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MOVIMENTOS DE MULHERES E FEMINISTAS COMO SUJEITOS DA POLÍTICA DE
CRECHES NO BRASIL, MARANHÃO, SÃO LUÍS
Mariana Veras França1
RESUMO: Subsidia-se a discussão dos movimentos de mulheres e feministas como sujeitos políticos da política de creches. Sabe-se que as políticas públicas tem como função modificar e transformar uma dada questão social. O entendimento feminista de políticas de creches não é diferente. A implementação de creches, como política de apoio e cuidado, é fundamental para garantir direitos das crianças, trabalhadores, mas também das mulheres, a fim de modificar a invisibilidade do trabalho feminino no âmbito doméstico e alterar positivamente a situação econômica das mulheres. Nesse sentido a ampliação da política de creches é essencial e particularmente importante para as mulheres. Palavras-chaves: Políticas Públicas; Movimentos de Mulheres e Feministas; Política de Creches.
ABSTRACT: It subsidizes the discussion of women's and feminist movements as political subjects of day-care policy. It is known that public policies have the function of modifying and transforming a given social question. The feminist understanding of day care policies is no different. The implementation of day-care centers, as a policy of support and care, is fundamental to guarantee the rights of children, workers, but also women, in order to change the invisibility of women's work in the domestic sphere and positively change the economic situation of women. In this sense, the expansion of childcare policy is essential and particularly important for women. Keywords: Public policy; Movements of Women and Feminists; Day care Policy.
1 Assistente Social pela Universidade Federal do Maranhão. Especialista em Políticas Públicas e Gestão de Assistência Social pela Faculdade LABORO. Mestre em Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão.
I. INTRODUÇÃO
A criação dos filhos, o cuidado com os parentes idosos e/ou pessoas com
deficiência, as tarefas de educar, dos afazeres domésticos e de preocupar-se com saúde do
próximo, são trabalhos que, historicamente são incumbidas às mulheres, na perspectiva de
serem vistas como atividades femininas, “naturais” para as quais possuem o “dom divino” de
procriar, de cuidar. Ao se dedicar à trabalhos ditos “femininos”, as mulheres reduzem o
tempo para estudos, qualificação, de cuidados com a saúde, com participação política
efetiva, de acesso à cultura e lazer. Por mais que a realidade das mulheres tem se
modificado ao longo dos anos (devido à combinação de fatores econômicos, culturais,
sociais, tais como o amadurecimento dos movimentos sociais de mulheres e feministas, o
avanço da industrialização e urbanização, uso de anticoncepcional; entre outros
indicadores), as mulheres ainda ocupam espaços diferenciados dentro do mercado de
trabalho, dupla (por vezes, tripla) jornada de serviço, vivem a negação de direitos
previdenciários, possuem menores rendimentos comparado a dos homens, bem como
ausência de equipamentos sociais, tais como creches públicas – sendo assim, notável o
reflexo do processo histórico de reprodução das desigualdades sociais, em que os fatores
de gênero incidem com maior peso na vida das mulheres.
Segundo Scott (1990) o conceito de gênero foi criado para opor-se a um
determinismo biológico nas relações entre os sexos, dando-lhes um caráter
fundamentalmente social. Caráter esse que apreende conceituar o gênero enquanto uma
categoria útil à história, e não apenas à história das mulheres, mas também dos homens,
das relações entre homens e mulheres, dos homens entre si e igualmente entre as
mulheres, além de propiciar uma gama de análises das desigualdades e das hierarquias
sociais entre os gêneros.
A creche, no entanto é politicamente analisada como equipamento social,
produto de políticas públicas de apoio e cuidado que visam o compartilhamento dos
trabalhos de reprodução social. Assim, reconhece-se a creche como parte de uma política
pública, um equipamento público de direito social e universal, tendo o Estado o dever de
garanti-lo como público, gratuito e de qualidade. Não pode ser reduzido apenas um direito à
criança, mas de populações urbanas e rurais, de mulheres que trabalham fora de casa ou
não, e que atendam as diversas demandas e necessidades. Afirma-se, assim, que uma
política de ampliação da oferta de creches é transversal tanto às questões educacionais das
crianças, quanto às questões de gênero e impacta diretamente na autonomia das mulheres
e suas possibilidades de inserção no mercado de trabalho. Mas sua origem remonta ao
século XVIII, na Europa, com objetivo assistencial, com ações destinadas ao abrigo e à
proteção de crianças desfavorecidas. No Brasil a creche surge a partir do século XIX,
também com função assistencial afim de minimizar o alto índice de mortalidade infantil, sua
finalidade principal era proporcionar cuidados de higiene, alimentação e proteção para
crianças oriundas de famílias de baixa renda.
O movimento de mulheres e feministas acendeu a visibilidade da creche como
instituição de direito, um bem, um direito da criança com a função de cuidar e educá-las,
diferentemente de como surgiu – pelo viés assistencialista, ao atender crianças nascidas e
criadas no recanto da pobreza. Representa também um direito do trabalhador, uma
conquista da sociedade civil organizada com a finalidade de promover o desenvolvimento
infantil, especialmente quanto às suas necessidades e competências educativas. Mas
principalmente é um direito à mulher com vistas de superação as desigualdades de gênero.
Para adentrar o proposto debate o artigo encontra-se estruturado primeiramente
pela Introdução, na qual se apresenta o estudo proposto. O segundo tópico, que debate as
mulheres como protagonistas de políticas públicas, principalmente da política de creches. O
terceiro subitem, é traçado a trajetória da política de creches como luta do movimento
feminista. O quarto, traça-se o perfil da realidade no Brasil, e em São Luís-MA das creches e
as demandas por vagas para crianças de 0 a 3 anos de idade. E por fim, as considerações
finais, que destaca pontos a ser problematizados no estudo.
II. OS MOVIMENTOS DE MULHERES E FEMINISTAS COMO SUJEITOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: mulheres como protagonistas.
Faz necessário discutir o conceito de Políticas Públicas. As políticas públicas
são entendidas como expressão do propósito de intervir nas variadas dimensões da vida
social, a fim de promover mudanças sociais através do princípio de igualdade social
(FERREIRA, 1999). Traduz-se, portanto, como ações que tendem a criar impactos
favoráveis aos direitos dos cidadãos. A política pública implica a intervenção do Estado,
envolvendo diferentes sujeitos sociais (governamentais e não governamentais), contempla
processos de outputs (resultados) da atividade política dos governos e inputs (demandas
externas, provenientes da sociedade) (SILVA, 2013).
Os principais sujeitos sociais envolvidos na formulação de uma política pública
são: grupos de pressão, movimentos sociais e outras organizações da sociedade; partidos
políticos ou políticos individuais; administradores e burocratas; técnicos, planejadores e
avaliadores; e o judiciário (SILVA, 2013). Destaca-se nesse trabalho o movimento feminista
como sujeito de políticas públicas. Segundo, Montaño e Duriguetto (2010) os movimentos
sociais são expressões do processo de organização da classe trabalhadora, da luta de
classes e lutas sociais, portanto possuem interface com o Estado e interferem no desenho
das políticas públicas. Desse modo são,
[...] potenciais beneficiários dos programas sociais, responsáveis pela transformação de problemas em questões sociais que integrarão ou não as agendas públicas, sendo orientados pela lógica das necessidades e dos resultados (SILVA, p. 28, 2013).
Os movimentos sociais possuem a potencialidade de fortalecer lutas por
direitos, além de dar visibilidade a realidade vivida pela sociedade e indicar propostas de
mudança social por meio de políticas públicas (MARANHÃO, 2010). Logo, considera-se:
[...] movimentos sociais como alternativas da sociedade organizada que, tendo seu espaço limitado pela ação do estado e pelas relações desiguais de classe, gênero e etnia, buscam, através de várias organizações, implementar estratégias democráticas de transformação socio-política [...] (FERREIRA, 2007, p.23).
As mulheres brasileiras já se mobilizavam desde os anos de 1940 contra o custo
de vida, por creches, melhores condições de vida e trabalho e, timidamente, buscavam uma
maior abertura política. Em fins dos anos 1970 e início dos anos 1980, essa intervenção ao
poucos se politiza e os movimentos feministas passam a contribuir na elaboração de
políticas públicas que atendessem demandas, garantissem direitos, bem como as
considerassem sujeitos de direitos à sua autonomia, integridade de seu corpo, em prol dos
direitos sexuais e reprodutivos, além de proteção contra violências domésticas e sexuais. A
condição da mulher em relações desiguais e subalternas passa a compor o debate na
sociedade e tornando-as publicamente. Como afirma (SOARES, 1994, p.4):
[...] movimento de mulheres nos anos setenta trouxe uma nova versão da mulher brasileira, que vai às ruas na defesa de seus direitos e necessidades e que realiza enormes manifestações de denúncia de suas desigualdades.
O reconhecimento das mulheres como sujeito das políticas implica construir
canais de debate para definir prioridades e desenhar estratégias para caminhar no sentido
de transformação. Transformações estas que combatam as desigualdades de gênero num
contexto do conjunto das desigualdades sociais, pressupondo práticas de cidadania ativa
para que a justiça de gênero se concretize, sobretudo pela responsabilidade do Estado. A
reinvindicação por creches no âmbito da cidade e do campo não é restrito à garantia da
educação pública e qualidade e nem tampouco apenas as trabalhadoras e trabalhadores.
Mas é determinante na construção de políticas públicas que contribuam para alterar o
padrão ou a visão naturalizada da mulher: que é restrita ao trabalho doméstico e aos
cuidados da família.
III. A TRAJETÓRIA DA LUTA DAS MULHERES POR CRECHES NO BRASIL, MARANHÃO, SÃO LUÍS
A luta por creche como equipamento social público e de qualidade, está
intimamente ligada às modificações da posição das mulheres na sociedade e suas
implicações no âmbito da família. O equipamento creche, no países ocidentais, emergiu em
períodos de guerra, onde para os homens era reservado o serviço militar e cabia as
mulheres subsidiar a família e atender o mercado das indústrias bélicas. Porém, com o fim
das guerras militares os homens voltavam aos serviços civis e a mulher retornava ao lar
pelo desemprego, ou quando permanecia, trabalhava com salários inferiores, sem incentivos
e em condições precárias de trabalho.
No Brasil, a partir dos anos 1920, as mulheres pobres, casadas, viúvas,
abandonadas, saíram do âmbito privado para adentrar o mercado de trabalho com o intuito
de garantir o sustento da família e emergir a condição de pobreza. No processo de
industrialização e urbanização do Brasil e a maior inserção da mulher no serviço público, as
creches foram institucionalizadas para mães trabalhadoras, cujo objetivo era garantir
participação assídua e pontual e a qualidade da mão de obra. Nesse contexto, a política de
creches adentrou na agenda governamental. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT),
Decreto-Lei nº 5.452/43 (aprovada no âmbito de mudanças econômicas, políticas e sociais)
previu as creches como uma responsabilidade do empregador. Assim, a legislação
trabalhista foi primeiro marco histórico no que diz respeito a legalidade das creches. O Art.
388, Parágrafo Único da CLT:
Quando não houver creches que atendam convenientemente à proteção da
maternidade, a juízo da autoridade competente, os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos trinta mulheres, com mais de 16 anos de idade, terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar, sob vigilância e assistência, os seus filhos no período de amamentação (BRASIL, Art. 338, Parágrafo Único, 1943)
Em 1967, o texto acima foi substituído pela inclusão do Decreto-lei nº 229,
(28.2.1967) no §1 do Art. 389 da CLT:
§ 1º - Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) § 2º - A exigência do § 1º poderá ser suprida por meio de creches distritais
mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) (BRASIL, Art. 389, 1943)
As instituições públicas assumiam os cuidados das crianças somente nos casos
comprovados de “incapacidade das famílias”, referenciados pela Constituição Federal de
1934 e posteriormente em 1937:
[...] Art.138. Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios nos termos das leis respectivas; [...] c) amparar a maternidade e a infância; d) socorrer as famílias de prole numerosa; [...] f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a mortalidade e a morbidade infantis; e de higiene social que impeçam a propagação das doenças transmissíveis (BRASIL, art. 138, 1934). O abandono intelectual ou físico da infância e da juventude importará em falta grave dos responsáveis pela sua guarda, e cria ao Estado o dever de provê-los do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral. Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole (BRASIL, Art. 127, 1937).
Assim como em outros países do mundo, no Brasil especificamente no Estado
de São Paulo, vinculou a creche à uma visão assistencialista ao focar apenas ao abrigo dos
filhos de mães trabalhadoras. Portanto, as razões educacionais eram desconhecidas na
instituição da creche ao ter por objetivo manter a saúde física e moral da população.
Percebe-se no discurso da constituição que a pobreza é entendida como fruto da fraqueza
pessoal e questão de caráter. Para mães e pais que não poderiam prover o sustento da
família e das crianças, caía sobre os mesmos a responsabilidade e ações punitivas por isso.
Em 1940, foi criado o Departamento Nacional da Criança no Ministério da
Educação e Saúde e juntamente com Legião Brasileira de Assistência (LBA) tornaram-se
responsáveis pelas creches (ao implementar creches nas comunidades pobres pelo Projeto
Casulo2), articuladas com instituições filantrópicas. Durante o Governo Militar, a política de
creches deslocou-se mais para a fronteira da assistência social do que da política de
trabalho, caracterizando-se como uma política de apoio precário às mães trabalhadoras
empobrecidas, que não estivessem amparadas pelas garantia de proteções sociais
previstas na CLT.
No processo de respostas as reivindicações das mulheres-mães trabalhadoras,
o problema político posto em questão era o de inserção no mercado de trabalho das mães
com filhos (as) que não tivessem onde ficar (ROSEMBERG, 1984). Embora as creches
estivessem inseridas na política de trabalho, a lógica da divisão sexual não era
problematizada, além de só assegurar os(as) trabalhadores(as) inseridos(as) em relações
formais de trabalho. Dessa forma, a formulação da política, nesse contexto,
responsabilizava, em primeiro lugar, as empresas, prevendo uma responsabilidade
subsidiária do Estado. A partir de 1975 a reivindicação por creches esteve presente na
maioria dos atos públicos do movimento de mulheres e feministas. O feminismo incorporou
como bandeira de luta a instalação de creches por entender que o equipamento é um
desdobramento do direito ao trabalho e a participação política das mulheres (CAMPOS,
1999). Fato que, em muito contribuiu para a demanda por creches entrasse no debate e na
pauta de exigências do movimento sindical.
De início foram formados movimentos isolados. Depois os debates sobre
creches adentraram os espaços de clube de mães, movimentos contra a carestia e,
posteriormente, no âmbito do Movimento Feminista. Em São Paulo, organizou-se um
movimento único: o Movimento de Luta por Creches (MLC), que integrava feministas, grupo
de mulheres, a Igreja, partidos políticos (legais ou clandestinos) e grupos independentes
2 Tinha por objetivo atender crianças de 0-6 anos, precisamente a partir do 4º mês de idade (de famílias de baixa renda), ao proporcionar atendimento médico odontológico, nutricional, de recreação, assistência jurídica, educação e aludia a participação da família e da comunidade nas tarefas da creche.
(ROSEMBERG, 1984). Em 1979, acontece o 1º Congresso da Mulher Paulista – lançamento
oficial do MLC. À medida que o movimento ganha força, promessas governamentais de
construção de 830 creches em São Paulo em três anos são feitas (SAFFIOTI, 1987). Porém,
apenas a metade de creches prometidas foram construídas.
Apesar dos desafios o movimento de mulheres e feministas se consolidam, no
contexto marcado pela censura e conservadorismo instaurados pelo Regime Militar, como
atores políticos ao integrar forças democráticas a favor da ampliação da cidadania,
democracia, igualdade, simultaneamente a falta de trabalho, educação, saúde, direitos à
esfera da reprodução. Como amadurecimento do Movimento, em 1986, o Conselho
Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM) firmou propostas aos Constituintes para que as
demandas das mulheres fossem atendidas na Constituição Federal de 1988 (CF/88), e
dentre eles o direito a extensão da creche.
No Maranhão, a discussão sobre o equipamento social emerge com potência em
meados da década de 1980, quando o Grupo de Mulheres da Ilha inicia um trabalho com a
comunidade do São Bernardo e defronta-se com as dificuldades elencadas pelas mulheres
com o cuidado de crianças pequenas. Porém, já existiam mulheres de camadas populares
que lutavam e se mobilizavam com intuito de dar visibilidade as questões que se
relacionavam ao papel da mulher-mãe, dona de casa e trabalhadora. Vale ressaltar que a
reivindicação por creches sempre adentrava em outras pautas nos debates feministas da
época.
A CF/88 inscreveu a política de creches na dimensão dos direitos, como uma
resposta às reivindicações políticas sobre o tema, significando, portanto, um divisor de
águas na constituição de sua identidade. As creches e pré-escolas foram afirmadas como
um direito social de trabalhadores(as) urbanos e rurais (art. 7º, XXV), mas também como
direito de crianças de até cinco anos à educação (art. 208, IV). Já na década de 1990, no
Maranhão, a política de creches passa a ser discutida pelo Fórum Maranhense de Mulheres
onde passa a exigir uma posição mais efetiva da CUT, ao destacar a relevância da creche
como uma questão política (GERAMUS, 2016).
O ECA também explicita uma nova concepção da infância e da adolescência,
centrada na noção de direitos, prevendo que o atendimento em creches é dever do Estado,
definindo ações de responsabilidade em caso de omissão ou oferta irregular (art. 54, IV, §
2º). A LDB, por sua vez, afirmou a integração das creches e pré-escolas ao ciclo
educacional, enquanto primeira etapa da educação básica. As creches deveriam atender
bebês e crianças pequenas de até três anos de idade (art. 30, I) e, à pré-escola, as crianças
de 04 e 05 anos de idade (art. 30, II).
No âmbito da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, reitera o dever constitucional do Estado
com a educação infantil (art. 4º) definindo-a como a primeira etapa da educação básica, de
atribuição e responsabilidade do município, devendo ser oferecida em creches ou entidades
equivalentes, para crianças de até 3 anos de idade e em pré-escolas para crianças de 4 a 5
anos de idade (art. 30).
Com base nos marcos legais elencados, verifica-se que a educação infantil
integra o sistema de ensino, sendo um dever do Estado e organiza-se segundo normas do
Sistema Educacional vigente. Então, sendo a educação infantil parte do sistema de ensino,
esses equipamentos sociais (creches e pré-escolas) deixam de ser concebidos sob a ótica
da assistência e passam a ser perceptíveis na lógica do direito. Portanto, precisa-se ter
bem claro que a oferta de vagas em creches e escolas de educação infantil pública não se
trata de um favor, mas sim um direito de todas as crianças. Além de ser um direito da
criança, entende-se que é também uma recusa ao atual modelo que reforça a
responsabilidade individual das mulheres no trabalho doméstico e de cuidados, sendo
indispensável para a entrada e a permanência das mulheres no mercado de trabalho.
Em relação à igualdade de gênero no mundo do trabalho, a agenda da política
para as mulheres enfatizou a igualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho,
mas também destacou a valorização do trabalho reprodutivo e a ampliação de
equipamentos sociais, como creches, como meio para disponibilizar tempo livre para as
mulheres. O atual PNPM3 (2013-2015) avançou no que diz respeito a incorporação das
creches à agenda da política para as mulheres ao definir como objetivo específico
“Promover políticas que visem o compartilhamento das responsabilidades domésticas e que
contribuam para a superação da divisão sexual do trabalho” (BRASIL, 2013). Apesar dos
avanços imprescindíveis na política de creches, nos marcos legais e nos planos de
educação e na perspectiva feminista, muitos são ainda os desafios a serem enfrentados,
analisados no próximo item do artigo.
IV. EXPECTATIVAS X REALIDADE
Apesar da CF/88explicitar a política de creche como direito, o que se percebeu
ao longo dos anos é que a realidade está aquém do que a legislação vem a garantir.
Verifica-se que de 2002 a 2012, o número de crianças até 3 anos matriculadas em creches
aumentou de 11,7% para 21,2%, enquanto na faixa de 4 a 5 anos o índice saltou de 56,7%
para 78,2% (IBGE, 2013). Porém, no grupo dos 20% mais pobres da população, a
proporção era de 21,9%, quase três vezes menos que os 63% alcançados pelos 20% mais
ricos. A disparidade continua, embora menor, na faixa de 4 e 5 anos, em que 78,2% das
3 O Plano Nacional de Política para as Mulheres é fruto de conferências nacionais, estaduais e
municipais. Contribui para o fortalecimento e a institucionalização da Política para as Mulheres.
crianças brasileiras frequentam escola, percentual que cai para 71,2% no caso das incluídas
na fatia com menor renda e sobe para 92,5%, entre as mais ricas (IBGE/PNAD, 2013).
Percebe-se que as creches públicas atendem as crianças empobrecidas,
constituindo uma rede educacional paralela e segregada. Porém, milhões de crianças ainda
ficam de fora dessa rede. Dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) referentes ao ano de 2011 mostram que 10 milhões de crianças estão
em idade de frequentar creches, mas apenas 21% delas estão matriculadas no país. E
ainda, uma pesquisa divulgada em 2012, realizada com mulheres de 18 a 64 anos, mostra
que 88% apontam a creche como uma das principais demandas ao poder público. Do total,
45% das mulheres que trabalham não tem ajuda para cuidar dos filhos e 34% afirmaram que
encontrar vaga em creche é a principal dificuldade para quem está trabalhando (PIERRO,
2012). Tal realidade conduz o governo federal a implementar em 2006, o Fundeb4, o PAC,
em 2011, para construção de novas creches e pré-escolas, assim como programas no rol da
Política de Assistência Social, no âmbito do enfrentamento a pobreza, tal como o Programa
Brasil Carinhoso. Apesar do esforço, os programas e incentivos do Governo Federal ainda
não respondem significativamente as demandas de mulheres e crianças.
Uma pesquisa recente realizada pela DATA POPULAR e SOS CORPO (2012) a
maioria das mulheres entrevistadas (71%) enfrentam a dupla jornada de trabalho, pois não
tem a partilha de afazeres domésticos com os maridos, na qual a creche se constitui um dos
suportes que poderiam ajudar no dia a dia das mulheres, considerada como uma das
principais demandas, independentemente da classe socioeconômica (75%). Porém,
encontrar vagas em instituições públicas é uma das principais dificuldades das mulheres
que trabalham fora (34%).
Como a educação infantil é de responsabilidade dos municípios, os Estados
Brasileiros, não possuem em sua dependência vagas em creches e pré-escolas, mas o que
se pode verificar a nível estadual - 20,3% de acordo com o censo do IBGE (2010) de
crianças frequentam creches, apesar do tímido crescimento entre os anos 2001 (69.075
crianças frequentaram creche) e 2014 (136.461 frequentaram creche), dados não
representativos por não cobrir 50%5 do contingente populacional de crianças de 0 a 3 anos
(TODOS...2016).
No contexto da capital do Maranhão – São Luís – a população residente no
município na faixa etária de 0-3 anos de idade corresponde a 60.822 crianças, de acordo
4 O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e Decreto nº 6.253/2007. É um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual, formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. 5 De acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE) o país deve atender em creches 50%das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência do PNE.
com o censo IBGE (2010). Porém, 17.395 alunos correspondentes na faixa etária de creche
foram registrados no Censo Escolar de 2015 na rede pública (3.472 crianças) e na rede
privada (13.923 crianças), ao ficar de fora da escola um total de 43.427 crianças de 0-3
anos. Assim, é perceptível a desigualdade de acesso, onde a rede privada é que mais
matricula crianças nessa faixa etária, formadas em sua maioria por instituições comunitárias
e filantrópicas. E a rede pública que não supre as demandas por vagas, principalmente para
aquelas crianças oriundas de famílias consideradas pobres e extremamente pobres (SÃO
LUÍS, 2015).
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A creche como equipamento social, inscrito na CF/88, é imprescindível na
garantia do direito da criança, mas também oportunizar autonomia feminina na medida em
que libera a mulher para sua inserção em postos de trabalho. A ausência desse
equipamento não nega apenas o direito de educação de qualidade à criança, mas também
inibe a participação feminina no mercado de trabalho, pois dificulta ou inviabiliza a mesma a
sair da condição de pobreza e reproduz a naturalização dos papeis sexuados na sociedade.
É evidente que as iniciativas do Estado através de Leis, Planos, Programas
contribuíram para ampliar um novo formato de creches (baseadas na definição do direito,
contraditoriamente ao assistencialista), e o acesso às creches no Brasil, o que impacta
positivamente o cotidiano de crianças, mães, pais e responsáveis, mas, sobretudo, das
mulheres, as quais respondem massivamente pelas práticas sociais de cuidado. Contudo,
deve-se problematizar na perspectiva das relações de gênero.
Verificou-se assim, que as respostas mais imediatas às reivindicações das
mulheres-mães que precisavam trabalham no processo de urbanização e industrialização do
Brasil, se desdobrou na área da assistência social e no campo das relações trabalhistas,
como se viu no caso da obrigatoriedade das empresas em manter creches para as mulheres
com filhos pequenos. Campos (1999) destaca que os órgãos públicos que ofereceram
respostas as demandas foram as secretarias estaduais e principalmente as municipais de
bem estar social e, em âmbito federal, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), através do
Projeto Casulo que atuava em parcerias com instituições privadas, viés filantrópico.
As mulheres, organizadas em movimentos coletivos, foram atrizes importantes
das reivindicações por creches, especialmente a partir da década de 1970. Elas atuavam na
denúncia das condições de injustiça social no Brasil, mas também pautavam reivindicações
específicas dos interesses práticos e estratégicos das relações de gênero, o que articulou
movimentos feministas e de mulheres em torno de temas como trabalho, educação, família
e saúde.
Outra questão a ser problematizada é a perpetuação da configuração da
creche atualmente, pois de acordo com os dados demonstrados no desenvolvimento do
artigo, há uma desigualdade de acesso, onde a creche pública é reservada para os mais
pobres, enquanto a creche privada é acessada pelos mais ricos. E que ainda são
insuficientes para o atendimento da metade do contingente populacional em todo o país,
apesar dos avanços na política de creches pós CF/88. Cortes de gastos públicos e
restrições orçamentárias para as políticas sociais, em face do contexto neoliberal vigente,
estimulam a formulação de políticas que atendam apenas aos mínimos sociais de famílias
empobrecidas e miseráveis, respondendo a um ideal de eficiência cirúrgica de gastos
públicos, e não à garantia de direitos universais – perceptível a não expansão de vagas em
creches públicas em São Luís, o que faz transferir a responsabilidade do Município para a
sociedade civil, por meio de instituições privadas – filantrópicas e comunitárias –
conveniadas com a prefeitura. Instituições essas que atendem com limitações, infraestrutura
inadequada, profissionais não qualificados e mal renumerados.
Portanto, as políticas de apoio e cuidado, devem ser fundamentadas na
transversalidade de gênero, com vistas a facultar a autonomia feminina e a redivisão das
tarefas de cuidado, superando a abordagem de que a mulher é a única responsável pelas
tarefas domésticas e educação dos filhos. A ampliação da política de creches é
particularmente importante para as mulheres, pois além de um direito da criança ao seu bem
estar e educação de qualidade, garante às mulheres melhores possibilidades de buscar
trabalho remunerado, ter controle sobre o seu tempo, seja para o lazer, participação política
ou a sua qualificação profissional.
REFERENCIAS
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