Upload
julio-caiado-de-sintra
View
221
Download
3
Embed Size (px)
Citation preview
MSC. Profª Rosália Mourão
DIREITO E LITERATURAOBJETIVOS
Aprofundar as interfaces existentes entre o Direito e a Literatura, a partir da análise de obras literárias, possibilitando a abertura de um novo campo para a realização de estudos e pesquisas jurídicas
Difundir, mediante o diálogo entre as comunidades acadêmicas do Direito e da Literatura, a reflexão acerca da capacidade da narrativa literária de auxiliar os juristas na árdua tarefa de desvelar, através da ficção, a realidade social e jurídica.
O que afastou o Direito da Literatura?Abandono da humanidade no Direito.Distanciamento entre o texto e a praxis.O sentimento de descompasso entre a
expectativa sobre a norma positivada e a expectativa de seu (des)cumprimento gera um mecanismo reflexivo de alta complexidade já denunciado por Luhmann: a expectativa de expectativas.
Direito e Literatura“Para encontrar soluções bem integráveis,
confiáveis, é necessário que se possa ter expectativas não só sobre o comportamento, mas sobre as próprias expectativas do outro” (LUHMANN, Niklas, 1983, p. 47)
O Direito funciona em um tempo distanciado do tempo social, repetindo e entronizando o passado, esquecendo, dessa forma, seu papel maior: a construção do futuro.
Relações entre Direito e LiteraturaConflitos advindos das relações processuais e
das violações a direitos, com suas consequentes cargas de justiça e injustiça.
Percepção da sociedade sobre a atuação e postura dos profissionais de Direito.
Questionam a validade de uma norma jurídica e o porquê de sua (des)obediência.
O tratamento literário do Direito é uma constante, tendo-se em vista que este é um sistema social e que aquela postula refletir acerca dos fenômenos sociais.
Por que estudar o Direito a partir da Literatura?
O Direito não deve ser visto como um fenômeno isolado das demais ciências, como pregava, por exemplo, a pureza do Direito Kelsiana, em direção à noção de um Direito conectado com os avanços sociais.
Um Direito que se auto-crie dia a dia que se vincule a uma noção biológica de redes de conexão, interligadas de tal forma que o todo se construa a partir da parte e vice-versa.
Por que estudar o Direito a partir da Literatura?
Um observador pode perceber o Direito dentro de sua lógica e ao mesmo tempo, utilizar-se de outros parâmetros (Literatura) para (re)influenciar a própria criação de um novo Direito, apto às transformações do sistema social como já indicava Benjamin Cardoso, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos nos princípios do século XX.
A Literatura permite se colocar no lugar do outro, através de suas narrativas e de seus personagens, de enviar o leitor para a vivência de outrem, fazendo-o refletir e posicionar-se em relação ao caso posto.
Ex: Processo – Kafka; Os que bebem como cães – Assis Brasil.
Por que estudar o Direito a partir da Literatura?
O positivismo jurídico criou a divinização da norma jurídica e do formalismo processual e esqueceu-se de elementos essenciais para a resolução do conflito, a psique e o comportamento humano.
Para Weisberg a Literatura pode ser considerada como uma boa fonte de conhecimento do Direito, pois aborda dimensões do fenômeno jurídico que não são tocadas pelos métodos jurídicos – tradicionais, a saber:
a)Como se comunicam os juristas:A Literatura fornece uma boa resposta para
se compreender o porquê e a finalidade da construção dos discursos dos jurisconsultos.
Para Weisberg as histórias sobre Direito serão, sempre, histórias como ostentar poder mediante a tradição repetida dos contos sobre seus feitos judiciais (audiências, julgamentos, tribunais...)
b) A forma de tratamento dos juristas em relação aos “outros”:A Literatura oferece uma descrição acurada
dos modos de relação entre os juristas e os não-juristas (leigos no Direito)
C) Como os juristas estruturam suas argumentações:
Weisberg ao analisar as obras de Dickens, Faulkner e John Barth conclui que os advogados que são têm êxito em suas ações possuem as seguintes características:
Capacidade para manipulação verbal;Elitismo e isolamento;Tendência a misantropia;Relativismo ético no exercício de sua profissão;Frugalidade e passividadeDistância frente ao sofrimento alheio.
Por que estudar o Direito a partir da Literatura?
Direito e Literatura são textos, reclamam uma atividade que apure o sentido de suas construções, evidenciando a relação entre o construtor/ legislador e o destinatário/ cidadão da norma jurídica.
Retirar o fulcro legalista da ciência do Direito. Este não é apenas norma.
Como estudar o Direito com base na Literatura?
O objetivo de estudar o Direito a partir da Literatura é encontrar nesta, pontos de apoio que forneçam ao Direito compreensões necessárias – a serem assemelhadas e (re) processadas por sua lógica funcional – sobre o bem e o mal, o justo e o injusto e o legal e o ilegal.
Visão tripla do Direito segundo o Law and Literature Movement:
O Direito na LiteraturaDireito como LiteraturaDireito da Literatura
Direito na LiteraturaO Direto na Literatura é o ramo da disciplina Direito e Literatura que estuda as formas sob as quais o Direito é representado na Literatura. Cada forma de tratamento poderá interessar a um determinado campo jurídico.
Direito na LiteraturaA) Recriações literárias de processos
jurídicos, em especial os denominados hard cases ou aqueles com elevado grau de conotação acerca do justo/injusto, ou Direito/não Direito.
Ex: Mercador de Veneza - Shakespeare
Direito na LiteraturaB) O modo de ser e o caráter dos juristas,
especialmente os advogados, algumas vezes apresentados como heróis, outras tantas, como vilões.
Exemplo: O auto da barca do Inferno – Gil Vicente
Vem um CORREGEDOR carregado de feitos e chegando à barca do Inferno, com sua vara na mão diz:Corregedor –Ó da barca!Diabo – Que quereis?Corregedor – Está aqui o
senhor juiz.Diabo – Oh, amador de
perdiz,Corregedor – No meu ar
conhecereis que não é ela do meu jeito.
Diabo – Como vai lá o Direito?
Corregedor – Nestes feitos o vereis.
Diabo – Ora, pois, entrai. Veremos que diz aí nesse papel.
Corregedor – E onde vai o batel?
Diabo – No inferno vos poremos.
Corregedor – Como?! Á terra dos demos há-de ir um corregedor?!
Diabo – Santo descorregedor, embarcai e remaremos! Ora entrais, pois que viestes!
Corregedor – Não é de regulae juris, não!
Vem um CORREGEDOR carregado de feitos e chegando à barca do Inferno, com sua vara na mão diz:Diabo – Ita, ita! Daí cá a mão! Remarei um remo destes. Fazei conta que nascestes
para nosso companheiro. - Que fazes tu, barzoneiro Faze-lhe essa prancha
prestes!
Corregedor – Oh! Renego da viagem e de quem me há-de levar!
Há aqui meirinho do mar?
Diabo – Não há cá tal costumagem.
Corregedor – Não entendo esta barcagem, nem hoc non potest esse.
Diabo – Se ora vos parecesse
que não sei mais que linguagem...
Entrai, entrai, corregedor! Corregedor – Oh! Videtis
qui petatis! Super jure magestatis tem vosso mando vigor?
Vem um CORREGEDOR carregado de feitos e chegando à barca do Inferno, com sua vara na mão diz:Diabo – Quando éreis
ouvidor nonne accepistis rapina? Pois ireis pela bolina onde nossa mercê for...Oh!que isca esse papel para um fogo que eu sei!
Corregedor – Domine, memento mei! (Senhor lembra-te de mim!)
Diabo – Non es tempus, bacharel.
Imbarquemini in batel quia judicatis malitia.
Corregedor - Semper ego justitia fecit, Eu sempre obrei com justiça e equidade, e bem por nível!
Diabo – E as peitas dos judeus que vossa mulher levava?
Corregedor – Isso eu não o tomava, eram lá percalços seus.
Non sunt peccatus meus, peccavit uxore mea. Não são pecados meu, minha mulher é que pecava.
Diabo – Et vobis quoque cum ea, não temuistis Deus?
Vem um CORREGEDOR carregado de feitos e chegando à barca do Inferno, com sua vara na mão diz:Diabo – A largo modo
adquiristis sanguinis laboraturm, ignorantes peccatorum, ut quid eos non audistis? Enriquecestes a valer à custa do sangue dos lavradores, ignorantes pecadores, sem atendê-los sequer.
Corregedor- Vós, arrais, nonne legistis que o dar quebra penedos? Os direitos estão quedos, sed aliquid tradidistis...Vós arrais, nunca ouvistes que a lei se cala quando trazeis alguma coisa...
Diabo - Ora entrai nos negros fados! Ireis ao lago dos cães, e vereis os escrivães como estão tão prosperados.
Corregedor – E na terra dos danados estão os evangelistas?
(homens da lei)
Diabo – Os mestres das burlas (fraudes) vistas lá estão bem fraguados. (atormentados)
Estando o CORREGEDOR nesta prática com o ARRAIS infernal, chegou um PROCURADOR, carregado de livros, e diz o CORREGEDOR ao PROCURADOR:
Corregedor - Ó senhor procurador!
Procurador – Beijo-vo-las mãos, juiz! Que diz esse Arrais? Que diz?
Diabo – Que sereis bom remador. Entrai, bacharel, doutor, e ireis dando na bomba.
Procurador – E este barqueiro zomba... Jogatais de zombador? Essa gente que aí está, para onde a levais?
Diabo – Para as penas infernais.
Procurador - Dix! Não vou eu para lá! Outro navio está cá, muito melhor assombrado.
Diabo – Ora estás bem aviado! Entra muitieramá! Em muita má hora!
Corregedor – Confessas-te vos, doutor?
Procurador – Bacharel sou... Dou-me ao Demo! Não cuidei que era extremo, nem de morte minha dor.E vós, senhor Corregedor?
Estando o CORREGEDOR nesta prática com o ARRAIS infernal, chegou um PROCURADOR, carregado de livros, e diz o CORREGEDOR ao PROCURADOR:
Corregedor – Eu mui bem me confessei, mas tudo quanto roubei encobri ao confessor... Porque, se não o tornais, Não vos querem absolver, e é mui mal de volver depois que o apanhais.
Diabo – Pois por que não embarcais?
Procurador – Quia esperamus in Deo.
Diabo - Imbarquemini in barco meo... Para que esperatis mais?
Vão-se ambos ao batel da Glória e, chegando, diz o CORREGEDOR AO ANJO:
Corregedor – Ó arrais dos gloriosos, passai-nos neste batel!
Anjo – Oh pragas para o papel, para as almas odiosos!
Como vindes preciosos, sendo filhos da ciência!
Corregedor – Oh! Habeatis clemência e passai-nos como vossos!
Parvo – Ó homens dos breviários rapinatis coelhorum et pernis perdiguitorum. Recebestes como propina coelhos e pernas de perdizes e mijais nos campanários!
Corregedor – oh! Não sejais contrários, pois não temos outra ponte!
Parvo – Beleguinis ubi sunto? Onde estão os beleguins (oficiais de justiça)
Anjo - A justiça divinal vos manda vir carregados porque vades embarcados neste batel infernal. Corregedor – Oh! Não praza
a São Marçal co’a ribeira, nem co’o rio!
Cuidam lá que é desvario haver cá tamanho mal.
Vão-se ambos ao batel da Glória e, chegando, diz o CORREGEDOR AO ANJO:Corregedor - Venha a
negra prancha cá! Vamos ver este segredo.
Procurador – Diz um texto do Degredo...
Diabo – Entrai, que se dirá!
Vêm quatro fidalgos, CAVALEIROS da ordem de Cristo que por morrerem nas partes da África. Vêm cantando a letra que se segue:À barca, à barca segura,guardar da barca perdida:à barca, à barca da vida!
Senhores, que trabalhaispela vida transitória,memórias, por Deus,memória deste temerosoCais!
À barca, à barca mortais!Porém na vida perdidaSe perde a barca da vida.Vigia-vos pecadores,Que depois da sepulturaNeste rio está a venturaDe prazeres ou de dores!
À barca, à barca segura,guardar da barca perdida:à barca, à barca da vida!
c) O uso simbólico do DireitoAs representações que uma sociedade
exterioriza a respeito de suas normas jurídicas.
Obras de Tolstoi e Dostoievski – A comunidade jurídica baseava-se no amor e no afeto;
Literatura francesa – A unidade política na obediências às normas jurídicas, que se reportam aos valores de liberdade e igualdade da Revolução Francesa.
d) O tratamento que o Direito e o Estado dispensam às minorias ou grupos oprimidosMulheres, imigrantes, raça, religião, etc.Madame Bovary – Gustave FlaubertEstação Carandiru – Draúzio VarellaAntígona de Sófocles – o debate que opõe o
direito natural ao direito positivo e a desobediência civil.
Criton de Platão – desobediência civilProcesso – Kafka – Joseph K, bancário, que é
preso, julgado e condenado por um misterioso tribunal, jamais conhecendo as razões de tal ato.
DIREITO COMO LITERATURALiteratura e Direito são narrativas;Perceber o Direito e seu conjunto de atos e
procedimentos como peças capazes de serem observadas como atos literários;
A sentença é uma peça com personagens, enredo, início, meio e fim.
A citação de jurisprudência e precedentes em uma petição é um relato intercalado, adaptado à necessidade de um suporte jurídico.
DIREITO COMO LITERATURAO literário deve enxergar-se como intrínseco ao
Direito enquanto o Direito, necessariamente, encerra a construção de personagens, personalidades, sensibilidades, mitos e tradições que compõem o mundo social.
O Direito pode ser visto como exercício de retórica, ou seja, uma forma de convencimento.
Direito processual pode ser entendido como um universo de histórias narradas pelas partes e que buscam o convencimento de um terceiro (leitor): o juiz.
DIREITO COMO LITERATURAUm processo judicial é, além de
conhecimento (processo de conhecimento), um conjunto de histórias contrapostas uma à outra. Sua lógica sequenciada permite ao juiz a compreensão do acontecimentos dos fatos, da mesma forma que uma obra literária reporta o leitor ao entendimento linear de sua marcação.
DIREITO DA LITERATURAÉ o ramo do sistema jurídico que já recebeu as
informações necessárias advindas do sistema da arte e do sistema político. As leis e normas jurídicas que protegem a atividade literário são o objeto central da observação nesse plano.
O Direito na Literatura compreende:A) As relações jurídicas do exercício literário;B) As normas que regulam a criação e a difusão
da obra literária e os direitos por ela gerados.
BIBLIOGRAFIASHWARTZ, Germano. Direito e Literatura:
proposições iniciais para uma observação de segundo grau do sistema jurídico. Acesso: http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&q=direito+e+literatura%3A+proposi%C3%A7%C3%B5es+iniciais&meta=&aq=f&oq=direito+e+literatura%3A+proposi%C3%A7%C3%B5es+iniciais&fp=6756192edba9b11f.
VICENTE, Gil. O auto da barca do inferno. Editora Klick, São Paulo.