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DOCUMENTO 1
Mudança climática e crise hídrica
OS DESAFIOS DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS NAS BACIAS PCJ
AÇÃO ECO CUENCAS
Documento 1 do Projeto “Eco Cuencas: Bacias e Redistribuição
Financeira em Ação” para a Agência das Bacias PCJ
Julho 2016
2
Este documento foi realizado com apoio financeiro da União Europeia
O conteúdo deste documento é de responsabilidade da Agência de Bacias PCJ e FESPSP e não reflete necessariamente a posição da União Europeia.
3
SUMARIO
FIGURAS .............................................................................................................................. 5
QUADROS ........................................................................................................................... 7
ABREVIAÇÕES ...................................................................................................................... 9
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 10
1. MARCO JURÍDICO E INSTITUCIONAL DA GESTÃO POR BACIAS HIDROGRÁFICAS ........... 13
1.1. DIPLOMA LEGAL FEDERAL: CÓDIGO DAS ÁGUAS E POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS
HÍDRICOS ................................................................................................................................. 13
1.2. DIPLOMA LEGAL DOS ESTADOS DE SÃO PAULO E MINAS GERAIS .............................. 26
2. BACIAS HIDROGRÁFICAS PIRACICABA - CAPIVARI - JUNDIAI (BACIAS PCJ) .................... 36
2.1. CARACTERIZAÇÃO DAS BACIAS PCJ ............................................................................... 36
2.2. ESTRUTURAÇÃO INSTITUCIONAL E GOVERNANÇA DAS BACIAS PCJ ......................................... 49
2.3. DISPONIBILIDADE HÍDRICA E ASPECTOS QUALITATIVOS .................................................. 59
2.4. EVOLUÇÃO DA DEMANDA POR USO .................................................................................... 68
2.5. BALANÇO HÍDRICO DAS BACIAS PCJ .................................................................................. 74
2.6. GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NAS BACIAS PCJ .......................................................... 80
2.7. PROGRAMAS PRIORITÁRIOS APLICADOS PELA AGÊNCIA DE BACIAS PCJ .................................... 83
3. MUDANÇAS CLIMÁTICAS, CRISE HÍDRICA E OS DESAFIOS DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS
99
3.1. DISPONIBILIDADE DE RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL ............................................................ 99
3.2. A CRISE HÍDRICA E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS POR DIFERENTES VISÕES .............. 100
3.3. MUDANÇA CLIMÁTICA E A CRISE HÍDRICA: INCERTEZA SOBRE O REGIME DE CHUVAS
111
3.4. A CRISE HÍDRICA E A GOVERNANÇA DOS RECURSOS HÍDRICOS NAS BACIAS PCJ ..... 116
3.5. IMPACTOS DA CRISE HÍDRICA NO SETOR DE SANEAMENTO .................................... 120
4. MECANISMOS FINANCEIROS .................................................................................... 122
4.1. O ESTABELECIMENTO DOS MECANISMOS DE COBRANÇA ....................................... 122
4.2. COBRANÇA ESTADUAL PELO USO DA ÁGUA (NO ESTADO DE SÃO PAULO) .............. 126
4
4.3. A COBRANÇA NAS BACIAS PCJ .................................................................................. 126
SETOR DE SANEAMENTO ...................................................................................................... 132
4.4. ABORDAGEM SOBRE A APLICAÇÃO DOS RECURSOS ................................................ 135
4.5. APLICAÇÃO DOS RECURSOS FRENTE AOS DESAFIOS COLOCADOS PELO PLANO DE
BACIA ................................................................................................................................142
5. AVALIAÇÃO DA GOVERNANÇA E TÓPICOS PARA DISCUSSÃO .................................... 153
5.1. AVALIAÇÃO DA GOVERNANÇA MULTINÍVEL ............................................................ 153
5.2. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO ...................................................................................... 172
5
FIGURAS
Figura 1 Matriz institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos .... 15
Figura 2 Composição atual do Conselho Nacional de Recursos Hídricos .................................... 19
Figura 3 Bacias hidrográficas com agências de bacia .................................................................. 25
Figura 4 Cronologia dos marcos legais no desenvolvimento da gestão de recursos hídricos no
Brasil, no Estado de São Paulo e nas Bacias PCJ ......................................................................... 34
Figura 5 A Bacia hidrográfica no Brasil e nos Estados de São Paulo e Minhas Gerais ................ 36
Figura 6. As Bacias PCJ ................................................................................................................. 38
Figura 7 Mapa da situação dos municípios das Bacias PCJ ......................................................... 41
Figura 8. Represa Paiva de Castro do Sistema Cantareira .......................................................... 44
Figura 9 O Sistema Cantareira ..................................................................................................... 45
Figura 10 Composição dos Comitês de Bacias PCJ ...................................................................... 53
Figura 11 Organograma das Câmaras Técnicas dos Comitês PCJ ............................................... 54
Figura 12 Sala de Situação das Bacias PCJ ................................................................................... 57
Figura 13 Carta de Isoietas das Bacias PCJ .................................................................................. 61
Figura 14.Classes de enquadramento e respectivos usos e qualidade da água ......................... 65
Figura 15 Classes de qualidade (OD e DBO) – Cenário Base 2008. ............................................. 66
Figura 16 Demanda de água - tipo e finalidade .......................................................................... 69
Figura 17 Captações de água nas Bacias PCJ ............................................................................... 70
Figura 18 Lançamentos de águas nas Bacias PCJ ........................................................................ 71
Figura 19 Demanda superficial em relação à vazão de referência Q7,10 – 2008 a 2013 .............. 76
Figura 20 Balanço entre disponibilidade e demanda .................................................................. 77
Figura 21 Projeções para o consumo de água (horizonte 2035)................................................. 80
Figura 22 Dominialidade dos recursos hídricos nas Bacias PCJ................................................... 82
Figura 23 Resultado do IQA para a porção das Bacias PCJ localizada no Estado de São Paulo. 92
Figura 24 Resultado do cálculo da qualidade média das águas nos períodos de 2001-2007 e
2008-2014. .................................................................................................................................. 93
Figura 25. Sistema Cantareira visto de Extrema em Minas Gerais, nascente do Rio Jaguari ..... 94
Figura 26. Rio Jaguari em Extrema .............................................................................................. 96
Figura 27. Rio Amazonas ............................................................................................................. 99
Figura 28 Estiagens excepcionais no Sudeste 1953/1954, 1962/1963 e 1970/1971 em 2014. 102
6
Figura 29. Balanço entre vazões e recargas das bacias hidrográficas por região do país ......... 106
Figura 30 Mapas de quantis e tempos de retorno da precipitação do ano hidrológico de 2014
................................................................................................................................................... 112
Figura 31 Precipitações em alguns municípios das Bacias PCJ e médias históricas .................. 117
Figura 32 Início da cobrança pelo uso da água ......................................................................... 123
Figura 33 Histórico dos valores das cobranças Estadual e Federal em valores corrigidos ....... 129
Figura 34 Valores arrecadados pela cobrança nas Bacias PCJ: participação por setores de
atividades .................................................................................................................................. 132
Figura 35 Valor histórico arrecadado por 10 contribuintes do setor de saneamento de acordo
com sua participação ................................................................................................................ 134
Figura 36 Distribuição dos recursos da cobrança Federal, Estadual e compensação nas Bacias
PCJ (1995 a 2015) ...................................................................................................................... 137
Figura 37 Distribuição anual da aplicação dos recursos da cobrança pelo uso dos recursos
hídricos por setor (1995 a 2015) ............................................................................................... 138
Figura 38 Valor total aplicado de acordo com a origem do recurso (R$) ................................. 140
Figura 39 Composição por área de aplicação, de acordo com a origem dos recursos ............. 141
Figura 40 Composição por área de aplicação, de acordo com a origem dos recursos ............. 142
Figura 41 Recursos a obter para consecução das ações previstas no Plano de Bacias PCJ 2010 -
2020 ........................................................................................................................................... 144
Figura 42 Evolução das receitas pela cobrança pelo uso das águas por ano em reais ............. 148
7
QUADROS
Quadro 1. Comitês de Bacias Hidrográficas de São Paulo - Datas de implantação .................... 32
Quadro 2. Área das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí ............................................. 37
Quadro 3. Áreas das Sub-bacias do rio Piracicaba (SP e MG) ..................................................... 39
Quadro 4. PIB das principais regiões constitutivas das Bacias PCJ (em bilhões de reais -2012) 40
Quadro 5. Demanda de água por setor em % do total ............................................................... 68
Quadro 6. Projeções da população para as Bacias PCJ ............................................................... 73
Quadro 7. População residente nas Bacias PCJ e taxa geométrica de crescimento anual (TGCA)
– 2010 a 2015 .............................................................................................................................. 73
Quadro 8. Demanda superficial – percentual em relação à Q95% e Q7, 10 .................................... 75
Quadro 9. Balanço Hídrico em 2014 e projeção para 2020. ....................................................... 78
Quadro 10. Programas prioritários nas Bacias PCJ ..................................................................... 83
Quadro 11. Índices de perdas na distribuição de águas ............................................................. 85
Quadro 12. Coleta e tratamento de esgotos nas Bacias PCJ ....................................................... 88
Quadro 13. Índices de coleta e tratamento nas Bacias PCJ ........................................................ 89
Quadro 14. População e disponibilidade hídrica por região do Brasil ...................................... 100
Quadro 15. Sistema Cantareira - Pluviometria 2014 ................................................................ 115
Quadro 16. Valores arrecadados em R$ da cobrança estadual e federal em 2015 .................. 124
Quadro 17. Valores totais arrecadados de cobrança federal e estadual nas Bacias PCJ de 2006 a
2015 ........................................................................................................................................... 128
Quadro 18. Valores arrecadados das cobranças Federal e Estadual por ano e origem ........... 128
Quadro 19. Valores arrecadados pela cobrança nas Bacias PCJ: participação por setores de
atividades .................................................................................................................................. 131
Quadro 20. Valores arrecadados por 10 contribuintes do setor de saneamento .................... 134
Quadro 21. Recursos aplicados oriundos da cobrança Federal, Estadual e compensação nas
Bacias PCJ (1995 – 2015), trazidos a valores presentes em Fevereiro/2016 ............................ 135
Quadro 22. Valor total aplicado de acordo com a origem dos recursos (R$) ........................... 139
Quadro 23. Composição por área de investimento, de acordo com a origem dos recursos.... 141
Quadro 24. Recursos estimados pelo Plano de Bacias PCJ para cenário desejável de coleta e
tratamento de esgotos em 2014 e 2020 ................................................................................... 143
Quadro 25. Valores da cobrança federal em 2006 - valores vigentes e valores corrigidos ...... 146
8
Quadro 26. Valores vigentes em 2016 das cobranças federal e estadual por tipo de uso - 2016
................................................................................................................................................... 146
Quadro 27. Evolução dos valores de Cobrança de Uso de recursos hídricos no Período de 2006
a 2015 - trazidos a valores presentes em Fev/2016 ................................................................. 147
Quadro 28. Preços Unitários Básicos (PUBs) ............................................................................. 149
Quadro 29. Comparativo da tarifa de abastecimento por m³, preço de extração e a relação
entre ambos, na bacia do Tâmisa, estado alemão de Baden-Württemberg e os municípios de
Campinas e Itatiba ..................................................................................................................... 150
Quadro 30. Arranjo institucional de gestão dos recursos hídricos – Estado de São Paulo ....... 156
Quadro 31. Arranjo institucional de gestão dos recursos hídricos – Estado do Paraná ........... 158
Quadro 32. Instrumentos financeiros para gestão de recursos hídricos .................................. 165
9
ABREVIAÇÕES
ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental
ANA Agência Nacional de Águas
ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica
ARES-PCJ Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios
Piracicaba, Capivari e Jundiaí
BACIAS PCJ Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí
CBH - PCJ Comitês das Bacia Hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí
CETESB Companhia Ambiental do Estado de São Paulo
DAEE Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo
EMPLASA Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
ETE Estação de Tratamento de Esgoto
AGÊNCIA PCJ Fundação Agência das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba,
Capivari e Jundiaí
CTH Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica
FEHIDRO Fundo Estadual de Recursos Hídricos
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico
IGAM Instituto Mineiro de Gestão das Águas
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
REPLAN Refinaria de Paulínia
SABESP Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo
SANASA Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A - Campinas
SAISP Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo
SINGREH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
SNIRH Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos
TAR Tarifa Atualizada de Referência
10
APRESENTAÇÃO
Este documento apresenta os estudos e pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto
“Eco Cuencas: Bacias e Redistribuição Financeira em Ação”, iniciativa liderada pelo
Office International de l'Eau (OIEau), juntamente à Fundação Agência das Bacias
Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Agência das Bacias PCJ) e Bacias
dos Rios Catamayo-Chiara do Peru-Equador e Bacia Grande da Colômbia.
O foco desse projeto é a discussão, o aprofundamento e o empoderamento das
questões relacionadas aos recursos hídricos e os efeitos das mudanças climáticas na
disponibilidade de água nessas Bacias Hidrográficas, dentre elas, as Bacias Piracicaba –
Capivari – Jundiaí, denominadas neste trabalho por Bacias PCJ.
Desde a promulgação da Lei Federal nº 9.433/1997 que instituiu a Política Nacional de
Recursos Hídricos, o Brasil tem avançado significativamente na gestão de recursos
hídricos. Neste contexto cabe destacar o pioneirismo dos Estados de São Paulo e
Minas Gerais que, anteriormente à Lei Federal, instituíram sua legislação específica,
reproduzida em âmbito nacional. No caso específico das Bacias PCJ as disputas
crescentes pelas suas águas e os problemas de qualidade levaram a um avanço
contínuo da gestão dos recursos hídricos. Além da outorga, as Bacias PCJ dispõem de
cobrança pelo uso da água, o que viabilizou não somente implantar as ações do
Comitê PCJ, mas a própria Agência de Bacia.
Embora com avanços notáveis, alterações no regime de chuvas e ocorrência cada vez
mais frequentes de eventos extremos tem influenciado a disponibilidade de água para
usos múltiplos, especialmente para abastecimento humano, considerado um dos mais
nobres. A discussão em torno das causas dessas alterações ainda é foco de intensos
debates entre especialistas de todo o mundo. Entretanto, ainda que não haja consenso
sobre essa questão, é cada vez mais premente que o planejamento dos sistemas
hídricos considere os efeitos e os impactos dessas alterações com medidas de
11
emergências e contingências em situações de cheias e estiagem, como ocorridas nos
últimos anos.
Essa discussão, iniciada neste documento, está estruturada em 5 partes, a saber:
Parte 1: Marco Jurídico e Institucional da Gestão por Bacia Hidrográfica
Parte 2: Bacias Hidrográficas Piracicaba - Capivari - Jundiaí (Bacia PCJ)
Parte 3: Mudanças Climáticas e a Crise Hídrica
Parte 4: Instrumentos econômicos e aplicação dos recursos na gestão das águas
Parte 5: Avaliação da Governança e Tópicos para Discussão
O intuito deste documento não é esgotar as referências sobre essa temática, mas
servir de orientação para os debates, especialmente, em torno das lacunas,
possibilidades e potencialidades de enfrentamento a situações extremas relacionadas
às mudanças climáticas e seus efeitos sobre o sistema hídrico.
12
Parte 1 Marco Jurídico e Institucional da Gestão por Bacias
Hidrográficas
13
1. MARCO JURÍDICO E INSTITUCIONAL DA GESTÃO POR BACIAS
HIDROGRÁFICAS
A Lei das Águas, como ficou conhecida a Politica Nacional de Recursos Hídricos (Lei
Federal nº 9.433/1997), estabelece a água como um bem de domínio público e um
recurso natural limitado, dotado de valor econômico.
1.1. DIPLOMA LEGAL FEDERAL: CÓDIGO DAS ÁGUAS E POLÍTICA NACIONAL DE
RECURSOS HÍDRICOS
O primeiro diploma legal que procurou estabelecer normas gerais para o
aproveitamento das águas no país foi o Código das Águas de 1934. Essa Lei definiu
águas públicas e estabeleceu normas para sua utilização. Em seu artigo 43, por
exemplo, o Código determinou que as águas públicas não poderiam “ser derivadas
para as aplicações da agricultura, da indústria e da higiene, sem a existência de
concessão administrativa” e que o prazo da concessão não poderia ser superior a
trinta anos. Dessa forma, o Estado chamava a si a competência de conceder o direito
de uso.
O Código estabelecia ainda no Artigo 143 que todos os aproveitamentos de energia
hidráulica teriam de satisfazer “exigências acauteladoras dos interesses gerais”,
inclusive “da alimentação e das necessidades das populações ribeirinhas, da
salubridade pública, da navegação, da irrigação, da proteção contra as inundações, da
conservação e livre circulação do peixe e do escoamento e rejeição das águas”
(CÓDIGO DAS ÁGUAS, 1934). Dessa forma o diploma legal procurava assegurar o uso
múltiplo das águas.
O Código distinguiu ainda a propriedade do solo das quedas d’água e de outras fontes
de energia hidráulica conferindo à União o poder de autorizar ou conceder o
14
aproveitamento dos cursos de água para fins de aproveitamento de energia elétrica.
No seu artigo 140, o Código estabeleceu que qualquer iniciativa de aproveitamento de
quedas d’água que gerasse mais de 150 kW estaria sujeita à concessão.
O advento da moderna legislação federal das águas teria de esperar sessenta e três
anos desde a aprovação do Código das Águas. Apenas em 1997, a Lei nº 9.433 instituiu
a Política Nacional de Recursos Hídricos estabelecendo um novo paradigma para a
gestão das águas no Brasil. Essa importante Lei, além de reforçar os fundamentos do
Código das Águas, apresenta aspectos de relevante interesse para este trabalho:
A água é um bem de domínio público;
É um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
Em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo
humano e a dessedentação de animais;
A gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das
águas;
A bacia hidrográfica como a unidade territorial para implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos;
A gestão dos recursos hídricos será descentralizada e contará com a
participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
Dentre os instrumentos, a Política Nacional de Recursos Hídricos apresenta:
a) O enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os seus usos
preponderantes.
b) A outorga dos direitos de uso de recursos hídricos.
c) A cobrança pelo uso de recursos hídricos.
15
d) O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.
e) Os Planos de Recursos Hídricos.
A Lei nº 9.433/1997 criou ainda o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos (SINGREH). Integram esse sistema o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, a
Agência Nacional de Águas, os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do
Distrito Federal, os Comitês de Bacias Hidrográficas, os órgãos públicos federais,
estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se relacionem com a
gestão de recursos hídricos e as agências de água e de bacias hidrográficas (Figura 1).
Figura 1 Matriz institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos
Fonte: ANA (2016)
16
A matriz institucional do Sistema apresenta a distribuição dos órgãos nos âmbitos:
nacional com a ANA e o Conselho Nacional; estadual com os Conselhos Estaduais e
órgãos gestores; e o local/regional representado pelos Comitês de Bacias e Agências
de Águas. Além de definir a natureza dos órgãos, a lei apresentou também as suas
competências na gestão de recursos hídricos, conforme apresentado a seguir.
1.1.1. Competências dos órgãos no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos
Conforme apresentado na matriz institucional, o Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos é formado por diferentes órgãos que possuem competências
específicas na gestão de recursos hídricos:
Ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) compete formular a Política Nacional de
Recursos Hídricos e subsidiar a elaboração do Orçamento da União dedicado ao
setor. A Agência Nacional de Águas (ANA) está subordinada ao MMA e a ele está
vinculado o Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Quanto à ANA, dentre as principais atribuições estão:
a) A outorga de direitos de uso de recursos hídricos em corpos d’água de domínio
da União;
b) A fiscalização dos usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da
União;
c) A implementação, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica, da
cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União;
d) A arrecadação, distribuição e aplicação de receitas auferidas por intermédio da
cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União;
17
e) O planejamento e a realização de ações destinadas a prevenir ou minimizar os
efeitos de eventos extremos, secas e inundações;
f) A definição e fiscalização das condições de operação de reservatórios por
agentes públicos e privados;
Cabe ainda à ANA coordenar a rede hidrometeorológica nacional e gerir o Sistema
Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH).
A ANA pode delegar às agências de águas e de bacias hidrográficas a execução de
atividades de sua competência. No caso específico das Bacias PCJ, por delegação da
ANA, a Fundação Agência das Bacias PCJ administra os recursos originários da
cobrança dos rios de dominialidade federal que integram essas bacias.
A ANA possui atribuições normativas, mas também detém funções executivas,
realizando programas com o objetivo de prevenir e mitigar os efeitos de eventos
extremos, de preservar e recuperar mananciais, entre outros.
A Politica Nacional de Recursos Hídricos estabelece como obrigação da ANA elaborar
relatório anual de situação dos recursos hídricos.
Quanto à questão hidroelétrica, conforme apontado anteriormente, cabe a Agência
Nacional de Águas – ANA outorgar o direito de uso de recursos hídricos em corpos
d’água de domínio da União. Dessa forma, para todos os processos de autorização
avaliados pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL sobre o uso do potencial
de energia hidráulica, há a necessidade de obtenção de declaração de reserva de
disponibilidade hídrica junto à ANA. Essa reserva, uma vez concedida, se torna
automaticamente outorga de direito de uso para a empresa ou instituição que obtiver
a concessão da ANEEL. Estudos complementares sobre a gestão das águas e
hidroeletricidade constam do Anexo I do presente documento.
18
Ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos cabe, entre outras atribuições:
a) Arbitrar conflitos sobre recursos hídricos;
b) Deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas
repercussões extrapolem o âmbito dos estados em que serão implantados;
c) Aprovar propostas de instituição de comitês de bacia hidrográfica;
d) Estabelecer critérios gerais para a outorga de direito de uso de recursos
hídricos e para a cobrança por seu uso;
e) Aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e acompanhar sua execução.
O Conselho conta com representação de ministérios, conselhos estaduais de
recursos hídricos e outros órgãos estaduais relacionados, representantes de
usuários, de prestadores de serviços de saneamento, de concessionárias de geração
de hidroeletricidade, da agricultura e de outros setores da atividade econômica, de
comitês e consórcios de bacias hidrográficas, de organizações de ensino superior e
pesquisa e de organizações não governamentais (Figura 2). A composição reflete o
espírito participativo da legislação sobre os recursos hídricos, uma vez que não se
trata de um conselho meramente consultivo, mas sim de um colegiado que detém
poderes deliberativos sobre temas como critérios de outorga e de cobrança, entre
outros.
19
Figura 2 Composição atual do Conselho Nacional de Recursos Hídricos
Fonte: OCDE (2015)
Contudo, o exame da atividade do Conselho Nacional de Recursos Hídricos em 2015
revela a limitação de suas deliberações. Em 2015 frente a enorme crise hídrica que o
país enfrentou o Conselho aprovou apenas onze resoluções, ligadas às temáticas de
organização e composição de câmaras técnicas, proposta orçamentária do próprio
Conselho e de sua secretaria executiva para o exercício de 2016, da renovação de
delegações de competências, entre outras, mas nenhuma que tratasse diretamente
sobre a crise hídrica de 2014 no Sudeste e no Nordeste.
20
1.1.2. Instrumentos da Politica Nacional de Recursos Hídricos
OUTORGA DE DIREITO DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS
A Outorga de direito de uso de recursos hídricos tem como objetivo assegurar o
controle quantitativo e qualitativo dos usos dos recursos hídricos e o efetivo exercício
dos direitos de acesso a água. Instituída como um dos instrumentos da Política
Nacional de Recursos Hídricos, cabe ao usuário obter a autorização pelo Poder Público,
sob condições preestabelecidas, garantindo o direito de acesso a esses recursos, dado
que a água é um bem de domínio público.
Nos corpos d’água de domínio da União, a competência para conferir a outorga é
prerrogativa da Agência Nacional de Águas - ANA. Também é competência da ANA a
emissão da reserva de disponibilidade hídrica para fins de aproveitamentos
hidrelétricos e sua consequente conversão em outorga de direito de uso de recursos
hídricos. Em corpos hídricos de domínio dos Estados e do Distrito Federal, a solicitação
de outorga deve ser feita ao órgão gestor estadual dos recursos hídricos.
Conforme disposto na Lei Federal nº 9.433/1997, dependem de outorga as seguintes
atividades:
o A derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo d'água para
consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo
produtivo;
o A extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de
processo produtivo;
o Lançamento de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou
não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;
21
o Uso de recursos hídricos com fins de aproveitamento dos potenciais
hidrelétricos;
o Outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água
existente em um corpo de água.
COBRANÇA PELO USO DE RECURSOS HÍDRICOS
O mecanismo de cobrança pelo uso da água é um dos instrumentos da Lei nº
9.433/1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos. Além de ser um
instrumento de gestão, esse mecanismo tem como objetivos:
a) Indicar à sociedade o real valor da água;
b) Incentivar o seu uso racional;
c) Obter recursos financeiros para a recuperação das Bacias Hidrográficas do Pais.
A implantação da cobrança pelo uso de recursos hídricos foi a grande modificação
introduzida no país a partir dos adventos da legislação paulista, mineira e,
posteriormente, da legislação federal. Graças à introdução da cobrança, foram
incrementadas obras e intervenções em diversas regiões do país com o objetivo de
preservar os mananciais e aumentar a disponibilidade hídrica. Os impactos desse
mecanismo de cobrança nas Bacias PCJ, foco deste estudo, estão apresentados no
Capítulo 4 deste documento.
SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE RECURSOS HÍDRICOS (SNIRH)
De todos os instrumentos de gestão previstos na Lei nº 9.433 de 1997, o Sistema
Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH) está entre os que
alcançaram maior abrangência e efetividade.
22
Coordenado pela ANA, o SNIRH é um sistema de coleta, tratamento, armazenamento
e recuperação de dados e informações sobre recursos hídricos no Brasil. As
informações são geradas de forma descentralizada pelos órgãos gestores estaduais,
pelos comitês de bacia, pelas agências de bacia, por órgãos reguladores estaduais e
regionais, por usinas de hidroeletricidade, pela própria ANA e por outros órgãos.
O monitoramento dos recursos hídricos é realizado por uma rede de estações
pluviométricas, evaporimétricas, fluviométricas, sedimentométricas e de qualidade das
águas instalada em 2.176 rios brasileiros cadastrados no Sistema de Informações
Hidrológicas.
A ANA realiza o monitoramento hidrometeorológico no Brasil operando diretamente
4.543 estações de monitoramento das 14.822 existentes em todo o país. As estações
mensuram o volume de chuvas, o nível e a vazão dos rios, a evaporação da água, a
qualidade das águas e a quantidade de sedimentos.
Por meio dos dados coletados nas estações de monitoramento é possível determinar a
disponibilidade hídrica, as condições existentes para o abastecimento de águas,
monitorar a ocorrência de eventos extremos como cheias e estiagens, identificar locais
com potencial energético, condições de navegação, viabilidade de projetos de
irrigação, entre outros.
As informações hidrológicas provenientes da coleta de dados das estações de
monitoramento servem de base para a parametrização da outorga do uso de recursos
hídricos dos rios de dominialidade federal.
Através desse conjunto de estações, a Agência Nacional de Águas (ANA) realiza em
tempo real o monitoramento hidrometeorológico de 1.075 das estações fluviométricas
e de 981 das estações pluviométricas existentes, distribuídas pelas 12 Regiões
Hidrográficas Brasileiras.
A Rede Hidrometeorológica possui cerca de 283 estações telemétricas visando à
obtenção de dados hidrológicos em tempo real, a maioria delas situada em locais
23
remotos. Os dados sobre chuvas, níveis e vazão em tempo real são coletados por
plataformas de coleta de dados automáticas, que transmitem para satélites de coleta
de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que processa as informações e
as disponibilizam para a ANA e para outros usuários do SNIRH e da Rede
Hidrometeorológica (ANA, 2016).
PROGRAMA NACIONAL DE QUALIDADE DAS ÁGUAS (PNQA)
A Agência Nacional de Águas ANA coordena o Programa Nacional de Avaliação da
Qualidade das Águas (PNQA). A ANA opera uma rede que conta com 1.340 pontos em
todo o país, onde são feitas análises de quatro parâmetros básicos das águas: pH,
oxigênio dissolvido, condutividade e temperatura. Esses indicadores são obtidos
automaticamente por meio de sondas multiparamétricas, não havendo necessidade de
coleta, transporte e análise de amostras em laboratórios.
Por sua vez, os estados operam uma rede de cerca de 2.400 pontos de monitoramento
de qualidade de água, o que representa uma densidade de 0,26 ponto/1.000 km² para
o país (ANA, 2016).
No entanto, as informações referentes a esses quatro parâmetros não são suficientes
para uma avaliação adequada da qualidade das águas, sendo necessária a obtenção de
outras informações que demandam a análise de amostras em laboratório.
Dessa forma, o PNQA tem como objetivo transferir recursos da União para a
implantação, ampliação, operação e manutenção das redes estaduais de
monitoramento da qualidade das águas com o objetivo de levantar informações sobre
a qualidade das águas em todo território nacional.
Dos 27 estados da Federação, apenas quatro dispõem de uma rede de monitoramento
de qualidade de água implantada e consolidada: São Paulo, Minas Gerais, Ceará e
Distrito Federal. Outros onze estados operam redes ainda não consolidadas que
24
demandam maior capacidade de operação dos pontos de coleta, bem como a
qualificação dos seus técnicos e investimento em tecnologia para seus laboratórios.
Nos doze Estados restantes, o monitoramento é inexistente ou incipiente.
SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS (SINGREH) E AS
AGÊNCIAS DE BACIAS
O SINGREH teve início em 1997, com a aprovação da Lei nº 9.433, seguida pela criação
da ANA, em 2000, e de comitês de bacias hidrográficas e de agências de bacia. No
entanto, decorridas quase duas décadas, há em todo o país apenas cinco agências de
bacias hidrográficas instituídas em rios de dominialidade federal. Essas agências de
bacias hidrográficas foram constituídas e se dedicaram essencialmente aos recursos
hídricos de três estados: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A Figura 3 mostra a concentração das agências de bacias hidrográficas na Região
Sudeste do país, em contraponto à ausência desse tipo de instituição nas regiões
Norte, Sul e grande parte da Região Centro Oeste. No Nordeste há apenas a agência
responsável pela gestão das Bacias Hidrográficas do Rio São Francisco, mas que, no
entanto, foi constituída e tem sede em Minas Gerais.
25
Figura 3 Bacias hidrográficas com agências de bacia
Fonte: Agência Nacional de Águas - ANA
No Estado de Minas Gerais encontram-se instaladas as seguintes associações: a
Associação Multissetorial de Usuários de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do
Rio Araguari - ABHA, sediada em Araguari/MG; a Associação Executiva de Apoio a
Gestão de Bacias Hidrográficas Peixe Vivo - AGB Peixe Vivo, que exerce a função de
agência das Bacias Hidrográficas do São Francisco, com sede em Belo Horizonte/MG; e
o Instituto Bio-Atlântica (IBIO-AGB Doce), que exerce as funções de agência das Bacias
Hidrográficas do Rio Doce, com sede em Governador Valadares/MG.
26
No Estado do Rio de Janeiro está a Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia
Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul – AGEVAP, sediada no município de Resende/ RJ. No
Estado de São Paulo encontra-se a Agência das Bacias PCJ em Piracicaba/SP.
Dessa forma, verifica-se que a institucionalização da gestão dos recursos hídricos nos
termos definidos pela Lei 9.433 de 1997 está limitada as necessidades de poucas
bacias hidrográficas. Dessa forma, um balanço dos dezenove anos da legislação
federal e dos dezesseis anos de implantação do Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos (SINGREH) revela limitações no alcance dessa legislação e dos
desafios a serem ainda enfrentados para superar lacunas e sobreposições da
Governança Multinível e Multisetorial. Essas questões, no âmbito das Bacias PCJ, estão
tratadas mais profundamente no Capitulo 5 constante deste Documento
1.2. DIPLOMA LEGAL DOS ESTADOS DE SÃO PAULO E MINAS GERAIS
Anterior à Política Nacional de Recursos Hídricos, os Estados de São Paulo e de Minas
Gerais, foram pioneiros no estabelecimento de diplomas legais em relação aos
recursos hídricos. A Lei Estadual nº 7.663 de 1991 (São Paulo) e a Lei nº 11.504 de
1994 (Minas Gerais) anteciparam princípios fundamentais que, em 1997, vieram a ser
consagrados pela legislação federal.
1.2.1. Legislação e Gestão dos Recursos Hídricos em São Paulo
A moderna legislação brasileira sobre recursos hídricos teve como marco inicial a
promulgação da Lei Estadual nº 7.663, de 30 de dezembro de 1991, no Estado de São
Paulo, que estabeleceu a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Integrado
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH).
O gerenciamento descentralizado, participativo e integrado dos recursos hídricos, e a
adoção da bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento e
27
gerenciamento são questões de destaque na Lei de São Paulo, que determina ainda no
seu artigo 6º, que o Estado promova ações integradas nas bacias hidrográficas com o
objetivo de tratar os efluentes e esgotos urbanos, industriais e outros, antes do
lançamento nos corpos d’água, com os meios financeiros e institucionais previstos na
Lei.
Dessa forma, a Lei paulista foi a pioneira em estabelecer alguns princípios
fundamentais que foram consagrados pela legislação federal, entre eles destacam-se:
a) O gerenciamento descentralizado, participativo e integrado dos recursos
hídricos, sem dissociação dos aspectos quantitativos e qualitativos e das fases
meteórica, superficial e subterrânea do ciclo hidrológico;
b) A adoção da bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento
e gerenciamento;
c) A definição dos recursos hídricos como bens públicos, de valor econômico, cuja
utilização deve ter uma contrapartida financeira a ser utilizada na preservação
dos mananciais;
d) O combate e prevenção das causas e dos efeitos adversos da poluição, das
inundações, das estiagens, da erosão do solo e do assoreamento dos corpos
d’água;
A Lei paulista ainda estabeleceu como principais diretrizes:
a) A utilização racional dos recursos hídricos, superficiais e subterrâneos,
assegurado o uso prioritário para o abastecimento das populações;
b) A proteção das águas contra ações que possam comprometer o uso atual e
futuro;
c) A defesa contra eventos hidrológicos críticos, que ofereçam riscos à saúde e à
segurança públicas, assim como prejuízos econômicos e sociais;
28
d) A prevenção da erosão do solo nas áreas urbanas e rurais, com vistas à
proteção contra a poluição física e o assoreamento dos corpos d’água.
A Lei de São Paulo consagrou como seu principal instrumento econômico a cobrança
pela captação, derivação, diluição, transporte e assimilação de efluentes de sistemas
de esgotos e de outros líquidos, de qualquer natureza, estabelecendo também
critérios para sua aplicação.
Os principais instrumentos criados pela lei paulista são:
a) O enquadramento dos corpos d’água;
b) A cobrança pela captação de água;
c) A cobrança pelo lançamento de efluentes.
A lei estadual ainda criou o Sistema Integrado de Gerenciamento - SIRGH, e
estabeleceu como instrumentos de gestão:
a) O Plano Estadual de Recursos Hídricos, a ser aprovado por lei, cujo projeto deve
ser encaminhado à Assembleia Legislativa até o final do primeiro ano de
mandato do governador do Estado e que tem vigência de quatro anos;
b) Os planos de bacias hidrográficas contendo metas de curto, médio e longo
prazo para recuperação, proteção e conservação dos recursos hídricos.
c) O Relatório de situação dos recursos hídricos de São Paulo a ser elaborado a
partir dos relatórios de situação das bacias hidrográficas.
A Lei criou o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e os Comitês de Bacias
Hidrográficas e previu a criação de agências de bacia como órgãos executivos dos
comitês de bacia. Por fim, a lei criou o Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO),
com o objetivo de dar suporte financeiro à execução da Política Estadual de Recursos
Hídricos de São Paulo.
29
Cabe destacar que no Brasil, a gestão das águas esteve associada à geração de
hidroeletricidade e, dessa forma, em 1951 foi criado o Departamento de Águas e
Energia Elétrica do Estado de São Paulo – DAEE, com a missão de estudar os cursos de
água para seu aproveitamento na produção de energia elétrica, bem como de elaborar
projetos e proceder à construção de usinas de hidroeletricidade, entre outras
atividades.
O DAEE construiu usinas de geração de hidroeletricidade no estado e antecedeu a
criação do Departamento de Águas e Energia Elétrica federal, que data de 1965.
Posteriormente, a Lei nº 7.663 transformou o DAEE no órgão gestor dos recursos
hídricos do Estado de São Paulo1.
1.2.2. Legislação e gestão dos recursos hídricos em Minas Gerais
Em 1994 o Estado de Minas Gerais, à exemplo de São Paulo, promulgou a Lei nº
11.504, de 20 de junho de 1994, dispondo sobre a Política Estadual de Recursos
Hídricos. A Lei apresenta fundamentos e diretrizes muito próximos e em consonância
com a Lei Paulista com destaque para:
a) A prioridade para o abastecimento público e a manutenção dos ecossistemas;
b) O gerenciamento integrado, com vistas ao uso múltiplo dos recursos hídricos;
c) O reconhecimento dos recursos hídricos como bem natural de valor ecológico,
social e econômico, cuja utilização deve ser orientada pelos princípios do
desenvolvimento sustentável;
1 A partir de 1957 o DAEE passou a contar com o apoio técnico da Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo. Em 1970 foi criado na USP o Centro de Tecnologia de Hidráulica, hoje, Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica. Tal fundação é responsável pelo gerenciamento do Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo (SAISP), operando um radar meteorológico do DAEE e emite boletins regulares sobre as formações meteorológicas que irão atravessar a capital paulista e mapas contendo informações sobre previsões de inundações.
30
d) A adoção da bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento
e gerenciamento;
e) A prevenção de efeitos adversos da poluição, das inundações e da erosão do
solo;
f) O reconhecimento da unidade do ciclo hidrológico em suas três fases:
superficial, subterrânea e meteórica.
As diretrizes estabelecidas pela lei mineira também guardam estreitas semelhanças
com relação aquelas definidas pela lei paulista, estando entre elas:
a) A realização de programas permanentes de proteção, melhoria e recuperação
das disponibilidades hídricas superficiais e subterrâneas;
b) A realização de programas permanentes de proteção das águas superficiais e
subterrâneas contra a poluição;
c) A prevenção da erosão do solo nas áreas urbanas e rurais, com vistas à
proteção contra a poluição e o assoreamento dos corpos de água;
d) A defesa contra eventos hidrológicos críticos, que ofereçam riscos à saúde e à
segurança pública ou provoquem prejuízos econômicos e sociais.
Na mesma linha, os instrumentos previstos por essa Lei se assemelham aos que foram
adotados no Estado de São Paulo em 1991, entre eles:
a) A outorga de direito de uso das águas;
b) A cobrança e a compensação financeira pela exploração e pelo uso dos
recursos hídricos.
c) A elaboração de um plano estadual de Recursos hídricos.
31
A Lei mineira criou o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, definiu
as atribuições dos comitês de bacia hidrográfica e das agências de bacia e estabeleceu
que o Plano Estadual de Recursos Hídricos fosse encaminhado à Assembleia
Legislativa, na forma de projeto de lei, até o final do primeiro ano de mandato do
governador do estado, exatamente como dispõe a Lei do Estado de São Paulo.
A Lei nº 11.504 de 1994 foi substituída pela Lei nº 13.199 de janeiro de 1999 que
manteve a essência do diploma legal anterior, mas introduziu novos instrumentos da
política estadual de recursos hídricos, entre eles:
a) O enquadramento dos corpos de água em classes, segundo seus usos
preponderantes;
b) O sistema de informações sobre recursos hídricos;
c) A elaboração de planos de bacias.
A nova lei definiu também diretrizes para a outorga, e para a cobrança, bem como as
competências dos diversos integrantes do Sistema Estadual de Gerenciamento de
Recursos Hídricos.
1.2.3. O Processo de Implantação do Sistema Integrado de Gerenciamento dos
Recursos Hídricos (SIGRH) no Estado de São Paulo e os Comitês de Bacias
A gestão das águas no Brasil envolve a União, Estados, Municípios, Comitês de
Bacias Hidrográficas, Agências de Bacias, Agências Reguladoras Estaduais, Agências
Reguladoras por bacia hidrográfica, entre outros entes.
Após a promulgação da Lei nº 7.663/1991 no Estado de São Paulo, no período entre
1993 e 1997 foram implantados 21 dos 22 comitês existentes (Quadro 1). O último
32
deles, o Comitê da Bacia Hidrográfica da Serra da Mantiqueira foi implantado em 2001.
Dessa forma, a primeira fase do processo de institucionalização do Sistema Integrado
de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SIGRH), quanto à implantação dos comitês
de bacia, avançou logo após a aprovação da Lei paulista.
Quadro 1. Comitês de Bacias Hidrográficas de São Paulo - Datas de implantação
Comitê de Bacia Sigla Data de implantação
Piracicaba, Capivari e Jundiaí PCJ 18/11/1993
Baixo Tietê BT 26/08/1994
Alto Tietê AT 09/11/1994
Paraíba do Sul PSM 25/11/1994
Médio Paranapanema MP 02/12/1994
Sorocaba e Médio Tietê SMT 02/08/1995
Tietê e Jacaré TJ 10/11/1995
Baixada Santista BS 09/12/1995
Turvo/Grande TG 15/12/1995
Aguapeí e Peixe AP 19/12/1995
Ribeira de Iguape Litoral Sul RB 13/01/1996
Baixo Pardo/Grande BPG 23/03/1996
Sapucaí-Mirim/Grande SMG 29/03/1996
Alto Paranapanema ALPA 17/05/1996
Mogi Guaçu MOGI 04/06/1996
Pardo PARDO 12/06/1996
Pontal do Paranapanema PP 21/06/1996
Tietê e Batalha TB 13/09/1996
33
Comitê de Bacia Sigla Data de implantação
Litoral Norte LN 02/08/1997
São José dos Dourados SJD 07/08/1997
Serra da Mantiqueira SM 01/09/2001
Fonte: DAEE
Cabe destacar que o Comitê de Bacias PCJ, foco deste estudo foi o primeiro a ser
constituído no Estado de São Paulo após a promulgação da Lei Estadual nº 7.663/1991.
A estrutura deste Comitê está apresentado no Capitulo 2.
Como forma de apresentar a cronologia dos marcos legais do desenvolvimento da
gestão de recursos hídricos no Brasil e no Estado de São Paulo, com destaque para as
Bacias PCJ, foi construído o infográfico na Figura 4.
34
Figura 4 Cronologia dos marcos legais no desenvolvimento da gestão de recursos hídricos
no Brasil, no Estado de São Paulo e nas Bacias PCJ
Fonte: OCDE (2015)
35
Parte 2 Bacias Hidrográficas Piracicaba - Capivari - Jundiaí
(BACIAS PCJ)
36
2. BACIAS HIDROGRÁFICAS PIRACICABA - CAPIVARI - JUNDIAI (BACIAS
PCJ)
2.1. CARACTERIZAÇÃO DAS BACIAS PCJ
A área de abrangência das Bacias PCJ compreende um recorte hidrográfico na região
sudeste do Brasil com 15.303,67 km2, sendo 92,6% no Estado de São Paulo e 7,4% no
Estado de Minas Gerais, apresentando extensão aproximada de 300 km no sentido
Leste-Oeste e 100 km no sentido Norte-Sul (Figura 5 e Quadro 2).
Figura 5 A Bacia hidrográfica no Brasil e nos Estados de São Paulo e Minhas Gerais
Fonte: ANA (2016).
37
Quadro 2. Área das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí
Bacias Área SP (km2) Área MG (km2) Área total (km2) Área total (%)
Piracicaba 11.402,84 1.165,88 12.568,72 82,1
Capivari 1.620,92 - 1.620,92 10,6
Jundiaí 1.114,03 - 1.114,03 7,3
Total PCJ 14.137,79 1.165,88 15.303,67 100,0
Fonte: IRRIGART (2007).
As Bacias PCJ são formadas por sete sub-bacias: Rio Piracicaba e seus afluentes e
formadores, Rios Jaguari, Atibaia, Corumbataí e Camanducaia e as bacias dos Rios
Capivari e Jundiaí (Figura 6 e Quadro 3).
38
Figura 6. As Bacias PCJ
Fonte: Relatório de gestão das Bacias PCJ 2014.
39
Quadro 3. Áreas das Sub-bacias do rio Piracicaba (SP e MG)
Sub-bacias Área SP (km2)
Área MG (km2)
Área total Área no Sistema
Cantareira
(km2) (%) (km2) (%)
Camanducaia 870,68 159,32 1.030,00 8,2 - -
Jaguari 2.323,42 966,58 3.290,00 26,2 1.252,00 9,9
Atibaia 2.828,76 39,98 2.868,74 22,8 715,00 5,7
Corumbataí 1.679,19 - 1.679,19 13,4 - -
Piracicaba 3.700,79 - 3.700,79 29,4 - -
Total Piracicaba 11.402,84 1.165,88 12.568,72 100,0 1.967,00 15,6
Fonte: IRRIGART (2007).
Essas bacias estão inseridas na Macrometrópole Paulista, uma região onde vivem cerca
de 32 milhões de habitantes, distribuídos por 173 municípios, em uma área de 49 mil
km quadrados. A Macrometrópole é composta por cinco regiões metropolitanas, São
Paulo, Campinas, Sorocaba, Vale do Paraíba, Baixada Santista e pelos aglomerados
urbanos de Jundiaí e Piracicaba e pela microrregião da Bragantina.
Nas Bacias PCJ estão inseridos 76 municípios, sendo 71 deles no Estado de São Paulo e
5 em Minas Gerais. Integram as Bacias PCJ os 19 municípios da Região Metropolitana
de Campinas, 20 municípios do Aglomerado Urbano de Piracicaba, os 7 municípios do
Aglomerado Urbano de Jundiaí e os 11 municípios da Unidade Regional da Bragantina.
Há ainda um município das Bacias PCJ que integra a Região Metropolitana de São
Paulo (Mairiporã), e um que integra a Região Metropolitana de Sorocaba (Salto).
Apenas cinco pequenos municípios da porção paulista das Bacias PCJ não fazem parte
da Macrometrópole Paulista e, além deles, os 5 municípios da porção mineira das
Bacias (Figura 9).
40
A água é um recurso essencial para a pujança econômica de toda essa região,
demonstrado de forma sintetizada pelo PIB das Bacias PCJ, em torno de R$ 248 bilhões
em valores presentes (Quadro 4).
Quadro 4. PIB das principais regiões constitutivas das Bacias PCJ (em bilhões de reais -2012)
Região R$ Históricos R$ Presentes
Região Metropolitana de Campinas 110,23 136,54
Aglomerado Urbano de Jundiaí 43,91 54,39
Aglomerado Urbano de Piracicaba 38,26 47,39
Unidade Regional Da Bragantina 8,26 10,23
Total PIB 200,66 248,55
Nota: valores presentes corrigidos pela inflação (Fev/2016)
Fonte: EMPLASA (2015).
41
Figura 7 Mapa da situação dos municípios das Bacias PCJ
Fonte: COBRAPE (2010).
42
As Bacias PCJ começam na microrregião da Bragantina, a leste e por um pequeno
território do sul de Minas Gerais e atravessam a Macrometrópole Paulista até a região
do Aglomerado Urbano de Piracicaba, a oeste, passando pela Região Metropolitana de
Campinas e pelo Aglomerado Urbano de Jundiaí e terminando a oeste na margem
direita do Rio Tietê. A grande maioria dos municípios das Bacias PCJ faz parte da
Macrometrópole Paulista, tais como Campinas, Jundiaí, Piracicaba, Americana, Limeira,
Indaiatuba, entre outros.
No Estado de São Paulo, as Bacias PCJ estendem-se por 14.137,79 km2, sendo
11.402,84 km2 correspondentes à Bacia do Rio Piracicaba, 1.620,92 km2 à Bacia do Rio
Capivari e 1.114,03 km2 à Bacia do Rio Jundiaí (IRRIGART, 2007). Os três cursos d’água
desenvolvem-se em leitos ligeiramente paralelos no sentido nordeste-sudoeste, até
afluírem ao rio Tietê, sendo de montante para jusante primeiro o Rio Jundiaí, depois o
Rio Capivari e por último o próprio Rio Piracicaba. Assim, não se constituem em um
conjunto clássico de sub-bacias compondo uma única bacia, mas de bacias limítrofes,
embora todas afluam pela margem direita ao Rio Tietê. Na realidade, a bacia
unificadora é o próprio Rio Tietê que tem suas nascentes na Região Metropolitana de
São Paulo (RMSP) e , dentre todos os rios paulistas, é o de maior extensão.
A região das nascentes do rio Tietê recebe as águas derivadas pelo Sistema Cantareira
para abastecer em parte a população da RMSP com cerca de 21 milhões de habitantes.
Portanto, as águas das Bacias PCJ, além de atender as demandas crescentes da
população e suas atividades econômicas, também são indispensáveis para abastecer a
RMSP.
43
O SISTEMA CANTAREIRA
O Sistema Cantareira exerce um papel determinante nas Bacias PCJ porque possibilita a regularização de vazões.
O Sistema Cantareira representa um conjunto de obras hidráulicas de destaque nas
Bacias PCJ sendo responsável pela reversão das suas águas para a RMSP. Trata-se de
um complexo sistema de reservatórios, túneis e canais que aduzem as águas derivadas
da região de nascentes do PCJ para a Bacia do Rio Juqueri, de onde, por recalque,
vencem a serra da Cantareira e abastecem a RMSP.
A área total do Sistema Cantareira tem aproximadamente 2.279,5 Km². O sistema é
considerado um dos maiores do mundo, abrangendo 12 municípios, quatro deles no
Estado de Minas Gerais (Camanducaia, Extrema, Itapeva e Sapucaí-Mirim) e oito no
Estado de São Paulo (Bragança Paulista, Caieiras, Franco da Rocha, Joanópolis, Nazaré
Paulista, Mairiporã, Piracaia e Vargem). O Cantareira está localizado muito próximo às
nascentes dos rios que são seus contribuintes, sendo considerado um sistema
produtor de água.
O Sistema Cantareira - que se constitui o maior produtor de água para abastecimento
da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) -, é responsável aproximadamente
entre 30 e 70% da produção total de água potável, variação decorrente da
disponibilidade hídrica e da necessidade de atender também as demandas da própria
Bacia PCJ.Esse sistema foi proposto tendo como objetivo a resolução de problemas
crônicos de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo que já eram
presentes desde a década de 602.
2 O Sistema Cantareira começou a ser planejado em 1962 pela Comissão Especial para o Planejamento
das Obras de Abastecimento e Distribuição de Água da Capital – CEPA. Inicialmente foi denominado Sistema Juqueri, pela circunstância de que, no primeiro momento, as águas seriam originárias do rio
44
Ao longo dos anos 70, as represas do sistema entraram em operação, primeiramente
com as represas Paiva Castro (Figura 8) e Águas Claras em 1973, as represas Cachoeira
e Atibainha em 1975 e, finalmente, as represas Jaguari e Jacareí em 1981. Em 05 de
agosto de 1974, o ministro de Minas e Energia assinava a portaria MME nº 750
autorizando a SABESP a derivar até 33 m³/s das águas provenientes dos rios Jaguari,
Cachoeira, Atibainha e Juqueri, estabelecendo um prazo de 30 anos de vigência para
essa autorização.
Figura 8. Represa Paiva de Castro do Sistema Cantareira
Juqueri e apenas posteriormente receberiam as contribuições dos rios Atibainha, Cachoeira e Jaguari, com uma adução de 17 m³/s. Em 1966 tinha início a construção do Reservatório Paiva Castro, no Rio Juqueri. Em 1967 verificou-se a possibilidade do aumento da capacidade de adução do sistema para 22 m³/s. Em 1968, foi criada a Companhia Metropolitana de Águas de São Paulo, com a finalidade de captar, tratar e vender água potável para os 37 municípios da Grande São Paulo, inclusive para a Capital. Em 1968 foi publicado o documento “Desenvolvimento Global dos Recursos Hídricos das Bacias do Alto Tietê e Cubatão – Plano Diretor de obras”, elaborado pelo DAEE e por um consórcio de três empresas de engenharia. O estudo abordou a questão do abastecimento de água, coleta e tratamento dos esgotos e o controle de cheias nas bacias do Alto Tietê, do Rio Piracicaba e da Baixada Santista. O Relatório final propôs a construção do Sistema Cantareira para resolver os problemas crônicos de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo. O Plano fixou a capacidade final do sistema em 33 metros cúbicos por segundo, ampliando a vazão revertida dos Rios Jaguari e Jacareí (Consórcio Intermunicipal das Bacias PCJ, 2013)
45
As interligações entre os reservatórios que constituem o sistema são feitas por túneis e
canais. Os reservatórios criados pelas barragens dos Rios Jaguari e Jacareí unem-se por
um canal e formam um único reservatório chamado Jaguari - Jacareí. Por sua vez, o
reservatório Jaguari - Jacareí e o reservatório Cachoeira são ligados por um túnel de
5,6 quilômetros. Um segundo túnel de 5 quilômetros, faz a ligação entre os
reservatórios do Cachoeira e Atibainha. Outros dois túneis, de 10 e de 1 quilômetro
ligam, respectivamente, o Reservatório de Atibainha ao do Juqueri e este último à
Elevatória de Santa Inês.
Essa Estação Elevatória foi construída para que as águas pudessem atravessar a Serra
da Cantareira, por meio de bombeamento. Dotada de quatro grupos de recalque de
20.000 HP, a unidade utiliza três deles para bombear até 33 m³/s. O quarto grupo
representa uma unidade de reserva. Impulsionada pelas bombas, a água se eleva até o
alto da serra, a uma cota de 120 metros para, então, cair por gravidade. Através de um
canal de 950 metros e um túnel de 800 metros, as águas chegam finalmente ao
Reservatório de Águas Claras (PORTO et al, 2014) (Figura 9).
Figura 9 O Sistema Cantareira
Fonte: Adaptado de ANA (2016).
46
O Sistema conta 6 reservatórios que se situam em diferentes níveis, estando
interligados por 48 km de túneis. Dos seis reservatórios do Sistema Cantareira, quatro
estão situados nas Bacias PCJ:
a) Reservatórios Jaguari e Jacareí: situados nos municípios de Bragança Paulista,
Joanópolis, Vargem e Piracaia e alimentados pelos Rios Jaguari e Jacareí, cujas
nascentes estão localizadas em Minas Gerais.
b) Reservatório Cachoeira: alimentado pelo Rio Cachoeira e localizado no
município de Piracaia.
c) Reservatório Atibainha: alimentado pelo Rio Atibaia e situado nos municípios
de Nazaré Paulista e Piracaia.
O quinto reservatório, Engenheiro Paulo de Paiva Castro, situa-se nos municípios de
Mairiporã, Caieiras e Paiva Castro, todos situados fora da área das Bacias PCJ. Através
de bombeamento, as águas chegam ao reservatório de Águas Claras.
Das vazões produzidas pelo Sistema Cantareira, até cerca de 31 m3/s são gerados na
Bacia do Rio Piracicaba, sendo que cerca de 22 m³/s vêm dos reservatórios Jaguari -
Jacareí, cujas bacias estão localizadas em Minas Gerais. Cerca de apenas 2 m³/s são
produzidos na Bacia do Alto Tietê, pelo rio Juqueri (AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ E
COMITÊS DAS BACIAS PCJ, 2015).
Além desses, estão no Estado de Minas Gerais as nascentes dos principais tributários
do rio Cachoeira, fazendo com que cerca de 45% da área produtora de água para o
Sistema Cantareira esteja em território mineiro.
A Portaria 1213/04, do DAEE, renovou a outorga do Sistema Cantareira para a SABESP
por dez anos, vencendo em 2014. No entanto, em razão da crise hídrica, a renovação
da outorga foi adiada para 2017. Isso mostra que num cenário de competição pelos
recursos hídricos nas Bacias PCJ, incluindo a demanda da própria Região
Metropolitana de São Paulo, devem ser pensados e planejados procedimentos
avançados de alocação da água.
47
A operação do Sistema conta com o auxílio e acompanhamento da Câmara Técnica de
Monitoramento Hidrológico (CT-MH) através do Grupo Técnico – Cantareira (GT -
Cantareira), o qual analisa mensalmente, ou quando necessário, a situação do sistema
equivalente através de boletins emitidos pela ANA. Os boletins com informações
referentes aos valores das vazões revertidas, afluentes e descarregados, subsidiam o
GT Cantareira para proposição de vazões a adotar para o mês subsequente. Essa
integração, inédita no Brasil, faz com que o Sistema Cantareira possua um modelo de
gestão compartilhada dos recursos hídricos.
Os valores das vazões revertidas para a RMSP e vazões descarregadas para o PCJ são
estipulados em reunião da Câmara Técnica. A correspondente diferença entre esses
valores é a sobra que vai para o Banco de Águas, ou é retirado do banco. Dessa forma,
as vazões mínimas são sempre estipuladas pela ANA com base nos volumes
armazenados e nas curvas de aversão ao risco para cada mês.
Apesar de as regras estarem bem definidas, as partes podem requerer vazões menores
que as estabelecidas, reservando o restante ao Banco de Águas, constituindo uma
reserva adicional. A operação inversa também pode ser realizada, isto é, na existência
de saldo no Banco de Águas, ambas as partes podem solicitar vazões maiores que as
autorizadas e abater o excesso no Banco de Águas. Na ocorrência da forte estiagem
entre 2014 e 2015, esse modelo foi questionado, sendo considerado por atores das
Bacias PCJ como insuficiente para dar respostas, logo passível de alteração no futuro,
inclusive para atender não somente a eventos de estiagem, mas também às cheias,
situação que não se pode descartar. Em função das cheias de 2010 e 2011, em 2012
discutiu-se a diminuição do volume operacional do Sistema, aumentando o volume de
amortecimento de cheias; no entanto, o que ocorreu foi uma estiagem jamais
registrada, mostrando toda a variação do clima, com eventos extremos opostos em
sua natureza em períodos muito curtos de tempo.
Já no período da estiagem, houve forte atuação da ANA, quando foram divulgados
vários comunicados conjuntos com o DAEE/SP, bem como ofícios, notas técnicas e
resoluções conjuntas. Para a gestão do Sistema Cantareira foi criado, através da
48
Resolução Conjunta ANA/DAEE nº 120 de 10 de fevereiro de 2014, o grupo técnico de
assessoramento para o período de crise de escassez de chuvas e afluências.
O exposto sobre o Sistema Cantareira e o respectivo regime de vazões estabelecido
pela outorga atual em vigor, prorrogada provisoriamente em plena estiagem,
mostram que as vazões que passam pelos rios à jusante das barragens são
influenciadas significativamente pelo sistema.
A Sabesp, como operadora de saneamento, embora seja a responsável pelas
barragens, reservatórios e canais que o compõem, as regras operacionais sobre as
vazões captadas e revertidas, bem como o que deve ser lançada para jusante
originam-se dos órgãos gestores dos recursos hídricos em nível nacional, a ANA, e o
DAEE/SP.
Em suma, a companhia é usuária dos recursos hídricos e, mesmo que tenha a
responsabilidade em abastecer a RMSP, está sujeita às disposições desses órgãos, os
quais atuam de forma também a atender as demandas das Bacias PCJ, expressas por
meio do seu Comitê, de instituições civis como o Consórcio de municípios PCJ e da sua
Agência.
49
2.2. ESTRUTURAÇÃO INSTITUCIONAL E GOVERNANÇA DAS BACIAS PCJ
A longa história de disputa pelos recursos hídricos nas Bacias PCJ e a degradação de suas águas, notadamente a sua jusante, levaram a uma crescente organização
da sociedade civil, a qual se refletiu em várias entidades como o Consórcio de Municípios PCJ, com reconhecida ação e história pela recuperação e preservação
das águas da bacia.
CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DAS BACIAS PCJ
Em 1988, os prefeitos de Piracicaba e de Bragança Paulista propuseram a articulação
de municípios da bacia do Rio Piracicaba, com o objetivo de desenvolver programas de
despoluição e proteção dos mananciais. Dessa forma, em 1989 era criado o Consórcio
Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, com a participação
inicial de 12 municípios.
O Consórcio é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, composto
originalmente por municípios e atualmente por municípios e empresas públicas e
privadas que tem como objetivo a recuperação dos mananciais da região.
Nos primeiros anos, a atividade do Consórcio foi concentrada no debate da questão
hídrica na região, além do planejamento e fomento de ações em favor da recuperação
dos mananciais. O Consórcio PCJ defendeu o modelo descentralizado de gestão das
águas, tendo participado das discussões que levaram à aprovação da Lei paulista e,
posteriormente, da Lei federal. O Consórcio atuou para que a Lei federal instituísse a
agência de bacia como órgão executivo do sistema de gestão dos recursos hídricos. O
Consórcio considerava que a existência das agências de bacia seria essencial para o
sucesso do modelo descentralizado de gestão dos recursos hídricos.
O Consórcio antecedeu a criação dos Comitês das Bacias PCJ em 4 anos e em 21 anos a
Agência das Bacias PCJ, tendo desempenhado um importante papel na constituição
dessas instituições.
50
O Consórcio criou o Programa de Investimento do Consórcio PCJ, com contribuição
voluntária por município de R$ 0,01 por metro cúbico de água faturada. Os recursos
arrecadados financiaram ações de reflorestamento e diversos estudos. O Programa se
constituiu em um precursor da cobrança pelo uso de recursos hídricos na região.
Em 2005, a deliberação conjunta dos Comitês PCJ n° 24 de 21 de outubro aprovou a
indicação do Consórcio PCJ para desempenhar transitoriamente as funções de agência
de água dos Comitês das Bacias Hidrográficas PCJ. Ainda em 2005, o Consórcio assinou
o Contrato de Gestão nº 030 com a Agência Nacional de Águas, pelo qual esta última
atribuiu ao Consórcio às funções de entidade delegatária. Em decorrência desse
acordo, em dezembro desse mesmo ano, tinham início as atividades da Agência de
Água PCJ, parte integrante do Consórcio.
O Consórcio PCJ desempenhou as funções de agência de bacia até a constituição da
Fundação Agência das Bacias PCJ no final de 2009 e o início de suas atividades em
janeiro de 2011. As despesas administrativas da Agência de Água foram suportadas
por 7,5% dos recursos da Cobrança federal.
Cabe ressaltar que, em 2006, teve início a cobrança nos rios de domínio federal das
Bacias PCJ e, a partir desse momento, projetos com o objetivo de tratamento de
esgotos, redução de perdas, reflorestamento, entre outros objetivos, começaram a ser
apoiados, pelos Comitês PCJ através da Agência de Água PCJ, criada no Consórcio.
Em 2007, foi iniciada a cobrança pelo uso de recursos hídricos em rios de domínio
estadual cabendo ao Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São
Paulo (DAEE) a gestão dos recursos arrecadados. Para facilitar a administração
conjunta dos recursos arrecadados pela cobrança federal e estadual, o Consórcio e o
DAEE firmaram um convênio.
Em janeiro de 2011, todas as funções de agência de bacia, inclusive as de
administração dos recursos de cobrança federal, foram transferidas para a Fundação
Agência das Bacias PCJ.
51
Entre 2010 e 2011, o Consórcio PCJ também atuou como agência de bacias para o
Comitê Piracicaba e Jaguari de Minas Gerais, através de convênio com o Instituto
Mineiro de Gestão das Águas - IGAM.
O Consórcio criou ainda o Centro de Referência em Gestão e Proteção dos Recursos
Hídricos, para difusão das experiências e conhecimentos relacionados à educação
ambiental, reflorestamento ciliar, racionalização do uso da água e gestão dos recursos
hídricos. Em 2004 o Consórcio recebeu da Companhia Paulista de Força e Luz uma área
de cerca de dez mil metros quadrados em Americana para abrigar o centro. Esse
espaço serve como ambiente de treinamento e capacitação de recursos humanos em
recursos hídricos.
COMITÊS DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS PCJ
As Bacias Hidrográficas PCJ, por abranger rios pertencentes aos estados de São Paulo e
Minas Gerais, assim como rios de domínio federal, apresentam uma organização
específica que inclui 2 Comitês Estaduais (CBH-PCJ e CBH-PJ) e 1 Comitê Federal (PCJ
Federal).
O Comitê Estadual de São Paulo (CBH-PCJ), criado em 1993, foi o primeiro dentre os
demais Comitês e representa também o primeiro comitê de bacia do Estado de São
Paulo. O Comitê das Bacias PCJ Federal foi criado em março de 2003 e, finalmente, o
Comitê Estadual da Bacia Hidrográfica dos Rios Piracicaba e Jaguari (CBH-PJ) de Minas
Gerais em 2007.
O funcionamento dos Comitês das Bacias Hidrográficas Piracicaba – Capivari – Jundiaí é
integrado. O CBH PCJ (Comitê Estadual de São Paulo) tem 51 membros; o Comitê PCJ
Federal tem 50 membros e o Comitê PJ (Comitê Estadual de Minas Gerais) tem 12
membros. Dos 50 membros do Comitê Federal, 29 são membros do Comitê Estadual
de São Paulo e 9 membros do Comitê Estadual de Minas Gerais (Figura 4). Esse
complexo arranjo institucional possibilita uma grande coesão entre os Comitês que
52
tem como objetivos comuns a garantia do abastecimento da Região, a recuperação
dos rios das bacias e aumento da disponibilidade hídrica.
Entre suas principais competências estão:
a) Promover o gerenciamento dos recursos hídricos em consonância com a gestão
ambiental, visando ao desenvolvimento sustentável das Bacias Hidrográficas
dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, mediante articulação permanente com o
Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí - CBH-
PCJ, instituído pela Lei estadual de São Paulo no 7.663, de 30 de dezembro de
1991, e com o Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Piracicaba e Jaguari – CBH-
PJ, criado no âmbito da Lei estadual de Minas Gerais nº 13.199, de 29 de
janeiro 1999, buscando a convergência das decisões e ações decorrentes de
forma a garantir o desenvolvimento e continuidade da gestão dos recursos
hídricos na sua área de atuação;
b) Promover o reconhecimento dos recursos hídricos como um bem de domínio
público dotado de valor econômico, cuja utilização é passível de cobrança,
observando-se os aspectos de qualidade e quantidade;
c) Promover a utilização racional dos recursos hídricos superficiais e
subterrâneos, assim como o seu aproveitamento múltiplo;
d) Promover programas de investimentos relativos à proteção e melhoria da
qualidade e quantidade dos recursos hídricos;
e) Promover as ações e exercer as atribuições definidas na Política Nacional de
Recursos Hídricos, implementando e integrando o previsto na Lei nº 9.433/97 e
nas leis estaduais correspondentes, sobretudo a Lei nº 7.663, de 30 de janeiro
de 1991 do Estado de São Paulo e a Lei nº 13.199, de 29 de janeiro de 1999 do
Estado de Minas Gerais e seus regulamentos;
53
Figura 10 Composição dos Comitês de Bacias PCJ
Fonte: Fundação Agência das Bacias PCJ (2014)
Cabe ressaltar que a estruturação do Comitê Federal das Bacias PCJ levou em conta
não somente a população e a área da porção mineira, mas também a importância,
para as bacias, dos rios que nascem em Minas Gerais. Apesar do Estado mineiro
representar apenas 1% da população e 7,4% da área das bacias, as nascentes de
diversos rios de grande importância nas Bacias PCJ estão em Minas Gerais, como é o
caso dos rios Jaguari, Cachoeira e Camanducaia.3
Os Comitês de Bacias Hidrográficas PCJ possuem 12 câmaras técnicas, a saber:
Planejamento (CT-PL), Águas subterrâneas (CT-AS), Integração e difusão de pesquisas e
tecnologias (CT-ID), Educação ambiental (CT-EA), Monitoramento hidrológico (CT-MH),
3 O rio Jaguari junta-se ao rio Atibaia formando o rio Piracicaba que é um dos cursos d’água que definem
as Bacias PCJ e que se constitui no maior afluente do rio Tietê em volume d’água. Por sua vez, o rio Cachoeira forma o reservatório que leva seu nome e é um dos seis que integram o Sistema Cantareira.
54
Outorgas e licenças (CT-OL), Uso e conservação de águas na indústria (CT-Indústria),
Plano de bacias (CT-PB), Proteção e conservação dos recursos naturais (CT-RN),
Saneamento (CT-SA), Saúde ambiental (CT-SAM), Uso e conservação de água no meio
rural (CT-Rural) (Figura 11):
Figura 11 Organograma das Câmaras Técnicas dos Comitês PCJ
Fonte: Fundação Agência das Bacias PCJ (2014)
Em 2014 essas câmaras realizaram 88 reuniões envolvendo 163 entidades e 614
membros, em diversas cidades das Bacias PCJ.
FUNDAÇÃO AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ
A criação da Fundação Agência das Bacias PCJ foi resultado de um longo processo que
teve início em 1993 quando os Comitês PCJ aprovaram proposta de criação da Agência
para ser submetida ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos.
Em 1994, o Comitê aprovou uma minuta de anteprojeto de lei autorizando o executivo
a participar da criação da criação da Fundação Agência das Bacias PCJ.
55
Em 1998, foi aprovada a Lei 10.020 autorizando o governo do Estado a participar da
constituição de fundações agências de bacias. Nas suas disposições transitórias, a lei
determinava que o governo do estado tomasse as medidas necessárias para instituir a
Fundação Agência das Bacias PCJ juntamente com municípios e entidades da
sociedade civil.
A criação da Fundação teve então de esperar o início da cobrança nas bacias, o que
ocorreu em 2006 com a Cobrança Federal e, em 2007, com a Cobrança Estadual.
Posteriormente, 48 municípios paulistas integrantes das Bacias PCJ aprovaram leis
autorizando seus executivos a participar da constituição da Fundação Agência das
Bacias PCJ (COMITÊS DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS DOS RIOS PIRACICABA, CAPIVARI E
JUNDIAÍ, 2009). Finalmente em novembro de 2009 foi constituída a Fundação Agência
das Bacias PCJ.
Em setembro de 2010, a Agência PCJ firmou um convênio com o DAEE para
administração conjunta dos recursos da cobrança estadual, tendo este último
transferido documentos e serviços. A partir desse momento, a Agência passou a
financiar projetos com recursos originários do FEHIDRO, que recolhe os valores da
cobrança estadual e os disponibiliza para aplicação pela Agência, além de recursos
originários da compensação pelo uso de água para geração de energia elétrica que são
destinados a projetos definidos pela Agência.
Em janeiro de 2011, a Fundação Agência das Bacias PCJ assinou contrato de gestão
com a ANA pelo qual passou a desempenhar as funções de agência de bacias na região
e a gerir os recursos da Cobrança federal.
Em setembro de 2012, o DAEE transferiu os recursos destinados às Bacias PCJ da
Cobrança e do FEHIDRO. A partir desse momento o processo de institucionalização da
gestão descentralizada e participativa estabelecida pela legislação estadual e pela
legislação federal estava completo.
56
A Agência é uma das cinco que existem no país que administram recursos da cobrança
federal.
O SISTEMA DE INFORMAÇÕES DAS BACIAS PCJ
O Sistema de informações das Bacias PCJ integra o Sistema Nacional de Informações
sobre Recursos Hídricos. Ele utiliza informações que são geradas pelas estações e
sistemas controlados pela ANA, pelo DAEE e pela SABESP (Sistema Cantareira).
Em São Paulo o monitoramento hidrológico é realizado pelo DAEE desde 1951. Através
do site do DAEE, chega-se à página do Sistema Integrado de Bacias Hidrográficas –
Hidrologia onde é possível selecionar uma das estações de coleta de dados existentes
no Estado e acessar as informações. É possível acessar estações pluviométricas,
fluviométricas e piezométricas.
Parte dessas estações é operada por telemetria havendo, portanto, informações
atualizadas na rede. Em outras, as informações são coletadas fisicamente nas estações
e enviadas, posteriormente, ao DAEE, que as inclui no sistema.
As estações são de propriedade da ANA, do DAEE, de empresas de geração e
distribuição de eletricidade, de instituições de pesquisa agronômica como a EMBRAPA
e o Instituto Agronômico de Campinas, de empresas de saneamento como a SABESP e
outras.
Em 2010, foi montada uma sala de situação na sede do DAEE em Piracicaba para
monitorar os Rios das Bacias PCJ. Duas vezes por semana são emitidos boletins sobre o
estado das vazões que são publicados no site da sala de situação. Os usuários têm a
responsabilidade de acessar o site e verificar se há vazão de restrição, quando são
obrigados a reduzir a captação entre 20 e 30%, dependendo do uso. Caso não o façam
se sujeitam à imposição de multa.
57
A sala de situação das Bacias PCJ (Figura 12) foi montada com recursos da cobrança
estadual. Outras salas de situação do DAEE existem em São Paulo, Registro e Taubaté.
Figura 12 Sala de Situação das Bacias PCJ
Por sua vez, o monitoramento do Sistema Cantareira é realizado pela SABESP que
publica diariamente em seu site os níveis das represas que constituem o Sistema, a
pluviometria acumulada do mês, a média histórica do mês e a pluviometria do dia.
Os Planos de Bacias
A elaboração de planos de bacias está prevista pelas legislações de São Paulo e Minas
Gerais e pela legislação federal como uma obrigação dos comitês e agências de bacia.
A Lei Federal define os temas que os planos de bacias devem necessariamente
abordar, incluindo-se, entre outros:
58
a) Um diagnóstico da situação dos recursos hídricos;
b) Uma análise do crescimento populacional da bacia, da evolução das principais
atividades econômicas e das tendências de ocupação do solo;
c) Um balanço entre disponibilidade hídrica e demandas futuras em quantidade e
qualidade e identificação de potenciais conflitos;
d) Metas de aumento da disponibilidade, melhoria da qualidade e de
racionalização do uso;
Conforme exige a legislação, o Plano de Bacias PCJ apresenta o perfil econômico e
social das Bacias, as projeções de crescimento populacional, as análises e projeções da
demanda por usos, bem como análises sobre a disponibilidade hídrica, qualidade dos
corpos d’água, além de questões relativas a outorga e ao enquadramento dos rios,
entre outros temas. Todas essas análises resultam em planos de investimentos no
sistema hídrico da região.
O Plano de Bacias em vigor estimou em R$ 2.013.339.303,88 em valores de 2010, o
total de investimentos necessários para que fosse atingido um cenário desejável no
que tange à coleta e tratamento de esgotos em 2020. Contudo, o Plano assinalou que
desse total haveria R$ 633.333.443,06 assegurados, havendo necessidade de se obter
R$ 1.380.005.860,82 adicionais, sem que fosse identificada a fonte desses recursos
(COBRAPE, 2010). Ao longo de vinte anos, todos os recursos aplicados pelos Comitês e
Agência de Bacias PCJ, originários da cobrança e compensação, em todas as áreas,
foram de cerca de 533 milhões de reais a preços de fevereiro de 2016. O Plano em
vigor, como seus antecessores, possibilita a realização de diagnósticos sobre a situação
dos recursos hídricos e aponta os investimentos que devem ser realizados para
superar os problemas identificados.
O próprio Plano reconhece que
59
(...) Um Plano ambicioso torna-se mais uma manifestação de vontades, do que algo exequível. Comumente, maior abrangência significa menos
divergências, pois contempla a necessidade de todos.
E que
(...) Os custos de um Plano de abrangência ampla são enormes. O orçamento torna-se peça fictícia. Os recursos provenientes de fontes externas de financiamento, ou seja, diferentes daqueles sob tutela dos Comitês PCJ (FEHIDRO e Cobrança), como os da Sabesp, orçamentos públicos, tarifas e outros, não são acordados em documentos legais e arranjos institucionais suficientemente negociados, a serem cumpridos pelos signatários
(PLANO DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS DOS RIOS PIRACICABA, JUNDIAÍ E CAPIVARI 2010 – 2020).
Uma análise mais detalhada da diferença entre a disponibilidade de recursos e as
demandas para investimento em saneamento apontada pelo Plano de Bacias se
encontra adiante neste documento.
2.3. DISPONIBILIDADE HÍDRICA E ASPECTOS QUALITATIVOS
2.3.1. Disponibilidade Hídrica
A complexidade da gestão dos recursos hídricos acompanha as limitações ao acesso da
água e a seu uso. Quanto mais aumentam os usos e diminui a disponibilidade, mais
complexa se torna a gestão, desde a outorga até a cobrança pelos mais diversos usos.
A cobrança incentiva usos mais eficientes ao penalizar economicamente o desperdício
e a poluição. Neste item, são apresentadas as características gerais das Bacias PCJ
para, em seguida, abordar os atuais mecanismos de gestão. Os impactos da crise
hídrica serão explorados adiante.
Entre os aspectos que influenciam a disponibilidade hídrica de uma determinada
região estão os aportes atmosféricos e a constância, intensidade e periodicidade do
regime de chuvas.
60
A carta de isoietas nas Bacias PCJ de longo termo evidencia que o aporte atmosférico é
significativo, embora alterações são possíveis em face de mudanças climáticas. A altura
pluviométrica varia de 1.400 a 1.800 mm/ano no sentido oeste – leste, sendo maior na
região de serra com cotas mais elevadas. Nesse mesmo sentido e a cerca de 80 km
está o oceano Atlântico.
As Bacias PCJ, que recebem esse aporte atmosférico de água, são formadas por duas
unidades de gestão hidrográficas distintas. Em Minas Gerais, há a Unidade de
Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos dos Rios Piracicaba e Jaguari – UPGRH PJ1
e, em São Paulo, a UGRHI 05 (Figura 13)
61
Figura 13 Carta de Isoietas das Bacias PCJ
Fonte: CETEC (1999).
62
No Estado de São Paulo, a Lei nº 9.034, de 1994, que instituiu a Política Estadual de
Recursos Hídricos, definiu em seu Artigo 13º que:
II – A vazão de referência para orientar a outorga de direitos de uso de recursos hídricos será calculada com base na média das mínimas de 7 (sete) dias consecutivos e 10 (dez) anos de período de retorno e nas vazões regularizadas por reservatórios, descontadas as perdas por infiltração, evaporação ou por outros processos físicos, decorrentes da utilização das águas e as reversões de bacias hidrográficas.
Trata-se da vazão de referência denominada Q7,10 que corresponde à média das vazões
mínimas superficiais registrada em 7 dias consecutivos, considerando 10 anos de
tempo de recorrência, utilizada para fins de outorga e para cálculo do balanço entre
oferta e demanda de água.
A Agência Nacional de Águas, e alguns outros estados, utilizam a vazão de referência
Q95%, menos restritiva que a Q7,10. A Q95% corresponde a uma vazão de referência cuja
curva de permanência indica que em 95% do tempo as vazões são iguais ou maiores.
Em geral essa vazão é um pouco maior que a Q7,10. Qualquer que seja, essa vazão
mínima ocorre na época de estiagem, logo não há contribuição pluvial e isso ocorre
somente da água armazenada do solo.
Em seu Artigo 14, a Lei Estadual nº 9.034 de 1994 define ainda que é considerada
crítica a situação de determinada bacia hidrográfica em que a soma das vazões
captadas supera os 50% da vazão de referência Q7,10 em qualquer trecho dos seus
cursos d’água. Assim, para a Bacia PCJ, a disponibilidade hídrica utilizada respeita esses
ditames legais.
Entretanto, a matriz porosa que compõe os solos das Bacias PCJ têm pouca capacidade
de armazenamento de água. A formação cristalina em grandes porções, o manto de
alteração e o próprio solo raso fazem com que haja uma baixa capacidade de
regularização e armazenamento de vazões nos aquíferos freáticos e profundos. Como
consequência, cresce a importância de reservatórios superficiais de regularizações de
vazões. Essas características tornam ainda mais importantes o aumento do volume de
63
reservação para regularização das vazões do escoamento superficial na época das
chuvas.
Da oferta total de água nas Bacias PCJ, a participação das águas subterrâneas é de
apenas 7% do total, logo as águas superficiais respondem por 93%. A base geológica
das Bacias PCJ não favorece a existência de sistemas aquíferos, uma vez que na sua
porção de nascente encontra-se um aquífero cristalino, enquanto que à jusante
predominam outros como o aquífero Tubarão, todos com pouca disponibilidade
hídrica (cerca de apenas 0,30 m³/h/m em média). Somente na porção limítrofe com a
bacia do médio Tietê que há o aquífero Guarani, cuja produtividade é
significativamente maior, em torno de 10 vezes.
A disponibilidade hídrica nas Bacias PCJ é limitada quanto à origem subterrânea, seja a
mais profunda, dada a formação geológica, seja a subsuperficial, dada a pequena
capacidade de armazenamento do manto de alteração. Desse modo, a bacia necessita
contar com barragens de regularização da água superficial para atender suas
demandas hídricas cada vez maiores.
A disponibilidade superficial sofre efeito determinante provocado pelo Sistema
Cantareira existente na região de nascente dos rios que formam a Bacia do rio
Piracicaba. A presença do Sistema alterou totalmente o regime hidrológico dos rios a
jusante, seja pela reversão para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo, seja
pela regularização de vazões.
Para jusante das barragens, a vazão mínima a ser considerada é a soma daquelas
impostas pelas regras operacionais somadas às provenientes da área remanescente
até qualquer seção de interesse. Conforme essas regras, dadas pela outorga em vigor,
foi estabelecido que seriam descarregadas vazões mínimas de 2 m3/s no reservatório
Jaguari-Jacareí, 1 m3/s no Cachoeira e 2 m3/s no Atibainha, às quais seriam somadas
vazões da área remanescente entre a seção de cada barragem e a de interesse.
Para dar uma ordem de grandeza dessa disponibilidade hídrica, GIANSANTE (2010)
calculou a vazão mínima específica (Q7,10), a partir da altura pluviométrica média anual,
64
1.400 mm/ano, utilizando o método do DAEE, igual a 3,72 L/s.km2, ou seja, cerca de
400 L/s para cada 100 km2. Na região da Serra do Mar, esse valor é praticamente o
dobro, mas as bacias são pequenas, enquanto que no oeste paulista, a disponibilidade
é aproximadamente a metade, embora as bacias sejam da ordem de milhares de
quilômetros quadrados. Seguindo o mesmo método de cálculo (DAEE), nas Bacias PCJ a
vazão média específica é igual a 12,7 L/s.km2, ou seja, cerca de 1.300 m3 a cada 100
km2.
Se há razoável disponibilidade hídrica natural, é importante compará-la com as
demandas, considerando a situação atual e o provável crescimento populacional.
Deve-se também avaliar os aspectos qualitativos da água, pois a poluição inviabiliza o
seu uso se empregados tratamentos mais simples, havendo, portanto, a necessidade
de ponderar o emprego de sistemas mais avançados.
2.3.2. Aspectos qualitativos
A avaliação da qualidade da água é feita por meio de um conjunto de características
físicas, químicas e biológicas. São exemplos: turbidez, teores de substâncias, demanda
bioquímica de oxigênio - DBO, número mais provável de coliformes fecais – NMP/100
ml. As concentrações ou valores limites variam em função do uso pretendido do corpo
d’água superficial e foram estabelecidos em lei de enquadramento inicialmente
estadual e posteriormente federal.
O enquadramento dos corpos d’água em classes de uso é um dos instrumentos da
gestão dos recursos hídricos da Política Nacional de Recursos Hídricos. A Resolução
Conama nº 357, de 17 de março de 2005, dispõe sobre diretrizes ambientais para o
enquadramento dos corpos d’água, que tem seus procedimentos gerais dispostos pela
Resolução do CNRH nº 91, de 5 de novembro de 2008.
A partir do estabelecimento de parâmetros de qualidade a serem mantidos ou
alcançados nos corpos d’água, é possível estabelecer, de forma sustentável, os usos
múltiplos das águas na bacia hidrográfica.
65
A legislação que especifica o enquadramento dos corpos d’água superficiais paulistas,
nas Bacias PCJ, é o Decreto Estadual nº 10.755, de 23 de novembro de 1977. As
principais premissas para balizar o enquadramento em uma bacia hidrográfica
consideram os usos dos recursos hídricos, as características de qualidade da água
priorizadas, a vazão de referência considerada e, por fim, as metas a atingir. A Figura
14 ilustra os critérios adotados, os quais, aplicados às Bacias PCJ, indicam se os cursos
d’água estão compatíveis com sua classificação legal (Figura 15).
Figura 14.Classes de enquadramento e respectivos usos e qualidade da água
Fonte: ANA (2016).
66
Figura 15 Classes de qualidade (OD e DBO) – Cenário Base 2008.
Fonte: COBRAPE (2010).
67
Como pode ser observado na Figura 15 há trechos variados de cursos d’água com o
teor de oxigênio dissolvido (OD) inferior a 2 mg/L, indicando forte poluição e
degradação. Mesmo os rios de Classe 3 exigem mais atenção para tornar a água bruta
em potável, logo a falta de qualidade é um complicador quanto ao possível
aproveitamento para abastecimento público.
Nos rios da Classe 4, legalmente não é permitida a captação para o abastecimento
público, embora atualmente tecnologias permitam produzir água potável dentro do
estabelecido pelo padrão de potabilidade brasileiro, dado pela Portaria do Ministério
da Saúde nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011.
Nos últimos anos, houve inúmeras discussões acerca da questão do enquadramento
dos corpos d’ água e rios nas Bacias PCJ. Em seu encaminhamento final, expresso
junto ao Plano das Bacias PCJ 2010-2020 (COBRAPE, 2010), foi definida proposta de
atualização do enquadramento. Esse plano estabelece, ainda, diversos cenários para
as Bacias PCJ, sendo assumidas as seguintes premissas:
Adoção de vazão representativa do período de estiagem (Q7,10) como vazão de
referência.
Adoção dos parâmetros de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Oxigênio
Dissolvido (OD) como referência para simulação e definição de metas de
qualidade das águas.
Adoção dos anos de 2014 e 2020 como referência para as metas intermediárias
do plano.
Detalhamento do Programa para Efetivação do Enquadramento, visando
atender integralmente a meta final até 2035.
68
De forma geral, na perspectiva do enquadramento, foram estabelecidos junto ao Plano
das Bacias PCJ 2010-2020 (COBRAPE, 2010) critérios progressivos para alcance da meta
final, com cenários intermediários para os anos de 2014 e 2020. Essas perspectivas
estão diretamente ligadas às metas do Plano das Bacias PCJ, por meio de limitações
para a disposição de cargas orgânicas e do programa de ações e investimentos.
O reenquadramento, com a melhoria da qualidade da água, possibilita o seu
aproveitamento para abastecer populações, a exemplo do que ocorreu em trecho do
Rio Jundiaí, anteriormente enquadrado como Classe 4, atualmente Classe 3. Esta
análise permite concluir que é de grande importância na gestão das Bacias PCJ, o
debate sobre o reenquadramento no qual o Comitê de Bacia possui forte
protagonismo.
2.4. EVOLUÇÃO DA DEMANDA POR USO
A demanda nas Bacias PCJ está fortemente concentrada no abastecimento público
devido aos altos índices de urbanização e contingente populacional expressivo, em
torno de 5,6 milhões de habitantes. Portanto, os usos mais comuns da água nas Bacias
PCJ são consuntivos por meio de derivações para abastecer a população de diversos
municípios dispersos pela rede hídrica, além de uso agrícola e industrial. Não há
produção de energia por hidrelétricas, de forma que os usos concorrentes são para o
abastecimento público (PCJ e Alto Tietê), irrigação e industrial (Quadro 5).
Quadro 5. Demanda de água por setor em % do total
Setor 2010 (%) 2014 (%)
Abastecimento Público 52 54
Usos Industriais 26 25
Usos Rurais 19 19
Outros Usos 3 3
Fonte: Fundação Agência das Bacias PCJ (2015).
69
A Figura 16 expressa a demanda da água para as Bacias PCJ e reflete sua característica
de alto grau de urbanização e PIB formado essencialmente pelo setor industrial e de
serviços.
Figura 16 Demanda de água - tipo e finalidade
Fontes: Comitês PCJ (2014).
Se há uso intenso da água, também há geração e lançamento de esgotos sanitários,
tratados ou não, nos corpos d’água. A pressão sobre os recursos hídricos nas Bacias
PCJ é ilustrada pelos diagramas que representam as captações de água e
lançamentos de despejos. A enorme quantidade e a proximidade entre esses pontos
evidenciam que há necessariamente o reuso da água nas Bacias PCJ, sendo os leitos
dos rios o meio para que isso ocorra (Figura 14 e 15):
70
Figura 17 Captações de água nas Bacias PCJ
Fonte: COBRAPE (2010).
71
Figura 18 Lançamentos de águas nas Bacias PCJ
Fonte: COBRAPE (2010).
72
2.4.1. Crescimento da população nas Bacias PCJ
O crescimento populacional das Bacias PCJ supera as taxas geométricas de crescimento anual do Estado de São Paulo e de Minas Gerais. Tal tendência de crescimento favorece a pressão sobre os recursos hídricos, com a necessidade de aumentar as vazões captadas para o abastecimento público.
Diversos estudos populacionais já foram realizados para as Bacias, sendo o principal o
constante no Plano das Bacias PCJ 2010-2020 (COBRAPE, 2010). Citam-se também o
Plano Diretor de Aproveitamento de Recursos Hídricos para a Macrometrópole
Paulista (COBRAPE, 2013), o Relatório de Situação (Comitês PCJ, 2014) e o Relatório de
Gestão (FUNDAÇÃO AGÊNCIAS PCJ, 2015).
Os estudos utilizaram como base as populações dos censos, contagem e estimativas do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além dos dados populacionais da
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) do Estado de São Paulo.
O Plano das Bacias PCJ 2010-2020 (COBRAPE, 2010) realizou projeções populacionais
para os anos de 2014 e 2020, sendo estimada uma população total de 5.525.529
habitantes e 5.898.808 habitantes, respectivamente.
O Plano Diretor de Recursos Hídricos da Macrometrópole (COBRAPE, 2013), por sua
vez, traz uma projeção da população das Bacias PCJ para os anos 2018, 2025 e 2035. O
documento estima que, em 2018, a população da região seja de 5.673.617 habitantes
(Quadro 6).
73
Quadro 6. Projeções da população para as Bacias PCJ
2018 2025 2035
5.673.617 5.984.388 6.217.851
Fonte: COBRAPE (2013).
Já o Relatório de Gestão das Bacias PCJ (FUNDAÇÃO AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2015)
replicou os métodos do Plano de Bacias PCJ 2010-2020 (COBRAPE, 2010), utilizando os
dados da estimativa da população total para o ano de 2014 publicados pelo IBGE. “Os
dados demonstraram que, em 2014, a população moradora nas Bacias PCJ atingiu um
total estimado de 5.600.228 habitantes” (FUNDAÇÃO AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2015).
Tratam-se, portanto, de 74.699 habitantes a mais do que o projetado pelo Plano das
Bacias PCJ para o mesmo ano. Além disso, a estimativa para 2014 praticamente já
alcança a projeção efetuada para 2018 pelo Plano Diretor de Recursos Hídricos da
Macrometrópole. Observa-se, desta forma, que a região está superando as previsões
de crescimento dos estudos realizados anteriormente.
Esse crescimento pode ser constatado na Quadro 7, onde é apresentada a síntese da
população no grupo de municípios que compõem a Região das Bacias PCJ e a taxa
geométrica de crescimento anual (TGCA) ocorrida entre 2010 e 2015.
Quadro 7. População residente nas Bacias PCJ e taxa geométrica de crescimento anual
(TGCA) – 2010 a 2015
MUNICÍPIO POPULAÇÃO (2010) POPULAÇÃO (2015) TGCA (%)
MUNICÍPIOS DAS BACIAS PCJ 5.169.831 5.664.829 1,85
ESTADO DE SÃO PAULO 41.262.199 44.396.484 1,48
ESTADO DE MINAS GERAIS 19.597.330 20.869.101 1,27
Fonte: IBGE (Censo Demográfico 2010; Estimativa 2015).
74
Note-se que o crescimento populacional das Bacias PCJ supera inclusive as taxas
geométricas de crescimento anual do Estado de São Paulo e Minas Gerais. Tal
tendência de crescimento favorece a pressão sobre os recursos hídricos, com a
necessidade de aumentar as vazões captadas para o abastecimento público. No
Anexo II do presente documento apresenta-se dados detalhados acerca desses
estudos.
Por outro lado não houve aumento da disponibilidade hídrica nos últimos cinco anos,
causado por exemplo, pela construção de barragens de regularização. Portanto,
considerando as projeções futuras, o aumento da demanda não terá como ser
suportado com a oferta de água existente nos níveis atuais sem grandes avanços.
Neste contexto cabe verificar as diversas possibilidades, inclusive de reuso por meio
das atuais tecnologias. Em regiões semiáridas ou com recursos hídricos limitados, a
água reciclada é reconhecida como recurso hídrico passível de diversos usos, incluindo-
se o abastecimento público.
2.5. BALANÇO HÍDRICO DAS BACIAS PCJ
Entre 2010 e 2015, a demanda de águas superficiais nas Bacias PCJ foi superior ao
valor de referência, 50% de Q7,10, em todos os anos do período, configurando uma
situação crítica de oferta de água, nos termos da Lei Estadual nº 9.034/1994.
O aumento da demanda pode ser justificado pelo crescimento populacional e por
novos empreendimentos industriais que se instalaram na região. Mesmo considerando
a vazão de referência Q95%, menos restritiva, a demanda atingiu patamares
extremamente elevados em relação à disponibilidade, sendo a demanda de 2010, de
92,3% da vazão de referência Q95%, a mais elevada do período, conforme se verifica no
Quadro 8.
75
Quadro 8. Demanda superficial – percentual em relação à Q95% e Q7, 10
ANO 2010 2011 2012 2013 2014
Demanda superficial em relação à Q 95% (%) 92,3 92,2 82,4 82,5 67,2
Demanda superficial em relação à Q 7,10 (%) 117,8 117,3 117,6 117,9 94,9
Fonte: Comitês PCJ (2014).
Portanto, considerando a vazão de referência Q7,10(%), observa-se que a
disponibilidade hídrica das Bacias PCJ é preocupante, uma vez que entre 2010 a 2013 a
demanda foi de cerca de 117% da vazão de referência Q7,10 e, em 2014, de 94,9% da
Q7,10. Dessa forma, a demanda superficial foi superior ao limite legal de 50% da vazão
de referência Q7,10 em todos os anos do período, configurando uma situação crítica,
independentemente da ocorrência da crise hídrica que foi acentuada no biênio
2014/2015.
Cabe destacar que a situação já era crítica em 2008. Considerando o período
compreendido entre 2008 e 2013, a demanda superficial oscilou entre 71,9% e 92,5%
da vazão de referência Q7,10. Em todos os anos, portanto, as vazões captadas estiveram
muito acima do estabelecido pela Lei Estadual nº 9.034 de 1994, como se mostra na
Figura 19.
76
Figura 19 Demanda superficial em relação à vazão de referência Q7,10 – 2008 a 2013
O balanço entre disponibilidade e demanda do período compreendido entre 2010 e
2014 revela que a oferta permanece a mesma, enquanto a captação oscila entre 81 e
83% da disponibilidade em relação à vazão de referência Q7,10, conforme verificado
na Figura 20.
77
Figura 20 Balanço entre disponibilidade e demanda
Fontes: AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ (2014); COBRAPE (2010); IRRIGART (2007).
Cabe ressaltar que as Bacias PCJ estão inseridas na Macrometrópole Paulista, que vem
a ser a região de maior dinamismo econômico do país e o centro da indústria e dos
serviços intensivos em conhecimento. Por essa razão, é provável que novas indústrias
se instalem na região, assim como novas empresas de serviços. Esses novos
empreendimentos aumentam a população urbana para além do crescimento
vegetativo da população atual e, portanto, também a demanda de água para o
abastecimento público e para o segmento industrial.
Considerando o exposto, depreende-se que entre os dirigentes empresariais
tomadores de decisão sobre novos empreendimentos, ainda não há a percepção de
que a região das Bacias PCJ encontra-se em situação crítica em termos de oferta de
água, com algumas exceções, como a do município de Itu, que viu cancelados ou
adiados empreendimentos industriais tendo em vista a crise extrema de
abastecimento de água que viveu em 2014.
78
Isso pode significar que em poucos anos, o crescimento populacional e o
desenvolvimento econômico da região levarão a uma situação extrema de demanda
superior a oferta. Portanto, avanços na gestão dos recursos hídricos e emprego de
tecnologias mais avançadas de tratamento de água, produzindo água de reuso ou até
reciclada, constituem medidas que merecem consideração efetiva no planejamento
dos recursos hídricos.
O Quadro 9 mostra a projeção para 2020 do balanço hídrico em comparação a 2014,
indicando que a situação tende a se agravar ainda mais em todas as sub-bacias que
compõem a PCJ.
Quadro 9. Balanço Hídrico em 2014 e projeção para 2020.
Sub-bacia
Vazões (m³/s)
Q disponível 2014 2020
Captações ¹ Lançamentos Saldo Captações ¹ Lançamentos Saldo
Atibaia 8,54 10,78 6,41 4,16 11,21 7,02 4,35
Camanducaia 3,50 0,90 0,41 3,01 0,95 0,48 3,02
Corumbataí 4,70 3,01 1,25 2,93 3,20 1,27 2,77
Jaguari 7,20 6,72 1,72 2,19 6,87 1,81 2,14
Piracicaba 8,16 7,14 5,66 6,68 7,87 5,90 6,19
Total Piracicaba 32,10 28,55 15,45 18,97 30,10 16,48 18,47
Capivari 2,38 3,73 2,83 1,48 3,96 3,06 1,48
Jundiaí 3,50 4,63 2,34 1,21 5,45 2,55 0,59
Total PCJ 37,98 36,92 20,61 21,67 39,51 22,08 20,55
¹ Valores relativos à parcela das demandas atendidas por mananciais superficiais
Fonte: COBRAPE (2011).
79
Com o mencionado crescimento populacional e econômico, a água tende a ser cada
vez mais um fator limitante. Para responder a esse desafio, são previstas obras e
outros empreendimentos que garantam a disponibilidade hídrica, como a construção
de barragens (Camanducaia e Jaguari), aproveitamentos de aquíferos próximos como o
Guarani, entre outros empreendimentos.
De qualquer forma será necessário avançar fortemente na gestão dos recursos hídricos
das Bacias PCJ para a consecução de soluções integradas e complexas. O
aprimoramento do mecanismo da cobrança pelos usos da água e do lançamento de
esgotos é imprescindível para avançar no tratamento das cargas difusas urbanas e
rurais, porque o aporte de nutrientes tem o potencial de comprometer a qualidade das
águas regularizadas nas barragens existentes e nas previstas futuramente. Assim, o
controle dos nutrientes, também por meio da cobrança pelos seus lançamentos, é uma
realidade que se impõe o quanto antes.
80
Figura 21 Projeções para o consumo de água (horizonte 2035). Fonte: COBRAPE (2011).
2.6. GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NAS BACIAS PCJ
A dominialidade dos recursos hídricos torna o cenário das Bacias PCJ ainda mais
complexo pois, dependendo da abrangência dos cursos d’água, o domínio é estadual
ou federal (competência da ANA). No caso das Bacias PCJ, parte das nascentes estão
81
no Estado de Minas Gerais e, portanto, geridos por órgãos deste Estado, além do
Estado de São Paulo (Figura 22).
Os rios formadores do Piracicaba a jusante, Atibaia e Jaguari, incluindo seu
contribuinte pela margem direita, o Rio Camanducaia, são de domínio federal. Já seus
afluentes, se restritos em único estado, são de domínio estadual, como o Rio Jundiaí e
o Capivari que compõem a sigla PCJ.
Tanto os rios de domínio estadual quanto os de domínio federal possuem como
instrumentos de gestão a outorga pelos usos da água e também a cobrança. Os
procedimentos e os resultados dessa cobrança são tratados no Capítulo 4, mas a
cobrança indica ao menos que a gestão conta com meios avançados para aumentar a
eficiência dos usos da água.
82
Figura 22 Dominialidade dos recursos hídricos nas Bacias PCJ
Fonte: ANA (2016).
83
As diretrizes das bacias são definidas pelos comitês e, no caso específico do PCJ que
abrange dois Estados e ainda a União, a tendência seria ter várias instâncias. No
entanto, como resultado de entendimento entre os comitês, foi acordado um arranjo,
simplificando e compatibilizando sua ação. Da mesma forma, o “braço” executivo é
constituído por uma única agência de bacia, a AGBPCJ, conforme já apresentado.
2.7. PROGRAMAS PRIORITÁRIOS APLICADOS PELA AGÊNCIA DE BACIAS PCJ
O saneamento, incluindo os projetos de combate a perdas na distribuição de água, recebeu
mais da metade de todos os recursos não reembolsáveis da compensação e da cobrança
aplicados pelo FEHIDRO, pelos Comitês PCJ e pela Agência das Bacias PCJ, de 1995 a 2015.
Os principais programas administrados pela Agência das Bacias PCJ, são apresentados no
Quadro a seguir:
Quadro 10. Programas prioritários nas Bacias PCJ
Programas Aspectos de Destaque
Programas de combate as Perdas na distribuição de água potável
Os recursos destinados aos projetos para a redução de perdas são originários da compensação pela geração de energia elétrica e da cobrança estadual e cobrança federal. Cerca de 25 municípios das Bacias PCJ aprovaram projetos que visavam à redução de perdas. Os projetos tinham como objetivos a substituição de redes de ferro galvanizado e cimento amianto por tubulações de PVC, implantação de macromedidores e micromedidores com telemetria, setorização e controle automático de pressão, entre outros
Coleta e tratamento de esgotos nas Bacias PCJ
Nas Bacias PCJ, 29 municípios têm índices de tratamento inferiores a 65%. Os projetos voltados à coleta e tratamento de esgotos incluíram sistemas de transporte de esgotos e implantação de sistema de tratamento de esgoto e de lodos de tratamento
Serviços ambientais
O reflorestamento de nascentes de rios é estratégico para preservação da disponibilidade hídrica, e o pagamento por serviços ambientais, tem se mostrado um mecanismo efetivo para alcançar esse objetivo. Por esse instrumento, proprietários rurais são pagos para
84
Programas Aspectos de Destaque
reflorestar as áreas de nascentes existentes em suas propriedades e criar áreas de proteção ambiental permanente. O Projeto no Município de Extrema é um exemplo de projeto bem sucedido de reflorestamento do Rio Jaguari que pelo seu caráter inovador atraiu diversos parceiros e novas iniciativas
Esses programas estão detalhados nos itens a seguir.
PROGRAMAS DE COMBATE ÀS PERDAS NA DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA POTÁVEL
A redução das perdas na distribuição aumenta a resiliência das bacias em relação aos efeitos da mudança climática, uma vez que diminui o volume necessário de captação para o abastecimento público.
As perdas na distribuição de água são elevadas em todo o país inclusive nas Bacias PCJ.
Segundo o SNIS de 2013, o índice médio de perdas no Brasil girava em torno dos 37%.
Em outubro de 2014, a principal companhia de abastecimento de águas do Estado de
São Paulo (SABESP), reconheceu um índice de perdas na rede de distribuição de águas
da ordem de 30%, um número considerado elevado para padrões internacionais. Tais
perdas têm impacto direto nas Bacias PCJ uma vez que uma parcela da água para o
abastecimento da RMSP advém do Sistema Cantareira.
Em diversos municípios das Bacias PCJ, o índice de perdas na distribuição é ainda mais
elevado. Segundo dados do SNIS, em 2014 as perdas alcançaram índices da ordem de
63,50% em São Pedro, 60,14% em Sumaré, 54,33% em Atibaia, 51,81% em Piracicaba,
38,23% em Rio Claro, 35,76 % em Jundiaí, 34,74% em Valinhos, entre outras cidades
que estão inseridas dentro da região que compreende as Bacias do PCJ (Quadro 11).
Por outro lado, existem algumas experiências positivas, como é o caso da cidade de
Limeira, que conseguiu reduzir as perdas na distribuição de água para 14,08% em
2014, um índice considerado aceitável e equivalente à de alguns países com elevado
grau de desenvolvimento no gerenciamento de recursos hídricos. Mesmo assim, essas
85
perdas implicaram em uma perda de receita por parte da concessionária da ordem de
7,62%.
Quadro 11. Índices de perdas na distribuição de águas
Município Índice de Perdas na Distribuição
% Índice de Perdas de Faturamento
%
São Pedro 63,50 52,67
Sumaré 60,14 59,95
Atibaia 54,33 40,55
Pedreira 54,18 35,01
Santa Bárbara do Oeste 53,35 53,35
Tuiuti 53,33 46,47
Piracicaba 51,81 46,91
Louveira 44,96 44,96
Rio das Pedras 44,21 39,24
Mairiporã 44,10 32,95
Artur Nogueira 42,25 27,51
Jarinú 41,61 28,35
Jaguariúna 39,96 37,18
Rio Claro 38,23 29,16
Charqueada 37,81 30,19
Salto 37,56 37,56
Campo Limpo Paulista 36,36 27,36
Itatiba 36,11 27,47
Jundiaí 35,76 28,67
Capivari 35,60 29,24
Amparo 35,19 14,90
86
Município Índice de Perdas na Distribuição
% Índice de Perdas de Faturamento
%
Ipeúna 35,00 35,00
Rafard 35,00 35,00
Valinhos 34,74 29,15
Piracaia 34,16 21,31
Aguas de São Pedro 34,09 23,01
Vinhedo 33,58 27,65
Indaiatuba 32,97 24,38
Itirapina 32,84 32,84
Morungaba 32,61 20,20
Várzea Paulista 32,25 21,31
Bom Jesus dos Perdões 31,51 31,51
Paulínia 31,27 24,00
Itupeva 30,25 20,39
Holambra 30,00 30,00
Cabreúva 29,8 21,33
Nova Odessa 29,44 29,44
Santa Maria da Serra 28,60 19,84
Santa Gertrudes 27,84 11,86
Monte Mor 27,68 16,19
Hortolândia 26,71 19,47
Bragança Paulista 24,35 11,78
Pinhalzinho 23,80 4,94
Nazaré Paulista 23,68 6,22
Monte Alegre do Sul 23,00 23,00
87
Município Índice de Perdas na Distribuição
% Índice de Perdas de Faturamento
%
Campinas 21,59 15,07
Elias Fausto 20,37 10,39
Mombuca 19,46 11,39
Americana 17,39 10,17
Corumbataí 16,67 10,26
Vargem 16,18 -0,64
Saltinho 14,92 100
Limeira 14,08 7,62
Cordeirópolis 13,96 -0,05
Joanópolis 12,01 -5,95
Santo Antônio de Posse 11,82 5,71
Pedra Bela 6,07 -16,97
Fonte: SNIS (2014)
Com recursos originários da compensação pela geração de energia elétrica e da
cobrança estadual e cobrança federal, os Comitês PCJ e a Agência das Bacias PCJ
investiram R$ 152.270.332,81, a preços de fevereiro de 2016, em projetos que tinham
como objetivo a redução de perdas, entre 1997 e 2015. O valor total dos projetos,
incluindo-se as contrapartidas dos tomadores dos recursos, foi de R$ 213.790.345,42,
a preços de fevereiro de 2016.
Apenas 25 municípios das Bacias PCJ apresentaram e tiveram aprovados projetos que
visavam a redução de perdas. Entretanto, apenas 7 deles receberam 76,48% dos
recursos: Campinas (SANASA), Rio Claro (DAE), Nova Odessa (CODEN), Piracicaba
(SEMAE), Indaiatuba (SAAE) e Salto (SAE). Os projetos tinham como objetivos a
substituição de redes de ferro galvanizado e cimento amianto por tubulações de PVC,
88
implantação de macromedidores e micromedidores com telemetria, setorização e
controle automático de pressão, entre outros.
A SANASA, por exemplo, aprovou projetos de redução de perdas que totalizaram cerca
de 63,8 milhões de reais, sendo cerca de 38,4 milhões de recursos não reembolsáveis e
cerca de 25,4 milhões de reais de contrapartidas, sendo todos esses valores corrigidos
para fevereiro de 2016. Esses valores correspondem a 25,23% de tudo que foi
investido pelos Comitês PCJ e Agência das Bacias PCJ em redução de perdas desde
1997.
COLETA E TRATAMENTO DE ESGOTOS NAS BACIAS PCJ
Quanto à coleta e tratamento de esgotos nas Bacias PCJ são apresentados os seguintes
dados a seguir.
Dezenove municípios têm índices de 100% de tratamento dos esgotos coletados.
Contudo esse número tem de ser relativizado pela circunstância de diversos desses
municípios apresentarem baixos índices de coleta. Hortolândia, por exemplo, uma
cidade de cerca de 64 mil habitantes, trata 100% dos esgotos coletados, mas coleta
apenas 49,48% do total gerado.
Entre 2010 e 2014, os índices de coleta, tratamento e eficiência do sistema de
esgotamento melhoraram nas Bacias PCJ, contudo, a situação do tratamento ainda
permanece regular na região, conforme pode ser verificado no Quadro 12.
Quadro 12. Coleta e tratamento de esgotos nas Bacias PCJ
Ano 2010 2011 2012 2013 2014
Esgoto Coletado 86,7 88,3 88,5 91,0 92,3
Esgoto Tratado 48,8 52,9 59,8 65,1 72,7
Eficiência do Sistema de Esgotamento 39,1 44,1 51 55,3 62,7
Fonte: Relatório de situação dos recursos hídricos 2015 - UGRHI 05 Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.
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Atualmente, os índices de coleta e tratamento de esgoto de cada município
componente das Bacias PCJ são apresentadas no Quadro 13:
Quadro 13. Índices de coleta e tratamento nas Bacias PCJ
Município Índice de Coleta (%)
Índice de Tratamento (%)
Índice líquido de tratamento (%)
Limeira 100,00 100,00 100,00
Piracicaba 100,00 100,00 100,00
Saltinho 96,71 100,00 96,71
Jundiaí 96,35 95,42 91,94
Santo Antônio De Posse 90,49 100,00 90,49
Corumbataí 88,46 100,00 88,46
Várzea Paulista 83,17 100,00 83,17
Vinhedo 84,98 95,91 81,50
Morungaba 80,73 100,00 80,73
Elias Fausto 80,22 100,00 80,22
Santa Gertrudes 80,01 99,74 79,80
Pedreira 82,96 93,29 77,39
Salto 91,03 84,11 76,57
Itatiba 75,37 100,00 75,37
Valinhos 74,73 100,00 74,73
Mombuca 74,24 100,00 74,24
Nova Odessa 80,00 90,21 72,17
Ipeúna 69,51 100,00 69,51
Paulínia 70,26 96,80 68,01
Indaiatuba 96,15 70,38 67,67
Joanópolis 68,66 96,33 66,14
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Município Índice de Coleta (%)
Índice de Tratamento (%)
Índice líquido de tratamento (%)
Bragança Paulista 67,34 97,66 65,76
Cabreúva 65,42 100,00 65,42
Rio Claro 79,87 78,88 63,00
Itupeva 65,38 92,55 60,51
Charqueada 59,55 95,72 57,00
Jaguariúna 90,00 63,23 56,91
Santa Bárbara Do Oeste 100,00 54,00 54,00
Campo Limpo Paulista 56,76 94,93 53,88
Campinas 65,29 81,08 52,94
Pinhalzinho 60,47 86,27 52,17
Hortolândia 49,48 100,00 49,48
Atibaia 85,00 57,95 49,26
Santa Maria Da Serra 47,78 100,00 47,78
Monte Mor 47,67 99,42 47,39
Americana 45,23 94,68 42,82
Holambra 98,12 42,67 41,87
Amparo 100,00 27,75 27,75
Jarinú 27,61 100,00 27,61
Piracaia 55,17 34,86 19,23
Nazaré Paulista 26,12 63,21 16,51
Sumaré 91,68 14,18 13,00
Cordeirópolis 72,75 15,38 11,19
São Pedro 95,05 11,11 10,56
Louveira 80,00 7,75 6,20
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Município Índice de Coleta (%)
Índice de Tratamento (%)
Índice líquido de tratamento (%)
Aguas De São Pedro 79,25 - -
Artur Nogueira 100,00 - -
Bom Jesus Perdões 100,00 - -
Cosmópolis 90,60 - -
Monte Alegre Do Sul 59,88 - -
Pedra Bela 65,68 - -
Rafard 95,82 - -
Rio Das Pedras 100,00 - -
Tuiuti 28,99 - -
Camanducaia 55,47 - -
Extrema 63,30 - -
Itapeva 66,84 - -
Nota: a coluna ‘Índice de tratamento líquido’ é resultado da multiplicação dos índices das colunas anteriores para a obtenção do índice total líquido do esgoto gerado no município realmente é tratado.
Fonte: adaptado de SNIS (2014)
Cabe ressaltar que a questão do tratamento de esgotos sempre mereceu atenção
especial por parte do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba Capivari
e Jundiaí, ao tempo em que exerceu as funções de agência de bacia, bem como dos
Comitês das Bacias Hidrográficas PCJ e da Agência das Bacias PCJ.
Um movimento social específico que antecedeu o advento dos Comitês e da agência
de bacia, sempre teve como foco de atuação a despoluição do Rio Piracicaba e mais
tarde, de todos os cursos d’água das Bacias PCJ.
Tal preocupação é refletida na composição da aplicação dos recursos da compensação
e das cobranças nas Bacias, através da destinação de considerável parcela dos valores
angariados em programas de tratamento de esgoto. O saneamento, incluindo os
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projetos de combate a perdas na distribuição de água, recebeu mais da metade de
todos os recursos não reembolsáveis da compensação e da cobrança aplicados pelo
FEHIDRO, pelos Comitês PCJ e pela Agência das Bacias PCJ, de 1995 a 2015. Foram
56,83% do total de recursos, correspondentes a cerca de 303 milhões de reais a
preços de fevereiro de 2016.
Para efeito de análise foi elaborado o estudo apresentado a seguir, confeccionado
através dos dados do Relatório de Qualidade das Águas Superficiais no Estado de São
Paulo - 2000/2014 (CETESB, 2015) e Relatório de Gestão das Bacias PCJ (FUNDAÇÃO
AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ, 2014) para verificação da influência do tratamento dos
esgotos sobre a qualidade das águas nas Bacias PCJ.
A análise da variação anual apresentada no gráfico da Figura 23 aponta para um
crescimento consistente das águas enquadradas na Classe ‘Bom’ até o Ano de 2012. A
reversão nessa tendência ocorrida nos anos 2013 e 2014 pode ser justificada pelo
baixo índice pluviométrico registrado neste período, conforme análise do própria
Agência de Bacias PCJ que aponta a pluviometria como fator determinante para a
piora dos indicadores de qualidade da água.
Figura 23 Resultado do IQA para a porção das Bacias PCJ localizada no Estado de São Paulo.
Fonte: Relatórios de Qualidade das Águas Superficiais no Estado de São Paulo, CETESB, 2000/2014
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Com o intuito de verificar possíveis impactos do tratamento dos esgotos sobre a
qualidade das águas das Bacias PCJ estabeleceu-se um comparativo sobre o recorte
temporal dos períodos de 2001-2007 e 2008-2014, para calcular a evolução da
qualidade das águas. Por meio da aplicação das médias nesses períodos, comparou-se
a composição das classes de qualidade das águas, de tal forma a minorar os efeitos de
eventos não regulares e apresentar eventual tendência sobre a evolução da qualidade
das águas no decorrer do período estudado. Esse conjunto de informações sobre a
tendência da qualidade das águas no conjunto das Bacias é apresentada na Figura 24.
Figura 24 Resultado do cálculo da qualidade média das águas nos períodos de 2001-2007 e
2008-2014.
Fonte: FESPSP, 2016
A análise dos resultados permite inferir que os investimentos em tratamento de efluentes
refletiram de forma positiva na qualidade das águas das Bacias do PCJ no período estudado.
No entanto, cabe ressaltar que a análise dos dados é limitada para a porção paulista das
Bacias PCJ.
94
SERVIÇOS AMBIENTAIS NAS BACIAS PCJ
O reflorestamento de nascentes de rios é estratégico para preservação da
disponibilidade hídrica, e o pagamento por serviços ambientais, tem se mostrado um
mecanismo efetivo para alcançar esse objetivo. Por esse instrumento, proprietários
rurais são pagos para reflorestar as áreas de nascentes existentes em suas
propriedades e criar áreas de proteção ambiental permanente.
Em Extrema, município mineiro integrante dos Comitês das Bacias PCJ, teve lugar o
primeiro projeto de reflorestamento de nascentes com pagamento por serviços
ambientais do país. O objetivo específico do programa é o reflorestamento das
nascentes do Rio Jaguari e de suas sub-bacias.
Figura 25. Sistema Cantareira visto de Extrema em Minas Gerais, nascente do Rio Jaguari
A partir de um diagnóstico ambiental das sete sub-bacias da Bacia Hidrográfica do Rio
Jaguari, foi possível constituir um cadastro identificando todas as unidades produtivas
rurais (CONSERVADOR DAS ÁGUAS, 2010), assim como as áreas sujeitas à erosão.
95
O projeto teve início com a promulgação da Lei Municipal nº 2.100, de 21 de dezembro
de 2005, a primeira lei municipal no Brasil a regulamentar o Pagamento por Serviços
Ambientais relacionados com recursos hídricos. No seu artigo 2º, a lei autoriza o poder
executivo municipal a pagar proprietários rurais para a realização de determinadas
ações. O apoio financeiro é concedido a partir do início das ações em determinada
propriedade e se estende por um período mínimo de quatro anos.
O caráter inovador do projeto, baseado no Pagamento por Serviços Ambientais atraiu
diversos parceiros. A Agência Nacional de Águas, que já tinha seu Programa Produtor
de Água, assumiu a responsabilidade de fornecer apoio técnico para ações de
conservação do solo. O Instituto Estadual de Florestas assumiu a responsabilidade de
fornecer insumos (cercas, adubos, calcário, herbicidas, etc.) e de proceder à averbação
da reserva legal das propriedades. A ONG The Nature Conservancy – TNC coube
financiar algumas ações de plantio e cercamento de áreas, arcando com custos de mão
de obra e alguns insumos, além de ações de monitoramento da biodiversidade. A ONG
SOS – Mata Atlântica ficou responsável pelo fornecimento de mudas de espécies
nativas para reflorestamento.
As ações de reflorestamento tiveram início em 2007 nas sub-bacias do Ribeirão das
Posses e do Salto. Nos sete anos primeiros anos do programa foram plantadas 754.153
árvores. Cerca de 10 milhões de reais foram investidos em cerca de 180 contratos, com
pagamentos a proprietários rurais por serviços ambientais. Até o momento foram
protegidas cerca de 500 nascentes, córregos e riachos, totalizando uma área de cerca
de 7,3 mil hectares.
Segundo a Secretaria de Meio Ambiente de Extrema, os primeiros resultados já
puderam ser observados, pois durante a estiagem de 2014, nas áreas que ainda não
tinham sido reflorestadas grande número de córregos e riachos secaram
completamente. Já nas áreas onde houve plantio de árvores, a vazão caiu cerca de
40%, mas os cursos de água continuaram alimentando o Rio Jaguari e, através dele, o
Sistema Cantareira (Figura 26).
96
Figura 26. Rio Jaguari em Extrema
Além do projeto Conservador de Águas de Extrema, foi realizado nas Bacias PCJ um
projeto piloto envolvendo Pagamento por Serviços Ambientais por ações de
recuperação florestal de Áreas de Proteção Permanente, de áreas com cobertura
vegetal e de preservação do solo nas microbacias do Ribeirão Cancan em Joanópolis e
do Ribeirão Moinho em Nazaré Paulista. A importância do Ribeirão do Cancan reside
no fato de ser um dos afluentes do Rio Cachoeira que alimenta a Represa Cachoeira.
Por sua vez, o Ribeirão do Moinho deságua diretamente na Represa do Rio Atibainha.
Ambas represas integram o Sistema Cantareira.
No plano nacional, a Agência Nacional das Águas criou o programa denominado
Produtor de Águas com o objetivo de apoiar iniciativas como a de Extrema. No
entanto, o alcance do programa federal é extremamente limitado. Além dos
programas que envolvem três municípios das Bacias PCJ, Extrema, Nazaré Paulista e
Joanópolis, existem no país apenas outros seis projetos e programas apoiados pela
ANA:
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a) Projeto Oásis no município de Apucarana no Paraná;
b) Projeto Guandu no Rio de Janeiro;
c) Projeto Camboriú em Santa Catarina;
d) Projeto Guariroba no Mato Grosso do Sul;
e) Projeto Piripau no Distrito Federal;
f) Programa Produtores de água no Espírito Santo.
98
Parte 3 Mudanças Climáticas, Crise Hídrica e os desafios da
Governança das Águas
99
3. MUDANÇAS CLIMÁTICAS, CRISE HÍDRICA E OS DESAFIOS DA
GOVERNANÇA DAS ÁGUAS
3.1. DISPONIBILIDADE DE RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL
Um dos primeiros sinais de efeitos das mudanças climáticas sobre os recursos
hídricos é o aumento da incerteza sobre o regime de chuvas.
O Brasil dispõe de 13% do total de água doce superficial do planeta, a maior parcela
entre todos os países do mundo. Entretanto, a maior parte dessas águas se encontra
em áreas de baixa densidade demográfica, como é o caso da Região Hidrográfica da
Amazônia, onde residem 8% da população brasileira e que detém 81% do total de
águas superficiais do país (Figura 27). Enquanto isso, na Região Hidrográfica do
Paraná, onde vivem cerca de 61,3 milhões de habitantes, correspondentes a 32% da
população brasileira (IBGE, 2010), a disponibilidade hídrica superficial é de apenas
6,5% do total do país (ANA, 2015) (Quadro 14).
Figura 27. Rio Amazonas
100
Quadro 14. População e disponibilidade hídrica por região do Brasil
Região População % Águas %
Brasil 190.755.799 100,0 100
Norte 15.864.454 8,3 68
Nordeste 53.081.950 27,8 3
Centro Oeste 14.058.094 7,4 16
Sudeste 80.364.410 42,1 6
Sul 27.386.891 14,4 7
Fonte: IBGE (2010); ANA (2015).
A distribuição desigual e a forte urbanização em algumas regiões revela o grande
desafio para a governança dos recursos hídricos no Brasil: onde há abundância de
água, a demanda é pequena, e onde a população é numerosa e, consequentemente,
a demanda é elevada, a oferta de água é restrita.
A crise hídrica evidenciou essa característica da distribuição das águas superficiais no
país, pois seus efeitos se fizeram sentir intensamente justamente em regiões
altamente urbanizadas, de maior densidade demográfica.
3.2. A CRISE HÍDRICA E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS POR DIFERENTES VISÕES
A literatura científica recente apresenta diferentes visões sobre as origens da crise
hídrica de 2014 no Sudeste brasileiro. Alguns autores sustentam não haver
evidências de que a severa estiagem que se abateu sobre a região se constitua num
evento extremo decorrente da mudança climática, enquanto outros sustentam uma
visão diferente. Por outro lado, praticamente não são encontradas referências
históricas comparáveis às fortes chuvas de 2010 e parte de 2011. Mesmo textos mais
atuais pouco associam a ocorrência de eventos extremos tão intensos em período
curto como de cinco anos. No Anexo III do presente documento apresenta-se um
101
breve relato sobre eventos extremos com período de retorno estimado em mais de
cem anos que assolaram a região nordeste e sudeste do Brasil e que muitos
especialistas associaram a mudanças climáticas.
O termo evento extremo adotado dos relatórios do IPCC apresenta a seguinte
definição: é a ocorrência de um valor de uma variável de tempo ou clima que esteja
acima (ou abaixo) de um valor limite próximo das extremidades superiores (ou
inferiores) ("caudas") do intervalo de valores observados para a variável.
De acordo com Marengo (2009), eventos extremos são referidos como grandes desvios
de um estado climático moderado, como chuvas intensas, vendavais e furacões. Tais
eventos caracterizam-se por sua intensidade, baixa frequência e dificuldade de
gerenciamento para a adaptação e a redução de seus efeitos, relacionada à
impossibilidade de prevê-los com exatidão.
VISÕES SOBRE O TEMA
Para o planejamento e gestão dos recursos hídricos, é necessário compreender a lógica
e os novos parâmetros para o regime de chuvas estabelecido pelas mudanças
climáticas.
Utilizando como referência três importantes estudos com diferentes visões sobre a
relação entre as últimas crises hídricas no sudeste do país, a questão foi abordada com
o intuito de ampliar e possibilitar o debate de vital relevância neste momento.
A primeira referência trata-se de um estudo multicêntrico conduzido por
pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), da Universidade de
Oxford do Reino Unido, da Universidade de Columbia e da NASA dos EUA, além de
outras instituições. A pesquisa utilizou três diferentes métodos. O primeiro analisou o
histórico de precipitações na região para identificar e avaliar eventos extremos desde
1941. Os resultados indicaram que o déficit de chuva de 2014 foi excepcional, mas que
102
condições similares foram registradas nas primaveras de 1953, 1962 e 1970 e nos
verões de 1954, 1963 e 1971 (Figura 28).
Figura 28 Estiagens excepcionais no Sudeste 1953/1954, 1962/1963 e 1970/1971 em 2014
Fonte: Factors other than climate change, main drivers of 2014/2015 water shortage in Southeast of
Brazil.
O segundo método utilizado pelo estudo foi a realização de duas simulações
produzidas por um modelo climático atmosférico com dois cenários: o primeiro deles
com dados do clima tal como ele se apresentou durante a estiagem de 2014 e um
outro com uma atmosfera livre da emissão de gases causadores do efeito estufa
gerados pela atividade humana. O terceiro método utilizou modelos climáticos globais
acoplados oceano-atmosfera.
O estudo sustenta que a mudança nos padrões de evaporação em função da
elevação das temperaturas médias não teria sido o fator determinante da seca de
2014 no Sudeste brasileiro. Ressalta que a população da região quadriplicou desde
1960 e que o grande aumento da demanda de água decorrente do crescimento
populacional talvez tenha sido o principal responsável pelo aumento do risco hídrico.
103
Portanto, esta pesquisa afirma não haver evidências de que a mudança climática seja a
causa da estiagem de 2014 no Sudeste (OTTO, 2014).
Um segundo trabalho visitado foi o estudo de Pereira Filho. O autor defende a tese de
que a crise hídrica de 2014 no Sudeste não foi uma consequência direta das
mudanças climáticas. Ele sustenta que em 2013 e 2014 houve uma movimentação de
massas de ar polar mais frio e seco da Antártica para a América do Sul, com recordes
de temperaturas mínimas. Estudos da NASA demostram que entre 2007 e 2015 a área
de cobertura de gelo da Antártica aumentou continuamente, sugerindo que esse
continente e a atmosfera a ele adjacente estejam mais frios. Dessa forma, as massas
polares que se deslocam para as regiões tropicais da América do Sul ficam mais frias e
mais intensas (PEREIRA FILHO, 2015).
Os três invernos que antecederam à seca no Sudeste teriam sido mais frios justamente
em razão das massas de ar frio e seco terem substituído o ar relativamente quente e
úmido de latitudes tropicais por um ar relativamente seco e frio de altas latitudes.
Logo, essa massa seca de alta pressão barrou a entrada de ar úmido e quente
proveniente, por exemplo, da região amazônica. Uma evidência seria a chuva
absolutamente excepcional que aconteceu no verão de 2014 em Rondônia, norte do
Brasil, porque essa umidade não conseguiu chegar ao sudeste como é usual, trazida
por linhas de instabilidade. Por outro lado, a conjugação dessa linha de instabilidade
com a chegada de uma frente fria do Sul é a causa mais provável da tragédia ocorrida
na serra fluminense.
Esse fenômeno de massa seca e fria estacionária estaria associado ao padrão de
aquecimento das águas do Pacífico equatorial que caracteriza o fenômeno do El Niño.
Os dois fenômenos se constituem em fatores de secagem da atmosfera e solos, por
meio da evaporação de água subsuperficial, de reservatórios de águas e rios e
evapotranspiração das áreas vegetadas.
Segundo o pesquisador, dados recentes sugerem que as causas fundamentais da
escassez de água que se abateu sobre o Sudeste desde o fim de 2013 foram
variabilidades climáticas, resultantes de interações e retroalimentações entre
104
atmosfera, oceanos, criosfera e biosfera. Ainda segundo ele, há uma correlação
negativa entre a precipitação total anual e a pressão atmosférica da superfície.
Quando a pressão atmosférica aumenta tende a chover menos e vice-versa. Essa
relação é devida à célula permanente de alta pressão do Atlântico Sul - APAS, que faz
parte de um cinturão de altas e baixas pressões ao redor do globo associado à
circulação solenoide denominada Célula de Hadley, que gera movimentos
descendentes (de alta pressão) e ascendentes (de baixa pressão), nos quais o ar
ascende próximo do Equador é descende sobre latitudes tropicais.
Em 2014, a precipitação intensa normalmente registrada na Amazônia foi reduzida por
causa da diminuição do transporte de vapor de água oceânico, num quadro de
intensificação e ampliação da abrangência da APAS. Em janeiro de 2014, a área de
menor precipitação abrangeu desde o leste da Amazônia até a Argentina. As chuvas se
concentraram no oeste da Bacia Amazônica, com enchentes recordes no Acre e
Rondônia, mas intensa seca no Sudeste. Em contrapartida, ocorreram intensas chuvas
no Sul do Brasil já no outono de 2014, com vazões recordes em Foz de Iguaçu por
causa do aumento do transporte do vapor de água evapotranspirada do oeste da
Amazônia. A linha de instabilidade se deslocou para o Sul, não provocando chuvas no
sudeste brasileiro, provocando uma seca de intensidade jamais registrada
anteriormente.
Por essas razões, teria havido a redução da precipitação, o aumento da evaporação e
evapotranspiração e remoção da umidade dos solos e da vegetação no Sudeste em
2014. Como os mananciais da Cantareira fornecem água para o abastecimento urbano,
a menor precipitação, somada à maior evaporação, além do aumento do consumo
derivado do aumento da temperatura do ar, teriam levado a um rápido crescimento
do déficit hídrico e à crise de abastecimento de toda Macrometrópole Paulista e da
Região Metropolitana de São Paulo em particular. Na RMSP o impacto teria sido
ainda mais intenso dado o aumento do consumo per capita registrado na última
década.
105
Embora a seca tenha sido atribuída por alguns ao aquecimento global, o aquecimento
da atmosfera teria induzido ao aumento de umidade e mais chuvas, o que não
ocorreu. As temperaturas bateram recordes em virtude do aumento da irradiância
solar na ausência de nuvens. Também se atribuiu a seca ao desmatamento da Floresta
Amazônica, mas em 2014 choveu muito menos em boa parte da Amazônia, mesmo nas
áreas onde a floresta está mais preservada. Segundo o pesquisador, não há dúvida de
que o desmatamento contribui para agravamento da seca, mas não teria sido a causa
fundamental da estiagem de 2014 no Sudeste.
A Floresta Amazônica recebe umidade do Oceano Atlântico e, quando há redução do
transporte de vapor d’água do Oceano para a Amazônia, esta mesma sofre seca
(como, por exemplo, ocorreu em 2005, em função da variação dos padrões da célula
de Hadley). Por todas essas razões, a crise hídrica no Sudeste teria sido causada por
variabilidade climática com tendência de resfriamento da Antártica e por fenômenos
de grande escala, como El Niño.
Uma terceira e importante corrente tem como um de seus expoentes o professor
Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que argumenta que
um dos fatores determinantes para a severa estiagem de 2014 no Sudeste teria sido
o aumento progressivo da temperatura em todas as regiões brasileiras.
Segundo Nobre (2015), à medida em que o ar está mais quente, há uma dissolução
mais rápida do vapor d’água capturado da superfície, o que gera nuvens maiores e
mais densas, causando chuvas mais intensas, porém localizadas. Para ele, essas chuvas
intensas afetam toda a circulação planetária pela circunstância de haver chuvas
intensas em um determinado local e seca em outros locais da mesma região. No
passado, as chuvas se distribuíam mais homogeneamente sobre o território de uma
determinada região.
Segundo o pesquisador do INPE, um estudo comparando os dados de registros de
chuva no país no período entre 1960 e 1990 e os de anos recentes, indica que a região
Norte possui um déficit hídrico da ordem de 6 m3 por metro quadrado (m2). Isso
significa que as vazões têm sido superiores à recarga das bacias pelas chuvas. A região
106
Nordeste tem um déficit hídrico em torno de 4 m3 por m2 e a região Sudeste um saldo
negativo de 3,5 m3 por m2. A Região Sul está em situação de equilíbrio. Isso significa
que nas regiões onde há déficit a quantidade de água que entra nas bacias através das
chuvas no ano é menor que as vazões totais nesse mesmo ano (Figura xxx).
Figura 29. Balanço entre vazões e recargas das bacias hidrográficas por região do país
Fonte: O Diagnóstico da Crise Hídrica no Brasil – Dimensão Climática.
Por outro lado, o aumento da temperatura média da atmosfera induziria a
ocorrência de eventos extremos no ciclo hidrológico: secas e inundações. Segundo
Nobre, as projeções apontam que o clima do Brasil no futuro terá mais enchentes nos
vales dos rios Itajaí e Tubarão, em Santa Catarina, e no rio Madeira, na Amazônia, e, ao
mesmo tempo, secas mais frequentes no Nordeste e Sudeste.
107
Pesquisadores do INPE realizaram uma simulação quadriplicando a quantidade atual
de CO2 encontrado na atmosfera no país – de 300 ppm para 1,2 mil ppm. Verificaram
que isso induziria a um aumento do número de dias consecutivamente secos no país.
Estiagens como a de 2014 no Sudeste, tornar-se-iam mais frequentes e também
haveria um aumento da ocorrência de períodos longos de estiagem no Nordeste e na
Amazônia (NOBRE, 2015).
Para Nobre, as florestas são essenciais para aumentar a resiliência do sistema hídrico
em face dos impactos do aquecimento global. As florestas contribuem não somente
para que haja chuva bem como para que as águas da chuva entrem no sistema de
recarga das bacias, pela razão de que o escoamento das águas da chuva sobre áreas
florestadas é mais lento e leve, fazendo com que haja tempo suficiente para a água
percolar e chegar às bacias.
Um estudo multicêntrico conduzido por pesquisadores do INPE e outras instituições
confirma a elevação das temperaturas médias no país, bem como o aumento da
ocorrência de chuvas intensas, mas localizadas (MARENGO et al, 2007). O estudo
revela que a temperatura média no Brasil aumentou aproximadamente 0,75° C até o
final do Século XX, considerando a média anual verificada entre 1961 e 1990 de 24,9°
C. O ano mais quente do Século XX foi 1998, quando a temperatura registrou um
aumento de até 0,95° C em relação à média de 24,9° C.
Os dados obtidos não apontam para uma tendência de redução de chuvas na
Amazônia decorrente do desmatamento, mas sim variações interdecadais de períodos
mais secos ou chuvosos. A pesquisa indica um aumento das chuvas no Sul. No Sudeste
o total anual de precipitação não teria sofrido modificação significativa nos últimos 50
anos. No Nordeste, as chuvas não apresentariam tendências significativas de aumento
ou redução. As quedas dos índices pluviométricos podem ser explicadas por variações
decadais no Oceano Pacífico e no Atlântico tropical. Entre 1961 e 2000, observou-se no
Sudeste da América do Sul, um aumento da frequência de dias com chuva intensa, ou
seja: apesar de o total anual precipitado não ter sofrido modificação perceptível, as
chuvas estão se tornando cada vez mais violentas, embora localizadas.
108
Segundo a pesquisa, com o aquecimento global, algumas regiões do Brasil e a América
do Sul terão:
(...) seus índices de temperatura e chuva aumentados, e outras, diminuídos. Junto com a mudança ou não dos padrões anuais de chuva, mesmo onde não houver aumento ou diminuição do total anual de chuvas, as chuvas isoladas serão mais violentas e os temporais mais frequentes. O consenso é maior em relação a extremos de temperatura, onde a tendência de aumento nas temperaturas diurnas e noturnas, mais intensamente no inverno (MARENGO et al, 2007)
Em outro estudo, pesquisadores analisaram a quantidade de chuvas durante os verões
na região Sudeste a partir da década de 1960 até os últimos anos. Constatou-se que
entre 1960 e 1980, chegaram a ocorrer durante um mês ao menos duas chuvas da
ordem de mil milímetros. Entre 1980 e 2000 essas chuvas se tornaram bem menos
frequentes e raramente ultrapassaram 900 milímetros. Já ao longo da década de 2000
bem como nos últimos anos, as chuvas de verão no Sudeste mal ultrapassaram a faixa
dos 100 milímetros.
Ambos os estudos revelariam uma tendência de diminuição do volume total de chuvas.
Na Região Norte os efeitos desse déficit não são sentidos em função da baixa
densidade demográfica e, portanto, da baixa demanda, mas na Região Nordeste assim
como na Região Sudeste essa diminuição do volume total de chuvas agravou a crise
hídrica.
Complementando as projeções sobre os cenários futuros decorrentes das mudanças
climáticas, cabe apresentar a posição do professor Tércio Ambrizzi, do Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Segundo
este pesquisador, as mudanças climáticas estão tendo impactos significativos no ciclo
hidrológico. As emissões de dióxido de carbono que eram da ordem de 330 ppm em
1975, elevaram-se para mais de 400 ppm em 2010. Em consequência a temperatura
média global do planeta se elevou. Ao longo do Século XX, a temperatura média subiu
0,6º C.
109
Uma das consequências da elevação da temperatura média é o aumento do volume e
intensidade das precipitações. Comparando-se o período compreendido entre 1961 a
1990, e de 1991 a 2004, constatou-se que houve um aumento de cerca de 50 mm nas
precipitações nas regiões Sudeste e Norte do Brasil, e de mais de 250 mm na região Sul
e de 150 mm na região Nordeste. O aquecimento global provoca aumento do volume
de chuvas, de um lado, mas também o aumento de períodos de estiagem, em outro.
O aumento da temperatura média leva a uma maior ocorrência de eventos extremos
de inundações. Em 2002 houve uma enchente generalizada na Europa, com o
transbordamento dos rios Mueglitz em Dresden (Alemanha), Danúbio em Budapeste
(Hungria), Havel em Praga (República Tcheca), Kamp em Viena (Áustria), entre outros.
Ao mesmo tempo, houve uma estiagem severa que secou o Lago Dillon, no Colorado.
Assim, em uma mesma região, inundações e secas se alternam. Em 2010 e 2011 houve
severas inundações na cidade de São Paulo, seguidas pela severa estiagem de 2014.
No mundo há um aumento da frequência de eventos extremos de inundações. Em
1990 houve cerca de 500 eventos, enquanto em 2010 houve mais de 800.
Os relatórios de 2013 e 2014 do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças
Climáticas (IPCC) estimam que no Sudeste brasileiro haverá um aumento da frequência
de dias consecutivos sem chuva alternados com precipitações mais intensas.
Segundo Ambrizzi, embora não seja possível afirmar que as secas de 2014 e 2015 no
Sudeste sejam uma consequência direta do aumento das emissões dos gases do efeito
estufa, pode-se afirmar que os dois fenômenos estão relacionados. A temperatura
média global bateu recordes nos últimos dois anos e o sistema climático como um
todo absorveu este aumento de energia, reagindo de forma a manter o equilíbrio
global. O pesquisador acredita que existe uma grande probabilidade da região Sudeste
e a Região Metropolitana de São Paulo registrarem nos próximos anos oscilações de
extremos climáticos que causarão tanto inundações quanto secas.
O professor ressalta, ainda, que eventos extremos têm um custo econômico e social
muito significativo o que impõe o seu estudo e a adoção de estratégias para mitigar
110
seus impactos. Dados do Centro Nacional de Dados Climáticos dos EUA mostram que
entre 1989 e 2011 houve 16 eventos extremos de seca e 14 de inundações naquele
país que custaram US$ 195 bilhões e US$ 74 bilhões, respectivamente.
No Brasil as secas e inundações recentes causaram, por exemplo, a quebra das safras
de diversas culturas, como café e laranja, a diminuição da produção de energia
elétrica, além da destruição da infraestrutura em eventos de cheias. Os problemas
sociais são igualmente relevantes. Eventos de cheia causam, entre outros danos, a
destruição de casas e a proliferação de doenças contagiosas enquanto em eventos de
seca, por exemplo, geram desemprego em decorrência do comprometimento da
atividade econômica.
Para aumentar o conhecimento sobre as mudanças climáticas e seus efeitos sobre a
sociedade, foi criada em 2007 a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças
Climáticas Globais – Rede CLIMA, envolvendo dezenas de universidades e institutos de
pesquisa em todo o país. O objetivo é gerar documentos que subsidiem a tomada de
decisões sobre os problemas trazidos pela mudança climática. Foi ainda criado em
2011 o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais - CEMADEN
com a missão de realizar o monitoramento de ameaças de desastres naturais para
obter um alerta antecipado desses eventos, com o objetivo de reduzir o número de
vítimas fatais bem como os prejuízos materiais decorrentes desses eventos.
Para o professor da USP, cabe aos tomadores de decisão observarem os sinais
climáticos recentemente documentados pela comunidade científica permitindo traçar
estratégias de prevenção visando diminuir vulnerabilidades sociais e econômicas pela
implementação de estratégias de adaptação às novas condições climáticas e a seus
impactos.
111
3.3. MUDANÇA CLIMÁTICA E A CRISE HÍDRICA: INCERTEZA SOBRE O REGIME DE
CHUVAS
Uma das regiões mais afetadas pela estiagem de 2014 foi a Macrometrópole Paulista.
Nesse território vivem cerca de 32 milhões dos 61,3 milhões de habitantes da Região
Hidrográfica do Paraná. A taxa de urbanização é de 95% e o território responde por
27,7% do PIB brasileiro, mais de um trilhão de reais, sediando grande parte da
indústria e dos serviços intensivos em conhecimento do país (EMPLASA, 2015). A
Região Hidrográfica do Paraná abrange uma área que se inicia de Brasília no extremo
norte, Campo Grande ao oeste, e Curitiba, ao sul, incluindo o sul de Goiás, sul de Minas
e Estado de São Paulo, inclusive a Região Metropolitana de São Paulo e toda
Macrometrópole Paulista.
Em 2014, muitos municípios que integram essa região hidrográfica tiveram que adotar
medidas de contenção de consumo de água. Isso ocorreu na Região Metropolitana de
São Paulo e em outras unidades regionais da Macrometrópole Paulista. Em algumas
cidades de médio porte, a situação foi mais grave, com o colapso do sistema de
abastecimento de água, tendo levado ao fechamento de estabelecimentos comerciais
e ao adiamento da implantação de projetos industriais.
O Sudeste já enfrentava problemas de déficit de oferta de água quando a estiagem de
2014 se abateu sobre a região. Vale ressaltar que os rios localizados em regiões
metropolitanas das Bacias PCJ, Paraíba do Sul e Alto Tietê, já apresentavam uma
situação crítica tanto em relação aos aspectos quantitativos, em razão da alta
demanda para abastecimento público em função da alta densidade demográfica
dessas regiões, quanto aos aspectos qualitativos, face à grande quantidade de carga
orgânica lançada nesses rios, entre outros poluentes.
Em 2014, os índices pluviométricos do Sudeste se reduziram drasticamente levando a
uma diminuição significativa da oferta de água para abastecimento das regiões
metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro e para a geração de
hidroeletricidade. Estudos considerando o ano hidrológico com início em outubro e
término em setembro do ano seguinte, evidenciaram índices pluviométricos de seca
112
severa no Sudeste, com tempo de retorno superior a cem anos (ANA, 2015). Essa
situação de seca extrema foi vivenciada por toda a Macrometrópole Paulista, como
pode ser observado na Figura 30.
Figura 30 Mapas de quantis e tempos de retorno da precipitação do ano hidrológico de
2014
Fonte: CONJUNTURA DOS RECURSOS HÍDRICOS – INFORME 2015 – ANA.
113
Até a crise hídrica de 2014, a opinião pública brasileira não considerava a questão
hídrica como um problema de abrangência nacional. A visão geral era a de que em
todas as regiões do país haveria grandes e caudalosos rios e que, à exceção do
semiárido nordestino, sempre haveria disponibilidade de água para o
abastecimento.
A severa estiagem de 2014 derrubou essa premissa, mostrando a vulnerabilidade do
sistema. A crise hídrica trouxe o tema da gestão das águas para as primeiras páginas
dos jornais. Em 2014, por exemplo, os níveis do Sistema Cantareira eram informados
diariamente nos principais meios da imprensa. Devido à sua importância para o
abastecimento de água em toda a Região, os impactos desses eventos extremos no
Sistema Cantareira serão detalhados a seguir.
O SISTEMA CANTAREIRA E A CRISE HÍDRICA
No Sudeste, as chuvas se concentram na primavera e verão. É quando os níveis do
Sistema Cantareira se elevam garantindo disponibilidade de água para as Bacias PCJ
e para grande parte da Região Metropolitana de São Paulo durante o outono e o
inverno. No entanto, em 2013 e 2014, os índices pluviométricos na região do Sistema
Cantareira caíram em relação às médias históricas e, consequentemente, as vazões
médias mensais afluentes ao Sistema Cantareira também.
As alterações nos regimes de chuva nos últimos anos e as consequências para o
Sistema foram evidentes:
Em janeiro de 2010, os níveis do Sistema Cantareira chegaram a 99,6% devido as
chuvas acumuladas no mês terem se aproximado de 500 mm, índice muito acima da
média histórica de 259,9 mm. Duas represas do complexo alcançaram níveis críticos
e a água foi lançada pelos vertedouros causando inundações em diversos
municípios da região. Neste período, o conjunto de represas que constitui o Sistema
114
Cantareira chegou a atender a cerca de 8,8 milhões de pessoas na Região
Metropolitana de São Paulo, além de cerca de 5,6 milhões de habitantes da região
das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, as Bacias PCJ.
Em janeiro de 2011, os níveis do Sistema Cantareira alcançavam 90,1% de sua
capacidade de reservação e a pluviometria acumulada no mês, próxima a 500 mm,
foi determinante para o lançamento das águas pelos vertedouros.
Contudo, apenas dois anos mais tarde, em janeiro de 2013, os níveis do Sistema
Cantareira tinham caído para 52,3% e as precipitações registradas no mês foram
menores que 146,7 mm, muito abaixo da média histórica (259,9 mm).
Em 2014, o Sistema Cantareira sofreu os efeitos de uma estiagem extrema, com
tempo de retorno de mais de cem anos. Em janeiro, os níveis do Sistema caíram
para 22,2% e a pluviometria acumulada foi de apenas 87,8 mm, representando 1/3
da média histórica do mês.
Em meados de 2014, os níveis caíram para índices abaixo do volume útil, aquele em
que as águas são lançadas por gravidade nas bacias à jusante dos reservatórios.
Dessa forma, passou a ser utilizado o chamado volume morto, aquele em que as
águas necessitam de bombeamento para serem lançadas nas bacias (ANA, 2014). A
síntese dos dados pluviométricos do ano de 2014 em relação à média histórica para
os mesmos meses é apresenta no Quadro 15:
115
Quadro 15. Sistema Cantareira - Pluviometria 2014
Mês Pluviometria
Acumulada (mm)
Pluviometria Acumulada média
histórica (mm)
Pluviometria do mês (% da média
histórica)
Volume Acumulado Total (hm³)
Janeiro 87,8 259,9 37,14 699,72
Fevereiro 73,0 202,6 31,59 641,26
Março 193,3 184,1 30,03 613,14
Abril 85,7 89,3 15,23 586,32
Maio 37,3 83,2 15,32 543,00
Junho 15,8 56,0 11,19 500,58
Julho 40,4 49,9 11,08 450,50
Agosto 22,6 36,9 9,06 407,14
Setembro 66,0 91,9 25,05 366,88
Outubro 42,5 130,8 41,31 316,64
Novembro 135,0 161,2 56,34 286,1
Dezembro 165,5 220,9 80,97 272,83
TOTAL 964,9 1.566,7
Fonte: Dados de pluviometria SABESP – SITUAÇÃO DOS MANANCIAIS. Disponível em http://www2.sabesp.com.br/mananciais/DivulgacaoSiteSabesp.aspx.
Entre 2011 e 2014 os níveis do Sistema Cantareira variaram de índices próximos a
100%, obrigando a abertura dos vertedouros, a índices negativos, que exigiram a
utilização dos chamados volumes mortos.
Em caso de eventos excepcionais de cheias, como os ocorridos no início de 2010 e
2011, combinam-se fatores como a contribuição da área remanescente e descargas do
Sistema Cantareira. Como qualquer barragem operada por critérios de engenharia, as
116
que compõem o sistema possuem um volume de amortecimento de cheias, porém é
limitado. Assim, atingida determinada cota, é necessária a abertura de comportas sob
o risco de danos estruturais permanentes na barragem, o que causaria uma tragédia
maior a jusante. Mesmo sendo inevitável, é papel da operadora e dos responsáveis
pela gestão dos recursos hídricos lançarem um alerta para os municípios
potencialmente inundáveis a jusante, o que possibilita uma atuação preventiva da
Defesa Civil nessas áreas
Nos períodos de estiagem, o Sistema Cantareira, por outro lado, mostra uma
capacidade de regularização para garantir vazões mínimas a jusante dos eixos das
barragens. Foi o que ocorreu no período entre 2013 e 2015. Mesmo que tenha sido
utilizado o volume morto, essa reserva acabou sendo estratégica tanto para
abastecer a RMSP, quanto para atender as demandas das Bacias PCJ.
3.4. A CRISE HÍDRICA E A GOVERNANÇA DOS RECURSOS HÍDRICOS NAS BACIAS PCJ
Desde o final de 2009 e o verão de 2010, as Bacias PCJ vem sofrendo os efeitos de eventos extremos com chuvas excepcionais pela duração e intensidade, causando
inundações em vastas áreas a jusante do Sistema Cantareira.
A crise hídrica, seja pelo excesso de chuvas como ocorrido em 2010 e 2011, bem como
pela escassez em 2014 e 2015, mostrou que a gestão nas bacias PCJ precisa avançar. O
Plano de Bacias existente pouco abordou a questão de eventos extremos, focando o
documento no planejamento em horizontes de 20 anos, considerando situações mais
usuais de disponibilidade hídrica.
Da mesma forma, não constam planos de emergência e contingência para a bacia
como um todo e para suas sub-bacias. Nesses planos caberiam abordagens tais como,
as ações a serem tomadas em situações excepcionais como as cheias e estiagem, além
de procedimentos para contingências como a troca de equipamentos em barragens ou
117
outros motivos que afetassem passageiramente a oferta hídrica. Efetivamente, esses
planos não constam para as Bacias PCJ e para a grande maioria de bacias brasileiras.
EVENTOS EXTREMOS NAS BACIAS PCJ
Nas Bacias PCJ como um todo a pluviometria acumulada em 2014 acompanhou o que
sucedeu no Sistema Cantareira. Numa amostra de vinte e dois municípios da região,
verifica-se que em vinte deles as precipitações acumuladas no ano foram menores do
que 1.000 mm, grande parte delas em torno de 900 mm, contra médias históricas
entre 1.200 e 1.400 mm na maioria dos casos (Figura 31).
O aumento da incerteza sobre o comportamento do clima leva a ocorrência de eventos
extremos com um intervalo temporal muito pequeno. Em um intervalo de apenas
cinco anos, precipitações acima das médias históricas se alternaram com a maior
estiagem em setenta anos.
Figura 31 Precipitações em alguns municípios das Bacias PCJ e médias históricas
Fonte: RELATÓRIO DE GESTÃO E SITUAÇÃO DAS BACIAS PCJ – 2014
118
Eventos de cheia
As causas mais prováveis das cheias foram:
1. Ocorrência de chuvas intensas sucessivas de longa duração em 2011 provocou uma
provável redução da capacidade de infiltração do solo na bacia do Rio Atibaia,
aumentando o volume do escoamento superficial direto, portanto mais água escoando
pelo leito do rio. A área remanescente entre as barragens do Sistema Cantareira e a
seção de interesse em Atibaia tem dimensões suficientes para sozinha provocar cheias
em condições específicas como as que ocorreram no início de 2011. Em 2010, houve a
soma das vazões da área remanescente das bacias dos contribuintes que formam o Rio
Atibaia, bem como a abertura das comportas das barragens Atibainha e Cachoeira.
2. O assoreamento na calha do Rio Atibaia provavelmente deve ter aumentado em
decorrência das chuvas e inundação de 2010. As cheias se caracterizam por maior
volume de água e maior velocidade de escoamento, transportando maior quantidade
de sólidos em suspensão como grãos de solo e outros materiais como pequenas
pedras e, até mesmo, lixo. Todos esses materiais tendem a sedimentar em áreas de
menor declividade, como no caso das várzeas do Rio Atibaia, junto à cidade de mesmo
nome.
O Sistema Cantareira teve em 2011 um papel positivo no amortecimento de cheia, pois
a inundação poderia ser maior caso não fossem retidos volumes significativos pelos
barramentos. Tendo em vista esses eventos de 2010 e 2011, a Agência Bacias PCJ,
chegou a estudar, em 2012, a possibilidade de redução do volume operacional (útil) do
Sistema Cantareira para aumentar o volume de amortecimento de cheias. Porém, a
partir de 2013, verificou-se uma sequência de anos com eventos extremos de seca,
fenômeno este jamais registrado anteriormente.
119
Eventos de estiagem e os impactos na qualidade da água
Eventos extremos de estiagem podem causar sérios problemas envolvendo a
qualidade das águas. Havendo menos água, há menor diluição de poluentes e mesmo
de outros componentes. Em Atibaia, por exemplo, isso ocorreu durante a seca de
2014. O boletim de águas brutas para o Rio Atibainha - Sistema Cantareira (CETESB,
2014) mostrou em novembro de 2014 uma concentração de manganês igual a 0,6
mg/L e em dezembro, seis vezes acima do estabelecido pela resolução CONAMA
357/05 que estabelece o limite máximo de 0,1 mg/L.
Outro importante problema de qualidade de água que surge na ocorrência de
estiagens severas é a eutrofização em barragens. Assim, quando há uma estiagem
severa, há menos água no leito do rio para depurar os esgotos lançados.
NOVOS RESERVATÓRIOS E O AUMENTO DA RESILIÊNCIA À MUDANÇA CLIMÁTICA
Uma das medidas estratégicas para aumentar a resiliência das Bacias PCJ aos impactos
da mudança climática é a possibilidade de construção de novos reservatórios que
representariam maior segurança hídrica, contrapondo-se ao aumento da incerteza
sobre o regime de chuvas trazido pela mudança climática. Estudos apresentados em
2010 aos Comitês PCJ indicavam a construção das barragens de Pedreira e Duas Pontes
como sendo as melhores alternativas para aumento de reservação na região.
Aprovada a proposta pelos Comitês das Bacias PCJ, os projetos básicos e estudo de
viabilidade ambiental foram contratados pela Petrobras e entregues aos Comitês em
2013. A barragem de Pedreira, no Rio Jaguari, envolverá áreas dos municípios de
Pedreira e de Campinas. A barragem de Duas Pontes, no Rio Camanducaia, será
construída no município de Amparo.
Por outro lado, o Plano Diretor de Aproveitamento de Recursos Hídricos para a
Macrometrópole Paulista do DAEE, avaliará as demandas e disponibilidades hídricas
120
até 2035, recomendando um conjunto de medidas para aumentar a segurança hídrica
da região. O Plano contempla ações a serem implementadas até 2018, 2025 e 2030.
3.5. IMPACTOS DA CRISE HÍDRICA NO SETOR DE SANEAMENTO
A crise hídrica afetou intensamente o setor de saneamento nas Bacias PCJ e conforme
a ARES, houve um aumento entre 50 e 60% nos gastos com energia elétrica no período
2014 e 2015, tendo em vista a política de “bandeiras” praticada pelo setor elétrico no
país. Além do mais, com a crise hídrica, ocorreram campanhas para redução de
consumo de água potável com impactos significativos no faturamento.
A cobrança pelos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário é feita
por faixa de consumo, sendo a primeira, até 10 m3/mês, a de menor valor, em torno
de R$ 2,00/m3. Com a crise hídrica e redução de consumo de água pela população,
vários usuários migraram da segunda faixa, para a primeira, reduzindo a receita dos
serviços de água e esgotos. Nos municípios regulados pela ARES-PCJ, observou-se uma
queda no faturamento de 25%, provocando a necessidade de reajuste tarifário
emergencial para cobrir o aumento de custos. Em alguns municípios também houve o
aumento de consumo de produtos químicos, também impactando os custos, mesmo
que num grau bem inferior aos de energia elétrica.
Em suma, ao mesmo tempo em que houve aumentos de gastos para manter os
serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, também ocorreu a
redução de receita, durante o período mais intenso de crise hídrica, entre janeiro de
2014 a setembro de 2015.
121
Parte 4 Mecanismos Financeiros
122
4. MECANISMOS FINANCEIROS
4.1. O ESTABELECIMENTO DOS MECANISMOS DE COBRANÇA
Conforme comentado anteriormente, a implantação da cobrança pelo uso de recursos
hídricos foi a grande modificação introduzida no país a partir dos adventos da
legislação paulista, mineira e, posteriormente, da legislação federal. Por meio da
cobrança, e do consequente repasse para as Bacias, foi possível realizar obras e
intervenções em diversas regiões do país no intuito de preservar os mananciais e
aumentar a disponibilidade hídrica.
Em rios de domínio da União, a cobrança está implantada em 4 Bacias, sendo elas, as
Bacias PCJ, a Bacia do Rio Paraíba do Sul, a Bacia do Rio São Francisco e a Bacia do
Rio Doce.
Em rios de domínio estadual do Rio de Janeiro, a cobrança foi implantada nas bacias
dos Rios Guandu, Macaé, Itabapoana e das Ostras, além das baías da Ilha Grande,
Guanabara e do Lago São João, abrangendo todo o Estado.
No Estado de São Paulo, em rios de domínio estadual, além das Bacias PCJ, a cobrança
foi implantada nas Bacias do Alto, Médio e Baixo Tietê e na Baixada Santista. No
Estado de Minas, além da porção mineira das Bacias PCJ, a cobrança foi implantada
nas Bacias dos Rios Araguari e Velhas, bem como nos afluentes do Rio Doce e Paraíba
do Sul.
Em rios de domínio do Estado do Paraná, a cobrança já foi iniciada nas bacias do Alto
Iguaçu e em afluentes do Alto Ribeira. No Estado da Paraíba, a cobrança foi iniciada em
todas as bacias.
No Estado do Ceará, está instituída desde 1996 uma tarifa de cobrança pelo uso de
recursos hídricos superficiais e subterrâneos cuja arrecadação é parcialmente
destinada ao custeio das atividades de gestão dos recursos hídricos. Na Bahia, há uma
tarifa pelo fornecimento de água bruta dos reservatórios. Há ainda uma taxa de
123
fiscalização dos usos de recursos hídricos no Distrito Federal e uma taxa de fiscalização
das atividades de exploração e aproveitamento dos recursos hídricos no Pará.
Assim sendo, dos vinte e sete estados da Federação, a cobrança está plenamente
instituída em apenas dois deles: Rio de Janeiro e Paraíba. Em São Paulo e Minas
Gerais a cobrança está implantada nas principais bacias hidrográficas e, no Paraná,
de forma ainda muito limitada. No Ceará e na Bahia há uma tarifa pelo uso de água
bruta. No Pará e no Distrito Federal há apenas mecanismos financeiros para cobrir
algumas poucas atividades do sistema hídrico. Na Figura 32 é apresentada a
cronologia da implementação das cobranças pelo uso da água no Brasil.
Figura 32 Início da cobrança pelo uso da água
Esse resultado mostra-se modesto para a institucionalização do sistema hídrico tal
como foi concebido pela Politica Nacional de Recursos Hídricos, especialmente quando
se constata que o poder indutor da legislação e do sistema de gestão federal,
especialmente no que diz respeito ao mecanismo da cobrança, desenvolve-se de
forma relativamente lenta. O limitado alcance dos recursos arrecadados com a
cobrança pode ser verificado no Quadro a seguir, que apresenta os valores
arrecadados através das cobranças estadual e federal no ano de 2015.
124
Quadro 16. Valores arrecadados em R$ da cobrança estadual e federal em 2015
BACIA HIDROGRÁFICA INÍCIO COBRADO ARRECADADO
INTERESTADUAL
Paraíba do Sul (CEIVAP) mar/03 10.748.778 10.665.785
Paraíba do Sul (TRANSPOSIÇÃO PBS/GUANDU)¹ jan/07 - 5.631.802
Piracicaba, Capivari, Jundiaí (COMITÊS PCJ) jan/06 18.412.699 17.085.087
São Francisco (CBHSF) jul/10 23.068.966 22.490.083
Doce (CBH-DOCE) nov/11 12.577.512 10.702.030
TOTAL INTERESTADUAL 64.807.955 66.574.786
CEARÁ
Em todas as Bacias Hidrográficas do Estado nov/96
Coreaú nov/96 164.990 163.976
Acaraú nov/96 2.007.861 1.897.371
Litoral nov/96 597.768 596.679
Curu nov/96 857.243 641.109
Metropolitana nov/96 76.425.924 76.117.345
Baixo Jaguaribe nov/96 430.440 347.682
Parnaíba (Sertão Crateus e Serra Ibiapaba) nov/96 702.430 687.352
Banabuiú nov/96 685.694 606.929
Médio Jaguaribe nov/96 2.413.021 2.295.548
Alto Jaguaribe nov/96 1.067.618 1.001.759
Salgado nov/96 2.503.177 2.031.915
TOTAL CE 87.856.165 86.387.665
RIO DE JANEIRO
Médio Paraíba do Sul jan/04 834.568 1.063.970
Piabanha jan/04 577.030 951.521
Dois Rios jan/04 396.748 547.777
Baixo Paraíba do Sul jan/04 334.622 423.301
Baia de Guanabara mar/04 3.572.116 6.270.545
Baía de Ilha Grande mar/04 286.187 440.519
Guandu mar/04 15.510.647 36.540.949
Itabapoana mar/04 52.912 139.473
Lagos São João mar/04 1.270.218 1.651.418
125
BACIA HIDROGRÁFICA INÍCIO COBRADO ARRECADADO
Macaé e Rio das Ostras mar/04 1.187.446 1.832.788
TOTAL RJ 24.022.494 49.862.260
SÃO PAULO
Paraíba do Sul jan/07 3.009.235 2.737.085
PCJ (Paulista) jan/07 14.368.460 14.392.774
Sorocaba e Médio Tietê ago/10 7.656.889 7.706.675
Baixada Santista jan/12 11.154.009 11.118.176
Baixo Tietê jun/13 6.167.821 3.702.745
Alto Tietê jan/14 21.952.100 21.714.795
TOTAL SP 64.308.513 61.372.250
MINAS GERAIS
PJ mar/10 116.072 115.454
Das Avelhas mar/10 11.677.470 10.047.348
Araguari mar/10 4.971.176 4.805.346
Piranga jan/12 2.983.201 2.906.380
Piracicaba jan/12 7.707.608 7.781.221
Santo Antônio jan/12 2.671.844 2.642.314
Suaçuí jan/12 639.283 594.209
Caratinga jan/12 986.597 703.729
Manhuaçu jan/12 874.078 631.095
Preto/Paraibuna nov/14 1.388.520 1.074.854
Pomba/Muriaé nov/14 1.344.162 933.342
TOTAL MG 35.360.009 32.235.291
PARANÁ Alto Iguaçu e Afluentes do Alto Ribeira set/13 3.364.596 2.840.004
TOTAL PR 3.364.596 2.840.004
PARAÍBA Todas as Bacias jan/15 4.124.056 408.644
TOTAL PB 4.124.056 408.644
TOTAL NO PAÍS (COBRANÇA EM BACIAS HIDROGRÁFICAS) 283.843.789 294.049.099
Fonte: ANA (2015).
126
4.2. COBRANÇA ESTADUAL PELO USO DA ÁGUA (NO ESTADO DE SÃO PAULO)
Embora os comitês estaduais tenham sido implantados no decorrer da década de 90, a
cobrança pelo uso da água só ocorreu uma década mais tarde.
No caso do Comitê PCJ, a cobrança estadual teve inicio apenas quatorze anos depois
de sua criação, em 2007, assim como no Comitê da Bacia do Paraíba do Sul, que
embora implantado em 1994, iniciou a cobrança estadual na bacia somente treze anos
depois.
Podem ser citados exemplos de outros comitês que iniciaram a cobrança Estadual com
mais de uma década de defasagem em relação a sua implantação, são eles: Comitê de
Bacia Hidrográfica Sorocaba e Médio Tietê implantado em 1995 e iniciou a cobrança
estadual quinze anos mais tarde, em 2010; na Baixada Santista somente após
dezessete anos da implantação do comitê, a cobrança estadual teve início. No Baixo
Tietê dezenove anos se passaram entre a implantação do comitê de bacia e o início da
cobrança estadual. E no Alto Tietê, cujo comitê de bacia foi criado em 1994, apenas em
2014 teve início a cobrança estadual com um intervalo de vinte anos.
Isso evidencia que a institucionalização do SGIRH do Estado de São Paulo, no que diz
respeito a cobrança pelo uso da água, embora lenta, avança em diversas bacias. Em
2016, está previsto o inicio da cobrança estadual nas UGRHI do Tietê Batalha, Tietê
Jacaré, Ribeira de Iguape e Litoral Sul, Sapucaí/Grande, Baixo Pardo, Pardo e Mogi
Guaçu, o que fará com que a cobrança alcance 14 das 22 UGRHI do Estado de São
Paulo.
4.3. A COBRANÇA NAS BACIAS PCJ
Especificamente nas Bacias do PCJ, a cobrança foi iniciada no ano de 2006. Em 2008 foi
implantado o Comitê de Bacia da porção mineira das Bacias PCJ, denominado Comitê
PJ, de acordo com a Lei Estadual de MG nº 13.199/99. O Comitê do Estado de Minas
indicou, então, o Consórcio PCJ para exercer as funções de agência de bacias e
127
gerenciar os recursos de cobrança pelo uso da água de rios de domínio estadual da
porção mineira das Bacias PCJ.
Os recursos destinados à Bacia PCJ são oriundos de três fontes: uma Federal e duas
Estaduais.
Os recursos federais são originários da arrecadação com a cobrança pelo uso dos
recursos hídricos em rios de domínio da União e repassados integralmente para a
Fundação Agência das Bacias PCJ, de acordo com o Contrato de Gestão firmado entre
esta e a Agência Nacional das Águas – ANA, na proporção de 7,5% para custeio e 92,5%
para investimentos.
Por sua vez, os Recursos Estaduais são correspondentes à cobrança pelo uso de
recursos hídricos em rios de domínio estadual e transferidos, de acordo com a Lei
Estadual nº 10.020/1998, para a Fundação Agência das Bacias PCJ e para a Secretaria
Executiva dos Comitês PCJ, pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FEHIDRO. Uma
outra fonte de recurso estadual é a compensação financeira pelo uso da água para
geração de hidroeletricidade no Estado e uma parcela oriunda da geração de energia
em Itaipu, que é repassada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) ao Fundo
Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO) e destinada ao custeio da Secretaria
Executiva dos Comitês PCJ.
4.3.1. Valores arrecadados das cobranças federal e estadual nas Bacias PCJ – 2006 a
2015
Entre 2006 e 2015 a cobrança federal arrecadou R$ 220.125.459,16 em valores
corrigidos de Fevereiro de 2016. Entre 2007 e 2015 a cobrança estadual arrecadou R$
177.176.784,29 em valores presentes. As duas cobranças arrecadaram R$
294.632.270,83 em valores históricos e R$ 397.302.243,45 em valores corrigidos,
conforme apresentado Quadro 17. Desse total, a cobrança federal respondeu por
55,41% do total arrecadado e a cobrança estadual a 44,59% total.
128
Quadro 17. Valores totais arrecadados de cobrança federal e estadual nas Bacias PCJ de 2006 a 2015
Cobrança Valor corrigido
(em R$)
Valor histórico
(em R$) Percentual
Estadual 177.176.784,29 133.540.141,04 44,59%
Federal 220.125.459,16 161.387.484,94 54,78%
Total 397.302.243,45 294.927.625,98
Dados: Agência Nacional e Águas - ANA e Agência das Bacias PCJ. Planilha elaborada pela FESPSP
No Quadro 18 é possível visualizar esses valores arrecadados ano a ano considerando
os dois tipos de cobrança. Ressalta-se que a cobrança estadual só teve em inicio em
2007.
Quadro 18. Valores arrecadados das cobranças Federal e Estadual por ano e origem
ANO R$ Corrigidos R$ Históricos
Federal Estadual Federal Estadual
2006 18.197.223 - 10.016.779 -
2007 22.770.786 16.498.291 13.499.063 9.780.579
2008 26.089.113 18.501.117 16.993.054 12.050.639
2009 26.469.838 22.775.799 16.946.532 14.581.532
2010 24.641.490 24.605.971 17.556.783 17.531.476
2011 22.048.301 23.991.226 16.514.282 17.969.543
2012 22.440.093 21.092.766 18.116.075 17.028.367
2013 20.575.870 19.225.750 17.529.400 16.379.180
2014 19.394.952 16.614.322 17.130.429 14.674.461
2015 17.497.794 13.871.542 17.085.087 13.544.364
TOTAL 220.125.459 177.176.784 161.387.485 133.540.141
397.302.243 294.927.626
Dados: ANA e Agência PCJ – Planilha elaborada pela FESPSP
129
Cabe destacar a redução dos valores da arrecadação das cobranças estadual e federal.
Em valores corrigidos, a cobrança federal atinge o valor máximo arrecadado em 2009,
correspondendo a R$ 26.469.838,36. Nos anos seguintes, há uma redução nesses
valores até atingir em 2015, a menor arrecadação, correspondendo a R$
17.497.794,13. Com a cobrança estadual ocorre a mesma situação, com o maior valor
de arrecadação em 2010, R$ 24.605.970,70, atingindo, em 2015, R$ 13.871.541,64.
Isso significa em termos percentuais, uma queda de 34% nos recursos federais e 44%
nos recursos estaduais.
O histórico de valores arrecadados por meio das cobranças estadual e federal também
pode ser visualizado na Figura 33.
Figura 33 Histórico dos valores das cobranças Estadual e Federal em valores corrigidos
130
4.3.2. Valores arrecadados pela cobrança pelo uso da água nas Bacias PCJ:
participação por setores de atividades
Este item apresenta os valores arrecadados pela cobrança pelo uso da água nas Bacias
PCJ por setores de atividades.
A avaliação dos dados da cobrança no âmbito estadual considerou o período entre
2007 e 2015, enquanto no âmbito federal o período analisado foi entre 2008 a 2015.
Dentre os setores de atividades contribuintes do sistema de cobrança pelo uso da água
nas Bacias PCJ, o setor com maior contribuição é o de saneamento. De um total de R$
356.334.234,74 em valores corrigidos arrecadados pelas cobranças estadual e federal
nesse período, R$ 289.318.022,56 são provenientes do setor de saneamento e que
correspondem a 81,19% do total.
Os dados da cobrança das Bacias PCJ do período da cobrança estadual, apresenta a
indústria em segundo lugar, embora com valores bem inferiores comparados ao de
saneamento, tendo contribuído com R$ 54.207.065,65 em valores corrigidos no
período considerado, correspondentes a 15,21% do total dos valores arrecadados.
Comércio, serviços e usos residenciais como condomínios, estão em terceiro lugar com
R$ 7.374.445,54 em valores presentes arrecadados, correspondentes a apenas 2,07%
do total. Em seguida, está o setor de energia que contribuiu com R$ 4.540.950,06
milhões de reais em valores presentes, correspondentes a 1,27% do total. Nesse caso,
trata-se do consumo de água por plantas termelétricas da Companhia Paulista de
Força e Luz – CPFL.
A agropecuária contribuiu com R$ 153.858,98, em valores presentes, correspondentes
a 0,04% do total arrecadado em todo período considerado. Por fim, o setor de
mineração contribuiu com R$ 55.620,97 em valores presentes, correspondentes a
0,02% do total arrecadado.
Os usuários de recursos hídricos para fins de irrigação eram isentos de cobrança no
Estado de São Paulo até 2010. A partir de então deveriam ter sido cobrados pela
131
captação e consumo de água para fins de irrigação, mas essa cobrança ainda não foi
instituída e essa classe de usuários continua isenta.
Os usuários de rios de domínio federal pagam um valor simbólico pelo uso de água
para irrigação e, além disso, são apenas 12 usuários nas Bacias PCJ. Em 2015, eles
captaram 1,9 milhão de metros cúbicos de água. No setor agropecuário há ainda um
único usuário de aquicultura que captou 4 mil metros cúbicos em 2015.
A contribuição da participação por atividades nas Bacias PCJ é demonstrada no Quadro
19 e Figura 34:
Quadro 19. Valores arrecadados pela cobrança nas Bacias PCJ: participação por setores de atividades
Setores contribuintes
Federal (Em R$)
Estadual (Em R$)
Total (Em R$)
Participação (%)
Saneamento 149.040.638,29 126.661.704,46 275.702.342,75 80,45%
Indústria 24.417.225,36 29.789.840,30 54.207.065,65 15,82%
Serviços 335.355,71 7.039.089,83 7.374.445,54 2,15%
Agropecuária 83.389,08 70.469,90 153.858,98 0,04%
Energia 4.540.950,06 - 4.540.950,06 1,32%
Mineração 55.620,97 - 55.620,97 0,02%
Outros 684.270,99 - 684.270,99 0,20%
Total 179.157.450,46 163.561.104,48 342.718.554,94 100,00%
132
Figura 34 Valores arrecadados pela cobrança nas Bacias PCJ: participação por setores de
atividades
SETOR DE SANEAMENTO
Considerando a significante contribuição na captação e respetiva cobrança pelo uso da
água pelo setor de saneamento, é apresentado a seguir o detalhamento desses dados,
com destaque para os seguintes aspectos:
Em 2015, as empresas e órgãos públicos de saneamento - usuários de rios de
domínio federal das Bacias PCJ - captaram cerca de 1,5 bilhões de metros
cúbicos, enquanto os usuários industriais de rios de domínio federal captaram
cerca de 194 milhões de metros cúbicos, representando 7,7 vezes menos.
No mesmo ano, as empresas e órgãos públicos de saneamento captaram cerca
de 506 milhões de metros cúbicos nos rios de domínio estadual, enquanto os
usuários industriais captaram 119 milhões de metros cúbicos, 4,25 vezes
menos.
Em grandes números, somando captações de rios estaduais e federais, o
saneamento captou em 2015, 2,014 bilhões de metros cúbicos enquanto a
indústria captou 313 milhões de metros cúbicos, 6,43 vezes menos.
133
A SABESP é a maior contribuinte das cobranças federal e estadual. A empresa pagou
R$ 124.876.659,18 em valores históricos, correspondentes a R$ 163.761.499,66 em
valores corrigidos, a título de cobrança estadual e federal no período compreendido
entre 2008 e 2015 da cobrança federal, e entre 2007 e 2015 da cobrança estadual.
Esse valor corresponde a 45,96% do total arrecado a título de cobrança no período
acima indicado.
Quanto à cobrança federal, a empresa pagou R$ 85.581.320,69 em valores históricos e
R$ 111.118.657,92 em valores corrigidos, correspondentes a 31,18% do total
arrecadado no período acima indicado. Por outro lado, pagou R$ 39.295.338,49 em
valores históricos e R$ 52.642.841,73 em valores corrigidos relativos à cobrança
estadual, correspondentes a 14,77% do total arrecadado no período acima indicado.4
A SANASA foi a segunda maior contribuinte das cobranças estadual e federal. Essa
empresa pagou R$ 24.037.613,19 em valores presentes a título de cobrança federal
entre 2008 e 2015 e de cobrança estadual entre 2007 e 2015, correspondentes a
6,75% do total arrecadado nesse período. Desse total, R$ 12.546.077,23 em valores
presentes foram relativos à cobrança federal e R$ 11.491.535,97 em valores presentes
à cobrança estadual.
O Serviço Municipal de Água e Esgoto de Piracicaba foi outro grande contribuinte,
tendo pago R$ 14.359.373,56 em valores presentes, correspondentes a 4,03% do total
arrecadado nesse período, sendo R$ 4.146.016,10a título de cobrança federal entre
2008 e 2015, e R$ 10.213.357,46 de cobrança estadual entre 2007 e 2015.
Esses dados estão apresentados no Quadro 20 e Figura 35 a seguir:
4 Os dados estão na planilha Cobrança federal e estadual 2006 a 2015 elaborada pela FESPSP a partir
de dados da Agência Nacional de Águas - ANA e da Agência das Bacias PCJ.
134
Quadro 20. Valores arrecadados por 10 contribuintes do setor de saneamento
Contribuinte Valor Corrigido (R$) Valor Histórico (R$) Participação
(%)
SABESP 163.761.499,66 124.876.659,18 46,01
SANASA 24.037.613,19 17.774.513,56 6,75
SEMAE PIRACICABA 14.359.373,56 10.965.219,72 4,04
DAE JUNDIAÍ 12.876.292,81 10.108.783,28 2,72
ODEBRECHT LIMEIRA 9.130.414,80 7.119.650,52 2,62
RIO CLARO (DAE E ODEB.) 8.024.564,81 5.880.013,44 2,17
DAE - SANTA BÁRBARA 7.449.996,68 5.787.906,75 2.13
DAE AMERICANA 7.367.140,81 5.467.446,89 2.01
SAAE INDAIATUBA 5.281.525,40 3.917.853,06 1.44
CODEN NOVA ODESSA 1.681.326,78 1.282.153,37 0.47
TOTAL 253.091.464,96 179.479.908,44 78.19
Dados: ANA e Agência PCJ – Planilha elaborada pela FESPSP
Figura 35 Valor histórico arrecadado por 10 contribuintes do setor de saneamento de acordo com sua participação
135
4.4. ABORDAGEM SOBRE A APLICAÇÃO DOS RECURSOS
O destino do total obtido com a cobrança pelo uso de recursos hídricos é apresentado
nos itens a seguir.
4.4.1. Valores totais aplicados por setor (1995 – 2015)
A análise dos valores totais aplicados por setor confirma a grande concentração dos
recursos em saneamento, inclusive projetos de redução de perdas, que foi
contemplado com 85,36% dos recursos aplicados de 1995 a 2015 de todas as três
fontes: cobrança federal, cobrança paulista e compensação pelo uso de água para
geração de eletricidade. Esse índice corresponde a R$ 455.377.411,11 em valores
presentes (Quadro 21).
Quadro 21. Recursos aplicados oriundos da cobrança Federal, Estadual e compensação nas
Bacias PCJ (1995 – 2015), trazidos a valores presentes em Fevereiro/2016
Setor Valor (Em R$) Participação (%)
Saneamento 303.107.078,29 56,83%
Perdas 152.270.332,81 28,55%
Governança 64.386.377,94 12,07%
Preservação 6.772.952,80 1,27%
Educação ambiental 3.724.806,02 0,70%
Serviços ambientais 2.859.386,38 0,54%
Subtotal: Saneamento e perdas 455.377.411,11 85,36%
Total 533.327.323,97
Contrapartidas 318.802.461,96
Valor total com contrapartidas 852.129.785,94
Fonte: Agência Nacional de Águas e Fundação Agência das Bacias PCJ
136
Os investimentos em governança receberam 12,07% do total, recursos estes que
financiaram, de um lado, estudos, projetos, planos e, de outro, a implantação de
monitoramento hidrológico e sistemas de informação abrangendo qualidade e
quantidade das águas nas Bacias PCJ, inclusive com aquisição de equipamentos e
softwares. A rubrica referente à “Preservação Ambiental” foi contemplada com apenas
1,27% do total. Serviços ambientais e educação ambiental tiveram participações
simbólicas, ambas menores do que um por cento do total.
A destinação de mais da metade dos recursos para tratamento de esgotos espelha a
motivação central dos movimentos sociais e ecológicos que deram origem ao
Consórcio Intermunicipal das Bacias PCJ, aos Comitês das Bacias PCJ e por último da
Agência das Bacias PCJ. Historicamente, esses movimentos tinham como objetivo
central a despoluição dos rios da região. Essa movimentação foi particularmente
intensa em Piracicaba. Na região das Bacias PCJ a estrutura participativa de gestão dos
recursos hídricos por bacia, nasceu da mobilização e participação de setores da
sociedade, sendo que esses movimentos sociais antecedem a criação do sistema
paulista de gestão dos recursos hídricos, bem como antecedem a criação da ANA e,
portanto, são anteriores ao advento da moderna legislação federal sobre os recursos
hídricos.
A agenda derivada da crise hídrica que pretende aumentar a resiliência das Bacias PCJ
aos efeitos da mudança climática é recente e não está espelhada no perfil dos
investimentos que foram realizados ao longo dos últimos vinte anos e que tinham
como meta central a recuperação dos mananciais. A distribuição anual da aplicação
dos recursos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, entre os anos de 1995 a
2015, por setor, conforme a figura a seguir.
137
Figura 36 Distribuição dos recursos da cobrança Federal, Estadual e compensação nas Bacias PCJ (1995 a 2015)
A distribuição anual da aplicação dos recursos da cobrança pelo uso dos recursos
hídricos, entre os anos de 1995 a 2015, por setor, conforma a figura a seguir. O Anexo
IV do presente documento discorre sobre o detalhamento de tais alocações, tratando
pormenorizadamente o assunto, através de análise anualizada das aplicações.
138
Figura 37 Distribuição anual da aplicação dos recursos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos por setor (1995 a 2015)
139
4.4.2. Aplicação dos recursos por setor, de acordo com sua origem
Além da análise ponderada em função das estratégias de aplicação do total de
recursos arrecadados, em cada uma das áreas consideradas prioritárias pelo Plano de
Bacias PCJ 2010- 2020, para o atendimento de seus objetivos e metas, mostra-se
importante a compreensão em torno da origem e composição dos recursos aplicados
nestas áreas.
O Quadro 22 e a Figura 38 apresentam a participação de cada área no total aplicado,
bem como a composição do valor total aplicado, de acordo com a origem dos recursos,
se Compensação pelo uso para a geração de energia elétrica, Cobrança Federal ou
Estadual pelo uso de recursos hídricos.
Quadro 22. Valor total aplicado de acordo com a origem dos recursos (R$)
Setores Valor total
aplicado (R$)
Composição por setor
Compensação – Energia elétrica
Cobrança Federal
Cobrança Estadual
Educação ambiental 3.724.806,02 3.231.264,76 0,00 493.541,26
Governança 64.386.377,94 12.152.377,66 35.702.163,01 16.531.837,27
Perdas 152.270.332,81 36.085.106,19 83.134.040,19 33.051.186,44
Preservação 6.772.952,80 4.840.566,26 734.835,96 1.197.550,58
Saneamento 303.107.078,29 100.817.679,24 80.793.790,90 121.495.608,15
Serviços ambientais 2.859.386,38 - 2.859.386,38 -
Outros 206.389,73 206.389,73 0,00 0,00
Total 533.327.323,97 157.333.383,84 203.224.216,43 172.769.723,70
140
Conforme apresentado, as áreas de Saneamento e Perdas concentram a aplicação de
recursos, respondendo por aproximadamente 85% do total arrecadado.
Figura 38 Valor total aplicado de acordo com a origem do recurso (R$)
Considerando a composição dos recursos investidos, o setor de saneamento
representa a área com maior parcela de recursos da cobrança estadual,
aproximadamente 40% dos recursos recebidos, somados a 33% da Compensação por
uso para a geração de energia elétrica e 27% oriundos da Cobrança federal (Quadro 23
e Figura 39).
141
Quadro 23. Composição por área de investimento, de acordo com a origem dos recursos
Setores Participação
no Valor total aplicado (%)
Composição por setor
Compensação Energia Elétrica
Cobrança Federal
Cobrança Estadual
Total
Educação ambiental 0,70% 86,75% 0,00% 13,25% 100%
Governança 12,07% 18,87% 55,45% 25,68% 100%
Perdas 28,55% 23,70% 54,60% 21,71% 100%
Preservação 1,27% 71,47% 10,85% 17,68% 100%
Saneamento 56,83% 33,26% 26,66% 40,08% 100%
Serviços ambientais 0,54% 0,00% 100,00% 0,00% 100%
Outros 0,04% 100,00% 0,00% 0,00% 100%
Figura 39 Composição por área de aplicação, de acordo com a origem dos recursos
A análise dos dados permite observar também que as áreas de “Governança”,
“Perdas”, “Preservação” e “Saneamento” foram contempladas com investimentos de
recursos oriundos das três fontes apresentadas, enquanto que “Educação Ambiental”
142
somente recebeu recursos da Compensação por uso para a geração de energia e da
Cobrança Estadual e a área de “Serviços Ambientais” recebeu apenas recursos
oriundos da Cobrança Federal. Por fim, a área “Outros” recebeu apenas recursos de
compensação pela geração de energia elétrica (Figura 40):
Figura 40 Composição por área de aplicação, de acordo com a origem dos recursos
4.5. APLICAÇÃO DOS RECURSOS FRENTE AOS DESAFIOS COLOCADOS PELO PLANO DE BACIA
O Plano de Bacia trabalhou com um cenário mais favorável que foi designado como
“desejável”, no qual a grande maioria dos municípios integrantes das Bacias PCJ
deveria atingir índices da ordem de 95% de tratamento de esgoto, patamar aceito
como indicador da universalização dos serviços.
Os recursos estimados pelo Plano de Bacias para que esse cenário se concretizasse
foram de R$ 2.013.339.303,88 (COBRAPE, 2010). Desse total, o Plano identificou a
necessidade de se buscar recursos da ordem de R$ 1.380.005.860,82, não assegurados
por fontes já existentes. No Quadro 24 e gráfico correspondente são apresentados os
Preservação 1,27%
Educação ambiental 0,70%
Serviços ambientais 0,54%
Outros 0,04%
143
recursos estimados pelo Plano de Bacias PCJ para cenário desejável de coleta e
tratamento de esgotos entre o período de 2014 e 2020.
Quadro 24. Recursos estimados pelo Plano de Bacias PCJ para cenário desejável de coleta e
tratamento de esgotos em 2014 e 2020
SISTEMA RECURSO 2014 2020 TOTAL
Coleta
Assegurado 243.242.750,17
243.242.750,17
Adicional 314.323.574,89 432.411.257,28 746.734.832,17
Total 557.566.325.06 432.411.257,28 989.977.582,34
Tratamento
Assegurado 390.090.692,89
390.090.692,89
Adicional 341.767.207,21 291.503.821,44 633.271.028,65
Total 731.857.900,10 291.503.821,44 1.023.361.721,54
Total
Assegurado
633.333.443,06
Adicional a obter - - 1.380.005.860,82
Total geral 1.289.424.225,16 723.915.078,72 2.013.339.303,88
Fonte: Plano de Bacias PCJ 2010 – 2020
144
Figura 41 Recursos a obter para consecução das ações previstas no Plano de Bacias PCJ
2010 - 2020
Corrigindo-se o montante de recursos necessários de R$ 1.380.005.860,82 para que o
cenário desejável fosse atingido em 2020, chega-se a R$ 1.936.881.005,84 a valores
presentes4.
Os projetos apoiados com recursos da compensação, cobrança investidos em
afastamento, transporte e tratamento de esgotos nas bacias foram contemplados com
56,83% do total, R$ 303.107.078,29 em valores presentes. Incluindo-se os projetos de
redução de perdas de água esse percentual se eleva para 85,38%, correspondendo a
R$ 455.377.411,11 em valores presentes, investidos ao longo de vinte anos de 1995 a
2015. Isso significa que a capacidade de intervenção dos Comitês das Bacias PCJ e da
Agência das Bacias PCJ para o enfrentamento da questão do tratamento de esgotos
ainda é limitada com relação ao montante total de recursos demandados.
Com base nessa avaliação, algumas questões se colocam para reflexão:
4 Valores corrigidos de 31 de dezembro de 2010 para fevereiro de 2016 pelo IGPM da Fundação Getúlio
Vargas.
145
a) Deve-se rever a política de aplicação dos recursos não reembolsáveis?
b) Seria oportuno concentrar os recursos da cobrança e da compensação na
solução de problemas cuja solução não esteja financeiramente equacionada e
que não contem com o suporte de tarifas ou de outra fonte de recursos
adequada?
c) Da mesma forma, seria oportuno concentrar os recursos da cobrança e da
compensação em ações que tenham como objetivo aumentar a resiliência das
Bacias PCJ diante dos impactos da mudança climática?
4.5.1. Inflexão dos valores da cobrança
Os valores vigentes relativos à cobrança são relativamente baixos e sofreram forte
inflexão nos últimos anos.
Na realidade, os valores pela captação de água bruta, consumo e de lançamento de
carga orgânica são menores do que os vigentes no início da cobrança, como se pode
constatar no Quadro 25. O valor inicial da cobrança federal em 2006 pela captação era
de R$ 0,01 por metro cúbico. Em valores presentes, esse valor seria de R$ 0,0182 e o
valor vigente é de R$ 0,0127. Em valores constantes, o valor vigente é 30,22% menor
do que o valor inicial. Por outro lado, o valor pelo lançamento de carga orgânica era de
R$ 0,10 no início da cobrança federal em 2006, em valores presentes R$ 0,1817 e o
valor vigente é de R$ 0,1274, sendo o valor vigente 29,88% menor do que o valor
inicial.
146
Quadro 25. Valores da cobrança federal em 2006 - valores vigentes e valores corrigidos
Tipos de uso Unidade Valor 2006
(Em R$) Valor Vigente
(Em R$) Valor 2006 Corrigido
Redução (%)
Captação, Extração e Derivação
R$/m3 0,01 0,0127 0,0182 30,22
Consumo de água bruta
R$/m3 0,02 0,0255 0,0363 29,75
Lançamento de carga orgânica (DBO5,20)
R$/Kg 0,1 0,1274 0,1817 29,88
Transposição R$/m3 0,015 0,0191 0,0273 30,04
Valores corrigidos pelo IGPM da Fundação Getúlio Vargas para Fevereiro de 2016
Quadro 26. Valores vigentes em 2016 das cobranças federal e estadual por tipo de uso - 2016
COBRANÇA - FEDERAL
Tipos de uso Unidade Valor (Em R$)
Captação, Extração e Derivação R$/m3 0,0127
Consumo de água bruta R$/m3 0,0255
Lançamento de carga orgânica (DBO5,20) R$/Kg 0,1274
Transposição de bacia R$/m3 0,0191
COBRANÇA - ESTADO DE SÃO PAULO
Captação, Extração e Derivação R$/m3 0,0127
Consumo de água bruta R$/m3 0,0255
Lançamento de carga orgânica (DBO5,20) R$/Kg 0,1274
COBRANÇA - ESTADO DE MINAS GERAIS
Captação de água bruta superficial R$/m3 0,01
Captação de água bruta subterrânea R$/m3 0,0115
Consumo de água bruta R$/m3 0,02
Fonte: Agência das Bacias PCJ
147
No Quadro 27 pode ser observado que no decorrer do período de vigência das
cobranças federal e estadual, houve uma queda acentuada do montante anual
angariado a partir do ano de 2011, alcançando no ano de 2015, um valor
substancialmente inferior àquele recolhido cinco anos antes, com uma diminuição
próxima a 1/3 em valores corrigidos.
Quadro 27. Evolução dos valores de Cobrança de Uso de recursos hídricos no Período de
2006 a 2015 - trazidos a valores presentes em Fev/2016
Ano Cobrança estadual
Cobrança federal Somatórias -
cobranças federal e estadual
Variação ano a ano
2006 - 18.197.223 18.197.223 -
2007 16.498.291 22.770.786 39.269.077 116%
2008 18.501.117 26.089.113 44.590.230 14%
2009 22.775.799 26.469.838 49.245.638 10%
2010 24.605.971 24.641.490 49.247.460 0%
2011 23.991.226 22.048.301 46.039.527 -7%
2012 21.092.766 22.440.093 43.532.859 -5%
2013 19.225.750 20.575.870 39.801.620 -9%
2014 16.614.322 19.394.952 36.009.273 -10%
2015 13.871.542 17.497.794 31.369.336 -13%
A evolução das receitas também pode ser visualizada na Figura 42:
148
Figura 42 Evolução das receitas pela cobrança pelo uso das águas por ano em reais
Essa situação pode ser justificada parcialmente pela deterioração dos Preços Unitários
Básicos (PUBs) no decorrer do tempo, não sendo corrigidos integralmente vis-à-vis a
inflação decorrida no período. No decorrer do recorte temporal compreendido entre
os anos de 2006 e 2016, os PUBs aplicados nos cálculos dos valores das cobranças
apresentam um descolamento considerável ao acumulado da inflação medido através
do índice de preços IGPM-FIPE no mesmo período. No Quadro 28, observa-se o valor
original dos PUBs em 2006, tais valores corrigidos pelo IGPM-FIPE acumulado no
período, os valores vigentes no ano de 2016 e a diferença percentual entre os dois
últimos:
149
Quadro 28. Preços Unitários Básicos (PUBs)
Tipos de uso Unidade Valor em 2006 (R$)
Valor de 2006 (corrigido pelo
IGPM até 02/2016)
Valor em 2016 (R$)
Diferença (%)
Captação, Extração e Derivação
R$/m3 0,0100 0,0182 0,0127 43,31%
Consumo de água bruta
R$/m3 0,0200 0,0363 0,0255 42,35%
Lançamento de carga orgânica
(DBO5,20) R$/m3 0,1000 0,1817 0,1274 42,62%
Transposição R$/m3 0,0150 0,0273 0,0191 42,93%
A inflexão dos preços unitários básicos em relação à inflação no decorrer do tempo
implica na deterioração das receitas de cobrança, consequentemente na diminuição da
capacidade de investimento do Comitê PCJ, frente aos objetivos estabelecidos no
Plano de Bacias. Se, a priori, o quadro que se apresenta a seguir já contempla um
déficit de receitas com relação ao quadro ideal de investimento preconizado, a perda
de valor real das receitas auferidas devido ao não acompanhamento das tarifas em
relação à inflação é agravado, uma vez que o índice de inflação também é aplicável ao
montante “adicional a receber” necessário para o cumprimento das metas almejadas.
4.5.2. Participação da cobrança em relação à tarifa cobrada pelo serviços de Saneamento
Além de apontar para a tendência de diminuição dos valores recolhidos nos últimos 5
anos, levanta-se a questão para debate sobre a magnitude do valor da cobrança.
Como parâmetro para discutir se o valor por metro cúbico cobrado se encontra dentro
de parâmetros razoáveis, foram comparados os valores cobrados nas Bacias do PCJ a
dois países cuja gestão de recursos hídricos encontra-se em estado de
150
desenvolvimento avançado: Bacia do Rio Tâmisa na Inglaterra e o estado de Baden-
Württemberg na República Federativa da Alemanha.
A título de comparação sobre a magnitude do valor cobrado pela extração de recursos
hídricos para o abastecimento público, foi identificado o valor de extração pago pela
empresa inglesa “Thames Water Utilities”, responsável pelo abastecimento da região
da Bacia do rio Tâmisa na Inglaterra, por meio das informações contidas no relatório
“Upstream services appendix to accounting separation tables in the regulatory
accounts For the year ended 31 March 2015” e, para o caso alemão, os dados da
cobrança de extração do Estado alemão de Baden-Württemberg, encontrados no
Versorgeportal Baden-Württemberg – Wasserpreise für Haushaltkunden.
Como parâmetro de referência, foi comparado o preço de tarifa pago pelos habitantes
residenciais para o abastecimento de 1 m³ de água frente ao preço pago pela
companhia de abastecimento pela extração de um metro cúbico. O Quadro 15 a seguir
demonstra o comparativo entre tais valores:
Quadro 29. Comparativo da tarifa de abastecimento por m³, preço de extração e a relação
entre ambos, na bacia do Tâmisa, estado alemão de Baden-Württemberg e os municípios
de Campinas e Itatiba
Local Preço do m³ de água fornecida
Preço de extração por m³
(%) Valor extração sobre valor da tarifa
fornecimento
Thames Water Utilities 1,26 £/m³ 0,0400 £/ m³ 3,17%
Baden-Württemberg 2,33 €/ m³ 0,0510 €/ m³ 2,19%
Campinas 2,59 R$/m³ 0,0108 R$/m³ 0,41%
Itatiba (operação Sabesp) 2,24 R$/m³ 0,0108 R$/m³ 0,48%
Fontes: Thames Water Utilities (2015); Thames Water Utilities (2015); Versorgeportal Baden-Württemberg – Wasserpreise für Haushaltkunden (2013); SABESP (2016); SANASA (2015); AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ (2016); DVGW (2015)
151
Os dados do Quadro 29 permitem observar que, em termos de magnitude, os valores
cobrados nos países europeus são significantemente superiores àqueles cobrados pelo
PCJ. Outro ponto bastante significativo é a relação entre os valores de extração e o
preço de tarifa de fornecimento de 1 m³ de água. O peso do custo de extração de 1 m³
de água para abastecimento público nos casos europeus observados estão entre 4 e 6
vezes acima daquele observado nas Bacias do PCJ.
Ainda no Estado de Baden-Württemberg, outros mecanismos financeiros são utilizados
na gestão de recursos hídricos. Através de uma linha de financiamento da comunidade
europeia, um mecanismo financeiro de compensação proporciona incentivos a
agricultores, por meio de pagamentos, quando da adoção voluntária de práticas
ambientalmente sustentáveis.
152
Parte 5 Avaliação da Governança e Tópicos para Discussão
153
5. AVALIAÇÃO DA GOVERNANÇA E TÓPICOS PARA DISCUSSÃO
Este item sintetiza a avaliação da governança, incluindo as lacunas observadas e, a
partir dessas, são trazidos tópicos indicativos para posterior discussão e
aprofundamento. Os pontos aqui apresentados têm o propósito de dar diretrizes para
a análise e contribuição das demais entidades participantes.
5.1. AVALIAÇÃO DA GOVERNANÇA MULTINÍVEL
A dimensão, complexidade e modelo adotado no Brasil para a Gestão dos Recursos
Hídricos colocam como um dos maiores desafios o estabelecimento de uma
governança em variados níveis em uma estrutura social heterogênea, em um país de
grandeza continental. Com um estado estruturado em três entes federados, segundo a
constituição, autônomos entre si, e com bacias hidrográficas interestaduais
comportando centenas de municípios, impõe-se que a governança seja
necessariamente composta de estrutura multinível envolvendo um grande número de
atores diversificados, desde órgãos governamentais a organizações civis.
A avaliação desta estrutura, as suas lacunas e sobreposições serão sempre um grande
desafio para o aprimoramento e desenvolvimento da Governança. Nesse sentido, com
base nas avaliações feitas anteriormente neste documento, seguem alguns
apontamentos para debate e aprofundamento.
A OCDE (2015) define a governança multinível como
“o compartilhamento, explícito ou implícito, da responsabilidade pela atribuição de formular e implementar as políticas de recursos hídricos pelos diferentes níveis administrativos e territoriais, ou seja: 1) entre diferentes ministérios e/ou órgãos públicos em nível de governo central (superior, horizontalmente); 2) entre as diferentes camadas de governo nos níveis local, regional, provincial/estadual, nacional e supranacional (verticalmente); e 3) entre diferentes atores em nível subnacional (inferior horizontalmente)”.
154
A gestão dos recursos hídricos descentralizada e implementada no país, além das
instituições nos níveis nacionais, estaduais e municipais, são articuladas com outras
políticas estruturadas setorialmente como a de saneamento e é uma estrutura
participativa que envolve a sociedade civil, empresas e associações tais como comitês
de bacia, conselhos, agências, empresas públicas e privadas entre outras.
Estes níveis se apresentam na configuração da gestão em quase todas as grandes
Bacias e nas Bacias como o PCJ.
Segundo o texto da OCDE (2015), “para avaliar as lacunas de governança multinível na
gestão dos recursos hídricos do Brasil é preciso fazer uma análise das conquistas e
desafios em termos de”:
• Lidar com a fragmentação institucional e territorial da política de recursos hídricos
entre múltiplos atores e identificar histórias de sucesso e incentivos para a efetiva
coerência das políticas entre os setores (lacuna de política).
• Conciliar os limites administrativos e hidrológicos, para gerenciar os recursos
hídricos e fornecer serviços de água na escala apropriada, tendo em conta os
benefícios e as armadilhas da integração em toda a cadeia hídrica (lacuna
administrativa).
• Verificar qualquer incompatibilidade entre as responsabilidades e os recursos
disponíveis para realizá-las, para avaliar se o atual quadro de financiamento se
encaixa para o futuro e apontar os ajustes necessários (lacuna de financiamento).
• Garantir a capacidade de infraestrutura e de especialização, nos níveis central e
subnacional. Isso implica a identificação e resolução de possíveis lacunas de
conhecimento, capital humano, tecnologia e outras capacidades para formular e
implementar políticas de recursos hídricos que sejam sustentáveis, eficientes e
efetivas (lacuna de capacidade).
• Fomentar mecanismos de responsabilização para envolver os atores interessados e
proteger os consumidores, por meio de tomada de decisão inclusiva e transparente.
155
Isso implica analisar os mecanismos de cumprimento, monitoramento e avaliação
existentes no setor de recursos hídricos e a sua efetividade (lacuna de
responsabilização).
• Alinhar os objetivos, os interesses divergentes e as prioridades, para promover
sinergias e complementaridades na escala certa e superar a descontinuidade e os
interesses (lacuna de objetivo).
• Desenvolver sistemas de informações físicas, socioeconômicas, financeiras e
institucionais para os recursos hídricos, para apoiar os tomadores de decisão, com
atenção específica para a sua coerência, consistência, confiabilidade e divulgação
pública, bem como os seus custos e benefícios (lacuna de informações).
Considerando esta conceituação, são apresentados abaixo alguns dos aspectos
apontados neste documento para a avaliação na Gestão e Governança dos Recursos
Hídricos no Brasil.
QUANTO À LACUNA POLÍTICA E ADMINISTRATIVA:
Essa lacuna no sistema brasileiro é responsável principalmente pelas sobreposições e
fragmentação de funções e tarefas relacionadas aos recursos hídricos entre as esferas
federal, estadual, municipal, entidades gestoras e demais atores nos diferentes níveis.
O envolvimento da União, Estados, Municípios, comitês de bacias hidrográficas,
agências de bacias, agências reguladoras estaduais, agências reguladoras por bacia
hidrográfica, além dos serviços de fornecimento de água à população e de coleta e
tratamento de esgoto que podem ser prestados por empresas municipais, estaduais,
de economia mista e privadas, autarquias e outras entidades, revela um sistema
complexo, cuja interação entre atores é complexa e desafiadora.
156
De acordo com a análise do arranjo institucional de gestão dos recursos hídricos no
Estado de São Paulo, é possível verificar que sua estrutura envolve diversos órgãos,
cujos principais papeis são apresentados no Quadro a seguir:
Quadro 30. Arranjo institucional de gestão dos recursos hídricos – Estado de São Paulo
Nível Estadual
Secretaria Estadual
Planejamento e estratégia – Plano Estadual de Recursos Hídricos
Implementação da política
Entidade estadual de gestão Implementação da Política
Conselho Estadual de Recursos Hídricos- composto por 33
conselheiros, sendo 11 de cada segmento (Estado, município,
sociedade civil)
Planejamento e estratégia
Nível de Bacia
Comitês de Bacia composto por 51 membros, sendo 17 de cada segmento
(Estado, município, sociedade civil)
Informações - Base de dados
Planejamento e estratégia - Plano de Bacias
Engajamento dos atores
Agências de Água
Informações - Base de dados
Planejamento e estratégia - Plano de Bacias
Definição da Cobrança pelo uso da água
Nível Municipal Municípios Gestão operacional
Atores não governamentais
Sociedade civil e Associação de usuários de água
Participação nos Comitês e Conselhos e geração de informações para base de dados
157
Conforme apresentado, as tarefas são distribuídas com relativa sobreposição no que
tange ao planejamento e à implementação das estratégias inscritas na Política
Estadual. Uma avaliação deste quadro pode ser feita considerando o diagrama
apresentado no estudo “Governança dos Recursos Hídricos no Brasil” (OCDE, 2015)
descrevendo como os diferentes níveis relacionam-se entre si e com os outros entes,
por meio das ações de consulta, compartilhamento de informações, subordinação e
representação, indicando uma estrutura mais centralizada no Estado e com a
representação dos usuários e da sociedade civil, restrita à participação nos conselhos e
comitês.
Uma referência importante desta questão pode ser encontrada no documento
“Governança dos Recursos Hídricos no Brasil”, representada pela iniciativa do Estado
do Paraná, datada de 1999. Este documento apresenta um modelo no qual buscou-se
reformar a estrutura, definindo claramente as responsabilidades e a divisão de tarefas,
nos três níveis do sistema estadual de gestão dos recursos hídricos daquele Estado. O
objetivo da reformulação proposta era conferir “papel de destaque aos usuários e
municípios, que solicitariam a criação dos comitês”, constituindo-se em parceiros na
busca no atendimento a metas estabelecidas e conferir “peso igual em todos os órgãos
de decisão (conselho, comitês e agências)” (OCDE, 2015) e na divisão de tarefas.
O arranjo institucional de gestão dos recursos hídricos no Estado do Paraná,
proporcionado pelas alterações propostas pela Lei Estadual de Recursos Hídricos de
1999, é apresentado no Quadro a seguir. Salienta-se que estas alterações não se
mantiveram, devido a alterações nas definições em nível Estadual, porém produziram
resultados significativos e promissores, de acordo com o documento em fulcro.
158
Quadro 31. Arranjo institucional de gestão dos recursos hídricos – Estado do Paraná
Nível Composição Divisão de Tarefas
1º Nível
Unidades Executivas Descentralizadas - UEDs - Municípios, Associações de usuários da água e/ou aos consórcios intermunicipais de bacias hidrográficas. Usuários privados ou públicos, equivalem em poder executivo e competências às Agências de Bacias Hidrográficas
Proposição dos Planos de Bacias Hidrográficas e implementação das tarefas de natureza executiva, com financiamento parcial fornecido pela coleta de recursos oriundos das cobranças pelo uso da água
2º Nível
Comitês de Bacias Hidrográficas - órgão colegiado com identidade e abrangência regionais, no qual representantes dos usuários são minoria em comparação com a soma dos representantes da sociedade civil e dos órgãos gestores estaduais
Análise e aprovação dos planos de bacias, considerando os interesses compartilhados. Encarregado de solucionar os conflitos e harmonizar os interesses específicos dos usuários.
3º Nível Conselho Estadual de Recursos Hídricos - Estado regula o processo com base em sua posição no Conselho
Planejamento estratégico, a arbitragem de disputas e a liderança política do processo
Como pode ser verificado na estrutura proposta no Paraná, o papel e responsabilidade
de cada ator são definidos para cada um dos três níveis da estrutura estadual da
seguinte forma:
Primeiro nível, exercida pelos municípios e consórcios de intermunicipais, pelas
agências, com sociedade civil, empresas operadoras e representações da e dos
usuários, cabe a proposição dos Planos de Bacias Hidrográficas e
implementação das tarefas de natureza executiva, como a coleta da cobrança.
Estas pelo
Segundo nível, Comitês de Bacias Hidrográficas - órgão colegiado com
identidade e abrangência regionais, as proposições são avaliadas, aprovadas e
mediados os conflitos com maior controle social, uma vez que esta instância
que possui a preponderância da sociedade civil.
159
Terceiro nível, os conflitos e discordâncias são solucionados por meio da
atuação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, no qual o Estado conduz o
processo, garantindo resoluções alinhadas com o interesse público e
cumprindo a função de regulação.
O debate quanto aos arranjos institucionais e seu papel, na busca pela consecução dos
objetivos inscritos nos Planos de Bacias, serve ao objetivo de enfrentar o desafio de
suprir os vazios e sobreposições de tarefas nos desenhos atualmente em
funcionamento, considerando a necessidade de uma gestão mais participativa dos
recursos hídricos, nas definições de responsabilidades e competências.
A dissolução destas lacunas é de extrema importância e vital nas Bacias do PCJ,
especialmente pelo fato de ter confrontado com uma estrutura anterior ao novo
modelo, executado pelo DAEE, além da governança interestadual (São Paulo-Minas
Gerais)
Nas Bacias PCJ, os rios de domínio da União (rios Atibaia, Jaguari, Camanducaia e
Piracicaba) e rios de domínio estadual, seja em Minas Gerais ou São Paulo, dos quais
decorrem três comitês, que se reúnem conjuntamente em uma única agência, a
AGBPCJ, resultou em uma verdadeira ”engenharia política”, possibilitando uma ação
coordenada que se sobrepõe à divisão estadual e de domínios dos rios.
Trata-se de um ponto muito positivo, porque possibilita planejar e agir de forma
coerente em relação às necessidades da bacia, resultando em maior eficiência e
menores custos na gestão das águas. No entanto, há dificuldades ainda não
transpostas, como por exemplo, os processos de outorga que embora sejam
semelhantes, apresentam particularidades e diferenças, tornando mais complexa a
formação de banco de dados comum georreferenciado.
Os limites de bacia hidrográfica raramente coincidem na totalidade com os
administrativos que definem o território de um município. Em nível superior, também
160
há problemas nas definições das regiões e mesmos de Estados, porque raramente seus
limites políticos correspondem às fronteiras hidrológicas.
Conforme o texto da OCDE (2015)
“Isso resulta em uma incompatibilidade no nível subnacional que frequentemente obstrui as políticas de água e complica as relações entre os representantes eleitos, autoridades locais, agências de água, gestores de recursos e usuários finais. As falhas de gestão, tais como a falta de cooperação, participação e transparência, estão muitas vezes enraizadas
nessa incompatibilidade.”
Embora o arranjo das Bacias PCJ tenha reduzido essas lacunas, o mesmo não se
afirmaria quanto aos órgãos governamentais estaduais e federais. Essa lacuna
territorial é percebida, por exemplo, quando se examina a gestão do saneamento e
suas relações com os recursos hídricos. Sucede que o principal fator de
comprometimento da disponibilidade hídrica é o uso dos rios para diluição de esgotos
urbanos.
Outro aspecto importante é a dicotomia entre a estrutura vertical superior ancorada
em dois ministérios. Não obstante, os recursos para investimentos em tratamento de
esgoto não se encontram nas mãos do Ministério do Meio Ambiente a quem cabe à
responsabilidade de implantar a Política Nacional de Recursos Hídricos, mas nas
definições e planejamento realizados pelo Ministério das Cidades.
Outra dicotomia decorre do fato de as empresas públicas e privadas, operadoras dos
serviços de abastecimento e saneamento, sejam elas concessionárias estaduais,
autarquias municipais ou empresas privadas, possuírem seus acordos de operação e
investimento determinados através de contratos realizados diretamente com
municípios, em muitos casos ainda desvinculados dos Planos de Saneamentos e dos
Planos de Bacia. Em suma, muitas vezes a prioridade da prestadora de serviço de
abastecimento e saneamento não é a mesma da gestora da bacia, expressa através do
Plano de Bacia. Independente da abrangência da operadora dos serviços ser municipal
161
ou estadual, suas prioridades de investimento podem ser outras em relação àquelas da
gestora da Bacia.
Em relação aos municípios, existem nítidos conflitos entre uso e ocupação do solo,
com a municipalidade buscando na ocupação urbana, a arrecadação de mais Impostos
Prediais e Territorial Urbano (IPTU), inclusive por meio da ocupação de áreas de
mananciais, que prejudica diretamente a qualidade do abastecimento público urbano.
Podem ser citados também os procedimentos de licenciamento ambiental, que muitas
vezes são diferentes entre Estados, e que resultam em um complicador adicional.
A falta de continuidade e efetividade de políticas públicas ocorre especialmente
quando há mudanças em algum nível de governo, devido principalmente à carência de
planejamento das ações.
Por outro lado, quanto aos limites da bacia, a PCJ é formada por um conjunto de três
rios praticamente paralelos que afluem ao rio Tietê pela margem direita, além de fazer
limites com a bacia do Alto Tietê, para a qual reverte suas águas. Não há um comitê do
rio Tietê ou mesmo do rio Paraná. Caso essa situação se concretizasse, a atuação
conjunta de comitês e agência, possibilitaria uma melhor governança e enfrentamento
dos problemas comuns a essas regiões. Esta mesma lógica deve ser objeto de debate
com relação às demais bacias do Tietê.
QUANTO À LACUNA DE FINANCIAMENTO:
A lacuna ou vazio de financiamento aqui se refere, fundamentalmente, aos recursos
financeiros para se atender às demandas e metas estabelecidas nos diversos planos de
governança e da gestão de recursos hídricos, ou seja, pode ser representada pela
discrepância entre recursos necessários e receitas disponíveis. Envolve, além dos
mecanismos financeiros estabelecidos pelas tarifas pela prestação de serviços de
abastecimento e saneamento, também os recursos advindos da compensação pelos
usos da água pela geração de hidroeletricidade, os valores angariados pela cobrança
162
pelo uso d’água pelas Bacias, e outros possíveis mecanismos econômicos capazes de
provir ou incentivar as estratégias propostas.
Portanto, as lacunas e vazios da política de financiamento estão diretamente
relacionados à implementação desses mecanismos e à articulação e viabilização de
suas alocações. Além das definições dos mecanismos, cabe destacar a importância das
articulações institucionais e políticas nos diversos níveis de governança para o
aprimoramento dos instrumentos e meios de viabilização dos investimentos.
Considerando a diversidade das fontes de recursos e mecanismos de repasses, torna-
se fundamental a interação e decorrente interdependência entre os diversos atores
para a melhor tomada de decisão e alocação dos recursos.
As autoridades subnacionais geralmente dependem de escalões mais elevados do
governo para o financiamento das políticas de recursos hídricos, enquanto que o
governo central depende das autoridades subnacionais para repassar as prioridades
para verificar suas adequações e atendê-las conforme estabelecem os programas. Essa
interdependência torna-se ainda mais crucial quando o financiamento do governo é
cortado em tempos de crise econômica e financeira.
Por outro lado, atualmente no Brasil, a atuação das Agências de Bacia no
financiamento das ações e programas vinculados aos recursos hídricos baseia-se quase
que exclusivamente nos mecanismos de cobrança pelo uso de água.
No entanto, os valores pagos pelo uso de água são baixos para suportar todas as ações
necessárias para assegurar a preservação e recuperação dos mananciais, a
manutenção da segurança hídrica e a mitigação dos efeitos dos eventos extremos. A
ação de agências da água na França, por exemplo, é muito pautada pelos valores
auferidos da cobrança pelo uso da água que lhes possibilita alocar recursos monetários
conforme as diretrizes estabelecidas no seu planejamento. A capacidade de inversão
das agências brasileiras ainda está muito longe das necessidades locais.
Para que se comprove esse fato, basta comparar os valores angariados através da
cobrança pelo uso da água nas Bacias PCJ entre 2006 e Julho de 2015 com relação à
163
necessidade de investimento total. Nesse período, foram repassados pela ANA à
Agência PCJ, 151 milhões de reais, enquanto um estudo realizado pela Agência
indicava serem necessários investimentos de um montante superior a 1 bilhão de reais
apenas para alocação no tratamento de todos os esgotos lançados na rede de cursos
d’água da Bacia PCJ. Assim, a bacia, por meio do seu Plano de Recursos Hídricos,
estabelece prioridades de investimento, mas com pouca capacidade de viabilizá-las
diretamente.
As limitações de uma bacia como a PCJ, mesmo com todo avanço, são grandes frente
aos seus principais desafios. A defasagem no valor real da cobrança acumulada nos
últimos anos mostra leniência com relação ao principal recurso financeiro para
investimentos do PCJ. Cabe ressaltar que no momento de crise hídrica extrema no
Estado de São Paulo, mecanismos de incentivos ao uso parcimonioso e ao consumo
responsável e consciente foram utilizados alcançando bons resultados. Este fato
reforça a necessidade de aprofundar o debate para adoção de mecanismos de
incentivos aplicáveis em várias situações como complemento ao mecanismo da
cobrança.
No Plano Nacional cabe o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros, já
utilizados em diversos outros países, que complementam a cobrança pelo uso da água,
tais como incentivos fiscais para atividades específicas, subsídios para
desenvolvimento de novas tecnologias e novas formas de reaproveitamentos e
economias em processos, entre outros.
Portanto, mesmo que o modelo seja amplo e multinível, ainda faltam meios para que a
agência possa cumprir efetivamente seu papel de “regente das águas”, elaborando
planos e os concretizando por meio de investimentos que se originem apenas pela
cobrança pelo uso da água.
164
QUANTO À ADOÇÃO DE OUTROS INSTRUMENTOS FINANCEIROS PARA GESTÃO DE
RECURSOS HÍDRICOS
Considerando a limitação dos recursos disponíveis frente aos desafios e com o objetivo
de provocar a discussão sobre o desenvolvimento dos mecanismos financeiros para a
Gestão de Recursos Hídricos, cabe a discussão das diversas possibilidades de outros
mecanismos.
Nesse sentido, são apresentados alguns instrumentos e mecanismos financeiros para a
gestão de recursos hídricos, aplicados em outros países.
165
Quadro 32. Instrumentos financeiros para gestão de recursos hídricos
Tipo de Instrumento Definição O que esse Instrumento pode gerar?
Precificação/ Pagamentos
Tarifas Mecanismos de cobrança pelos serviços de saneamento em relação aos quantitativos usados, seja por domicílios, irrigação, comércio, indústria ou outras atividades.
Sustentar os custos operacionais e de Investimentos dos serviços de saneamento prestados, encorajar o desenvolvimento tecnológico, ou mudanças comportamentais que levem a práticas de consumo mais conscientes, diminuindo o consumo ou poluentes.
Impostos Ambientais
Pagamentos Compulsórios por parte da autoridade fiscal em decorrência de atividades para a melhoria dos indicadores e cumprimento de metas.
Mecanismo utilizado também como incentivo para alocação de recursos, de promoção melhores práticas por parte da empresa operadoras.
Encargos (ou taxa)
Pagamento compulsório para o órgão competente (regulador das águas ou meio ambiente) por um serviço direta ou indiretamente associado com a degradação do meio ambiente e das águas.
Mecanismo utilizado também como incentivo para alocação de recursos, de promoção de melhores práticas por parte das empresas operadoras.
Subsídios a investimentos,
serviços ambientais e à
Produção
Renúncia na arrecadação de impostos, financiamento subsidiado, ou mesmo Pagamentos por parte de órgãos estatais ou agências oficiais para produtores com o objetivo de influenciar seus níveis de produção, preços e outros fatores.
Possibilita a redução do preço de produtos ambientalmente adequados, resultando em uma vantagem comparativa em relação a produtos correlatos.
Serviços ambientais e
Subsídios sobre práticas
Pagamentos ou financiamentos de agências oficiais para encorajar a adoção de determinadas práticas ou processos de produção específicos.
Leva a adoção de práticas de preservação, recuperação de mananciais ou mesmo de produção que limita impactos negativos, ou produz impactos positivos, no meio ambiente das águas.
Comercial Mercado de permissões para
A comercialização de direitos e obrigações para o consumo, extração e disposição de água.
Encoraja a adoção de tecnologias mais eficientes de utilização dos recursos hídricos.
166
Tipo de Instrumento Definição O que esse Instrumento pode gerar?
utilização de águas
Pode otimizar a alocação dos recursos dentro do contexto dos consumidores.
Mercado de permissões para
poluição
A comercialização de direitos e obrigações para poluir as águas através da incorporação de poluentes aos efluentes ou esgotos.
Encoraja a adoção de práticas e tecnologias menos poluentes.
Otimiza a alocação de ‘custos de abatimento’ entre os usuários de recursos hídricos.
Esquemas de gerenciamento
de Risco
Seguros Pagamento de um prêmio com o intuito de se proteger em um evento de sinistro (perda).
A aversão a riscos dos usuários de recursos hídricos e a intenção de pagar por estabilização financeira. Quando devidamente projetados, os prêmios de risco apontam para atividades/práticas de risco e desencorajam suas práticas.
Responsabilidade Civil
Esquemas de compensação onde a responsabilidade civil por degradação ambiental induz a pagamentos por compensação por danos ambientais.
Responsabilidades como meios de incentivar investimentos de longo prazo em mecanismos eficientes.
167
APRIMORAMENTO E MELHORIA DO SISTEMA DE CADASTRO DE COBRANÇA
A cobrança estadual (SP e MG) e a federal têm como base comum os seguintes usos:
Captação, Extração e Derivação.
Consumo de água bruta.
Lançamento de carga orgânica (DBO5,20).
A cobrança pela transposição de bacia é feita no estado de Minas Gerais e nos rios de
domínio federal, não sendo cobrada na porção paulista da bacia PCJ. É nesta última
que se situa o Sistema Cantareira, logo o uso das suas águas é cobrado somente como
captação e não pela reversão para a bacia do Alto Tietê. A cobrança efetuada é
proporcional aos usos, sejam de captação ou de lançamento, medidos
respectivamente pela vazão derivada ou pela carga orgânica despejada. O valor
cobrado de cada usuário depende de cadastro além de medições dessas variáveis de
forma que deve ser sempre atualizado para que reflita as condições reais de
lançamento ou captação.
Em outros países onde a cobrança está implantada há mais tempo, a cobrança é feita a
partir de registros automáticos que medem em tempo real ao menos a vazão captada
por grandes usuários. Trata-se de um avanço de medição e de cadastro do banco de
usuários que levaria ao aumento do montante arrecadado. Ao mesmo tempo,
possibilitaria aos órgãos controladores e fiscalizadores ou à agência de bacia constituir
uma base de cobrança que estabelecesse com mais exatidão o uso da água por
finalidade. Assim, por exemplo, determinado uso industrial tem um uso da água
proporcional ao seu produto, o qual seria utilizado como parâmetro para verificar se
usos semelhantes são compatíveis ou ajustes seriam necessários.
168
QUANTO À LACUNA DE CAPACIDADE TÉCNICA:
Considerando a definição conceitual da OCDE, esta dimensão está relacionada à
capacidade de infraestrutura e de especialização, na identificação de possíveis lacunas
de conhecimento, englobando a capacitação técnica e profissional além do
desenvolvimento das capacidades para formular e implementar políticas de recursos
hídricos que sejam sustentáveis, eficientes e efetivas.
No Brasil, constata-se um grande vazio neste quesito. Nos níveis de capacitação
técnica, verifica-se a inexistência de instituições que formem profissionais operacionais
para os serviços de saneamento, o grande destinatário/demandante/consumidor da
água nas bacias PCJ. Mão de obra mais treinada significa maior eficiência e menor
desperdício.
As bacias PCJ tem um histórico de apoio e promoção de capacitação de agentes e
gestores públicos em parcerias com universidades e outras instituições de ensino, bem
como associações de usuários e consórcios municipais capacitados. No entanto, a
formulação de programas estruturados de formação continuada ainda é um desafio.
Em outros níveis, instituições, além das universidades, e alguns cursos técnicos de
formação técnica como o SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial,
instituições como a ANA, a ABES – Associação Brasileira de Engenharia, oferecem
capacitações, bem como organizam seminários onde temas afins aos recursos hídricos
são abordados.
É reconhecida a grande lacuna que o país tem em uma estrutura de formação
continuada nesse setor, tanto para a formação de novos profissionais como na
capacitação dos profissionais que já trabalham na área.
169
QUANTO À LACUNA DE OBJETIVO:
Essa lacuna ocorre quando há objetivos divergentes e contraditórios entre os níveis de
governo intervenientes com relação à gestão dos recursos hídricos, sejam ministérios
ou outros órgãos públicos. A crise hídrica nas bacias PCJ e o uso das águas do Sistema
Cantareira por parte da Sabesp, Cia. Estadual paulista tornaram essas divergências
mais palpáveis.
As políticas públicas de recursos hídricos resultam de esforços e trabalhos de longo
prazo, dependentes de planejamento avaliado constantemente por meio de consultas.
Assim, as crises, se não suficientemente compreendidas e analisadas, poderiam ser
contraproducentes ao criar vieses desnecessários nas tomadas de decisão futuras.
O relatório de situação previsto na legislação paulista, serve de instrumento anual para
verificar o estado dos recursos hídricos da unidade de gestão de interesse. Avalia ainda
se o Plano de Bacias vem sendo seguido e implantado efetivamente.
Além do Plano de Bacia e do Relatório Anual de situação, que definem metas e
acompanham a situação das bacias do PCJ de forma abrangente, existem outros
planos, como o Plano Municipal de Saneamento Básico – PMSB, estabelecido pela Lei
Federal nº 11.445/2007, e obrigatório para todo o município definido como titular dos
serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo
de resíduos sólidos e drenagem urbana. A própria agência PCJ financiou a elaboração
de alguns dos planos dos municípios que se encontram dentro dos limites geográficos
da Bacia, algo que também ocorreu em outras bacias como as dos rios Paraíba do Sul e
São Francisco. Isso se mostrou uma necessidade, tendo em vista que o setor de
saneamento, cuja matriz de gestão muitas vezes se restringe a municipalidades, é o
setor com maior representatividade entre os usuários dos recursos hídricos, seja pelas
captações, seja pelos lançamentos. Na elaboração dos PMSB, o plano de bacia precisa
ser considerado de forma que suas proposições e seus objetivos se coadunem.
Enfim, o planejamento dos recursos hídricos deve considerar o momento em que está
sendo elaborado e a ocorrência de tendências pontuais e transitórias que, de alguma
170
forma, influenciariam de forma negativa no processo de planejamento. A bacia PCJ
está em fase de contratação de seu novo plano à luz, por exemplo, do grave acidente
que ocorreu na bacia hidrográfica do Rio Doce. Devem ser consideradas todas as lições
daí decorrentes, não somente as negativas, como também as positivas e o que pode
ser aprendido através delas.
Outro ponto a considerar no próximo plano de bacia constitui a ocorrência de eventos
extremos opostos próximos: cheias no biênio 2010 e 2011 se contrapondo com uma
estiagem jamais registrada em 2014 e 2015. No escopo desse novo plano de bacia PCJ,
obrigatoriamente deveria ser elaborado o Plano de Emergência, contemplando cheias
e estiagens, bem como um Plano de Contingência, quando há alguma ocorrência
passível de programação e controle, e que teria uma consequência direta na
disponibilidade e oferta dos recursos hídricos.
QUANTO À LACUNA DE RESPONSABILIDADE:
Conforme o relatório OCDE (2015), a lacuna de responsabilidade refere-se:
“à falta de transparência e abrangência na elaboração das políticas de
recursos hídricos. Muitas vezes, o encurtamento do processo decisório
introduz riscos de captura e corrupção, em especial quando os governos
locais não tiverem a capacidade de monitorar os investimentos e a
sociedade civil não estiver plenamente engajada”.
A Constituição Brasileira de 1988 tem o controle social como um de seus princípios.
Isso se rebateu em vários outros diplomas, inclusive na Lei Federal nº 11.445/07,
considerado o novo marco regulatório do setor de saneamento no país. De maneira
semelhante, o plano de recursos hídricos da bacia PCJ em contratação necessita de
atividades de mobilização social durante sua elaboração.
As Bacias PCJ tem uma longa história de mobilização social que remonta aos anos 1980
do século passado. A sociedade civil sempre teve um papel essencial em todo o
processo de formulação das políticas públicas, de forma que entidades que
171
representam os interesses dos usuários dos recursos hídricos da bacia são bem
constituídas e reconhecidas como, por exemplo, o consórcio dos municípios. Portanto,
mais uma vez a bacia PCJ teve um papel pioneiro na gestão dos recursos hídricos no
Brasil, incluindo a participação social estruturada.
QUANTO À LACUNA DE INFORMAÇÃO:
Esta lacuna evidencia-se através da falta de informação entre os níveis de governo e
entre atores locais envolvidos na política de recursos hídricos. Em muitos casos, as
melhorias nas políticas da área são difíceis de pôr em prática, conforme coloca o
relatório da OCDE:
“porque há poucos dados e informações disponíveis, particularmente sobre
as implicações econômicas, financeiras e institucionais. Isso é agravado pela falta de capacidade, recursos e experiência para coletar, analisar e interpretar os dados hidrológicos em muitos países. Mesmo quando a informação está disponível, ela deve ser compartilhada em todos os níveis de governo para capitalizar sobre os centros de conhecimento individuais,
criando assim um conjunto mais forte”.
No entanto, nas bacias PCJ, são várias as fontes de informação, como a sala de
situação (www.sspcj.org.br), o sistema estadual de informações de recursos hídricos
(www.sigrh.sp.gov.br) e, entre outras, da ANA (www.snirh.gov.br/hidroweb).
Além disso, estão disponibilizados muitos documentos e informações que permitem o
pleno conhecimento das atividades de gestão e sobre a própria bacia, como por
exemplo, o Plano de Bacias (2010/20), os Relatórios de Situação (série histórica até
2014) e o Relatório de Gestão (2014).
172
5.2. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO
Os temas propostos para discussão com o intuito de promover o avanço da gestão das
bacias PCJ, inclusive para que se tenha maior preparo quando da ocorrência de
eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas, são apresentados:
Elaboração de Plano de contingência e emergência compreendendo e definindo
as responsabilidades e ações dos entes federativos e organismos de bacia.
Elaboração de Plano de Adaptação à Mudança Climática considerando os eventos
extremos recentes e definindo ações e responsabilidades para os vários atores
intervenientes na bacia.
Aumento da base de cobrança e reajuste de valores: cobrança pelo lançamento
de nutrientes, porque o uso somente da carga orgânica é insuficiente quando há
lançamento em reservatórios ou à montante. Os riscos de eutrofização e
inviabilização do uso das águas regularizadas são reais, porque no auge da
estiagem o próprio Rio Piracicaba, de regime lótico, ficou coberto de vegetação
aquática.
Criação de novos mecanismos financeiros de incentivo ao uso adequado em
situações específicas e decisões de implementação com participação dos diversos
atores e órgãos envolvidos na Gestão, inclusive comitês de Bacias.
Desenvolvimento de novos mecanismos fiscais de incentivos ao financiamento
específico do atendimento das metas dos Planos de Bacia.
Avanço na gestão das informações provenientes do monitoramento em tempo
real e atualização do cadastro de usuários: compatibilizar e estabelecer banco de
dados únicos, com base de coordenadas comuns e com métodos semelhantes
para determinar valores de vazão e carga orgânica.
173
Mobilização social, compreendendo a institucionalização e a responsabilização
de órgãos e atores para que os mesmos estejam preparados para os novos
desafios decorrentes de fenômenos extremos. Para que isso se concretize, ter na
bacia um centro de formação de profissionais para o setor da água é
fundamental, porque nos limites das Bacias PCJ já existem várias e importantes
instituições de ensino, mas com deficiências quanto à abordagem técnica
operacional.
174
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A longa história de disputa pelos recursos hídricos nas Bacias PCJ e a degradação de
suas águas, notadamente à jusante, levaram a uma crescente organização da
sociedade civil, a qual se refletiu em várias entidades como o Consórcio de Municípios
PCJ, com reconhecida ação e história pela recuperação e preservação das águas da
bacia.
As disputas crescentes pelas suas águas e os problemas de qualidade levaram a um
avanço contínuo da gestão dos recursos hídricos. Além da outorga, as Bacias PCJ
dispõem de cobrança pelos usos da água, o que viabilizou não somente implantar as
ações do comitê PCJ, mas a própria agência das bacias.
A crise hídrica e os efeitos das mudanças climáticas impõem uma reflexão sobre a
segurança hídrica. A oferta de água no Sudeste diminuiu ou se manteve estável, ao
mesmo tempo em que a demanda cresceu em função do grande aumento
populacional verificado nas últimas décadas.
É necessário refletir sobre as políticas adotadas até o momento para preservação dos
mananciais, assim como conjecturar sobre os instrumentos da gestão dos recursos
hídricos, bem como avaliar os mecanismos financeiros que suportam as ações em
favor da disponibilidade hídrica.
O objetivo central dessa reflexão é encontrar políticas que possam levar ao aumento
da resiliência do sistema hídrico em face dos impactos da mudança climática. O
presente documento pretende oferecer uma contribuição a essa reflexão.
175
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5.pdf
179
ANEXOS
180
ANEXO I
GESTÃO DAS ÁGUAS E HIDROELETRICIDADE
Em 2014, o Brasil tinha capacidade instalada de geração de energia hidroelétrica da
ordem de 92.330 MW e contava com 1.154 unidades geracionais, sendo 484 centrais
de geração hidroelétrica, 470 pequenas centrais hidroelétricas e 200 usinas
hidroelétricas.
Os aproveitamentos hidrelétricos estão sujeitos a outorga de direito de uso dos
recursos hídricos. Os reservatórios das usinas de hidroeletricidade possuem uma dupla
função: dispor de água suficiente para a geração de energia elétrica e regularizar a
vazão dos corpos de água, garantindo o uso múltiplo e o abastecimento para consumo
humano.
A outorga é dada com diversas restrições, como por exemplo limitando a vazão, para
que sejam garantidos os múltiplos usos, conforme determina a Lei 9.433/1997, e
também para prevenir inundações à jusante de cada barragem. Contudo, quando há
estiagem surge a possibilidade de um conflito de usos, como por exemplo, entre os
setores de geração de energia versus abastecimento público, e este deve ser arbitrado
pela ANA.
A partir de 2012, os reservatórios das usinas de hidroeletricidade sofreram os efeitos
da longa estiagem. Em 2010 eles contavam, em média, com níveis de cerca de 82,2%
de suas capacidades. Em 2012 os níveis caíram para 67% , alcançando em 2014 os
menores níveis, na faixa de 48,5% de suas capacidades.
A queda da quantidade de água nos reservatórios das hidrelétricas está relacionada
aos baixos níveis de chuva na Região Hidrográfica Atlântico Sudeste em 2014. Na Bacia
Hidrográfica do São Francisco os índices pluviométricos vêm caindo desde 2012.
Diante da importância da água para a matriz de geração de eletricidade brasileira,
verifica-se que, em situações de estiagem ou de cheias, a gestão das águas torna-se
181
ainda mais complexa e os conflitos pelo seu uso emergem especialmente quando se
considera o abastecimento humano e a geração de energia.
A crise hídrica de 2014 e a geração de hidroeletricidade
A hidroeletricidade representa cerca de 67% da eletricidade gerada no país. Isso
significa que os impactos da crise hídrica repercutem negativamente na capacidade de
geração de eletricidade de fonte hidráulica, que por sua vez faz necessário o
acionamento das termelétricas cuja energia é significativamente mais cara, resultando
em aumento nos custos para o consumidor e para o setor produtivo.
Os reservatórios do Sistema Interligado possuem uma dupla função: gerar energia e
regularizar os corpos de água, garantindo o uso múltiplo e o abastecimento público. A
queda da quantidade de água nesses reservatórios está relacionada aos baixos
volumes de chuva na Região Hidrográfica Atlântico Sudeste em 2014. Na Bacia
Hidrográfica do São Francisco os índices pluviométricos vinham caindo desde 2012,
tendo sido reduzidos para cerca de 43% em 20145. Na região das usinas de Sobradinho
e Paulo Afonso o tempo de retorno da seca foi maior do que cem anos, conforme se vê
na Figura 01 abaixo.
Nas Bacias PCJ, não há usinas hidrelétricas, logo a forte influência que o setor elétrico
tem sobre a gestão dos recursos hídricos não se verifica nessa região, diferente de
outras bacias hidrográficas, como a do rio São Francisco, onde as regras operacionais e
os níveis dos reservatórios seguem principalmente as diretrizes de geração de energia
elétrica. O Operador Nacional do Sistema – ONS é o grande responsável pelo
estabelecimento de regras.
5 Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil – Informe 2014. Encarte especial: A crise hídrica. Op.cit. p.
27.
182
Figura 1. Tempos de retorno dos índices pluviométricos registrados em 2014 nas usinas de
hidroeletricidade
Fonte: CONJUNTURA DOS RECURSOS HÍDRICOS – INFORME 2015 – ANA.
183
ANEXO II
ESTUDOS SOBRE O CRESCIMENTO POPULACIONAL NOS MUNICÍPIOS DAS
BACIAS DO PCJ
Diversos estudos populacionais já foram realizados para os municípios das Bacias PCJ,
sendo o principal deles aquele que compõem o Plano das Bacias PCJ 2010-2020
(COBRAPE, 2010). Existem também o Plano Diretor de Aproveitamento de Recursos
Hídricos para a Macrometrópole Paulista (COBRAPE, 2013), o Relatório de Situação
(Comitês PCJ, 2014) e o Relatório de Gestão (Fundação Agências PCJ, 2015).
Todos esses estudos utilizaram como base as populações dos censos, contagem e
estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além dos dados
populacionais da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) do Estado
de São Paulo.
O Plano das Bacias PCJ 2010-2020 (COBRAPE, 2010) realizou projeções populacionais
para os anos de 2014 e 2020, sendo estimada uma população total de 5.525.529
habitantes e 5.898.808 habitantes, respectivamente. Trata-se da população total dos
59 municípios do Estado de São Paulo e 4 municípios do Estado de Minas Gerais, sendo
que em 3 municípios, apenas uma parte da população vive no território das Bacias PCJ,
sendo consideradas no Plano:
Piracicaba/SP - 96% da população na Bacia do PCJ.
Cabreúva/SP - 75% da população na Bacia do PCJ.
Mairiporã/SP - 11% da população na Bacia do PCJ.
O Plano Diretor de Recursos Hídricos da Macrometrópole (COBRAPE, 2013) traz uma
projeção da população das Bacias PCJ para os anos 2018, 2025 e 2035. O documento
estima que em 2018, a população da região seja de 5.673.617 habitantes (Tabela 1).
184
Tabela 1. Projeções da população para as Bacias PCJ
2008 2018 2025 2035
5.022.874 5.673.617 5.984.388 6.217.851
Fonte: COBRAPE, 2013.
Já o Relatório de Gestão das Bacias PCJ (Fundação Agências PCJ, 2015) aplicou os
mesmos métodos utilizados no Plano de Bacias PCJ 2010-2020 (COBRAPE, 2010),
utilizando os dados da estimativa da população para o ano de 2014 publicados pelo
IBGE e concluiu que “... em 2014, a população moradora nas Bacias PCJ atingiu um
total estimado de 5.600.228 habitantes” (Fundação Agências PCJ, 2015).
Trata-se, portanto, de uma estimativa populacional com 74.699 habitantes a mais do
que o projetado para o Plano das Bacias PCJ para o ano de 2014. Além disso, a
estimativa para 2014 praticamente já alcança o número da projeção efetuada para
2018 pelo Plano Diretor de Recursos Hídricos da Macrometrópole. Observa-se, desta
forma, que a região está superando as previsões de crescimento populacional dos
estudos realizados.
O crescimento que vem ocorrendo nas Bacias PCJ pode ser verificado na Tabela 9,
onde é apresentada a população residente por município e a taxa geométrica de
crescimento anual (TGCA) ocorrida entre 2010 e 2015.
Tabela 2. População residente nas Bacias PCJ e taxa geométrica de crescimento anual
(TGCA) – 2010 a 2015
Município População (2010) População (2015) TGCA (%)
Aguas de São Pedro 2.707 3.139 3,01
Americana 210.638 229.322 1,71
Amparo 65.829 70.280 1,32
Analândia 4.293 4.731 1,96
Artur Nogueira 44.177 50.246 2,61
Atibaia 126.603 137.187 1,62
185
Município População (2010) População (2015) TGCA (%)
Bom Jesus dos Perdões 19.708 23.025 3,16
Bragança Paulista 146.744 160.665 1,83
Cabreúva (75%) 31.203 34.896 2,26
Camanducaia (MG) 21.080 21.955 0,82
Campinas 1.080.113 1.164.098 1,51
Campo Limpo Paulista 74.074 80.847 1,77
Capivari 48.576 53.152 1,82
Charqueada 15.085 16.440 1,74
Cordeirópolis 21.080 23.234 1,96
Corumbataí 3.874 4.036 0,82
Cosmópolis 58.827 66.807 2,58
Elias Fausto 15.775 17.085 1,61
Extrema (MG) 28.599 33.082 2,96
Holambra 11.299 13.375 3,43
Hortolândia 192.692 215.819 2,29
Indaiatuba 201.619 231.033 2,76
Ipeúna 6.016 6.914 2,82
Iracemápolis 20.029 22.557 2,41
Itapeva (MG) 8.664 9.436 1,72
Itatiba 101.471 113.284 2,23
Itupeva 44.859 54.128 3,83
Jaguariúna 44.311 51.907 3,22
Jarinu 23.847 27.473 2,87
Joanópolis 11.768 12.725 1,58
Jundiaí 370.126 401.896 1,66
Limeira 276.022 296.440 1,44
Louveira 37.125 43.862 3,39
186
Município População (2010) População (2015) TGCA (%)
Mairiporã (11%) 8.905 10.156 2,66
Mombuca 3.266 3.441 1,05
Monte Alegre Do Sul 7.152 7.736 1,58
Monte Mor 48.949 55.409 2,51
Morungaba 11.769 12.934 1,91
Nazaré Paulista 16.414 17.794 1,63
Nova Odessa 51.242 56.764 2,07
Paulínia 82.146 97.702 3,53
Pedra Bela 5.780 6.044 0,90
Pedreira 41.558 45.579 1,86
Pinhalzinho 13.105 14.423 1,94
Piracaia 25.116 26.688 1,22
Piracicaba (96%) 349.988 375.792 1,43
Rafard 8.612 9.004 0,89
Rio Claro 186.253 199.961 1,43
Rio Das Pedras 29.501 32.982 2,26
Saltinho 7.059 7.818 2,06
Salto 105.516 114.171 1,59
Santa Bárbara Do Oeste 180.009 190.139 1,10
Santa Gertrudes 21.634 24.737 2,72
Santa Maria Da Serra 5.413 5.902 1,74
Santo Antônio De Posse 20.650 22.389 1,63
São Pedro 31.662 34.284 1,60
Sumaré 241.311 265.955 1,96
Toledo (MG) 5.764 6.153 1,31
Tuiuti 5.930 6.533 1,96
Valinhos 106.793 120.258 2,40
187
Município População (2010) População (2015) TGCA (%)
Vargem 8.801 9.854 2,29
Várzea Paulista 107.089 116.601 1,72
Vinhedo 63.611 72.550 2,66
TOTAL BACIAS PCJ 5.169.831 5.664.829 1,85
ESTADO DE SÃO PAULO 41.262.199 44.396.484 1,48
ESTADO DE MINAS GERAIS 19.597.330 20.869.101 1,27
Fonte: IBGE (Censo Demográfico 2010; Estimativa 2015).
Note-se que o crescimento populacional das Bacias PCJ é superior as taxas geométricas
de crescimento anual do Estado de São Paulo e Minas Gerais. Tal tendência de
crescimento exerce pressão sobre a demanda de recursos hídricos, com a necessidade
de aumentar as vazões captadas para o abastecimento público.
Por outro lado não houve aumento da disponibilidade hídrica nos últimos cinco anos.
Portanto, considerando as projeções de crescimento populacional para o futuro, o
aumento da demanda não terá como ser suportado pela disponibilidade de água
existente sem que haja grandes avanços.
Neste contexto cabe verificar as diversas possibilidades, inclusive de reuso por meio da
aplicação de tecnologia. Em regiões semiáridas ou com recursos hídricos limitados, a
água reciclada é reconhecida como recurso hídrico passível de diversos usos,
incluindo-se o abastecimento público.
188
ANEXO III
EVENTOS EXTREMOS E A CRISE HÍDRICA NO BRASIL
São de grande relevância os impactos das intercorrências climáticas, classificadas
como eventos extremos, que ocorreram recentemente em algumas das regiões do
país. Neste anexo, são descritos aspectos e impactos das ocorrências no semiárido
nordestino e no sudeste brasileiro.
A CRISE HÍDRICA E O SEMIÁRIDO NORDESTINO
A percepção sobre a escassez de água no semiárido nordestino é histórico e
acompanhou a ocupação do seu território. Nas diferentes regiões brasileiras, tal
percepção foi constituída ao longo de décadas devido a migração de grandes
contingentes populacionais do Nordeste para os Estados da região Sudeste e outras
regiões, inclusive a amazônica. A arte brasileira contribuiu também de forma decisiva
para a percepção do fenômeno da seca e de suas consequências sociais. Em 1928
inaugurava-se a literatura sobre a seca, com a publicação do romance de José Américo
de Almeida, “A Bagaceira”, cujos personagens migram do sertão durante a grande seca
de 1898. Dez anos mais tarde, em 1938, Graciliano Ramos publicou “Vidas Secas”, que
narra o êxodo de uma família do sertão nordestino. Dezenas de outras obras literárias
abordaram a seca e seus efeitos.
No semiárido nordestino há uma combinação de características naturais adversas para
o sistema hídrico: altas temperaturas, baixas amplitudes térmicas, forte insolação e
altas taxas de evapotranspiração, além de baixos índices pluviométricos (inferiores a
800 mm), o que resulta em rios com baixa disponibilidade hídrica ou até mesmo rios
intermitentes.
189
A seca foi particularmente severa no semiárido nos anos de 2012 a 2014. Desde o
Sertão dos Inhamus, na área central do Ceará, no Rio Grande do Norte, em sua porção
oeste, em todo o alto sertão de Pernambuco, a porção baiana da margem esquerda do
Rio São Francisco, seguindo pela Paraíba, todas essas áreas viveram em 2012 uma seca
com período de retorno estimado em mais de 100 anos.
No Nordeste, a crise hídrica teve início e seu auge em 2012. Os dados pluviométricos
das centenas de estações existentes na região semiárida revelaram um quadro de seca
extrema.
Em 2013 registrou-se uma diminuição significativa da área atingida pela seca no
semiárido nordestino. Não obstante, ainda houve estiagem com tempo de retorno
superior a cem anos em áreas do norte da Bahia, sertão de Pernambuco e Sudeste do
Piauí. Em 2014 manteve-se essa tendência de redução da área atingida pela seca
extrema, mas ainda restaram áreas do sertão de Pernambuco com estiagem severa,
com tempo de retorno superior a cem anos.
190
Figura 1. Mapas de quantis e tempos de retorno da precipitação do ano hidrológico de
2012
Fonte: CONJUNTURA DOS RECURSOS HÍDRICOS – INFORME 2015 – ANA.
191
Figura 2. Mapas de quantis e tempos de retorno da precipitação do ano hidrológico de
2014
Fonte: CONJUNTURA DOS RECURSOS HÍDRICOS – INFORME 2015 – ANA.
192
Essa situação de seca extrema afetou diretamente o volume de água armazenado nos
açudes utilizados para usos múltiplos, incluindo o abastecimento de água. Em 2012, os
açudes e reservatórios do Nordeste operavam com 65,1 % de sua capacidade. Em 2013
os níveis tinham caído para 41,5%. Em 2014 caíram ainda mais, chegando a 32,6% e
em 2015 atingiram um patamar crítico, de apenas 25,3% da capacidade total6.
Como em 2013 a seca extrema perdurou em grande parte do semiárido e em 2014
ainda permanecia no sertão de Pernambuco, não houve reposição dos estoques de
água nos açudes.
EVENTOS EXTREMOS E A CRISE HÍDRICA NO SUDESTE BRASILEIRO
Os eventos do verão de 2011 no Rio de Janeiro e em São Paulo parecem confirmar a
previsão sobre a ocorrência de eventos extremos com maior frequência e intensidade
na região sudeste do País.
Em janeiro de 2011, a região serrana do Rio de Janeiro foi atingida por chuvas intensas
ocasionadas pela chegada de um sistema frontal. O evento foi deflagrado por
condições climáticas extremas de precipitação acumulada em 24 horas de 241,8 mm,
com pico de 61,8 mm em uma hora. No ínterim de doze horas registrou-se uma
precipitação de 222 mm7.
As chuvas provocaram deslizamentos em encostas movimentando solos, rochas e
árvores, destruindo casas e edifícios, provocando enchentes e enxurradas, gerando um
cenário de devastação nos municípios de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis,
Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto e Bom Jardim. O evento extremo resultou na
morte de 947 pessoas. Mais de nove mil pessoas ficaram desabrigadas. Segundo o
6 Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil – Informe 2014. Encarte especial: A crise hídrica. Agência
Nacional de Águas, Brasília, 2015, p. 24.
7DOURADO, F. ARRAES, T.C. SILVA, M.F. O megadesastre da Região Serrana do Rio de Janeiro – as causas
do evento, os mecanismos dos movimentos de massa e a distribuição espacial dos investimentos de
reconstrução no pós-desastre. In Anuário do Instituto Geociências da UFRJ, Volume 35, nº 2, 2012.
193
banco de dados internacional de desastres, com sede na Bélgica, foi o desastre natural
mais severo da história do país.
Figura 3. Destruição causada em Nova Friburgo, região serrana do Estado do Rio de
Janeiro
No último dia do ano de 2010, chuvas intensas provocaram inundações e
deslizamentos em Angra dos Reis que levaram à morte de 53 pessoas. Quatro meses
depois, em abril de 2011, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro foi atingida por
tempestades associadas ao deslocamento de uma frente fria. Em 24 horas as
precipitações atingiram a casa dos 323 mm, provocando deslizamentos que causaram
a morte de 167 pessoas em Niterói e 66 óbitos na cidade do Rio de Janeiro, ainda
deixando ainda mais de 3 mil pessoas desabrigadas.
194
Figura 4. Deslizamentos de terra em Angra dos Reis
Segundo especialistas, os eventos de 2010 e 2011 no estado do Rio de Janeiro
explicitaram a vulnerabilidade das regiões urbanas diante dos eventos extremos
causados pelas mudanças climáticas.
Também no verão de 2010/11, mais de 140 pessoas perderam suas vidas no Estado de
São Paulo em consequência de chuvas intensas em áreas urbanas e rurais, inclusive na
Região Metropolitana de São Paulo. No mês de janeiro o volume de água que se
precipitou sobre São Paulo foi de 480,5 milímetros, o dobro da média histórica do mês
e o maior volume registrado até então desde 19478.
Nas regiões urbanas, os eventos extremos costumam resultar em tragédias de maior
dimensão e são as populações de menor renda dessas regiões as que mais sofrem
seus impactos, como destaca um estudo sobre a vulnerabilidade das megacidades
aos impactos das mudanças climáticas.
8NOBRE, C. A. Coordenador. Vulnerabilidades das megacidades brasileiras às mudanças climáticas:
região metropolitana de São Paulo: Relatório final. São José dos Campos, Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais - INPE, 2011.
195
Até a crise hídrica de 2014, não havia por parte da opinião pública brasileira a
percepção de que na Região Sudeste há um déficit estrutural de oferta de água. Ao
contrário, o senso comum imaginava que, à exceção do semiárido nordestino, não
haveria um problema de oferta de água em todo restante do país, reflexo de uma
aparente abundância de recursos naturais, dentre estes, a água.
Essa percepção de abundância em São Paulo origina-se das constantes inundações que
assolam a RMSP, provocadas por eventos de chuva não necessariamente excepcionais
e também pela grande riqueza hídrica: há cerca de 2.500 km de cursos d’água somente
no município de São Paulo. As cheias são fenômenos naturais, mas as inundações de
áreas urbanas são causadas não somente por chuvas excepcionais, mas por falta de
gestão no território urbano, que permitiu a ocupação de várzeas e a
impermeabilização do solo, ambos fortes fatores de aumento da frequência de
inundação. Assim, a “impressão” de abundância de água é inevitável.
Em 2014, confrontada com a possibilidade de racionamento que os jornais
especulavam, que seria de três ou quatro dias sem fornecimento de água, a opinião
pública de São Paulo finalmente despertou para o problema. Diariamente os jornais
publicavam nas primeiras páginas os níveis do Sistema Cantareira. Ainda hoje, 2016,
mais de um ano após a crise, é comum a publicação de notícias sobre a situação do
complexo de reservatórios do Sistema Cantareira. Houve uma explosão de entrevistas
com especialistas em redes de TV, nas rádios e o governo estadual foi obrigado a expor
detalhadamente um plano de ação para enfrentar o problema.
A crise hídrica se tornou uma questão política e, ao longo de meses, a opinião pública
assistiu a um debate com pontos de vistas diferentes entre autoridades do governo
federal, de um lado, e do governo de São Paulo e dirigentes da SABESP de outro, sobre
as ações dos gestores para o enfrentamento da crise hídrica. Cabe destacar que em
2012 o cenário era outro: a discussão passava em reduzir o volume operacional do
Sistema Cantareira para receber cheias recorrentes (2010 e 2011), aumentando o
volume de amortecimento. No entanto, nos anos subsequentes, ocorreu o contrário:
196
ao invés de índices pluviométricos superiores as médias históricas, ocorreu um período
de estiagem de intensidade jamais registrada.
Nesse cenário de excepcionalidade, adiou-se a renovação da outorga do Sistema
Cantareira, que ocorreria em 2014, estando prevista para ocorrer em 2017.
Figura 5. Totais pluviométricos de verão no Sistema Cantareira
Fonte: Seluchi e Nobre (2014): Relatório Técnico do MCTI para a SABESP.
No final de 2014 a sociedade civil, sob a ameaça de redução da oferta de água através
do sistema de abastecimento público, começou a se manifestar. Em dezembro, um
grupo importante de cientistas reunidos pela Academia Brasileira de Ciências divulgou
um documento sobre a crise hídrica no Sudeste e a mudança climática. O documento
afirmava que eram:
(...) fortíssimos os indícios de que há uma mudança climática em curso (...) com consequências na reservação de água e em todo o planejamento da gestão dos recursos hídricos. Estas mudanças climáticas não são apenas pontuais. Há indicações e fatos que apontam para sua possível continuidade, configurando uma ameaça à segurança hídrica da população da região Sudeste, especialmente da Região Metropolitana de São Paulo, do interior de Minas Gerais e do Estado do Rio de Janeiro (...). Os dados apresentados mostram que os sistemas produtores de água - principalmente na Região da Macrometrópole Paulista - não dispunham de resiliência adequada para garantir as vazões necessárias ao atendimento da
197
demanda atual e projetada, em especial de abastecimento público, tendo em vista a excepcionalidade da seca com intensidade jamais registrada. Os sistemas de abastecimento foram projetados para dar garantia de 95% no suprimento de água. Esta garantia mostrou-se frágil face à severidade dos recentes eventos extremos de seca (...). Em médio e longo prazo esta situação se complica ainda mais, uma vez que as demandas tendem ainda a crescer. É evidente a necessidade de obras para aumentar a capacidade de reservação e distribuição dos sistemas, obras estas que levarão um tempo considerável para serem concluídas. (...) A perspectiva de recorrência de eventos extremos - como secas prolongadas alternadas com enchentes - e a insuficiência das estruturas hidráulicas existentes para atendimentos da crescente demanda por recursos hídricos na Região da Macrometrópole Paulista (tendência de mais 60 m
3/s até 2035), exigem visão de longo alcance, para reduzir o risco de
vulnerabilidade social, econômica e ambiental. Para enfrentar essas condições, faz-se urgente a implementação de novas fontes de suprimento hídrico e do aumento da capacidade de armazenamento de água bruta, em especial na RMSP e na Bacia do Piracicaba, sem prejuízo da adoção de outras importantes medidas, tais como o controle de perdas nos sistemas de abastecimento (...).
9
A DIMINUIÇÃO DAS VAZÕES NAS BACIAS PCJ EM 2014
A diminuição das vazões foi dramática e através delas pode-se perceber com clareza o grande
risco hídrico vivido pela região. O Rio Jaguaribe, por exemplo, apresenta na sua foz uma vazão
média de longo termo de 47,49 m³/s e em 2014 a vazão média nesse mesmo ponto do rio caiu
para 7,8 m³/s, correspondentes a apenas 16,42% da vazão média de longo termo. Já o Rio
Atibaia apresentou em 2014, em Desembargador Furtado, uma vazão média de 5,85
m³/s, correspondente a 20,38% da vazão média de longo termo desse mesmo ponto
de medição de 28,7 m³/s.
No ponto de captação de Valinhos, o Rio Atibaia apresentou uma vazão média de 7,7
m³/s correspondente a 34,25% da vazão média de longo termo de 22,48 m³/s. O Rio
9 Carta de São Paulo – recursos hídricos no Sudeste: segurança, soluções, impactos e riscos. Academia
Brasileira de Ciências. Rio de Janeiro, dezembro de 2014. A elaboração do documento foi coordenada pelo professor José Galizia Tundisi da UFSCAR e contou com contribuições, entre outros, dos professores Carlos Nobre, José Marango, Jerson Kelman, professor da COPPE - UFRJ e ex-presidente da ANEEL e da ANA, Mônica Porto, da USP, além da promotora de justiça Alexandra Facciolli Martins, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente, do Ministério Público de São Paulo, do promotor de justiça Ivan Carneiro Castanheiro, também do Gaema, do Núcleo XII de Piracicaba.
198
Piracicaba em seu ponto de maior vazão apresenta uma da vazão média de longo
termo de 134,86 m³/s, mas em 2014 a vazão média nesse mesmo ponto foi de 53,32
m³/s, correspondente a 39,54% da vazão média de longo termo10.
10
RELATÓRIO DE GESTÃO E SITUAÇÃO DAS BACIAS PCJ 2014 / Fundação Agência das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Valinhos, Gráfica e Editora Discopel, 2015, p. 127.
199
ANEXO IV
APLICAÇÃO DOS RECURSOS DE COBRANÇA
1. APLICAÇÃO DOS RECURSOS DA COBRANÇA FEDERAL ANO A ANO
ANO DE 2006
Em 2006, os recursos da cobrança federal foram investidos em dezenove projetos de
afastamento e tratamento de esgotos, redução de perdas na distribuição de água e
governança. Os projetos receberam R$ 19.596.842,58 em valores presentes da
cobrança federal5, e totalizaram R$ 34.802.612,24 em valores presentes,
considerando-se as contrapartidas de seus proponentes. É importante ressaltar que os
recursos da cobrança aplicados em todos os projetos tem a particularidade de não
serem reembolsáveis.
Cinco dos dezenove projetos consumiram R$ 13.513.246,62, correspondentes a
68,96% dos recursos da cobrança federal desse ano. Três deles tinham a Companhia
de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP como tomadora dos recursos:
a ampliação da ETE de Cabreúva, obras de adequação na ETE de Nazaré Paulista e a
instalação de macromedidores de vazão em diversos municípios. Os outros dois
projetos tinham como tomadora dos recursos a Sociedade de Abastecimento de Água
e Saneamento S/A – SANASA: a implantação de uma rede de coleta em um bairro da
cidade de Campinas e a substituição de tubulações de cimento amianto e de ferro da
rede de distribuição de água desse município. Os valores totais presentes desses
projetos incluindo-se as contrapartidas dos proponentes é de R$ 27.009.807,19.
Outros onze projetos envolviam implantação de sistema de esgotamento, de coletores
tronco e de tratamento de esgoto, além de redução de perdas na distribuição de água.
O setor de saneamento, inclusive o combate às perdas, recebeu 81,80% dos recursos
5
Aplicação dos recursos de cobrança e compensação nas Bacias PCJ - 2006 a 2015. Planilha elaborada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP a partir de dados da Agência Nacional de Águas - ANA e da Agência das Bacias PCJ.
200
da cobrança federal em 2006. Por fim, três projetos eram dedicados a temas relativos
à governança das águas, sendo que o principal deles tinha como objetivo a contratação
de serviços para a elaboração do Plano de Bacias 2008 a 2020. Tratava-se de um
projeto da própria Agência de Bacias PCJ, contemplado com R$ 2.725.011,00 em
valores presentes.
ANO DE 2007
Em 2007 esse perfil de investimentos se manteve. De um total de R$ 12.836.016,25 a
valores presentes de recursos da cobrança federal aplicados, cinco projetos da SABESP
consumiram R$ 6.328.039,74, correspondentes a 49,30% dos recursos da cobrança
federal, sendo que um dos projetos recebeu R$ 5.060.526,00 para construção de uma
ETE em Itupeva. A SANASA, por sua vez, recebeu outros R$ 5.060.526,00 para a
construção da ETE San Martin em Campinas, correspondentes a 39,42% dos recursos
da cobrança federal em 2007. As duas empresas acima citadas ficaram com 88,72%
dos recursos da cobrança federal nesse ano.
Os valores totais dos projetos em 2007 foram de R$ 49.456.393,21, considerando-se as
contrapartidas de seus proponentes.
Em 2007 foi aprovado o primeiro projeto de pagamento por serviços ambientais nas
Bacias PCJ que consumiu R$ 927.763,10, correspondentes a 7,23% do total aplicado
com recursos da cobrança federal no ano.
ANO DE 2008
Em 2008 manteve-se inalterado o perfil dos investimentos com recursos da cobrança
federal. Apenas quatro projetos, sendo três da SABESP e um da SANASA consumiram
R$ 12.358.531,80 em valores presentes, correspondentes a 76,80% de um total de R$
16.091.149,89 em valores presentes aplicados em 14 projetos.
201
Nesse ano foram aplicados 95,57% dos recursos da cobrança federal em 10 projetos
no setor de saneamento, sendo 8 deles relativos à afastamento, transporte e
tratamento de esgoto e a investimentos em estações de tratamento de água. Dois
projetos destinavam-se à redução de perdas na distribuição de água.
ANO DE 2009
Em 2009 o perfil de investimentos sofreu algumas alterações em relação aos três
primeiros anos da cobrança federal nas Bacias PCJ. O saneamento continuou
concentrando os recursos: 91,96% dos recursos da cobrança federal. No entanto
quinze municípios, além da SABESP e da SANASA aprovaram projetos em dezesseis
cidades integrantes das Bacias PCJ.
Quatro municípios, Santa Barbara do Oeste, Cosmópolis, Jundiaí e Americana
aprovaram projetos de coleta e tratamento de esgotos que receberam um total de R$
13.828.739,11 em valores presentes, correspondentes a 55,57% do total dos recursos
da cobrança federal aplicados nesse ano. A SABESP e a SANASA receberam menos do
que nos anos anteriores, contudo ainda ficaram com 18,45% dos recursos de 2009,
totalizando R$ 4.590.120,75 em valores presentes, sendo que desse total um projeto
da SABESP de construção de estações elevatórias de esgoto e coletores tronco no
município de Piracaia recebeu R$ 3.653.942,53 em valores presentes.
Apenas um projeto foi dedicado à governança, da própria Agência das Bacias PCJ foi
aprovado, recebendo R$ 1.265.517,23 em valores presentes, correspondentes a 5,09%
dos recursos do ano.
Dois outros projetos foram contemplados envolvendo preservação ambiental
envolvendo R$ 734.835,96 em valores presentes, apenas 2,95% do total dos recursos
aplicados da cobrança federal no ano.
202
ANO DE 2010
Em 2010 o setor de saneamento continuou concentrando a aplicação dos recursos da
cobrança federal: 95,24%, um total de R$ 23.312.186,28 em valores presentes,
inclusive projetos de redução de perdas na distribuição de água. A exemplo de 2009,
quatro municípios, Santa Barbara do Oeste, Nova Odessa, Rio Claro e Indaiatuba
aprovaram cinco projetos na área de saneamento, inclusive controle de perdas,
totalizando R$ 14.754.288,24 em valores presentes, correspondentes a 60,28% do
total de recursos investidos em projetos no ano com recursos da cobrança federal. A
SABESP e a SANASA aprovaram três projetos totalizando R$ 6.158.072,88 em valores
presentes, correspondentes a 25,16% do total da cobrança federal do ano.
Por fim, seis pequenos projetos, todos da própria Agência das Bacias PCJ, receberam
R$ 1.164.930,73, correspondentes a 4,76% do total do ano.
Os valores totais dos projetos em 2010 foram de R$ 34.741.232,63 em valores
presentes, considerando-se as contrapartidas de seus proponentes.
ANO DE 2011
Em 2011 o saneamento concentrou mais uma vez os recursos investidos em projetos.
Foram R$ 17.311.909,13, correspondentes a 77,75 dos recursos da cobrança federal
do ano.
De forma muito próxima ao que ocorrera em 2010, três municípios, Piracicaba, Nova
Odessa e Vinhedo, foram contemplados com a aprovação de quatro projetos no valor
de R$ 10. 784.481,26 em valores presentes de recursos da cobrança federal,
correspondentes a 48,44% do total aplicado no ano. A SABESP e a SANASA ficaram
com 26,70% dos recursos em cinco projetos, totalizando R$ 5.945.873,28 em valores
presentes de recursos da cobrança federal.
Em 2011 os investimentos em projetos relativos à gestão dos recursos hídricos
ganharam uma dimensão um pouco maior do que ocorrera entre 2006 e 2010. Foram
203
9 projetos da própria Agência das Bacias PCJ e dois projetos dedicados à elaboração de
planos municipais de saneamento nos municípios de Iracemápolis e Piracaia. Os
projetos contaram com R$ 3.358.257,10 em valores presentes, correspondentes a
15,08% dos recursos da cobrança federal do ano.
Por fim houve um projeto contemplado de pagamento por serviços ambientais.
Tratava-se da continuidade do projeto Conservador das águas em Extrema, Minas
Gerais que visa o reflorestamento das nascentes do rio Jaguari e que foi contemplado
com R$ 1.595.450,48 em valores presentes de recursos da cobrança federal do ano,
correspondentes a 7,17%.
ANO DE 2012
Em 2012 o setor de saneamento, inclusive ações para redução de perdas na
distribuição de água, continuou a concentrar os recursos: foram 71,59% da cobrança
federal, um total de R$ 13.550.904,19 em valores presentes. Dois projetos da CODEN,
de Nova Odessa foram contemplados com R$ 4.113.821,27, correspondentes a 21,73
do total do ano. Um projeto da SANASA de redução de perdas foi contemplado, de R$
3.169.988,89 representando 16,75% do total do ano.
Pela primeira vez houve investimentos em projetos de coleta e tratamento de esgotos
em três municípios mineiros: Camanducaia, Itapeva e Sapucaí Mirim. Todos os
projetos foram contratados pela própria Agência das Bacias PCJ.
Houve 7 projetos de governança, todos da Agência das Bacias PCJ que consumiram R$
5.378.344,93 dos recursos da cobrança federal do ano, correspondentes a 28,41%.
ANO DE 2013
Em 2013 houve uma concentração dos recursos em projetos de redução de perdas na
distribuição de água. Apenas cinco projetos consumiram 62,03% dos recursos da
cobrança federal no ano, R$ 9.317.906,50 de um total de R$ 15.020.619,58.
204
A SANASA foi contemplada com dois projetos de substituição de redes de distribuição
de águas, totalizando R$ 3.043.115,06 em valores presentes, correspondentes a
20,26% do total de recursos da cobrança no ano. Outros três projetos dos municípios
de Rio Claro, Santa Barbara do Oeste foram contemplados, sendo que todos os
projetos envolviam substituição de redes de distribuição de água.
Em 2013 o item governança teve uma participação elevada na partilha dos recursos,
um total de R$ 5.702.713,08, correspondentes a 37,97% do total da cobrança federal
do ano, sendo que todos os projetos tiveram a Agência das Bacias PCJ como
proponente. Na verdade, R$ 2.419.392,10 foram utilizados para custear a elaboração
de 24 planos municipais de saneamento, em atendimento ao disposto pela Lei 11.445
de 2007, que instituiu a Política Nacional de Saneamento. Um outro projeto de R$
1.959.135,14 envolvia a contratação de serviços de acompanhamento técnico dos
projetos contratados com recursos não reembolsáveis. Houve ainda oito outros
projetos de menor valor e importância.
ANO DE 2014
Da mesma forma que em 2013, em 2014 houve uma concentração dos recursos da
cobrança federal em projetos de redução de perdas na distribuição de água e em
projetos de governança.
A redução de perdas foi contemplada com R$ 12.577.070,69 em valores presentes,
correspondentes a 51,39% do total da cobrança federal do ano.
A SANASA foi contemplada com dois projetos de substituição e reabilitação de redes
de água, que somaram R$ 4.396.617,73 de recursos da cobrança federal,
correspondentes a 17,96% do total. O valor total desses projetos incluindo-se as
contrapartidas do proponente foi de R$ 6.526.317,89.
A rubrica governança contou com R$ 11.898.740,36, correspondentes a 48,61% do
total da cobrança federal do ano, especialmente por conta da contratação de serviços
de monitoramento hidrológico nas Bacias PCJ, projeto relevante que recebeu R$
205
8.158.170,80 em valores presentes, correspondentes a 33,33% dos recursos da
cobrança federal do ano. Dois outros projetos dedicados à elaboração do Plano Diretor
de Combate às Perdas foram contemplados com R$ 2.130.435,11. Todos os projetos
de governança tiveram a Agência das Bacias PCJ como proponente. Foram 21 projetos
aprovados na rubrica governança nesse ano, sendo que os 19 projetos restantes eram
de menor valor e importância.
ANO DE 2015
Em 2015 houve novamente uma concentração dos recursos da cobrança federal em
projetos de redução de perdas na distribuição de água. Foram R$ 22.088.300,96 em
valores presentes, correspondentes a 89,61% do total de recursos da cobrança federal
aplicados em projetos no ano.
Dois projetos da SEMAE de Piracicaba foram contemplados com R$ 7.418.871,09,
correspondentes a 30,10% do total da cobrança federal do ano. A SANASA foi
contemplada com dois projetos totalizando R$ 4.814.790,13 em valores presentes,
correspondentes a 19,53% dos recursos não reembolsáveis. A SANEBAVI de Vinhedo
foi contemplada com um projeto de substituição das adutoras da Estrada da Boiada no
valor de R$ 4.577.920,23, correspondentes a 18,57% do ano, constituindo-se no maior
projeto individual de 2015. Outros dois projetos de Nova Odessa e Rio Claro foram
contemplados. O valor total dos projetos de redução de perdas foi de R$
28.774.966,52 em valores presentes, incluindo-se as contrapartidas dos proponentes.
Dois projetos da Agência das Bacias PCJ na rubrica governança foram contemplados
com R$ 2.560.390,00, correspondentes a 10,39% dos recursos do ano. 7
7 Todos os dados referentes às aplicações de recursos da cobrança federal estão na planilha Aplicação
dos recursos de cobrança e compensação nas Bacias PCJ - 2006 a 2015, elaborada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP a partir de dados da Agência Nacional de Águas e da Agência das Bacias PCJ.
206
Aplicação dos recursos da cobrança federal de 2006 a 2015 por setor
Entre 2008 e 2015, ao longo de oito anos de aplicação de recursos da cobrança federal,
houve uma forte concentração de recursos em saneamento, incluindo-se nele os
projetos com o objetivo de redução de perdas de distribuição de água. O saneamento
ficou com R$ 163.927.831,08 em valores presentes, correspondentes a 80,66% do
total de recursos da cobrança federal do período.
Tabela 1. Projetos contemplados com recursos da cobrança federal por setor - 2006 –
2015 (em R$)
PERDAS 83.134.040,19 40.91%
SANEAMENTO 80.793.790,90 39,76%
SANEAMENTO E PERDAS 169.927.831,08 80.66%
GOVERNANÇA 37.702.163,01 17.57%
SERVIÇOS AMBIENTAIS 2.859.386,38 1,41%
PRESERVAÇÃO 734.835,96 0,36%
TOTAL 203.224.216,43
Fonte: Fundação Agência das Bacias PCJ
Perdas na distribuição de água foi a rubrica que obteve a maior parte dos recursos,
especialmente em função da política de aplicação dos recursos adotada a partir de
2013 de concentrar todos os recursos nesse setor, não tendo havido nenhum
investimento com recursos da cobrança federal em tratamento de esgoto ou
tratamento de água nos últimos três anos do período considerado.
207
Entre 2006 e 2015 as atividades de afastamento, transporte e tratamento de esgoto,
além de tratamento de água, designadas nas tabelas como saneamento, ficaram com
39,76% do total dos recursos da cobrança federal.
A rubrica Governança ficou com R$ 35.702.163,01 em valores presentes,
correspondentes a 17,57% do total de recursos, especialmente em função de alguns
grandes projetos, tais como a contratação de serviços de monitoramento hidrológico
nas Bacias PCJ, o Plano de Bacias 2010 -2020, o Plano Diretor de Combate às Perdas,
entre outros.
A rubrica Serviços Ambientais foi contemplada com simbólicos 1,41% do total de
recursos e preservação ambiental com ínfimos 0,36% do total do período.
APLICAÇÃO DOS RECURSOS DA COBRANÇA ESTADUAL
ANO DE 2007
Em 2007, primeiro ano da arrecadação e da aplicação de recursos da cobrança
estadual, a coleta e tratamento de esgotos foi contemplada com 91,75% dos recursos,
um total de R$ 9.134.235,78. Dois projetos concentraram 60,66% dos recursos do ano:
um interceptor na margem esquerda do rio Piracicaba, do SEMAE e a implantação de
um sistema de afastamento e transporte de esgotos em Jaguariúna. Houve ainda um
projeto de redução de perdas, também da SEMAE que ficou com 5,37%. Ambas as
rubricas ficaram com 91,75%
A rubrica governança recebeu 8,25% dos recursos do ano, correspondentes a R$
486.792,37, distribuídos por quatro projetos, sendo três deles para elaboração de
planos diretores de redução de perdas na distribuição de água.
208
ANO DE 2008
Em 2008, os recursos da cobrança estadual foram concentrados no setor de
saneamento que ficou com 66,84% dos recursos do ano, R$ 4.294.180,63 em valores
presentes. A SANASA foi contemplada com a aprovação de um projeto de
investimentos em uma estação de tratamento de esgotos que recebeu 28,24% do total
do ano, R$ 1.814.119,32 em valores presentes.
A rubrica governança recebeu 33,16% do total de recursos, correspondentes a R$
2.130.629,12, para financiar projetos de cinco municípios tais como a elaboração de
um plano municipal de recursos hídricos em Campo Limpo, um plano diretor de
macrodrenagem em Várzea Paulista, um plano diretor de combate às perdas em
Vinhedo, além de projetos de interesse de toda as Bacias PCJ, como um balanço de
sedimentos no Sistema Cantareira.
ANO DE 2009
Em 2009 cresceu o valor absoluto dos recursos da cobrança estadual para aplicação
em projetos. Eles saltaram de R$ 6.424.809,75 para R$ 17.231.656,30 em valores
presentes.
O setor de saneamento, inclusive projetos para redução de perdas na distribuição de
água concentraram 93,96% do total de recursos do ano, R$ 16.191.169,71 em valores
presentes. Dois projetos do Serviço Autônomo de Água e Esgotos de Indaiatuba e um
projeto da SANASA ficaram com 70,61% dos recursos do ano. O projeto da SANASA,
investimentos no sistema de esgotamento sanitário Santa Bárbara foi contemplado
com R$ 3.667.193,52, correspondentes a 21,28 do total de recursos do ano e os
projetos de Indaiatuba, um coletor tronco na margem direita do Rio Jundiaí e ações
para redução de perdas foram contemplados com R$ 8.500.384,83 em valores
presentes.
Três projetos de menor dimensão foram aprovados na rubrica governança, ficando
com 6,04% dos recursos do ano.
209
ANO DE 2010
Em 2010 o setor de saneamento ficou com 60% dos recursos da cobrança estadual,
sendo 2,77% em pequenos projetos de redução de perdas e o restante essencialmente
em um sistema coletor e uma estação elevatória em Piracicaba e investimentos em
uma ETA em Vinhedo, totalizando R$ 9.357.823,25 em valores presentes.
A rubrica governança ficou com 34,46% dos recursos do ano, essencialmente por conta
de dois projetos envolvendo monitoramento hidrológico com envio de informações
por telemetria e de monitoramento qualitativo e quantitativo, ambos da Bacia do Rio
Piracicaba. Esses dois projetos receberam 31,10% do ano, R$ 4.850.519,53 em valores
presentes.
Houve ainda um pequeno projeto de preservação ambiental que foi contemplado com
1,76% dos recursos do ano, R$ 274.302,76 em valores presentes e um projeto de
educação ambiental contemplado com 1,99% dos recursos da cobrança estadual do
ano, R$ 310.637,62 em valores presentes.
ANO DE 2011
Em 2011 novamente houve um crescimento expressivo dos recursos da cobrança
estadual para investimentos em projetos: de R$ 15.596.219,89 em valores presentes
em 2010 eles se elevaram para R$ 23.483.098,99 em valores presentes em 2011.
Novamente os recursos se concentraram em saneamento, R$ 19.352.281,11 em
valores presentes, correspondentes a 82,41% do total. Os projetos de redução de
perdas na distribuição de água cresceram sua participação representando 63,38% do
total de recursos da cobrança estadual do ano.
Governança ficou com 14,07% dos recursos, essencialmente por conta de um projeto
de R$ 2.077.490,14 em valores presentes de gestão hidrometeorológica, contratado
com a FUNDAG.
210
Houve ainda um pequeno projeto de preservação ambiental que ficou com 3,52% dos
recursos do ano.
ANO DE 2012
Em 2012 o setor de saneamento ficou com 81,32% dos recursos, R$ 16.001.909,82 em
valores presentes, mas desta vez afastamento e tratamento de esgotos contaram com
60,18% dos recursos do ano e perdas na distribuição de água com 21,14%.
Neste ano a rubrica governança contou com 18,68% dos recursos, por conta
essencialmente de 12 planos municipais de saneamento que consumiram 11,90% dos
recursos da cobrança do ano.
ANO DE 2013
Em 2013 foram aplicados R$ 16.755.020,45 em valores presentes dos recursos da
cobrança estadual em projetos de saneamento, inclusive redução de perdas,
correspondentes a 98.91% do total do ano. Foram aplicados em saneamento 68,65%
em afastamento e tratamento de esgotos e 30,26% em projetos de redução de perdas.
Houve ainda dois pequenos projetos de governança envolvendo a elaboração de
planos municipais de saneamento que envolveram recursos de apenas 1,09% do total
dos recursos da cobrança estadual do ano.
ANO DE 2014
Em 2014 os recursos da cobrança estadual se elevaram para R$ 21.598.048,92 em
valores presentes. Nesse ano, 100% dos recursos foram dedicados à rubrica
saneamento, particularmente à ampliação de uma estação de tratamento de esgotos e
a coletores de esgotos, havendo ainda três projetos dedicados à melhorias em
sistemas de tratamento de água.
211
ANO DE 2015
Em 2015 os recursos da cobrança paulista aplicados em projetos mais do que
dobraram em relação ao ano anterior: R$ 41.862.124,91 em valores presentes. 100%
desses recursos foram aplicados em dez projetos de saneamento, sendo dois projetos
de redução de perdas que consumiram 11,43% dos recursos, um pequeno projeto de
melhoria de um sistema de tratamento de água e sete grandes projetos de
implantação de estações de tratamento de esgoto, de um interceptor e coletor de
esgotos.
O maior projeto do ano foi contemplado com R$ 9.951.285,38 em valores presentes e
tinha como objetivo a implantação de duas estações de tratamento de esgotos em São
Pedro.
O valor total dos projetos foi de R$ 48.313.669,61, incluindo-se as contrapartidas dos
proponentes que foram de cerca de 12% do total.
As contrapartidas nesse ano representaram pouco mais de 13% do total, o que
significa que todos projetos de 2015 foram custeados essencialmente com recursos da
cobrança estadual.
VALORES TOTAIS APLICADOS COM RECURSOS DA COBRANÇA ESTADUAL POR SETOR
No período entre 2007 e 2015 considerado, 89,45% dos recursos da cobrança estadual
foram aplicados em saneamento, inclusive projetos de redução de perdas na
distribuição de água. Os projetos envolvendo a governança dos recursos hídricos
consumiram apenas 9,57% do total. Os recursos investidos em preservação ambiental
e em educação ambiental foram insignificantes: as duas rubricas receberam menos de
1% do total.
212
Tabela 2. Projetos contemplados com recursos da cobrança estadual por setor - 2007 –
2015 (em R$)
SANEAMENTO 121.495.608,15 70,32%
PERDAS 33.051.186,44 19,13%
SANEAMENTO E PERDAS 154.546.794,59 89.45%
GOVERNANÇA 16.531.837,27 9.57%
PRESERVAÇÃO 1.197.550,58 0,69%
EDUCAÇÃO AMBIENTAL 493.541,26 0,29%
TOTAL 172.769.723,70
Fonte: Fundação Agência das Bacias PCJ
VALORES TOTAIS DOS RECURSOS APLICADOS POR SETOR 1995 – 2015
A análise dos valores totais aplicados por setor confirma a grande concentração dos
recursos em saneamento, inclusive projetos de redução de perdas, que foi
contemplado com 85,36% dos recursos aplicados de 1995 a 2015 de todas as três
fontes: cobrança federal, cobrança paulista e compensação pelo uso de água para
geração de eletricidade. Foram R$ 455.377.411,11 em valores presentes.
213
Tabela 3. Recursos da cobrança federal, paulista e compensação nas Bacias PCJ 1995 –
2015 por setor Valores presentes - Fev. 2016 (em R$)
SANEAMENTO 303.107.078,29 56,83%
PERDAS 152.270.332,81 28,55%
SANEAMENTO E PERDAS 455.377.411,11 85,36%
GOVERNANÇA 64.386.377,94 12,07%
PRESERVAÇÃO 6.772.952,80 1,27%
EDUCAÇÃO AMBIENTAL 3.724.806,02 0,70%
SERVIÇOS AMBIENTAIS 2.859.386,38 0,54%
TOTAL 533.327.323,97
CONTRAPARTIDAS 318.802.461,96
VALOR TOTAL COM
CONTRAPARTIDAS 852.129.785,94
Fonte: Agência Nacional de Águas e Fundação Agência PCJ
Os investimentos em governança receberam 12,07% do total, recursos que
financiaram, de um lado, estudos, projetos, planos e, de outro, a implantação de
monitoramento hidrológico e outros sistemas de informação abrangendo qualidade e
quantidade das águas nas Bacias PCJ, inclusive com aquisição de equipamentos e
softwares.
214
Preservação ambiental foi contemplada com apenas 1,27% do total. Serviços
ambientais e educação ambiental tiveram participações simbólicas, ambas menores do
que um por cento do total.
A destinação de mais da metade dos recursos para tratamento de esgotos espelha a
motivação central dos movimentos sociais e ecológicos que deram origem ao
Consórcio Intermunicipal das Bacias PCJ, aos Comitês das Bacias PCJ e por último da
Agência das Bacias PCJ. Historicamente, esses movimentos tinham como objetivo
central a despoluição dos rios da região. Essa movimentação foi particularmente
intensa em Piracicaba. Na região das Bacias PCJ a estrutura participativa de gestão dos
recursos hídricos por bacia, nasceu de baixo para cima. Os movimentos sociais
antecedem a criação do sistema paulista de gestão dos recursos hídricos, bem como
antecedem a criação da ANA bem como são anteriores ao advento da moderna
legislação federal sobre os recursos hídricos.
A agenda derivada da crise hídrica que pretende aumentar a resiliência das Bacias PCJ
aos efeitos da mudança climática é recente e não está espelhada no perfil dos
investimentos que foram realizados ao longo dos últimos vinte anos e que tinham
como meta central a recuperação dos mananciais.
PRINCIPAIS USUÁRIOS DOS RECURSOS NÃO REEMBOLSÁVEIS
SANASA
A SANASA foi o maior usuário do conjunto de recursos não reembolsáveis aplicados
nas Bacias PCJ, constituído pela compensação pelo uso de água para geração de
hidroeletricidade através do FEHIDRO e dos recursos das cobranças estadual e federal.
A SANASA recebeu um total de R$ 66.575.049,63 em valores presentes de recursos
não reembolsáveis, correspondentes a 12,48% do total aplicado nas Bacias PCJ com
recursos das três fontes acima citadas. A SANASA desembolsou contrapartidas de R$
215
73.193.498,51 em valores presentes. O valor total dos projetos aprovados pela
SANASA foi de R$ 139.768.548,14 em valores presentes.
Entre 1997 e 2015, a SANASA recebeu em valores presentes um total de R$
15.402.667,43 originários da compensação, através do FEHIDRO, correspondentes a
9,79% do total aplicado entre 1995 e 2015 por esse fundo nas Bacias PCJ.
Entre 2006 e 2015, a SANASA recebeu, em valores presentes, R$ 39.546.031,47 da
cobrança federal, correspondentes a 19,46% do total aplicado desses recursos nas
Bacias PCJ.
Entre 2008 e 2012, essa empresa recebeu R$ 11.626.350,73 em valores presentes da
cobrança paulista, correspondentes a 6,73% do total aplicado da cobrança estadual de
2007 a 2015.
Como usuário dos recursos hídricos das Bacias PCJ, a SANASA recolheu um total de R$
24.037.613,19 em valores presentes, relativos às cobranças estadual entre 2007 e
2015 e federal, entre 2008 e 2015. Desse total, R$ 11.491.535,97 em valores presentes
foram pagos à título da cobrança estadual e R$ e 12.546.077,23 em valores presentes
foram pagos à título da cobrança federal.
Dessa forma, como tomador de recursos não reembolsáveis originários das cobranças
estadual e federal e da compensação, a SANASA recebeu 2,76 vezes mais do que
pagou pela captação de água e lançamento de efluentes.
Dos recursos recebidos pela SANASA das três fontes acima citadas, 67,50% foram
dedicados a projetos de redução das perdas na distribuição de água, especialmente à
substituição de tubulações de cimento amianto e ferro galvanizado, totalizando R$
29.470.780,25 aplicados a esse título. O valor total dos projetos da SANASA dedicados
à redução das perdas de água na distribuição, incluindo-se as contrapartidas da
proponente foi de R$ 48.580.327,68.
Os outros 32,5% foram aplicados em projetos de saneamento, particularmente
afastamento e tratamento de esgotos, um total de R$ 14.190.247,40. O valor total dos
216
projetos em coleta e tratamento de esgotos, inclusive as contrapartidas da
proponente, foi de R$ 37.279.828,80.
SABESP
A Companhia de Saneamento Básico de São Paulo- SABESP, recolheu R$
163.761.499,66 em valores presentes entre 2007 e 2015 a título de cobrança estadual
e de 2008 a 2015, a título de cobrança federal.
Entre 1995 e 2015 a SABESP recebeu R$ 34.202.823,98 em valores presentes, de
recursos não reembolsáveis das cobranças federal e estadual e da compensação. Os
projetos contaram com contrapartidas de R$ 46.066.401,80. O valor total dos projetos
incluindo-se as contrapartidas do proponente foi de R$ 80.269.225,78 em valores
presentes.
A SABESP obteve R$ 22.450.249,11 de recursos não reembolsáveis da cobrança federal
e estadual, sendo que de 2006 a 2015 da cobrança federal e de 2007 a 2015 da
cobrança estadual.
Do total de recursos não reembolsáveis recebidos pela SABESP, R$ 27.824.680,83 a
valores presentes foram referentes a projetos de afastamento e tratamento de esgoto,
correspondentes a 81,35% do total recebido. Entre 1995 e 2015, a SABESP apresentou
e aprovou apenas dois projetos de redução de perdas na distribuição de água que
contaram com R$ 5.021.527,29 de recursos da cobrança federal, correspondentes a
14,68% dos recursos obtidos pela empresa.
87,22% dos recursos obtidos pela SABESP foram originários da cobrança federal, um
total de R$ 29.832.891,41 em valores presentes.
Os recursos originários da compensação através do FEHIDRO foram bem menores:
apenas R$ 4.369.932,58 em valores presentes, correspondentes a 12,78% do total
217
recebido por essa empresa. Todos projetos contemplados com recursos da
compensação foram realizados entre 1998 e 2006.
OUTROS GRANDES USUÁRIOS
Alguns municípios foram contemplados com recursos em torno de 5% do total, como
Rio Claro e Indaiatuba, entre outros. No entanto, alguns municípios ou empresas de
saneamento foram mais ativos do que outros na apresentação de projetos de
financiamento com recursos não reembolsáveis da compensação e da cobrança e, por
essa razão, obtiveram mais recursos proporcionalmente à sua população.
Nova Odessa, por exemplo, um município cuja população em 2015 foi estimada pelo
IBGE em cerca de 56 mil habitantes obteve em valores presentes R$ 33.895.957,68 de
recursos não reembolsáveis, correspondentes a 6,36% do total. Comparativamente,
Rio Claro que teve sua população em 2015 estimada pelo IBGE em 199 mil habitantes,
quase quatro vezes mais do que Nova Odessa, obteve menos recursos da
compensação e cobrança, R$ 26.823.266,88, correspondentes a 5,03% do total. Da
mesma forma, Indaiatuba obteve R$ 26.655.554,13, correspondentes a 5,00% do total,
embora sua população em 2015 tenha sido estimada pelo IBGE em cerca de 231 mil
habitantes.
Essa também é a situação de Piracicaba que embora tenha sua população em 2015
estimada pelo IBGE em cerca de 391 mil habitantes, quase sete vezes mais do que
Nova Odessa, foi contemplada através do Serviço Municipal de Água e Esgoto– SEMAE
com recursos de R$ 36.412.981,24, em valores presentes, correspondentes a 6,83% do
total dos recursos da compensação e da cobrança. O valor recebido por Piracicaba é
muito próximo ao recebido por Nova Odessa, apesar da primeira contar com uma
população muito superior à segunda.
Situações como essa acontecem em função de a Agência das Bacias PCJ receber
projetos de iniciativa de empresas de saneamento, de municípios e de serviços
218
municipais de água e esgoto. Assim sendo, o sistema premia quem tem a iniciativa de
apresentar projetos e de articular sua aprovação pelos Comitês.
ANÁLISE DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS NÃO REEMBOLSÁVEIS NAS BACIAS PCJ
Uma primeira observação sobre os projetos apoiados com recursos da compensação,
cobrança federal e cobrança estadual é que os investimentos realizados em
afastamento, transporte e tratamento de esgotos foram contemplados com 56,83% do
total, R$ 303.107.078,29 em valores presentes. Incluindo-se os projetos de redução de
perdas de água esse percentual se eleva para 85,38%. Foram R$ 455.377.411,11 em
valores presentes investidos ao longo de vinte anos.
Os projetos de tratamento de esgotos foram pontuais: não integravam um plano que
visasse a completa despoluição dos rios das Bacias PCJ mediante o tratamento dos
esgotos. Na verdade, não havia recursos para um plano mais abrangente. Os recursos
necessários para a coleta e o tratamento de todos os esgotos lançados sem
tratamento nos rios das Bacias PCJ se medem em bilhões de reais.
O Plano das Bacias PCJ 2010 – 2020 projetou cenários sobre a qualidade das águas
entre 2010 e 2020. O cenário mais favorável foi designado desejável. Nele, a grande
maioria dos municípios integrantes das Bacias PCJ teria atingido índices da ordem de
95% de tratamento de esgoto, patamar aceito como indicador da universalização dos
serviços.
Os recursos estimados pelo Plano de Bacias para que esse cenário se concretizasse
foram de R$ 2.013.339.303,888. Sucede que desse total, o Plano identificou a
necessidade de se buscar recursos da ordem de R$ 1.380.005.860,82, além daqueles
que o Plano considerava como estando assegurados por fontes já existentes.
8 Plano das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari 2010 – 2020, com propostas de atualização de enquadramento dos corpos d’água e de programa para efetivação do enquadramento dos corpos d’água até o ano de 2035. Relatório final. São Paulo, COBRAPE – Cia Brasileira de Projetos e Empreendimentos. 2010. 815 p. , p. 599.