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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONTEXTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O DIREITO DE REUNIÃO E SEUS LIMITES EXPRESSOS E IMPLÍCITOS BELO HORIZONTE, OUTUBRO DE 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO

A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONTEXTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O DIREITO DE REUNIÃO E SEUS LIMITES EXPRESSOS E

IMPLÍCITOS

BELO HORIZONTE, OUTUBRO DE 2012

STEEVAN TADEU SOARES DE OLIVEIRA

A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONTEXTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O DIREITO DE REUNIÃO E SEUS LIMITES EXPRESSOS E

IMPLÍCITOS

Pesquisa monográfica para ser apresentada junto ao Colegiado da Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de graduado em Direito, realizada sob a orientação do Professor Doutor Marcio Luís de Oliveira.

BELO HORIZONTE, OUTUBRO DE 2012

3

FICHA DE APROVAÇÃO

Monografia apresentada e aprovada em ________________________

Banca Examinadora:

__________________________________________ Professor Doutor Márcio Luís de Oliveira

__________________________________________ Professora Doutora Mônica Sette Lopes

__________________________________________ Professora Doutora Maria Fernanda Salcedo Repolês

4

DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia aos espartanos do Batalhão de Choque, em especial aos valorosos guerreiros do Vulcano II, por juntos termos ombreado diversas batalhas e, mesmo nas adversidades, por terem se mostrado incondicionalmente leais.

Após ter introduzido as discussões jurídicas do direito de reunião no Batalhão de Choque, espero que este trabalho não seja o ponto de chegada, mas sim o ponto de partida para o estudo desse e de outros temas jurídicos atinentes à atividade do Batalhão. Assim, também dedico este trabalho àqueles que derem continuidade a essa empreitada.

5

AGRADECIMENTOS

Ao Coronel Antônio de Carvalho Pereira, pela força do exemplo, que vale mais do que qualquer estudo acadêmico e por ter transformado cada dia de trabalho em verdadeiras lições não só de polícia, mas de vida.

Ao Tenente-Coronel Roberto Lemos, por ter me recebido em um momento particularmente difícil de minha vida e ter estimulado as primeiras reflexões acerca do tema.

Ao Professor Doutor Márcio Luís de Oliveira, pela afetuosa recepção desde o primeiro contato e inestimável orientação. Se o resultado final não for a contento, é antes culpa do orientando que não conseguiu compreender as lições.

A todos os meus comandantes no Batalhão de Choque, em especial ao Major Marcelo Campos Pinheiro e ao Cap Cinério Gonçalves Gomes, os quais eu muito admiro, apesar do pouco tempo que trabalhei sob o comando de ambos.

Ao Capitão Maximiliano Augusto Xavier, pela companhia, pelas lições, pela amizade, pelos conselhos e pelas correções quando necessário.

A todos oficiais e praças do BPE, em especial ao Capitão André Coli, Capitão Paulo Roberto, Capitão QOR Nirlando, Tenente Lúcio, Tenente Bertocchi, Tenente Hot e Tenente QOR Fábio Hebert, profundos conhecedores da doutrina das Operações de Controle de Distúrbios, com quem muito aprendi.

Aos companheiros da equipe de instrução Tenente Russo, Tenente Antunes, Aluno Wellington, Sargento Santana, Sargento Tardim, Cabo Campos e Cabo Marcelo, por compartilharem comigo o ideal de uma tropa mais qualificada e, em nome desse ideal, se privarem voluntariamente de horários de lazer e descanso.

À Nathália Marteletto, por ter surgido de forma inesperada e ser veredas no sertão chamado vida.

Por último, e mais importante que todos os demais, aos meus pais, que com todas as adversidades se sacrificaram para que eu pudesse levar a diante o sonho de simultaneamente cursar o CFO e o curso de Direito na UFMG.

6

“A liberdade política não consiste em

fazer o que se quer.”

Montesquieu

(O Espírito das Leis, XI, 3)

7

RESUMO

O Estado Democrático de Direito busca a efetiva participação dos indivíduos

nas deliberações públicas. Nesse contexto, passeatas, protestos, marchas,

caminhadas entre outros atos semelhantes adquirem especial relevo. Contudo,

o exercício dessa garantia fundamental causa transtornos aos demais cidadãos

que não estão participando do ato. Assim, a liberdade de reunião concorre com

os direitos das demais pessoas, como, por exemplo, o direito de locomoção.

Em virtude do conflito, faz-se necessário estudar os contornos do direito de

reunião no Brasil. Ao se enveredar por essas trilhas, constata-se que as

relativizações ao direito fundamental da Constituição da República não se

restrigem às previstas literalmente na norma. Além dos limites previstos no

inciso XVI, art. 5º da Constituição, temos também contingências em outras

partes da Constituição, em normas infraconstitucionais e também limites

implícitos. Outrossim, a imersão no tema ainda traz à tona a necessidade de

uma lei regulamentadora, que disponha sobre questões não mencionadas no

preceito constitucional. No presente trabalho, o foco do estudo foi o sistema

jurídico vigente, por meio da Constituição, de leis infraconstitucionais, da

doutrina e de jurisprudência. Além disso, a história do direito de reunião no

Brasil e o estudo do direito comparado também contribuíram com a pesquisa.

Palavras-chave: direitos humanos; restrição de direitos; relativização de

direitos fundamentais; direito de reunião; manifestações públicas e protestos no

Brasil.

8

ABSTRACT

The Democratic State of law looks-for effective participation of individuals in

public deliberations. In this context, marches, protests, assemblies,

demonstrations, walking and other similar public acts acquire special

importance. However, the exercise of this fundamental right cause troubles to

other citizens who are not participating in the gathering. Thus, the freedom of

assembly together conflicts with rights of others, for instance, the right of free

motion and locomotion. Because of the conflict, it is necessary to understand

the outline of the right of assembly together in Brazil. When you go in on these

pathway, it displays that the fundamental right to gathering is not limited only by

the text written in section XVI, article 5º. Beyond this limits, we also have

reserves in other parts of the constitution, laws under the Constitution and

implied in law system. Also, the immersion in the theme still brings up the

necessity for a regulatory law, clarifying issues not mentioned in the

Constitution. In the present work, the focus of the study was the legal system,

through the Constitution, laws under de Constitution, doctrine and

jurisprudence. Moreover, the history of the right of assembly in Brazil and the

study of comparative law also contributed to the research.

Key-words: human rights; conflict of laws; fundamental rights restrictions; right

to assembly together; gathering; demonstrations; protests in Brazil.

9

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF - Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

Art. - Artigo

BH - Belo Horizonte

BPTran - Batalhão de Polícia de Trânsito

CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CP - Código Penal

CPM - Código Penal Militar

CTB - Código de Trânsito Brasileiro

CRFB ou

CRFB/88

- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

DF - Distrito Federal

DUDDHH - Declaração Universal dos Direitos Humanos

HC - Habeas Corpus

Inc. - Inciso

LCP - Lei das Contravenções Penais

LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros.

MS - Mandado de Segurança

OEA - Organização dos Estados Americanos

PIDCP - Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

PMMG - Polícia Militar de Minas Gerais

RJTJSP - Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São

Paulo

STF - Supremo Tribunal Federal

10

SUMÁRIO

1 PRÓLOGO....................................................................................................................................... 12 2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS..................... 15

2.1 A Origem da Democracia e da Democracia Representativa....................................................... 15 2.2 Para Além da Democracia Formal: o Estado Democrático de Direito....................................... 17

2.3 As Manifestações Populares e sua Importância nas Democracias........................................... 18

3 AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS PELO PRISMA JURÍDICO: O DIREITO DE REUNIÃO......... 21 3.1 Ontologia e Concepções do Direito de Reunião......................................................................... 21

3.2 História Jurídica do Direito de Reunião no Constitucionalismo Moderno Ocidental.............. 26

4 A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: O DIREITO DE REUNIÃO E AS POSSIBILIDADES DE LIMITES...................................................................................................... 29

4.1 A Existência dos Limites: o Conflito de Direitos e os Deveres Fundamentais........................ 29

4.2 A Dogmática da Relativização dos Direitos Fundamentais........................................................ 32

4.2.1 Eficácia Horizontal dos Direitos Humanos........................................................................................ 34

4.2.2 Bloco de Constitucionalidade........................................................................................................... 37

4.3 Os Limites das Relativizações...................................................................................................... 38 5 A DISCIPLINA JURÍDICA DO DIREITO DE REUNIÃO NO BRASIL............................................. 40

5.1 Restrições Insculpidas no inc. XVI, art. 5º, da Constituição...................................................... 41

5.1.1 Todos Podem Reunir-se................................................................................................................... 41

5.1.2 Reunião Pacífica............................................................................................................................... 42

5.1.3 Reunião sem Armas......................................................................................................................... 43

5.1.4 Locais Abertos ao Público................................................................................................................ 46

5.1.5 Independente de Autorização........................................................................................................... 47

5.1.6 Não Frustrar Outra Reunião Anteriormente Convocada.................................................................. 48

5.1.7 Prévio Aviso...................................................................................................................................... 49

5.1.8 Autoridade Competente.................................................................................................................... 53

5.2 Relativizações na Constituição, mas fora do inc. XVI, art. 5º..................................................... 54 5.3 Limites Implícitos ao Direito de Reunião..................................................................................... 56

5.3.1 Licitude dos Propósitos..................................................................................................................... 57

5.4 Relativizações Infraconstitucionais ao Direito de Reunião........................................................ 58 5.4.1 Os Direitos das Demais Pessoas..................................................................................................... 59

5.4.2 Direito Eleitoral................................................................................................................................. 63

5.4.3 Direito Militar..................................................................................................................................... 66

5.4.4 Código de Trânsito Brasileiro........................................................................................................... 68

5.4.5 Direito Criminal................................................................................................................................. 72

5.4.6 Limitações Quanto ao Conteúdo...................................................................................................... 76

11

6 REGULAMENTAÇÃO...................................................................................................................... 80 6.1 Possibilidade de Regulamentação................................................................................................ 81

6.2 Quem Pode Regulamentar?........................................................................................................... 83 6.3 Forma do Ato Regulamentador..................................................................................................... 85

6.4 O Papel dos Precedentes na Regulamentação do Direito de Reunião..................................... 88

7 EPÍLOGO......................................................................................................................................... 89 8 REFERÊNCIAS................................................................................................................................ 93

12

1 PRÓLOGO

O Estado Democrático de Direito tem como uma de suas características a

participação dos cidadãos na esfera de decisão política. Assim, nesse novo

paradigma, não basta almejarmos apenas uma democracia formal, mas antes,

perquirir a inclusão das opiniões pessoais nos processos de decisões

governamentais. Alguns fatores, porém, dificultam a democracia substantiva,

tais como o distanciamento das pessoas aos centros políticos, a extensão

territorial do país, aspectos culturais, consciência política, educação e a própria

democracia representativa que, de certa forma, estimula o afastamento do

cidadão em relação aos debates políticos.

Como forma de suplantar esse déficit democrático, mecanismos indiretos de

participação popular e até mesmo formas de pressionar o governo foram se

desenvolvendo. Uma dessas maneiras de que o cidadão dispõe para

demonstrar seus anseios e reivindicações são as manifestações populares em

logradouros públicos. Exemplos típicos de tais atos são as passeatas,

carreatas, marchas e comícios. Destaca-se, destarte, que as manifestações

populares têm se tornado um autêntico mecanismo de demonstração da

vontade dos indivíduos e de pressão sobre os governantes.

Por esse motivo, não é de se espantar que em regimes autocráticos torna-se

comum a tentativa de restrição a esse direito. Foi precisamente o que ocorreu

no Brasil em grande parte da nossa história. Desde a sua primeira previsão

enquanto direito positivado nas Constituições, as manifestações foram

disciplinadas de forma bastante limitada e contida. Restringindo ainda mais

esse direito, foi editada uma lei regulamentadora na década de 1950 e,

posteriormente, com a efetivação do regime militar, as manifestações públicas

no Brasil ficaram ainda mais mitigadas.

13

Com a Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988 e, em decorrência

dessa, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 (CRFB/88), a garantia constitucional a esse direito ganhou novos

contornos. Depois de anos de intensa repressão política e de tolhimento à

liberdade de expressão, as manifestações públicas foram previstas no inciso

XVI, art. 5 da nova Constituição. A nova previsão ampliou a garantia

fundamental e limitou as intervenções do Estado no exercício desse direito

constitucional.

A efetivação dessas mudanças tem ocorrido, ainda que de forma gradativa.

Contudo, ainda hoje o aparato repressor do Estado é utilizado para impedir o

exercício legítimo de manifestações públicas que, em tese, seriam amparadas

pela Constituição. Infelizmente, decisões judiciais e o arbítrio policial por vezes

impedem a concretização desse direito, restringido-o de maneira não

amparada pela Constituição.

Paradoxalmente, entretanto, o contrário também ocorre. Fruto de uma

interpretação unilateral da Constituição, hermeneutas se arvoram na afirmação

de um direito de reunião com limites muito mais extensos do que os

juridicamente existentes em um Estado Democrático de Direito. Assim, os

manifestantes acabam por impedir o direito de locomoção das demais pessoas

ao fecharem por completo importantes logradouros públicos exatamente nos

horários de maior fluxo. Tais ações refletem diretamente no acesso a escolas,

hospitais, locais de trabalho e ao domicílio, o que resulta em considerável

prejuízo ao pleno direito à educação, à saúde, ao trabalho, à residência, à

propriedade privada, entre outros.

Percebe-se, portanto, que estamos diante de um típico caso de conflito

horizontal de direitos, no qual a esfera juridicamente tutelada de uma pessoa

(direito de reunião) concorre com o direito de outrem (ir e vir, educação, saúde,

trabalho, domicílio, propriedade privada, etc.). Dessa forma, buscar os limites

jurídicos ao exercício do direito de reunião se faz um tema atual e de extrema

14

relevância. Somente assim será possível conciliar os interesses envolvidos e

harmonizá-los.

15

2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A PARTICIPAÇÃO

DOS CIDADÃOS

2.1 A ORIGEM DA DEMOCRACIA E DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

A história da democracia remonta à Grécia clássica, mais especificamente, aos

tempos pré-socráticos. A etimologia do vocábulo nos indica que a palavra é

oriunda do grego, sendo formada a partir dos radicais demos, alusão a povo, e

cracia (kratos), que designa poder ou quem está no poder1. Assim, “a

democracia, no sentido etimológico da palavra, significa o governo do povo ou

o governo da maioria”.2

A democracia ganhou contornos próprios ao longo dos anos conforme os locais

e as épocas em que surgia. Diferenças entre a democracia grega e a

democracia estruturada no fim do absolutismo europeu, por exemplo, são

constatadas por cientistas políticos. Robert Dahl3 aponta algumas

transformações pelas quais passou a democracia ao longo da história. Do

mesmo modo, o autor ainda indica outras culturas além da helenística que

influenciaram esse amálgama4 que denominamos democracia. Entretanto, em

que pesem algumas distinções, podemos sintetizar a democracia como “o

regime em que o povo se governa a si mesmo, quer diretamente, quer por meio

de funcionários eleitos por ele para administrar os negócios públicos e fazer as

leis de acordo com a opinião geral”.5

A democracia antiga, assim reconhecida a vivenciada na Grécia clássica,

considerava cidadão um restrito número de pessoas. Estima-se que nesse

período de 240 mil pessoas, apenas 6 mil participavam efetivamente das

decisões. Ademais, esses homens considerados cidadãos viviam do trabalho 1 CHAUI, 1994, p. 283. 2 ROSENFIELD, 1989, p. 7. 3 DAHL, 1989. 4 DAHL, 1989, p. 13. 5 AZAMBUJA, 2005, p. 236-237.

16

escravo, tendo tempo disponível para estudarem os assuntos a serem

debatidos e para participarem das assembleias.6 Entretanto, a realidade hoje é

diversa:

Os Estados têm geralmente um grande território, grande população e os negócios públicos são numerosos, complexos, de natureza técnica, só acessíveis a indivíduos mais ou menos cultos e especializados. O número de eleitores nos grandes Estados modernos, como nos Estados Unidos, por exemplo, é de muitas dezenas de milhões de cidadãos, espalhados em perto de nove milhões de quilômetros quadrados. Evidentemente não seria possível reunir dezenas de milhões de homens para discutir e votar. O governo direto é, pois, praticamente impossível. Além disso, o homem moderno vive entregue a seus afazeres, tem profissão absorvente, não poderia dispor do tempo necessário para discutir e votar milhares de assuntos em dezenas de reuniões anuais.7

Em virtude dessas diferenças, a democracia adquiriu novas feições. Com a

dificuldade de tomar parte das deliberações, a população passou a eleger

representantes que, em tese, defenderiam os interesses daqueles que os

elegeram.

Nesse modelo de democracia representativa ou indireta, o povo fica distante da

efetiva decisão. Como afirma Rosenfield “tem-se aqui um processo de

diferenciação do governo com o povo sem que ambos se identifiquem atual e

praticamente”.8 Cria-se, destarte, um corpo de políticos apartado da população.

Percebe-se que a oportunidade de que o cidadão participe verdadeiramente

das decisões coletivas tornou-se reduzida9. Dessa forma, a expressão da

vontade política do cidadão ocorre basicamente durante as eleições, quando se

escolhem os representantes. As efetivas decisões são feitas pelos eleitos,

muitas das vezes sem um compromisso com os anseios dos representados.

Assim, visando suplantar essas e outras dificuldades da democracia, surgiu o

Estado Democrático de Direito.

6 AZAMBUJA, 2005, p. 215-241. 7 AZAMBUJA, 2005, p. 222-223. 8 ROSENFIELD, 1989, p. 68. 9 DAHL,1989, p. 225.

17

2.2 PARA ALÉM DA DEMOCRACIA FORMAL: O ESTADO DEMOCRÁTICO

DE DIREITO

Pretendendo atualizar o Estado Democrático, foi concebido o Estado

Democrático de Direito. Focado no pluralismo social, o Estado Democrático de

Direito supera o Estado Liberal e o Estado Social de Direito.10 Busca-se, agora,

uma democracia substancial, e não apenas de forma.

Se no modelo clássico grande parte da população via-se alijada das

deliberações públicas, tal circunstância não é aceita hodiernamente. De forma

diversa do modelo grego clássico, hoje o conceito de povo é essencial à

própria ideia de democracia11. Conforme pontua Bresser Pereira,

O caráter mais ou menos democrático do sistema político existente em um país fará com que sua população se transforme ou não em povo, ou seja, no conjunto de cidadãos com direitos políticos efetivos e teoricamente iguais. Nesses termos, o povo pode ser considerado não como o objeto sobre o qual o Estado exerce seu poder, mas como um de seus elementos constitutivos. No capitalismo contemporâneo, bem como em qualquer outro sistema de classes, o poder político deriva da sociedade civil12.

Nesses termos, deve-se buscar a ampliação paulatina do número de pessoas

consideradas povo.

De igual maneira, a ideia de representatividade também apresenta óbices à

democracia substantiva. A semântica do vocábulo democracia não pretende

indicar um país no qual os cidadãos depositam periodicamente os votos nas

urnas, mas antes aquele no qual as pessoas participam ativamente das

decisões por meio de um processo contínuo e dinâmico. Nesse sentido, o

governo se legitima na medida em que tem como elemento fundante a opinião

e a participação efetivas da sociedade civil. Em apertada síntese, José Afonso

da Silva assevera sobre o tema:

10 OLIVEIRA, 2011, p. 182-228. 11 SILVA, 2007, p. 132. 12 BRESSER PEREIRA, 1995, p. 91.

18

A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo, no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.13

Pelo exposto, são significativas as distinções entre a democracia clássica e a

experiência do Estado Democrático de Direito. Nesse viés, faz-se necessário

valorizar todas as formas de participação do povo nas decisões

governamentais. Assim, revela-se, entre outras formas, a importância das

manifestações populares por meio das quais os cidadãos demonstram seus

interesses e suas vontades.

2.3 AS MANIFESTAÇÕES POPULARES E SUA IMPORTÂNCIA NAS DEMOCRACIAS

Em face do discutido até o momento, foi demonstrado que o Estado

Democrático de Direitos busca a efetiva participação de todos. Nessa

sociedade democrática, não se espera a homogeneidade de pensamentos e

opiniões. Não deve ser o objetivo do Estado a homogeneização do

pensamento ou a criação de uma monolíngua, como ilustrou o romance 1984,

de George Orwell. O dissenso e a presença de antagonismos são elementos

basilares da democracia efetiva. Nesse jogo de interesses em conflito,14 quanto

maior a desigualdade social, mais díspares serão os interesses e as vontades,

é o que indica Luiz Carlos Bresser Pereira no excerto:

13 SILVA, 2007, p.119-120. 14 BRESSER PEREIRA, 1995, p. 102.

19

Todavia, em que pesem os limites impostos pela extrema desigualdade e desintegração social ocorre o surgimento de uma multiplicidade de atores e de movimentos sociais, que dão origem a formas distintas de participação direta e indireta junto aos governos em todos os níveis, ao mesmo tempo em que introduzem conflitos de interesses e lutas pelo poder para o atendimento das demandas específicas, construindo-se, por outro lado, em um ingrediente a mais no complexo ambiente democrático.15

Por outro lado, é exatamente a inclusão da diferença e a pluralidade de

opiniões que propiciam a unidade. A diversidade e o dissenso são pre-

condições para a unidade. Ainda segundo Bresser Pereira, a integração social

desenvolve-se a partir dos procedimentos de formação democrática da opinião

e da vontade política16. Dessa maneira, os protestos e as reivindicações

populares são extremamente relevantes para a formação da opinião política,

pois ao contribuir para o consenso, são capazes de reduzir o conflito potencial

entre liberdades individuais, fortalecendo a coesão. Ademais, as manifestações

públicas propiciam a visibilidade de alguns movimentos sociais, tornando

públicos debates que poderiam ficar restritos a um limitado grupo de pessoas.

Nesse diapasão, as manifestações contrárias ao pensamento dominante são

as que mais caracterizam o Estado Democrático de Direito. Foi o que

demonstrou o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais em sede de Amicus

Curiae no Supremo Tribunal Federal (STF) quando da apreciação da

legalidade da marcha da maconha por aquele tribunal:

A reivindicação por mudança, mediante manifestação que veicule uma ideia contrária à política de governo, não elide sua juridicidade. Ao contrário: a contraposição ao discurso majoritário situa-se, historicamente, no germe da liberdade da expressão enquanto comportamento juridicamente garantido.17

Conforme o que foi discutido, verifica-se que os atos políticos nas ruas, por

meio dos quais a população demonstra seus interesses e opiniões, ganham

grande relevo e destaque em nossa sociedade, pois, a partir das

manifestações populares, o cidadão pode expressar efetivamente suas 15 BRESSER PEREIRA, 1995, p. 27. 16 BRESSER PEREIRA, 1995, p. 48. 17 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007.

20

opiniões e, ainda, pressionar os governantes e parlamentares acerca dos

rumos a serem seguidos.

Em virtude de sua elevada importância em ambientes verdadeiramente

democráticos, surgiu a necessidade de se tutelar juridicamente as

manifestações e os protestos públicos. Após ser garantida juridicamente, todos

os cidadãos devem exercer essa liberdade consoante o Direito, pois, conforme

leciona Márcio Luís de Oliveira,

A previsão de determinados direitos, garantias e deveres individuais e coletivos compõem a base jurídico-institucional da democracia. Logo, sem que os agentes e as instituições estatais, e sem que os indivíduos e os segmentos sociais se submetam ao Direito dialogicamente constituído e aplicado não há possibilidade de efetiva democracia.18

Conforme pontua o autor, submeter-se a esse Direito constituído é uma

exigência. Entretanto, impossível fazê-lo sem se conhecer seus contornos e

delimitações. Dessa forma, para se compreender juridicamente as

manifestações públicas no Brasil, é preciso estudar a previsão do direito de

reunião em nosso sistema jurídico.

18 OLIVEIRA, 2011, p. 207.

21

3 AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS PELO PRISMA JURÍDICO: O

DIREITO DE REUNIÃO

3.1 ONTOLOGIA E CONCEPÇÕES DO DIREITO DE REUNIÃO

Conforme já mencionado, no contexto das democracias indiretas ou

representativas, as manifestações públicas assumem um importante papel.

Essa relevância é demonstrada por autores que indicam ser o direito que

assegura esses atos, juntamente com a liberdade de expressão e o direito ao

voto, a base estruturante da democracia19.

Na perspectiva do direito constitucional pátrio, as manifestações são

historicamente denominadas direito de reunião. Na tentativa de definir o

vocábulo, em sua obra sobre a Constituição de 1988, Wolgran Junqueira

Ferreira define:

Reunião é a ação de aproximar, de reunir as partes divididas, desunidas ou dispersas de um todo (Caldas Aullete). Permite a Constituição que as pessoas se agrupem para intercâmbio de ideias. Para que seja tida como reunião, há que se encontrar o motivo comum e também que a organização exista. Não se confundir com a simples agregação física acidental de pessoas, pois isto seria multidão. O interesse comum, acrescido da interação pessoal e mais a presença física, estabelece o que a Constituição denomina de reunião. O elemento espacial é fundamental para que a reunião seja realizada.20

Por sua vez, José Afonso da Silva apregoa que reunião é “qualquer

agrupamento formado em certos momentos com o objetivo comum de trocar

ideias ou de receber manifestação de pensamento político, filosófico, religioso,

científico ou artístico”.21 Semelhante é a proposta de Cretella Júnior, que define

19 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 487. 20 FERREIRA, 1989, p. 142. 21 SILVA, 2007, p. 264.

22

reunião como “agrupamento voluntário de diversas pessoas que, previamente

convocadas, acorrem ao mesmo lugar, com objetivos comuns”22.

No cotidiano as pessoas se deparam com inúmeras condutas humanas que

estão inseridas na definição do direito de reunião, pois, “incluem-se no conceito

de reunião as passeatas e as manifestações em logradouros públicos”,23 bem

como as carreatas, os protestos, os comícios, os cortejos, as aglomerações de

grevistas, os desfiles, as marchas populares, as caminhadas, as assembleias

em lugares abertos ao público, entre outras possibilidades.24 Verifica-se,

portanto, que podem ser tanto reuniões estáticas quanto dinâmicas.25

André Ramos Tavares ainda lembra que inserida na liberdade de reunião não

está apenas a possibilidade de participar do ato público, mas também os

direitos de convocar, organizar e liderá-lo.26

Estudando o tema, o ministro Celso de Mello, em voto no STF, asseverou que

“a liberdade de reunião traduz meio vocacionado ao exercício do direito à livre

expressão das ideias, configurando, por isso mesmo, um precioso instrumento

de concretização da liberdade de manifestação do pensamento, nela incluído o

insuprimível direito de se manifestar”.27 Verifica-se, na opinião do jurista e

magistrado, uma íntima relação das manifestações públicas com a liberdade de

expressão. Assim, o autor denota o caráter instrumental do direito de reunião,

sendo ele uma possibilidade de se exercer a liberdade de expressão.

22 CRETELLA JUNIOR, 1974, p. 227. 23 SILVA, 2007, p. 264. 24 Acerca das passeatas, convém mencionar que até a Constituição de 1988 havia a discussão se o direito de reunião tutelaria ou não as passeatas. Sobre essa divergência, o ministro Celso de Mello escreveu: “Passeatas: Não se compreendem no conceito do direito de reunião, podendo, em consequência, ser proibidas com base no interesse público (RF, 177:279; GILBERTO PASSOS DE FREITAS e VLADIMIR PASSOS DE FREITAS, Abuso de autoridade, Revista dos Tribunais, 1979, p. 27. Contra JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, O direito constitucional de reunião, RJTJSP, 54:19, por considerar os comícios, os desfiles e as passeatas aspectos particulares da liberdade de reunião”. (MELLO FILHO, 1984, p. 366). 25 MAGALHÃES, 2000, p. 108. 26 TAVARES, 2009, p. 617. 27 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 392.

23

Acerca dos elementos que compõem uma reunião, Celso Ribeiro Bastos28 diz

ser: a) pluralidade de participantes; b) caráter temporal; c) finalidade. Deve-se

destacar que para esse autor o direito de manifestação é diferente do direito de

reunião, contudo, ao menos na obra analisada, o autor não explica o motivo da

distinção.

Em 1978 José Celso de Mello publicou parecer jurídico acerca do tema29. Já

quando relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)

n. 187, o ministro citou os cinco componentes que, para ele, estruturam

juridicamente o direito de reunião:

a) elemento pessoal: pluralidade de participantes (possuem legitimação ativa ao exercício do direito de reunião os brasileiros e os estrangeiros aqui residentes); b) elemento temporal: a reunião é necessariamente transitória, sendo, portanto, descontínua e não permanente, podendo efetuar-se de dia ou de noite; c) elemento intencional: a reunião tem um sentido teleológico, finalisticamente orientado. Objetiva um fim, que é comum aos que dela participam; d) elemento espacial: o direito de reunião se projeta sobre uma área territorialmente delimitada. A reunião conforme o lugar que se realiza, pode ser pública (vias, ruas e logradouros públicos) ou interna (residências particulares, v. g.); e) elemento formal: a reunião pressupõe a organização e direção, embora precárias.30

Em que pese o prestígio do autor, não se identificam argumentos para excluir

os estrangeiros não residentes no país no que tange ao elemento pessoal por

ele apontado. Não há motivos jurídicos plausíveis para se excluir tal direito dos

que se encontram em solo brasileiro e aqui não residem. Acredita-se que o

autor tenha repetido a previsão do caput do art. 5º da CRFB. Contudo, mesmo

não fazendo menção expressa aos estrangeiros não residentes no Brasil como

titulares dos direitos e garantias previstos no art. 5º da Constituição, a

interpretação sistemática dessa não autoriza furtar dos viajantes estrangeiros

garantias e direitos, quando estiverem no Brasil.

28 BASTOS, 1994, p. 187. 29 MELLO FILHO, 1978. 30 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011.

24

Muito semelhante à proposta de Celso de Mello é a sugestão apresentada por

Alexandre de Moraes. Esse autor indica quatro elementos: pluralidade de

participantes, tempo, finalidade e lugar.31 André Ramos Tavares também

propõe condições para se caracterizar o exercício do direito de reunião. Para o

autor são cinco os elementos que definem o direito de reunião, quais sejam:

pluralidade de participantes, finalidade lícita, local, tempo limitado e a emissão

do prévio aviso à autoridade competente.32

Por sua vez, Gilmar Mendes33 aponta que o direito de reunião pressupõe: a)

como elemento subjetivo, o agrupamento de pessoas; b) como elemento

formal, a coordenação; c) como elemento teleológico, o fim comum; d) como

elemento temporal, o caráter transitório; e) como elemento objetivo, ser pacífica

e sem armas; f) como elemento espacial, um local delimitado.

Apesar de parecer questão puramente teórica, a definição dos elementos da

reunião tem importância prática. Para Gilmar Mendes,34 se não estiverem

presentes tais elementos, determinado agrupamento de pessoas não pode

alegar em sua defesa estar amparado pelo direito constitucional de reunião.

Logo, pode ser chamado a mudar de conduta sem poder usar em seu favor o

direito constitucional de reunião. Dessa maneira, veículos que casualmente se

encontrem e buzinem simultaneamente para comemorar um resultado

esportivo, pessoas na fila do banco, ou o cidadão que porta um cartaz com

palavras de ordem à frente de uma multidão que sai do metrô não têm suas

condutas respaldadas pelo direito de reunião.

Quanto à titularidade, a doutrina comumente indica tratar-se de um direito

individual que é exercido de forma coletiva35. Isso, pois, protege-se

principalmente a liberdade individual de tomar parte ou não na reunião.36

31 MORAES, 2006, p. 68. 32 TAVARES, 2009, p. 618. 33 MENDES; COLEHO; BRANCO, 2010, p. 487-489. 34 MENDES; COLEHO; BRANCO, 2010, p. 487. 35 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 487. 36 MAGALHÃES, 2000, p. 107.

25

Todavia, encontramos autores que afirmam ser direito coletivo por tutelar a

manifestação coletiva da liberdade de expressão, sem, contudo, deixar de ser

também um direito individual a cada um que pretenda participar da reunião.37

Por sua vez, a tutela jurisdicional desse direito é feita por meio do mandado de

segurança. Por certo, apenas de forma reflexa será a liberdade de locomoção

atingida, assim, não cabe impetrar habeas corpus enquanto garantia

constitucional.38 No pertinente à sua eficácia, trata-se de norma de eficácia

plena, pois prescinde de norma regulamentadora para que possa ser usufruído

esse direito constitucional.39

Em uma perspectiva policiológica,40 a coletividade de pessoas recebe uma

classificação da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) com base em fatores

psíquico-jurídicos, qual seja: aglomeração, multidão, turba, tumulto. A primeira

não é propriamente o exercício do direito de reunião, por se tratar de

agrupamento casual. Já as duas últimas categorias são caracterizadas, entre

outros elementos, pela ruptura da lei e da ordem. Assim, o exercício do direito

de reunião é caracterizado apenas na segunda hipótese, denominada

multidão.41

No direito internacional, diversos tratados e convenções asseguram o direito de

reunião. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDDHH) no artigo

XX.1 garante que “toda pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica”.42

Por sua vez, o artigo 21º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

(PIDCP) afiança:

37 TAVARES, 2009, p. 617. 38 Nesse sentido, ver MELLO FILHO, 1984, p. 365, MORAES, 2006, p. 69 e TAVARES, 2009, p. 619. 39 Ministro Carlos Brito, fl. 304 40 Apesar de pouco conhecida nas faculdades de Direito, há um ramo das ciências denominado policiologia que mantém estreitas relações com a Sociologia, Antropologia, Psicologia e com o Direito. Tal campo do saber humano estuda “o fenômeno chamado polícia” (MEIRELES; ESPÍRITO SANTO, 1989, p. 25). 41 MINAS GERAIS. Polícia Militar, 2007, fls. 18-19. 42 BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1948.

26

O direito de reunião pacífica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem pública, ou para proteger a saúde pública ou os direitos e as liberdades das pessoas.43

Extremamente semelhante ao PIDCP é a previsão do Pacto de San José da

Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos

Humanos de 1969.44 A única diferença é que o artigo 15º dessa norma

estabeleceu que, além de pacífica, como disposto no PIDCP, a reunião deve

ser também sem armas.

3.2 HISTÓRIA JURÍDICA DO DIREITO DE REUNIÃO NO CONSTITUCIONALISMO MODERNO OCIDENTAL

A gênese desse direito, segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal

Ricardo Lewandoski, remonta ao século 18, no contexto da formação dos

Estados-Nacionais europeus:

Ora, como se sabe, a liberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas democracias políticas, encontrando expressão, no plano jurídico, a partir do século XVIII, no bojo das lutas empreendidas pela humanidade contra o absolutismo monárquico.45

A previsão legal mais remota desse direito de que se tem notícia é a que surgiu

no contexto da independência dos Estados Unidos da América. A doutrina46

aponta como a primeira norma a tutelar tal direito a Declaração de Direito da

Pensilvânia, de 1776,47 que possuía a seguinte redação:

43 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1966. 44 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969. 45 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 372. 46 MORAES, 2006. 47 Pennsylvania Constitution of 1776, Declaration of Rights.

27

Todos têm o direito de reunirem-se, para deliberar sobre o bem comum, para instruir seus representantes, e requerer à legislatura para reparar injustiças, via discurso, petição, ou representação.48

Analisando esse direito na história das constituições brasileiras, constatamos

que a Constituição do Império do Brasil não o assegurava. Contudo, nas

constituições republicanas, o direito de reunião esteve presente em todas.49

Desde a Constituição de 1891, chegando até a Constituição de 1967, não

tivemos grandes alterações. A ideia de que a reunião seja sem armas

perpassou todos os textos constitucionais. Outrossim, sempre havia a previsão

expressa nas constituições da possibilidade da intervenção da polícia ou de

outra autoridade, para manter a ordem ou em nome da segurança pública.50

Ainda hoje as constituições de Espanha e Itália restringem a liberdade de

reunião por razões de ordem pública, com perigo para pessoas ou bens.51

Após o fim do regime autocrático pelo qual passou o Brasil durante os anos de

1964 e 1985, a Assembleia Nacional Constituinte foi convocada. Os anseios

sociais relativos à liberdade de expressão nas manifestações públicas, que foi

reprimido durante anos, teve a oportunidade de receber uma proteção mais

ampla no próprio texto constitucional.

Assim, o direito de reunião foi inserido o inciso XVI do art. 5º, que passou a ser

a nova disciplina das manifestações públicas no Brasil. O direito de reunião ora

vigente está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 da seguinte forma:

48 That the people have a right to assemble together, to consult for their commom good, to instruct their representatives, and to apply to the legislature for redress of grievances, by address, petition, or remonstrance. (KURLAND; LERNER, 2012. Tradução livre do autor) 49 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 no art. 72, § 8; Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 no art. 113, § 11; Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 no art. 122. § 10; Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 no art. 141, § 11; Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 no art. 150, § 27; Constituição da República Federativa no art. 5º, inc. XVI. 50 Conforme se avançar no estudo da previsão constitucional vigente, apontamentos e comparações acerca dos sistemas constitucionais anteriores serão feitos, não carecendo, para o presente trabalho, uma análise histórica pormenorizada das alterações no texto do direito de reunião. 51 MAGALHÃES, 2000, p. 110-111.

28

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes:[...] XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independente de autorização, desde que não frustrem outra reunião convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.52

Em uma leitura inicial podemos ver que se trata de um direito bastante amplo,

que parece tentar afastar as arbitrariedades estatais que tanto marcaram esse

direito ao longo de nossa história jurídica. Como mencionado anteriormente, a

intervenção estatal nesse direito sempre foi um aspecto trivial. Com maior

ênfase isso ocorreu após a regulamentação desse direito ainda no sistema

constitucional de 1946, quando foi editada lei especificamente para esse fim.53

Em que pese a amplitude proporcionada pela Constituição de 1988, o direito de

reunião tem alguns contornos que relativizam esse direito fundamental,

carecendo, portanto, de uma análise mais detalhada acerca de cada uma

dessas balizas para o exercício desse direito dentro do contexto do Estado

Democrático de Direito vigente no Brasil.

52 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988. 53 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1950.

29

4 A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: O

DIREITO DE REUNIÃO E AS POSSIBILIDADES DE LIMITES

4.1 A EXISTÊNCIA DOS LIMITES: O CONFLITO DE DIREITOS E OS DEVERES FUNDAMENTAIS

Em que pese seu status de direito fundamental, a garantia disposta no inciso

XVI do artigo 5º da CRFB/88 não é um direito absoluto, conforme preleciona o

ministro do STF, Ricardo Lewandowski:

Não se ignora, é verdade, que liberdade de reunião não é um direito absoluto. Nenhum direito, aliás, o é. Até mesmo os direitos havidos como fundamentais encontram limites explícitos e implícitos no texto das constituições.54

No mesmo julgado, no qual estava em pauta a regulamentação do direito de

reunião elaborada pelo Distrito Federal, os ministros Gilmar Mendes55 e Cezar

Peluso56 concordaram, juntamente com Lewandowski, acerca da possibilidade

de se impor certos tipos de regramentos ao direito de reunião. Sepúlveda

Pertence, por sua vez, afirmou não querer assumir compromisso sobre o

assunto.57 Entretanto, em caminho oposto, o ministro Marco Aurélio asseverou

que “ao povo é assegurado ampla e irrestritamente o direito de

manifestação”.58 A divergência no precedente do STF evidencia ser necessário

estudar mais detalhadamente a possibilidade de se estabelecerem limites ao

exercício do direito de reunião. Mesmo para aqueles que reconhecem existir

tais restrições, o tema adquire relevância. Para esses, já que existem tais

limites, é importante buscar compreender, então, quais seriam essas restrições

ao direito de reunião.

54 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl 377. 55 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl 399-400. 56 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl 398. 57 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl 402. 58 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 299.

30

Sobre o tema, ensinou José Afonso da Silva que não é “correta a definição de

liberdade como ausência de coação. O que é válido afirmar é que a liberdade

consiste na ausência de toda coação anormal, ilegal, ilegítima e imoral”.59

Assim, até mesmo direitos havidos como fundamentais comportam certa

disciplina em seu exercício.

Detalhando melhor o assunto, Márcio Luís de Oliveira também discorre sobre a

relativização dos direitos fundamentais, esclarecendo que:

Os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, ou seja, eles são relativos, pois suas titularidades e exercícios são condicionáveis pelo sistema jurídico, no qual também são estabelecidos inúmeros deveres para os sujeitos do Direito, para a sociedade e para o Estado. Logo, os direitos e garantias fundamentais são passíveis de relativização em suas titularidades e exercícios; nesse sentido, eles podem sofrer “constrições” estatais ou mesmo particulares, além de, eventualmente, conflitar ou concorrer uns com os outros60.

Percebe-se que o autor trabalha com conceitos como titularidade e exercício e,

ainda, a possibilidade de condicionar ambos. Outrossim, pelo excerto

percebemos que Márcio Luís de Oliveira acrescenta à discussão a ideia de

deveres fundamentais. Dessa forma, constata-se que os cidadãos possuem,

além dos direitos e garantias fundamentais, deveres fundamentais. Como

corolário, todo cidadão tem como dever fundamental a obrigação de respeitar

os direitos das demais pessoas.

Aplicando a discussão dos deveres fundamentais ao tema em estudo,

descortina-se uma perspectiva mais ampla acerca dos limites do direito de

reunião. Com efeito, o exercício desse direito não pode vir desacompanhado

do dever de respeitar o direito das demais pessoas, tais como a locomoção, o

trabalho, a saúde, entre outros. Uma manifestação muito barulhenta pode

obstar o direito ao trabalho de outrem; da mesma forma, uma interrupção total

de uma via pública central, em horário de grande fluxo de veículos e pessoas,

pode comprometer o direito de locomoção do restante da sociedade.

59 SILVA, 2007, p. 232. 60 OLIVEIRA, 2011, p. 442.

31

Assim, durante os protestos devem ser respeitados os direitos dos demais

cidadãos que não estão participando do ato público. Nesse sentido é o parecer

de José Luiz Quadros de Magalhães, quando afirma que “só pode intervir o

Estado nesse direito quando a reunião deixar de ser pacífica ou, na doutrina

dos direitos individuais, quando o direito de uma ou várias pessoas for violado

pelo exercício impróprio daquela liberdade”.61

Ainda sobre a questão dos deveres fundamentais, importante destacar que

parece ter havido uma omissão, intencional ou não, no atinente aos deveres

fundamentais na CRFB/88. O Capítulo I, do Título II, da nossa Constituição é

denominado “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, contudo, nenhum

dispositivo no capítulo mencionado faz alusão aos deveres fundamentais.

Não obstante a omissão dos deveres fundamentais, a questão da possibilidade

de constrições aos direitos fundamentais parece igualmente ter sido

negligenciada pelos redatores da nossa Constituição. Tal fato é apontado por

Ingo Wolgang Sarlet a partir do direito comparado. Para o autor gaúcho:

Importante lacuna deixada pelo Constituinte diz com a ausência da previsão de normas genéricas expressas sobre as restrições aos direitos fundamentais, o que na verdade, não encontra maior justificativa, já que não faltaram exemplos concretos e de ampla aceitação no direito comparado.62

Dessa forma, mesmo diante da omissão do legislador constituinte, verificamos

que tanto os deveres fundamentais quanto a relativização dos direitos

encontram respaldo na doutrina e jurisprudência.

Ante tais observações, faz-se necessário compreender a sistemática das

constrições aos direitos e garantias fundamentais.

61 MAGALHÃES, 2000, p. 107-108. 62 SARLET, 2011, p. 69.

32

4.2 A DOGMÁTICA DA RELATIVIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ao se estudar a relativização dos direitos fundamentais, uma das primeiras

questões levantadas pela doutrina63 refere-se à distinção entre os direitos e

suas restrições. Se se compreende que o direito e suas restrições são

categorias autônomas, distinguíveis logicamente, estamos diante da teoria

externa. Por essa teoria, em princípio, haveria um direito ilimitado e que, ao se

estabelecerem as restrições decorrentes da necessidade de compatibilização,

tornar-se-ia limitado. Em oposição à primeira, apresenta-se a teoria interna, de

acordo com a qual existe o direito individual com determinado conteúdo

definido pelo próprio sistema jurídico. Ou seja, o direito e seus limites não

existem separadamente. Nessa hipótese, não se fala em restrição, mas sim,

em relativização.

No intuito de compreender as possibilidades de impor relativizações aos

direitos fundamentais, Márcio Luís de Oliveira64 afirma que essas podem ser de

três naturezas gradativas, quais sejam: a) medidas restritivas, b) medidas

suspensivas, c) medidas supressivas.

Pelo prisma do autor, as relativizações restritivas incidiriam sobre o exercício

do direito. Nessas o direito continua intacto, podendo ser exercido, mas de

forma limitada. Cabe ressaltar que as medidas restritivas comportam

gradações. Exemplo típico de medidas restritivas são as penas de reclusão,

que restringem o direito à liberdade de locomoção. De igual modo, as medidas

suspensivas também incidem sobre o exercício do direito, entretanto, a

suspensão resulta no total impedimento do exercício do direito ou garantia

sendo, por isso, necessariamente temporária. Márcio Luís de Oliveira65 cita

como exemplo dessa medida a suspensão dos direitos políticos em razão de

condenação por improbidade administrativa. Isso porque, nesses casos, o

condenado fica totalmente impedido de exercer seus direitos políticos tais

63 MIRANDA, 2008, p. 374 e MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 379. 64 OLIVEIRA, 2011, p. 444. 65 OLIVEIRA, 2011, p. 446.

33

como o direito de votar e ser votado, o direito de exercer função pública e o

direito de contratar com a Administração Pública. Por sua vez, as medidas

supressivas extinguem a própria titularidade do direito, “eliminando-o do acervo

jurídico subjetivo do indivíduo”66 e são, por isso, medidas excepcionais no

Estado Democrático de Direito.

Visando esquematizar as medidas restritivas aos direitos fundamentais, o

jurista português J. J. Gomes Canotilho divide tais restrições em três classes:

Há três “universos” de restrições de direitos recortados por actos normativos com valor de lei: (1) restrições feitas directamente pela Constituição; (2) restrições feitas por lei mas expressamente autorizadas pela Constituições; (3) restrições operadas através de lei mas sem autorização expressa da Constituição.67

Verifica-se que Canotilho deixa claro que as limitações aos direitos comportam

até mesmo restrições legais (infraconstitucionais) aos direitos fundamentais

elencados na Constituição. Aplicando os ensinamentos de Canotilho ao direito

de reunião previsto na CRFB/88, podemos perceber que estão presentes na

nossa Constituição (inciso XVI, art. 5º) duas das categorias apontadas: a) as

restrições feitas pela Constituição, e; b) as operadas através de lei, mas sem

autorização expressa da Constituição. Isso, pois, conforme o texto lido, a

disciplina do direito de reunião na Constituição não faz referência à lei

regulamentadora, ou seja, não temos em nosso sistema constitucional a

segunda categoria apresentada pelo autor. Contudo, como demonstrado por

Canotilho, tal aspecto não faz com que leis infraconstitucionais que restrinjam o

direto de reunião sejam, por si só, inconstitucionais.

Outro constitucionalista português, Jorge Miranda, também discute o tema.

Para ele a intervenção do legislador nos direitos, nas liberdades e nas

garantias pode ser de cinco espécies: declarativa regulamentadora,

concretizadora, protectiva, restritiva e aditiva.68

66 OLIVEIRA, 2011, p. 446. 67 CANOTILHO, 2003, p. 450. 68 MIRANDA, 2008, p. 366.

34

Jorge Miranda acrescenta uma espécie de restrição menos evidente, que não

seria decorrente de norma positivada na Constituição nem de leis

infraconstitucionais. O autor indica a existência de limites implícitos aos direitos

fundamentais, que seriam aqueles que existem mesmo não havendo previsão

literal. Para o jurista:

Forçoso e natural, é, pois, aceitar a existência de restrições implícitas derivadas outrossim da necessidade de salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos, e fundadas não em preceitos avulsos, mas sim em princípios constitucionais paralelos aos que alicerçam as restrições expressas69.

Detalhando o assunto, Jorge Miranda indica que na hipótese de restrição

expressa, deve-se verificar apenas a constitucionalidade da medida restritiva.

Lado outro, nas restrições implícitas, é preciso ir além da verificação da

constitucionalidade da medida. Nesses casos, deve-se também analisar a

própria decisão de se restringir o direito fundamental em face do peso de outro

interesse que se lhe opõe.70 Ou seja, para o autor, nos casos de limites

implícitos, é necessário fazer assentar cada restrição em certo e determinado

interesse constitucionalmente protegido, o que não aconteceria nas restrições

expressas.

Em virtude do elucidado até o momento, verificou-se que é possível definir

limites aos direitos fundamentais, sobretudo quando as esferas juridicamente

de duas ou mais pessoas ou grupos se conflitam, precisando ser conciliadas.

Em tais casos estamos diante do que se denomina eficácia ou conflito

horizontal de direitos humanos.

4.2.1 Eficácia Horizontal dos Direitos Humanos

Os direitos humanos foram construídos como uma proteção para o cidadão

comum ante a autoridade do rei. Os aspectos sociológicos, históricos e 69 MIRANDA, 2008, p. 372. 70 MIRANDA, 2008, p. 373.

35

jurídicos tornavam o cidadão comum extremamente vulnerável em relação ao

monarca ou ao Estado. Com efeito, havia uma série de possibilidades de

intervenção do Leviatã71 na esfera privada do indivíduo. Assim, os direitos

fundamentais, sobretudo os de primeira dimensão, vieram para impor

restrições na intervenção do Estado na vida particular. Juristas costumam

indicar a Magna Carta de 121572 como a primeira norma de direitos humanos

elaborada. Acerca desse instrumento, Fábio Konder Comparato assevera: “No

caso, não se tratou de delegações de poderes reais, mas sim do

reconhecimento de que a soberania do monarca passava a ser

substancialmente limitada [...] Mais do que isso, porém, a Magna Carta deixa

implícito pela primeira vez, na história política medieval, que o rei achava-se

naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita”.73

Contudo, a complexidade das sociedades atuais fez surgir um novo problema.

Hoje em dia, não se trata tão somente de proteger o cidadão de desmandos do

rei ou do Estado. Muito comum hoje é a interferência de indivíduos ou grupos

nos direitos de outro cidadão ou grupo. Assim, emergem conflitos da relação

indivíduo-indivíduo. Se antes os direitos humanos eram escudos protetivos na

relação verticalizada Estado-cidadão, hoje também se prestam à tutelar direitos

no confronto horizontal cidadão-cidadão.

No viés da dimensão vertical dos direitos humanos, cabe ao Poder Público a

não intervenção na esfera juridicamente tutelada do indivíduo. Entretanto, na

seara da eficácia horizontal desses direitos, exige-se das autoridades que

intervenham para que não se permitam agressões recíprocas entre os

71 Segundo Thomas Hobbes, o Leviatã é o poder central e absoluto ao qual todos devem se submeter, podendo ser o Monarca ou uma Assembleia, dotada de autoridade inquestionável (HOBBES, 2005). 72 Magna Carta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannem et Barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni Angliae – Carta Magna das Liberdades ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da igreja e do reino inglês. Segundo Fábio Konder Comparato, o diploma foi escrito em latim bárbaro, e o vocábulo Magna Carta, oriundo da língua grega, era grafado no latim clássico com “ch”, mas foi usado, durante toda a Idade Média, sem “h”. (COMPARATO, 2007, p. 71). 73 COMPARATO, 2007, p. 79-80.

36

cidadãos ou grupos, esse é o entendimento, entre outros autores, de Kildare

Carvalho, para quem:

A mudança de paradigma da eficácia apenas vertical dos direitos fundamentais decorreu, sobretudo, do reconhecimento de que não é somente o Estado que pode ameaçar esses direitos, mas também outros cidadãos nas relações horizontais entre si. O Estado, portanto, se obriga não apenas a observar os direitos fundamentais, em face das investidas do poder público, como também garanti-lo contra agressões propiciadas por terceiros.74

Acerca da hermenêutica constitucional, a simples regra da norma mais

protetiva, defendida por autores como Cançado Trindade,75 Flavia Piovesan76 e

Mazzouli77 não é suficiente. Essa regra somente se aplica quando estamos

analisando o direito de um único cidadão ou grupo, sem a possibilidade de

conflito entre esferas juridicamente tuteladas de pares. Nesses casos, se aplica

a regra mais favorável e garantista na perspectiva do indivíduo. Na dogmática

jurídica da concorrência dos princípios jurídicos, podemos dizer que se trata da

concorrência por divergência, na qual, segundo Márcio Luís de Oliveira, “dois

ou mais princípios jurídicos afluem para regular, em sua globalidade (inteireza),

a mesma situação jurídica, porém com possibilidades de resultados

completamente distintos e até mesmo antagônicos”.78

Dessa forma, quando direitos fundamentais de cidadãos distintos se colidem, a

aplicação da norma mais benéfica para um indivíduo, por certo, incidirá em

detrimento do outro. Consequentemente, deve haver uma análise do caso.

Necessário se faz, portanto, avaliar os princípios constitucionais que estão em

jogo e ponderá-los, buscando a essência dos direitos por meio de uma

interpretação sistemática e complexa da Constituição.

Para esse fim, torna-se relevante estudar, também, o bloco de

constitucionalidade.

74 CARVALHO, 2009, p. 721. 75 CANÇADO TRINDADE, 2010 apud PIOVESAN, 2010, p. XLI. 76 PIOVESAN, 2010, p. 105. 77 MAZZUOLI, 2000, p. 221. 78 OLIVEIRA, 2011, p. 348.

37

4.2.2 Bloco de Constitucionalidade

Outro conceito muito importante quando se discutem os limites e contornos dos

direitos fundamentais é o bloco de constitucionalidade. O Supremo Tribunal

Federal vem decidindo que ao se interpretar a Constituição deve se ter em

mente muito mais do que as normas positivadas na Constituição Formal. Por

esse conceito, há preceitos de direitos fundamentais, portanto de natureza

constitucional, que não integram expressamente a Constituição Formal. Assim,

“o Bloco de Constitucionalidade é integrado basicamente por legislação

infraconstitucional, costumes constitucionais, jurisprudência constitucional e

princípios constitucionais implícitos”.79 Consequentemente, pode-se afirmar que

existem regras e princípios constitucionais que não estão positivados na

Constituição Formal. Em virtude de sua natureza jurídica de direito

constitucional, normas infraconstitucionais podem até mesmo vir a ser

utilizadas como paradigma para efeitos de controle de constitucionalidade.

Sendo assim, o conteúdo dos direitos constitucionais deve ser buscado não

apenas na literalidade da norma constitucional, mas interpretado a partir dos

valores e princípios constitucionais analisados conjuntamente. Destarte, pode

acontecer de existirem normas jurídicas de mesmo status (nível hierárquico)

que sejam conflitantes, ainda que uma delas não seja expressa na

Constituição.

Nesses casos, determinados princípios surgirão como superiores em virtude de

sua fundamentalidade. Contudo, tal análise não deve ser feita abstratamente.

Para tal desiderato, devem-se ponderar todos os valores em debate.

Assim, em face dos conceitos e institutos jurídicos apresentados no presente

capítulo, restou demonstrado que os direitos fundamentais insculpidos na

CRFB podem sofrer relativizações, até mesmo implícitas ou por normas

79 OLIVEIRA, 2012.

38

infraconstitucionais. Entretanto, tais limites também possuem limites, ou seja,

as restrições aos direitos fundamentais também são limitadas.

4.3 OS LIMITES DAS RELATIVIZAÇÕES

Consoante a dogmática da relativização dos direitos fundamentais

apresentada, os direitos humanos comportam derrogações. Contudo, essas

restrições não são impostas ao acaso, sem conhecer limites. Dessa forma, faz-

se necessário compreender os limites das restrições, ou seja, o que a doutrina

tem designado de limites imanentes80, ou ainda, o limite dos limites.

Estudando o tema, Jorge Miranda81 indica aspectos que devem ser observados

quando do estabelecimento de limites aos direitos fundamentais, denominados

por ele de restrição da restrição. De forma esquemática, é possível sintetizar

em um total de dez, os limites às relativizações apontados pelo autor:

1) nenhuma restrição pode deixar de ter fundamento constitucional;

2) ao se elaborarem leis restritivas, estas devem deixar indicar explicitamente

os direitos que visam tutelar bem como os princípios constitucionais que lhes

fundamentam;

3) as restrições não podem ser operadas por atos normativos da

Administração, ou seja, só podem ser feitas por meio de lei;

4) a norma deve permitir conhecer precisamente os critérios legais;

5) as leis não devem permitir arbítrio e discriminação infundada, devendo ser

impessoais e abstratas;

6) as leis não podem ter efeitos retroativos ou que se apliquem a situações

vindas do passado e ainda não terminadas – retroatividade imprópria;

7) as leis restritivas não podem diminuir o conteúdo essencial dos direitos,

liberdade e garantias que regulam;

80 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 393. 81 MIRANDA, 2008, p. 375-379.

39

8) as restrições devem se ater ao fim proposto, só adotadas quando não

houver outro meio de alcançar o fim pretendido;

9) as restrições devem limitar-se a salvaguardar outros interesses

constitucionalmente protegidos, não podendo extrapolar tal finalidade;

10) na dúvida, entre a restrição e o direito, deve se privilegiar este em

detrimento daquela;

Após analisarmos a possibilidade de impor limites aos direitos fundamentais,

bem como reconhecer os limites dos limites, passa-se à análise das

relativizações ao direito de reunião no sistema jurídico brasileiro.

40

5 A DISCIPLINA JURÍDICA DO DIREITO DE REUNIÃO NO

BRASIL

Apesar do demonstrado até o momento no concernente às possibilidades de se

relativizarem os direitos fundamentais, ainda encontramos entre os juristas

aqueles que acreditam que “as restrições ao direito de reunião são unicamente

as que estão previstas na Lei Magna, e não na lei ordinária”.82 Assim,

evidencia-se, outra vez mais, a complexidade do tema e a necessidade de

investigá-lo.

Parte da dificuldade de se compreender tais restrições ocorre em decorrência

da disciplina do direito de reunião previsto no Brasil. As relativizações ao direito

de reunião não estão redigidas de uma forma sistematizada. Temos normas

que disciplinam esse direito que são expressas dentro da própria Constituição

e esparsamente, fora do texto constitucional. Ademais, as restrições previstas

na Constituição podem estar no próprio inciso XVI, art. 5º, que estatui o direito

de reunião, bem como expressas em outros artigos e incisos da Constituição.

Outrossim, temos ainda as relativizações implícitas que decorrem da análise

sistemática do tema.

Na tentativa de se criar uma proposta mais didática para o estudo dos limites

do direito de reunião, passaremos a analisá-lo a partir de quatro categorias: a)

relativizações operadas pelo próprio preceito que estatui o direito fundamental,

ou seja, as insculpidas expressamente no inciso XVI, art. 5º da CRFB; b)

relativizações expressas no texto da Constituição, mas fora do inciso XVI, art.

5º; c) limites implícitos ao direito de reunião; e, por último, d) restrições

constitucionais expressas em lei ordinária.

82 Petição Inicial da ADPF 187. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011).

41

Assim, como partida para o detalhamento dos limites ao direito de reunião em

nosso sistema jurídico, inicialmente será feita a análise das restrições

insculpidas no próprio inciso XVI, art. 5º.

5.1 RESTRIÇÕES INSCULPIDAS NO INC. XVI, ART. 5º, DA CONSTITUIÇÃO.

Em virtude do grau de detalhamento previsto no inciso XVI, art. 5º da CRFB,

pode-se afirmar que a previsão constitucional do direito de reunião por si só já

regulamenta esse direito. Entretanto, apesar do detalhamento feito pela norma

constitucional, o assunto não se esgota naquele preceito. Assim, alguns pontos

ficaram por se regulamentar, e outros carecem de uma análise mais detalhada.

Dessa forma, será analisado cada elemento semântico da garantia

constitucional do direito de reunião.

5.1.1 Todos Podem Reunir-se

Acerca do termo “todos”, não restam dúvidas acerca de sua amplitude. Assim,

normas segregadoras como ocorria no regime do Apartheid

inquestionavelmente não são aceitas. Sobre esse ponto, interessante é que o

inciso XVI, art. 5º da CRFB deixa claro que os titulares dos direitos e das

garantias são mais numerosos do que o aparentemente previsto no caput do

próprio art. 5º. Pela regra do caput, temos que os direitos previstos no art. 5º

são garantidos apenas aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, in

verbis:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]83

Assim, quando o inciso XVI estabelece que “todos podem reunir-se”, torna

evidente que os estrangeiros não residentes no país que estejam em trânsito 83 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988.

42

ou provisoriamente estabelecidos em solo brasileiro, também possuem o direito

de reunião assegurado, apesar de a literalidade do caput do art. 5º não os

incluir. Portanto, afirma-se que são titulares do direito de reunião todas as

pessoas naturais.

5.1.2 Reunião Pacífica

A primeira exigência que se faz ao exercício do direito de reunião no Brasil é

que o evento seja pacífico: “Todos podem reunir-se pacificamente [...]”,84 diz o

texto da Constituição. Essa exigência já havia sido elencada nas constituições

brasileiras de 1937 e de 1946. Meios pacíficos referem-se à ausência de

propósito de quebrar a atmosfera de paz, ou seja, “por reunião pacífica

entende-se aquela que não busca a conflagração física”.85 Assim, e.g., uma

passeata organizada por ativistas mais radicais, contrários à globalização e que

vise causar danos materiais a estabelecimentos comerciais como o Carrefour

ou o McDonalds seria, a priori, inconstitucional. De igual modo, manifestações

xenofóbicas ou de cunho nazifascista, que almejem agredir gays, índios,

estrangeiros, negros ou brancos, estão eivadas de inconstitucionalidade.

Em suma, a manifestação não pode ter como desiderato ou como

consequência a lesão à integridade física ou ao patrimônio. Se assim o for, não

será o exercício de um direito, e sim o seu abuso86. Dessa forma, está tutelada

pelo direito de reunião a manifestação que “não se devota à conflagração

física”.87

Além da violência operada pelos próprios manifestantes, temos também a que

pode ocorrer reflexamente em virtude da reunião. Na África do Sul, a norma

que regulamenta o direito de reunião detalha a situação. Naquele país, a

manifestação deve ser pacífica e também ser diligente para não gerar violência

84 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988. 85 CARVALHO, 2009, p. 788. 86 PERALES, 2003. 87 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 488.

43

de forma indireta, ou seja, não estimular a violência em outras pessoas ou

grupos, nos seguintes termos:

(5) Nenhuma pessoa, presente ou participando em uma reunião ou manifestação, poderá por banner, cartaz, fala ou canto, ou por qualquer outro meio, incitar o ódio de outras pessoas ou grupos, em razão de diferenças culturais, de raça, sexo, língua ou religião. (6) Nenhuma pessoa, presente ou participando de uma reunião ou manifestação, poderá praticar qualquer ato ou proferir quaisquer palavras calculadas ou que sejam suscetíveis de causar ou estimular a violência contra qualquer pessoa ou grupo88.

Para o direito brasileiro, segundo Gilmar Mendes, “não é violenta a reunião que

atraia a reação violenta de outrem. O direito de reunião não se descaracteriza

se a violência que venha a ocorrer lhe é externa, sendo deflagrada por pessoas

estranhas ao agrupamento”.89

Ainda acerca da violência, temos também a questão da violência psíquica. Na

Espanha, o tribunal constitucional já decidiu serem proibidas manifestações

com alcance intimidatório para terceiros.90

5.1.3 Reunião sem Armas

A previsão de não poder ter armas nas manifestações vem desde a

Constituição francesa de 1791. É praticamente lugar comum na doutrina pátria

que o termo é lato sensu, ou seja, abrange arma de fogo e arma branca. Como

já mencionado alhures, essa relativização esteve presente em todas as

previsões constitucionais do direito de reunião no Brasil. Além disso, não basta

ter um manifestante armado para que a autoridade pública possa restringir o

direito de reunião; em se tratando de incidência pontual, a ação da polícia

também deve ser específica. “Se na reunião, um, ou alguns estão armados, 88 (5) No person present at or participating in a gathering or demonstration shall by way of a banner, placard, speech or singing or in any other manner incite hatred of other persons or any group of other persons on account of differences in culture, race, sex , language or religion. (6) No person present at or participating in a gathering or demonstration shall perform any act or utter any words which are calculated or likely to cause or encourage violence against any person or group of persons. (SOUTH AFRICA, 1993. Tradução livre do autor). 89 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 488. 90 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 488.

44

não faz com isto, desaparecer o direito de reunião, posto que este direito é

individual”.91 Ou seja, a ação do poder público deve ser em desfavor do

cidadão que estiver armado e não em prejuízo do evento como um todo. No

mesmo sentido, o ministro Celso de Mello Filho afirma que:

A polícia não pode dissolver a assembleia pelo fato de se encontrar portando arma alguém que dela participa. Cabe-lhe desarmar tal pessoa ou, então, afastá-la da reunião, que prosseguirá normalmente com os demais participantes que não estejam armadas.92

Há de se atentar para o fato de que essa limitação é também uma restrição

constitucional momentânea ao porte de arma adquirido legítima e legalmente.

Ainda que o indivíduo que tome parte de uma reunião tenha o porte de arma

nos termos da Lei 10.826/0393 e de seu Decreto regulamentador,94 esta pessoa

não poderá portá-la durante a realização do evento. Aliás, essa parece ser a

mens legis do texto constitucional. Não faria sentido a Constituição vetar de

comparecer armadas em uma reunião as pessoas que já não poderiam portá-

las em uma situação trivial. Por isso, afirma-se que, no atinente às armas de

fogo, o objetivo seria proibir de comparecer armadas em reuniões exatamente

as pessoas que possuem o porte da arma de fogo. Assim, nas manifestações

de militares, policiais ou demais classes que detenham o porte de arma, esses

não poderão levar consigo o armamento durante a reunião,95 nem mesmo de

maneira velada.

Como já mencionado, a expressão “sem armas” se refere tanto a armas de

fogo como a armas brancas. Assim, uma foice ou uma faca, apesar de serem

instrumentos de trabalho no campo ou em um açougue, respectivamente,

podem ser consideradas armas brancas, pois, em uma manifestação por certo

não serão utilizadas para a finalidade para a qual foram criadas. Sobre esse

91 FERREIRA, 1989, p. 142. 92 MELLO FILHO, 1984, p. 365. 93 BRASIL. Presidência da República, 2003. 94 BRASIL. Presidência da República, 2004. 95 Verifica-se que essa interpretação encontra fundamento na própria leitura lógico-literal do inciso XVI, art. 5º da CRFB/88, bem como na proibição ao uso de armas de fogo em eventos com aglomerações de pessoas disciplinados pela Lei n. 10.826/03 e a norma que a regulamenta, o Decreto n. 5.123/04.

45

ponto, podemos mencionar o que Ascención Perales discorre acerca da

Constituição espanhola. Nesta também há a previsão de que a manifestação

ocorra sem armas, e, para a autora, o termo não deve ser entendido em

sentido estrito:

Com relação ao termo “sem armas” [...] entende-se que o termo deve ser compreendido não somente no sentido estrito, mas também qualquer instrumento que possa ser utilizado como tal (taco de beisebol ou guarda-chuvas quando não tenham como finalidade a que lhe seja própria, isto é, proteger da chuva).96

Dessa forma, por ter uma redação idêntica ao direito brasileiro, o argumento

apontado por Perales, relativo às armas brancas, também encontra

fundamento em nosso sistema jurídico. Assim, objetos para a prática de

esportes como bastões ou outros elementos como produtos químicos, que, se

desvirtuados de sua finalidade podem ser utilizados como meio de agressão,

também estão proibidos97.

Peculiar é a regulamentação do direito de reunião em Portugal, em que o artigo

8º do Decreto-Lei que regulamenta as reuniões em terras lusitanas determina:

Art. 8º - 1. As pessoas que forem surpreendidas armadas em reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público incorrerão nas penalidades do crime de desobediência, independente de outras sanções que caibam no caso. 2. Os promotores deverão pedir as armas aos portadores delas e entregá-las às autoridades.98

Percebe-se, desse modo, que a norma atribui ao organizador do evento a

responsabilidade de desarmar as pessoas armadas que compareçam às

reuniões. Nesse caso, tal situação não se aplica ao direito brasileiro, tendo sido

demonstrado apenas para efeitos comparativos.

96 Con relación al término “sin armas”, en buena medida unido a la primera exigencia, se entiende que hay que comprender en él no sólo las armas en sentido estricto sino también cualquier instrumento que pueda ser utilizado como tal (bates de béisbol o paraguas cuando no tengan como finalidad la que les es propia, esto es proteger de la lluvia). (PERALES, 2003. Tradução livre do autor). 97 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 489. 98 PORTUGAL, 1974.

46

5.1.4 Locais Abertos ao Público

A expressão “em locais abertos ao público” quer dizer que todo cidadão tem o

direito de se reunir até mesmo em locais abertos ao público. De forma alguma

pretendeu o legislador proibir os protestos em locais privados. Ocorre que a

disciplina das reuniões em locais privados é diversa,99 não precisando sequer

obedecer o previsto no inc. XVI, art. 5º, da CRFB. Não é que as reuniões em

locais fechados prescindam de limites ou regras, ocorre que as regras são

diversas. O ministro Gilmar Mendes100 pontua que mesmo em locais fechados

o direito de reunião pode exigir regulamentação. O exemplo citado pelo

magistrado é o de igrejas que em virtude do volume do som podem prejudicar o

direito ao descanso da comunidade vizinha ao templo.

No tocante aos locais para se realizarem as reuniões, a história do direito de

reunião no Brasil demonstra que as constituições de 1934, 1946 e 1967

permitiam ao poder público designar o local das manifestações, sendo que as

duas primeiras faziam a ressalva de que, ao designar o local, não poderia a

autoridade frustrar ou impossibilitar o direito de reunião.

Ante o dispositivo constitucional vigente, está revogado tacitamente101 o artigo

3º da Lei 1.207/50102 que permite que o poder público defina quais as praças

poderiam ser destinadas ao exercício do direito de reunião.

Devemos pontuar também a distinção entre “locais abertos ao público” e

“lugares públicos”. Por certo, a residência oficial do presidente da República, o

Palácio da Alvorada, que é um bem público, não é de livre acesso. Apesar de

ser um bem público, não é aberto ao público. O mesmo ocorre com qualquer

outro bem público, tais como prédios, edifícios e parques. Uma manifestação,

e.g., em edifício que funcione órgão estatal deve obedecer às regras de direito

99 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 489. 100 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 400. 101 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 490. 102 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1950.

47

administrativo, logo, não seria ilegítima a exigência de uma autorização do

responsável pelas instalações físicas ou de um permissivo legal. Tavares

afirma que “isso é assim não porque a liberdade de reunião em si dependa de

autorização (ou licença), mas justamente por se tratar da incidência de regime

administrativo próprio para a espécie (uso de prédio público com destinação

específica)”.103

De forma idêntica, as manifestações públicas em locais abertos ao público que

possuem normas para a entrada ou permanência como, por exemplo, os

parques municipais, que são fechados em determinados horários, também

devem obedecer a tal regramento.

Como exemplo de lei que assegura o direito de se manifestar dentro das

repartições em que se trabalha, cita-se a norma soteropolitana. Em Salvador, a

Lei Orgânica104 do município garante ao funcionário público o direito de fazer

reuniões nos próprios locais de trabalho.

5.1.5 Independente de Autorização

O termo “independente de autorização” previsto no inciso XVI, art. 5º, não é,

propriamente uma relativização do direito de reunião. Trata-se em verdade de

uma garantia de que o Poder Público não pode analisar o mérito de se o

evento deve acontecer ou não. Essa expressão se faz de extrema importância

tendo em vista o histórico do direito de reunião no país

No que tange aos limites de atuação da autoridade, percebe-se no dispositivo

constitucional que o texto “veda atribuição às autoridades públicas para análise

da conveniência ou não de sua realização, impedindo as interferências nas

reuniões pacíficas e lícitas em que não haja lesão ou perturbação da ordem

103 TAVARES, 2009, p. 618. 104 Art. 124. São direitos dos servidores públicos, além dos previstos na Constituição Federal: [...] XXXVIII - é assegurado aos servidores públicos e às suas entidades representativas o direito de reunião nos locais de trabalho em comum acordo com a administração. (SALVADOR, 2012).

48

pública”.105 Interessante atentar para o fato de que no ordenamento anterior à

CRFB o quadro era um pouco distinto, pois, segundo a Lei n. 1.207/50,106 que

regulamentava o direito de reunião, a autoridade policial poderia de ofício

suspender ou impedir em algumas circunstâncias o direito de reunião, bem

como definia anualmente os lugares possíveis para o exercício desse direito

em lugares públicos.

Maria Fernanda Salcedo Repolês107 lembra um emblemático precedente

brasileiro sobre o Direito de Reunião. No Habeas Corpus 936 de 1897, discutiu-

se a liberdade de reunião e expressão do Centro Monarquista de São Paulo

que foi fechado pela polícia. A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal

que manteve a decisão do chefe de Polícia de São Paulo, ao argumento de

que “o Centro não poderia ser amparado pela liberdade de reunião, pois

tratava-se de associação foco de perigosas ações contra a existência e a

segurança dos poderes instituídos.”108

Dessa forma, é notório que a Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a

Constituição de 1988 preocupou-se em estatuir um direito com amplos limites

para seu exercício, impedindo a discricionariedade administrativa acerca da

conveniência ou oportunidade da reunião.

5.1.6 Não Frustrar Outra Reunião Anteriormente Convocada

No que tange à interseção entre reuniões, cabe salientar que a vedação

normativa é pertinente quando a ocorrência de uma reunião frustrar a outra, ou

seja, inviabilizá-la ou dificultá-la. Assim, a título de exemplo, se uma praça

comportar duas reuniões não conflitantes entre si, os eventos poderão

acontecer simultaneamente. Se não houver motivos fáticos para que o ato

político ocorra, logo, não há fundamentos jurídicos que proíbam sua não

105 MORAES, 2006, p. 68. 106 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1950. 107 REPOLÊS, 2008, p. 89-91. 108 REPOLÊS, 2008, p. 90.

49

realização. Entretanto, se for inviável a ocorrência de duas ou mais reuniões de

forma harmônica, deverá ser priorizada a que tenha sido convocada109 ou

marcada precedentemente. Na hipótese de conflito, para se descobrir qual dos

atos públicos foi agendado de forma precedente, por lisura e transparência,

sugere-se que seja levada em consideração a data do aviso ao poder público,

confirmado pelo protocolo fornecido pela Administração. Se assim não ocorrer,

a restrição de uma das reuniões poderá ensejar favorecimentos ilegítimos a um

dos grupos por parte dos agentes do Estado.

Entretanto, existem doutrinadores que argumentam que, se marcada em um

mesmo local e horário, a segunda reunião deve ser reagendada:

Assim, desde que os promotores de uma reunião avisem à autoridade de sua realização, se outra entidade comunicar que pretende realizar uma reunião no mesmo local, cabe a autoridade impedir a sua realização para evitar possíveis confrontos. Indicará a autoridade outro local ou locais para que então seja realizada a reunião não ocorrendo destarte nenhuma frustração ao direito de reunião. Há que se ressaltar também, é claro, que a reunião no mesmo local implica também que seja no mesmo horário, pois o impedimento constitucional é a frustração de outra reunião.110

Entretanto, não parece ser essa a melhor leitura do texto constitucional. Pela

literalidade do inciso XVI, art. 5º, só pode ser considerada inconstitucional a

reunião que frustrar, ou seja, impossibilitar a ocorrência de outra.

5.1.7 Prévio Aviso

Diferentemente de autorização, a Constituição determina que haja um prévio

aviso. Como se percebe pela leitura do texto constitucional, trata-se de mera

notificação. A Constituição de 1967 inovou na história do direito de reunião

brasileiro quando estabeleceu a possibilidade de em alguns casos se exigir

uma comunicação prévia. Interessante ressaltar que, no sistema constitucional

109 MENDES; COELHO; BRANCO, 2009. p. 490. 110 FERREIRA, 1989, p. 143.

50

anterior à CRFB/88, a lei regulamentadora111 do direito de reunião determinava

que se fizesse a comunicação à autoridade policial pelo menos 24 horas antes

de sua realização. Atualmente a Constituição estabelece apenas um “prévio

aviso”. Se analisada a literalidade do texto, bastaria um aviso que ocorresse

antes da realização do evento, ainda que segundos antes do evento se iniciar,

para se garantir a constitucionalidade das reuniões. Porém, não se pode deixar

de pensar a norma dentro dos princípios do Direito, dentre eles o da

razoabilidade. Assim, há que se ter em mente que o lapso temporal entre o

aviso e o início da reunião dever ser suficiente para que o poder público tome

as medidas necessárias para que a reunião ocorra de forma segura para todos.

Caso contrário, o poder público pode, em tese, em casos devidamente

justificados, frustrar a ocorrência do evento ou comunicar o fato ao Ministério

Público para adoção de medidas cabíveis em ralação à organização do evento.

A necessidade do aviso à autoridade não é de somenos importância, pois,

“sem a comprovação de que houve a devida comunicação às autoridades

públicas, não se caracteriza a reunião como livre, podendo nela intervir a

polícia”,112 consoante a lição de André Ramos Tavares.

Acerca do conteúdo do aviso, o ministro do STF Gilmar Mendes assevera:

É possível, pelo exame das funções que exerce o aviso, descobrir-lhe o conteúdo que deve apresentar. Além do lugar, do itinerário, da data e do horário de início e da duração prevista para o evento, é indispensável que o aviso indique o objetivo da reunião. Como o direito de reunião é exercido a partir da convocação de líderes ou associações (e essa convocação já é exercício do direito), cumpre também que se apontem quem são os organizadores do ato, e se informem os respectivos domicílios – não somente para que as autoridades públicas saibam com quem tratar, em caso de ajustes necessários para a realização do ato, como também para que se fixem os responsáveis civis por danos causados a terceiros, decorrentes de omissões dos organizadores da manifestação. Por isso, também, sempre que cabível, o instrumento do prévio aviso deverá especificar as medidas de segurança que a organização do

111 Lei n. 1.207, de 25 de outubro de 1950. Art. 3º, § 2º “A celebração do comício, em praça fixada para tal fim, independe da licença da polícia; mas o promotor do mesmo, pelo menos vinte e quatro horas antes da sua realização, deverá fazer a devida comunicação à autoridade policial, a fim de que esta lhe garanta, segundo a prioridade do aviso, o direito contra qualquer que no mesmo dia, hora e lugar, pretenda celebrar outro comício.” (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1950). 112 TAVARES, 2009, p. 617.

51

evento pretende adotar e quais as que sugerem sejam assumidas pelos órgãos de segurança pública. A falta do aviso prévio pode comprometer a proteção ideal dos direitos de outrem e da ordem pública; por isso, a omissão pode conduzir a que o legislador comine sanções administrativas e mesmo penais. Não parece, porém, que o descuido na satisfação desse dever seja pressuposto suficiente para que as autoridades dissolvam a reunião. A dissolução da reunião é medida apropriada aos casos extremos, em que a violência se torna iminente ou já instalada, assumindo proporções incontroláveis. Trata-se de medida derradeira, para a defesa de outros valores constitucionais e a que não se deve recorrer pela só falta do cumprimento da formalidade do anúncio com a antecedência razoável do exercício do direito de reunião113.

Sobre esse ponto, interessante é o sistema jurídico espanhol. Naquele país a

lei regulamentadora do direito de reunião determina em seu artigo 8º que a

comunicação deve ser feita entre 10 e 30 dias antes do evento. Ademais, a

própria lei regulamentadora abre espaço para as situações extraordinárias que

justifiquem a urgência na organização da reunião, nesses casos o aviso pode

ser feito em até 24 horas114 antes do início do ato. Em Portugal, por sua vez, o

Decreto-Lei 406/74,115 que regulamenta o direito de reunião, exige que a

comunicação seja por escrito e com no mínimo dois dias de antecedência. No

Chile, a norma estipula dois dias de antecedência.116

Importante frisar que esse tempo de antecedência deve servir para que o

Poder Público adote todas as medidas necessárias para a ocorrência do

evento117, seja prevendo policiais e agentes de trânsito necessários para

acompanhar e garantir o protesto, seja para fazer o devido fechamento de

avenidas e desvios de fluxo de veículos nos horários estipulados. Assim, sob a

égide do Estado Democrático de Direito a presença de policiais serve,

sobretudo, para garantir a segurança e o direito de reunião dos manifestantes

em detrimento de outros populares que pretendam frustrá-la, e não para inibir

essa garantia jurídica. Observa-se, dessa forma, que se está diante de um

dever positivo do Estado. Por esse motivo, seria importante uma norma

regulamentadora que estipulasse todas as informações que devem conter o 113 MENDES; COELHO; BRANCO, 2009. p. 491. 114 ESPAÑA, 1983. 115 PORTUGAL, 1974. 116 CHILE, 1983. 117 MAGALHÃES, 2008, p. 108.

52

prévio aviso, tal como ocorre em Espanha, Chile, Portugal, África do Sul, entre

outros países.

Cabe ainda ressaltar que no Brasil temos o fenômeno da recepção. Assim, é

possível sustentar que a Lei n. 1.207 de 1950, no que não contraria a

Constituição, ainda está em vigor apesar de ter sido criada sob a égide da

Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Se esse entendimento

estiver correto, a necessidade de se comunicar a realização de manifestações

deve ser de vinte e quatro horas, pois assim prevê o § 2º, art. 3º, da Lei.

Até mesmo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão de

proteção dos direitos humanos da Organização dos Estados Americanos

(OEA), já se posicionou afirmando que a exigência de um aviso prévio não é

contrária ao direito de reunião. Para a Comissão:

A exigência estabelecida em algumas leis de que uma notificação prévia deve ser dada às autoridades antes de um protesto social realizado em espaços públicos é compatível com o direito de reunião, contanto que essa exigência tenha o objetivo de informar às autoridades e propiciar a elas que adotem medidas para assegurar o direito de reunião sem que este prejudique substancialmente as atividades normais do resto da comunidade ou para tornar possível que o Estado adote medidas necessárias para proteger adequadamente os participantes do protesto.118

Encerrando a discussão sobre o prévio aviso, cabe mencionar mais um parecer

de Gilmar Mendes. Para o autor e ministro, em casos extremos e devidamente

comprovados de perigo, quando a Administração receber o aviso, esta poderá

até mesmo se opor à realização da reunião.119 Por certo, essa postura deve ser

devidamente fundamentada e ainda ser sujeita ao controle do ato

administrativo.

118 The requirement established in some laws that advance notice be given to the authorities before a social protest may be held in public places is compatible with the right of assembly, as long as this requirement has the purpose of informing the authorities and allowing them to take measures to facilitate the exercise of the right without significantly disturbing the normal activities of the rest of the community, or making it possible for the State to take necessary steps to adequately protect those participating in the demonstration (INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS, 2001, p. 52. Tradução livre do autor). 119 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 491.

53

5.1.8 Autoridade Competente

Acerca do termo “autoridade competente”, percebe-se uma abertura muito

ampla do dispositivo constitucional. A ausência de uma norma

regulamentadora que defina quem seria o órgão responsável para receber o

aviso causa certos transtornos. Assim, sugere-se que seja notificada uma

autoridade qualquer, desde que tenha pertinência temática e territorial com o

evento. Não faria sentido se notificar uma autoridade do município A para uma

reunião que ocorrerá no município B. Igualmente desprovido de razão seria o

aviso que informasse a uma autoridade com a qual não se guarda nenhuma

pertinência temática, por exemplo, um aviso feito ao Superintendente de

Relações Internacionais do Estado acerca de uma manifestação dos

funcionários municipais da educação. Contudo, deve-se ter em mente que, em

virtude da indefinição do vocábulo, forçoso é compreender de forma ampla o

termo autoridade, desde que essa tenha certo grau de legitimidade para o

caso.

Assim, para uma manifestação dentro dos limites de um determinado

município, avisar a Prefeitura Municipal, o órgão municipal de trânsito, a

unidade da Polícia Militar com responsabilidade territorial respectiva, o

Comandante do Batalhão de Choque, o Delegado de Polícia e até mesmo o

Ministério Público seriam exemplos de autoridades que poderiam ser

notificadas. Isso porque, in casu, não caberia restrição sem uma previsão legal

de qual seria a autoridade a ser informada.

No município de Belo Horizonte a Lei Municipal n. 9.845/10, Código de

Posturas de Belo Horizonte, na parte que regulamenta o uso dos logradouros

públicos, estatui que a Unidade de Choque da Polícia (Batalhão de Eventos da

Polícia Militar) seja a autoridade a ser notificada, in verbis:

Seção II – Da Passeata e da Manifestação Popular

54

Art. 58 – A realização de passeata ou manifestação popular em logradouro público é livre, desde que: I – não haja outro evento previsto para o mesmo local; II – tenha sido feita a comunicação oficial ao Executivo e ao Batalhão de Eventos da Polícia Militar de Minas Gerais, informando dia, local e natureza do evento, com, no mínimo, 24 (vinte quatros) horas de antecedência. III – não ofereça riscos à segurança pública120.

No município do Rio de Janeiro, o Decreto n. 29.881, de 18 de setembro de

2008, que “Consolida as Posturas da Cidade do Rio de Janeiro e dá outras

providências”, em seu artigo 51,121 define que as comunicações para efeitos de

passeatas e manifestações devem ser feitas às subprefeituras e à companhia

de trânsito da cidade, dispensando a notificação à polícia.

Na África do Sul, a norma regulamentadora estatui não só a autoridade, mas

também todo o procedimento a ser adotado entre o agente estatal e um

representante dos organizadores, determinando negociações prévias para

discutir assuntos atinentes à manifestação, tais como horário, trajeto e data do

evento.122

5.2 RELATIVIZAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO, MAS FORA DO INC. XVI, ART. 5º

Em virtude de circunstâncias excepcionais tornam-se aceitáveis as

relativizações de determinados direitos havidos como fundamentais. Nesses

termos, Jorge Miranda123 lembra o exemplo do Riot Act inglês. Essa norma foi

um ato do parlamento britânico que autorizava autoridades locais a declararem

qualquer grupo de 12 ou mais pessoas ilegais. O Ato foi editado no início do

século 18 objetivando prevenir distúrbios, pois, segundo a própria norma, 120 BELO HORIZONTE, 2004. 121 Art. 51. As reuniões pacíficas, como passeatas ou manifestações, quando não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, independem de autorização formal de qualquer órgão público, bastando que sejam comunicadas, com a antecedência necessária, às Subprefeituras e às Coordenadorias Regionais da Companhia de Engenharia de Tráfego - CETRIO. (RIO DE JANEIRO, 2012). 122 SOUTH AFRICA, 1993. 123 MIRANDA, 2008, p. 381.

55

diversos tumultos assolavam a ilha naquele período perturbando a paz

pública.124

Atualmente, essas situações anormais são caracterizadas pela ruptura do

equilíbrio institucional. Assim, como exemplo dessa situação, é possível

mencionar as guerras, as epidemias, as inundações, as profundas crises

econômicas, entre outras. Nesses casos a própria Constituição estipula

medidas destinadas à defesa do Estado. Para Kildare Carvalho, “as medidas

excepcionais devem ser necessárias, adequadas e proporcionais para o

restabelecimento da normalidade institucional”.125 Dessa forma, as medidas

adotadas devem se vincular a uma necessidade e serem temporárias.

Na CRFB/88 a disciplina dos períodos de crise, ou Sistema Constitucional das

Crises, compreende os Estados de Defesa, de Sítio e a intervenção federativa.

A Constituição estatui que nas hipóteses de decretação de Estado de Defesa o

direito de reunião pode sofrer constrições maiores do que em períodos de

normalidade. Destaca-se, apenas, que o decreto que instituir o período de

crise, poderá conter a restrição ou suspensão de tal direito, até mesmo no seio

de associações, in verbis:

Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou para prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. § 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I – restrição ao direito de: a) reunião, ainda que exercida no seio de associações [...].126

124 GUTENBERG PROJECT, 2012. 125 CARVALHO, 2009, p. 1374. 126 BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988.

56

Por sua vez, a disciplina do Estado de Sítio está prevista nos artigos 137 e

seguintes. Nessa hipótese, também está prevista a possibilidade de

relativização do direito de reunião. Acerca do tema, o art. 139 da Constituição

permite:

Art. 139. Na vigência do Estado de Sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: [...] IV – suspensão da liberdade de reunião.127

Assim, na própria Constituição já se depara com possíveis constrições ao

direito de reunião que, a priori, não foram elencadas no preceito que

estabelece o direito de reunião.

Destaca-se que no Sistema de Crises pode ocorrer tanto a relativização

suspensiva quanto a restritiva do direito de reunião. Na lição de Márcio Luís de

Oliveira128 na primeira, suspensiva, relativiza-se o exercício do direito de

reunião por completo, mas por período determinado, enquanto na medida

restritiva o direito pode ser exercido, contudo, de forma limitada.

5.3 LIMITES IMPLÍCITOS AO DIREITO DE REUNIÃO

Já foi demonstrado nesta pesquisa monográfica o posicionamento da doutrina

ao afirmar que os limites ao direito de reunião não se esgotam nas

relativizações somente expressas. Assim, há também a categoria que

denominamos de limites implícitos. Tal classe é deduzida logicamente, apesar

de não legislada. Nesse sentido, estudaremos as constrições ao direito de

reunião estabelecidas pela licitude dos propósitos.

127 BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988. 128 OLIVEIRA, 2011, p. 444.

57

5.3.1 Licitude dos Propósitos

Outro desses limites implícitos apontados pela doutrina é a licitude de

propósitos. Entre os autores que entendem a licitude de propósito enquanto

limite ao direito de reunião é possível citar o magistrado mineiro Kildare

Carvalho129. Para esse autor, essa medida seria decorrente de um pressuposto

lógico, pois, se ilícito o propósito, a própria reunião seria contrária ao Direito. A

finalidade lícita, enquanto exigência para o direito de reunião, também é

apontada pelos ministros José Celso de Mello Filho130 e Gilmar Mendes,131

bem como por Wolgran Junqueira Ferreira132 e por Deborah Macedo Duprat de

Brito Pereira quando atuou como Procuradora Geral da República na inicial da

Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 187, no caso

conhecido como Marcha da Maconha.

Quando se diz que o direito de reunião deve ter objetivo lícito, não se pretende

restringir o Direito à lei. A liberdade de reunião pode contrariar uma lei e, ainda

assim, ser legítima. No Estado Democrático de Direito a antinomia entre a

autoridade da lei e a razão, não pode ser resolvida pela simples submissão

dessa àquela. A legitimidade do sistema jurídico é arquitetada sobre pilares

antropocêntricos, logo, o paradigma de validade é o próprio homem. Assim,

condutas contrárias à lei, portanto formalmente ilegais, caso lastreadas em

fundamentos constitucionais, podem ser consideradas conforme o Direito

vigente. Nessas hipóteses caracteriza-se a Desobediência civil, que são

“aquelas desobediências realizadas em respeito à Constituição e aos princípios

de justiça que nela são reconhecíveis e que a sustentam”,133 segundo o

professor Fernando Armando Ribeiro. Em trabalho sobre a desobediência civil,

a professora Maria Fernanda Salcedo Repolês ensina:

129 CARVALHO, 2009, p. 788. 130 MELLO FILHO, 1984, p. 364. 131 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 489. 132 FERREIRA, 1989, p. 142. 133 RIBEIRO, 2004, p. 217.

58

A Desobediência Civil é um ato público lícito, pois, embora ilegal, não é antijurídico, ou seja, embora não preserve a legalidade do Direito, levanta uma pretensão de legitimidade do mesmo, o que o diferencia de um crime. O crime pode assumir um caráter clandestino e é sempre um ilícito e um ato antijurídico. Aquele que pratica uma desobediência civil quer que o máximo possível de pessoas o vejam transgredindo a lei injusta e que, assim, eles também sejam levados a questionar a juridicidade de uma lei.134

Assim, a licitude dos propósitos deve ser analisada em face do sistema jurídico

como um todo, e não somente pelo viés da lei positivada.

5.4 RELATIVIZAÇÕES INFRACONSTITUCIONAIS AO DIREITO DE REUNIÃO

Pelo discutido no Capítulo 4, verifica-se que, mesmo diante da omissão do

legislador constituinte no que tange a possibilidade de estatuir limites

infraconstitucionais ao exercício do direito de reunião, tal constrição encontra

fundamento no sistema jurídico, ou seja, essas restrições ocorrem “sem

qualquer autorização constitucional expressa”135. Sobre tais restrições

Canotilho136 proporciona o seguinte exemplo:

De qualquer modo, também aqui podem existir mediações restritivas. Não se compreenderia, por exemplo, que o direito de manifestação (art. 45.º, 2), embora consagrado no texto constitucional sem quaisquer restrições constitucionais directas e sem autorização de lei restritiva, não pudessem ser restringidos por lei [...]. (ex.: o direito de manifestação está sujeito aos limites da “não violência” e aos limites resultantes da necessidade de proteção do conteúdo juridicamente garantido dos direitos dos outros, como por exemplo, a liberdade de deslocação).137

134 REPOLÊS, 2003, p. 19. 135 CANOTILHO, 2003 p. 450. 136 A citação feita por Canotilho refere-se ao texto da Constituição da República Portuguesa, na qual se lê: “Art. 45.º (Direito de Reunião e de Manifestação) 1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares aberto ao público, sem a necessidade de qualquer autorização. 2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação”. (PORTUGAL, 2005). 137 CANOTILHO, 2003, p. 450-451.

59

Assim, se passará a analisar algumas restrições ao direito de reunião que

existem em nosso sistema, apesar das omissões da Constituição brasileira na

matéria de deveres fundamentais e concorrência de direitos.

5.4.1 Os Direitos das Demais Pessoas

Nossa Constituição se omitiu duplamente no que tange ao assunto da presente

pesquisa. A primeira negligência é alusiva aos deveres fundamentais, a outra,

é no pertinente às restrições dos direitos fundamentais. De certa forma esse

hiato dificulta a compreensão dos reais contornos do direito de reunião. Não

obstante a falha, a omissão não afeta o sistema jurídico como um todo.

Impossível pensar no direito de uma pessoa sem o correlato dever do outro de

respeitá-lo. Se há de um lado o titular do direito à propriedade, e este pode

exercê-lo nos termos legais, as demais pessoas têm o dever de respeitar esse

direito. Direito e dever são como as faces de uma mesma moeda, o direito

inexiste sem o dever das demais pessoas de observá-lo. Destarte, se um

cidadão tem o direito de locomoção, e, com lastro nele, utilizar as vias públicas,

as demais pessoas têm o dever de respeitá-lo. Se alguém tem o direito ao

trabalho ou à saúde e, para exercê-lo plenamente, depende de transporte

público para chegar ao local de serviço ou da ambulância para chegar ao

hospital, as demais pessoas têm o dever de respeitar esse direito e, em

decorrência dessa obrigação, não impedir o livre trânsito de veículos.

A esse respeito, mesmo tratados de direitos humanos já preveem como limites

aos direitos humanos os direitos das demais pessoas. É o que se pode

constatar na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São

José da Costa Rica):

Art. 32.(2) Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos das demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, numa sociedade democrática.138

138 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1992.

60

No mesmo sentido o Art. 21 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos estabelece o direito de reunião como direito fundamental com a

seguinte redação:

Art. 21. O direito de reunião pacífica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde pública ou os direitos e as liberdades das pessoas.139

O direito das demais pessoas caracteriza uma relativização infraconstitucional

ao direito de reunião em virtude de que o Brasil é signatário de ambas as

normas convencionais mencionadas – Pacto de São José e Pacto Internacional

dos Direitos Civis e Políticos. E, consoante jurisprudência do STF140, os

tratados que versem sobre direitos humanos, não aprovados com quórum

qualificado, têm valor supralegal no sistema jurídico brasileiro.

Exemplo já discutido em jurisprudência brasileira é o uso de aparelho de som

perto de hospitais, hipótese na qual o direito à saúde prevaleceria. Em seu voto

na ADI n. 1.969, o ministro Ricardo Lewandowski exemplifica que nas

hipóteses de manifestações públicas com carros de som próximos a hospitais

seria aceitável a relativização do direito. Para o ministro, “numa situação como

essa, a restrição do uso de carros, aparelhos e objetos sonoros mostrar-se-ia

perfeitamente razoável”.141

No mesmo sentido o Advogado-Geral da União se posicionou: “a utilização de

aparelhos sonoros por certo período de tempo, bem como a limitação parcial

de acesso a determinadas vias não ensejam restrições ao exercício de

139 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1966. 140 A Emenda Constitucional 45/2004 inseriu o § 3º, no art. 5º da Constituição, disciplinando que os tratados aprovados com quorum qualificado têm natureza de Emenda Constitucional. Por sua vez, no RE 466.343-SP o STF reconheceu o valor supralegal dos tratados de Direitos Humanos não aprovados com quórum qualificado. 141 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 378.

61

legítimos direitos públicos subjetivos”.142 A questão dos ruídos decorrentes da

reunião comportam restrições mesmo em locais privados, caso prejudiquem o

livre gozo de direitos de terceiros, conforme já debatido outrora.

Precisamente na temática dos conflitos de direitos, eleva-se a importância de

reconhecer o conflito ou eficácia horizontal dos direitos humanos apresentada

neste trabalho. A discussão do conflito de direitos vem acompanhada da teoria

acerca dos deveres fundamentais, também já discutida. Verifica-se, em suma,

que ao direito fundamental de um cidadão corresponde um deve para toda a

sociedade143, em verdade, um dever fundamental. Assim, para o caso em

epígrafe, toda a sociedade deve respeitar a garantia de manifestação. Em

contrapartida, os demais cidadãos também possuem direitos como o de

locomoção, à saúde, à educação, ao trabalho, entre outros, que se encontram

em uma relação conflitual – concorrência – constante com o direito de reunião

e, ainda assim, precisam ser garantidos.

A questão atinente ao direito de reunião exercido em avenidas e ruas das

grandes cidades ainda tem outra peculiaridade: o da mobilidade urbana.

Aumenta-se a cada dia o número de veículos em circulação e, paralelo a esse

crescimento, cresce também o número de reivindicações políticas que obstam

o trânsito de veículos nas regiões de acentuada urbanização.

Essa preocupação também foi demonstrada pelos juristas Evandro Guerra e

Hebert Lourdes:

A questão preponderante é que a legitimidade do propósito dos movimentos não pode confrontar com o bem-estar dos componentes da comunidade [...] Primeiramente, no que diz respeito ao local em que são realizadas as concentrações: no centro da cidade, nas principais vias de acesso, interrompendo total ou parcialmente o trânsito em horários e dias que conhecidamente já trazem um maior volume de veículos [...] As vias escolhidas para as passeatas, que são reuniões em movimento, são sempre as principais da área central. [...] O acesso as vias públicas, por parte de pessoas que optam por não participar das manifestações, fica impedido, a

142 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 381. 143 SOARES, 2002, p. 141.

62

liberdade de trabalho tolhida, a economia prejudicada. Muitos circunstantes, a quem não é dado o direito de escolher o que ouvir ou onde ir, se sentem agredidos pela imposição dos manifestantes. Não é difícil imaginar quantos compromissos profissionais, pessoais, econômicos e financeiros ficam comprometidos em face desses movimentos144.

Para melhor estudar a questão, podem ser analisados alguns dados. Segundo

o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN),145 o município de Belo

Horizonte possuía em 2001, 706.480 (setecentos e seis mil, quatro centos e

oitenta) veículos registrados. Dez anos mais tarde, em dezembro de 2011, o

mesmo município chegou aos 1.438.723 veículos (um milhão, quatrocentos e

trinta e oito mil, setecentos e vinte e três veículos), um número 103,65% maior.

Aumento semelhante aconteceu nas demais cidades da Região

Metropolitana,146 aumentou-se o número de pessoas e linhas de ônibus.

Enquanto isso, as vias urbanas continuam praticamente as mesmas, sobretudo

no centro da cidade, local onde, via de regra, acontecem as manifestações.

Também à guisa de ilustração, pode-se verificar em relatório de unidade de

trânsito que, no primeiro semestre de 2009, apenas no município de Belo

Horizonte, os militares do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran)

acompanharam 66 (sessenta e seis) manifestações em vias públicas.147

Desconsiderando-se feriados e finais de semana e, ainda, levando em conta o

que os estatísticos denominam cifra negra,148 constata-se um grande número

de protestos que se utilizam das pistas de rolamento.

A relativização do direito de reunião e a concorrência desse direito com a

liberdade de ir e vir das demais pessoas, também aflora quando se analisa o 144 GUERRA; LOURDES, 2007, p.30. 145 BRASIL. DENATRAN, 2012. 146 BRASIL. DENATRAN, 2012. 147 MINAS GERAIS. Polícia Militar, 2009. 148 In casu, entende-se por cifra negra as manifestações em logradouros públicos que não foram acompanhadas por militares do BPTran bem como as que ocorreram, foram acompanhadas pelos militares, mas não foram registradas por militar do BPTran mas por militar de outra unidade ou, ainda, sequer foram registradas pela Polícia Militar. Na Defesa Social no Brasil as cifras negras costumam ser tão altas que para analisar a criminalidade, sociólogos se valem apenas do evento homicídio para avaliar objetivamente a segurança de determinada região. Isso porque, o número de homicídios registrados é mais próximo ao número de homicídios verdadeiramente ocorrido.

63

tema sobe o viés do Direito de Trânsito. Contudo, tal confluência será

analisada adiante, quando forem analisados alguns preceitos do Código de

Trânsito Brasileiro.

Por ora, é preciso ter em mente que o direito de reunião também encontra

limites em todo acervo jurídico de direitos e garantias dos cidadãos. Na

hipótese, verifica-se circunstância na qual os direitos fundamentais dos

cidadãos se colidem e se interpenetram e, por isso, precisam ser

harmonizados.

5.4.2 Direito Eleitoral

A Lei 9.504/97 ao estabelecer normas para as eleições também relativiza a

garantia fundamental de reunião.

No caput do art. 39 da mencionada lei constata-se que: “A realização de

qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou

fechado, não depende de licença da polícia”149. Assim, verifica-se que nesse

preceito legal há somente a reiteração do disposto na Constituição, ou seja,

deixando claro que não compete ao poder público deliberar, no âmbito da

discricionariedade, se concederá ou não a autorização. Desse modo, a

ocorrência do ato político-eleitoral não passa pelo crivo decisório da

Administração.

Por sua vez, o § 1º do art. 39 estipula:

O candidato, partido ou coligação promotora do ato fará a devida comunicação à autoridade policial em, no mínimo, vinte e quatro horas antes de sua realização, a fim de que esta lhe garanta, segundo a prioridade do aviso, o direito contra quem tencione usar o local no mesmo dia e horário.150

149 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b. 150 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b.

64

Destarte, apesar de a Constituição fazer menção ao mero “prévio aviso”, sem

definir a antecedência da informação, para as questões de pleitos eleitorais a

Lei 9.504/97 exige que a notificação à autoridade competente seja, no mínimo,

de 24 horas antes da realização do ato. Além disso, a lei também faz alusão à

autoridade policial, estabelecendo que ao menos uma autoridade policial deva

ser avisada.

Já o § 2º do mesmo artigo apenas estabelece deveres à autoridade policial,

posto que pela norma “a autoridade policial tomará as providências necessárias

à garantia da realização do ato e ao funcionamento do tráfego e dos serviços

públicos que o evento possa afetar”.151 Assim, cria a obrigação positiva para a

autoridade policial, extrapolando-se, dessa forma, o mero dever de não

intervenção. Destaca-se que, em virtude da atribuição exigida da autoridade

policial, verifica-se ser atividade para a qual é competente a força pública, ou

seja, a polícia ostensiva. Não se pode, portanto, exigir da autoridade de polícia

judiciária que adote as providências mencionadas. Em decorrência disso, pode

se entender também que a notificação tenha que ser feita a essa autoridade, o

que força compreender que a comunicação do § 1º, do art. 39, deva ser feita à

Polícia Militar.

O § 3°, do art. 39, também apresenta algumas restrições. Estipula o preceito

que a utilização de certos equipamentos em manifestações deve estar restrita

ao horário compreendido entre 8 e 22 horas e, ainda, mantendo certa distância

de alguns tipos de prédios. A literalidade da norma dispõe:

§ 3º O funcionamento de alto-falantes ou amplificadores de som, ressalvada a hipótese contemplada no parágrafo seguinte, somente é permitido entre as oito e as vinte e duas horas, sendo vedados a instalação e o uso daqueles equipamentos em distância inferior a duzentos metros: I - das sedes dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das sedes dos Tribunais Judiciais, e dos quartéis e outros estabelecimentos militares; II - dos hospitais e casas de saúde;

151 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b.

65

III - das escolas, bibliotecas públicas, igrejas e teatros, quando em funcionamento.152

No que tange à utilização de aparelhos fixos, a Lei 9.504/97 também apresenta

restrições. No § 4o do art. 39 está expresso que “a realização de comícios e a

utilização de aparelhagem de sonorização fixa são permitidas no horário

compreendido entre as 8 (oito) e as 24 (vinte e quatro) horas“.153

Situação bem mais gravosa é a promoção de comício ou carreata, ou ainda, a

utilização de alto-falante e amplificadores de som no dia da eleição. Para essas

situações a Lei 9.504/97 estabelece:

§ 5º. Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR: I – o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata [...];154

Dessa forma, verifica-se que, além de serem proibidas, tais condutas,

caracterizam um tipo penal se ocorrerem em dia de eleição. A sanção ao crime

comporta multa, pena acessória de prestação de serviço ou até mesmo pena

privativa de liberdade.

Por sua vez, carreatas e passeatas são permitidas até as 22 horas do dia que

antecede a eleição, consoante § 9° do mesmo artigo 39: “Até as vinte e duas

horas do dia que antecede a eleição, serão permitidos distribuição de material

gráfico, caminhada, carreata, passeata ou carro de som que transite pela

cidade divulgando jingles ou mensagens de candidatos.”

As manifestações coletivas e até mesmo as aglomerações de pessoas nos dias

de pleito eleitoral também possuem outras restrições. O art. 39-A em seu caput

e § 1° define:

152 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b. 153 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b. 154 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b.

66

Art. 39-A. É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos. § 1º É vedada, no dia do pleito, até o término do horário de votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumentos de propaganda referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos.155

Ante todo o exposto, percebe que o direito de reunião previsto no inciso XVI

art. 5° possui diversas relativizações no que tange às eleições, conforme

preconiza a Lei 9.504 de 30 setembro de 1997.

5.4.3 Direito Militar

Ao estudar as relativizações dos direitos fundamentais, o constitucionalista

Jorge Miranda faz alusão a um outro binômio de classificação das restrições:

restrições comuns a todas as pessoas e restrições particulares, ou seja,

restrições que só afetam direitos em relação a certas categorias de pessoas.156

Dentre essas restrições particulares ou específicas, que só afetam

determinadas categorias de pessoas, verificam-se no sistema jurídico brasileiro

as dispostas no “Direito da Caserna”157.

Embora muitas vezes negligenciado quando se discute o direito de reunião, no

Direito Militar também encontramos relativizações a esse direito fundamental.

Mais especificamente, a constrição a essa liberdade pública está presente no

Código Penal Militar (CPM), Decreto-Lei n. 1.001/69. Nesse diploma criminal,

encontra-se o tipo penal do Motim:

Motim Art. 149. Reunirem-se os militares ou assemelhados: I – agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando a cumpri-la;

155 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b. 156 MIRANDA, 2000, p. 369. 157 Caserna é a habitação ou alojamento de militares dentro do quartel. Para efeitos do presente trabalho, entenda-se Direito da Caserna como sinônimo de Direito Militar.

67

II – recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência; III – assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior; IV – Ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar: Pena – reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças.158

Pelo exposto, percebe-se que o legislador definiu alguns limites ao direito de

reunião dos militares (e.g, reunir agindo contra ordem recebida de superior) e

os criminalizou, bem como definiu como crime militar condutas que já poderiam

ser penalizadas segundo o Código Penal comum (e.g., a prática de violência

durante a reunião pode ser tipificada como vias de fato, lesão corporal ou outro

tipo normativo, conforme o caso concreto).

Além do Motim (art. 149, do CPM) se têm também a Revolta159 (art. 149,

parágrafo único, do CPM) que ocorre quando o motim é realizado por agentes

armados; o crime de Organização de Grupo para a Prática de Violência (art.

150, do CPM), que ocorre quando “reunirem-se dois ou mais militares ou

assemelhados, com armamento ou material bélico, de propriedade militar,

praticando violência à pessoa ou à coisa pública ou particular em lugar sujeito

ou não à administração militar”;160 e, entre outros, destaca-se o crime de

Omissão de Lealdade161 (art. 151, CPM), que trata da situação na qual o militar

tem conhecimento de reuniões ilegais, mais especificamente motim ou revolta,

e deixa de levar tal fato ao conhecimento do superior hierárquico.

Assim, alguns dispositivos previstos no Código Penal Militar também

configuram constrições ao direito fundamental de reunião, contudo, apenas

limitam o exercício do direito de reunião dos militares. Enquanto no contexto da

iniciativa privada os funcionários de determinada empresa podem se reunir 158 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969. 159 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969. 160 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969. 161 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969.

68

contra a ordem de um superior, os militares não possuem esse direito por

expressa vedação legal. No âmbito civil ou administrativo comum poderia a

ação até ter repercussões cíveis ou administrativas, conforme o caso. Para os

militares, trata-se de autêntica relativização do direito fundamental de reunião,

inclusive criminalizada.

Poderia ser aventada a possibilidade de esses dispositivos do CPM não terem

sido recepcionados pela Constituição quando confrontados com o inciso XVI,

art. 5º. Contudo, ante o apresentado até o momento acerca da dogmática de

relativização dos direitos fundamentais, acredita-se que a interpretação

sistêmica do direito de reunião previsto na Constituição com lastro nos

princípios constitucionais das Instituições militares não impede a incidência do

Código Penal castrense. Ademais, a própria Constituição no art. 140 elege a

hierarquia e a disciplina como fundamentos das organizações militares.

5.4.4 Código de Trânsito Brasileiro

Uma das questões mais delicadas a se enfrentar quando se analisa o direito de

reunião no Brasil é seu conflito aparente com as leis que regulam o trânsito no

território brasileiro.

Assim como acontece no Direito Eleitoral e no Direito Militar, o Código de

Trânsito Brasileiro (CTB) também apresenta reservas ao direito de reunião. A

Lei 9.503 define em seu art. 1º que “o trânsito de qualquer natureza nas vias

terrestres do território nacional, abertas à circulação” é regulado pelo próprio

Código de Trânsito. Além disso, o § 1º da mesma norma define que “considera-

se trânsito a utilização de vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em

grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e

operação de carga e descarga”. Assim, verifica-se que o deslocamento de um

grupo de pessoas nas vias de circulação também é regulado pelo próprio CTB.

69

No intuito de definir como deve ser feito o deslocamento de pedestre nas vias

públicas, temos o art. 68, que dispõe:

Art. 68. É assegurado ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para a circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestre. [...] § 2º Nas áreas urbanas, quando não houver passeios ou quando não for possível a utilização dele, a circulação de pedestres, na pista de rolamento, será feita com prioridade sobre os veículos, pelos bordos da pista, em fila única, em sentido contrário ao deslocamento de veículos, exceto em locais proibidos pela sinalização e nas situações em que a segurança ficar comprometida.162

Assim, verifica-se que somente em situações excepcionais o Código de

Trânsito assegura ao pedestre a utilização das faixas de rolamento. E, quando

o faz, ainda assegura que terá prioridade sobre os veículos. Trata-se, segundo

as letras da lei, de medida esporádica o trânsito de pedestre fora dos passeios.

Também em seu Capítulo VIII, que aborda a engenharia de tráfego, operação,

fiscalização e policiamento ostensivo de trânsito, o CTB emana luzes sobre o

tema. Nesta seara a Lei 9.503 disciplina os eventos em via pública que possam

perturbar a livre circulação de veículos e pedestres:

Art. 95. Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.163

Constata-se com o art. 95 que qualquer evento que obste o livre fluxo de

veículos e pedestres depende de autorização do órgão ou entidade com a

circunscrição sobre a via. Além desse dispositivo, entre os ilícitos

administrativos definidos pelo mesmo Código, também é possível se deparar

com o seguinte preceito:

Art. 254. É proibido ao pedestre:

162 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997a. 163 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997a.

70

I – permanecer ou andar nas pistas de rolamento, exceto para cruzá-las onde for permitido; II – cruzar pistas de rolamento nos viadutos, pontes, ou túneis, salvo onde exista permissão; III – atravessar a via dentro das áreas de cruzamento, salvo quando houver sinalização para esse fim; IV – utilizar-se da via em agrupamentos capazes de perturbar o trânsito, ou para a prática de qualquer folguedo, esporte, desfiles e similares, salvo em casos especiais e com a devida licença da autoridade competente; V – andar fora da faixa própria, passarela, passagem aérea ou subterrânea; VI – desobedecer à sinalização de trânsito específica [...]164;

Pela literalidade da norma, percebe-se que o legislador definiu como ilícita a

interferência no tráfego de veículos, seja pelos prejuízos ao trânsito, seja pela

segurança dos transeuntes ou dos ocupantes dos veículos, sendo que, para

realizar eventos que de alguma forma obstruam a livre circulação de veículos

exige-se a devida licença do competente legal.165

Ante os dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro analisados, são possíveis

três interpretações.

A primeira seria o reconhecimento de inconstitucionalidade de todos esses

preceitos do CTB por afrontarem o direito fundamental de reunião, sobretudo a

exigência de licença para utilizar as vias públicas. Isso, por certo, na medida

em que colidirem com o direito de reunião.

O segundo entendimento seria o oposto. Ou seja, como já demonstrado,

apesar da omissão do legislador constituinte, leis infraconstitucionais podem

relativizar o direito de reunião. Assim, as manifestações e os protestos públicos

são garantidos, mas não poderiam acontecer nas faixas de rolamento. Logo,

apenas em locais não regulados pelo CTB, tais como praças, passeios e

parques, é que não se exigiria a autorização. As passeatas e marchas nas vias

de rolamento poderiam acontecer, desde que tivessem a licença do órgão ou

164 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997a.. 165 Via de regra, a autoridade competente será o Município, nos termos do artigo 24 do CTB.

71

entidade com circunscrição sobre a via conforme exigido pelo art. 95 do Código

de Trânsito.

Uma terceira hipótese, mediana entre as outras duas, seria a que tentasse

conciliar ambos os preceitos, a circulação de veículos e pedestres, ainda que

mitigada, e os protestos nas pistas de rolamento. Nessa terceira opção, tanto o

direito de ir e vir quanto o direito de reunião comportariam certa carga de

restrição recíproca, sobre o prisma do princípio da proporcionalidade.

Demonstrando a aplicação do princípio em contextos de antinomia, Paulo

Bonavides afirma:

Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorrem antagonismos entre direitos fundamentais e se busca desde aí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado. [...] situações concretas onde bens jurídicos, igualmente habilitados a uma proteção do ordenamento jurídico se acham em antinomia, têm revelado a importância do uso do princípio da proporcionalidade.166

Aliás, o STF tem utilizado o princípio da proporcionalidade em sua

jurisprudência relativa ao direito de reunião. Comparando dois julgados

emblemáticos sobre o assunto, Rodrigo Nitrini167 afirma que o Supremo

Tribunal Federal tem aplicado o princípio da proporcionalidade em uma

perspectiva mais substancial. O autor chega a tal conclusão ao analisar o

Mandado de Segurança (MS) n. 20.258/81, no qual estava em pauta a reunião

de professores que pretendiam acompanhar uma votação no Congresso e a

Ação Direta de Inconstitucionalidade 1969-4/99, na qual se discutia a já

mencionada regulamentação do direito de reunião feita no Distrito Federal.

Segundo Nitrini, a regra da proporcionalidade meramente formal tem dado

lugar a uma ponderação proporcional que prestigia as normas de direito

fundamental, sendo que, tal mudança reflete “uma democracia institucional

cada vez mais consolidada”.168

166 BONAVIDES, 2008, p. 425. 167 NITRINI, 2002. 168 NITRINI, 2002.

72

Assim, apenas diante do contexto fático, no qual os valores e princípios

envolvidos podem ser analisados, poderia se afirmar em que razão seriam os

direitos relativizados. Nesse sentido, vários elementos contribuiriam para a

relativização proporcional do direito de reunião: a quantidade de pessoas

presentes na passeata, a avenida escolhida, o horário do evento, o transtorno

gerado pela manifestação; esses e outros elementos demonstrariam a

proporção da medida restritiva. Entretanto, nessa última hipótese, surgiria uma

outra discussão acerca de qual seria a autoridade competente para ponderar a

proporcionalidade.

Demonstrado o problema, evidencia-se outra vez mais a necessidade de se

regulamentar a matéria ou, então, jurisprudência do STF que enfrente o conflito

do CTB com o direito de reunião.

Sobre essa concorrência de direitos a posição da Comissão Interamericana de

Direitos Humanos é bastante ilustrativa. Segundo a CIDH:

Em sociedades democráticas, o espaço urbano não se presta somente à circulação, mas também é um espaço para a participação. Assim, os Estados devem garantir, e não obstruir o direito de manifestantes de se reunirem em lugares públicos e privados e ainda nos lugares de trabalho169.

Assim, verifica-se que para esse órgão da Organização dos Estados

Americanos (OEA), a utilidade das vias públicas vai além do ir e vir de pessoas

e veículos.

5.4.5 Direito Criminal

Os tipos penais são, em sua essência, normas que relativizam os direitos e

garantias fundamentais.170 Assim, também é possível encontrar no Direito

169 In a democratic society, the urban space is not only an area not only for circulation, but also a space for participation. States must guarantee and not obstruct the right of demonstrators to meet freely both in private and in public spaces and in workplaces. (INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS, 2001, p. 52). 170 OLIVEIRA, 2011, p. 458.

73

Criminal comum regras que relativizam o direito de reunião. Após a tipificação

de crimes referentes aos meios de transportes ferroviário, marítimo, fluvial e

aéreo, se encontra o art. 262 do Código Penal, que estatui:

Art. 262. Expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento. Pena – detenção de um a dois anos. Parágrafo 1º. Se o fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos. Parágrafo 2º. No caso de culpa, se ocorre desastre: Pena – detenção, de três meses a um ano.171

Trata-se de tipo penal misto alternativo, tendo como conduta típica expor a

perigo outro meio de transporte bem como impedir ou dificultar o

funcionamento desse. Para os fins do presente estudo, o que mais interessa é

a segunda possibilidade. Isso porque, protestos e passeatas em logradouros

públicos, por certo, podem afetar a livre circulação de ônibus, táxi, lotações,

entre outros. Assim, por exemplo, passeatas podem impedir ou dificultar o

funcionamento de transportes que sirvam ao interesse coletivo. Deve-se

ressaltar que o termo transporte público tem uma interpretação mais ampla do

que os serviços prestados diretamente pelo Estado. Nesse sentido Pierangeli

afirma que “a expressão transporte público não está a indicar um serviço

prestado com exclusividade pelo poder público, e sim abranger também o

serviço prestado pelo particular no interesse da coletividade”.172 Por certo, o

tipo incriminador em estudo exige o dolo, ainda que na modalidade eventual.

Cabe ainda ressaltar que em uma manifestação em via pública que, impedindo

ou dificultando o transporte público, resulte sinistro, e.g., o atropelamento de

alguém, tem-se, em tese, a figura qualificada desse delito constante no art. 263

do Código Penal.173

171 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940. 172 PIERANGELI, 2007, p. 611. 173 Forma Qualificada. Art. 263. Se de qualquer dos crimes previstos nos art. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258. (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940) Formas qualificadas de crime de perigo comum. Art. 258. Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada de

74

Acerca desse crime, cabe aludir a hipótese de acusados que, tomando parte

em movimento grevista, obstruíram a entrada e a saída de ônibus e pessoas de

empresa de transporte coletivo (TJSP, RT 720/417).174

A relativização ao direito de reunião operada pelo Direito Criminal não se

esgota na demonstrada anteriormente. Há outras situações tipificadas pelo

Código Penal que se caracterizam como autênticas relativizações às reuniões.

Como exemplo é possível citar as manifestações com carro de som que

perturbem enterro ou cerimônia funerária (art. 209 do CP) ou que perturbe ou

impeça serviço de estradas de ferro (Art. 260 do CP).

Em Portugal, há no Código Penal um crime no qual incide o cidadão que

desobedecer ordem de dispersão de reunião, in verbis:

Artigo 304º Desobediência a ordem de dispersão de reunião pública 1 - Quem não obedecer a ordem legítima de se retirar de ajuntamento ou reunião pública, dada por autoridade competente, com advertência de que a desobediência constitui crime, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se o desobediente for promotor da reunião ou ajuntamento, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.175

Sobre a dispersão das reuniões, a partir do estudo do Direito Internacional,

Cees de Rover aponta que o aparato estatal só pode se valer do uso da força

para dispersar reuniões quando estas, além de ilegais, forem também

violentas.176

Continuando no confronto aparente entre o Direito Criminal e o direito de

reunião, também na Lei de Contravenções Penais (LCP) há relativizações a

essa liberdade pública. Importante destacar que a LCP, como um todo, tem tido

homicídio culposo, aumentada de 1/3 (um terço). (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940). 174 DELMANTO et al, 2002, p. 538. 175 PORTUGAL, 2007. 176 ROVER, 2006, p. 200.

75

sua validade questionada ante o princípio da intervenção mínima177 em virtude

das condutas que tipifica. Por esse princípio, tem-se que o Estado deve

interferir minimamente na sociedade, somente o fazendo quando não possível

por outros ramos do Direito.178

Como exemplo de condutas tipificadas na LCP que relativizam as

manifestações públicas, pode-se imaginar a situação na qual alguém, durante

uma reunião (assembleia ou espetáculo público), provoque tumulto ou se porte

de modo inconveniente ou desrespeitoso; tal conduta está prevista no art. 40179

da Lei de Contravenções Penais.180 Com efeito, a doutrina majoritária entende

que a tipificação criminal da conduta é desnecessária e viola o princípio da

intervenção mínima. Sobre o tema Guilherme de Souza Nucci afirma:

A simples provocação de tumulto ou a adoção de conduta inconveniente não precisa ser considerada conduta penalmente relevante. Basta a aplicação de uma multa – como tem sido aplicado em legislações estrangeiras – invocando-se o direito de retirar, ainda que à força, o causador do tumulto do local. Entretanto, levar o caso à esfera criminal fere o princípio da intervenção mínima, podendo, inclusive, representar o cerceamento de um direito constitucional, como a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV, CF) ou da liberdade de expressão (art. 5º, IX, CF). Se o agente desenvolver conduta mais grave (note-se que a própria contravenção se intitula subsidiária), como agredindo a honra ou a integridade física de alguém, toma-se medida de caráter penal. Sem tal prisma, não nos parece seja razoável a punição por algo pífio. Aliás, solenidade, atos oficiais, assembleias e espetáculos públicos possuem, como regra, segurança particular, apta a retirar do recinto aquele que não souber manter comportamento adequado181.

Outra restrição que também é tipificada como contravenção é a perturbação do

trabalho ou do sossego alheios, mais especificamente as condutas previstas no

art. 42,182 incisos I e III. Durante uma reunião, passeata ou qualquer outra

177 GRECO, 2004, p. 54. 178 GRECO, 2004, p. 52-53. 179 Provocação de Tumulto. Conduta inconveniente. Art. 40. Provocar tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembleia ou espetáculo público, se o fato não constitui infração penal mais grave. Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa. (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1941). 180 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1941. 181 NUCCI, 2008, p. 185. 182 Perturbação do trabalho ou do sossego alheios. Art. 42. Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa,

76

modalidade de exercício do direito de reunião que se valha de equipamentos

sonoros, ou ainda, por meio de gritaria e algazarra, se perturbe o exercício do

trabalho ou o sossego de outra pessoa, caracteriza-se, em tese, a

contravenção acima. Assim, manifestações em portas de escola, hospitais,

fóruns, entre outros locais, podem chegar a incidir na figura típica descrita.

Cabe ressaltar que, assim como mencionado no comentário ao art. 40 da LCP,

também é volumosa a doutrina que entender ferir o princípio da lesividade a

tipificação penal dessa conduta.183

5.4.6 Limitações Quanto ao Conteúdo

Por mais despótico que possa parecer em um primeiro momento, há de forma

esparsa no Direito Brasileiro normas que restringem o conteúdo a ser veiculado

nas manifestações. Essas restrições poderiam estar em outros tópicos desta

monografia, tais como quando discutidos os limites implícitos ao direito de

reunião ou no item anterior, quando analisada a convergência do Direito Penal

e do direito de reunião.

Exemplos de limitação ao conteúdo veiculado nos protestos são encontrados

até mesmo no Direito Internacional. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos é um desses exemplos, in verbis:

Art. 20 1. Será proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra; 2. Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, radical, racial ou religioso que se constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência184.

Assim, são proibidas as manifestações favoráveis à guerra ou que incitem a

discriminação, a hostilidade, a violência ou o ódio nacional, radical, racial ou

em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV- provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa. (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1941). 183 NUCCI, 2008, p. 187. 184 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1966.

77

religioso. Isso, pois, o Brasil é signatário dessa convenção. Corrobora com

esse entendimento o parecer de José Luiz Quadros de Magalhães, que afirma:

A reunião pública, como direito individual fundamental, é meio de manifestação do pensamento e do exercício da liberdade de expressão, e não pode ser utilizada com finalidades contrárias aos Direitos Humanos. Dessa forma, uma reunião pública que vise à divulgação de teses racistas é ilegal, pois os participantes de tal manifestação pública cometem crime previsto na Constituição, punido com pena de reclusão nos termos da lei185.

De igual maneira, quando o legislador cria tipos penais como a injúria e a

difamação, caracterizam-se restrições à liberdade de expressão do cidadão,

restrições essas feitas de forma impessoal e abstrata. Nesses casos, ainda que

determinado cidadão queira se expressar, caso o exercício desse direito

ofenda a dignidade ou o decoro, não pode fazê-lo. No mesmo sentido,

manifestações públicas que ofendam a dignidade ou o decoro de algum

cidadão, ou ainda, imputem fato ofensivo à reputação de alguém, podem ser

questionadas juridicamente. Caracteriza-se, portanto, uma limitação quanto ao

conteúdo expresso nas manifestações públicas.

Deve-se, entretanto, atentar para o fato de que, nos casos em que o crime

exige a representação do ofendido, a persecução penal depende da

manifestação processual deste. Assim, o ofendido pode provocar o Estado

para que seja declarada a ilegalidade do ato e pleiteie a sua responsabilização.

A questão de impor limites ao conteúdo das reuniões é extremamente delicada.

Se de um lado se tem a liberdade de reunião, de outro existe a liberdade de

expressão. No crime de desacato esse debate tem tomado amplas proporções.

Enquanto nos crimes contra a honra há um limite claro ao direito de reunião,

ainda que dependente de uma manifestação do ofendido, o crime de desacato

gera mais debate. De fato, as autoridades públicas, em razão da função que

exercem, devem estar mais sujeitas às críticas do que o cidadão comum.

Perante esse argumento até mesmo a criminalização do desacato tem sido

185 MAGALHÃES, 2000, p. 108.

78

questionada. Com efeito, há interessantes estudos sobre o fenômeno da

descriminalização do desacato que tem ocorrido na América Latina; a título de

exemplo lembra-se o artigo “Abolitio Criminis do Desacato: um olhar sobre a

relação entre a autoridade pública e o particular na América Latina”.186

Nas Constituições de matriz comunista, como é típico das autocracias, eram

comuns as relativizações no conteúdo. A Constituição da extinta União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) dispunha que o direito de reunião

estava limitado aos objetivos da construção do comunismo.187 Por sua vez, a

Constituição da antiga Alemanha Oriental (República Democrática Alemã)

restringia essa liberdade à defesa dos objetivos e princípios da Constituição.188

Nos Estados Unidos as restrições que recaem sobre o conteúdo da mensagem

são inadmissíveis, sendo admitidas apenas as que recaem sobre o modo de

expressão, sobre o tempo ou sobre o lugar.189 Assim, nos Estados Unidos,

mesmo as “reuniões em que se advogam atividades ilícitas são toleradas,

contanto que a proposição não incite, não produza nem seja apta para gerar

iminente ação ilegal”.190

Outro exemplo de limitação quanto ao conteúdo que gerou grande discussão

foi a presente nos crimes de incitação e apologia, respectivamente artigos 286

e 287 do Código Penal. A incitação ao crime ocorre quando o agente “incitar,

publicamente, a prática de crime”,191 enquanto a apologia é “fazer,

publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”.192 Não

obstante a tautologia dos tipos penais, a criminalização das condutas gerou

ainda muita divergência.

186 OLIVER; OLIVEIRA, 2009. 187 MAGALHÃES, 2000, p. 109. 188 MAGALHÃES, 2000, p. 110 e 113. 189 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 492. 190 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 488. 191 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940. 192 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940.

79

A celeuma resultou em diversas decisões até mesmo contraditórias no

Judiciário. Após diversos julgados nos Tribunais de Justiça estaduais, a

Procuradoria-Geral da República levou o tema ao STF. Na controvérsia havia,

por um lado, o entendimento de que as “Marchas da Maconha” consistiam

discussão de política criminal, ou seja, representavam uma opinião contrária à

tipificação criminal da conduta do possuidor/dependente. E, por outro, a

concepção segundo a qual o manifesto a favor da descriminalização do uso da

maconha caracterizava os crimes de apologia e incitação.

Com o julgamento da ADPF n. 187, o Supremo Tribunal Federal criou nova

jurisprudência sobre o tema. Consoante a decisão da Corte, as tais marchas

que aconteciam por todo o país caracterizam o uso legítimo e legal da

liberdade de expressão e não configuram os crimes mencionados.

Essas discussões sobre o conteúdo da mensagem das manifestações públicas

têm se tornado cada dia mais problemáticas. No Brasil, brigas entre

evangélicos que protestaram na Parada Gay e a Parada do Orgulho LGBT que

teve como foco o protesto contra os cristãos em 2011 são sintomáticas da falta

de alteridade de algumas pessoas e grupos sociais. Na Sérvia, em 2010, a

Parada Gay teve que contar com a segurança feita pela Tropa de Choque para

poder acontecer e, ainda assim, resultou em quase uma centena de feridos193.

Situações como essas são encontrados rotineiramente.

Por meio dos exemplos citados, verifica-se que estabelecer balizas mais

seguras acerca do direito de reunião se demonstra extremamente necessário.

Assim, passa-se a discutir tal questão.

193 G1, 2010.

80

6 REGULAMENTAÇÃO

A solução de conflitos por meio de lei – solução heterônoma – é uma tradição

na ciência do direito. Sobre o tema, a juíza e jurista Mônica Sette Lopes nos

lembra que “a presença de uma norma reguladora de condutas e,

especialmente, o conteúdo material deste quadro normativo sempre se

apresentaram no centro das conjecturas em torno da vida humana”.194

Não obstante ser corriqueira na ciência jurídica, aspecto controverso do direito

de reunião no Brasil é sua regulamentação por meio de lei. Na inicial da ADI n.

1.946-9/DF, os peticionários afirmaram que "a tal questão [do direito de

reunião] prescinde de regulamentação",195 deixando claro que, para esses

advogados, o disciplinamento da matéria realizado pela Constituição é

suficiente. Também o ministro Aires Brito acredita que não caberia uma lei para

regulamentar o assunto, pois, para o magistrado, o inciso XVI, art 5º da

CRFB/88, “num dispositivo de eficácia plena, quanto ao seu teor de

normatividade, [...] não só consagra o direito de reunião como também, por

conta própria, indica todas as condições para o exercício desse direito”.196

Além do debate sobre a possibilidade jurídica de se regulamentar a matéria, o

ministro Marco Aurélio ainda levanta outra questão. Para o magistrado, existiria

uma premissa segundo a qual "não cabe à autoridade local regulamentar

preceito da Carta da República”.197

Mesmo ante esses apontamentos, alguns entes federados legislaram sobre a

matéria. A Câmara Municipal de Contagem, ao editar a Lei Orgânica do

Município, repete, em sua literalidade,198 os preceitos da Constituição, não

194 LOPES, 2008, p. 15 195 Petição Inicial da ADI n. 1.969. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007). 196 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 299. 197 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007. 198 Lei Orgânica do Município de Contagem. Título II. Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Art. 5º - O Município assegura, no seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias fundamentais que as Constituições da República e do Estado conferem aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País [...] § 8º - Todos podem reunir-se

81

acrescentando nada à disciplina do direito de reunião. Igualmente inócua é a

previsão do direito de reunião na Constituição do Estado de Minas Gerais199

que simplesmente afirma estar garantido em Minas Gerais o exercício desse

direito. Partindo da constatação de que tal direito já se encontra na CRFB, tais

dispositivos ficam desprovidos de significado, tornando-se letras mortas.

Desnecessária também parece ser a Lei Orgânica do Município de Porto

Alegre200 por também conter preceitos análogos aos constitucionais. No Distrito

Federal, por sua vez, o Decreto regulamentador foi declarado inconstitucional

pelo STF201 gerando um dos mais importantes precedentes sobre a matéria no

Brasil, na já mencionada ADI n. 1.969-4.

Constata-se, dessa forma, que o tema tem refletido em diversos Municípios e

Estados-membros da federação. Assim, alguns levantamentos sobre o tema

mostram-se importantes.

6.1 POSSIBILIDADE DE REGULAMENTAÇÃO

Apesar de existir posicionamentos no sentido de não ser possível regulamentar

o direito de reunião pela ausência de expressa autorização constitucional, não

parece razoável tal entendimento.

Como demonstrado no Capítulo 4 do presente trabalho, a ausência de

autorização constitucional expressa para se restringir o direito de reunião não

pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente. (CONTAGEM, 2012). 199 Art. 4º – O Estado assegura, no seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República confere aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País. [...] § 6º – O Estado garante o exercício do direito de reunião e de outras liberdades constitucionais e a defesa da ordem pública, da segurança pessoal e dos patrimônios público e privado.(MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa, 2012). 200 Art. 152 – São direitos constitutivos da cidadania: [...] III - prerrogativa de tornar públicas reivindicações mediante organização de manifestações populares em logradouros públicos e afixação de cartazes e reprodução de "consignas" em locais previamente destinados pelo Poder Público. (PORTO ALEGRE, 1990) 201 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007.

82

afasta a possibilidade de fazê-lo. Assim, se mesmo ante a omissão

constitucional é possível restringir o exercício desse direito, por certo,

regulamentá-lo também o é.

Outrossim, por razões de lógica e hermenêutica verifica-se a necessidade de

regulamentar o direito de reunião. Constata-se na leitura do disposto no inciso

XVI, art. 5º da CRFB, que tal preceito requer, inevitavelmente, uma norma

regulamentadora. Isso porque, a Constituição determina um prévio aviso à

autoridade competente sem esclarecer o que se entende por prévio e nem

mesmo designa qual seria a mencionada autoridade.

No que tange à autoridade competente, a indefinição também causa

transtornos. Receber a comunicação da ocorrência do evento é importante

para diversas instituições públicas. O órgão de trânsito com circunscrição sobre

a via (departamento de trânsito do Município, do Estado, do Distrito-Federal, da

União), a autoridade policial militar responsável pela área, o comandante da

Tropa de Choque da localidade (responsável pelo controle de distúrbios), a

subprefeitura, o Ministério Público, entre outros órgãos que podem ser

sugeridos, todos esses necessitam ser informados sobre o evento. Como já

apontado, além do próprio interesse público, tais informações se prestam à

viabilizar o pleno exercício do direito, pois os agentes públicos possuem um

dever positivo no concernente ao direito de reunião.

Sobre a possibilidade de se regulamentar por meio de ato normativo

infraconstitucional um direito fundamental previsto na Constituição, André

Ramos Tavares afirma:

O postulado da constitucionalidade, pois, não deve ser confundido com a ideia de que existem matérias reservadas à Constituição, ou com o conceito de Constituição em sentido substancial. Apenas se poderia cogitar desse tipo de orientação quando a Constituição é expressa, deixando certo que determinadas matérias não estariam ao alcance do legislador e, assim, teriam âmbito de disciplina normativa exclusiva na própria Constituição [...]. De resto, não há como sustentar, sem amparo no próprio texto escrito da Constituição, que determinada matéria só possa ser tratada no âmbito constitucional.

83

Uma tal imposição só poderia ter caráter supraconstitucional, o que não se admite sob pena de destruição da própria ideia de supremacia constitucional.202

Verifica-se, então, a necessidade e a possibilidade de se regulamentar a

matéria. Por outro lado, a ausência dessa disciplina tem trazido diversos

prejuízos. Comumente a questão tem sido decidida na prática por autoridades

locais. Assim, policiais atuam sem ter leis expressas que lhes proporcionem

segurança para trabalhar e por vezes os manifestantes sofrem constrições

ilegítimas aos seus protestos. A omissão do legislador tem se desdobrado até

mesmo em confrontos físicos com mortes. No Brasil ocorreu o caso que ficou

conhecido como “Massacre do Eldorado de Carajás”. Nessa situação, um

protesto na rodovia BR-155 terminou em morte de 21 pessoas e nas

condenações em regime fechado a 228 anos o coronel que comandou a

operação e a 158 anos o major.203

Afirma-se, portanto, não só a validade jurídica da regulamentação do direito de

reunião, mas também sua premente necessidade.

6.2 QUEM PODE REGULAMENTAR?

Demonstrada a possibilidade de se regulamentar a matéria, passa-se ao

segundo ponto da questão: qual seria a autoridade competente para

regulamentar o direito de reunião?

A CRFB em seu art. 18 estabelece: “A organização político-administrativa da

República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

Verifica-se, dessa forma, que a Constituição não estabeleceu hierarquia entre

os entes federados. Assim, no que tange à relação entre as leis internas dos

entes federados, não há hierarquia entre elas. Há, assim, somente reserva de

202 TAVARES, 2009, p. 631. 203 FOLHA DE SÃO PAULO, 2012.

84

competência. No magistério de Kildare Carvalho: “No Estado Federal, assinale-

se que as normas não são hierarquizadas em função da origem de sua

emanação, mas em virtude de um critério de competências para editá-las,

estabelecido pela Constituição Federal”.204

Logo, deve-se buscar qual entidade que integra a estrutura federativa é a

competente para discorrer sobre a matéria.

Nas oportunidades nas quais o STF analisou o direito de reunião, o problema

acerca da autoridade competente para regulamentar esse direito não foi

enfrentado. No julgamento da ADI n. 1.969, os peticionários sustentaram ser

inconstitucional o fato de o Distrito Federal disciplinar a matéria,

posicionamento esse também desposado pelo ministro Marco Aurélio.

Contudo, os demais ministros foram silentes no assunto. A

inconstitucionalidade foi declarada em virtude do conteúdo da regulamentação

e pela forma por meio da qual foi feita, e não em decorrência do sujeito político

que editou o ato regulamentador. Assim, no precedente, o fato de a

regulamentação ter sido feita pelo Distrito Federal não foi considerada

inconstitucional.

Ante o exposto, acredita-se que a priori não violam os preceitos constitucionais

as regulamentações editadas pelos Estados, pelos Municípios ou pelo Distrito

Federal. A não ser que, ao regulamentar a matéria, a forma escolhida ou o

conteúdo da norma contrariem preceitos constitucionais.

Apesar do exposto, acredita-se que a regulamentação em âmbito nacional seja

a mais adequada em virtude da segurança jurídica proporcionada. A criação de

regras distintas por cada ente pode gerar confusões. O problema tende a

aflorar de forma mais intensa em regiões conurbadas que podem acolher

manifestações que perpassem mais de um município.

204 CARVALHO, 2009, p. 1001.

85

Não obstante, regulamentar uma liberdade política por meio de ato normativo

municipal pode deixar o regramento da matéria mais propenso às influências

políticas locais. Assim, não se nega a competência do Município para

regulamentar o uso das próprias vias publicas e praças abertas ao publico,

entretanto, em decorrência da natureza de direito fundamental que está em

voga, mais propícia seria a definição em sede de lei nacional.

6.3 FORMA DO ATO REGULAMENTADOR

Para tal regulamentação, acredita-se que a forma adequada seja por meio de

lei, considerada nos aspectos materiais e formais. Consoante julgamento do

ministro Eros Grau, “o direito de reunião pode até ser regulamentado, mas não

pode decreto, só por lei”,205 isso porque, seria formalmente inconstitucional a

regulamentação que não por lei.

No que tange à forma de se externalizar a norma, cita-se novamente André

Ramos Tavares, que assevera:

Apenas o poder legislativo é que goza da faculdade de criar normas jurídicas que inovem originariamente o sistema jurídico nacional. É isso que distingue a competência legislativa da mera competência regulamentar. As normas regulamentares se inserem na competência privativa dos Chefes do Executivo, tendo como finalidade última a instrumentalização dos comandos legais, fornecendo meios materiais adequados a seu cumprimento efetivo. Sua exteriorização dá-se por meio de decreto. [...] é preciso lembrar que há casos de reserva de lei, ou seja, como visto, matérias que, em princípio, seriam da alçada do Executivo (por estarem compreendidas na noção ampla de “organização”), passam para o Legislativo, por imperativo constitucional expresso.206

Assim, verifica-se que, em se tratando apenas de detalhar uma lei, não se

cogitariam problemas caso fosse concretizada por meio de ato normativo do

Poder Executivo. Entretanto, a regulamentação ora em análise refere-se ao

205 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 383. 206 TAVARES, 2009, p. 639.

86

conteúdo jurídico do direito de reunião, desdobrando-se em restrição a esse

direito. Sendo assim, consoante o parecer de Jorge Miranda, não pode haver

norma regulamentadora que restrinja direitos, editados pela Administração. A

restrição deve ser feita por lei.207 Ademais, deve ser precisa, sem termos

vagos, que permita aos cidadãos conhecer os critérios legais.208 Deve se,

ainda, se ater aos fins em nome dos quais é estabelecida,209 na exata medida

para salvaguardar os outros interesses constitucionalmente protegidos210 e

todas as outras observações apontadas no Capítulo 4, no qual se discutiu a

questão dos limites dos limites, ou limites imanentes. O entendimento de que

essa regulamentação deve ser feita por lei strictu sensu ainda encontra lastro

na Constituição, que no inciso II, art. 5º, assegura que “ninguém será obrigado

a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.211

Não obstante os apontamentos da jurisprudência e doutrina pátrias, no novo

jus gentium212 também se encontra respaldo para o entendimento aqui

demonstrado. Na perspectiva do Direito Internacional, temos o Pacto de San

José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. Essa norma convencional

traz em seu bojo que:

Artigo 15. Direito de Reunião É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.213

No mesmo sentido é o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

(PIDCP), o qual também contou com a adesão do Brasil. Esse tratado exige

207 MIRANDA, 2008, p. 376. 208 MIRANDA, 2008, p. 377. 209 MIRANDA, 2008, p. 378. 210 MIRANDA, 2008, p. 379. 211 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988. 212 Segundo Cançado Trindade (2006, p. 399), o Direito Universal da Humanidade – Direito Internacional dos Direitos Humanos, seria o jus gentium do século 21, ou novo jus gentium. 213 BRASIL. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 1992b.

87

que as limitações ao direito de reunião sejam operadas por meio de lei, nos

seguintes termos:

Art. 21. Direito de reunião pacífica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde pública ou os direitos e as liberdades das pessoas.214

Assim, até mesmo em nome da responsabilidade internacional, verifica-se que

no Direito Brasileiro a regulamentação do direito de reunião deve ser feita por

lei, material e formalmente considerada. Em síntese, na regulamentação do

direito de reunião no Brasil incide o princípio da reserva legislativa,215 pois, para

ser positivada, a regulamentação depende da apreciação e deliberação do

Poder Legislativo.

No Chile, a própria Constituição216 define que a regulamentação será operada

por meio de ato administrativo. Assim, naquele país o direito de reunião é

regulamentado por um Decreto de 1983,217 editado pelo General Pinochet

durante o período da ditadura militar. Com efeito, o resultado não poderia ser

outro: tanto a forma de atuação dos Carabineiros218 nas manifestações quanto

a regulamentação operada por meio de ato do Poder Executivo têm sido

severamente criticados internamente pela doutrina do país219 e

internacionalmente por organismos de proteção dos direitos humanos.220

Assim, no Direito Brasileiro, acredita-se ser possível regulamentar a matéria,

por qualquer dos entes federados, desde que operada a disciplina da matéria

por meio de lei, jamais por ato normativo do Executivo.

214 BRASIL. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 1992a. 215 OLIVEIRA, 2011, p. 450-451. 216 Art. 19. La Constitución asegura a todas las personas: […] 13º. El derecho a reunirse pacíficamente sin permiso prévio y sin armas. Las reuniones en las plazas, calles y demás lugares de uso público, se regirán por las disposiciones generales de policía. (CHILE, 1980). 217 CHILE, 1983. 218 Polícia Nacional Chilena, responsável pela Ordem Pública e pela Segurança Pública. 219 ROKOV, 2012. 220 INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS, 2001, p. 50.

88

De certa forma, a necessidade de se regulamentar o assunto também se faz

em virtude da ausência de jurisprudência nacional que efetivamente confronte

o assunto. Portanto, alguns apontamentos sobre o papel dos precedentes

brasileiros sobre o direito de reunião se fazem necessários.

6.4 O PAPEL DOS PRECEDENTES NA REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO DE REUNIÃO

A sugestão de regulamentar o assunto por meio de lei não implica em

desconsiderar a importância dos julgados. Além disso, o objetivo da edição de

uma norma específica sobre o assunto, com efeito, não poderia ser o de

esgotar toda a margem possível de interpretação. Na precisa lição de Mônica

Sette Lopes, a função dos precedentes seria:

Os precedentes atuam como vetores de certeza do sistema e cumprem um papel importante ao sinalizar entendimentos uniformes e tornar visível o modo como a lei tende a ser entendida. Há, assim, uma antecipação mais clara dos riscos que as condutas e os conflitos potencialmente envolvem. Eles exercem uma função apaziguadora do dissenso que é inquestionável e que incide ou se efetiva numa gama considerável dos elementos consolidados.221

Contudo, não se encontrou no Direito Brasileiro algum julgado que enfrente as

indefinições atinentes ao direito de reunião. As primeiras jurisprudências

encontradas datam ainda de fins do século 19 e início do século 20. Porém,

não esclarecem muito acerca da hermenêutica do inciso XVI, art. 5º da

Constituição vigente.

Além disso, acredita-se que a segurança proporcionada por uma lei

regulamentadora do direito de reunião tornaria a clássica solução heterônima

de composição de conflitos mais adequada à matéria analisada.

221 LOPES, 2008, p. 242.

89

7 EPÍLOGO

A implementação do governo eurocêntrico em terras brasileiras trouxe consigo

o padrão de resposta despótico para os protestos populares. Assim, o

arquétipo utilizado pelos governantes para contrapor as reivindicações foi

instrumentalizado por meio do braço armado do Estado. Diálogos com os

manifestantes eram vistos apenas quando não se conseguia reunir tropas

suficientes para sufocar os levantes.222

Além da repressão flagrante, as autoridades também pensaram em registrar

negativamente esses feitos. Sublevação, sedição, conjura e inconfidência

sempre foram os adjetivos com que pejorativamente a historiografia oficial

batizou os agrupamentos populares que pleiteavam por direitos e garantias.

Assim, o reconhecimento tardio do direito de reunião no Brasil é apenas mais

uma faceta desse fenômeno. Não bastasse ter surgido apenas no final do

século 19, a possibilidade da intervenção da polícia ou de outra autoridade,

para manter a ordem ou a segurança públicas, bem como a possibilidade de

designação do local do evento, foram traços marcantes em nossas previsões

constitucionais desse direito. Assim, podemos afirmar que os desmandos do

Poder Público na liberdade de manifestação coletiva do pensamento no país

foram características marcantes na história desse direito. Essa tradição

autoritária também é demonstrada por Maria Fernanda Salcedo Repolês, para

quem “as contradições presentes na história de formação de uma identidade

constitucional brasileira apontam para uma linha de contínuos fracassos e

frustrações, gerados por uma forte tradição autoritária que impediu constituir

espaços efetivos de democracia”.223

222 COTTA, 2006, p. 48-49. 223 REPOLÊS, 2008, p. 25.

90

Ainda hoje presenciamos autoridades que, em nome de uma suposta

coletividade ou do interesse público, tentam justificar restrições ao direito de

reunião para enfraquecer oposições e minorias. A fundamentação jurídica

nesses institutos abstratos negligencia que o objetivo da democracia não é o

de criar uma massa homogênea de pessoas, mas antes, o de criar espaços de

discussão que propiciem a divergência de opiniões, o pluralismo e a unidade

na divergência.

Nesse sentido, ressalta-se a importância de movimentos populares, passeatas

reivindicativas e protestos públicos que, destinados ao ostracismo da grande

mídia, são desconhecidos da população e, somente em virtude dos transtornos

que causam ao fluxo de veículos, conseguem visibilidade. Para alguns grupos,

o direito de reunião é a única ferramenta eficiente para que alguns excluídos

possam mostrar aos que estão nos confortos de seus carros e casas, as

mazelas nas quais se encontram. Assim, a simples garantia prevista no inc.

XVI, art. 5º, representa a voz desses excluídos.

Dessa maneira, o direito de reunião assume um papel de destaque no Estado

Democrático de Direito por dar efetividade ao pensamento divergente, ao

dissenso, às minorias, e por lhes garantir visibilidade.

Todavia, o abuso no exercício de qualquer direito também não deve ser

permitido, sobretudo em espaços verdadeiramente democráticos. Não poucas

vezes pessoas confundem democracia com a ausência de limites. Não se pode

se esquecer de que todos os direitos e garantias dos não participantes das

manifestações devem ser respeitados. Com efeito, tão importante quanto o

direito de participar de uma reunião é o direito de não participar de uma

reunião.

Não se pode, a pretexto de garantir o exercício democrático do direito de

reunião, frustrá-lo. É preciso nos assegurar contra os arbítrios de pessoas que

exercem funções públicas, mas não possuem compromisso com a sociedade.

91

De igual forma, também é preciso garanti-lo de interferências de particulares

mais poderosos econômica ou faticamente, que podem comprometê-lo. Faz-se

premente analisá-lo dentro de uma perspectiva democrática, mais ampla, que

inclua na noção de democracia a participação em manifestações e protestos,

mas também a vontade de participar desses atos.

O texto constitucional está posto. O que se pode variar são os olhares, as

interpretações e aplicabilidade. Para alguns, trata-se de um direito absoluto.

Para outros, pode ser derrogado por motivos triviais.

Como foi evidenciado ao longo do trabalho, de fato existem diversas

relativizações ao direito de reunião no sistema jurídico brasileiro. Para

compreender tais limites, deve-se sempre buscar harmonizar o direito de

reunião com os direitos das demais pessoas. Dessa forma, a relativização ao

direito fundamental de reunião não pode ser de tal monta que esvazie de

sentido o próprio direito de reunião. Ademais, não se pode esquecer que é

intrínseco à ideia de uma manifestação pública, sobretudo as dinâmicas em

logradouros públicos, um certo transtorno à comunidade e ao trânsito.

Percebe-se que o problema surge da falta de alteridade e da tolerância. Ainda

não há no Brasil – se é que exista em outros rincões – uma cultura de respeitar

o outro, o diferente. Nestes termos, ilustrativo é o excerto abaixo de Márcio

Luís de Oliveira:

A democracia não é apenas forma ou modo de se decidir a vida pública com a participação mais ampla possível dos interessados. A democracia é, antes de sua dimensão decisional, um modo de ser coletivo; um modo de ser tolerante e disposto à aceitação do outro, apesar de se poder discordar do outro. O modo de ser coletivo de uma sociedade democrática é aquele em que cada pessoa ou cada grupo social são capazes de se reconhecerem e se respeitarem nas suas diferenças (conhecimento e consciência de si e conhecimento e consciência do outro). A democracia é, portanto, o locus público da igualdade nas diferenças. E, só se pode ser livremente genuíno (autonomia privada) quando e onde há vocação para a alteridade: aceitação da diferença do outro.224

224 OLIVEIRA, 2001, p. 201.

92

Ante essa dificuldade de compreender o outro, surge a necessidade de se

estabelecerem limites legais para tornar possível a vida em sociedade. Dessa

forma, as manifestações públicas, que possuem sua garantia e seus primeiros

limites na própria Constituição, prescindem ainda de uma lei regulamentadora.

Como mote para a relativização do direito fundamental, ilustrativo é o

Preâmbulo da lei sul-africana que regulamenta o exercício do direito de

reunião. De forma simples e objetiva, o Preâmbulo daquela norma sintetiza

muito bem o espírito que deve nortear a questão da relativização do direito de

reunião:

CONSIDERANDO que cada pessoa tem o direito de se reunir com outras e expressarem seus pontos-de-vista sobre qualquer assunto livremente e em público, e desfrutar da proteção do Estado ao fazê-lo; E CONSIDERANDO que o exercício de tal direito deve ocorrer de forma pacífica e respeitando os direitos das demais pessoas.225

Assim, espera-se que por meio da adequada regulamentação do dispositivo

constitucional estudado, o Poder Legislativo demonstre os reais contornos da

relativização do direito de reunião em uma sociedade democrática. Gerando,

então, segurança para os particulares, parâmetros para a ação da

Administração Pública bem como marcos mais precisos para o controle de

legalidade por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário.

225 WHEREAS every person has the right to assemble with other persons and to express his views on any matter freely in public and to enjoy the protection of the State while doing so; AND WHEREAS the exercise of such right shall take place peacefully and with due regard to the rights of others. (SOUTH AFRICA, 1993. Tradução livre do autor)

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