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UFRJ
AES E DESCONTINUIDADES NA POLTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO: O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPO E A IMPLEMENTAO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO (1983-1995)
Gabriela Klh Mller Neves
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa
de Ps-graduao em Cincia Poltica, Instituto de
Filosofia e Cincias Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessrios obteno do ttulo de Mestre em
Cincia Poltica.
Orientadora: Eli Diniz
Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
i
AES E DESCONTINUIDADES NA POLTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO: O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPO E A IMPLEMENTAO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO (1983-1995)
Gabriela Klh Mller Neves
Eli Diniz
Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Cincia Poltica. Aprovada por:
_____________________________ Presidente, Prof. Eli Diniz
_____________________________ Prof. Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna _____________________________ Prof. Joo Trajano Sento-S
Rio de Janeiro Dezembro de 2007
UFRJ
AES E DESCONTINUIDADES NA POLTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO: O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPO E A IMPLEMENTAO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO (1983-1995)
Gabriela Klh Mller Neves
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa
de Ps-graduao em Cincia Poltica, Instituto de
Filosofia e Cincias Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessrios obteno do ttulo de Mestre em
Cincia Poltica.
Orientadora: Eli Diniz
Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
ii
Neves, Gabriela Klh Mller.
Aes e descontinuidades na poltica habitacional no Rio de Janeiro: o descompasso entre a concepo e a implementao de programas habitacionais nos governos Leonel Brizola e Moreira Franco (1983-1995) / Gabriela Klh Mller Neves Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2007.
xii, 197 f. Orientadora: Eli Diniz. Dissertao (Mestrado) UFRJ / IFCS / Programa de
Ps-Graduao em Cincia Poltica, 2007. Referncias Bibliogrficas: f. 177 - 183. 1. Poltica Habitacional. 2. Rio de Janeiro. 3.
Concepo e implementao de Programas habitacionais. 4. Instituies polticas. I. Diniz, Eli. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica. III. Aes e descontinuidades na poltica habitacional no Rio de Janeiro: o descompasso entre a concepo e a implementao de programas habitacionais nos governos Leonel Brizola e Moreira Franco (1983-1995).
iii
AES E DESCONTINUIDADES NA POLTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO:
O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPO E A IMPLEMENTAO DE PROGRAMAS HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO
(1983-1995)
Gabriela Klh Mller Neves
Orientadora: Eli Diniz
Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Cincia Poltica.
As favelas so reconhecidas como um problema secular na dinmica da
urbanizao carioca. Ao longo desses 100 anos de vida, tiveram um crescimento
desordenado, tendo sido objeto de algumas iniciativas do poder pblico no sentido
de enfrentar, ao menos parcialmente, os problemas que apresentavam. Os planos e
regulamentos urbansticos as colocavam fora da legalidade urbana. A presente
dissertao pretende, atravs da observao do planejamento e concepo de
polticas voltadas para a habitao popular, identificar as provveis causas das
descontinuidades no que se refere implementao de programas habitacionais na
cidade do Rio de Janeiro, no primeiro e segundo governos Leonel Brizola,
respectivamente entre os anos 1983-1987 e 1991-1995, e o governo Moreira
Franco, 1987-1991. Para isso, a pesquisa faz uma viagem na histria e literatura
sobre favelas, levantando os principais programas habitacionais em seus contextos
polticos, na busca por respostas sobre a possvel paralisia decisria que cria um
verdadeiro descompasso entre a concepo e a implementao destes programas.
Palavras-chave: favela; poltica habitacional; Leonel Brizola; Moreira Franco; programas habitacionais burocracia; instituies polticas.
Rio de Janeiro Dezembro de 2007
iv
ACTIONS AND DISCONTINUITIES ON THE DWELLING POLITICS IN RIO DE JANEIRO: THE DISORDER BETWEEN THE CONCEPTION AND THE ACCOMPLISHMENT OF DWELLING PROGRAMMES IN THE GOVERNMENTS OF LEONEL BRIZOLA AND MOREIRA FRANCO (19831995)
Gabriela Klh Mller Neves
Orientadora: Eli Diniz
Dissertation abstract of Masters degree concerning to the Postgraduation Program in Political Science, Philosophy and Political Science Institute, from the Federal University of Rio de Janeiro, as part of the necessary requirements to the achievement of Masters Degree in Political Science. The slums are known as an archaic problem on the dynamics of Rio urbanization. Along these hundred years of life, they had a disordered increase, as purpose of some initiatives taken by the State in order to face, at least partially, the problems they represented. The urban plans and rules used to place them out of the urban legality. The present dissertation intends, through the planning observation and politics conception directed to popular habitation, to identify the probable causes of discontinuities relating to the accomplishment of dwelling programmes in Rio de Janeiro city, on the first and second governments of Leonel Brizola, particularly among the years of 1983 1987 and 1991 1995, and the government of Moreira Franco, 1987 1991. For that, the research should come back to the history and literature of slums, raising the main dwelling programmes in their political contexts, seeking for answers about the potencial power to decide paralysis which produces a real difficult situation between the conception and the accomplishment of these programmes. Key words: slum; dwelling politics; Leonel Brizola; Moreira Franco; bureaucracy; political institutions;
Rio de Janeiro Dezembro de 2007
v
AGRADECIMENTOS
Agradeo em primeiro lugar a minha famlia: Volnei, Angela, Gustavo,
Cristina, Paulo, Mariana, Eduardo, Sergio, Catia, Vitor e Luisa. Sem o seu apoio
nada seria possvel.
Agradeo aos professores Jos Ricardo Ramalho e Ingrid Sarti por me
inspirarem e motivarem na carreira das Cincias Sociais, e conseqentemente na
Cincia Poltica.
professora Eli Diniz, que me inspira e orienta com tanta sabedoria. Aos
professores: Maria Lucia T. Werneck Vianna e Joo Trajano Sento-S, por
aceitarem participar da banca de defesa da dissertao e pelo apoio. Agradeo
tambm, a todos os professores que participaram da minha formao na Ps-
Graduao em Cincia Poltica do IFCS/UFRJ.
Muito obrigada aos amigos que tanto me incentivaram e sempre acreditaram
em mim: Andr, Agatha, Alina, Bianca, Bruno, Elim, Dbora, Flavia, Fernanda,
Gustavo, Lia, Luisa, Nabuco, Nathlia, Farrah, Thiago, aos amigos da turma 2005, e
tantos outros que sempre estiveram ao meu lado me apoiando.
E por fim, agradeo a todos os pensadores, pesquisadores e personalidades
da Cincia Poltica por tornaram este trabalho possvel, e por iluminarem a minha
vida com suas idias, conceitos e filosofias, mostrando a todo o momento, que nem
tudo o que parece ser.
vi
A Meus Pais, pelo apoio e pela confiana.
vii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AID Agncia Internacional de Desenvolvimento.
ALEG Assemblia Legislativa do Estado da Guanabara.
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento.
BIRD Banco Mundial.
BNH Banco Nacional de Habitao.
CEDAE Companhia Estadual de guas e Esgotos.
CEF Caixa Econmica Federal.
CehabRJ - Companhia Estadual de Habitao do Rio de Janeiro.
Cetel Companhia Estadual de Telefones.
Chisam Coordenao da Habitao de Interesse Social da rea Metropolitana do
Grande Rio.
CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna.
CIDE Centro de Informaes e Dados do Estado do Rio de Janeiro.
CIEP Centros Integrados de Educao Pblica.
Codesco Companhia de Desenvolvimento das Comunidades.
Cohab RJ Companhia de Habitao do Estado do Rio de Janeiro.
Coophab-GB Cooperativa Habitacional do Estado da Guanabara.
DFL Fundo de Emprstimo para o Desenvolvimento.
DHP Departamento de Habitao Popular.
FAL Fundo de Assistncia Liquidez.
Famerj Federao das Associaes de Moradores do Rio de Janeiro.
FASE Federao de rgos para Assistncia Social e Educacional.
FCP Fundao da Casa Popular.
FCVS Fundo de Compensao das Variaes Salariais.
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos.
Fundhap Fundo de Desenvolvimento da Habitao Popular.
Fundrem Fundao para o Desenvolvimento da Regio Metropolitana.
GEROE Grupo Executivo de Recuperao e Obras de Emergncia.
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatstica.
IAP Instituto de Aposentadoria e Penso.
Iapfesp Caixa de Aposentadorias e Penses dos Ferrovirios e Empregados dos
Servios Pblicos.
IPEG Instituto de Previdncia do Estado da Guanabara.
Iplanrio Instituto de Planejamento do Rio de Janeiro.
IPMF Imposto Provisrio sobre Movimentaes Financeiras.
viii
IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional.
IUPERJ Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro.
MBES Ministrio da Habitao e do Bem-Estar Social.
MDB Movimento Democrtico Brasileiro.
MDU Ministrio do Desenvolvimento Urbano e meio Ambiente.
MHU Ministrio de Habitao, Urbanismo e Meio Ambiente.
Novacap Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil.
PAIH Plano de Ao Imediata para a Habitao.
PCB Partido Comunista Brasileiro.
PDS Partido Democrtico Social.
PDT Partido Democrtico Trabalhista.
Planhap Plano Nacional de Habitao Popular.
PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro.
PNB Programa Nova Baixada.
PRN Partido da Reconstruo Nacional.
Proface Programa da Cedae de construo de redes de gua e esgoto nas
favelas.
Promorar Programa de Erradicao e Subhabitao.
PT Partido dos Trabalhadores.
PTB Partido Trabalhista Brasileiro.
Salte Sade, Alimentao, Transporte e Energia.
SBPE Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo
SEAC Secretaria Especial de Habitao e Ao Comunitria.
Secplan Secretaria de Planejamento e Controle.
Sedec Secretaria de Estado de Defesa Civil.
Sehaf Secretaria de Habitao e Assuntos Financeiros.
Serfha Servio Especial de Recuperao de Favela e Habitaes Anti-higinicas.
Serfhau Servio Federal de Habitao e Urbanismo.
Serla Secretaria Estadual de Rios e Lagoas.
Sifhap Sistema Financeiro de Habitao Popular.
SETH Secretaria do Estado de Trabalho e Habitao.
SFH Sistema Financeiro de Habitao.
SPH Superintendncia de Poltica Habitacional.
Sursan Superintendncia de Urbanizao e Saneamento.
Telerj Telecomunicaes do Estado do Rio de Janeiro.
USAID United States Agency for International Development.
ix
LISTA DE GRFICOS Grfico 1: Nmero de votos nas eleies de 1982 por candidato 72 LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Histria da urbanizao da cidade do Rio de Janeiro: aes federais,
estaduais e municipais 45
Quadro 2: Sntese do processo de favelizao da cidade do Rio de Janeiro 62
LISTA DE TABELAS Tabela 1: Crescimento da populao do estado e da cidade do Rio de Janeiro 62
Tabela 2: Crescimento da populao favelada, por dcada, na cidade do Rio de
Janeiro 62
Tabela 3: Programa Cada Famlia, Um Lote regularizao de propriedades.
Levantamento at Setembro de 1985 99
Tabela 4: Nmero de lotes titulados por favelas 100
Tabela 5: Cada ano / total de lotes 101
Tabela 6: Produo Cehab-RJ dcadas de 60, 70 e 80 107
Tabela 7: Porcentagem de votos dos candidatos do PDT, Leonel Brizola e
Darcy Ribeiro, s eleies de 1982 e 1986, por regio fluminense 110
Tabela 8: Porcentagem de votos de Darcy Ribeiro e Moreira Franco por regio
(1986) 110
FLUXOGRAMA
Programa Cada Famlia, Um Lote 85
ORGANOGRAMA
Organograma do governo do estado no Projeto Reconstruo-Rio 142
x
SUMRIO Introduo 1
Captulo 1. Uma breve viagem histria e literatura sobre os processos de urbanizao e favelizao no municpio do Rio de Janeiro (1902-1982) 23
A evoluo urbana da cidade do Rio de Janeiro
A Reforma Passos (1902-1918)
Os anos 1920 e 1930
Presidncia de Getlio Vargas e o Golpe do Estado Novo (1930-1945)
Os governos democrticos de 1945-1964
O Segundo mandato de Getlio Vargas (1951-1954)
Presidncia de Juscelino Kubitscheck (1956-1965)
O estado da Guanabara: a conjuntura da metrpole carioca nos anos 1960
Governo Negro de Lima e o Regime Militar (1965-1970)
Fuso dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e o fim do Regime Militar (1975-1979) Governo Chagas Freitas (1979-1983)
Consideraes finais do captulo 1
Captulo 2. O primeiro governo Leonel Brizola no estado do
Rio de Janeiro: efeitos sobre a cidade (1983-1987) 67
As Eleies de 1982: contexto
Brizola Governador (1983-1987)
O perodo das invases
Objetivos e Programas do governo Brizola (1983-1987)
O Programa Cada Famlia, Um Lote
Outros Programas do Governo Brizola: infra-estrutura
Resultados do governo e avaliao das polticas urbanas
Resultados e avaliao do Programa Cada Famlia, Um Lote
Consideraes finais do captulo 2
xi
Captulo 3. O governo Moreira Franco: incio da descontinuidade
de programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro(1988-1991) 106
Contexto das Eleies de 1986
Diretrizes do Governo Moreira Franco: Habitao
Programas Habitacionais e reas de Atuao do Governo
Governo Moreira Franco (1987-1991)
Projeto Reconstruo-Rio (1988-1991)
Consideraes finais do captulo 3
Captulo 4. Instituies polticas e processos decisrios:
um debate sobre a concepo e a implementao
de programas habitacionais durante o segundo governo
Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro (1991-1995) 131
Quadro poltico nacional: Eleies Presidenciais de 1989
A situao habitacional no incio dos anos 1990
As eleies estaduais de 1990
Segundo Governo Brizola: Projeto Reconstruo-Rio (1991-1995)
Papel das Instituies e da Burocracia Estatal na implementao
de programas habitacionais no estado do Rio de Janeiro
Uma breve passagem pelo programa Favela-Bairro
Consideraes finais do captulo 4
Consideraes finais 168
Referncias bibliogrficas 188
Anexo 1 195
Anexo 2 207
Anexo 3 209
Introduo
V legal que h mais favela do que bairro e agora os bairros to dentro da favela
V legal ento... j no alguma pobreza dentro de muita riqueza
agora alguma riqueza dentro de muita pobreza V legal ento, se favela hoje regra
ento se bairro exceo. 1
Em 1998 cheguei cidade do Rio de Janeiro, para cursar Cincias Sociais na
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi o primeiro grande passo rumo ao
futuro. Da cidade maravilhosa, conhecia apenas o centro. Ao descer a serra e
chegar cidade, uma imagem marcou minha memria: a Favela da Mar. Nunca
tinha visto de perto o problema real da habitao e da completa falta de infra-
estrutura, em que a populao carente do Rio se encontrava. Com o passar dos
anos, conheci a fundo a cidade e pude presenciar a completa ausncia de polticas
de cunho social, que atendessem principalmente as classes mais pobres da
populao.
Aps me formar no ano de 2003, recebi o convite para trabalhar como
consultora num projeto que visava elaborao de relatrios sobre a situao
econmica, poltica e social em diversas favelas em toda cidade, atravs da
avaliao de questionrios que seriam aplicados na comunidade e em suas
lideranas locais. Infelizmente o trabalho no se concretizou na poca, mas foi
definitivo na minha escolha do tema.
Com vistas a ingressar no Mestrado em Cincia Poltica, comecei a
amadurecer a idia de me envolver em algum trabalho que contribusse, de alguma
forma, para futuras anlises sobre o problema das favelas na cidade. Ao ler alguns
autores que tratam do tema, percebi uma carncia no quesito ineficcia das
polticas pblicas de habitao do governo para comunidades de baixa renda.
O Rio de Janeiro apresenta singularidades naturais que definem sua
evoluo. De frente para a entrada da Baa de Guanabara, a cidade cresceu a partir
1 Poema Regras e Excrees, de Deley de Acari.
dali, como centro do poder poltico-capital do Vice-Reino, do Reino, do Imprio e da
Repblica. Circunstncias histricas e geogrficas que imprimem particularidades
sua organizao territorial. A proximidade entre diferentes estratos sociais
caracterstica da cidade desde a sua fundao. Alm da falta de solo edificvel, o
Rio sofria da falta de polticas pblicas voltadas s populaes de baixa renda,
levando os mais pobres a se aglomerarem. Desta forma, a cidade se justaps, se
amontoou, multiplicando quartos em cima de quartos, escravos e senhores
dividindo a mesma casa, trabalhadores e patres a mesma vizinhana.
As favelas surgiram no Rio de Janeiro, no final do sculo XIX. So lugares
onde habitam irregularmente as populaes pobres da cidade. At hoje, a maioria
dos habitantes das favelas no tem a posse do terreno e vive com medo da
desapropriao. Acrescenta-se, ainda, que a pobreza estava vinculada
precariedade legal.
Embora, hoje, o poder pblico procure um discurso no estigmatizante,
devido s prprias demandas democrticas, dos movimentos sociais e de novos
atores sociais oriundos das favelas, ainda se percebe uma interveno autoritria e
segregadora sobre o espao da favela e sobre a vida dos seus moradores. O estudo
da arrumao do espao urbano no Rio de Janeiro, relatado brevemente nesta
pesquisa, possibilita-nos o entendimento da construo de espaos diferenciados e
estigmatizados na cidade. Embora no haja consenso na literatura sobre a favela
em relao ao seu surgimento, muitos especialistas afirmam que esta comeou nos
anos 1920 do sculo XX. 2
As favelas so reconhecidas como um problema secular na dinmica da
urbanizao carioca. Ao longo desses 100 anos de vida, cresceram de forma
desordenada, tendo sido objeto de algumas iniciativas do poder pblico no sentido
de enfrentar o desafio que representavam para a sociedade carioca. Os planos e
regulamentos urbansticos as colocavam fora da legalidade urbana, recomendando
2 FERRAZ, J. As reformas do espao urbano e o lugar da pobreza, 2005: 1.
a sua remoo, sob argumentos inspirados, principalmente no sanitarismo e
tambm em aspectos estticos e funcionais.
O tema da favela inicialmente foi tratado, nas Cincias Sociais, como um
vasto terreno para estudos acerca do desenvolvimento da marginalidade, assim
como estudos sobre o mercado de trabalho, a migrao, o aumento populacional
das metrpoles, que desencadeou no aumento dos ndices de desemprego e de
habitaes informais.
Entre os anos 1960 e 1970, uma gama de autores, entre eles John Turner,
Anthony Leeds, Elizabeth Leeds, Janice Perlman, Milton Santos, Luiz Antonio
Machado da Silva, Carlos Alberto de Medina, Licia do Prado Valladares, entre
outros, abordaram o tema da favela, questionando principalmente as teorias sobre
marginalidade e as polticas de erradicao, caractersticas do perodo anterior. Na
dcada de 1970, os estudos so direcionados para o mbito das polticas pblicas, a
crtica ao autoritarismo e anlise dos impactos da poltica de construo de
conjuntos habitacionais, no qual tambm se destacaram autores como Gislia
Grabois e Linda Gondim.
Nos anos 1980, o debate terico se desenvolveu entre os significados reais
da autoconstruo e do bem-moradia no quadro do processo de acumulao
capitalista, em que se destacam os autores Carlos Nelson Ferreira dos Santos e
Ermnia Maricato. Nesta dcada, os estudos sobre favelas situaram-se no mbito
das polticas pblicas, tambm associados aos movimentos sociais urbanos e
institucionalizao democrtica. Durante todo este perodo o debate foi marcado
pela implementao de novas prticas relacionadas busca de formas
democrticas de gesto e de barateamento de custos, assim como, estudos de caso
sobre experincias de autoconstruo e de gesto participativa, como destaca a
autora Maria Lais Pereira da Silva. 3
3 SILVA, M. Favelas Cariocas, 1930-1964, 2005: 16.
Nos anos 1990, os trabalhos desenvolvidos sobre as favelas passam a se
dirigir questo da violncia urbana, do crime organizado e suas conseqncias,
com destaque para autores como Alba Zaluar, assim como o tema da organizao
interna das favelas, seus novos significados e implicaes espaciais e territoriais, a
degradao ambiental, integrao e diversidade cultural, havendo por fim uma
retomada da favela como objeto das polticas pblicas, destacando-se autores como
Licia do Prado Valadares e Pedro Abramo.4
Ao realizar uma retomada desta bibliografia, possvel constatar que o
problema da favela est longe de ser solucionado. Contudo, foi nos estudos das
polticas pblicas de habitao, que encontrei a mais vasta bibliografia,
principalmente nos centros de pesquisa poltica e urbana, onde encontrei meu
primeiro objeto de estudo: o programa Cada Famlia, Um Lote, implantado no
primeiro governo Brizola (1983-1987). No Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano Regional, o Ippur, levantei a maior parte da bibliografia necessria entre
teses, monografias, dissertaes, cadernos, folhetos e livros. Outras bibliotecas
como as da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, a PUC, do Instituto
Universitrio de Pesquisa do Rio de Janeiro, o IUPERJ, na Fundao Getlio Vargas,
foram consultadas. Estas bibliotecas ofereceram uma vasta coleo de obras que
enriqueceram o debate sobre as polticas pblicas, do governo do estado, voltadas
para as classes menos favorecidas da sociedade, revelando o papel da burocracia,
das instituies, dos governantes e da sociedade, no processo de implementao
dos programas habitacionais, com nfase na cidade do Rio de Janeiro.
Os programas de habitao popular desta pesquisa foram levantados no
nvel municipal, estadual e federal. Porm, a escolha da nfase nos governos
estaduais como fonte de pesquisa se deu principalmente, devido ao mais ambicioso
dos planos habitacionais, elaborado para o estado e para a cidade do Rio de Janeiro
o Programa Cada Famlia, Um Lote, implementado durante o primeiro governo
Leonel Brizola (1983-1987). No estado do Rio de Janeiro, a eleio de Leonel
4 Idem: 18.
Brizola em 1982 criou grande expectativa em relao ao atendimento s
necessidades bsicas das populaes carentes, devido ao anncio de que na rea
habitacional seria implementado o Programa Cada Famlia Um Lote, com a meta
de distribuir 1 milho de lotes urbanos, suburbanos e rurais num prazo de 5 anos,
como veremos no decorrer do trabalho.
Visto estes fatores, e tendo em mente a importncia da retomada de
questes do passado para se compreender o problema recente da exploso de
favelas na cidade do Rio de Janeiro, a histria da concepo e implementao dos
programas habitacionais voltados para a populao carente ser contada nesta
dissertao, percorrendo quase todo o sculo XX (1902-1995). Na busca de fatores
que indiquem, como foi frisado anteriormente, as possveis causas das
descontinuidades existentes na implementao destes programas, o perodo
escolhido muito longo. Nestes 93 anos o Rio de Janeiro teve 3 Governadores do
atual estado do Rio de Janeiro (1975-1991): Chagas Freitas, Leonel Brizola, Moreira
Franco e novamente Leonel Brizola; 27 prefeitos do Rio de Janeiro enquanto
Distrito Federal; 5 Governadores da Guanabara; 8 Prefeitos da cidade do Rio de
Janeiro; 37 governantes do perodo republicano (1889-1975); e 28 Presidentes da
repblica, dentre eles 6 militares. Devido impossibilidade de relizar um trabalho
completo sobre a atuao de cada um dos representantes, somente alguns deles,
que se destacaram no cenrio da elaborao de polticas pblicas de habitao e
infra-estrutura, voltadas para as populaes carentes, foram selecionados.
O recorte temporal de destaque da pesquisa foi determinado perodo que
antecede o Programa Cada Famlia, Um Lote e o perodo posterior ao Programa
(1982-1991) e os representantes de governo ligados diretamente a este perodo
tiveram sua trajetria de elaborao e implementao de polticas pblicas de
habitao e infraestrutura postas em evidncia, j que estas polticas esto
diretamente ligadas essa imensa teia de muitos planos e pouca ao, do qual
queremos tratar.
Para ilustrar, mais claramente, a proposta desta pesquisa, o trabalho foi
dividido em quatro captulos: Captulo 1, Uma breve viagem histria e literatura
sobre os processos de urbanizao e favelizao no Rio de Janeiro (1902-1982);
Captulo 2, O primeiro governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro (1983-
1987): efeitos sobre a cidade; Captulo 3, O governo Moreira Franco: incio da
descontinuidade de programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro; Captulo
4, Instituies polticas e processos decisrios: um debate sobre a concepo e a
implementao de programas habitacionais durante o segundo governo Leonel
Brizola no estado do Rio de Janeiro (1989-1995).
No Captulo 1, foi realizada uma viagem histria e literatura sobre os
processos de urbanizao e favelizao do municpio do Rio de Janeiro. Trata,
principalmente, da evoluo urbana da cidade do Rio de Janeiro, atravs,
primeiramente, da Reforma Passos (1902-1918), observando a atuao dos
governos federal, estadual e municipal nos anos 1920 e 1930. Em seguida, revela
as transformaes ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, e no Brasil, em
decorrncia do primeiro governo de Getlio Vargas (1930-1945). Parte, ento, para
o estudo dos governos democrticos de 1945-1964, abrangendo o segundo
mandato de Getlio Vargas (1951-1954) e a presidncia de Juscelino Kubitscheck
(1956-1965). Neste captulo descrita a conjuntura da metrpole carioca nos anos
1960, quando Estado da Guanabara, assim como, no governo Negro de Lima e no
Regime Militar (1965-1970). O captulo 1 se encerra com a fuso dos Estados da
Guanabara e do Rio de Janeiro; o fim do Regime Militar (1975-1979); e o Governo
Chagas Freitas (1979-1983). O propsito desta etapa da pesquisa situar em que
circunstncias polticas, sociais e econmicas, Leonel Brizola assume o governo do
estado do Rio de Janeiro, em 1983, para assim, caracterizar sua poltica, dentro de
um contexto mais amplo de polticas pblicas em desenvolvimento.
O captulo 2 focaliza o primeiro governo Leonel Brizola no estado do Rio de
Janeiro (1983-1987), inicia-se a trajetria de anlises de polticas pblicas de
habitao, realizadas pelo governo do estado, focando principalmente sua ao na
cidade do Rio de Janeiro. Para uma melhor compreenso deste processo, foi
observado o contexto das eleies para governador do estado do Rio de Janeiro em
1982; o desenrolar dessas eleies at a escolha popular por Leonel Brizola, e, em
seguida, a sua gesto e os respectivos programas apresentados em seu plano de
desenvolvimento econmico e social (1983-1987), com nfase no Programa Cada
Famlia, Um Lote; o perodo das invases na cidade do Rio de Janeiro; e, por fim,
este captulo realizou uma breve avaliao dos resultados tanto do Programa Cada
Famlia, Um Lote, quanto do governo, no que se refere s polticas pblicas de
habitao popular. O objetivo deste captulo mostrar como, no incio dos anos 80,
depois da falncia das polticas de remoo e recolocao de moradores para a
periferia da cidade, as favelas passaram a ser palco de projetos de urbanizao
que, muitas vezes, faziam parte de uma poltica governamental maior. Lidando, em
geral, com saneamento e regularizao fundiria, tais projetos tiveram efeitos
diversos, como a expanso das atividades locais de gerao de renda.
O captulo 3 focaliza o governo Moreira Franco: incio da descontinuidade de
programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro aborda, alm do contexto das
eleies para governador do estado do Rio de Janeiro, em 1986, as diretrizes do
governo Moreira Franco, no que se refere habitao, assim como, alguns
programas habitacionais e as reas de atuao do governo. O objetivo deste
captulo identificar os principais problemas quanto implementao de novos
programas e a descontinuidade dos programas desenvolvidos no governo anterior.
O captulo tambm privilegia em sua anlise o Projeto Reconstruo-Rio (1987-
1991). O Projeto Reconstruo-Rio foi concebido originalmente em 1988, como um
projeto emergencial. O projeto visava a recuperar rapidamente as reas destrudas
pela grande enchente ocorrida em Fevereiro daquele ano, alm de realizar obras de
preveno contra futuras enchentes, principalmente na Regio Metropolitana do Rio
de Janeiro. Previsto para ser executado em 4 anos, o projeto levou mais que o
dobro de tempo para ser concludo. Institucionalmente contou, tanto no mbito do
planejamento quanto na gesto e execuo de cada um de seus aspectos, com
diferentes rgos financeiros Banco Mundial (BIRD), Caixa Econmica Federal
(CEF) e Governo do Estado envolvendo direta e indiretamente rgos
governamentais federais, do estado e dos municpios diretamente beneficiados. 5
O captulo 4 de nome Instituies polticas e processos decisrios, apresenta
um debate sobre a concepo e a implementao de programas habitacionais
durante o segundo governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro (1991-
1995). Inicia-se com a contextualizao do quadro poltico nacional e as eleies
presidenciais de 1989. Em seguida, faz um levantamento da situao habitacional
no incio dos anos 1990. O captulo tambm contextualiza as eleies
governamentais de 1990, e a conseqente reeleio de Leonel Brizola (1991-1995).
Na rea da habitao, o captulo continua o debate sobre as aes do Projeto
Reconstruo-Rio, no governo Brizola, observando, ao longo dos anos, o papel das
instituies e da burocracia estatal na implementao de programas habitacionais
(1983-1995). Assim, em sua fase final, o captulo 4 debate o tema da
descontinuidade nas polticas de habitao na cidade do Rio de Janeiro, luz do
descompasso existente entre a concepo e implementao de programas
habitacionais, voltados para a populao de baixa renda, principalmente no local
onde a crise habitacional mais aguda em todo o estado, a cidade do Rio de
Janeiro. Apesar da pesquisa estar voltada para as aes do governo do estado, a
cidade do Rio de Janeiro destacou-se no perodo analisado, por receber maior
nmero de programas habitacionais, advindos tambm da prefeitura da cidade,
fazendo com que esta se destacasse em relao as demais cidades do estado.
A presente pesquisa visa, atravs do estudo dos programas habitacionais
implementados entre os anos de 1983 e 1995, desvendar algumas causas da
descontinuidade destes programas. Para isso, no captulo 4 elaborou-se uma
anlise das principais dificuldades vivenciadas, ao longo destes 12 anos e trs
5 MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na administrao pblica: o Projeto Reconstruo-Rio do Governo do Estado do Rio de Janeiro: 24.
gestes, quanto implementao de tais programas, observando o papel da
burocracia tcnica estatal e o papel das instituies ligadas a este processo.
O que se pretende investigar o descompasso entre a concepo e a
implementao dos programas habitacionais voltados para a populao de baixa
renda. Por qu afinal os programas no se concretizam da maneira como foram
planejados? Quais so as verdadeiras razes para estas descontinuidades nos
programas de habitao para a populao de baixa renda? Quais so as possveis
barreiras a serem quebradas para que os programas sejam contnua e efetivamente
implantados no estado e na cidade do Rio de Janeiro? Para enriquecer este debate,
alm de outros autores, dialoguei com Max Weber e os autores Marcus Andr de
Melo, Marcelo Baumann, Rose Compans, Laura Mancini, entre outros.
Nas consideraes finais, retomo o debate, com diversos autores, acerca das
dificuldades encontradas pelos governos Leonel Brizola e Moreira Franco, na
implementao dos Programas Cada Famlia, Um Lote e o projeto Reconstruo-
Rio, e seus respectivos programas de infra-estrutura. Para isso, desenvolvo um
dilogo entre os autores sobre a produo da habitao, observando os entraves
burocrticos e institucionais, destacando em quais pontos os programas falharam,
tanto em sua concepo quanto em sua implementao, sugerindo algumas
mudanas.
A metodologia aplicada foi levantamento da bibliografia em diferentes
bibliotecas e universidades; levantamento dos principais programas de habitao
entre os anos 1902-1985; levantamento dos Planos de Desenvolvimento Econmico
e Social do Estado do Rio de Janeiro 1980-1983: Governo Chagas Freitas, 1984-
1987: Governo Leonel Brizola, 1988-1991: Governo Moreira Franco; pesquisa
histrica sobre a evoluo urbana da cidade do Rio de Janeiro; extensa pesquisa de
autores em diferentes revistas na internet; entrevistas em jornais e revistas; e
coleta de dados no inventrio da ao governamental da Financiadora de Estudos e
Projetos - Finep.
Captulo 1
Uma breve viagem histria e literatura sobre os processos de urbanizao e favelizao no municpio do Rio de Janeiro
(1902-1982)
No incio do sculo XX, a industrializao autrquica, de carter urbano1, teve de
garantir as condies de reproduo de uma parcela da fora de trabalho via
construo de vilas operrias, assegurando uma fora de trabalho cativa. A
industrializao, no Brasil, teve de ser inteiramente urbana com taxas de
urbanizao alm das necessidades de preenchimento dos postos de trabalho. A
interveno do Estado foi fundamental na redefinio do padro de acumulao e
industrializao, pela incapacidade da burguesia nacional em dar conta das novas
necessidades antepostas acelerao do processo de acumulao. A
regulamentao das relaes capital-trabalho pelo Estado, levou ao surgimento de
um novo urbano e criou um novo mercado de fora de trabalho, antes cativa.
Atravs da articulao do novo processo de acumulao pelo Estado permitiu o
surgimento de novas relaes de produo, reforando a interao entre a indstria
e o urbano e elevando as taxas de urbanizao. 2
A evoluo urbana da cidade do Rio de Janeiro no decorrer do perodo 1906-
1930 reflete claramente as contradies existentes no sistema poltico e econmico
do pas naquela poca. possvel constatar que, neste perodo, os governos da
Unio e do Distrito Federal, representantes da classe dominante, atuavam
preferencialmente na esfera do consumo, incentivando a continuidade do processo
de renovao urbana da rea central e de embelezamento da Zona Sul da cidade,
enquanto, sem qualquer apoio do Estado, as indstrias se multiplicavam na cidade,
expandindo-se para os subrbios, criando novas reas, dotando-as, precariamente,
1 Devido inexistncia de uma rede urbana e uma diviso territorial e social do trabalho diversificada que a ligasse ao campo como na Europa do sculo XVIII e XIX, dado o carter auto-suficiente da produo agrcola voltada para a exportao (CLAVAL, 1979; OLIVEIRA, 1982). 2 LIMONAD, Os lugares da urbanizao: o caso do interior fluminense, 1996: 117.
de infra-estrutura e gerando empregos. Estes empregos atraem mo-de-obra
numerosa, que tanto se instala nos subrbios, como tambm acaba por originar as
favelas prximas a essas reas. 3 A partir da, Centro, Zona Sul e subrbios
comearam a se desenvolver de forma diferente, porm com a mesma
necessidade: a acumulao de capital. Desta forma, a cidade se justaps, se
aglomerou, multiplicando quartos em cima de quartos, trabalhadores e patres na
mesma vizinhana. Foras divergentes cresciam no mesmo espao, acentuando as
contradies de tal forma que se tornara imperativa a interveno do poder poltico
sobre o processo de crescimento da cidade como um todo, moldando-o de acordo
com seus interesses. 4 A proximidade entre diferentes estratos sociais
caracterstica da cidade desde a fundao. Alm da falta de solo edificvel, o Rio
sofria da falta de polticas pblicas voltadas s populaes de baixa renda, levando
os mais pobres a se aglomerarem.
A Reforma Passos (1902-1918)
A cidade do Rio de Janeiro passou por um primeiro projeto de reestruturao
urbana: a Reforma Passos, em vigor nos anos de 1902 a 1906, porm, seu desenho
inicial foi elaborado em 1874. O rascunho do primeiro plano urbanstico do Rio de
Janeiro foi feito ainda no II Reinado, pela Comisso de Melhoramento da Cidade,
nomeada pelo Imperador, em 27/05/1874. Esta Comisso foi encarregada de criar
a Carta Cadastral. A cidade do Rio de Janeiro era a mais desenvolvida do pas,
devido ao sucesso da lavoura do caf. Um dos seus idealizadores foi o engenheiro
Francisco Pereira Passos. Seu principal objetivo era fazer uma "cirurgia" em toda a
cidade, a fim de higieniz-la, acabando com a epidemia de febre amarela e, ao
mesmo tempo, traar um novo alinhamento das praas, ruas e casas, em diversos
bairros da cidade, para facilitar a circulao de mercadorias e de pessoas e o
embelezamento da cidade. Devido ausncia de um financiamento para um
3 ABREU, M. Polticas Pblicas, estrutura urbana e distribuio de populao de baixa renda na rea metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 72. 4 Idem: 73.
investimento, este projeto fracassou. Aps a Proclamao da Repblica, no governo
Rodrigues Alves, ocorreu a primeira reforma urbana do Rio de Janeiro, sob a
interveno do Estado. Neste perodo, Pereira Passos foi escolhido prefeito do Rio
(1902-1906). Seu primeiro ato foi reorganizar a antiga Comisso da Carta
Cadastral, da qual fez parte, e aproveitar a maioria das propostas deste projeto de
1874 para o plano de remodelao, na sua gesto. A populao pobre foi retirada
dos cortios no centro e levada para lugares afastados da cidade. 5
A Reforma Passos representa uma alterao substancial do padro de
evoluo urbana que seria seguido pela cidade no sculo XX. Tal Reforma
representa tambm um momento de corte na relao entre estado e urbano, onde
o primeiro passa a intervir diretamente sobre o segundo levando transformao
acelerada da forma da cidade, tanto em termos de aparncia, ou seja, morfologia
urbana, como de contedo, isto , a separao de usos e classes sociais no espao.
Contudo, a longo prazo, as conseqncias foram graves. O Estado agora atua sobre
um espao cada vez mais dividido entre bairros burgueses e proletrios, e ao
privilegiar o primeiro grupo, acelera o processo de estratificao espacial,
contribuindo para a consolidao de uma estrutura ncleo/periferia que perdura at
os dias de hoje. 6
O perodo entre 1917 e 1918 foi extremamente benfico ao crescimento
industrial do Rio de Janeiro. Conseqentemente, observa-se uma intensificao da
atividade fabril, beneficiada principalmente pelo novo porto do Rio de Janeiro.
Nesta fase, houve um primeiro fluxo de grande capital industrial em direo aos
subrbios. O desenvolvimento industrial da cidade, nessa poca, ocorre sem apoio
do Estado, e em pouco tempo o ndice de migrao para os novos bairros aumentou
consideravelmente. Em decorrncia deste fato, as freguesias suburbanas onde
5 Ver FERRAZ, Joana DArc Fernandes. As reformas do espao urbano e o lugar da pobreza. XXIII Simpsio Nacional de Histria. Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 17 a 22 de Julho de 2005: 2-3. 6 ABREU, M. Polticas Pblicas, estrutura urbana e distribuio de populao de baixa renda na rea metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 74.
atravs da iniciativa de inmeros loteadores, vendiam-se terrenos e moradias a
preos mdicos apresentaram uma taxa de crescimento maior do que aquela das
freguesias urbanas. 7
Os anos 1920 e 1930 para a cidade do Rio de Janeiro.
Em decorrncia destes fatos, na dcada de 1920 surge a idia de se ter um plano
urbanstico para a cidade. O plano fora elaborado, mas nunca implementado,
devido ao novo momento de organizao social da cidade e do pas, iniciado em
1930.
Na dcada de 1920 intensifica-se a primeira expanso das favelas na cidade.
A partir desta dcada a favela problematizada, assumindo os contornos de uma
questo social, embora envolvida ainda com a questo higienista. O
desenvolvimento dos setores secundrio e tercirio da economia, aliado a um
processo de industrializao bastante incipiente, suscita novos contornos urbanos.
A fim de abrir o acesso para mercadorias e servios, iniciam-se as grandes obras
pblicas. Neste contexto, surge o Plano Agache, elaborado por um grupo de
tcnicos e urbanistas estrangeiros, chefiados pelo urbanista francs Alfred Agache,
a pedido do prefeito Antonio Prado Junior (1926-1930). 8
Este plano constitui o exemplo mais importante da tentativa da classe
dominante da Repblica Velha de controlar o desenvolvimento da forma urbana
carioca, j por demais contraditria. 9 A partir deste Plano foi elaborado o Cdigo
de Obras da Cidade, de 1937. Este documento tinha como objetivo principal a
erradicao das favelas, e o impedimento construo de novas moradias nas
reas das favelas ou impossibilidade da melhoria das existentes. O Plano se
constitui, na verdade, no documento oficial a tratar explicitamente dessa nova
7 Idem: 79-80. 8 Nunca foi cumprido em sua totalidade. Seu projeto s foi concludo em 1930, ano do golpe. Ver REIS, Jos de Oliveira. O Rio de Janeiro e seus Prefeitos. Evoluo urbanstica da cidade. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1977: 90. 9 ABREU, M. Polticas Pblicas, estrutura urbana e distribuio de populao de baixa renda na rea metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 86.
forma de habitao popular, que proliferava na cidade. 10 O Plano Agache pretendia
transformar o Rio de Janeiro segundo critrios funcionais e de estratificao social
do espao. Apesar de o Plano sugerir que o Estado assuma um papel mais ativo na
reproduo da fora de trabalho industrial dos subrbios, atravs do barateamento
dos custos via programas habitacionais e adoo de polticas setoriais especficas,
pretende, na verdade, controlar este processo de reproduo, assegurando a
separao espacial das classes sociais. 11
Jaime Benchimol descreve que at os anos 20 do sculo passado, toda a
poltica relacionada s habitaes das populaes de baixa renda (seja os antigos
cortios, as recentes favelas ou as habitaes precrias nos morros e encostas)
resume-se busca pela sua eliminao ou transferncia dos pobres para longe,
onde no pudessem ser vistos. Prevalecia a viso de que pobreza era sinnimo de
doena e de fraqueza moral. 12
Nos anos 20 e 30 deste sculo, as favelas so consideradas como manchas
na paisagem urbana da cidade, sendo invariavelmente recomendada a sua
extino. Os planos e regulamentos urbansticos as colocavam fora da legalidade
urbana, recomendando a sua remoo, sob argumentos inspirados, principalmente,
no sanitarismo, mas tambm em aspectos estticos e funcionais.
A carncia habitacional do Estado do Rio de Janeiro, nesta poca, espelha
um problema de carter mundial dos mais caractersticos: o rpido crescimento dos
grandes centros urbanos, face transferncia da mo-de-obra do setor primrio
para os setores secundrio e tercirio da economia, resultante do processo de
industrializao. No Brasil, este fenmeno fez-se sentir mais agudamente em
decorrncia de sua economia encontrar-se em estado de mudana, crescimento e
adequao capacidade produtiva de sua populao. claro que a urbanizao no
10 Idem: 87.
11 Idem: 90. 12 Ver BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical, 1992: 137-141.
Brasil no foi deflagrada apenas com o advento da industrializao. Vale salientar
que nos primeiros anos da dcada de 1930 a industrializao decorreu,
indiretamente, de medidas adotadas em defesa do setor cafeeiro. Porm, este
processo contribuiu para a redefinio qualitativa do urbano, e comandou as
modificaes na diviso social e territorial do trabalho, adequando o espao s suas
necessidades e, conseqentemente, redefinindo o carter da urbanizao e das
relaes entre a cidade burocrtico-comercial e o campo agro-exportador. 13
Como foi dito anteriormente, a Revoluo de 30 impediu que a
implementao do Plano se concretizasse. O Plano teria que se adequar s novas
contradies decorrentes do novo momento de organizao social que se
implantava no pas, superando as contradies da Repblica Velha. Contudo, o
Cdigo de Obras colaborou para tornar a favela juridicamente ilegal.
Em suma, este perodo caracterizou-se pela expanso notvel do tecido
urbano do estado do Rio de Janeiro, processo esse que se efetuou de maneira
distinta. De um lado, a ocupao das Zonas Sul e Norte pelas classes mdia e alta
intensificou-se comandada pelo Estado e pelas companhias concessionrias de
servios pblicos. De outro, os subrbios cariocas e fluminenses se solidificaram
como local de residncia do proletariado, sem qualquer apoio do Estado ou das
concessionrias de servios pblicos, o que resultou em uma paisagem
caracterizada pela ausncia de benefcios urbansticos. 14
Segundo Lucia Lippi de Oliveira 15, o Plano Agache serviu de orientao para
todos os projetos urbansticos at a dcada de 60 do sculo XX quando este foi
substitudo por um novo plano para a cidade, o Doxiadis16, na gesto Carlos
13 LIMONAD, E. Os lugares da urbanizao: o caso do interior fluminense, 1996: 116-118. 14 ABREU, M. Polticas Pblicas, estrutura urbana e distribuio de populao de baixa renda na rea metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 82. 15 OLIVEIRA, L. Cidade, hHistria e desafios, 2002: 162. 16 O Plano Doxiadis propunha a descentralizao urbana a ser realizada a partir de uma estrutura polinucleada, desenvolvida em relao a dois eixos dominantes: o eixo norte-sul, de penetrao metropolitana, e o eixo leste-oeste, que acompanhava a linha frrea coincidente no plano com a linha do metropolitano preposto. Ver SANTOS, A.P. Economia, espao e sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 48.
Lacerda e se constituiu inclusive na mola mestra do novo regime que Getlio
Vargas implanta no pas, conforme ser analisado a seguir.
Presidncia de Getlio Vargas e o Golpe do Estado Novo (1930-1945)
A atuao do Estado Novo representar uma inflexo importante em relao aos
primeiros anos que se seguiram Revoluo de 1930. Abandonou-se tanto o
liberalismo econmico quanto o poltico. A partir do Estado Novo, a poltica
econmica favoreceu sistematicamente a empresa industrial que vai
transformando-se na unidade mais rentvel do sistema econmico. Vale destacar
que o Estado Novo constitui-se na ditadura pessoal de Getlio Vargas, que passa a
desempenhar o papel de moderador da ordem social, contemporizando e
manipulando habilmente os movimentos sociais, conciliando os interesses
divergentes e evitando choques entre vrios setores da burguesia. 17
Com a crise de 1929 e a Revoluo de 1930, que conduziram Getlio Vargas
ao poder, houve uma transformao no padro de acumulao vigente. Foram
criadas bases para o desenvolvimento de uma estrutura produtiva urbano-
industrial, de substituio de importaes, alterando a postura do poder pblico em
relao indstria e acentuando a concentrao de investimentos na rede urbana
no Rio de Janeiro. Este perodo foi marcado por um intenso deslocamento campo-
cidade, que estimulou de forma contraditria, particularmente no Rio de Janeiro, as
presses da classe operria urbana por assistncia-mdico-hospitalar e
habitacional. O surgimento de novas classes sociais, isto , a constituio de um
proletariado urbano e a configurao de classes mdias18, a partir de 1930,
estimulou o crescimento da cidade, intensificando as migraes rurais e urbanas.
relevante destacar que aps o ciclo cafeeiro do sculo XIX, a
industrializao da capital imps uma nova diviso social e territorial do trabalho no
17 FINEP. Habitao popular: inventrio sobre a ao governamental, 1985: 53. 18 Ver F. Oliveira. A economia brasileira: crtica razo dualista., 1975; F. Weffort. O populismo na poltica brasileira, 1980.
incio do sculo XX, estimulando a migrao do capital comercial e cafeeiro para
empreendimentos imobilirios no Distrito Federal.
Pode-se ver na Revoluo de 1930 a aglutinao de diferentes grupos como
a burguesia industrial e financeira, o proletariado, a pequena classe mdia, as
foras armadas, a burguesia agrria no cafeicultora. Diversas tentativas frustradas
de coalizo destes grupos, nos primeiros anos do perodo revolucionrio, levaram
ao Estado Novo e ao regime ditatorial. Em 1930, a cidade j se encontrava
bastante estratificada e a variedade de classes sociais que deram origem
Revoluo de 1930, implicou a necessidade do governo alternar perodos de
favorecimento de uma classe com pocas em que privilegiava as demandas de
outros setores sociais.19 Segundo Maria Lais Pereira da Silva20, neste momento, o
proletariado urbano e os movimento operrios estavam em parte nucleados em
associaes de vrios tipos e suas aes passam ao largo da vida poltica
institucional.
O perodo entre Revoluo e instituio do Estado Novo engloba a
administrao municipal de Pedro Ernesto e o decreto que instituiu o primeiro
cdigo de obras da cidade, onde as favelas so oficialmente reconhecidas e
regulamentadas. O primeiro prefeito eleito, de forma indireta, foi o mdico e
poltico Pedro Ernesto do Rego. Sua trajetria poltica inicia em 1922, apoiando o
movimento tenentista e, por imposio dos tenentes, o presidente Getlio Vargas o
nomeou prefeito-interventor do ento Distrito Federal. Com a fora conquistada por
uma administrao popular e humanista, funda o Partido Autonomista, que vence
as eleies municipais de 3 de maio de 1935, conquistando a esmagadora maioria
de 18 dos 20 vereadores eleitos. Conforme a legislao da poca, Pedro Ernesto,
como vereador mais votado, foi aclamado prefeito (1931-1936), dando
continuidade a sua gesto como interventor. Segundo Maria Lais Pereira da Silva,
19 ABREU, M. Polticas Pblicas, estrutura urbana e distribuio de populao de baixa renda na rea metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 94. 20 SILVA, M. Favelas Cariocas, 1930-1964, 2005: 34.
em sua gesto, as favelas assumem importncia como fato poltico inserido na
questo social.
No campo da habitao este perodo se caracteriza por uma primeira
tentativa de registro de habitaes ilegais existentes, a Estatstica Predial do
Distrito Federal, assim como de registro das primeiras informaes mais
consistentes sobre a intensificao da atuao da prefeitura do Distrito Federal (RJ)
no programa de erradicao de favelas.
Do final da dcada de 1920 at as proximidades do golpe que implantou o
Estado Novo em 1937 destacam-se, no plano poltico institucional, duas
importantes tentativas de ordenamento e controle urbanos: a elaborao do
primeiro plano diretor da cidade do Rio de Janeiro, o Plano Agache, e o decreto
600021 de 1937, que expressava a regulamentao e o direcionamento que o poder
pblico desejava para a cidade, j considerada problemtica no que se refere s
favelas.
possvel considerar que o incio das polticas pblicas em favelas da cidade
do Rio de Janeiro remonta dcada de 40. A partir dos anos 40, inicia-se uma nova
etapa para as populaes de baixa renda, marcada por intervenes pontuais,
desarticuladas, como a proposta dos chamados Parques Proletrios Provisrios,
numa viso autocrtica de reeducar, reajustar e recuperar o morador, com o
propsito de abrigar provisoriamente a populao de algumas favelas da cidade do
Rio de Janeiro. Em 1942 o programa realizou a transferncia de um grande nmero
de pessoas para os Parques Proletrios. A deciso de construir conjuntos
habitacionais constituiu uma nova orientao construtiva. 22
Neste perodo, preciso salientar a acelerao do desenvolvimento do setor
industrial e o crescimento da concentrao espacial nas grandes cidades e em suas
21 O Decreto 6000 foi promulgado em 1 de Julho de 1937, definia as zonas industriais da cidade, influindo nas formas futuras de apropriao do espao. 22 FINEP. Habitao popular: inventrio sobre a ao governamental, 1985: 54.
periferias. A favela ganhou importncia como representao nacional do problema
habitacional, numa ntida projeo da realidade do Rio de Janeiro para todo o pas.
Neste perodo, quanto questo da moradia popular, nota-se que a
interveno do Estado se expressa em nvel nacional em trs direes: a
interveno do mercado privado de habitao por meio da Lei do Inquilinato23
(Decreto-lei 4598/42),24 a estruturao das carteiras prediais dos Institutos de
Aposentadorias e Penses IPAs e , a criao de rgos encarregados de polticas
nacionais mais abrangentes , como a Fundao da Casa Popular, em 1946. Neste
perodo, destaca-se tambm a mudana de status da questo habitacional,
desencadeando uma proliferao de rgos estaduais e municipais. 25
Os governos democrticos de 1945-1964: reflexos sobre a cidade do Rio de Janeiro.
Na segunda metade da dcada de 1940, no plano poltico local, surgem novas
condies polticas com a liberalizao poltica havida no final do Estado Novo,
iniciando um processo de reorganizao de movimentos associativos com
caractersticas basicamente urbanas. Nesta mesma poca, Hildebrando de Gis
assume a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Empossado o presidente Eurico Gaspar Dutra, em Janeiro de 1946, o Estado
passara a criar condies institucionais e econmicas para o desenvolvimento da
economia urbana e industrial voltada para o mercado interno, mantendo as
condies que permitiam ao setor agrrio expandir-se horizontalmente com baixos
coeficientes de capitalizao. Para a economia urbano-industrial, o setor rural
fornecia, pela migrao da mo-de-obra abundante, matrias-primas e alimentos
baratos, alm de supri-la com equipamentos e materiais importados via confisco
23 Nos anos de guerra, a partir de 1942, com esta Lei, houve uma tentativa de controlar os aluguis e manter a oferta de imveis. 24A Lei do Inquilinato representou o congelamento dos aluguis, com a justificativa emergencial do perodo de Guerra. Contudo, a Lei desestimulou a construo de novas moradias por parte do capital rentista , motivando o aumento de despejos judiciais e a reduo da oferta de habitao no mercado urbano, estimulando um intenso mercado negro nas transferncias de imveis. Ver SILVA, M. Favelas cariocas, 2005: 42. 25 SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 40.
cambial. Tem incio, assim, a acelerao do processo de urbanizao brasileiro e as
presses populares sobre o governo para a soluo dos novos problemas
decorrentes do desenvolvimento industrial de ps-guerra. Neste contexto, criada
a Fundao da Casa Popular. 26
Este perodo caracteriza-se principalmente por ser uma poca de transio
na evoluo social brasileira. Aps o final da Segunda Guerra Mundial, em 1946, foi
criada a Fundao da Casa Popular, rgo especificamente habitacional que
privilegiava o atendimento s camadas de menor poder aquisitivo, incorporando
funes ligadas a intervenes de cunho urbano. A Fundao se propunha a
proporcionar a aquisio ou construo de moradia prpria, em zona urbana ou
rural. Destinava-se tambm a financiar estabelecimentos industriais que
construssem residncias para os respectivos trabalhadores.
Atravs do decreto-lei n 9.777 de 06 de Setembro de 1946, as funes da
Fundao foram ampliadas27, dentre elas: financiar, na zona rural, a construo,
reparao ou melhoramento de habitaes para os trabalhadores; financiar as
construes de iniciativas, ou sob responsabilidade de Prefeituras Municipais,
empresas industriais ou comerciais, de residncias de tipo popular, destinadas
venda ou locao a trabalhadores, sem objetivo de lucro; financiar obras
urbansticas, de abastecimento de gua, esgotos, suprimento de energia eltrica,
assistncia social e outras que visem melhoria das condies de vida e bem-estar
das classes trabalhadoras; estudar e classificar os tipos de habitaes denominadas
populares; proceder a estudos e pesquisas de mtodos e processos que visem ao
barateamento da construo quer isolada, quer em srie, de habitaes do tipo
popular; preparar normas ou cadernos de encargos, tendo em vista, especialmente,
a mxima ampliao possvel da rea social de seus benefcios; financiar as
indstrias de materiais de construo; estudar, projetar ou organizar planos de
26 FINEP. Habitao popular: inventrio sobre a ao governamental, 1985: 61.
27 Idem: 65.
construo de habitaes de tipo popular a serem executadas pela prpria
Fundao ou por terceiros; cooperar com as prefeituras dos pequenos municpios
que no dispuserem de pessoal tcnico habilitado; e realizar todas as operaes
que digam respeito melhor execuo de suas finalidades.
Apesar de representar um avano, a Fundao apresentava fragilidade
financeira e institucional e inviabilidade poltica e tcnica. De acordo com Maria Lais
Pereira da Silva, os problemas estavam ligados ao contexto populista, que dava
margem a uma grande ambigidade poltico-institucional, s dificuldades de
negociao dos recursos, a inmeras presses clientelsticas e, dificuldade de
sustentar um subsdio quase integral habitao numa economia que sofria uma
alta inflacionria. Logo, a produo da Fundao da Casa Popular foi muito
dispersa. Construiu somente 18.132 unidades em todo o Brasil. No Rio de Janeiro
foram construdos apenas 3% do total de conjuntos (cinco), mas eles totalizavam
cerca de 24% das habitaes, isto , 3.993 unidades, repetindo-se o padro dos
IAPs.28 Este perodo, por outro lado, fora marcado pela criao de uma grande
quantidade de instituies criadas para a habitao popular em vrias cidades,
mostrando que a questo da habitao tornava-se cada vez mais um problema
governamental. No Rio de Janeiro destaca-se a construo de parques proletrios
provisrios e a criao de rgos como a Fundao leo XIII,29 em 1947, bem
como a presena do Departamento de Habitao Popular DHP, da Prefeitura do
Distrito Federal, que construram conjuntos habitacionais, visando o
desfavelamento da capital da Repblica. 30 A Fundao desenvolveu um trabalho
at 1955, quando ento reduz o ritmo de construes at paralisar praticamente
suas atividades no incio dos anos 1960.
28 Idem: 43. 29 Fruto da articulao entre o cardeal dom Jaime de Barros Cmara e o prefeito Hildebrando de Gis, tendo como motivao principal neutralizar e eliminar a influncia dos comunistas nas favelas por outros mtodos que no os da represso policial. Foi um ator importante por sua ao continuada nas favelas e por ser um projeto disseminador de um trabalho social autnomo, apesar de sua ligao com o poder pblico. 30 SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 44.
O mandato do prefeito Hildebrando de Gis (1946-1947) ocorreu em meio a
uma crise no Poder Executivo e grande instabilidade no Legislativo. Em decorrncia
desta crise este foi demitido, e o general Mendes de Morais assume a prefeitura em
24 de Abril de 1947. 31 Em sua gesto, a questo social e urbana passou
novamente para primeiro plano, com propostas e tentativas de interveno na crise
habitacional, que girava em torno da Lei do Inquilinato e de sua principal
conseqncia expressa no crescimento descontrolado das favelas na cidade.
Durante seu mandato, os projetos e intervenes urbanas se voltam para a
consolidao e abertura de novos espaos para o capital imobilirio, atravs do
parcelamento fundirio e a valorizao dos terrenos, procurando estimular e
consolidar tambm o acesso e o transporte rodovirio para determinadas reas do
Rio de Janeiro. Nesta mesma poca, assumiu particular visibilidade o crescimento
das favelas da cidade. Em torno desta questo, as aes institucionais ocorreram
atravs de importantes projetos habitacionais que se desenvolveram no
Departamento de Habitao Popular, mas que foram pouco implementados. No
plano poltico-assistencial, as aes giraram em torno das propostas da Prefeitura
contidas no Plano de Extino das Favelas. Porm, a ao realmente se
desenvolveu no plano policial-repressivo. 32
Neste perodo, ocorre uma multiplicao de favelas no Rio de Janeiro. De
acordo com Mauricio Abreu33 , a regio da Leopoldina passou por duas grandes
melhorias: o saneamento do rio Faria-Timb (em 1942) e a inaugurao da Avenida
Brasil (em 1946). O objetivo destas obras incentivar o processo de
industrializao na Regio. Porm, a ausncia de obras de infra-estrutura nesta
rea, impossibilita a implantao regular das indstrias. Ocorre uma ocupao
desordenada de pequenas indstrias, e os bairros cortados pela Avenida Brasil 31 Mendes de Morais foi o prefeito com maior tempo de gesto no perodo imediatamente anterior transferncia da capital, governando a cidade at 1951. Ver SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 63.
32 Idem: 65. 33 Ver ABREU, Mauricio de Almeida. EvoluouUrbana do Rio de Janeiro, 1987.
empobrecem, sofrem com as inundaes e com a falta de saneamento bsico. A
impossibilidade do estabelecimento de importantes indstrias ao longo da Avenida
Brasil, como era previsto, criou nesta rea, grandes vazios, possibilitando o
processo de favelizao em seu percurso. Como foi visto anteriormente, em 1947
criou-se uma comisso especfica para a erradicao das favelas, fracassada devido
falta de recursos e de poder. Tem incio, assim, o processo de urbanizao
brasileiro e as presses populares sobre o Governo para a soluo de novos
problemas decorrentes do desenvolvimento industrial de ps-guerra. Neste
contexto, enquadra-se o Plano Salte Sade, Alimentao, Transporte e Energia
e a criao da Fundao da Casa Popular.
Embora, na dcada de 50, ainda houvesse um discurso que relacionava os
males fsicos aos males morais da populao, trs fatores, conjugados,
redirecionam o problema favela para outro eixo de discusso: o aparecimento de
lideranas mais amadurecidas politicamente, j organizadas em partidos polticos; o
assustador avano das favelas e, finalmente, a dificuldade das remoes. Incluiu-se
ao discurso da remoo, o da urbanizao de algumas favelas, principalmente
quanto ao saneamento da rede de esgoto.
O Segundo mandato de Getlio Vargas (1951-1954).
Eleito em 1950, Getlio Vargas retorna Presidncia da Repblica em 1951. Vargas
iniciou o governo com postura conservadora, mantendo a transferncia de renda do
setor exportador para o industrial, via poltica cambial. Desde o fim do governo
Dutra, o setor operrio sofrera algumas modificaes que tiveram importantes
repercusses polticas no governo Vargas. O governo era pressionado pelos
sindicatos, que desejavam realizar a escolha de seus representantes entre os
operrios, contra o controle do Ministrio do Trabalho. Nesta conjuntura, perdendo
suas bases populares, Vargas resolve mudar a poltica e remodelar seu Ministrio
colocando Joo Goulart na pasta do Ministrio do Trabalho, o que desencadear
uma drstica mudana na poltica trabalhista anterior, substituindo o velho
populismo por alianas do Estado com o movimento operrio.
Dentre as realizaes mais notveis do perodo destaca-se a construo, em
1952, pelo Departamento de Habitao Popular da Prefeitura do Distrito federal
(RJ), do Conjunto Habitacional do prefeito Mendes de Moraes, com 328 unidades.
Conhecido como Conjunto do Pedregulho34 tornou-se exemplo por incorporar
criativamente os princpios da arquitetura e urbanismo modernos soluo de um
conjunto habitacional para camadas populares.
Desde 1953, a crise exacerbava-se provocando o esvaziamento poltico e
militar do governo. Vargas, devido a suas medidas nacionalistas, logo foi acusado
pela oposio de pretender implantar no pas uma Repblica Sindicalista, nos
moldes do peronismo argentino. O atentado ao jornalista Carlos Lacerda, principal
autor de ataques ao Governo, faz com que a presso militar se intensifique,
culminando na exigncia de renncia de Getlio Vargas, que se suicidou logo em
seguida, no ano de 1954. Neste ano, as contnuas manifestaes populares
continuaram garantindo a sobrevivncia do populismo, e asseguraram a eleio de
um continuador de Vargas, o candidato Juscelino Kubitscheck de Oliveira.
No contexto das condies poltico-institucionais da crise habitacional,
permanece o debate em torno das freqentes prorrogaes da Lei do Inquilinato,
que se repetiam, a cada dois anos, particularmente a partir de 1950. As
repercusses na cidade se agravavam principalmente por causa da maior presso
dos fluxos migratrios. No caso da questo da habitao, a imprensa noticiou a
onda de despejos, entre 1950 e 1954, sendo o motivo principal a falta de
pagamento, gerando uma categoria somente de inquilinos. 35
34 FINEP. Habitao popular: inventrio sobre a ao governamental, 1985: 66.
35 SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 68.
Os prefeitos que assumiram a cidade com o segundo Governo de Getlio
Vargas, Joo Carlos Vital (1951-1952) e Dulcdio do Esprito Santo Cardoso (1952-
1954), mantiveram estreita ligao com as linhas nacionalistas, no quadro do
trabalhismo da poca, e com relaes polticas populistas. Nesta poca, a crescente
crise habitacional fortaleceu movimentos sociais e polticos, reforando mais uma
vez a continuidade das caractersticas conjunturais do segundo perodo Vargas.
Uma breve passagem pela presidncia de Juscelino Kubitscheck (1956-1965).
Juscelino Kubitscheck foi o ltimo presidente da Repblica a assumir o cargo no
Palcio do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, em 31 de janeiro de 1956. Em seu
mandato presidencial, Juscelino lanou o Plano Nacional de Desenvolvimento,
tambm chamado de Plano de Metas, que tinha o clebre lema "Cinquenta anos em
cinco". O plano tinha 31 metas distribudas em seis grandes grupos: energia,
transportes, alimentao, indstria de base, educao e a meta principal
Braslia, inaugurada em Abril de 1960. Visava a estimular a diversificao e o
crescimento da economia, baseado na expanso industrial e na integrao dos
povos de todas as regies com a capital no centro do territrio brasileiro. Com JK
ocorreu considervel acelerao do desenvolvimento econmico e do processo de
urbanizao, em decorrncia, principalmente, da implantao das indstrias de
bens de produo e a automobilstica, assim como a expanso de infra-estrutura de
estradas de rodagem e energia eltrica.
Em sua gesto, uma parcela crescente da alta burguesia estava convencida
da necessidade de uma poltica econmica de estabilizao e austeridade, mesmo
que isto custasse uma parada temporria do desenvolvimento. Contudo, o
problema habitacional ainda no havia assumido o status de crise que ir ocorrer
no incio dos anos 1960, tanto que no Plano de Metas no h qualquer referncia
expressa habitao.36
36 FINEP. Habitao popular: inventrio sobre a ao governamental, 1985: 62.
No governo Kubitscheck (1956-1961), a pouca ateno dada questo
habitacional aprofundou a crise da habitao. A questo a partir deste momento
estava relacionada com o destino do campo e da cidade, vale dizer, com problemas
de reforma agrria e urbana, e com o prprio desenvolvimento do pas.
O estado da Guanabara: a conjuntura da metrpole carioca nos anos 1960
Em 1834, a cidade do Rio de Janeiro foi transformada em "municpio neutro",
permanecendo como capital do Imprio do Brasil, enquanto que Niteri passou a
ser a capital da provncia do Rio de Janeiro. Em 1889, a cidade transformou-se em
capital da Repblica, o municpio neutro em Distrito Federal e a provncia em
estado. Com a mudana da capital para Braslia, em 21 de abril de 1960, a cidade
do Rio de Janeiro tornou-se o estado da Guanabara, de acordo com as disposies
transitrias da Constituio de 1946 e com a Lei n 3.752, de 14 de abril de 1960.
A transferncia da capital do pas para Braslia, realizada por Juscelino
Kubitschek, provocou grande especulao sobre o futuro poltico-administrativo da
cidade do Rio de Janeiro. Os debates versaram sobre a possibilidade de transformar
o Distrito Federal em um estado semelhante s demais unidades da federao,
idia j preconizada nas constituies de 1891, 1934 e 1946. Em 14 de abril de
1960, o Congresso Nacional decretou e Juscelino sancionou a lei n 3.752,
conhecida como Lei San Tiago Dantas37, que estabelecia normas para criao do
estado da Guanabara (o 21 estado da Unio) e convocao de sua Assemblia
Constituinte. Na mesma data da mudana da sede do governo, em 21 de abril de
1960, foi instalada a Assemblia Legislativa do Estado da Guanabara - ALEG.
A eleio do candidato Jnio Quadros em fins de 1960, respondia aos
anseios da sociedade nacional, ao combinar uma poltica interna conservadora
37 De acordo com a Lei Santiago Dantas os vereadores da Cmara do Distrito Federal, eleitos em 03 de outubro de 1958, tornavam-se deputados constituindo o Poder Legislativo at que fosse promulgada a Constituio do novo estado. Desta forma, a Cmara de Vereadores do Distrito Federal funcionou como Assemblia Legislativa at a promulgao da Constituio estadual em 27 de maro de 1961.
deflacionista com uma poltica externa independente, atrativa para os setores
populares de esquerda. Aps sua posse em 1961, obstculos comearam a surgir
em decorrncia destas polticas de governo, causando descontentamento tanto da
classe trabalhadora, quanto do Congresso, levando ao encaminhamento de sua
renncia presidncia, apenas sete meses aps a posse. Com a renncia de
Quadros, em Setembro deste mesmo ano, o Congresso Nacional aprova uma
Emenda Constitucional adotando o Parlamentarismo, que viabilizava a posse de
Joo Goulart, deflagrando ainda mais a instabilidade do regime, trazendo tona a
luta poltica sobre a volta do Presidencialismo. Neste perodo, sob o impacto dos
processos de industrializao, de urbanizao e de maior liberdade das camadas
operrias e rurais, o problema habitacional foi transformado em uma questo mais
complexa do que a simples construo de casas ou conjuntos habitacionais.
Associado prpria discusso do modelo de desenvolvimento, diante da escala e
velocidade que adotara, o equacionamento do problema habitacional passa a
envolver questes como reforma agrria e urbana (propriedade da terra), captao
e manuteno do valor real dos recursos financeiros.
Do final do perodo Kubitscheck ao curto governo Quadros, fatos externos ao
pas vo transformar a compreenso da questo habitacional no continente latino-
americano. Suas origens podem ser encontradas na Revoluo Cubana de 1959, na
promessa de Fidel Castro de reforma social para o proletariado urbano e, mais
especificamente, em sua Reforma Urbana. Para combater a possvel repercusso
dessas medidas, a Agncia para o Desenvolvimento Internacional AID decidiu
dinamizar o Fundo de Emprstimos para o Desenvolvimento DFL, autorizando
emprstimos e garantias para fins habitacionais, aos pases da Amrica Latina, em
1961. O Brasil, includo no grupo de pases que se beneficiariam do emprstimo,
procura, no governo Jnio Quadros, instrumentar-se para responder ao desafio
habitacional, atravs de tentativas como o Instituto Brasileiro de Habitao e
criao do Conselho Federal de Habitao em 1961. Nesta poca, o Instituto dos
Arquitetos do Brasil alertava o povo e as autoridades para as imperfeies do plano
para enfrentar a crise residencial, pois este visava construo de casas destinadas
somente venda.
Com a posse de Joo Goulart os problemas relacionados moradia, em
particular nos grandes centros urbanos, sero objeto de mensagem especial ao
Congresso Nacional, na qual se dar o primeiro passo para a formulo de uma
poltica habitacional capaz de disciplinar o vertiginoso e desordenado crescimento
urbano. Neste contexto, a falta de uma legislao reguladora permitiu que a
indstria de construo se transformasse em presa fcil de especuladores,
impedindo o acesso residncia prpria das camadas mais pobres da populao.
A partir da, o Conselho Federal de Habitao passa a ter um papel
altamente significativo na execuo desta poltica, submetendo ao Congresso
Nacional um projeto de lei de reforma urbana, que prope novas solues para o
problema da habitao e para a questo da moradia popular. Portanto, o contexto
que surge em decorrncia da mudana na situao poltico-institucional brasileira e
da cidade, trouxe importantes tranformaes nas polticas habitacionais e sociais.
A Histria recente do Rio de Janeiro pode ser dividida em trs momentos:
Distrito Federal Republicano (1889-1960), Estado da Guanabara (1960-1975) e
Municpio do Rio de Janeiro (a partir de 1975). Em um primeiro momento, o Rio de
Janeiro era visto como o elo entre o pas e a civilizao Europia, tornando-se a
vitrine dessa cultura para o resto do pas; como cidade-capital, o Rio de Janeiro
deveria ser o baluarte da unidade e da centralizao, o que significava enfrentar o
desafio de unificar uma vasta regio pontuada por ilhas econmicas e culturais,
desejosas de emancipao poltica, suprema ameaa. Como sede do governo
federal, e espao de representao poltica da cidade do Rio de Janeiro, a capital
possua duas funes de carter dbio: administrativa, e, portanto, subordinada
aos interesses federais; e poltica, na qual defendia sua autonomia poltica. Essas
duas propostas refletem e reforam a ambigidade do lugar que o Rio de Janeiro,
na condio de Distrito Federal, ocupava na federao. 38
No segundo momento, aps a aprovao pelo Congresso da transferncia da
Capital para Braslia, o espao do Rio de Janeiro no pas mudou profundamente.
Podemos separar esse perodo em alguns momentos distintos e bastante marcantes
para o desenho poltico carioca.
Em 1958, os jornais cariocas publicavam opinies de personalidades do
Distrito Federal e do Rio de Janeiro sobre os destinos da cidade. As trs propostas
que surgiram na poca apoiavam a criao do territrio da Guanabara; do estado
da Guanabara; do municpio do Rio de Janeiro, incorporado ao Estado do Rio de
Janeiro. No incio de 1960, intensificou-se o debate parlamentar, devido
indefinio do futuro da cidade do Rio de Janeiro no cenrio poltico nacional. A
capital seria transferida em 21 de Abril de 1960 e no havia sido definido ainda o
arcabouo jurdico poltico. Na Constituio de 1891, estava previsto que, caso a
capital se transferisse para o interior, a cidade do Rio de Janeiro se fundiria com a
Velha Provncia. 39 No entanto, a falta de entendimento poltico postergou esta
fuso por 15 anos.
No processo de elaborao da Constituio da Guanabara, uma das
principais questes levantadas na elaborao da Constituio era se o Estado da
Guanabara deveria ter uma organizao municipal clssica, assim como os outros
estados (com municpios, prefeitos e cmaras de vereadores), ou ser uma cidade-
estado, sem diviso municipal. A deciso caberia ao novo Governador, Carlos
Lacerda (1960-1965), primeiro governante eleito diretamente pelos cariocas. Nos
dois primeiros anos de governo, Lacerda privilegiou a montagem do arcabouo
jurdico-institucional do novo estado. Candidato presidncia em 1965, Lacerda
investiu na transformao do Estado da Guanabara em um estado capital, onde a
38 Ver MOTTA, M. O lugar da cidade do Rio de Janeiro na Federao Brasileira: uma questo em trs momentos, 2001.
39 Ver Motta, M. & Sarmento, C. A construo de um estado: a fuso em debate, 2001.
cidade no perderia sua condio de vitrine da nao. No entanto, ao reafirmar o
papel tradicionalmente exercido pela cidade, no por acaso chamada de Belacap, o
governo Lacerda no conseguiu estabelecer os alicerces fundadores de um novo
lugar para o Rio de Janeiro na federao, o de estado federado. 40 Eleito o
governador e criado o corpo legislativo, o desafio seguinte foi organizar
administrativamente o municpio do Rio de Janeiro, agora transformado em Estado
da Guanabara. O Executivo e a Assemblia Legislativa foram contra a diviso do
estado em municpios, tese vencedora no plebiscito popular realizado em 21 de
abril de 1963.
O Governo Lacerda dinamizou mudanas radicais na cidade, ao promover a
remoo de favelas para outras regies (e a conseqente criao da Vila Kennedy e
da Cidade de Deus), a construo da adutora do Guandu para o abastecimento de
gua cidade, e implementou uma srie de modificaes paisagsticas. Dentre as
principais obras realizadas na cidade nesse perodo, destacam-se a abertura do
Tnel Rebouas, o alargamento da praia de Copacabana, e a construo da maior
parte do Aterro do Flamengo, sobre o qual foi formada a mais extensa e completa
rea de lazer da cidade, o Parque do Flamengo, hoje denominado oficialmente de
Parque Brigadeiro Eduardo Gomes, situado junto orla da Baa de Guanabara, com
121,9 hectares e que se estende desde o Aeroporto Santos Dumont at o Morro da
Viva, em Botafogo.
No governo Lacerda, a dimenso habitacional foi largamente tratada, mas
segundo parmetros modificados no incio do governo. Segundo Maria Lais Pereira
da Silva, o Rio de Janeiro continuou sendo uma cidade de inquilinos: cerca de 50%
dos domiclios eram alugados, com as favelas crescendo e uma situao de moradia
considerada dramtica para os pobres da cidade. A autora constata que num
primeiro momento, a poltica relacionava-se s propostas que vinham sendo
construdas numa linha de urbanizao pela recm montada Coordenao do
40 Ver MOTTA, M. S. O lugar da cidade do Rio de Janeiro na Federao Brasileira: uma questo em trs momentos, 2001.
Servio Social, sob a direo do socilogo Jos Arthur Rios, que baseava suas aes
nas associaes de moradores, atribuindo-lhes um importante papel intermedirio
na relao com o poder pblico.41 Contudo, quando o acordo entre o governo do
estado e a United States Agency for International Development Usaid (organismo
do governo dos Estados Unidos) foi firmado em 1962, desapareceram quase que
completamente os recursos para a urbanizao das favelas, prevalecendo a partir
da a ideologia da casa prpria, da remoo das populaes das favelas e a
construo de conjuntos habitacionais na periferia.
Nesse perodo, tambm foi organizada a Companhia Estadual de Telefones -
Cetel, cuja misso foi a de instalar servio de telefones automticos nos afastados
subrbios, como Iraj, Bento Ribeiro, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, na
baixada de Jacarepagu e na Barra da Tijuca, assim como na Ilha do Governador e
na ilha de Paquet. Anos mais tarde, a companhia estadual foi incorporada ao
sistema telefnico fluminense que, atravs da agncia de Telecomunicaes do
Estado do Rio de Janeiro Telerj, passou a atender o restante do estado aps a
fuso.
De 1960 a 1962 abrandaram-se as relaes entre o estado e os moradores,
perodo em que foram criadas a maior parte das Associaes dos Moradores. Neste
perodo, devido transferncia da capital da cidade para Braslia, a cidade perde
vrias de suas funes e precisa reordenar o seu espao. 42 Encomendado por
Carlos Lacerda, o Plano Doxiadis, plano de desenvolvimento urbano para a cidade,
definiu as principais propostas para as vrias polticas, inclusive a habitacional, que
somente ficar pronto em 1965, no final do seu governo. As enchentes ocorridas no
Rio de Janeiro vo agravar a situao de crise da cidade e impedir a sua realizao.
Caracteriza-se pela busca de modelos importados de cidade e tcnicas sofisticadas
de trabalho. O planejamento fsico proposto visa a pensar o espao de forma
41 SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 73.
42 OLIVEIRA, L. Cidade histria e desafios, 2002 : 265.
compartimentada, de acordo com as necessidades dos indivduos: espao para
morar, espao para o trabalho etc., com base nas propostas dos Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna CIAM.43
neste contexto que o governo Negro de Lima e o Regime Militar (1965-
1970), sero analisados na prxima etapa da pesquisa. A seguir, para a melhor
visualizao do perodo, utiliza-se um quadro com a ao dos governos federal,
municipal e estadual, de 1937 a 1964, na rea das polticas de habitao, com
destaque para a cidade do Rio de Janeiro.
Quadro 1. Histria da urbanizao da cidade do Rio de Janeiro:
aes federais, estaduais e municipais.
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL OUTROS INICIATIVAS
1937-1945 H. Dodsworth
Parques Proletrios Provisrios: construo de novas habitaes para moradores de favelas, se possvel no prprio local ou prximo dali.
01/05/1946
O Presidente Dutra nomeia Comisso Interministerial para estudar e apresentar solues para as favelas e, ao mesmo tempo, cria a Fundao da Casa Popular. A Comisso apenas reforou medidas coercitivas semelhantes ao cdigo de obras de 1937.
1946
Criao do Departamento de Habitao Popular pelo Prefeito Mendes de Moraes.
43 Idem: 266-267.
Autorizada por decreto presidencial N 22498 de 22/01/1947
Criada pela
Prefeitura do Distrito Federal
1947
Criao da Fundao Leo XIII, na busca por uma soluo a longo prazo, que priorizasse a promoo humana. Segundo analistas, sua criao tambm era motivada pelo combate a comunistas.
1946-1950
O Prefeito Mendes de Moraes cria o Servio de Extino de Favelas e desenvolve plano que deveria estimular o retorno a