, mas em reaes carcerrias. No se ignora, portanto, que o encarceramento pode produzir alguns efeitos no indivduo. BITENCOURT enfatiza que,O ambiente penitencirio perturba ou impossibilita o funcionamento dos mecanismos compensadores da psique que so os que permitem conservar o equilbrio psquico e a sade mental. O ambiente penitencirio exerce uma influencia to negativa, que a ineficcia dos mecanismos de compensao psquica, propicia a apario de desequilbrios que podem ir desde uma simples reao psicoptica. momentnea at um intenso e duradouro quadro psictico, segundo a capacidade de adaptao que o sujeito 8 tenha.

Os efeitos da priso so evidentemente mais intensos e, portanto, mais prejudiciais ao condenado quando a pena de longa durao. Os que sofrem a pena privativa de liberdade por um longo perodo apresentam uma srie de quadros que evidenciam um claro matiz paranide. Entre esses transtornos, pode-se citar o complexo de priso, patologia psicossomtica e as depresses reativas. Estas so especialmente importantes, j que, por vrios motivos, os reclusos podem desenvolver um quadro depressivo clssico de indiferena, inibio, desinteresse, perda de memria ou incapacidade para us-la, perda de apetite, bem como uma idia autodestrutiva, que pode chegar ao suicdio. A manifestao do desejo de suicidar-se um fenmeno especial que nunca deve ser subestimado. Quando um indivduo se isola, deixa de ler, perde o apetite, desinteressa-se de tudo e ainda tem algum problema imediato, deve ser vigiado com extremo cuidado. O suicdio relativamente freqente entre os condenados a longas penas. Esta mais uma das tantas contradies existentes entre o propsito reabilitador que se atribui pena8

BITENCOURT, Csar Roberto. Falncias da pena de priso: causas e alternativas. p. 90

13 privativa de liberdade e a imposio de penas muito longas. O nmero de suicdios nas prises elevado, sendo um problema universal comprovado por estatsticas confiveis de pases to diferentes como Frana e Japo. A grande ocorrncia de suicdios nas prises um bom indicador sobre os graves prejuzos psquicos que a priso ocasiona, e autoriza a dvida fundada sobre a possibilidade de obteno de algum resultado positivo, em termos de efeito ressocializador, especialmente quando se trata da priso tradicional, cuja caracterstica principal a segregao total. Diante das condies a que o condenado submetido na priso, seria impossvel que esta no acarretasse danos a psique do indivduo. As prises que atualmente adotam um regime fechado, dito de segurana mxima, com a total desvinculao da sociedade, produzem graves perturbaes psquicas aos reclusos que no se adaptem ao desumano isolamento. A priso violenta o estado emocional e, apesar das diferenas psicolgicas entre as pessoas, pode-se afirmar que todos os que entram na priso, em maior ou menor grau, encontram-se propensas a algum tipo de reao carcerria. No se tem a pretenso de elencar todos os efeitos que a priso pode ocasionar sobre o indivduo, mas apenas demonstrar que a privao da liberdade no o nico castigo imposto ao indivduo infrator. A priso malfica, prejudicial ao indivduo, mormente, quando as condies materiais que os estabelecimentos penitencirios dispem so mais do que precrias.

14 2 O SISTEMA PRISIONAL

Quando se fala em violncia e em segurana sempre destaca-se, como pano de fundo, a questo penitenciria, a desafiar o Estado em recuperar o homem segregado. As perguntas que nos vem mente, no poderiam ser outras: Ser que o sistema penitencirio recupera algum? Ser que o crcere revelou-se como remdio eficaz para ressocializar o homem preso? Enfim, ser que o confinamento apresenta-se como mecanismo a reabilitar o homem para retornar a sociedade e nela viver, sem agredi-la? Lastimavelmente, a priso no recupera ningum. Os dados

reveladores dessa realidade esto a disposio de todos, pois o ndice de reincidncia no mundo, em mdia, da ordem de 70%, enquanto que, no Brasil, tais ndices chegam a quase 90%. Vale dizer, a maioria esmagadora daqueles que passaram pelo sistema prisional volta a delinqir, comprovando que o crcere no recupera. Ocorre, todavia, que embora saibamos que a priso faliu como medida ressocializadora, na forma, nos meios e nas medidas que atualmente so aplicadas, a humanidade nada descobriu que pudesse substituir a segregao, de forma que persiste o desafio de diminuir o encarceramento, na busca de somente prender quem efetivamente perigoso. Isso no significa que todos os demais, que eventualmente delinqiram, e que no oferecem periculosidade, ficaro impunes, porque para estes, ficam reservadas as penas alternativas a priso, de modo que sempre haja resposta penal, todavia, diversa da priso. A sociedade violenta, cria essa violncia que lhe atinge pelas mos daqueles que se desviaram das regras de comportamento estabelecidas como desejveis, praticando condutas que se quer coibir. Ora, por que depois de se prender um homem, nada feito para sua recuperao, e ao final de sua pena, este homem retorna a sociedade para trazer mais violncia?

15 2.1 MASSA CARCERRIA

Alm da superlotao, sabemos que os investimentos so poucos para que um homem seja recuperado, mas muito dinheiro para financiar a bolsa de estudos na ps-graduao do crime. E na verdade somente o que financiamos. Assim, o problema prisional vai sendo tratado como possvel, mas no como desejvel. A cadeia precisa, pelo menos, dar a oportunidade da criatura presa ser recuperada, sob pena da sociedade continuar pagando caro por essa indiferena. Uma coisa certa e inexorvel, no h pena de morte, nem priso perptua. Fica a certeza de que o preso volta, mais cedo ou mais tarde, e seu comportamento, quando liberado, ser o reflexo do tratamento a que foi submetido enquanto preso, sob patrocnio do Estado e indiferena da sociedade. Vemos que pouco poderemos esperar desses que retornaro, pois o sistema extremamente cruel, impingindo gravames muito superiores aos legais, facilitando a ilegalidade do tratamento degradante e aniquilando a essncia da criatura que existe dentro de cada um de ns. ausncia de perspectivas, a curto e mdio prazo, para soluo dos problemas advindos do sistema prisional, devemos, pelo menos, minimizar os efeitos degradantes do crcere, na esperana de que o homem pode ser recuperado, mas jamais num sistema prisional como o nosso.

2.2 TRATAMENTO DO DETENTO NO SISTEMA

A Constituio Federal de 1988, no ttulo dos direitos e garantias fundamentais, determina em seu artigo 5: Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: XLVII no haver penas:

16 (...) e) cruis No faltam normas em vigncia a garantirem a integridade fsica e moral dos presos (art. 5, XLIX, da CF/88; art. 40 da LEP; e outras). De forma geral, todas visam lhes assegurar um tratamento digno e humano, despeito da gravidade do crime que tenham cometido. No entanto, o cumprimento da pena privativa de liberdade cruel e desumano. BITENCOURT, quando trata da crueldade e da desumanizao existente no ambiente carcerrio, afirma:(...) existem centros penitencirios em que a ofensa dignidade humana rotineira, tanto em naes desenvolvidas como em subdesenvolvidos. As mazelas da priso no so privilgio apenas de pases do terceiro mundo. De um modo geral, as deficincias prisionais compendiadas na literatura especializada apresentam muitas caractersticas semelhantes: mau trato verbal (insultos, grosseiros, etc.) ou de fato (castigos sdicos, crueldades injustificadas e vrios mtodos sutis de fazer o recluso sofrer, sem incorrer em evidente violao do ordenamento, etc.); superlotao carcerria, o que tambm leva a uma drstica reduo do aproveitamento de outras atividades que o centro penal deve proporcionar (populao excessiva reduz a privacidade do recluso, facilita grande quantidade de abusos sexuais e de condutas inconvenientes); falta de higiene (grande quantidade de abusos sexuais e de condutas inconvenientes); falta de higiene (grande quantidade de insetos e parasitas, sujeiras e imundcies nas celas, corredores, cozinhas, etc.); condies deficientes de trabalho, que pode significar uma inaceitvel explorao dos reclusos ou o cio completo; deficincia nos servios mdicos, que pode chegar, inclusive, a sua absoluta inexistncia; assistncia psiquitrica deficincia ou abusiva (em casos de delinqentes polticos ou dissidentes pode-se chegar a utilizar a psiquiatria como um bom pretexto cientfico para impor uma determinada ordem ou para convert-lo em um castigo civilizado); regime alimentar deficiente; elevado ndice de consumo de drogas, muitas vezes originadas pela venalidade e corrupo de alguns funcionrios penitencirios que permitem e at realizam o trfico ilegal de drogas; reiterados abusos sexuais, nos quais normalmente levam a pior os jovens reclusos recm ingressados, sem ignorar, evidentemente, os graves problemas de homossexualismo e nanismo; ambiente propcio violncia, em que impera a utilizao de meios brutais, onde sempre se impe o mais 9 forte.

Tais deficincias constituem regra nas penitenciarias brasileiras. Os reclusos vivenciam uma realidade catica. Essa uma questo que aflige a todos. O sistema penitencirio brasileiro est completamente saturado. um fato que no pode mais ser ignorado e que requer atitudes.

9

BITENCOURT, Csar Roberto. Falncias da pena de priso: causas e alternativas. p. 95.

17 2.3 DAS CONDIES PENITENCIRIAS AO RECLUSO

No se pode ignorar as condies a que ficam submetidos os reclusos no ambiente prisional. As prises no oferecem as mnimas condies materiais e estruturais para abrigar os condenados. Qualquer pena privativa de liberdade , atualmente, uma pena cruel, desumana, sobretudo quando ao condenado imposta uma longa pena, cumprida exclusivamente em regime fechado. No se est falando de todos os direitos que a Lei de Execuo Penal assegura ao recluso. Sabe-se que as normas que disciplinam a execuo e a realidade do nosso sistema prisional esto distantes anos-luz. O inaceitvel que os reclusos fiquem submetidos a um regime de execuo desumano. H concordncia com BITENCOURT (1993:96) quando diz: A superlotao das prises, a alimentao deficiente, o mau estado das instalaes, pessoal tcnico despreparado, falta de oramento, todos estes fatores convertem a priso em um castigo desumano. Com a lotao do sistema prisional, no existem mais estabelecimentos prisionais destinados, exclusivamente, aos presos que aguardam julgamento. Cadeias pblicas, delegacias, presdios, penitencirias, todos foram transformados em depsito de pessoas, que no so tratados como tais. As rebelies que tem acontecido em todos os pases, com tamanha freqncia, j fazem parte do dia a dia e o resultado da catica realidade do sistema penitencirio. A reivindicao mais comum a de melhores condies nos estabelecimentos prisionais. As condies nas prises so to deplorveis que, em conflitos graves, confirma BITENCOURT,(...) os internos fazem reivindicaes que refletem as condies desumanas em que se desenvolve a pena privativa de liberdade. Por exemplo, na violenta greve que ocorreu em 3 de novembro de 1970 na priso de Folson, fizeram, entre outras, as seguintes reivindicaes: (...) 9 Exigimos que no soltem gs lacrimogneo contra os presos fechados em suas celas (...) 14 Exigimos que os empregados e funcionrios das correlacionais sejam submetidos a processo legal quando atirarem contra os presos, ou prximo a eles ou os exponham a qualquer castigo cruel ou excepcional quando no for 10 caso de vida ou morte (...) .

10

BITENCOURT, Csar Roberto. Falncias da pena de priso: causas e alternativas. p. 96.

18 Essas reivindicaes adaptar-se-iam perfeitamente ao Massacre do Carandir, numa amostra de que o despeito dignidade do preso e a violncia desmesurada se repetem ainda hoje, em qualquer parte do mundo. Como se v, com condenao, o indivduo infrator no fica sujeito apenas a privao de sua liberdade. O seu afastamento do meio social no o nico castigo que lhe imposto. O ambiente do crcere, hoje, no difere muito das masmorras e dos calabouos da poca em que se instituiu a pena privativa de liberdade. Teorias e sistemas de execuo, polticas criminais, enfim, a evoluo do direito penal, parece que se limitou teoria, quando constatada a realidade da execuo penal. A pena privativa de liberdade , por excelncia, a sano que est sujeito o indivduo que transgride as normas penais. Ao Estado, ento, lcito privar o infrator da disposio de sua liberdade durante o tempo de condenao, mas no lcito submeter o indivduo, durante o cumprimento da pena, condies desumanas, aviltantes, violncia de toda ordem, fsica, moral, sexual e outras, enfim, ao castigo cruel que a vida no crcere. A execuo da pena nas condies atuais das prises extremamente injusta, colocando em dvida a legitimidade da Justia.

19 3 AS REBELIES

Rebelio uma sublevao contra o governo, insurreio, revolta interna11, nesse ambiente que esta pesquisa pretende concentrar seus estudos, pois, s foras policiais, cabem a manuteno da ordem e a segurana dos cidados, prendendo em crceres os infratores, traficantes, assassinos, enfim, qualquer pessoa que provoque a desordem ou ponha em risco a vida das pessoas, conduzindo-os a justia para julgamento dos seus atos. Inicialmente, verificamos que rebelio um Ato de se rebelar; insurreio; revolta12

; que sublevao uma Rebelio; revolta; revoluo13; que motim

uma Revolta; desordem14; logo, possuem o mesmo significado e podero servir de referncia para pesquisa neste estudo. A nvel de sistema penitencirio, segundo SALIGNAC, rebelio : Insubordinao por parte dos detentos com relao s autoridades ou normas da unidade; usualmente implica no uso de violncia ou ameaa de seu uso contra outros detentos, visitantes, funcionrios do estabelecimento.15 Ainda, segundo a Revista do ILANUD, as rebelies: (...) envolvem insubordinao por parte dos detentos com relao s autoridades e normas da unidade e, independente do nmero de detentos envolvidos, a rebelio implica no uso da violncia fsica ou ameaa, com ou sem refns.16 Como se verifica nas definies anteriores, a rebelio se caracteriza pela insubordinao dos detentos s autoridades, e ou, normas da unidade; pelo uso da violncia ou ameaa; havendo ou no a presena de refns. O que geralmente se observa que os meios de comunicao, durante a ocorrncia de incidentes11

HOLANDA, Aurlio Buarque de. Novo dicionrio da lngua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1873.12

BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionrio da lngua portuguesa . So Paulo: FTD, 1996. p. 555.13 14 15

BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionrio da lngua portuguesa , p. 619. BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionrio da lngua portuguesa , p. 443.

SALIGNAC, Angelo Oliveira. Apostila - Modalidades de tratamento penal e gesto prisional Negociao em crises introduo. Curitiba, 2002. p. 9.16

MARQUES, Joo Benedicto de Azevedo. Gerenciamento de crises no sistema prisional. Revista do ILANUD. So Paulo, n 5, p. 8 9. 1999.

20 prisionais, classificam como rebelies, as fugas que ocorrem nas unidades destinadas aos presos condenados no regime fechado; as evases que ocorrem nas demais unidades; as tentativas de fuga frustradas; os movimentos

reivindicatrios, que no envolvem violncia contra a pessoa, no entanto, podem resultar em danos ao patrimnio e outros que ocorrem no sistema prisional, como se fossem rebelies propriamente ditas, causando pnico populao,

preocupao s autoridades e elevando, consideravelmente, os ndices estatsticos de incidncia deste evento. Segundo a Revista do ILANUD, as principais causas das rebelies so:- demora da deciso dos benefcios; - deficincia da assistncia judiciria; - violncias ou injustias praticadas dentro do estabelecimento prisional; - Problemas ligados a entorpecentes; - superlotao carcerria; - tentativas de fugas frustradas; - falta ou m qualidade da alimentao e de assistncia mdico-odontolgica; - problemas ligados corrupo; - falta de capacitao do pessoal penitencirio, em especial do diretor (da a importncia do treinamento nas academias penitencirias, para que saibam lidar com o problema dos 17 motins e rebelies, que aparecem com alguma freqncia).

A exemplo de BITENCOURT e THOMPSON, citados anteriormente, FOLCAULT, ressalta que as principais causas das rebelies no diferem muito das atuais,Nos ltimos anos, h ouve revoltas em prises em muitos lugares do mundo. Os objetivos que tinham, suas palavras de ordem, seu desenrolar tinham certamente qualquer coisa paradoxal. Eram revoltas contra toda misria fsica que dura h mais de um sculo: contra o frio, contra a sufocao e o excesso de populao, contra as paredes velhas, contra a fome, contra os golpes. Mas tambm revoltas contra as prises-modelos, contra os tranqilizantes, contra o isolamento, contra o servio mdico ou educativo. Revoltas cujos objetivos eram s materiais? Revoltas contraditrias contra a decadncia, e ao mesmo tempo contra o conforto; contra os guardas, e ao mesmo tempo contra os psiquiatras? De fato, tratava-se realmente de corpos e de coisas materiais em todos esses movimentos: como se trata disso nos inmeros discursos que a priso tem produzido desde o comeo do sculo XIX. O que provocou esses discursos e essas revoltas, essas lembranas e 18 invectivas foram realmente essas pequenas, essas nfimas coisas materiais.

FOLCAULT ainda afirma que as rebelies, ou revoltas, apresentavam reivindicaes dos presos no atendidas, principalmente com relao ao tratamento dispensado pelos funcionrios do sistema penitencirio, como se v a seguir,Quem quiser tem toda a liberdade de ver nisso apenas reivindicaes cegas ou suspeitar17

MARQUES, Joo Benedicto de Azevedo. Gerenciamento de crises no sistema prisional. Revista do ILANUD. So Paulo, n 5, p. 12. 1999.18

FOLCAULT, Michel. Vigiar e punir. Traduo de Raquel Ramalhete. 23. ed. Petrpolis: Vozes, 2000. p. 29.

21que haja a estratgias estranhas. Tratava-se bem de uma revolta, ao nvel dos corpos, contra o prprio corpo da priso. O que estava em jogo no era o quadro rude demais ou asctico demais, rudimentar demais ou aperfeioado demais da priso, era sua materialidade medida em que ele instrumento de vetor de poder; era toda essa tecnologia do poder sobre o corpo, que a tecnologia da alma a dos educadores, dos psiclogos e dos psiquiatras no consegue mascarar nem compensar, pela boa razo de que no passa de um de seus instrumentos. desta priso, com todos os investimentos polticos do corpo que ela rene em sua arquitetura fechada que eu gostaria de fazer a histria. Por puro anacronismo? No, se entendemos com isso fazer a histria do passado 19 nos termos do presente. Sim, se entendermos com isso fazer a histria do presente.

BECCARIA destaca que a obedincia lei no pode se comparar s desordens de sua interpretao e nos faz pensar a respeito dos direitos e deveres dos presos, onde, na prtica, os deveres so cobrados e os direitos, garantidos pela Constituio Federal e pela Lei de Execuo Penal, sequer so observados, conforme citamos a seguir,A desordem que nasce da obedincia rigorosa letra de uma lei penal no pode ser comparada s desordens que nascem de uma interpretao. Tal momentneo inconveniente pode levar a correo fcil e necessria dos termos da lei, que so a causa da incerteza, mais impede o fatal abuso da razo, do qual nascem as controvrsias 20 arbitrrias e venais.

A superpopulao prisional tem sido a principal causa das rebelies, aliada ao descaso do Governo e dos funcionrios do sistema penitencirio com relao ao tratamento dispensado ao recluso. No surpresa que uma parcela significativa dos incidentes de rebelies, greves de fome e outras formas de protesto nos estabelecimentos prisionais do pas estejam diretamente atribudos superlotao. Em muitos casos os presos amotinados simplesmente demandaram que fossem transferidos para estabelecimentos menos lotados, querendo deixar um distrito policial para ocuparem vaga em uma penitenciria mais espaosa. Neste aspecto BECCARIA ressalta que, impossvel prevenir todas as desordens no embate universal das paixes humanas. Crescem aquelas na razo geomtrica da populao e do entrelaamento dos interesses particulares, que no possvel direcionar geometricamente para a utilidade pblica".21 Ao ingressar no sistema penitencirio, o preso torna-se uma figura annima, uniformizada, numerada, despojada de seus bens, afastada de sua famlia. Passa a atender por apelidos. Seu nome, parte integrante de sua

19 20

FOLCAULT, Michel. Vigiar e punir, p. 29.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Traduo de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 47.21

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, p. 50.

22 personalidade, nada mais significa. Torna-se servil, atemorizado pela falta de segurana que impera no interior das prises: freqentemente revistado, admoestado e castigado, incorpora a gria que domina o ambiente, aprende novas maneiras de viver, usa novo corte de cabelo, adquire o hbito da inverso sexual, descamba para novos padres de comportamento, de atitude submissa, simulada, enganosa e perigosa. Sem dvida, o cio e o convvio na priso, alteram o seu comportamento e a sua personalidade, tornando-o individualista, agressivo, libertino e respeitado de acordo com o grau de crueldade atribudo ao delito praticado ou ao que submete a massa carcerria, fatores estes que tambm contribuem para a ocorrncia das rebelies. BECCARIA afirma que,Os homens escravizados so mais voluptuosos, mais libertinos, mais cruis que os homens livres. Estes meditam sobre as cincias, meditam sobre os interesses da nao, vem os grandes objetos, e os imitam; mas aqueles, satisfeitos com o dia presente, procuram o estrpito da libertinagem uma distrao ao aniquilamento em que se encontram. Habitualmente incerteza em tudo, o xito dos seus delitos torna-se para eles 22 problemtico, favorecendo a paixo que os determina.

O estabelecimento fechado da priso, de regime totalitrio, prisonaliza a mentalidade de todos os seus integrantes: diretores, assistentes sociais, psiclogos, psiquiatras, funcionrios, agentes penitencirios, policiais militares e presos, mantendo-os sob constante tenso e desconfiana, ocasionando conflitos diversos que tambm podem resultar em rebelies. Para OLIVEIRA,O conflito do preso com os funcionrios da priso e com os demais presos uma constante. A vida social numa priso sobremaneira difcil e quase impossvel devido a um ambiente de desconfiana total, esperteza e desonestidade l reinantes. um mundo 23 do eu, mim e antes do nosso, deles e dele.

A falta de segurana, de forma geral, tambm tem contribudo para a ocorrncia de rebelies. Conforme OLIVEIRA,A privao de segurana se faz sentir com grande intensidade no dia a dia do prisioneiro. Tanto a imprensa falada como escrita, relatam, com freqncia assustadora, a grande violncia, brutalidade e ameaa que ocorrem nos meios prisionais, culminando, muitas 24 vezes, em rebelies, motins, fugas e mortes.

As fugas, tentativas de fugas frustradas e outros incidentes prisionais tambm so motivos de rebelies. OLIVEIRA relata que,Rebelies, fugas e motins foram igualmente registradas nas prises e presdios do Estado de Santa Catarina, embora no to freqentes quanto as verificadas nos grandes centros.22 23 24

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, p. 131-132. OLIVEIRA, Odete M. Priso: um paradoxo social. 2. ed. Florianpolis: UFSC, 2000. p.76. OLIVEIRA, Odete M. Priso: um paradoxo social, p. 80.

23Os jornais catarinenses sempre abrem espaos para amplas reportagens a respeito de fugas e motins ocorridos nas Cadeias Pblicas da Capital, Itaja e Balnerio Cambori, 25 entre outras, e nas Penitencirias do Estado.

Pela prpria natureza repressiva da priso, o preso obrigado a uma obedincia sem limites, rigidez e submisso dos regulamentos, s ordens e contra-ordens, jamais podendo opinar, sugerir, contestar ou sobrepor-se autoridade administrativa ou ao sistema. Aliado a estes fatores, os maus tratos, a alimentao de m qualidade e a total falta de assistncia tambm corroboram para a incidncia de rebelies. Neste aspecto, OLIVEIRA diz,Presos da Cadeia de Chapec se rebelaram e fugiram. No primeiro dia do ano houve uma grande rebelio no Presdio de Chapec. No pavilho onde ocorreu a rebelio estavam detidos 45 presos, mas nem todos quiseram participar. Foi grande a movimentao da polcia militar como civil para acabar com o motim. O titular da penitenciria, Ivo Adone Patussi, foi afastado do cargo at que a sindicncia fosse instaurada para apurar o fato com maior clareza. Ao comentar o motim, Cilio de Arajo informou que a sindicncia j havia sido instaurada no dia 27 de dezembro, com base na denncia feita pelo sentenciado Hamilton Duarte, que h alguns dias atrs afirmou que todos os detentos do presdio esto sendo maltratados e 26 recebiam alimentao de pssima qualidade.

Por fim, a promiscuidade entre presos e funcionrios, a facilitao e explorao de naturezas diversas, a corrupo, juntamente com todos os motivos j elencados, so os principais motivos de rebelies no sistema penitencirio. OLIVEIRA ainda relata que, A repercusso dos ltimos fatos envolvendo rebelies por motivos de superlotao, denncia de corrupo, tortura, conluio entre policiais e marginais, inclusive explorao de jogatinas, trfico de entorpecentes, violncia sexual, deixava exposta a imagem tpica das prises.27 Para reverter este quadro catico o Estado deveria cumprir a Lei de Execues Penais na sua integralidade; proporcionar formao especfica aos funcionrios do sistema penitencirio e remuner-los dignamente; preocupar-se com a principal finalidade da pena privativa de liberdade que a reintegrao do apenado sociedade e no apenas punir por punir.

25 26 27

OLIVEIRA, Odete M. Priso: um paradoxo social, p. 85. OLIVEIRA, Odete M. Priso: um paradoxo social, p. 86. OLIVEIRA, Odete M. Priso: um paradoxo social, p. 86.

24 4 A CRISE

A crise uma ocorrncia de gravidade e magnitude tal que pode resultar em mortos, feridos, prejuzos materiais, desgaste do Governo e aos organismos envolvidos se no for bem gerenciada. Normalmente se desenvolve de maneira sbita, inesperada, requer resposta imediata, coordenada e efetiva de vrios rgos governamentais e privados, envolve muitas pessoas em um ambiente que no lhes familiar, reunidas de maneira usualmente catica e buscando realizar tarefas complexas num tempo e ritmo que fogem completamente queles presentes em seu cotidiano. Pode concentrar as demandas em organizaes especficas, promovendo mudanas internas na estrutura e delegao de autoridade; criar demandas que excedem a capacidade de resposta de uma nica organizao, exigindo que elas dividam suas tarefas e recursos com outras que utilizam procedimentos diferentes; atrair a participao de indivduos e organizaes que, normalmente, no respondem a estas situaes; resultar em mltiplos envolvimentos com a sobreposio de responsabilidades; criar novas tarefas pelas quais os rgos no so responsveis e resultar na formao espontnea de novas organizaes. Como conseqncias destas alteraes, ocorre a mobilizao de efetivo extra; as prioridades e procedimentos rotineiros so alterados; as organizaes dividem tarefas; recursos, pessoas e rgos no emergenciais so envolvidos; tarefas no rotineiras so implementadas; recursos, equipamentos, ferramentas, veculos e instalaes, normalmente utilizadas nos atendimentos, so requisitados; novas organizaes, de carter temporrio, so formadas e todo este processo requer interao e coordenao. Nesse posicionamento discorre THOM, A Crise uma mudana brusca que se produz no estado de coisas (status quo), com teor manifestamente violento, repentino e breve, traduzindo-se em um momento perigoso ou difcil de um processo do qual deve emergir uma soluo.28 Tambm acerca disso MONTEIRO destaca que A Academia Nacional do FBI define crise como: Um evento ou situao crucial, que exige uma resposta28

THOM, Ricardo Lemos. A soluo policial e gerenciada das situaes crticas. Florianpolis, 1998. p. 23.

25 especial da polcia, a fim de assegurar uma soluo aceitvel.29 A polcia, para dar resposta a esta situao, deve adaptar-se ao aumento da demanda destes eventos, possibilitando treinamento especfico aos seus integrantes para que estes realizem tarefas no usuais, com equipamentos e pessoas que nem sempre so integrantes dos quadros das polcias e, muitas vezes, sequer esto familiarizadas com suas metodologias. A soluo de um evento crtico no apenas a extenso de bons procedimentos adotados no dia a dia, mais que mobilizar recursos, instalaes e pessoal, pois apresenta problemas peculiares, raramente enfrentados no cotidiano, havendo a necessidade de coordenao multi-organizacional e multi-disciplinar. Neste contexto, h que se diferenciar o gerenciamento de crise e o gerenciamento da situao crtica. Conforme THOM e SALIGANAC esta diferena ocorre da seguinte maneira,Conceitualmente, podemos dizer que a crise uma questo de Estado e existe necessidade premente de o Governo demonstrar publicamente que controla a crise, determinando que seus rgos administrativos assumam as respectivas responsabilidades, de modo a encerr-la definitivamente: o perigo afastado e retoma-se o equilbrio nas relaes sociais. Conclumos, por derradeiro, que o Estado gerencia a crise e a Polcia gerencia a situao 30 crtica, ou melhor, a situao policial crtica.

Aps conceituar a crise, MONTEIRO, apresenta as suas caractersticas:1. imprevisibilidade; 2. compresso de tempo (urgncia); 3. ameaa de vida; e necessidade de: a) postura organizacional no rotineira; b) planejamento analtico especial e capacidade de implementao e; c) consideraes legais especiais.31

As rebelies em penitencirias, face a sublevao ao Governo e a resistncia violenta s autoridades, so exemplos de situao crtica.29 30

MONTEIRO, Roberto das Chagas. Manual de gerenciamento de crises. Apostila, 2000. p. 7.

THOM, Ricardo Lemos e SALIGNAC, Angelo Oliveira. O gerenciamento das situaes policiais crticas. Curitiba: Genesis, 2001. p.2131

MONTEIRO, Roberto das Chagas. Manual de gerenciamento de crises. p. 7.

26 THOM tambm faz meno s caractersticas das situaes crticas As situaes crticas possuem caractersticas bem definidas, que podem ajudar na formao da percepo e conhecimento da idia: a) possvel imaginar o evento, mas ele acontece sem previso, tendo sido alimentado pelo acaso, desleixo ou negligncia; b) A situao violenta, transitria e estressante: existem vidas ameaadas, direta ou indiretamente, h dificuldade na compreenso das informaes e os meios de comunicao social transformam-se em agentes fiscalizadores; c) O contexto exige uma resposta igualmente rpida e especial dos rgos envolvidos, adotando-se plano de trabalho distinto do habitual.32 Para MONTEIRO,A classificao da crise ainda obedece a um escalonamento. Essa classificao, de acordo com o FBI, obedece a um escalonamento de quatro graus: 1 Grau ALTO RISCO; 2 Grau ALTSSIMO RISCO; 3 Grau AMEAA EXTRAORDINRIA; 4 Grau AMEAA EXTICA.33

Para exemplificar a classificao da crise, segundo MONTEIRO, a de alto risco seria uma situao de assalto a banco promovido por uma pessoa armada com revlver, sem refns. A de altssimo risco, um assalto a banco por dois elementos armados com metralhadoras, mantendo trs ou quatro pessoas como refns. A ameaa extraordinria, como sendo o apoderamento ilcito de uma aeronave, por quatro terroristas armados de metralhadoras ou outras armas automticas, mantendo oitenta refns. Por fim, a ameaa extica, um elemento, munido de recipiente contendo veneno, vrus ou material radioativo de alto poder destrutivo ou letal, que, por qualquer motivo, venha a ameaar uma populao dizendo que pretende lanar aquele material no reservatrio de gua da cidade. THOM, analisando a realidade brasileira, reduz de quatro para trs a classificao e o escalonamento da crise,32 33

THOM, Ricardo Lemos. A soluo policial e gerenciada das situaes crticas. p. 23-24. MONTEIRO, Roberto das Chagas. Manual de gerenciamento de crises. p. 17.

27A realidade brasileira permite que a classificao seja reagrupada em trs graus, haja vista que, para os norte-americanos, uma crise de alto risco pode ser resolvida em nvel e com recursos locais, pressupondo a teoria que os rgos policiais locais contam com aparato suficiente para enfrentar a crise. No Brasil, se um assaltante de banco encurralado no estabelecimento, armado e sem refns, existe uma possibilidade mnima da crise ser resolvida com profissionalismo, ou seja, com negociao exaustiva. A opo local tender pelo desenlace imediato da ocorrncia, muito mais pela cultura do que pela ausncia de informaes doutrinrias. Assim, as crises, em seu menor grau, sero consideradas de altssimo risco e exigiro recursos humanos e materiais especiais para a soluo definitiva. Tambm, a ameaa extica deve ser reescrita como uma ameaa a ordem, posto que, no Brasil, h fenmenos prprios, como por exemplo, a invaso de terras, o bloqueio de 34 estradas e os saques em estabelecimentos que vendem gneros alimentcios.

Conforme THOM, a crise se classifica em:a) Altssimo risco, para as situaes onde no h refns; b) Ameaa Extraordinria, quando h necessidade de acionamento de outros rgos para a soluo. c) Ameaa ordem, quando exige soluo profissional aos conflitos sociais marcantes.

Em se tratando de refns, h que se ressaltar que existe diferena entre refns e vtimas na ocorrncia de situaes crticas no sistema penitencirio e em outras situaes. De acordo com a doutrina moderna, as vtimas no tm valor para os rebelados, em oposio aos refns, que possuem valor e, potencialmente, menor condio de risco. Desta forma, THOM e SALIGNAC classificam as pessoas capturadas em refns e vtimas e descrevem cada situao da seguinte forma,Para as nossas necessidades, trataremos de diferenciar em duas categorias as pessoas capturadas durante um evento crtico, denominando como refns aquelas que possuem valor real para o captor. Diferentemente das vtimas, um refm ser moeda valiosa para seu captor, que dele se valer para garantir sua incolumidade fsica, a possibilidade de fuga ou de obteno de vantagens, conforme cada caso. Vtimas formam uma categoria que diz respeito quelas pessoas capturadas e que no tm valor para os captores, sendo antes objeto de seu dio: o captor busca a eliminao fsica dessa pessoa ou danos sua integridade. Uma vtima no tem outro valor para quem a captura, exceto o da realizao dos desejos de seu captor. Diferenciar entre uma e 35 outra categoria muda radicalmente os rumos tticos e tcnicos de uma Negociao.

No que se refere ao sistema penitencirio, vamos tomar como exemplo de ocorrncia envolvendo refns, uma situao crtica onde as pessoas capturadas sejam professores, religiosos, advogados, familiares, funcionrios do sistema e visitantes eventuais. Neste caso, a probabilidade de ocorrer algum tipo de

34 35

THOM, Ricardo Lemos. A soluo policial e gerenciada das situaes crticas. p. 34-35.

THOM, Ricardo Lemos e SALIGNAC, Angelo Oliveira. O gerenciamento das situaes policiais crticas. p. 14.

28 agressividade contra as pessoas capturadas remota, pode haver ameaa ou inteno, mas dificilmente, as lideranas iro permitir que a integridade destas pessoas seja ofendida pelo simples fato delas estarem ali para ajudar ou trazer algum tipo de conforto. O contrrio ocorreria se as pessoas capturadas fossem Policiais Militares, Civis, Federais, Promotores, Juzes, presos jurados de morte no sistema penitencirio (alcagetes, estupradores, (...) e familiares destes presos, jornalistas, radialistas, cronistas policiais e outros que, de alguma forma, efetuaram prises, denunciaram, proferiram sentena condenatria, ofenderam, provocaram ou incitaram a massa carcerria. Nestas situaes, provavelmente, as pessoas capturadas, seriam vtimas em potencial, principalmente pela situao que estavam perante os rebelados e pela motivao pr-existente no tocante a priso, julgamento, cultura da cadeia e vrios outros aspectos considerados peculiares e inadmissveis pelos detentos. THOM e SALIGNAC complementam que, Uma Negociao de sucesso comea, necessariamente, por esta etapa: a identificao das pessoas capturadas que merecem especial ateno. A definio de quem refm ou vtima proporciona uma clara delimitao do trabalho inicial do Negociador.36 Aps a definio entre refm e vtima, apresento, segundo MONTEIRO, os nveis de resposta para cada grau de risco. No caso da classificao adotada pelo FBI, os nveis de resposta adequados a cada grau de risco ou ameaa so quatro: - NVEL UM A crise pode ser debelada com RECURSOS LOCAIS. NVEL DOIS A soluo da crise exige RECURSOS LOCAIS

ESPECIALIZADOS (Emprego de SWAT). - NVEL TRS A crise exige RECURSOS LOCAIS ESPECIALIZADOS e tambm RECURSOS DO QG. - NVEL QUATRO A soluo da crise requer o emprego dos RECURSOS DO NVEL TRS e tambm RECURSOS EXGENOS.37

36

THOM, Ricardo Lemos e SALIGNAC, Angelo Oliveira. O gerenciamento das situaes policiais crticas. p. 77-78.37

MONTEIRO, Roberto das Chagas. Manual de gerenciamento de crises. p. 18.

29 5 O GERENCIAMENTO DE CRISE

A maior razo para as dificuldades encontradas no gerenciamento de crise se d pela diferena entre estas situaes e as ocorrncias atendidas rotineiramente. Estes eventos no podem ser gerenciados adequadamente simplesmente mobilizando mais pessoal e material. H a necessidade de novas respostas, mudana da estrutura das organizaes envolvidas, mobilizao de pessoas que no respondem ordinariamente a estes rgos, alm de vrias outras providncias para a soluo aceitvel da crise. A Academia Nacional do FBI adota a seguinte definio: GERENCIAMENTO DE CRISES O PROCESSO DE IDENTIFICAR, OBTER E APLICAR OSRECURSOS NECESSRIOS ANTECIPAO, PREVENO E RESOLUO DE UMA CRISE.38

A convivncia com situaes crticas de diversos tipos, revela a sua natureza peculiar e demonstra a necessidade de um modelo de gerenciamento adequado e a interao e coordenao entre as vrias instituies, organizaes e rgos envolvidos precisa ser baseada na negociao e colaborao. O gerenciamento do evento, segundo THOM, basicamente:a) tem a exata conotao de dirigir e regular a crise, possibilitando que sejam convergentes todos os pontos surgidos durante o processo; b) torna realidade coletiva todas as maneiras de pensar que surgem durante o episdio; c) considera os aspectos legais presentes para justificar a ao policial; d) executa planejamento com o superior objetivo e interesse de preservar a vida.39

Alm destas consideraes, h que se ressaltar que a soluo da crise tambm envolve o gerenciamento do evento. Para resolver este problema, as instituies policiais, nos ltimos anos, tem investido muito em treinamento e especializao de seus componentes, face o elevado nmero de ocorrncias desta natureza enfrentados no dia a dia, principalmente as sucessivas rebelies de presos no sistema penitencirio. A audcia, a sofisticao e a participao de organizaes38 39

criminosas

nestas

ocorrncias,

levaram

a

polcia

a

rever

MONTEIRO, Roberto das Chagas. Manual de gerenciamento de crises. p. 8. THOM, Ricardo Lemos. A soluo policial e gerenciada das situaes crticas. p. 32.

30 posicionamentos, conceitos, analisar falhas e corrigi-las, evitando o cometimento de erros primrios e a utilizao de conhecimentos empricos na soluo das situaes crticas. O treinamento e a especializao de policiais nesta rea tm corroborado para os resultados positivos, comprovando que o gerenciamento de crise exige estudos e treinamentos especiais, conforme descreve MONTEIRO, A resposta fundamenta-se nas seguintes razes: As caractersticas da crise causam stress; O gerenciamento de crises uma complexa tarefa de soluo de problemas; e Os resultados da incompetncia profissional podem ser imediatos.40 O gerenciamento de crise, de acordo a doutrina do FBI, apresenta duplo objetivo. O gerente, deve ter em mente que, para haver sucesso, estes objetivos devem ser alcanados na sua integralidade, sendo, sempre o melhor caminho, a negociao exaustiva na busca de uma soluo aceitvel, conforme apresenta MONTEIRO, Qualquer tarefa de gerenciamento de crises tem duplo objetivo: preservar vidas e aplicar a lei.41 Doutrinas antigas e j revisadas defendiam a tese de que, a partir da definio do gerente, eram escolhidos os demais integrantes dos grupos e equipes que iriam atuar na soluo do evento crtico, em um processo de subordinao extremamente vertical, no prevendo a possibilidade de ao emergencial do grupo ttico, independente do acionamento pelo gerente. Atualmente, com a

especializao dos grupos de negociao e ttico, houve uma profunda mudana no que diz respeito a atuao, principalmente, emergencial, destes profissionais, quebrando paradigmas no que se refere a linha de comando no gerenciamento. Neste aspecto, no h dvida que existem trs atores principais no grupo de gerenciamento de crise. So necessrios o gerente, o grupo de negociao e o grupo ttico, ficando, os demais integrantes da equipe, na funo de auxiliares e assessores desses trs atores. Toda a movimentao em um evento crtico necessariamente voltada para a soluo que, usualmente, buscada e obtida atravs da negociao exaustiva. Conseqentemente, todo suporte deve ser dado busca da soluo negociada, ficando, os demais envolvidos, aguardando a impossibilidade de obteno desse resultado, quer seja pelas patologias do40 41

MONTEIRO, Roberto das Chagas. Manual de gerenciamento de crises. p. 9-10. MONTEIRO, Roberto das Chagas. Manual de gerenciamento de crises. p. 10.

31 provocador, quer seja pela sua inflexibilidade. Partindo destas premissas, surge ento, o pensamento a respeito da linha de comando horizontal no grupo de gerenciamento da crise, onde cada um dos atores principais exerce o comando no momento de sua atuao especfica, levando em considerao os parmetros de atuao emergencial que devem ser definidos antes da atuao na crise e de conhecimento de todos os envolvidos no processo. No havendo a predefinio no que diz respeito a atuao emergencial, o comando exercido pelo gerente, que passa a ser o nico responsvel pelas conseqncias e a quem, obrigatoriamente, os grupos de negociao e ttico se reportam. Como j vimos anteriormente, no gerenciamento, existem grupos

importantes que devem ser referenciados. Segundo THOM e SALIGNAC,O Grupo de Deciso (GD), idealmente, autoriza e d aval s solues propostas pelo Grupo de Gerenciamento de Crises para a soluo do evento crtico. O GD integrado por instncias superiores do poder pblico e formado por membros do Judicirio, Executivo ou de outras entidades pblicas e mesmo privadas. GD integrados por representantes do Ministrio Pblico, Juizes, Ordem dos Advogados e outras entidades no governamentais relacionadas ao evento podem, dada a sua representatividade, dar soluo muito mais rpida a eventos cujos contornos impedem a pura e simples utilizao de mandamentos legais como forma de soluo de impasses: uso da fora letal, autorizao para fuga 42 monitorada de criminosos e outros.

Ao grupo de deciso, ou comit poltico, compete a definio da filosofia de atuao, ficando, a operacionalizao desta filosofia, a cargo do grupo de gerenciamento da crise que, de forma integrada e sistmica, deve atuar exaustivamente na busca da soluo do evento crtico, levando sempre em considerao os objetivos do gerenciamento: preservar vidas e aplicar a lei. THOM e SALIGNAC definem o grupo de gerenciamento da crise da seguinte forma: O Grupo de Gerenciamento da Crise (GGC) , ao contrrio, composto por tcnicos da segurana pblica: Policiais Civis e Militares, representantes de organismos pblicos e privados interessados ou atingidos pelo evento crtico, GT, Negociadores.43

42

THOM, Ricardo Lemos e SALIGNAC, Angelo Oliveira. O gerenciamento das situaes policiais crticas. p. 15.43

THOM, Ricardo Lemos e SALIGNAC, Angelo Oliveira. O gerenciamento das situaes policiais crticas. p. 15

32 5.1 O PLANEJAMENTO

Uma das etapas mais importantes do gerenciamento da crise o planejamento, levando-se em considerao o grau de complexidade, os recursos humanos e materiais necessrios e os graus de subordinao e entrosamento entre os rgos envolvidos. O perfeito planejamento destas operaes envolve a projeo de intenes adiante no tempo e no espao, a fim de influenciar nos eventos antes que ocorram, ao invs de simplesmente responder medida que ocorrem. O planejamento a ao de visualizao do final da situao desejada e a determinao dos meios efetivos para sua concretizao, auxiliando a tomada de decises em um ambiente incerto e limitado pelo tempo. Alguns parmetros devem ser observados no processo de planejamento do gerenciamento da crise. A segurana deve ser um parmetro respeitado tanto no planejamento, quanto na sua implementao, portanto, preciso que os gerentes estejam aptos a realizar a anlise e o gerenciamento dos riscos. O tempo constitui um parmetro muitas vezes esquecido no planejamento. O gerenciamento deve beneficiar a otimizao da utilizao do tempo, uma vez que a evoluo da crise normalmente potencializada com a sua passagem. Todo planejamento baseado em um conhecimento incompleto e envolve suposies sobre o futuro. O planejamento, por definio, orientado para o futuro e o futuro incerto, portanto, esgotados todos os meios para a reduo do grau de incerteza, baseando-se em fatos e dados intuitivos, o julgamento e a experincia dos gerentes so muito valiosos para complementar os aspectos tcnicos do processo de planejamento. Os objetivos dos gerentes constituem o ponto central do planejamento e estes utilizam este processo para obter subsdios necessrios para a implementao do processo decisrio e, a partir do nvel superior, o planejamento desdobrado nos demais nveis. No planejamento, o caminho mais simples normalmente o mais eficiente, eficaz e seguro e o uso de todos os recursos propicia uma abordagem disciplinada deste processo de forma sistemtica, coordenada e eficaz. O PROJETO DE REQUALIFICAO PROFISSIONAL DA PM DE SANTA CATARINA, diz que:

33O processo de planejamento em eventos de alto risco dividido em sete passos lgicos e manejveis que propiciam aos gerenciadores um meio de organizar suas atividades de planejamento e transmitir o plano aos demais componentes envolvidos no evento: a definio dos objetivos; o desenvolvimento de linhas de ao; a verificao de linhas de ao; a escolha da linha de ao; o desenvolvimento de planos e ordens; a transmisso 44 das ordens e a avaliao.

A definio dos objetivos o primeiro passo no planejamento e onde respondemos as seguintes perguntas: o que estou tentando conseguir ou fazer, qual a finalidade?; quais as tarefas que, separadamente, conduzem ao que estou tentando conseguir ou fazer, quais os objetivos?; quais os fatos , idias e opinies relevantes para o objetivo?. Aps as respostas a estas perguntas feita a reviso e anlise das polticas, legislao, normas, planos, orientaes, riscos e outras informaes sobre a situao, visando a produo de objetivos claros, especficos e mensurveis. A segunda etapa a definio das linhas de ao que constituem uma relao de diversas solues potenciais para se cumprir o objetivo estabelecido. Durante o desenvolvimento das linhas de ao os gerentes utilizam os objetivos estabelecidos para assegurar uma forma aceitvel, executvel, econmica e eficaz de atingi-los. A verificao das linhas de ao envolve uma anlise detalhada de cada linha, individualmente em relao ao cenrio, ao objetivo e capacidade de recursos, utilizando simulaes que possibilitem identificar falhas e deficincias de cada uma das linhas. Segundo o PROJETO DE REQUALIFICAO

PROFISSIONAL DA PM DE SANTA CATARINA, as linhas de ao devem obedecer aos seguintes critrios:Legalidade: A linha de ao atende a legislao pertinente? Segurana: Os requisitos de segurana podem ser mantidos na adoo desta linha de ao? Eficcia: A linha de ao permitir atingir os objetivos estabelecidos? Exeqibilidade: A linha de ao possvel de ser realizada? Risco: baseada em uma anlise de risco, qual o risco desta linha de ao. Os benefcios compensam os custos? Recursos: Esta linha de ao racionaliza o uso dos recursos, concentrando-os em pontos chave? Comando e controle: Esta linha de ao favorece o comando e controle? Contingncia: Esta linha de ao leva em considerao os fatores de contingncia como 45 clima, terreno, comportamento das pessoas e evoluo do evento em geral?44

PROJETO DE REQUALIFICAO PROFISSIONAL DA PM DE SANTA CATARINA. Apostila. 2000, p. 24.45

PROJETO DE REQUALIFICAO PROFISSIONAL DA PM DE SANTA CATARINA. Apostila. 2000, p. 27-28.

34

Levando-se em considerao que os principais objetivos do gerenciamento de crise so preservar vidas e aplicar a lei, h que se repensar estes critrios e, em primeiro lugar, destacar a vida e a integridade fsica dos envolvidos para, posteriormente, verificar os aspectos legais, de execuo e controle. Na escolha da melhor linha de ao os gerentes avaliam todas as linhas de ao comparando-as entre si, escolhendo aquela que provavelmente proporcionar que se alcance o objetivo. A tomada de deciso requer tanto a habilidade situacional para reconhecer a essncia de um problema, quanto para gerar uma soluo prtica. Estabelecidas as etapas anteriores, so desenvolvidos os planos e ordens, objetivando guiar as aes de forma simples e direta. As ordens servem para que os gerentes possam expressar suas decises, intenes e orientaes. Os planos e ordens devem deixar bem claros os objetivos, incluindo as tarefas e a intenes, de forma clara, especfica e mensurvel, entretanto, no se deve prever e resolver todas as situaes, o que limitaria totalmente a iniciativa de pessoal treinado e capaz. Normalmente, os planos e ordens devem conter apenas as informaes, detalhes e diretrizes necessrias, permitindo tanta liberdade de ao quanto possvel. Aps a elaborao de planos e ordens, a transmisso constitui um meio ordenado de repasse queles que as implementaro, deixando claras as intenes e os pontos chaves, de forma a garantir uma seqncia coerente do planejamento ao. A transmisso de ordens deve explorar ao mximo os meios, enriquecendo e esclarecendo a mensagem, com a utilizao de mapas, diagramas, modelos em escala, vdeos e outros. Os planos e ordens existem para aqueles que recebem e executam a misso e no para aqueles que as escrevem. Finalmente, preciso estabelecer uma forma de avaliao da validade do planejamento, estabelecendo e exercendo verificaes e controles que permitam realimentar o processo, a fim de equilibrar os fatores de segurana, tempo e incerteza.

35 5.2 A IMPLEMENTAO DOS PLANOS E ORDENS

A capacidade de recebimento de uma ordem e de operacionaliz-la de maneira rpida, segura e eficiente fundamental. Da mesma forma que temos uma maneira racional de planejar, partindo de informaes, conhecimentos tcnicos e prioridades at chegar ordem, temos um processo racional para cumprir esta ordem. Para a implementao dos planos e ordens, segundo o PROJETO DE REQUALIFICAO PROFISSIONAL DA PM DE SANTA CATARINA (2000:34), devem ser seguidas as seguintes etapas: Recebimento da ordem; anlise da ordem; emitir um alerta equipe; elaborar um plano inicial; fazer o reconhecimento; plano definitivo; transmisso do plano definitivo; preparao e o posicionamento, verificao final e execuo. No recebimento da ordem devem ser esclarecidos todos os aspectos duvidosos. preciso que, ao final do recebimento da ordem, estejam bem claras: a tarefa, a razo, o mtodo e as perspectivas de sucesso. A anlise da ordem inclui a verificao da misso, quais as tarefas explcitas, implcitas, essenciais e qual a inteno. Com relao ao risco: quais as ameaas, vulnerabilidades e aceitabilidade. No tocante aos recursos: quais os recursos disponibilizados e quais podem ser solicitados. Quanto ao local e ao clima: quais as caractersticas do local e do clima e como isto interage com a situao e, finalmente, com relao ao tempo: se existe um limite de tempo e, se caso positivo, quais os horrios j definidos e como isto afeta a implementao da ordem. O prximo passo emitir um alerta s equipes envolvidas. Uma vez recebida e analisada a ordem, as equipes devem ser reunidas para o repasse das informaes sobre situao, tarefa, inteno, horrios, procedimentos padronizados ou j estabelecidos e determinaes de medidas iniciais e emergenciais que podero ser tomadas. Aps a anlise detalhada da ordem, so utilizadas as informaes obtidas para implementar o plano inicial, utilizando o processo de planejamento j verificado. Com as informaes obtidas para implementar o plano inicial, parte-se ento para o reconhecimento, de preferncia no local, bem como, a verificao e

36 aprofundamento destas informaes. O resultado deste reconhecimento utilizado para complementar ou alterar o planejamento inicial e assim elaborar o plano definitivo, permitindo confirmar ou no algumas informaes utilizadas no plano inicial, verificar os aspectos tcnicos e visualizar a situao de forma completa e interativa. Utilizando-se as informaes obtidas no reconhecimento, complementado ou at mesmo alterado o planejamento inicial, detalhando-o e dando-lhe o formato definitivo. O plano definitivo pode ter vrios formatos, mas deve basicamente contemplar a organizao e composio dos grupos ou equipes designadas para aquela misso; informaes sobre a situao; a misso propriamente dita; as orientaes sobre a execuo incluindo a inteno ou viso de sucesso, o conceito geral da operao e as ordenas aos seus integrantes; o apoio logstico e financeiro; o comando e controle e um quadro horrio que descreva, de maneira seqencial, as etapas e tarefas. A prxima fase a transmisso do plano definitivo que pode ter vrios formatos, mas importante que os grupos ou equipes adotem um especfico e trabalhem sempre com ele. A reunio para a transmisso do plano definitivo deve ser objetiva, porm, rica em instrumentos que possam auxiliar no cumprimento fiel das tarefas. Uma vez cientes do plano definitivo, sero feitos os preparativos finais para a implementao da ordem. Neste perodo, cabe aos lderes, supervisionar e aperfeioar seus planos. Todos os integrantes, em seus nveis, devem preparar o material necessrio, rever tarefas e determinar a maneira de cumpri-las. O uso de simulaes e ensaios benfico e deve ser implementado sempre que as condies permitam. Finalmente vem o posicionamento, verificao final e execuo. No horrio determinado os grupos e equipes se posicionam, conforme estabelecido no plano final, e conduzem a preparao final com a reviso do objetivo, da viso de sucesso da misso, das tarefas crticas, dos procedimentos e equipamentos especiais e dos cuidados especiais com a comunicao, horrios e locais de reunio, procedimentos para abortar a misso e de atuao emergencial.

37 5.3 SISTEMA DE GERENCIAMENTO DA CRISE

O sistema de gerenciamento da crise a principal ferramenta para a soluo do evento crtico. A busca da soluo deve nortear todo o processo e todos os esforos devem se concentrar no alcance dos principais objetivos: preservar vidas e aplicar a lei. Segundo o PROJETO DE REQUALIFICAO PROFISSIONAL DA PM DE SANTA CATARINA (2000:43), e trata-se de: Um conjunto em de uma pessoas, estrutura

procedimentos,

estruturas

equipamentos,

integrados

organizacional comum, delineada para implementar operaes de resposta a emergncias de todo o tipo e complexidade. Levando-se em considerao que a soluo da situao crtica envolve mltiplos rgos, governamentais ou no, o gerente tm que estar preparado para implementar o sistema de gerenciamento, logo no incio, pois, medida que aumentar a complexidade, vrios rgos estaro presentes, necessitando, principalmente, coordenao. Nestas situaes comum a falta de uma terminologia padro entre os rgos envolvidos, a falta de capacidade para expandir e contrair a estrutura conforme a necessidade, a falta de integrao e padronizao nas comunicaes, a falta de planos e ordens consolidados, a falta de instalaes padronizadas e outros, que nos levam a necessidade de implementao de um sistema de gerenciamento racional, lgico e de conhecimento de todos, facilitando o perfeito entendimento entre as equipes e rgos envolvidos. De qualquer forma, independente da complexidade da situao crtica, h a necessidade de esforo coordenado para se assegurar uma resposta aceitvel e o emprego racional dos recursos humanos e materiais. No h dvida de que nenhum rgo poder responder sozinho a uma situao crtica. Seja qual for a gravidade e complexidade, todos precisam atuar em conjunto para a soluo, portanto, para gerenciar de maneira efetiva os recursos humanos e materiais, necessita-se de uma estrutura eficiente, consistente e que fornea os meios para uma resposta imediata. A estrutura do sistema de gerenciamento assegura o emprego rpido e efetivo dos recursos humanos e materiais e prev a ruptura das polticas e

38 procedimentos usuais dos rgos envolvidos na busca da soluo do evento crtico. Uma estrutura organizacional vertical pode ocorrer no momento em que o primeiro gerente chegar ao local, no entanto, esta estrutura pode ser modificada horizontalmente, medida que especialistas so acionados, de acordo com a definio das situaes de atuao emergencial. Vale relembrar que, o gerente e os grupos de negociao e ttico, so os principais atores neste processo e que, cada um, exerce o comando no momento especfico do seu emprego, desde que os parmetros de atuao emergencial sejam definidos anteriormente atuao e de conhecimento do grupo de gerenciamento da crise. Neste momento, a integrao das comunicaes fundamental para o perfeito entrosamento do sistema de gerenciamento da situao crtica, devendo haver um plano de comunicaes, procedimentos operacionais e clareza nas mensagens, freqncias e terminologias. Com a definio da estrutura organizacional e das situaes de atuao emergencial, parte-se ento para a implementao do comando unificado, que permite, a todos os rgos envolvidos, auxiliarem no gerenciamento da situao crtica, estabelecendo estratgias, determinando objetivos, planejando

conjuntamente as atividades operacionais e racionalizando o emprego de recursos humanos e materiais. As principais caractersticas de um comando unificado esto delimitadas na utilizao de um nico plano de ao, sob a responsabilidade do grupo de gerenciamento da crise e um nico posto de gerenciamento. Os planos de ao descrevem metas, objetivos operacionais e atividades de suporte. Geralmente so empregados quando recursos de diversos rgos so utilizados, vrias circunscries esto envolvidas e a situao crtica complexa. Um plano de ao escrito prefervel a um verbal, pois estabelece com clareza as responsabilidades, protege a operao de personalismos e proporciona a necessria documentao. A estrutura organizacional deve ser manejvel, proporcionando o controle efetivo e dando, a cada integrante, a responsabilidade sob uma quantidade de recursos que possa manejar. Segundo o PROJETO DE REQUALIFICAO PROFISSIONAL DA PM DE SANTA CATARINA (2000:53), No sistema de gerenciamento de eventos de alto risco a capacidade de controle manejvel admitida de qualquer funo fica entre 3 e 7 recursos, considerando 5 o nvel timo. Se este nmero aumenta ou diminui o Comandante da Operao deve reexaminar

39 a estrutura organizacional. As instalaes e reas devidamente designadas devem fazer parte do posto de gerenciamento, onde, o grupo de gerenciamento da crise, supervisiona a situao crtica; reas de estacionamento, onde os recursos humanos e materiais so reunidos, verificados e aguardam sua atribuio no evento; reas de vtimas, onde so feitos os atendimentos, triagem e transporte; locais para descanso, reabilitao e manuteno de recursos humanos e materiais; helipontos e outros que se julgar necessrios. O gerenciamento de recursos deve racionalizar o emprego e controle, reduzir o trfego nas comunicaes, atuaes independentes e garantir a segurana na situao crtica, alm de permitir a sua utilizao imediata. Qualquer alterao na localizao, ou na situao dos recursos humanos ou materiais, deve ser comunicada ao grupo de gerenciamento da crise para que providncias com relao a substituio sejam tomadas.

40 6 PROPOSTA DE ESTRUTURA ORGANIZACIONAL PARA O GERENCIAMENTO DE CRISE NO SISTEMA PENITENCIRIO

O gerenciamento de crise em rebelies no sistema penitencirio, por se tratar de evento complexo, necessita de visualizao geral da sua estrutura e organizao para que todos os envolvidos tenham noo dos graus de subordinao e assessoria, bem como, a descrio genrica de cada funo, objetivando racionalizar o emprego dos recursos humanos e materiais. Parte-se do principio de que no h necessidade de preenchimento de todas as funes e assessorias imediatamente, o que se deve observar que, a partir do desenvolvimento da situao crtica, medida que for se agravando ou resolvendo, as funes vo sendo preenchidas ou desativadas, de acordo com as

necessidades, conforme proposta de organograma abaixo:

COMIT DE GERENCIAMENTO DE CRISE NO SISTEMA PENITENCIRIO COMUNICAO SOCIAL GERENTE DA SITUAO CRTICA RELAES PBLICAS INFORMAES LIGAES TELEMTICA

LOGSTICA

OPERAES

ADMINISTRAO

PLANEJAMENTO

NEGOCIAO

TTICO

6.1 COMIT DE GERENCIAMENTO DE CRISE

Quando da ocorrncia de rebelies no sistema penitencirio se observa que as primeiras medidas: conter, isolar e negociar so tomadas, geralmente, por funcionrios e policiais que, naquele momento, estavam na unidade prisional. O problema no gerenciamento passa a surgir a partir do momento em que vrias corporaes e rgos diferentes chegam ao local. A i