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18ª edição da #RevistaMonotipia (revista virtual que trata das artes em geral e dos quadrinhos em particular).
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Assim como um certo Príncipe Encantado, enfrentamos ventos terríveis, cruzamos um deserto escaldante e subimos no quarto mais alto da torre mais alta, para, enfim, poder terminar esta edição.
Uma loucura.
Martins de Castro,editor
www.monotipia.comwww.facebbok.com/[email protected]
Capa: Otávio Tersi @otavioptersi
18.
Monotipia: Fale sobre sua
formação, enquanto ilustrador e
quadrinhista.
Gus Morais: Aos 17 anos
realizei um curso de história em
quadrinhos em uma pequena
escola de desenho de minha
cidade natal, São José dos
Campos. Foi um ano de curso
que me fez evoluir bastante como
ilustrador: meu professor, na
época, era o ilustrador Klayton
Luz que hoje também atua
na Quanta Academia. Aos 19
ingressei no curso de Publicidade
e Propaganda na Universidade
de São Paulo, mas, ao perceber
que não encontraria satisfação
na profissão de publicitário,
passei a procurar alternativas
no mercado de ilustração. Me
formei em 2008 e desde então
atuo profissionalmente como
ilustrador freelancer. Tenho
trabalhado basicamente com
ilustrações para livros didáticos
e infanto-juvenis, assim como
capas e infográficos para revistas
e jornais.
Com exceção do curso feito
no final da adolescência, meu
aprendizado como ilustrador tem
se desenvolvido de forma mais ou
menos autodidata. Faço pequenos
cursos rápidos aqui e acolá de
tempos em tempos: alguns cursos
de softwares gráficos, curso de
ilustração para livros, curso de
pintura e colagem, etc. Parte
importante do aprendizado vem
também dessa busca pessoal por
referências de outros artistas,
treinando estilos de desenho
diferenciados e daí em diante.
O próprio mercado de trabalho
serviu como escola para muitas
coisas, principalmente no que diz
respeito ao processo de adquirir
conhecimentos sobre finalização e
colorização digital, publicação em
diferentes meios e formatos, etc.
Já a formação como quadrinhista
apareceu lenta e timidamente
em minha vida. Durante o curso
citado no fim da adolescência
aprendi o básico para começar a
atuar nesta área, mas era muito
voltado, ainda, para o quadrinho
com temática de super heróis.
Foi durante os anos de faculdade
que fui tomando contato com
diferentes tipos de HQs e fui
percebendo que havia outras
formas de contar histórias que
me interessavam mais. Recebi
emprestado por vários anos de
um tio aficionado por quadrinhos,
nesta época, uma coleção de
quadrinhos que só tinha clássicos:
ali conheci Hugo Pratt, Manara,
Moebius, Alan Moore, Aragonés,
entre muitos outros. Nesta época
fiquei bastante envolvido com
literatura e, mais que romances,
gostava muito do formato do
conto. Algo me dizia que poderia
ser legal trabalhar em algo que
juntasse a estrutura mais enxuta
e impactante do conto com a
técnica do quadrinho. Mas foi
somente após ler a trilogia do
Scott McCloud que tomei a
coragem real de engatar num
projeto sério de HQ.
MT: Quais são as suas principais
influências, no que se refere a
movimentos e/ou artistas?
GM: O quadrinho é um formato
que se adequa demais ao meu
jeito de escrever, desenhar e
contar histórias, mas costumo
beber mais em referências no
cinema ou na literatura.
Gosto muito dos filmes do Kim
Ki-Duk e do John Cassavetes.
visualmente muito fortes e esse é
um ponto que tento trabalhar nas
minhas histórias: buscar paralelos
visuais que intensifiquem
determinadas situações.
Na literatura, costumo citar como
referências o Ítalo Calvino e a
Lygia Fagundes Telles. Gosto
da mistura entre realidade e
fantasia, memória e criação. Acho
que esses autores foram os que
pautaram principalmente o tipo
de quadrinho que eu quis fazer
durante os últimos anos.
Nos quadrinhos tenho lido
poucas coisas novas… e
normalmente o que gosto de ler
não necessariamente conversa
com o tipo de trabalho que faço,
a ponto de poder citar como
referência. De autores brasileiros
contemporâneos, gosto de
acompanhar o trabalho do Rafael
Sica, do Bruno Maron. Gosto
também de autores de quadrinhos
que trabalham essa coisa da
história curta retratando recortes
de conflitos humanos, como o
Adrian Tomine, Daniel Clowes,
David Lapham e um japonês
que conheci recentemente, o
Yoshihiro Tatsumi.
MT: Como funciona a dinâmica
no processo de trabalho para a
produção das suas ilustrações e
HQs?
GM: Costumo pensar o trabalho
de ilustração de forma diferente
do trabalho de HQ, embora
haja algumas semelhanças.
Uma ilustração para revista ou
jornal, ao menos, sempre surge
de algum texto ou tema que
se vá trabalhar ali na matéria.
Leio os textos disponíveis da
matéria, pesquiso mais detalhes
sobre o tema em questão, busco
algumas referências visuais
interessantes de outros artistas
e do cruzamento de todos esses
detalhes surge alguma idéia.
As vezes é um simples e caótico
embrião de idéia, um esboço
rústico contendo mil informações
associadas e, do momento em
que sento no PC até o momento
de largar a ilustração (algo que
pode variar de 10 a 40 horas) o
desenho vai se resolvendo melhor
durante o próprio processo.
Ao menos na ilustração digital
essa coisa do “pensar o desenho
durante o processo de criá-lo” me
parece bastante rica e natural;
as vezes idéias que tornam o
Não tenho a pretensão de achar
que algo dos filmes deles apareça
em meus quadrinhos como
referência, mas admiro algumas
escolhas e posturas deles como
artistas e acho que, ao menos
nesse sentido, há algumas
afinidades. Sinto um frescor nos
filmes do Cassavetes que me dá
a impressão de que ele consegue
captar a pulsação e a intensidade
de situações vividas em cena
ou latentes nos atores e colocá-
las ali no filme sem que essa
energia se perca no processo de
gravar, editar, etc. É um esforço
que tenho na hora de produzir
quadrinhos: deixar que aquele
ímpeto inicial que gera a história
não se perca nas diferentes etapas
da produção. Prefiro produzir
de forma rápida, mas que não
comprometa o frescor da história
do que de forma demorada e ver
que o conteúdo que se queria
passar está perdendo o vigor.
Nos filmes do Kim Ki-Duk gosto
muito do silêncio da narrativa e
da forma como ele amarra seus
personagens, conflitos e histórias
em conceitos ricos, redondos e
delicados. Há sempre metáforas
etc. Utilizo uma tablet (mesa
digitalizadora) para criar os
desenhos diretamente dentro do
PC. Levei um tempo para começar
a dominar, já que a superfície da
tablet é bastante lisa e as vezes
peca em precisão, mas com o
tempo tenho entendido melhor
até onde dá para ir com ela e até
onde não dá.
O processo é bem caótico e
nem sempre muito linear;
muitas vezes desenho e pinto ao
mesmo tempo, sem me importar
muito na quantidade de layers
(camadas) que o Photoshop cria.
Gosto de ter tudo livre e editável
pro caso de querer mudar alguma
imagem de lugar, alguma cor,
ou para re-balancear as cores de
uma história no fim do processo.
Também tenho paciência variável
em diferentes etapas do trabalho
e tento respeitar o ímpeto de
cada momento. Se não estou com
paciência para desenhar prédios
detalhados vou para cenas de
zoom ou com pouca informação
e volto nos quadros detalhados
numa outra hora. Nesse processo,
muitos quadros mudam de lugar,
são invertidos, textos saem de um
desenho muito mais interessante
surgem depois de 10, 20 horas
de trabalho ao invés de surgir
ali logo no esboço. Há um tanto
de controle e decisões o tempo
todo, claro, mas há um tanto de
“freestyle” também. Em ilustração
tenho feito um pouco de tudo e
não sinto nenhuma pegada muito
pessoal bem desenvolvida… mas
gosto muito de trabalhar com
colagem digital e gosto bastante
dos trabalhos do Daniel Bueno,
nesta linha.
Nos quadrinhos do meu blog
o processo é um pouco mais
controlado. Normalmente eu
espero vir a necessidade de se
falar de algo. Não gosto da idéia
de criar assunto apenas para
manter a produção, embora
entenda que é importante
manter alguma periodicidade de
produção e que essa obrigação te
faz afiar o olhar para investigar
novos assuntos.
Mas como ia dizendo, espero
vir a necessidade de se falar de
algo ou, ao menos, perceber que
já tenho elementos o suficiente
para se falar de algo com
propriedade. Este “algo” tem
que ser algo que tenha lastro na
vida real: alguma situação vivida,
algum fato observado, alguma
ponderação feita. Não gosto de
fazer ficção por ficção; acho que
a ficção ganha força e sentido pro
leitor quando vem ancorada em
fatos percebidos na realidade.
Normalmente esses elementos
que ficam flutuando em minha
cabeça desembocam em um texto
que escrevo em algum pedaço
de papel ou bloco de notas do
PC. Muitas vezes eu guardo
esse texto e só vou recuperá-lo
dias ou meses depois - mas é
comum também já pegar o texto
e ir jogando pedaços digitados
dele pela “tela em branco” do
Photoshop.
Essa tela em branco é,
normalmente, uma grande tira
vertical no formato habitual
dos meus quadrinhos (aquele
formato pergaminho que se
precisa utilizar o scroll do mouse
para ler). Ali vou encaixando
os tamanhos de quadros,
jogando os textos, rabiscando
esboços e idéias pras ações
dos personagens, cenários,
quadrinho e pulam pro outro... e
assim a produção do quadrinho
passa a lembrar um pouco a
produção da ilustração digital,
com esse processo de criação
que parece um grande diálogo
constantemente aberto que uma
hora vai ganhando uma forma
mais coerente e finalmente se
fecha numa obra final.
No caso da criação de tiras o
processo é um pouco diferente.
Costuma ter um trabalho
mental mais pesado. Tenho
dificuldades em fazer formatos
curtos e normalmente começo
criando uma história maior e vou
cortando e retirando os excessos
até ter uma tira curta e redonda.
O “timing” da tira é minha maior
dificuldade; as vezes uma palavra
ou desenho a mais que sobra no
lugar errado já tira a naturalidade
do quadrinho. Tem sido um
desafio e espero ir melhorando
aos poucos nesse formato mais
curto; admiro bastante quem lida
bem com ele.
MT: Sobre a série de quadrinhos
que você vem produzindo, quais
são as preocupações plásticas que
norteiam sua feitura?
GM: Acho que estou em um
momento de avaliação e
balanço do meu trabalho. Até
o momento atual, eu tinha a
seguinte preocupação com os
quadrinhos para a web: encontrar
um formato que me permitisse
contar as histórias no ritmo em
que vou tendo as minhas idéias.
Que fossem 1, 2, 3 histórias
por mês: eu não queria apenas
cair na armadilha de começar a
trabalhar em uma história que me
tomasse 4, 5 meses de produção.
Nesse sentido, boa parte dos
quadrinhos que criei até agora
vieram, ao menos no aspecto
técnico, de uma preocupação
muito prática de adquirir um
traço que me permitisse contar
histórias com boa fluidez. Esse
processo foi refinando com o
passar dos meses e é possível
perceber a diferença do traço,
por exemplo, de “Privilégios” que
foi feita em 2010 até “Mulheres
e Pescadores” que foi feita em
2012. A paleta de cores foi ficando
mais apurada mas também mais
simples, o traço mais ágil mas
também um pouco asséptico,
despersonalizado.
Me incomoda o fato de que o
leitor passa cerca de 5 ou 10
minutos lendo o que eu faço,
e não consigo me imaginar
passando meses de trabalho em
algo que é consumido tão rápido.
Prefiro dizer pequenas coisas
relevantes aos poucos que dizer
uma grande coisa relevante a
cada vários meses ou anos. Talvez
adquirindo mais maturidade
como quadrinhista eu mude esta
postura - mas, ao menos durante
este período de experiências e
aprendizagem, tenho prezado este
processo mais acelerado.
Confesso no entanto que cheguei
em um ponto em que sinto
que talvez tenha esgotado um
pouco das possibilidades desta
fórmula que fiquei tanto tempo
procurando e lapidando. Sinto
falta que o traço conte, também,
alguma história. Sinto falta de
materialidade, de rabisco, de
nuance, de sujeira. Sinto falta
da falta de controle. O excesso
de controle e eficiência parecem
matar um tanto da carga
subjetiva de um trabalho. De
alguma forma, devo trabalhar
nas próximas histórias para que
consiga recuperar um pouco
dessa carga mais tátil que fui
perdendo ao focar tanto na
eficiência de se publicar histórias
com rapidez e frequência. Ou seja,
em resumo: minha preocupação
plástica, atual, é de encontrar
uma forma mais encorpada
de contar os mesmos tipos de
histórias que desenvolvi até agora
também através de um traço
com mais materialidade, energia,
gestualidade.
MT: Quais são suas preocupações
narrativas, no que concerne à
construção de um ritmo, em suas
HQs?
GM: A princípio, não me
preocupava muito em definir
algum ritmo específico para as
histórias... eu deixava que elas
ganhassem o ritmo que fosse
surgindo na criação. Você coloca
uma frase aqui, uma ação acolá,
enfileira tais acontecimentos
mais adiante e um ritmo vai se
insinuando. Mas devo confessar
que, ao menos neste 1 ano e meio
de publicação mais regular de
quadrinhos no meu blog, tenho
mais é experimentado e tentado
entender como funciona esse
ritmo de leitura na webcomic
em formato pergaminho do
que tentado inovar, recriar ou
repensar os ritmos de leitura.
Uma coisa interessante que tenho
percebido é que o quadrinho em
leitura vertical costuma reforçar
o efeito de queda ou decadência
em algumas histórias. Isso vai de
encontro direto com a própria
proposta do conto literário,
onde uma sucessão de fatos vai
construindo acontecimentos
aqui e ali que desembocam com
força total num final de impacto.
Tenho sentido, também, que é
interessante as vezes usar pouco
texto; com leituras mais visuais e
menos texto o dedo desliza mais
naturalmente pelo scroll e o ritmo
da leitura ganha em velocidade
e intensidade. Não que eu preze
velocidade e intensidade nas
leituras - mas talvez seja esse o
tipo de leitura mais natural que
se faça, mais especificamente,
na web. O desafio fica sendo,
então, contar alguma história de
conteúdo reflexivo e relevante que
ocupe aqueles 2, 5 ou 8 minutos
que o leitor separou de seu dia
para ficar concentrado em meu
quadrinho. Mais tempo do que
isso, na web, acho que acaba
levando a dispersão - então a
mensagem precisa ser passada
rápido e de forma fluída e intensa.
Minhas preocupações atuais,
agora que tenho começado
a perceber essas nuances e
características da leitura do
quadrinho na web é, justamente,
quebrar um pouco ou entender
por quais outros caminhos a
leitura do quadrinho possa ser
feita sem que deixe de ser natural.
Tem alguns vícios no meu texto,
também, e na estrutura das
histórias que começo a perceber
melhor agora. Por exemplo: tenho
usado muito situações em que
mostro um personagem passando
por uma situação A, depois
B, depois C e na D vem uma
conclusão bombástica que reitera
ou nega as ações anteriores.
Isso funciona se usado algumas
vezes, mas se usar sempre vai
ficando viciado e repetitivo para
o leitor. Outra coisa; em textos
mais poéticos me vejo sempre
repetindo e reiterando alguns
versos. Apesar do ritmo de leitura
na web ser essa coisa maluca
e acelerada, acho que deve-
se buscar nessa zona cinzenta
espaços pra construir textos e
narrativas que se encaixem ao
meio mas que proporcionem
experiências mais ousadas,
demoradas, profundas. Me
interesso, por exemplo, em como
o quadrinho pode começar a fazer
um diálogo mais intenso com a
poesia; recuperando e levando
adiante algumas coisas que já
foram antes propostas pelos
poemas concretistas, mas fazendo
uso das possibilidades gráficas
dos meios de agora.
MT: O que você tem produzido
para além dos quadrinhos?
GM: Atualmente meu foco, ao
menos em projetos pessoais, tem
sido realmente os quadrinhos.
Estou cuidando da impressão
independente da coletânea
dos quadrinhos publicados
nogusmorais.com neste último
1 ano e meio e na elaboração de
algumas histórias inéditas para
esta coletânea. Em trabalhos
comerciais, tenho tentado atuar
um pouco fora do universo dos
livros didáticos e trabalhado um
pouco com animação e design de
jogos de cartas e tabuleiros.
Tenho descoberto uma forma
nova de expressão que tem
me agradado muito fora da
arte digital que é a xilogravura
(gravura em madeira). Tenho
gostado muito do traço mais
marcado, da gestualidade mais
agressiva na hora de se gravar a
figura, da própria resistência do
material e da limitação do uso no
preto e branco como fatores que
te exigem a tomada de escolhas
mais diretas e sintéticas...
acredito cada vez mais que desta
experiência com a xilogravura
deve surgir algum tipo de traço
que eu vá incorporar na minha
forma de fazer quadrinhos.
MT: Por que quadrinhos?
GM: Gosto de contar histórias,
antes de tudo. E gosto de contar
histórias como uma forma de
entender melhor coisas que
percebo na minha vida, no
mundo. Os quadrinhos são a
forma através da qual consigo
contá-las melhor agora. Gosto
da independência e agilidade
que o quadrinho me proporciona
em todas suas áreas (roteiro,
cor, desenho, publicação); algo
que, talvez, fosse muito mais
delicado e complicado de se
conseguir como criador no
cinema, por exemplo. Acredito
no quadrinho publicado na
web mais que no quadrinho
impresso. Me sinto andando no
escuro em diversos aspectos, no
sentido de ainda não entender,
completamente, até onde dá pra
se chegar no quadrinho online.
Mas a efervescência de novos
autores se apropriando da web
pra fazer quadrinho dá segurança
e anima bastante a continuar
experimentando e publicando
neste meio.
MT: Que quadrinhos você tem
lido ultimamente? E o que além
deles?
GM: Acabei de ler o mangá “Na
Prisão” do Kazuichi Hanawa.
Li também recentemente “O
Beijo Adolescente” do Rafa
Coutinho. Gostei bastante dos
dois. Um dos últimos que conheci
durante minhas compras de
materiais novos na FIQ ano
passado e que tenho gostado
muito de acompanhar é o Eden
do Kioskerman. Em literatura,
li nos últimos dias: Famílias
Terrivelmente Felizes e Cabeça
a Prêmio, do Marçal Aquino.
Li também Amar é Crime, do
Marcelino Freire. Outro autor
que tenho gostado bastante é o
Hatoum: li recentemente “Dois
Irmãos” e já engatei em “Cinzas
do Norte”. Com a morte recente
do Millôr Fernandes, acabei
cruzando e me envolvendo mais
a fundo com partes de sua obra
escrita mais antiga. A Biblioteca
Mário de Andrade separou uma
seção na época com um grande
apanhado de livros contendo
poemas, colunas, etc.
Tomara.
Cantaste-me para a loucura;
beijaste-me para a insanidade.
[Sylvia Plath]
Tomara que caia o meu vestido quando
teus olhos descerem em meu corpo.
Questione o suor da minha pele, derrube
beijos nos meus lábios entreabertos,
desenhe meus seios em tuas mãos,
peça por vagabundagem, estude meus
gemidos, arrisque uma mordida, me
provoque com teu cheiro, deixe o meu
carinho trançar teus cílios, atravesse
tuas vontades. Não programe nada.
Prefira as coisas irregulares, diga
que me quer, ria da minha falta de
habilidade, caia comigo no chão, na
vida, nas interrogações. Feche os
olhos, menino. Invente alguma música
enquanto eu peço uma dose a mais, fale
sobre suas horas, finja algum interesse
sobre as minhas, esquente, revolte-se,
bagunce meus cabelos, me empreste
seu travesseiro, deixa eu te proteger.
Sejamos doces.
Faça minha bochecha permanecer
corada, fale baixinho, me ensine a ir
além, mantenha meu copo sempre
cheio, não se assuste ao me ver chorar,
caminhe descalço em minhas estradas
e façamos um brinde aos sentimentos
desaparecidos, deixando que nossos
peitos explodam coisas lindas ausentes
de conceitos. Sorria alguns adjetivos
que me arrepiem e deixe que eu te cubra
com paredes estruturadas de loucuras
antigas.
Pulo, se você pular. Completo tuas
frases, durmo no teu abraço, te ensino a
caminhar entre as estrelas, a ler minha
camisa, a desabotoar meu coração. Diga
que não entende meu jeito de fantasiar,
abra suas malas, observe meu jeito de
chegar, perceba minha maneira de ficar
quando você precisar ir. Fica, menino.
Esqueça sua voz em meus ouvidos e me
queira bem.
Insista. Deite ao meu lado no sofá,
delicado, inesperado. Jogue minhas
roupas para o alto e me sinta tremer,
beije meus medos, meu gosto, meus
desejos. Me engole devagar. Diga que
está apaixonado, quebre a garrafa de
vinho ao me ver confusa, me leve para
sua casa, aceite meu convite para sair no
meio da noite, com toda aquela chuva.
Ao amanhecer, comente sobre ter me
achado dentro de um sonho teu.
Deixa cair o sol, se houver lua. Abra a
porta do carro e gesticule ao me ter ao
seu lado. Solte palavras desconexas,
deixe que elas preencham o ambiente,
mude a marcha, aceite meus lábios
no sinal vermelho, resmungue. Sente
comigo na calçada, perceba como fico
gelada ao sentir a ternura me invadindo
para ser tua, dê um bom motivo para
minhas olheiras. Plante uma árvore
para mim enquanto despetalo flores
pensando em você.
Eu não carrego nada nos braços,
menino. Não falo de amor, não sou
tão profunda assim, mas tenho uma
demência tão poética que me atiro
nas letras desmistificando todos os
meus cantos, lentamente dissipando
o caos. Venha me buscar. Deixa eu
subir em tuas costas, sintonizar nossa
temperatura, falar de azul e branco,
inventar palavras só nossas e colocar
nos teus ombros raspas da minha
fragilidade. Clareia o meu sorriso, e tudo
bem.
Me pegue para você antes que o primeiro
foguete parta. Esconda tuas tristezas
nos pelos arrepiados dos meus braços,
eu seguro. Vivamos de clichês, coisas
rasas, ausência de fôlego, lençóis. Deixe
as vírgulas de lado, escrevo para você
não ler. Aprendo a dançar as palavras
para que você transforme em notas.
Movimente-se enquanto assumo essa
porção de irracionalidades vermelhas e
jogo em cima da mesa.
É preciso que uma felicidade esteja
passando distraída e resolva ficar ao nos
abraçarmos em sua frente. É preciso
uma coisa quente desenhada na retina,
um pouco de fumaça, uma violência
sutil nos gestos. Que caia o meu vestido
quando teus olhos descerem em meu
corpo.
Tomara, menino, que você caia. Em
mim.
Jaya Magalhães
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