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Montesquieu: Das Leis em geral[1] Jéferson dos Santos Mendes[2] [...] porque é mais fácil estudar o organismo, como um todo, do que suas células.[3] Montesquieu acredita que todos os seres possuem suas leis,[4] pois essas “[...] são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas; [...]” (MONTESQUIEU, 1996, p. 11). Nessa natureza se enquadra a divindade, o mundo material, as inteligências superiores dos homens, e os animais.[5] Antes de adquirir o novo sentido de uma relação constante entre variáveis fenomenais, isto é, antes de estar ligada à prática das ciências experimentais modernas, a lei pertencia ao mundo da religião, da moral e da política. Estava impregnada de exigências directamente ligadas às relações humanas. A lei pressupunha portanto seres humanos ou seres à imagem do homem. Era pois mandamento.[6] Deus possui uma relação com o universo, como criador das leis que segundo as quais criou, da mesma forma o conserva como criador. Age dessa forma, porque as conhece, as conhece porque as fez, e fez porque possui uma relação com a sua sabedoria. Dessa maneira, “Resolvidas as coisas no que se refere a Deus, tudo o resto cai” (ALTHUSSER, 1977, p. 43). Deus permanece em seu posto, mas não é mais do que um dos termos da relação.[7] Como observamos que o mundo, formado pelo movimento da matéria e privado de inteligência, ainda subsiste, é necessário que seus movimentos possuam leis invariáveis, e se pudéssemos imaginar um mundo diferente deste ele possuiria regras constantes ou seria destruído.[8] Portanto, “[...] a criação, que parece ser um ato arbitrário, supõe regras tão invariáveis quanto a fatalidade dos ateus”. (MONTESQUIEU, 1996, p. 12). Portanto, seria um absurdo dizer que o criador governaria sem essas regras o mundo.[9] Ademais, essas regras possuem uma relação constantemente estabelecida, entre dois corpos em movimento, assim é a relação da massa e da velocidade que todos os movimentos são recebidos, da mesma forma, aumentados, diminuídos, percebidos, assim “[...] cada diversidade é uniformidade, cada mudança é constância” (MONTESQUIEU, 1996, p. 12). Os seres particulares inteligentes podem ter leis próprias elaboradas, da mesma forma, terão leis que não elaboram. Antes de existirem seres inteligentes, eles eram possíveis; possuíam, portanto, relações possíveis e, consequentemente, leis possíveis. Antes da existência das leis elaboradas, havia relações de justiça possíveis. Dizer que não há nada de justo ou de injusto além daquilo

Montesquieu

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Montesquieu: Das Leis em geral[1]

Jéferson dos Santos Mendes[2]

[...] porque é mais fácil estudar o organismo, como um todo, do que suas células.[3]

Montesquieu acredita que todos os seres possuem suas leis,[4] pois essas “[...] são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas; [...]” (MONTESQUIEU, 1996, p. 11). Nessa natureza se enquadra a divindade, o mundo material, as inteligências superiores dos homens, e os animais.[5]

Antes de adquirir o novo sentido de uma relação constante entre variáveis fenomenais, isto é, antes de estar ligada à prática das ciências experimentais modernas, a lei pertencia ao mundo da religião, da moral e da política. Estava impregnada de exigências directamente ligadas às relações humanas. A lei pressupunha portanto seres humanos ou seres à imagem do homem. Era pois mandamento.[6]

Deus possui uma relação com o universo, como criador das leis que segundo as quais criou, da mesma forma o conserva como criador. Age dessa forma, porque as conhece, as conhece porque as fez, e fez porque possui uma relação com a sua sabedoria. Dessa maneira, “Resolvidas as coisas no que se refere a Deus, tudo o resto cai” (ALTHUSSER, 1977, p. 43). Deus permanece em seu posto, mas não é mais do que um dos termos da relação.[7]

Como observamos que o mundo, formado pelo movimento da matéria e privado de inteligência, ainda subsiste, é necessário que seus movimentos possuam leis invariáveis, e se pudéssemos imaginar um mundo diferente deste ele possuiria regras constantes ou seria destruído.[8]

Portanto, “[...] a criação, que parece ser um ato arbitrário, supõe regras tão invariáveis quanto a fatalidade dos ateus”. (MONTESQUIEU, 1996, p. 12). Portanto, seria um absurdo dizer que o criador governaria sem essas regras o mundo.[9]Ademais, essas regras possuem uma relação constantemente estabelecida, entre dois corpos em movimento, assim é a relação da massa e da velocidade que todos os movimentos são recebidos, da mesma forma, aumentados, diminuídos, percebidos, assim “[...] cada diversidade é uniformidade, cada mudança é constância” (MONTESQUIEU, 1996, p. 12).

Os seres particulares inteligentes podem ter leis próprias elaboradas, da mesma forma, terão leis que não elaboram.

Antes de existirem seres inteligentes, eles eram possíveis; possuíam, portanto, relações possíveis e, consequentemente, leis possíveis. Antes da existência das leis elaboradas, havia relações de justiça possíveis. Dizer que não há nada de justo ou de injusto além daquilo que as leis positivas ordenam ou proíbem é dizer que antes de se traçar o círculo todos os raios não são iguais.[10]

Assim, deve-se reconhecer que antes das leis positivas já existam leis, exemplo que já existiam sociedades de homens, estes deveriam ser reconhecidos pelo ser inteligente. Quando um ser inteligente dá origem a outro ser inteligente. Se um ser inteligente faz um mal a outro ser inteligente, este deve padecer do mesmo mal.

Montesquieu, diz que falta muito para que o mundo[11] inteligente seja bem governado. Quanto ao mundo físico, mesmo que este mundo tenha as suas leis não às obedecesse como mundo físico. Devido aos seres particulares inteligentes serem limitados por sua natureza, constantemente estão sujeitos a erro, da mesma forma

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é de sua natureza que atuem por si mesmo. Não obedecem as leis primitivas nem as suas próprias leis, não obedecem a elas sempre.[12]

Quanto aos animais, Montesquieu diz que não se sabe se estes são governados por leis gerais ou por uma moção particular. Acredita que estes não possuem uma relação íntima com Deus assim como o resto do mundo material. Pela atração do prazer conservam-se na particularidade, conservando a sua espécie. Estes, portanto possuem leis naturais, mas as leis positivas, porque estão ligados pelo sentimento, da mesma forma porque não estão ligados pelo conhecimento. Porém, não obedecem as leis naturais, exemplo às plantas que obedecem a elas próprias, nas quais não encontramos nem conhecimento nem sentimento.

Também os animais não possuem, ao que chamo Montesquieu de “vantagens supremas”, estes possuem outras. Para Montesquieu eles estão como nós sujeitos a morte, apesar de não conhecê-la, algumas vezes conservando-se há mais tempo que nós.

Para o autor de O Espírito das Leis, o homem enquanto ser físico, é como os outros corpos governados por leis variáveis, já como ser inteligente viola as leis que Deus estabeleceu, transformando-as em suas próprias.[13] É um ser limitado e sujeito a ignorância e ao erro como todas as inteligências finitas, tendo o conhecimento que possui sujeito a perdê-lo.[14]

Como criatura sensível, torna-se sujeito a mil paixões. Tal ser poderia, a todo o instante, esquecer-se de seu criador; Deus chamou-o a si com as leis da religião. Tal ser poderia, a todo o instante, esquecer a si mesmo; os filósofos advertiram-no com as leis da moral. Feito para viver na sociedade, poderia nela esquecer-se dos outros; os legisladores fizeram-no voltar a seus deveres com as leis políticas e civis.[15]

As leis da natureza

Antes de todas as leis estão às leis da natureza ou derivam do nosso ser. Para conhecê-la “[...] deve-se considerar um homem antes do estabelecimento das sociedades”. Portanto, “As leis da natureza serão aquelas que receberão em tal estado” (MONTESQUIEU, 1996, p. 14).

Montesquieu entende que o homem no estado de natureza possui mais a faculdade de conhecer do que conhecimento. Pois, pensariam antes na conservação de seu ser antes de buscar a origem de um criador e pensar na conservação de seu ser, antes de buscar sua origem, sentindo tal homem segundo Montesquieu no início a sua fraqueza, a sua timidez, como o homem selvagem. “Neste estado, todos se sentem [...]” (MONTESQUIEU, 1996, p. 14).

Montesquieu faz um contraposto à idéia de Thomas Hobbes, que os homens se subjugam uns aos outros, não seria a 1º lei da natural,

Hobbes pergunta: “por que, se não se encontram naturalmente em estado de guerra, os homens andam sempre armados? E por que tem chaves para fechar suas portas?” Mas não percebe que está atribuindo aos homens, antes do estabelecimento, que fará com que encontrem motivos para atacarem-se e defenderem-se.[16]

Ao sentimento de fraqueza, o homem acrescentaria o de necessidade, portanto para Montesquieu outra lei natural seria a que inspiraria a procura da alimentação. Se o temor levaria os homens a se distanciarem uns dos outros, o mesmo temor sendo recíproco levaria a se aproximarem, sendo levados pelo prazer e encanto do encontro das duas espécies, portanto o apelo natural que se fazem um ao outro

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formaria uma 3º lei natural. Por fim, “[...] o desejo de viver em sociedade é uma quarta lei natural”. (MONTESQUIEU, 1996, p. 15).

Das leis positivas

Quando os homens se encontram em sociedade, acabam perdendo o sentimento de suas fraquezas, dessa forma a igualdade que existia acaba e o estado de guerra começa.[17] Quando cada sociedade começa sentir sua força, nasce o estado de guerra entre nação e nação. Portanto, tanto quando os homens perdem o sentimento de fraqueza, como quando a sociedade começa a sentir a sua força, o estado de guerra começa, desse estado é que faz surgir às leis entre os homens. Assim como a quantidade de habitantes é muito grande no planeta, são necessários direitos nas relações entre governantes e governados, o direito político, e a relação entre todos os cidadãos este é o direito civil.

O Direito das Gentes está baseado entre que as nações façam na paz o melhor bem e na guerra o menor mal possível sem contudo prejudicar os seus verdadeiros interesses. “O objetivo da guerra é a vitória; o da vitória a conquista; o da conquista, a conservação” (MONTESQUIEU, 1996, p. 15).

Desses dois princípios é que deriva o Direito das Gentes, Montesquieu cita que todas as nações possuem o Direito das Gentes. Mesmo que às vezes não estejam em seu princípio verdadeiro.

Para cada sociedade existe o direito político, “Uma sociedade não poderia subsistir sem um governo” (MONTESQUIEU, 1996, p. 16). Portanto, a reunião de todas as forças particulares é que forma o estado político. A força geral pode ser depositada nas mãos de um só ou mesmo nas mãos de muitos. Se muitos pensaram que estabelecendo o poder paterno entre as pessoas, o governo seria de uma só pessoa, isso conforme a própria natureza,

Mas o exemplo do direito paterno não prova nada. Pois, se o poder do pai tem relação com o governo de um só, após a morte do pai, o poder dos irmãos ou, após a morte dos irmãos, o poder dos primos irmãos tem relação com o poder de vários. O poder político inclui necessariamente a união de várias famílias.[18]

O melhor governo segundo Montesquieu é aquele que se relaciona tanto com ele próprio como pelo povo. Os interesses dessa maneira, não divergem, as vontades são as mesmas, portanto dessa união surge o Estado Civil.[19]

Pelo fato de as leis serem a própria razão humana, esta enquanto governa todos os seres vivos, as leis civis ou políticas devem ser aplicadas em casos particulares. Devem estar dispostas ao povo. Ao mesmo que a natureza do país, pelo fato da natureza ter relação com sua origem e até mesmo com o objetivo do legislador. De fato que todas as relações para Montesquieu chegam ao estado que chamou de O Espírito das Leis. Não pretendeu separar as leis políticas das leis civis, cita que buscou tratar não das leis mas do espírito delas, que estas possuem diversas relações com as coisas.[20]

Bibliografias:

Althusser, Louis. Montesquieu: a política e a história. Tradução de Luz Cary e Luisa Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1977.

Marx, Karl. O capital: crítica da economia política. Tradução Reginaldo Sant’Anna. 22. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

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Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

O Pensamento político clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau. Organização, introdução e notas de Célia Galvão Quirino, Maria Teresa Sadek R. de Souza. - São Paulo; T. A. Queiroz, 1992.

[1] O presente trabalho será totalmente elaborado na questão do primeiro livro de Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

[2] Acadêmico do Curso de História da Universidade de Passo Fundo. Nível VIII, bolsista Pibic/CNPq, nº do processo PIBIC CNPq: 106370/2006-5, e-mail [email protected]

[3] Marx, Karl. O capital: crítica da economia política. Tradução Reginaldo Sant’Anna. 22. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 16.

[4] “[...] a intenção de Montesquieu era de alterar algo na definição estabelecida”. Em, Althusser, Louis. Montesquieu: a política e a história. Tradução de Luz Cary e Luisa Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1977, p. 40.

[5] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 11.

[6] Althusser, Louis. Montesquieu: a política e a história. Tradução de Luz Cary e Luisa Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1977, p. 40.

[7] Althusser, Louis. Montesquieu: a política e a história. Tradução de Luz Cary e Luisa Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1977, p. 43.

[8] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 11.

[9] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 12.

[10] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 12.

[11] “A terra não é nada mais que um “átomo” na imensidão do universo”. Em, O Pensamento político clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau. Organização, introdução e notas de Célia Galvão Quirino, Maria Teresa Sadek R. de Souza. - São Paulo; T. A. Queiroz, 1992, 298.

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[12] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 12.

[13] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 13.

[14] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 13.

[15] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 13.

[16] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 14.

[17] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 15.

[18] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 16.

[19] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 16.

[20] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 17.

Montesquieu e a escravidão

Jéferson Mendes[1]

 

Montesquieu

Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède e de Montesquieu, nasceu em 18 de janeiro de 1689 no castelo de La Brède, perto de Bordéus, França, Montesquieu era membro de uma família da aristocracia provincial. Fez sólidos estudos humanísticos e jurídicos, mas também freqüentou em Paris os círculos da boêmia literária. Montesquieu morreu em Paris, em 10 de fevereiro de 1755, suas teorias exerceram profunda influência no pensamento político moderno. Inspiraram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada em 1789, durante a revolução francesa, e a constituição dos Estados Unidos, de 1787.

Althusser escreve que, “Declarar Montesquieu o fundador da ciência política é uma verdade adquirida. Desse-o Auguste Comte, repetiu-o Durkheim e nunca ninguém contestou sèriamente tal afirmação” (1977, p. 17).

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Montesquieu é leitura obrigatória dentro do ensino de sociologia, onde possui um potencial em seu desprendimento e próprio entendimento para compreender as objetivações sociais das épocas modernas assim como as precedentes.    

A sociologia em Montesquieu

Montesquieu parte do estudo da diversidade, costumes, idéias, leis, instituições procurando organizar esta diversidade. Segundo Aron, “Montesquieu seria [...] um sociólogo que investiga a influência que o clima, a natureza do solo, a quantidade de pessoas e a religião podem exercer sobre os diferentes aspectos da vida coletiva”. (2003, p. 10). Travando a questão das influências dos meios geográficos como solo e clima pertencendo ao estudo das causas físicas. O que ocorre muito é que para Montesquieu o temperamento, a forma de ser e viver, estão relacionados ao clima, dessa forma “[…] parece acreditar que um certo meio físico determina diretamente uma certa maneira de ser fisiológica, nervosa e psicológica dos homens”. (ARON, 2003, p. 33).

            Como livro celebre e do qual deixou um emaranhado de pensamentos, estaria O espírito das leis, do qual Aron cita, “[...] a intenção de O espírito das leis, pelo que me parece, é evidentemente sociológica” (2003, p. 4). E, a partir da sociologia de Montesquieu é que pensamos elaborar o seu conhecimento junto ao que entendia por escravidão.

Montesquieu e a escravidão

A escravidão é um direito ao qual torna um homem tão sujeito a outro homem, este tem, portanto o direito de “posse”, ou melhor o escravo não passa de mercadoria. Montesquieu admite que a escravidão não é boa nem para o senhor muito menos para o escravo. Quanto aos países despóticos nos quais já se vive em uma escravidão política, a escravidão civil é tolerável.

Na monarquia não deve haver escravidão, na democracia e na aristocracia escravos são contrários aos princípios da constituição. Montesquieu começa a elaborando o princípio do direito à escravidão, primeiro dentro dos jurisconsultos romanos, que a elaboram de três maneiras. Pelo direito das gentes que quis que os homens que fossem prisioneiros tornassem escravos para que não fossem mortos. O direito civil dos romanos no qual permitia que devedores pudessem ser maltratados por seus credores e que vendessem a si mesmos. E o direito natural, que a criança que tivesse incapacidade de sustentá-la também se tornaria escrava como seu pai.

Não existe nas três razões sensatez para Montesquieu primeiro porque não se legitima que se possa matar na guerra, não é verdade que um homem livre vende a si mesmo, e terceiro, cai com as duas outras, “[...] pois se um homem não pode vender-se, muito menos pode vender seu filho que ainda não nascera. Se um prisioneiro de guerra não pode ser reduzido à servidão, podem-no ainda menos que os seus filhos” (MONTESQUIEU, 1996, p. 255).

O problema é que a lei da escravidão está sempre contra o escravo, nunca a favor dele. [2] O que torna a visão de ser-lhe útil para Montesquieu pelo fato do escravo ser alimentado pelo senhor, receber, malevolamente as necessidades fisiológicas, que na realidade não passam de utensílios para mantê-lo vivo. Para Montesquieu a escravidão é tão oposta ao direito civil quanto ao direito natural. [3]

A outra forma escravocrata para Montesquieu seria a escravidão devido a diferentes costumes, que levariam os homens a pensarem, imaginarem o altruísmo alheio, ao não adentramento dos mecanismos da escravidão, tornar o outro escravo pelo fato deste possuir um costume antagônico ao seu, ou melhor, diferentes meios de realizar a vida em sociedade.

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Lopes de Gomara conta “que os espanhóis encontraram perto de Santa Marta cestos onde os habitantes guardavam seu alimento: eram caranguejos, lesmas, cigarras, grilos. Os vencedores fizeram de tal coisa um crime dos vencidos”. O autor confessa que foi sobre isto que se fundamentou o direito que tornava os americanos escravos dos espanhóis, além de eles fumarem tabaco e de não fazerem a barba a espanhola. (MONTESQUIEU, 1999, p. 256)

          

 

            Também a religião é uma forma de manter servos aos bel-prazeres dos religiosos.

Mas como todos os homens nascem iguais, é preciso dizer que a escravidão é contra a natureza, ainda que em certos países esteja fundada numa razão natural; e deve-se distinguir bem estes países daqueles onde as próprias razões naturais a rejeitam, como os países da Europa, onde foi tão felizmente abolida. (MONTESQUIEU, 1999, p. 258). 

Dessa forma, Montesquieu sintetiza a declaração dos direitos do homem e do cidadão, observando que todos os homens nascem livres e iguais, assim seria a escravidão contra a natureza humana.

Se na Europa já havia sido abolida a escravidão, países como o Brasil levaria mais ou menos 150 anos para ser abolida. Regiões como o Rio Grande do Sul recebeu um grande contingente de escravos, o que torna dizer que a escravidão como meio de benefício ocasionou em uma ruptura com os moldes econômicos e sociais. Para se ter uma idéia em 1888 quando foi declarada a abolição da escravatura apenas 5% da população era escrava, as pessoas que queriam a liberdade dos negros não possuíam escravos, então a ruptura não foi tão grande economicamente e nem socialmente.

Desde o princípio “[...] as leis foram malfeitas, foram encontrados homens preguiçosos: porque estes homens eram preguiçosos, foram submetidos à escravidão” (MONTESQUIEU, 1996, p. 259), não seria esse motivo para se deslocar homens a uma escravidão, os índios no Brasil sempre foram tidos como preguiçosos, porém muito foi usado de seus serviços. Primeiro o índio diferente do negro tinha conhecimento do território em que vivia e dessa forma não tendo como mantê-lo em lugar privativo, acabava ficando difícil o excesso. Segundo, o índio não tinha costume de tempo de trabalho e outras coisas, não havia em sua tribo a tarefa árdua de determinado a fazer. O negro, era trazido das regiões da África chegando ao Brasil sem qualquer conhecimento do território que estava em questão, não tendo condições propicias para fugir pelo fato de não conhecer o território, não conhecer o idioma, e caso fugisse não ter lugar onde pairar.

Aqueles que mais falam a favor da escravidão teriam por ela um maior horror, e os homens mais miseráveis também teriam horror por ela. O clamor pela escravidão é, então, o clamor pelo luxo e pela voluptuosidade e não pelo amor da felicidade pública. Quem pode duvidar de que cada homem, em particular, não ficasse muito contente de ser senhor dos bens, da honra e da vida dos outros, e que todas as suas paixões não despertassem rapidamente a esta idéia? Nestas coisas, se quiserem saber se os desejos de cada um são legítimos, examinem os desejos de todos. (MONTESQUIEU, 1996, p. 260).

Montesquieu identifica duas formas de servidão; a real, aquela que segundo ele ata os escravos à gleba, no que cada um deve entregar uma porcentagem do que

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produz ao seu senhor. E, a servidão pessoal, que se “[...] trata do ministério da casa e está mais relacionada à pessoa do senhor” (MONTESQUIEU, 1996, p. 260).

O abuso extremo da servidão acontece quando ela é, ao mesmo tempo, pessoal e real. Tal era a servidão dos ilotas entre os lacedemônios; eram submetidos a todos os tipos de insultos dentro da casa: esta ilotia é contraria à natureza das coisas. Os povos simples só possuem uma escravidão real, porque suas mulheres e seus filhos fazem o trabalho doméstico. Os povos voluptuosos possuem uma escravidão pessoal, porque o luxo requer o serviço de escravos dentro da casa. Ora, a ilotia reúne, nas mesmas pessoas, a escravidão estabelecida entre os povos voluptuosos e a escravidão estabelecida entre os povos simples. (MONTESQUIEU, 1996, p. 261).

Dessa forma, as leis civis devem ter como objetivos suprir os abusos e os perigos da escravidão. A escravidão deve ser útil e não “voluptuosa” Montesquieu cita que entre os Lombardos havia uma lei que fisgava a incontinência dos senhores, pelo fato de que se o senhor dormisse com uma escrava ambos tornavam-se livres.

O Brasil durante quase 300 anos sofre escravidão, negros eram trazidos da África e feitos como escravos sem a menor piedade, em cada província ou mesmo em qualquer lugar do país era difícil não encontrar um tronco no meio da praça para chicotear os escravos que infligissem qualquer regra do senhor, com as constantes medidas inglesas de interromper o tráfico negreiro primeiro em 1850 com a lei Bill Albensen que determinava alvo dos navios britânicos qualquer embarcação que contivesse negros para serem escravizados no oceano.

Então a melhor forma encontrada pelos portugueses para que não se extinguisse a escravidão, foi incentivar as negras a terem filhos, e por sinal pediam muitos, tão pouco era normal um senhor dizer à negra que se ela parisse 7 filhos seria libertada, porém quando chegava no 6 era vendida a outro senhor que repetia a mesma conversa. O senhor mantinha sem maiores problemas relações sexuais com a sua escrava, porém a mulher do senhor jamais poderia, porque o filho seria um liberto, e se o filho fosse do senhor com a escrava o filho permaneceria escravo. Na realidade, era normal a relação sexual senhor-escrava, a mulher era apenas para dar-lhe filhos herdeiros e a escrava para dar-lhes prazer, tão pouco, muitas escravas foram mortas por ciúmes de suas senhoras.

Há a diferença de escravidão de Estado para Estado, que geralmente passa a ser sentida pelos cidadãos que ocupam todos os Estados. No governo despótico a escravidão civil não é tão sentida pela escravidão política que já é perene, cidadãos livres como escravos caminham quase que lado a lado.

O que não acontece em repúblicas libertas onde a liberdade política da mesma forma torna a liberdade civil preciosa, não é necessário possuir muitos escravos, para Montesquieu quem é privado da liberdade civil acaba sendo privado da liberdade política. “Nada aproxima mais da condição dos animais do que ver sempre homens livres e não sê-los”. (MONTESQUIEU, 1996, p. 263). Dessa maneira, o escravo vê a liberdade dos outros, porém não pode possuí-la, acabam sendo perigosos para a sociedade em que estão submetidos. Nos estados chamados de moderados por Montesquieu, ocorre um grande índice de revoltas, o que não é comum nos estados despóticos onde a repressão é maior, e feita com mais intensidade.

É menos perigoso armar os escravos na monarquia do que nas republicas. Naquela, um povo guerreiro, um corpo na nobreza conterão suficientemente esses escravos armados. Na republica, homens unicamente cidadãos não conseguirão conter pessoas que, com armas na mão, vão considerar-se iguais aos cidadãos. (MONTESQUIEU, 1996, p. 263).

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Montesquieu imagina que em uma república onde os cidadãos são em certa forma livres é mais difícil conter os escravos pelo fato de que homens livres possuem pouca habilidade com armas ou mesmo meios para que não se manifestassem vontades de seus “súditos”, o que não ocorre na monarquia em que à nobreza tendo já a continuidade de suas monções de conhecimento com armas, por exemplo, torna mais fácil para conter a manifestação escrava quando houver. Dessa forma, “Quando toda a nação é guerreira, os escravos armados ainda são menos temíveis” (MONTESQUIEU, 1996, p. 264).

Montesquieu observa que “Os primeiros romanos viviam, trabalhavam e comiam com seus escravos, tinham com eles muita brandura e equidade; [...]” (MONTESQUIEU, 1996, p. 264), o que não ocorre posteriormente, isso leva a pensar que além da questão funcional de escravidão haver mudado também o conceito escravidão mudou muito, entre os romanos não se tinha relações de escravidão tão enraizado quando se vê nos séculos posteriores. Muito se vincula escravidão aos negros o que na realidade não ocorria entre os romanos, escravos eram aqueles que eram capturados, que eram feitos escravos a partir da captura. “Os homens acostumam-se com tudo, até mesmo com a servidão, contanto que seu senhor não seja mais duro do que a servidão” (MONTESQUIEU, 1996, p. 264).

O escravo era devedor de tudo para o senhor, era necessário que lhe desse mais que benefícios materiais, ou de trabalho, tivesse-lhe de dar quase que a vida, a mercadoria, ou melhor, sua força de trabalho não era suficiente.

O senhor tendo a suposta posse de seu escravo, deve cuidá-lo e manter suas disposições não partir para a conotação de deixá-lo de lado ou não lhe prestar a devida assistência, quando tomado por motivos à posse deve, portanto cuidar do que possui dando-lhe a alimentação, roupa, a própria perda da propriedade seria um prejuízo, dessa forma entraria a questão até onde à escravidão é válida, se quando se tem o escravo o possuidor deve manter suas necessidades fisiológicas e quando o trabalho é assalariado teria apenas que manter o pagamento do valor estipulado ao trabalhador. “Cláudio ordenou que os escravos que tivessem sido abandonados por seus senhores quando estavam doentes seriam livres se fugissem. Esta lei garantia sua liberdade; teria sido preciso que garantisse sua vida” (MONTESQUIEU, 1996, p. 266). A não assistencialização para o escravo levaria a um desregramento da posse do senhor isso ao que Montesquieu entende na Roma antiga.

A lei de Moisés era muito rude: “Se alguém bater em seu escravo e este morrer sob sua mão, será punido; mas, se sobreviver um dia ou dois, não o será, porque se trata de seu dinheiro”. Que povo era aquele, em que era preciso que a lei civil se distanciasse da lei natural. (MONTESQUIEU, 1996, p. 266).

Outro exemplo de religiosidade darwinista se justifica até mesmo pela Bíblia, na Gênesis, Noé que era lavrador, plantando uma vinha, e bebendo-a acabou nu em um seleiro, Noé possuía três filhos, Cão, Sem e Jafé, Cão vendo o pai bêbado e nu, acabou falando a Sem e Jafé, dentro da tradição judaica um filho jamais pode ver um pai nu, então Sem e Jafé de costas colocarão um manto em Noé. Este sabendo do acontecido e do comentário de Cão lançou a maldição sobre todos os discípulos de Canaã, que viria a ser filho de Cão, que este seria escravizado pelos discípulos de Sem e Jafé. Assim, a justificativa dos negros terem sido escravizados por tanto tempo, pois Cão representava povos de cor.

Montesquieu trabalha muito com a escravidão romana. Cita que entre os gregos o escravo que fosse mal tratado por seu senhor seria vendido para outro o que nos últimos anos em Roma também se produziram uma lei parecida. “Um senhor irritado contra seu escravo e um escravo irritado contra seu senhor devem ser separados” (MONTESQUIEU, 1996, p. 266). Logo, o estado comandava as relações

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senhor - escravo, não havia uma autonomia para o senhor decidir o futuro ou mesmo o que fazer para seu escravo.

Podemos perceber que no governo republicano, quando se têm muito escravos, é preciso alforriar muitos escravos, é preciso alforriar muitos. O mal está em que, se se têm muitos escravos, eles não podem ser contidos; se se têm libertos demais, eles não podem viver e se tornar um peso para a republica: além de que esta pode também estar em perigo devido a um numero muito grande de escravos e devido a um numero muito grande de libertos. Logo, é preciso que as leis estejam atentas a estes dois inconvenientes. (MONTESQUIEU, 1996, p. 267).       

Assim, Montesquieu define que é necessário que a república mantenha-se em continuo fluxo de intermediações, saiba controlar o número de libertos como o número de escravos.  

 

Bibliografias:

 

ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: a política e a história. Tradução de Luz Cary e Luisa Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1977.

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Tradução Sérgio Bath. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

 

[1] Professor/tutor nas áreas de História, Geografia, Filosofia e Sociologia. Graduado em História pela Universidade de Passo Fundo. Pós-graduando em Sociologia pela Universidade de Passo Fundo. Pós-graduando em Educação a Distancia pela Faculdade de Tecnologia SENAC. Mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo. E-mail: [email protected]

[2] Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Chistina Muracho. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 255.

[3] Idem, p. 255