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Movimento feminista classista e revolucionário: a experiência da Assamblea de Mujeres Revolucionarias Maipu de Santiago no Chile Rosane Rodrigues Félix 1 Janete Schubert 2 Vivian Camacho 3 Paulina Rebolledo 4 Resumo Este trabalho discute as reinvenções do movimento feminista, a partir de nossa experiência junto a Assamblea de Mujeres Revolucionárias Maipu (A.M.R.M) em Santiago no Chile. Esta organização se auto define como um espaço de construção coletiva política e social de caráter territorial, cujos eixos articuladores são: a luta de classes, o feminismo e a reconstrução do poder popular. Esta investigação utilizou uma metodologia de caráter qualitativo, por sua natureza que pondera processos políticos, discursivos, construções sociais e atores diversos. Uma das discussões desta organização reside na participação masculina, além disto, diferentemente das materialistas francesas, o movimento A.M.R.M vivencia um processo pedagógico dialético, produzindo teoricamente através das diversas atividades que organiza com mulheres campesinas e indígenas, pode-se ressaltar a importância da construção de uma teoria feminista desde as bases, distanciando do pensamento eurocentrado e neocolonizado. Palavras-chave: Movimento feminista; participação social; direitos humanos; descolonização. Introdução Este texto aborda o surgimento de novas organizações feministas que ensejam à construção de uma teoria feminista, com um olhar do sul global (Matos, 2010), a organização feminista pesquisada denominada Asamblea de Mujeres Revolucionárias de Maipu (A.M.R.M.) incorpora as categorias classista e revolucionária, refletindo profundamente sobre a indissociabilidade da questão de classe e de gênero, e, portanto, a imprescindível crítica ao sistema capitalista. Uma das primerias teóricas feministas do pós-colonialismo que pode ser considerada como uma das primeiras vozes contra-hegemônicas no Norte global é Mohanty (1984; 2003; 2006) suas contribuições visam destacar os problemas que uma visão teórica exclusivamente marcada “a partir de olhares ocidentais” acarreta para os debates dos feminismos e das questões centrais que afetam as mulheres no mundo. 1 Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria, Pedagoga, Professora do Centro de Ciencias da Sáude e Ciências Agrárias da Universidade de Cruz Alta, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Estudos Humanos e Pedagógicos. Membro Titular do Comitê Gestor do Programa em Rede de Pesquisa-Desenvolvimento em Sistemas de Produção com Atividade Leiteira no Noroeste Gaúcho - Rede Leite e articuladora do GT-Social da Rede Leite. E-mail: [email protected] 2 Mestre e Cientista Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Professora do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Cruz Alta. E-mail: [email protected]; [email protected] . 3 Médica-Cirurgiã pela Universidad Mayor De San Simon (Cochabamba-Bolívia), Coordenadora da Região Andina no Conselho Mundial pela Saúde dos Povos. E-mail: [email protected]. 4Ativista, integrante da organização Assembleia de Mulheres Revolucionarias de Maipu. E-mail: [email protected]. I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

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Movimento feminista classista e revolucionário: a experiência da Assamblea deMujeres Revolucionarias Maipu de Santiago no Chile

Rosane Rodrigues Félix1

Janete Schubert2

Vivian Camacho3 Paulina Rebolledo4

Resumo

Este trabalho discute as reinvenções do movimento feminista, a partir de nossa experiência junto a Assamblea deMujeres Revolucionárias Maipu (A.M.R.M) em Santiago no Chile. Esta organização se auto define como um espaço deconstrução coletiva política e social de caráter territorial, cujos eixos articuladores são: a luta de classes, o feminismo ea reconstrução do poder popular. Esta investigação utilizou uma metodologia de caráter qualitativo, por sua naturezaque pondera processos políticos, discursivos, construções sociais e atores diversos. Uma das discussões destaorganização reside na participação masculina, além disto, diferentemente das materialistas francesas, o movimentoA.M.R.M vivencia um processo pedagógico dialético, produzindo teoricamente através das diversas atividades queorganiza com mulheres campesinas e indígenas, pode-se ressaltar a importância da construção de uma teoria feministadesde as bases, distanciando do pensamento eurocentrado e neocolonizado.

Palavras-chave: Movimento feminista; participação social; direitos humanos; descolonização.

Introdução

Este texto aborda o surgimento de novas organizações feministas que ensejam à construção de uma

teoria feminista, com um olhar do sul global (Matos, 2010), a organização feminista pesquisada

denominada Asamblea de Mujeres Revolucionárias de Maipu (A.M.R.M.) incorpora as categorias

classista e revolucionária, refletindo profundamente sobre a indissociabilidade da questão de classe

e de gênero, e, portanto, a imprescindível crítica ao sistema capitalista.

Uma das primerias teóricas feministas do pós-colonialismo que pode ser considerada como uma das

primeiras vozes contra-hegemônicas no Norte global é Mohanty (1984; 2003; 2006) suas

contribuições visam destacar os problemas que uma visão teórica exclusivamente marcada “a partir

de olhares ocidentais” acarreta para os debates dos feminismos e das questões centrais que afetam

as mulheres no mundo.

1 Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Santa Maria, Pedagoga, Professora do Centro de Ciencias daSáude e Ciências Agrárias da Universidade de Cruz Alta, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Estudos Humanos ePedagógicos. Membro Titular do Comitê Gestor do Programa em Rede de Pesquisa-Desenvolvimento em Sistemas deProdução com Atividade Leiteira no Noroeste Gaúcho - Rede Leite e articuladora do GT-Social da Rede Leite. E-mail:[email protected] Mestre e Cientista Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Professora do Centro deCiências Humanas e Sociais da Universidade de Cruz Alta. E-mail: [email protected];[email protected] Médica-Cirurgiã pela Universidad Mayor De San Simon (Cochabamba-Bolívia), Coordenadora da Região Andinano Conselho Mundial pela Saúde dos Povos. E-mail: [email protected], integrante da organização Assembleia de Mulheres Revolucionarias de Maipu. E-mail:[email protected].

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A organização estudada se auto define como um espaço de construção coletiva política e social de

caráter territorial, cujos eixos articuladores são: a luta de classe, o feminismo e a reconstrução do

poder popular, foi fundada em janeiro de 2010, congrega mulheres urbanas, campesinas, indígenas

e homens, atua na cidade de Santiago, mas tem expressão em outras cidades, através das redes de

movimentos sociais populares no Chile.

As reflexões apresentadas resultam da possibilidade de conhecermos esta organização em março

deste ano, nosso contato foi possível através do convite para realização de uma mesa de diálogos, a

convivência com uma das integrantes nos possibilitou realizar uma observação participante, foram

também realizadas entrevistas que permitiram compreender, em parte, os mecanismos de

constituição e atuação da A.M.R.M.

Nossa análise permite dizer que uma das mais importantes discussões desta organização situa-se

exatamente na afirmação e constituição de uma organização feminista classista e revolucionária,

diferenciando-se do movimento feminista liberal e do movimento feminista radical.

Conforme Segundo Cecília Sardenberg (2004, p. 24):

O gênero abriu os caminhos para a desconstrução e para a desnaturalização do masculino efeminino. Mas, essa nova problemática também propiciou o surgimento desse ‘fosso’ entreo que elas chamam de feminismo da modernidade e o feminismo da pós-modernidade

Asambleia de Mujeres Revolucionária de Maipu

A Asamblea Mujeres Revolucionarias de Maipú (A.M.R.M) é uma organização territorial que

surge em janeiro do ano 2010, consta nos documentos oficiais que inicialmente este espaço de

construção política e social determinou que seus eixos articuladores “seriam o anticapitalismo, o

antripatriarcado e a reconstrução do movimento popular, estes elementos foram a base para o

desenvolvimento dos primeiros seis meses da organização. Neste período a prática da organização

esteve acompanhada por um processo de formação que derivou finalmente em um salto qualitativo

deste espaço, o qual se sentiu impelido a assumir um compromisso direto com a luta de classes, o

feminismo e a construção do poder popular.

Os vários processos protagonizados e estudados pelas integrantes da organização foram vivenciados

ao longo da trajetória, no entanto, a organização decidiu desafiar-se a sistematizar as práticas e as

ideias desenvolvidas e isto resultou na declaração de princípios da organização.

A referida organização. assume em sua construção tática os seguintes elementos: centralistas e

democráticas, trabalho político-social no território, educação popular, autogestão, solidariedade de

classe e de gênero, articulação com outros setores e territórios em luta, homens e mulheres novas.

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Entre as tarefas que realiza, se destaca: elaboração e distribuição de um jornal oficial, realização de

oficinas com mulheres de diferentes movimentos populares, ativismo e propaganda no território,

formação interna de caráter permanente, participação nas mobilizações de carácter nacional. É

importante mencionar que uma das discussões reside na participação masculina, além disto,

diferentemente das materialistas francesas, o movimento tende a produzir um processo pedagógico

dialético, elaborando teoricamente a partir das oficinas que organizam com mulheres campesinas e

indígenas, pode-se dizer que percebemos como importante a construção de uma teoria feminista

desde as bases, distanciando do pensamento eurocentrado e neocolonizado.

A organização declara como princípios constituintes ser anticapitalista, antipatriarcal, anticlerical e

revolucionário, cada um destes princípios foi profundamente discutido pela organização produzindo

posicionamentos acerca do que significa cada um deles, conforme consta em documento oficial

(2010). Possui uma leitura da realidade da estrutura econômica e das relações sociais presentes no

capitalismo, entendendo que este sistema é composto por classes sociais cujos interesses são

antagônicos, ao mesmo tendo em que na atualidade percebe-se uma enorme concentração de poder,

controle e repressão da burguesia sobre os trabalhadores e o povo. Neste sentido, a organização

assume com força uma definição anticapitalista, posto que vive as consequências de um modelo

econômico que se baseia na acumulação de riquezas por poucos e na exploração e exclusão de

muitos.

[...] Pobreza, delinquência, marginalidade, superindividamento são problemas que nãoderivam de uma desigual distribuição de renda, como sugerem os setores reformistas, massão produto e essência do modelo econômico capitalista e frente a isto, nosso dever comomulheres revolucionárias é contribuir com o processo de conscientização e organização daclasse trabalhadora e do povo em seu conjunto.

Integra a declaração da organização, os seguintes princípios:

1. Somos anticapitalistas: hoje somos mulheres anticapitalistas porque precisamente hojevivimos as consequências deste modo de produção: precarização do trabalho, dupla jornadade trabalho, invizibilização do trabalho doméstico e perda ou mercantilização de nossosdireitos trabalhistas, como por exexplo direito a licença maternidade, direito aaposentadoria como donas de casa, direito a sindicalização. Mulheres contra o capitalismo!2. Somos antipatriarcais: a realidade material, descrita no primeiro ponto, se reafirma emuma superestrutura ideológica que legitima a exploração econômica que vivemos comoclasse trabalhadora. A opressão patriarcal, é um elemento constitutivo dos modos deprodução ecravistas, feudalista e capitalista e se articula a partir da subordinação da mulherao homem, estabelecend relações de poder assimétricas que se refletem, na prática, ematitudes de caráter machista. A naturalização do patriarcado no capitalismo se expressaentre outras coisas, na redação da leis que limitam nossa autonomia sexual e reprodutiva,em uma educação de caráter sexista e estereotipada, na coisificação do corpo nos meios decomunicação e na publicidade e, por último, na violência machista e doméstica expressadanas relações de casais, o abuso sexual e a violação de nossos corpos. Hoje somos mulheres

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antipatriarcais porque precisamente hoje vivemos as consequências desta ideologia daopressão, femicídios, penalização do aborto, dietas, anorexias e bulimias. Mulheresantipatriarcais!3. Somos anticlericais: o patriarcado se conforma a partir da construção de morais e éticasque tomam diversas formas dependendo da cultura específica na qual se desenvolve, nestesentido, a burca no mundo islâmico e sinônimo de opressão igual a circuncisão nos paísesafricanos. No ocidente e América Latina a opressão patriarcal se liga diretamente aosdogmas da igreja católica ( e das religiões que dela se desprendem) e a imposição de suamoral cristã. O ideal de Maria constrói uma mulher virginal que vive sua sexualidadesomente do ponto de vista reprodutivo, sem descobrir seu corpo e seus prazeres. O ideal deMaria, também implica dar a outra face; sob esta lógica, humildade, submissão e perdãosão valores positivos que permitem manter a união da família. Hoje somos mulheresanticlericais porque a igreja atua como um poder fático que nos condena como bruxas senos divorciamos, por abortarmos, por nos masturbarmos, por sermos lésbicas, por nosdefendermos. Mulheres anticlericais!4. Somos revolucionárias: frente aos pontos 1, 2 e 3, nossa organização se definiu comorevolucionaria porque entendemos que a liberação da classe trabalhadora e de nosso povo,passa pela construção de um poder popular que surge a partir da organização das bases e daconvergência de forças social revolucionária que se educa e que ganha experiência nasdiferentes lutas setoriais ou territoriais que hoje protagoniza, portanto, não legitimamos osmecanismos e espaços de participação existentes na atual democracia burguesa e, pelocontrário, apostamos na construão de espaços de organização com dependência de classeque sejam capaces de dirigir e conduzir distintas demandas e reivindicações populares comuma visão estratégica, inserida na luta de classes. Hoje nossa organização de comprometecom a construção do poder popular, reconhecendo que a atual correlação de forças entre aburguesia e a classe trabalhadora, nos limita a realização de pequenos exercícios ecorajosos ensaios do que em outros momentos históricos se expressou como dualidade depoder. Por isto assumimos este compromisso com a construção de um projeto histórico declasse, porque hoje consideramos necessária a coordenaçõ e articulaçõ com outrasorganizações, não somente de mulheres, mas com todos aqueles que enfrentam o mesmodesafio, neste sentido, esclarecemos que a Asamblea Mujeres Revolucionarias Maipú é umorganização autônoma que não depende de nenhuma organização política maior, no entatoreconhecemos que, como feministas revolucionárias, temos o direito a dupla militânciaexpressa na participação tanto em organização de mulheres e/ou feministas como tambémem organizações de esquerda revolucionaria. O desafio é enorme, mas sabems que aprimeira vitória que temos que alcançar é de superar a derrota de nossas consciências,recordando sempre que se é necessário, então, é possível5.

Realizamos uma mesa de diálogos composta por três painéis (apresentados pelas autoras deste

artigo) em um espaço formativo da organização A.M.R.M. No primeiro painel se abordou algumas

questões relativas aos temas poder, neocolonização e processos de resistência na América Latina,

buscando discutir os novos processos de colonização, fez-se também uma análise das políticas de

ajuste neoliberal desde os anos 90 na América Latina e também as várias formas de vigência do

saqueio do planeta terra, por aqueles que se creem donos do mundo. Discutiu-se o que significou o

período ditatorial nos países latino-americanos e alguns aspectos da crise civilizatória que vivemos

na contemporaneidade com a mais brutal concentração de riqueza da história humana.

5 As traduções, ao longo deste artigo, de trechos de obras em outro idioma, são de responsabilidade das autoras.I Seminário Internacional de Ciência Política

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No segundo painel se compartilhou a experiência de um trabalho de formação continuada, baseado

na pedagogia da alternância, na temática de gênero. A referida formação foi voltada para

profissionais vinculados a Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência

Técnica e Extensão Rural - ASCAR-EMATER/RS, que atende às demandas diárias de

agricultores(as) familiares, quilombolas, pescadores(as) artesanais, indígenas,

assentados(as). Os relatos presentes nesta formação desvelaram que ainda vivemos em

uma sociedade patriarcal regida, portanto, por valores patriarcais, que naturaliza os

papéis sociais de homens (provedores, produtores, espaço público) e mulheres

(cuidadora, reprodutora, espaço privado), a opressão à mulher em nossa sociedade é

invisibilizada, ou seja, é tão “natural” que sequer nos damos conta. A temática da

desnaturalização/desconstrução da questão de gênero possibilitou o (re)pensar das ações

extensionistas contribuindo para dirimir as múltiplas formas de desigualdade de

gênero, eixo norteador do grupo de trabalho social (GT- Social) do Programa em Rede de

Pesquisa - Desenvolvimento em Sistemas de Produção com Atividade Leiteira na Região

Noroeste do Rio Grande do Sul, do qual a Universidade de Cruz Alta e a Emater são

integrantes.

A terceira painelista a médica Boliviana Vivian Camacho discutiu a descolonização na saúde,

demostrando o quando a saúde hegemônica no capitalismo é voltada para o lucro e não para as

pessoas. E como necessitamos de espaços de resistência e, também, recuperar nossas formas de

cuidado ancestral.

Ao final dos três painéis abriu-se o debate em que se retomaram questões centrais e a luta das

mulheres na América Latina, neste momento abordou-se a importância de espaços de luta que

propiciem a formação política das mulheres.

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Foto 1: Mesa de diálogos realizada em espaço formativo da organização A.M.R.M, Santiago, Chile.Fonte: arquivo pessoal da autora.

Reinvenções do feminismo

A A.M.R.M ao definir-se como organização anticapitalista, antipatriarcal e anticlerical se conforma

como uma organização feminista classista e revolucionária, diferenciando-se, desta forma, das

feministas liberais e das feministas radicais. Costa (2005, p. 11) refere que “ao utilizar estas

bandeiras de luta, o movimento feminista chama a atenção das mulheres sobre o caráter político de

sua opressão, vivenciada de forma isolada e individualizada no mundo do privado, identificada

como meramente pessoal”.

As feministas liberais consideram que os problemas da mulher surgem a partir da desigualdade

entre homens e mulheres razão pela qual exigem maior participação na atual democracia burguesa

utilizando principalmente ações ligadas a institucionalidade e a criação de leis (lei de paridade, lei

de violência familiar, entre outras). O feminismo liberal se relaciona com o reformismo e o

progresismo daqueles setores da sociedade que hoje advogam para que as mulheres alcancem

postos de poder (Michelle Bachelet e o feminismo pela igualdade, é um bom exemplo) apagando

assim as diferenças de classe.

Por outro lado, as feministas radicais centram o problema das mulheres na opressão que exerce o

patriarcado sobre nós, razão pelo qual decidem afastar-se da democracia burguesa e patriarcal,

articulando sua teoria e prática política a partir do conceito de autonomia, construindo valentemente

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um feminismo da diferença que se separa e distancia dos homens tanto nos espaços públicos como

privados.

O feminismo radical essencialmente pautado por uma luta politica voltada para o conhecimento,

valorização e libertação do corpo feminino, surgiu nas décadas de 60 e 70 nos Estados Unidos, num

momento de reorganização de lutas contra todas as formas de opressão feminina instituídas no

sistema patriarcal (Silva, 2008).

A teoria do patriarcado considerava que os homens eram os primeiros responsáveis pela opressão

feminina, não bastando apenas explicar as diferenças entre os sexos, passa a insuflar a união na luta

contra os homens (criticado por outras feministas como “guerra dos sexos”), também a rejeição ao

Estado e demais instituições de caráter patriarcal (Silva, 2008).

As novas pautas de luta incorporaram as questões do divórcio, aceitação dos filhos fora do

matrimônio; a luta por creches; a reprodução; o aborto e a violência contra as mulheres. Dentre as

realizações e contribuições citamos a organização de grupos de autoconsciência e

autoconhecimento, bem como novas práticas de uma vida alternativa (Silva, 2008).

O movimento feminista e de mulheres hoje, esta hegemonizado pelo feminismo liberal que durante 20

anos esteve submetido aos acordos de partidos pela democracia. No entanto, nos últimos anos tem se

posicionado algumas organizações feministas que se reconhecem como classistas.

A A.M.R.M, além de uma organização classista, se assume como feminista e revolucionaria, razão pela

qual adota em sua construção tática os seguintes elementos: centralistas e democráticas; trabalho

político e social no território; educação popular; autogestão; solidariedade de classe e de gênero;

articulação com outros setores e territórios e luta; homens e mulheres novas.

Consta no documento da organização a definição destes elementos:

a) Centralista e democráticas: nossa organização é uma assembleia na qual aparticipação individual de cada uma das mulheres é fundamental na tomada de decisões. Aassambleia é um espaço de discussão democrática, mas que, em seu sentido resolutivo, nosexige atuar como um só corpo organizativo.b) Trabalho político-social no território: nosso espaço natural de organização é apopulação, somos mulheres que vivemos territorialmente excluídas; o centro poderosoexpulsou os pobres para periferia é neste espaço que nos organizamos.c) Educação popular: no trabalho político-social que desenvolvemos em nossoterritório é fundamental o exercício de educação popular. Não evangelizamos a ninguém,viemos construir um projeto de sociedade que surge a partir da valorização dosconhecimentos e habilidades que temos como povo. Teoria e prática não somente emnossas oficinas, mas também em todas nossas atividades (murais, mobilizações).d) Autogestão: somos mulheres pobres que financiamos nossa organização a partir daautogestão e recursos, pois consideramos que desta forma asseguramos nossaindependência de classe frente a instituições democrático-burguesas como a municipalidadee outras que nos oferecem a participação em projetos que não tem outra finalidade que nosdesmobilizar e nos manipular.

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e) Solidariedade de classe e de gênero: nossa construção política se realiza juntos comos homens de nossa classe. Neste sentido, nosso feminismo, se eleva com uma propostapara as mulheres e homens, trabalhadores e trabalhadoras, vale dizer, como uma ideologiade liberação para ambos. f) Articulação com outros setores e territórios em luta: nossa organização é umaorganização de classe que tem optado por trabalhar prioritariamente as problemáticas dasmulheres populares, trabalhadoras e estudantes; no entanto, reconhecemos a necessidade dearticulação e a criação de alianças táticas e estratégicas que nos permitam avançar naconstrução do poder popular.g) Homens e mulheres novas: a construção de uma moral revolucionária é um dosmaiores desafios dentro da nossa organização. A diferenciação de valores em relação aosnossos inimigos e assumir a posição de exemplo dentro de nossa própria classe,reconhecendo que temos muitas fraquezas e debilidades por termos crescido no modelocapitalista. Assumimos os erros cometidos e aprendendo a constuir um homem e umamulher distinta não somente na militância, mas na vida cotidiana.

Ressalte-se que a tendência socialista marxista funda suas concepções nas lutas de classes; esta

tendência localiza o sistema de dominação masculina na divisão do trabalho. Na opinião de Silva

(2000 p. 361), as feministas marxistas “[...] argumentam no sentido da importância do gênero e da

luta de classes e analisam os modos como duas estruturas paralelas, economia (capitalismo) e

família (patriarcado), estruturam a vida das mulheres”.

Considerações finais

Ao longo da história o feminismo parecia ser visto com “algo só de mulher”, entretanto, atualmente,

compreende-se que o feminismo não é um movimento exclusivo de mulheres, mas que desenvolve

suas ações em prol das mulheres, inserindo-se mundialmente em um projeto de dignificação da

pessoa humana.

Ao avançar no seu processo histórico, o feminismo se transforma em uma das mais importantes

causas políticas e ideológicas das últimas décadas. Embora seja percebido de múltiplas formas,

parecem-lhe comuns todas as teses de que a relação entre os sexos se caracteriza pela desigualdade

ou opressão. Se o feminismo é apresentado de variadas formas é em virtude da necessidade de

atuar, buscando mudanças de uma realidade de opressão exposto com diferentes nomes e variadas

faces.

Nossas análises nos permitem afirmar que organizações feministas como A.M.R.M são de extrema

importância para o avanço das discussões feministas descolonizadas. A possibilidade de

aprendizado propiciado pelo encontro de representantes dos três países, Bolívia, Brasil e Chile, nos

faz refletir sobre a necessidade de reafirmação de organizações feministas voltadas para as

problemáticas do sul global, vale dizer, para a construção de movimentos feministas populares que

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visibilizem as problemáticas das mulheres pobres, negras, trabalhadoras urbanas, agricultoras,

indígenas, cujos dramas foram historicamente invisibilizados por movimentos feministas,

constituídos por pensadoras europeias e norte-americanas brancas, em sua maioria, intelectuais de

classe média ou alta.

Referimos como importante a busca por produzir teoricamente desde os movimentos populares de

base, o que necessariamente inverte o polo do conhecimento, que historicamente tem se dado desde

a academia para os movimentos sociais.

Percebe-se um esforço da organização no sentido da formação permanente e contínua das mulheres,

não desconectado da luta de classes e visando a reconstrução do poder popular e a reafirmação de

uma organização revolucionária, com suas implicações políticas, econômicas e sociais.

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