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MUNDO Geografia e Política Internacional ANO 7 N º 4 AGOSTO 1999 Tiragem: 38.000 exemplares “... UM GRANDE SALTO PARA A HUMANIDADE ...” E mais ... Editorial - a ONU condenou a pena de morte, contra o voto dos Estados Unidos, o maior obstáculo à promoção dos direitos humanos. Pág. 3 Relatório da Anistia sobre os presídios no Brasil revela as facetas de uma barbárie. Pág. 3 Condenação à morte, pela Turquia, do líder curdo Ocalan checa a luta pelo Curdistão Pág. 5 O Meio e o Homem - Ciência, tecnologia e ecologia participam da batalha dos transgênicos pelo mercado. Pág. 8 Diário de Viagem - Austrália, jangada desgarrada da Europa, define o seu futuro no Pacífico. Pág. 9 Concurso de Redação TEXTO & CULTURA Que fazer? “Esse pequeno passo para um homem é um grande salto para a humanidade”, disse Neil Armstrong, há 30 anos, quando tocou a superfície lunar. A seguir, em nome “de toda a humanidade”, ele plantou na Lua a bandeira dos Estados Unidos. Três décadas depois, a viagem da Apolo 11 pode ser avaliada num contexto mais vasto que as circunstâncias da “corrida espacial” entre as superpotências da Guerra Fria. O que significou a conquista da Lua? Como ela modificou a nossa forma de ver e interpretar o mundo? O “grande salto” é parte de uma narrativa: a descoberta da Terra. Ela nos remete ao mundo grego, à cosmologia medieval, às Navegações, à aventura da Antártida. E, se adotamos uma perspectiva mais ampla, a marcha que coloniza a Terra e agora parte para outros planetas coloca a questão central da relação do homem com a tecnologia. Os artefatos tecnológicos colocados à sua disposição ampliam, extraordinariamente, o seu domínio sobre a natureza e começam a desafiar até mesmo a última barreira - a inevitabilidade da morte biológica. O “homem tecnológico” alimenta a fantasia da onipotência divina. Mas isso tem um preço... Págs. 5, 6 e 7 Espectro nuclear ronda o Himalaia A Caxemira, a 4 mil metros de altitude, pontilha- da pelos glaciares do Himalaia, não guarda riquezas mine- rais e não apresenta qualquer valor estratégico. Ali, forças terrestres e aéreas da Índia e tropas muçulmanas apoiadas pelo Paquistão entraram em combate, em junho e julho. A nova guerra da Caxemira é uma repercussão do pecado de origem que foi a bipartição da Índia britânica. Mas essa guerra tem significados globais. Ela foi travada por duas novas potências nucleares. E recolocou em movimento as complexas engrenagens que, sutilmente, estão remontan- do o quebra-cabeças do equilíbrio de poder na Ásia. Pág. 4 Fernando Pessoa(s) e a eterna invenção da língua portuguesa págs. 10 e 11 Conheça os integrantes da banca examinadora Pág. 2 Reprodução - Afresco do teto da Capela Sistina, Vaticano, Criação de Adão (1511/12) de Michelangelo Você está preparado? O mundo está passando por uma transformação radical e profunda. Mudam as formas de trabalho, as rela- ções familiares, a vida escolar e as atividades profissionais: algumas estão desaparecendo, ao passo que outras estão surgindo. Já não basta fazer uma faculdade ou mesmo um curso técnico e partir para o mercado de trabalho. É pre- ciso estar preparado para reavaliar continuamente as pró- prias habilidades. Um dos instrumentos mais valiosos para esse permanente aprendizado é a educação à distância. Este é o tema desta edição.

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M U N D OGeografia e Política Internacional

ANO 7 • Nº 4 • AGOSTO 1999Tiragem: 38.000 exemplares

“...UM GRANDE SALTO PARA A HUMANIDADE...”

E mais ...■ Editorial - a ONU condenou a pena de morte, contra

o voto dos Estados Unidos, o maior obstáculo àpromoção dos direitos humanos. Pág. 3

■ Relatório da Anistia sobre os presídios no Brasilrevela as facetas de uma barbárie. Pág. 3

■ Condenação à morte, pela Turquia, do líder curdoOcalan checa a luta pelo Curdistão Pág. 5

■ O Meio e o Homem - Ciência, tecnologia eecologia participam da batalha dos transgênicos pelomercado. Pág. 8

■ Diário de Viagem - Austrália, jangada desgarrada daEuropa, define o seu futuro no Pacífico. Pág. 9

Concursode Redação

TEXTO & CULTURA

Que fazer?

“Esse pequeno passo para um homem é um grande salto para a humanidade”, disse Neil Armstrong,há 30 anos, quando tocou a superfície lunar. A seguir, em nome “de toda a humanidade”, ele plantou na Luaa bandeira dos Estados Unidos. Três décadas depois, a viagem da Apolo 11 pode ser avaliada num contextomais vasto que as circunstâncias da “corrida espacial” entre as superpotências da Guerra Fria. O que significoua conquista da Lua? Como ela modificou a nossa forma de ver e interpretar o mundo?

O “grande salto” é parte de uma narrativa: a descoberta da Terra. Ela nos remete ao mundo grego, àcosmologia medieval, às Navegações, à aventura da Antártida. E, se adotamos uma perspectiva mais ampla, amarcha que coloniza a Terra e agora parte para outros planetas coloca a questão central da relação do homemcom a tecnologia. Os artefatos tecnológicos colocados à sua disposição ampliam, extraordinariamente, o seudomínio sobre a natureza e começam a desafiar até mesmo a última barreira - a inevitabilidade da mortebiológica. O “homem tecnológico” alimenta a fantasia da onipotência divina. Mas isso tem um preço...

Págs. 5, 6 e 7

Espectro nuclear rondao Himalaia

A Caxemira, a 4 mil metros de altitude, pontilha-da pelos glaciares do Himalaia, não guarda riquezas mine-rais e não apresenta qualquer valor estratégico. Ali, forçasterrestres e aéreas da Índia e tropas muçulmanas apoiadaspelo Paquistão entraram em combate, em junho e julho. Anova guerra da Caxemira é uma repercussão do pecado deorigem que foi a bipartição da Índia britânica. Mas essaguerra tem significados globais. Ela foi travada por duasnovas potências nucleares. E recolocou em movimento ascomplexas engrenagens que, sutilmente, estão remontan-do o quebra-cabeças do equilíbrio de poder na Ásia.

Pág. 4

Fernando Pessoa(s) e a eterna

invenção da língua portuguesapágs. 10 e 11

Conheça os integrantes dabanca examinadora

Pág. 2

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Você está preparado?O mundo está passando por uma transformação

radical e profunda. Mudam as formas de trabalho, as rela-ções familiares, a vida escolar e as atividades profissionais:algumas estão desaparecendo, ao passo que outras estãosurgindo. Já não basta fazer uma faculdade ou mesmo umcurso técnico e partir para o mercado de trabalho. É pre-ciso estar preparado para reavaliar continuamente as pró-prias habilidades. Um dos instrumentos mais valiosos paraesse permanente aprendizado é a educação à distância. Esteé o tema desta edição.

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4º CONCURSO

NACIONAL DE REDAÇÃO

DE MUNDO E T&C -1999 E X P E D I E N T E

Redação: Demétrio Magnoli (Mundo), Gilson Schwartz (Que Fa-zer?), Jayme Brener (Ulysses), José Arbex Jr. (Geral), Nelson BacicOlic (Cartografia), Paulo César de Carvalho (T&C),.Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779)Revisão: Paulo César de CarvalhoDiretora Comercial: Vera Lúcia VieiraProjeto e editoração eletrônica: Wladimir SeniseEndereço: Rua Romeu Ferro, 501, São Paulo - SP.CEP 05591-000. Fone: (011) 2104069 - Fax: (011) 8701658E-mail: [email protected]:Rio Grande do Sul: Euler de Oliveira - Fone: (051) 245.1732Fax: (051) 343.4466 - Bahia - Alitônio Carlos Moreira - Fone:(071) 327.2088 - Fax: (071) 327.2240 - Mato Grosso do Sul :Gilda Cristina Falleiros - Fone e fax: (067) 382.9456 - Pará (Re-gião Metropolitana de Belém): José Milton Costa Morais - Fonee fax: (091) 222.6651, E-mail:[email protected] -Amapá e interior do Pará - Luciano Costa Oliveira - Fone:(091) 243.2599.

Colaboradores: Newton Carlos, J. B. Natali, Nicolau Sevcenko,Rabino Henry I. Sobel, Hassan El Emleh (Fed. Palestina do Bra-sil) e as ONGs Anistia Internacional e Greenpeace.

Assinaturas: Por razões técnicas, não oferecemos assinaturas indi-viduais. Exemplares avulsos podem ser obtidos nos seguintes en-dereços, em SP:• Laboratório de Ensino e Material Didático (Lemad) - Prédio

do Depto. de Geografia e História - USP• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900.

Homepage: http://www.uol.com.br/mundo

PANGEA - Edição e Comercializaçãode Material Didático LTDA.

“NÓS QUE AQUI ESTAMOS POR VÓS ESPERAMOS”

Nelson Bacic Olic

Nesta edição, rastreamos temas da atualidade quepodem ser objeto de questões nas provas de Geografia eHistória. A proposta é que os candidatos, auxiliados porseus professores, revejam esses tópicos. Indicamos a con-sulta de textos publicados em Mundo ou material de nos-so site na Internet.

Um forte ‘‘candidato’’ a aparecer nos mais im-portantes exames está associado ao marco de encerra-mento da Guerra Fria – a queda do Muro de Berlim,evento que completa dez anos em novembro. Paramuitos, como o historiador Eric Hobsbawm, trata-sedo acontecimento político que “fecha” o século XX.Questões ligadas a esse tema podem envolver o avan-ço do processo da globalização e suas crises (v. Mundo1, págs. 3 a 7) a concentração mundial da renda e ocrescimento do desemprego (v., no nosso site, o link“Pensando o Mundo”).

O euro foi lançado oficialmente em 1999, em11 dos 15 Estados da União Européia (UE). Este éoutro tema a ser explorado, ao lado da expectativa deintegração de novos países ao bloco: Hungria, Polônia.República Tcheca, Estônia, Eslovênia, Romênia eChipre formam a “primeira linha” de candidatos. Ain-da sobre a Europa, um tema destacado é o conflito emKosovo. A Otan, protagonista do conflito iugoslavo,completou seu cinqüentenário em 1999 e incorporoutrês novos membros – Hungria, Polônia e RepúblicaTcheca. O ingresso de países do antigo bloco soviéti-co é um sinal das diferenças radicais entre o cenáriointernacional atual e aquele do início da Guerra Fria,quando surgiu a aliança militar. Sobre Kosovo e a Otan,v. Mundo 2, pág. 5 e Mundo, págs. 5 a 7).

O Oriente Médio sempre é um tópico explo-rado. A aparentemente insolúvel questão palestinapode suscitar questões, especialmente em função dasmudanças ocorridas na política interna israelense apósa eleição do trabalhista Ehud Barak, que parece dis-posto a retomar o caminho da paz (v. Mundo 3, pág.4). Além da questão palestina, merece atenção o sepa-ratismo curdo, que retornou às manchetes em funçãoda condenação à morte de Abdulah Ocalan (v. estaedição de Mundo, pág. 5).

Na Ásia Meridional, as atenções estão volta-das para a tradicional rivalidade entre Índia e Paquistão,que mais uma vez se manifestou de forma violenta emtorno da disputa pela Caxemira (v. Mundo 3, pág. 9 eesta edição, pág. 4). Na Ásia Oriental, a devolução doenclave português de Macau à China, previsto para oprimeiro dia do ano 2000, sugere um olhar retrospec-tivo para a Revolução dos Cravos. Esse movimento,ocorrido em Portugal há 25 anos, não só trouxe a de-mocracia para terras lusitanas como pôs fim ao impé-rio colonial português, que sobreviveu por mais de 500anos (v. Mundo nº 2, pág. 9).

Na América do Sul, o fato de maior relevânciafoi a crise econômica que atingiu o Brasil, dissolvendoo Plano Real e repercutindo sobre a Argentina e oMercosul (v. Mundo 2, págs. 6 e 7). Na África, umtema que poderia ser explorado seria o fim da chama-da “Era Mandela”. Eleito em 1994, como primeiropresidente de uma África do Sul democrática, NelsonMandela conseguiu evitar que o país fosse tragado pe-los conflitos etno-raciais. Contudo seu governo nãoconseguiu amenizar problemas cruciais como a enor-me desigualdade social e o desemprego, que afeta cer-ca de 40% dos trabalhadores negros (v., no nosso site,o link “Pensando o Mundo”).

Este é o título de um filme que tem feito grande sucesso em festivais de cinema, nacionais e internacionais (jáganhou nove prêmios). Seu personagem central é o século XX (as guerras, a revolução tecnológica, a cultura). O filme,de 73 minutos, não é narrado nem utiliza diálogos. É, de fato, um grande video-clip histórico. Por tratar de um tematão próprio ao boletim Mundo, resolvemos entrevistar o seu diretor, Marcelo Masagão:

■ Mundo - De onde você tirou o nome “Nós que aqui estamos por vós esperamos”?Marcelo Masagão: Trata-se de uma inscrição no pórtico de um cemitério da cidade de Paraibuna. A frase échocante, por sintetizar a condição humana: todos vamos virar pó.

■ Mundo - Quando surgiu a idéia de fazer um filme sobre o século XX?MM - Ganhei uma bolsa da Fundação MacArthur para produzir um CD-ROM sobre o século. No meio dapesquisa e muito impressionado com as imagens que encontrei, achei que valeria a pena exibir tudo aquilo em telagrande.

■ Mundo - Quantas pessoas participaram da produção e quanto tempo levou?MM - Levei três anos de pesquisa e contei com a colaboração informal de muitos amigos e pesquisadores. Os maisconstantes foram dois historiadores (Eduardo Valladares e Nicolau Sevcenko) e duas psicanalistas (AndreaMasagão e Heidi Tabacov).

■ Mundo - Que prêmios o filme já ganhou?MM - O filme já ganhou nove prêmios em festivais nacionais e Internacionais, incluindo o de Melhor Filme (júrie público) no Festival de Recife e na mostra internacional do festival É Tudo Verdade.

■ Mundo - O que foi mais difícil na hora de produzir o filme?MM - As tecnologias contemporâneas já possibilitam fazer filmes baratos. Editei todo o meu filme em numa placade edição que custa U$ 2.000 e acredito que uma possível revolução no cinema nacional passe pelo usode tecnologia digital. Só assim poderemos fazer filmes de baixo custo e em grande quantidade. O filme teve umcusto total de U$ 140.000, dos quais U$ 80.000 foram consumidos em direitos autorais.

■ Mundo - O que mais te surpreendeu na história do século XX?MM - É um século esquizofrênico: se por um lado nunca se destruiu tanto, por outro nunca um século produziuum surto tão grande de invenção e criatividade.

■ Mundo - Que impressão que te ficou, depois do filme pronto?MM - O filme está sendo muito bem recebido por um público que é o xodó de qualquer cineasta: os jovens.Estamos fazendo sessões especiais para escolas, e é impressionante a atenção que o filme desperta. Os debatesdepois da exibição são bastante quentes. Isso se explica, em grande parte, pelo fato de o filme ser uma espécie devideo-clip, ou melhor, filme-clip do século, com imagens preciosas, boa música e sem nenhum tipo de locução. Ofato de não ter locutor faz com que a atenção das pessoas fique menos dirigida a didatismos reducionistas. Ofilme, nesse sentido, é um desafio ao jovem: solicita uma boa dose de reflexão.

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Conheça o nosso site na Internet e utilize os seus recursos para resolverproblemas nas áreas de Geografia, História e Português!

Ali os nossos assinantes encontrarão as coleções de Mundo, T&C e Ulysses e umprograma de busca que serve como poderoso auxiliar para quem quer fazer um trabalhode pesquisa e preparar-se para a prova. Faça um teste, hoje mesmo! É só digitar:

http://www.uol.com.br/mundo

Só pra variar, o Concurso de Redação de Mundo eT&C versão 1999 (quarta edição) foi um sucesso. Se éverdade que, em parte, isso se deve aos trabalhos da equi-pe editorial do boletim, nada disso seria possível sem aintensa participação das escolas assinantes –os professorese alunos que vêm estabelecendo gostoso e produtivo diá-logo conosco.

Como prometemos, divulgamos nesta edição osnomes da banca examinadora que avaliará os trabalhosenviados à sede de Pangea: Flora Cristina Bender Garcia:professora do Ensino Superior, membro da banca exami-nadora de Literatura Brasileira e Língua Portuguesa daFundação Carlos Chagas; Maria Inês Batista Campos:professora do Ensino Superior, doutoranda em Lingüísti-ca pela PUC (SP).

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RADIOGRAFIA DO SISTEMA CARCERÁRIO MOSTRA CRIMES DO ESTADO

E D I T O R I A L

Carlos Alberto IdoetaDa Equipe de Colaboradores

m 10 de dezembro de 1998, cinqüentenárioda Declaração Universal dos Direitos Humanos, 400 pre-sos da cadeia pública de Osasco (SP) foram arrastados desuas celas sob o pretexto de uma revista. Provariam oitohoras de truculência e humilhação, incluído um “corre-dor polonês” na presença de um juiz. Durante o espanca-mento, os policiais gritavam: “Hoje é dia dos direitos hu-manos, e o direito de preso é esse”. Todos temos direitos,mesmo atrás das grades. As leis brasileiras e internacio-nais estabelecem padrões e garantias detalhados para otratamento de um prisioneiro: nenhum criminoso ou sus-peito sob a custódia do Estado pode ser torturado ou hu-milhado, ou mantido em celas sujas e inseguras, ou priva-do de alimentação e assistência médica.

Em junho passado, a Anistia Internacional divul-gou um relatório sobre a crise do sistema carcerário brasi-leiro. Ele é fruto de quase dois anos de pesquisa e de visitasa 33 instituições penais em dez estados.

No dia 13 de outubro de 1997, Otávio dos SantosFilho morreu num xadrez de delegacia de São Paulo. Se-gundo o testemunho de 19 outros presos, ele foi espanca-do por policiais e carcereiros que batiam sua cabeça con-tra as grades e a parede da cela. O corpo foi liberado emcaixão fechado, mas a família descobriu numerosas lesões.A autópsia indicou a causa da morte como septicemia (in-fecção generalizada). Todo ano ocorrem dezenas de casosde mortes sob custódia, em conseqüência da violência depolicias e agentes penitenciários, da privação de assistên-cia médica e da negligência das autoridades em prevenir aviolência entre os detentos. A impunidade é quase plena.Os presos raramente têm a quem recorrer para denunciaras violações, as inspeções são poucas e o risco de represáli-as é alto. O Instituto Médico Legal (IML) tem vínculoestrutural com o aparato de segurança pública.

É comum o envio de destacamentos policiais es-pecializados para lidar com motins e tentativas de fuga,que em alguns casos recorrem ao uso excessivo de força.

O que é a Anistia InternacionalA Anistia Internacional é um movimento mundial in-dependente de governos, partidos políticos, religiões einteresses econômicos. Fundada em 1961, protege epromove os direitos humanos proclamados na Declara-ção Universal da ONU. É inteiramente financiada pordoadores voluntários e aberta à participação de homense mulheres de qualquer origem ou crença.Contato com a Seção Brasileira:

R. Vicente Leporace 833. CEP 04619-032 - SPE-mail: [email protected] - Fax: 011-5429819.

Exemplo célebre foi o massacre do Carandiru, até hojeimpune, onde 111 presos foram executados, em outubrode 1992. A Polícia Civil recorre habitualmente à tortura.O sistema prisional tem condições de acomodar 74 milpessoas mas são cerca de 170 mil os internos nas institui-ções penais e delegacias superlotadas, muitas vezes em celasescuras, sem ventilação e infestadas de insetos e roedores.Os níveis de infecção pelo vírus da AIDS chegam a 20%em algumas áreas, mas não há um programa de teste vo-luntário. A tuberculose está disseminada. Alguns médicosde instituições penais afrontam princípios internacional-mente aceitos e a própria ética da sua profissão.

A Constituição de 1988 diz que todos os estadosdevem proporcionar assistência jurídica aos presos sem re-cursos para contratar um advogado particular. A maioriados estados cumpre com enorme deficiência essa exigência.Os internos esperam meses, ou anos, pela designação de

EM ABRIL, A ASSEMBLÉIA

ANUAL DA ONU PARA OS DIREITOS

HUMANOS, REALIZADA EM GENEBRA,APROVOU UMA RESOLUÇÃO, PELO

TERCEIRO ANO CONSECUTIVO, EM

QUE PEDE A TODOS OS PAÍSES MEM-BROS QUE ELIMINEM A PENA DE MOR-TE, OU QUE NO MÍNIMO IMPONHAM

RÍGIDAS RESTRIÇÕES AO SEU USO.A APLICAÇÃO DA PENA DE

MORTE ESTÁ EM FRANCO DECLÍNIO

NO MUNDO. EM 1965, APENAS DOZE

PAÍSES HAVIAM ABOLIDO A ‘‘PENA CA-PITAL’’. HOJE, SEGUNDO A ANISTIA

INTERNACIONAL, JÁ SOMAM 68,ALÉM DE 14 QUE LIMITARAM SEU USO

APENAS A CRIMES NÃO ORDINÁRIOS EOUTROS 23 QUE A ELIMINARAM NA

PRÁTICA (NÃO PRATICANDO QUAL-QUER EXECUÇÃO POR UM PERÍODO

DE PELO MENOS DEZ ANOS). SÃO 105PAÍSES CONTRA 90 QUE AINDA A MAN-TÊM EM VIGOR - E A MAIORIA DESTES

90 ESTÃO DISCUTINDO A POSSIBILI-

DADE DE SUA ABOLIÇÃO TOTAL, SEJA SOB

PRESSÃO POLÍTICA, SEJA PORQUE CON-CLUÍRAM QUE A PENA MÁXIMA NÃO DI-MINUI O ÍNDICE DE CRIMINALIDADE, AO

PASSO QUE CARREGA CONSIGO O ÔNUS

TERRÍVEL DO EVENTUAL ERRO

IRREPARÁVEL - NADA DEVOLVERÁ A VIDA

AO INOCENTE EXECUTADO.UM PEQUENO PUNHADO DE PA-

ÍSES É RESPONSÁVEL PELA MAIORIA DAS

SENTENÇAS DE MORTE. AINDA SEGUN-DO A AI, DAS 1.625 EXECUÇÕES

REGISTRADAS EM 1998, 1.300 FORAM

NA CHINA, 100 NO CONGO, 68 NOS

ESTADOS UNIDOS E 66 NO IRÃ. POLI-TICAMENTE, OS ESTADOS UNIDOS SÃO

O MAIOR OBSTÁCULO MUNDIAL À

EXTINÇÃO TOTAL DA PENA DE MORTE,DADA A SUA IMENSA INFLUÊNCIA E PO-DER NA ONU.

AO POSTULAR O FIM DA PENA

DE MORTE, A MAIORIA DA ONU MAN-TÉM UMA LINHA COERENTE DE AÇÃO,EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E

DAS NORMAS CIVILIZADAS NO CENÁ-RIO INTERNACIONAL. É A MESMA CO-ERÊNCIA QUE A FEZ APROVAR, POR

EXEMPLO, O TRIBUNAL PENAL INTER-NACIONAL (TPI), NA CONFERÊNCIA

DE ROMA, EM JULHO DE 1998, PARA

JULGAR CHEFES DE ESTADO POR CRI-MES CONTRA A HUMANIDADE. MAS

WASHINGTON TAMBÉM É COERENTE:VOTOU CONTRA A ABOLIÇÃO DA PENA

DA MORTE, ASSIM COMO VOTOU CON-TRA O TPI. NOS DOIS CASOS, A ‘‘RA-ZÃO DE ESTADO’’ - QUALQUER QUE

SEJA - FALA MAIS ALTO DO QUE OS DI-REITOS VITAIS DO SER HUMANO.

NO CURTO OU MÉDIO PRAZO, ÉIMPROVÁVEL QUE WASHINGTON VÁ MU-DAR SUA POSTURA. MAS A APLICAÇÃO

PRÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS JAMAIS

FOI UMA CONQUISTA FÁCIL OU IMEDIA-TA. AO CONTRÁRIO. BASTA LEMBRAR,COMO EXEMPLO, QUE EMBORA O BRA-SIL TENHA DECRETADO A ABOLIÇÃO DA

ESCRAVIDÃO HÁ MAIS DE UM SÉCULO,

OS NEGROS BRASILEIROS AINDA SO-FREM TODO O TIPO DE DISCRIMINA-ÇÃO, COMO UM LEGADO DO HEDION-DO SISTEMA ESCRAVISTA. MAS NIN-GUÉM OUSARÁ DIZER QUE, POR ISSO,A ABOLIÇÃO NÃO TEVE IMPORTÂNCIA!

NO CAMPO DOS DIREITOS, OS

ESTADOS UNIDOS ESTÃO CADA VEZ

MAIS ISOLADOS NO CENÁRIO INTER-NACIONAL, INCLUINDO O VASSALO

ESTADO BRITÂNICO (ATÉ PORQUE A

UNIÃO EUROPÉIA FEZ DA ABOLIÇÃO

DA PENA DE MORTE UMA CONDIÇÃO

SINE QUA NON PARA A PARTICIPAÇÃO

DE QUALQUER MEMBRO). É UMA PO-SIÇÃO INSUSTENTÁVEL, SE COLOCA-DA NO ÂMBITO HISTÓRICO, AINDA

MAIS PORQUE TODAS AS AÇÕES MILI-TARES AMERICANAS NO MUNDO (NO

GOLFO, NA SOMÁLIA, NA IUGOSLÁ-VIA ETC) BUSCAM RESPALDO NA RE-TÓRICA QUE PRETENDE DEFENDER OS

MESMOS DIREITOS SOBRE OS QUAIS

WASHINGTON TRIPUDIA.

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1.

um advogado. Cerca de 90% dos presos brasileiros são anal-fabetos ou semi-analfabetos, cerca de 80% são pobres.

As mulheres representam 5% da populaçãocarcerária. São também vítimas de tortura e maus tratospor policiais e guardas, da superlotação e da carência deassistência médica, de privacidade e de instalações sanitá-rias. Os jovens condenados ou sob suspeita de crime so-frem as mesmas violações. Muitas vezes, seus pais não sãoinformados sobre seu paradeiro. A grande maioria dosadolescentes infratores está detida por crimes contra a pro-priedade e menos de 10% cometeram crimes violentosgraves, como homicídio e estupro. Mais de 96% deles nãotêm o primário completo.

Constatando o abismo entre a retórica e a práticaoficial, as pesquisas da Anistia ao mesmo tempo identifi-caram exemplos de boas práticas. O estado de São Pauloadotou em 1996 uma estratégia modelar para lidar commotins, tentativas de fuga e tomadas de reféns. O projetoDéficit Zero do Ministério da Justiça criará 16.440 vagasem 52 novas instituições. Numa penitenciária femininade Porto Alegre, as celas são limpas e amplas, uma crechepossibilita às crianças a companhia da mãe até os cincoanos de idade, e empresas privadas oferecem trabalho àspresas interessadas em um salário e na remissão da pena.Algumas prisões menores demonstram que é possível pu-nir o crime e reabilitar o criminoso: a Plácido de Souza,em Caruaru (PE), a de Itaúna (MG), o Patronato LimaDrummond, em Porto Alegre e a cadeia pública deBragança Paulista (SP). Uma lei de novembro de 1998oferece aos juízes uma ampla gama de penas alternativas àprivação de liberdade. Calcula-se o custo médio deencarceramento de um delinqüente em 350 dólares men-sais e em 53 dólares o de aplicação de penas alternativas.O índice de reincidência seria de 48% e de 13%, respec-tivamente.

A Anistia apresenta às autoridades um elenco de 50recomendações, várias implicando custos mínimos. Incluem aprevenção de tortura e maus tratos, a investigação imparcial demortes sob custódia, a publicação das conclusões, o afasta-mento dos funcionários envolvidos enquanto se aguarda o in-quérito, a independência dos IMLs, a separação completa en-tre os responsáveis por detenção e os responsáveis por interro-gatório, a eliminação das desumanas “celas de castigo”, a sub-missão de relatórios periódicos aos órgãos internacionais demonitoração das convenções contra a tortura, contra a discri-minação de mulheres e sobre os direitos da criança.

E

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GUERRA NA CAXEMIRA TESTA EQUILÍBRIO REGIONAL

Ameaças nucleares no subcontinente indiano

Sobre o pano de fundo da campanha da Otan na Iugoslávia, o conflito entre aÍndia e o Paquistão reativa o debate em torno de um eixo anti-americano

formado pelos três gigantes asiáticos

m seu último relatório anual, o Instituto Inter-nacional de Pesquisa da Paz, de Estocolmo, definiu como“intratável” a questão da Caxemira. Ela reúne os mesmosingredientes (ultranacionalismos e conflitos étnicos e re-ligiosos) que fizeram os Bálcãs saltar pelos ares mais umavez, com o envolvimento direto das potências européiaslideradas pela superpotência que quer ser a cabeça domi-nante de uma ordem pós-Guerra Fria.

Encravada no Himalaia, a Caxemira é habitada emmais ou menos 75% por muçulmanos, mas seu marajá deorigem hindu, na época da independência, julgou que seriamelhor escapar de um Estado islâmico – o Paquistão – ejuntar-se a um secular, a uma sociedade mista embora depredominância hinduísta, a Índia. Desde 1972 existe uma“linha de controle” imposta militarmente pela Índia queé, na prática, fronteira entre os dois países e equivale auma anexação parcial da Caxemira indiana (v. o mapa).

A dificuldade em resolver o conflito está no fatode que a Caxemira tornou-se ponto central dos ideais na-cionais tanto da Índia como do Paquistão. A Índia temeque uma eventual perda da região resulte numa onda demovimentos separatistas em outras partes do país. Tam-bém significaria aceitar a morte da premissa original daÍndia – a crença de que ela integraria povos de diferentesreligiões. Gandhi deu a vida por isso. Já o Paquistão nas-ceu disposto a ser o único lar de todos os muçulmanos dosubcontinente e considera intolerável que a Índia conti-nue com os pés na Caxemira. A disputa assume a diantei-ra entre as de maior potencial de combustão em todo omundo e envolve mais de um bilhão de pessoas.

Em maio, primeiro a Índia e depois o Paquistãofizeram explosões nucleares e se declararam potências atô-micas. Alarma geral e apelos renovados para que os doisse entendessem e apagassem de vez um fogaréu que pode-rá transformar o Himalaia no ponto focal de uma guerranuclear. Para piorar, cientistas indianos revelaram que umdos testes, o maior da série de cinco, foi com bomba dehidrogênio, engenho conhecido entre militares america-nos como city-buster pela sua enorme capacidadedestrutiva.

A questão “intratável” da Caxemira se situa numquadro geopolítico com presenças destacadas da China eRússia e se projeta na espiral de conflitos inerentes à mon-tagem de uma ordem pós-Guerra Fria. Alto funcionárioindiano disse na ONU que o fim da Guerra Fria produ-ziu um vazio de poder em extensas regiões que vão daÁsia central à África. Foram mudanças no “clima de segu-rança global” que, em última instância, conduziram a Ín-dia a tomar a decisão de testar armas nucleares.

Coincidindo com a nova troca de tiros na Caxemiraa World Affairs, dos Estados Unidos, publicou ensaio re-novando preocupações com a “cooperação técnico-mili-tar entre Índia e Rússia”, legado da Guerra Fria com so-brevida que surpreende e assusta. Seria componente deum painel traçado por acadêmicos americanos, numa reu-nião em Harvard, a partir da constatação de que pelomenos dois terços da população mundial (chineses, rus-sos, indianos, árabes e africanos) vêem os Estados Unidos

Newton CarlosDa Equipe de Colaboradores

E

SERVIÇO:

• Índia: um milhão de motins agora, V. S.Naipaul, Companhia das Letras, São Paulo,

1997.

O escritor V. S. Naipaul, descendente deindianos nascido na ilha caribenha de

Trinidad, narra nessa obra as suas impressõesda Índia, recolhidas em uma longa viagem no

início da década de 1980.

como a grande ameaça externa às suas sociedades. Umdesses acadêmicos, Samuel Huntington, teórico do “cho-que de civilizações”, acha que há motivos para essa per-cepção e escreveu na Foreing Affairs que não se trata ape-nas de temor diante da formidável máquina militar ame-ricana. Potência “intervencionista, unilateral, hipócrita,com um peso e duas medidas, empenhada em impor im-perialismo financeiro e colonialismo intelectual”, segun-do Huntington os Estados Unidos assumem a imagem deameaça “à integridade, prosperidade e liberdade de ação”de muita gente pelo mundo afora.

Pelo menos dois terços da população mundial(chineses, russos, indianos, árabes e africanos)

vêem os Estados Unidos como a grande ameaçaexterna às suas sociedades.

Bombardeios do Sudão, Afeganistão, Iraque, Iu-goslávia. Pesquisa feita no Japão em 1997, época do en-contro em Harvard, constatou que a maioria dos japone-ses considera os Estados Unidos a segunda maior ameaçaà sua nação, só superada pela Coréia do Norte e suas am-bições nucleares. Para os chineses, é o que diz artigo noNew York Times, os ataques à sua embaixada em Belgrado“resumem quase tudo o que Pequim acha ofensivo porparte dos Estados Unidos”. Por exemplo, o “cru exercíciode poder hegemônico”. Num mundo “onde a Otan agri-de impunemente um Estado soberano, é mais do quejustificada a nossa procura de segurança”, declarou umcomunicado do governo indiano.

Álibi para a posse de armas atômicas, pano de fun-do nada agradável da idéia de formação de eixo “anti-hegemônico” reunindo China, Índia e Rússia. O entãoprimeiro-ministro russo Yevgueni Primakov lançou a idéiaem dezembro. Históricas divergências entre os três pare-

ciam bloqueá-la. Mas, em maio, o embaixador da Chinana Índia anunciou ter chegado a hora de os “três gigantesasiáticos se juntarem para velar por sua segurança mútuanum universo unipolar”. Comentário da rádio Voz daRússia garantiu que a união dos três “terá condições deimpedir que países não pertencentes à Otan sofram omesmo que a Iugoslávia”. Diplomatas indianos atribuema “forte reação” da Índia à crise de Kosovo “à tendência daOtan em usurpar poderes e funções do Conselho de Se-gurança da ONU”, o que “inquieta a todos ao países, gran-des e pequenos”.

A Índia dificilmente cumprirá a promessa de assi-nar o tratado de proibição total dos testes nuclares, apesardas sanções americanas, e “sugere” que considera“seriamente”a proposta de criação do eixo de gigantes asi-áticos. Aliados do Paquistão, os Estados Unidos, premi-dos por todos esses fatores, agora surpreenderam aceitan-do a vigência da “linha de controle” na Caxemira e ape-lando para a retirada paquistanesa de “território indiano”.Os Estados Unidos adotam “posição similar à da Índia noconflito”, avaliou um analista do Centro de Estudos Es-tratégicos Internacionais de Washington. Reviravolta emrelação aos tempos da Guerra Fria, quando a Índia erahostilizada pelo seu não-alinhamento e sua cooperaçãotécnico-militar com Moscou.

Na guerra de 1971 entre Índia e Paquistão, quedeu origem a Bangladesh, os Estados Unidos chegaram amandar sua Sétima Frota, de modo ameaçador, para ogolfo de Bengala. A Índia, no entanto, que criticou osataques ao Iraque e à Iugoslávia, continua partidária deum mundo multipolar e não aceita o que chama de“apartheid nuclear”, o monopólio das armas atômicas pe-los cinco integrantes do Conselho de Segurança da ONU.Mas teme que possa suceder na Caxemira o mesmo queaconteceu em Kosovo. Afinal, trata-se da única parte dopaís com maioria muçulmana.

Zona controladapela Índia

AFEGANISTÃO CHINA(Xinjiang)

CHINA(Tibete)

A QUESTÃO DA CAXEMIRA

PAQUISTÃOÍNDIA

Balistão

SRINAGARAzad

Cachem

ir

Estado deJammu e CaxemiraISLAMABAD

AFEGANISTÃ

O CHINA

PAQUIST

ÃO

NEPAL

ÍNDIA

SRI LANKA

MARARÁBICO

Golfo deBengala

Zona controladapelo Paquistão

Zona controladapela China

CID

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Curdistão em julgamento

DE COBRAS E RATOSPedido de misericórdia do líder separatista Abdullah Ocalan mostra que o Estadoindependente curdo nunca esteve tão distante eria difícil imaginar uma

tribuna mais eficiente para se denunciaros abusos cometidos contra os curdos. Oprincipal líder separatista curdo, AbdullahOcalan (pronuncia-se Oshalan), preso emfevereiro no Quênia com a cumplicidadedos serviços secretos da Turquia, Grécia,Estados Unidos, Israel e, possivelmente, daSíria, enfrentou julgamento público emterritório turco. A acusação: terrorismo. Apena, prevista de antemão: morte.

Terreno ideal para que Ocalan, che-fe do Partido dos Trabalhadores Curdos(PKK), denunciasse os morticínios que seupovo vem sofrendo nas mãos do Estadoturco desde o início do século, certo? Ain-da mais, levando-se em conta que Ocalanera reconhecido como o mais inflexível doslíderes curdos, certo? O mesmo Ocalan, o“apo” (titio), que um jornalista europeudefiniu como tendo “a compaixão de umacobra”, certo? Errado três vezes.

Ocalan, a cobra, pediu perdão, as-sumindo, na prática, a culpa pela mortede mais de 30 mil pessoas, em 15 anos deluta pela independência entre os curdos eo Estado turco. Caso o júri desistisse dapena de morte, a cobra metamorfoseadaem rato prometia abrir mão da luta arma-da e jurar fidelidade à Turquia. Nada adi-antou. Ele foi mesmo condenado à penade morte (se ela será cumprida, é outrahistória, porque a vida de Ocalan podefuncionar como uma excelente carta, emnegociações para que os curdos deponhamarmas). Os curdos nunca estiveram tão lon-ge de seu Estado independente. Seu desti-no, por muito tempo, é ser um joguete nasdisputas entre os governos da região: Tur-quia, Irã, Iraque, Síria e Israel.

O “povo das montanhas” teve a suachance de construir um Estado ao final daPrimeira Guerra(1914-18), quando foidesmembrado o Império Otomano. Masa rebelião nacionalista de Mustafá Kemal,que originou o atual Estado nacional turco,cortou o caminho para um Curdistãoindependente. Com a divisão do ImpérioOtomano, os curdos viram-se repartidosentre os novos países criados na região. Issoreforçou a fragmentação da cultura curdae os laços tradicionais de lealdade doscurdos a chefões de tribos e clãs (v. o box).Ao longo deste século, cada governo doOriente Médio vem tratando de cooptar a“sua” fatia da população curda, quando estáem pé de guerra com países vizinhos.Assim, em 1929, o xá (imperador) do Irãfinanciou uma rebelião dos curdosiraquianos contra o governo centraldaquele país. O mesmo ocorreu em 1974-75, durante a primeira guerra Irã-Iraque,pela posse de importantes áreas petrolíferas.Os dois países acabaram chegando a umacordo. E os curdos iraquianos, que haviamapoiado o Irã, em busca, talvez, de seuEstado independente, foram entregues àvingança do governo do Iraque.

Após a revolução islâmica de 1979,no Irã, um dos principais clãs curdos – afamília Barzani – passou a buscar apoio emIsrael, que tinha interesse em desgastar opoder dos aiatolás xiitas. Os mesmos aiato-lás que financiaram uma rebelião dos curdosiraquianos, durante a mais recente e san-grenta guerra Irã-Iraque (1980-1988). Em

represália, o ditador iraquiano SaddamHussein exterminou aldeias curdas inteiras,usando gases venenosos. Só na aldeia deHalabja, em 1987, foram cinco mil mor-tos, a maioria mulheres, crianças e idosos.

A derrota de Saddam Hussein naGuerra do Golfo, em 1991, foi vista pormuitos curdos como a luz no fim do túnelna longa luta pela independência. De fato,os Estados Unidos, vencedores do confli-to, incentivaram a formação de uma ali-ança entre os curdos do norte do Iraque,os xiitas do sul e a oposição moderadairaquiana, para derrubar Saddam. Essacoalizão pegou em armas, mas a Casa Bran-ca não foi até o fim em sua promessa deenxotar o líder iraquiano. Uma das razõespara o recuo foi a pressão da Turquia, in-tegrante da Otan que desempenha funçãoestratégica na área do Mediterrâneo orien-tal. O Estado turco temia que os curdosiraquianos utilizassem sua presença em umgoverno pós-Saddam, para reforçar o mo-vimento pela criação de um grandeCurdistão.

bido e a violência militar é constante. Gra-ças ao combate inflexível pela independên-cia – que incluía o terrorismo contra civisturcos e colaboracionistas curdos – o PKKganhou enorme influência entre os maisde 1,5 milhão de curdos que vivem naEuropa ocidental.

Só que os humores sírios voltaram-se contra Ocalan desde o ano passado,quando as atividades militares do PKKquase lançaram a poderosa Turquia a umaguerra contra a Síria. Essa é uma alternati-va que não passa pela cabeça do presiden-te sírio Hafez Assad. O regime de Assadvem tentando há anos uma reaproximaçãocom o Ocidente, meta que exige sólidosacordos de paz com turcos e israelenses.

O líder curdo, provavelmente “con-vidado” a se retirar da Síria, partiu em es-tranha viagem para a Itália, experimentouum exílio frustrado na Grécia e na Rússia e,finalmente, foi preso no Quênia. Não poracaso, as coisas entre a Síria e a Turquia agoraestão calmas e o governo sírio embarca emum novo processo de paz com Israel.

É difícil saber o que se passava pelacabeça de Ocalan, quando ele deixou delado 15 anos de luta, jurando humildemen-te lealdade ao Estado turco. Talvez fosse omedo humano de morrer. Ou, talvez, oreconhecimento do abandono e o isola-mento o tenham convencido de que oscurdos continuarão a ser, por muito tem-po, o mais numeroso povo sem pátria.

A saga da “nação sem Estado”

Há cerca de 25 milhões de curdos, que habitam regiões de cinco países da Ásia ocidental: Turquia, Iraque, Irã, Síria eArmênia. Aproximadamente a metade deles vive em território turco (v. o mapa).

A presença curda nas regiões montanhosas da alta Mesopotâmia é muito antiga. Os curdos foram, em sua maioria, converti-dos ao islamismo sunita no século VII, mas há minorias xiitas e judaicas. Não existe uma língua curda comum, mas diversosdialetos. Os dois principais são o curmanji – utilizado na Turquia, Síria e no norte do Iraque e Irã – e o surani, falado no sul doIraque e Irã. Nestes dois últimos países, a língua curda é escrita em caracteres árabes, enquanto na Turquia e na Síria, emcaracteres latinos. Na Turquia, o uso público da língua curda continua a ser considerado crime.

O grande ponto comum entre os curdos é o fato de serem montanheses, vivendo o mais longe possível do poder central emcada país. A sua coesão social estrutura-se em torno das redes de lealdades tribais e clânicas. Entretanto, essa é também a sua fontede fraqueza, sob o ponto de vista da política internacional.

O sonho de um Curdistão independente quase se materializou no encerramento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918),quando da assinatura do Tratado de Sévres (1920), que previa a criação de um Estado curdo. Todavia, esse projeto foi abortadopela nova Turquia de Mustafá Kemal, que impôs a sua vontade no Tratado de Lausane (1923). Se o Curdistão viesse a se constituirem Estado, seria o único em todo o Oriente Médio a usufruir de abundância tanto de petróleo como de água. No Iraque curdolocalizam-se importantes jazidas de petróleo, enquanto a Turquia curda abriga as nascentes dos rios Tigre e Eufrates.

Desde a desilusão de Lausane, movimentos nacionalistas curdos mantêm a bandeira de criação de um Estado. Essa metaesbarra na oposição dos países que possuem populações curdas, especialmente a Turquia, que combina a repressão sistemática auma política de desfiguração da identidade cultural curda.

GEÓRGIAM A R N E G R O

A REGIÃO DO CURDISTÃO

2

RÚSSIA

ARMÊNIA AZERBAIJÃO

T U R Q U I A

I R Ã

S Í R I A

LÍBANO

I R A Q U E

1

3

Kirkuk

Bagdá

Rio Eufrates

Rio Tigre

ÁREA DOCURDISTÃO

1

2

3PRINCIPAISOLEODUTOS

Nascentes do Rio Eufrates

Nascentes do Rio Tigre

Principais jazidas depetróleo do Iraque

Sadam Hussein recebeu nítidos si-nais de que seria tolerado no poder pelosEstados Unidos. E interpretou isso comoautorização encoberta para um novo mas-sacre contra os curdos. Pior: o clã curdoda família Barzani aproveitou a deixa ealiou-se a Sadam na vingança, que vitimoumilhares de seguidores do clã Talabani,patrocinado pelo Irã. Esses dois gruposchegaram a um acordo de paz em 1996,de forma que curdos iraquianos e irania-nos suspenderam as hostilidades aos res-pectivos governos. A luta pela independên-cia, então, ficou restrita ao Partido dos Tra-balhadores Curdos, da Turquia (o PKK deAbdullah Ocalan), que se define comomarxista-leninista, mas sempre foi patro-cinado pela Síria.

Na Turquia, os curdos não são re-conhecidos como etnia, seu idioma é proi-

Na Turquia, os curdos não sãoreconhecidos como etnia, seu idioma é

proibido e a violência militar éconstante.

Líder curdo Abdullah Ocalan,em foto distribuída pelo governo turco

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AGOSTO99

AGOSTO99

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6 7DE PTOLOMEU A ARMSTRONG,O HOMEM FITA A SUA IMAGEM NO ESPELHO TERRA

QUO VADIS?

Homens caminham na Lua”. Comessa manchete, o The New York Times re-gistrou o feito dos astronautas NeilArmstrong e Edwin Aldrin que, há 30anos, em 20 de julho de 1969, tornavam-se os primeiros seres humanos a pisar emoutro mundo. O passeio lunar pioneiropode ser historicamente interpretado sobdois ângulos distintos. Significou a vitóriados Estados Unidos na “corrida espacial”,que foi uma dimensão da competição deprestígio associada à Guerra Fria. Reagin-do à humilhação representada pelo lança-mento soviético do primeiro vôo orbitaltripulado – de Yuri Gagárin, a 12 de abrilde 1961 – o presidente John Kennedy ti-nha anunciado o Projeto Apolo, cuja metaconsistia em colocar um americano na Luaem dez anos.

O Times optou por destacar a outrainterpretação do evento. O passeio dos as-tronautas era a culminância de uma traje-tória milenar de descoberta do mundo. Pelatelevisão, uma audiência recorde reconhe-cia em Armstrong e Aldrin seus semelhan-tes, na estranha condição de visitantes emum mundo diferente. Reflexivamente, ahumanidade lançava um novo olhar para aTerra e, do exterior, construía uma novaimagem do seu próprio lugar no universo.

O mundo de Ptolomeu

Entre os séculos VI e IV a.C. os fi-lósofos gregos Pitágoras e Aristóteles de-senvolveram a noção da esfericidade daTerra, que foi o alicerce para a cartografiaclássica. Dicearco (350-290 a.C.) traçouuma linha eqüidistante dos pólos norte esul, o Equador, dividindo a Terra em he-misférios e prenunciando o sistema de co-ordenadas geográficas. A cartografia clás-sica atingiu seu zênite com CláudioPtolomeu (circa 90-168), que passou amaior parte da sua vida trabalhando nomuseu de Alexandria e consultando asobras dos sábios antigos na célebre biblio-teca da cidade. A sua Geografia, em oitovolumes, descrevia e cartografava as “trêspartes do mundo” – a Europa, a África e aÁsia. O mapa-múndi do último volumemostrava o Oceano Índico como vasto marinterior, limitado a leste por uma compri-da península asiática e ao sul pela “TerraAustralis incognita”.

A obra de Ptolomeu permaneceudesconhecida durante quase toda a IdadeMédia, até a primeira tradução para o la-tim, em 1406. A cartografia medieval eu-ropéia, desde Isidoro de Sevilha (circa 560-636), sintetizou a imagem religiosa domundo nos mapas circulares, de tipo TO.A letra O simboliza um anel, no qual seinscreve o T, representando a subdivisãoesquematizada dos três continentes. A con-cepção da Terra retrocedia, com a noçãoda esfera sendo substituída pela do disco.

O renascimento ptolomaico coin-cidiu com as Navegações européias. As vi-agens de Bartolomeu Dias e Vasco daGama revelaram a configuração da Áfricae a interligação dos oceanos Atlântico e

Índico. As viagens de Cristóvão Colombo,Américo Vespúcio e Fernão de Magalhãesrevelaram a existência da América e doOceano Pacífico, desconstruindo a imagemclássica das “três partes do mundo”.

O planisfério anônimo produzidoem Portugal e contrabandeado para a Itá-lia por Cantino, agente secreto do duquede Ferrara, foi o primeiro a mostrar, em1502, a “quarta parte do mundo”, batiza-da América no mapa-múndi do alemãoMartin Waldseemuller, de 1507. Não era,apenas, uma revolução na cartografia. Oespírito dos europeus tinha que se moldara uma nova consciência do planeta e deseu próprio lugar no mundo.

Quarta Pars Orbis

As Navegações representaram umarevolução maior que o passeio lunar. An-tes, a imagem confortadora das “três par-tes do mundo” assegurava a centralidadeeuropéia que, nos tempos medievais, con-fundiu-se com uma ordem divinaestruturada em torno de Jerusalém. De-pois, a vastidão do planeta, tão evidentena comparação entre o Novo Mundo e aEuropa, obrigou as mentes européias a sereposicionarem. Até certo ponto, a proje-ção cartográfica de Mercator – que valori-za a posição e amplia ilusoriamente a di-mensão da Europa – funcionou como ins-trumento para essa readaptação.

A era dos descobrimentos prosse-guiu nos séculos seguintes. A “Terra aus-

tral” foi imaginada pelos antigos por ra-zões lógicas: se o planeta era esférico, de-veria existir um contrapeso capaz de com-pensar a massa continental do hemisférionorte. Entre os séculos XVI e XVII, a opi-nião sobre a sua existência oscilou sem ces-sar. Na segunda metade do século XVIII,enfim, as viagens do inglês James Cookprovaram que as pouco conhecidas terrasdo Pacífico sul eram a Austrália e a NovaZelândia. O quinto continente foicartografado e a crença na existência de ter-ras austrais entrou em retrocesso.

Os mistérios polares só foram des-vendados nos primeiros anos do nosso sé-culo. O Ártico foi cenário da disputa pes-soal entre os exploradores americanosRobert Peary e Frederick Cook, em 1908-09. Ambos constataram que ali não existeum continente, mas apenas uma depres-são marítima congelada. Peary ficou coma glória da conquista do Pólo Norte, masmedições posteriores indicam que nenhumdeles teria atingido exatamente o pólo.

A primeira travessia confirmada doCírculo Polar Antártico foi realizada porJames Cook, em 1773. No século XIX,baleeiros aproximaram-se do cinturão dabanquisa antártica, mas nada disso podiaresolver a dúvida sobre a existência de umcontinente sob o gelo. Entre 1911 e 1912,aconteceu a primeira disputa internacio-nal pela conquista de um continente, en-volvendo o norueguês Roald Amundsen eo inglês Robert Falcon Scott. A vitória deAmundsen e o destino de Scott, relatadoem seu diário até o trágico desenlace, for-

mam uma das mais emocionantes narrati-vas da era dos descobrimentos.

No século XX, a exploração cientí-fica da Terra contou com o auxílio de téc-nicas sofisticadas de investigação das ter-ras emersas, do fundo dos mares e das al-tas camadas atmosféricas. Foram produzi-das imagens detalhadas desses domínios,que ampliaram os conhecimentos e as dú-vidas. Apenas o interior do planeta per-manece inacessível à investigação direta.

Com Gagarin, a humanidade ul-trapassou a fronteira do planeta. O

cosmonauta viu a Terra inteira, que até en-tão só podia ser observada sob a forma derepresentação. A sua exclamação – “A Ter-ra é azul” – tornou-se um lugar-comum.Essa nova consciência da totalidade do pla-neta tornou-se um patrimônio da atualgeração. O debate ambiental, que foideflagrado nas décadas de 1960 e 1970 eganhou enorme repercussão social, cons-titui provavelmente o fruto mais duradou-ro da aventura espacial.

O conceito crucial é o de espaçoordenado. (...)Ptolomeu pareceu termoldado uma rede transparente sobrea superfície terrestre, da qual cadalinha foi precisamente medida elocalizada. Ele definiu seu objeto (...)e no interior de uma armaçãogeométrica calculou cada elemento desua composição. (...) É fácil ver porqueas mentes do século XV tãodesejosamente receberam esseclassicismo renascido. (...) Mastambém é verdade que, na esferamaterial – a esfera da informaçãogeográfica – o ressurgimentoptolomaico era uma força retrógrada,pois o seu mundo era essencialmente odo Império Romano. É uma dasgrandes ironias da história dacartografia que, após séculos deesquecimento, o mapa de Ptolomeutenha sido redescoberto no exatomomento em que os eventoscontemporâneos revelariam as suaslimitações.(Peter Whitfield, The image of the world:20 centuries of world maps,

San Francisco, Pomegranate Artbooks, 1994, p. 10)

O passeio de Neil Armstrong encerrou uma fase da história. A Lua, fonte inspiradora de poetas e bruxos, era até aquelemomento um corpo celeste inatingível, a face mais visível de um universo extraterreno para sempre vedado ao contato humano. Erao ícone híbrido e ambíguo, a um só tempo familiar (a Lua de todas as noites, dos encontros e rupturas) e desconhecido (o que há nelae além dela?) - os componentes hipnóticos de tudo que ao homem se apresenta como desafio e sedução. Não por acaso, ela foi o temade um dos grandes sucessos de Júlio Verne, ‘‘Da Terra à Lua’’ (1866), que inspirou o primeiro filme de ficção científica, de GeorgesMéliès (1902). A Lua era a mesma fronteira familiar e desconhecida que o mar representava para os gregos, e que Ulisses ousoupercorrer, movido pela vontade de conhecer - talvez o mais humano de todos os desejos.

Já não há mais mistério no mar, e viagens interplanetárias tornaram-se uma idéia comum. A tecnologia amplia o domínio dohomem sobre a natureza, aí incluída a natureza humana - o Projeto Genoma, por exemplo, já está em fase avançada de mapeamentoda cadeia genética do homem; os pais, em tese, poderão escolher o sexo dos filhos (procedimento já rotineiro), previnir o surgimentode doenças como câncer, interferir na altura e peso que seus filhos terão quando adultos etc. Mesmo a inevitabilidade da mortebiológica - a única certeza dada ao homem - está sendo desafiada por novas tecnologias, como a criogenia, o congelamento dos corpos- ou só dos cérebros -, à espera do momento quando será possível ‘‘ressucitá-los’’ para serem regenerados (cérebros atualmente conge-lados, como o do psiquiatra Timothy Leary, poderão, em tese, ser adaptados a máquinas).

A marcha vertiginosa do conhecimento científico e tecnológico é inseparável do processo de construção da cultura ocidental.O ‘‘penso logo existo’’ de René Descartes (1596 - 1650) foi o emblema de uma poderosa e profunda construção de discursos e saberes,nos séculos XVII e XVIII, que iria desembocar no Iluminismo - movimento que opôs as ‘‘luzes da Razão’’ às ‘‘trevas da superstiçãoreligiosa’’. A crença na Razão, ancorada nas necessidades de expansão da burguesia, impulsionou as descobertas científicas e o desen-volvimento da tecnologia.

Com Isaac Newton (1643 - 1727), o homem decifrou as leis que regulam as órbitas planetárias. Com Albert Einstein, no iníciodo século XX, o homem aprendeu que tempo e espaço não são grandezas absolutas, e que matéria e energia são intercambiáveis. NielsBohr e Werner Heisemberg, voltados para o microcosmo, construíram o modelo da mecânica quântica, o reino da indeterminação: oelétron pode ser partícula mas também onda; o espaço talvez não seja contínuo; é impossível determinar a exata localização do elétronem dado instante. Conhecer e viver o mundo tornaram-se operações inextricavelmente associadas ao saber científico e à práticamediada por artefatos tecnológicos.

O uso da tecnologia é tão disseminado que já não nos damos conta de sua existência. Os aparatos do cotidiano - telefone,televisão, automóvel, avião, metrô, computador, Internet, relógio, bens de uso doméstico (enceradeira, forno de micro-ondas etc.),elevadores etc. - aparecem como algo ‘‘natural’’. Assim como é ‘‘natural’’ transformar desertos em oásis (ou desertificar áreas férteis,como na Amazônia), dessalinizar a água dos oceanos (ou inundá-las com petróleo), enviar artefatos a outros planetas, remover ouerguer montanhas, construir túneis imensos (como aquele que une a França à Grã-Bretanha sob o Canal da Mancha), acelerar oubrecar elétrons, transformar energia nuclear em eletricidade (ou reduzir civilizações a escombros radiativos, como em Hiroxima eNagasáki, em 1945). Já nos acostumamos a acreditar que a ciência pode tudo.

O mistério é a coisa mais formosa que nos é dado experimentar. É a sensação fundamental, o berço da verdadeira arte e da verdadeiraciência. Quem não o conhece, quem não pode assombrar-se ou maravilhar-se está morto.Seus olhos foram fechados.

(Albert Einstein)

As inovações tecnológicas são rapidamente incorporadas aos costumes, principalmente pelos jovens, como se a própria mudan-ça permanente já fosse o esperado, como se já fizesse parte da tradição. Por exemplo, de modo geral, todos aceitam com certa natura-lidade que uma rede como a Internet torne obsoleta a tradicional noção de territorialidade. Enquanto filósofos, cientistas sociais eartistas tentam elaborar modelos e teorias sobre o novo cenário cultural e geopolítico, a rede é freneticametne utilizada por 200milhões de pessoas em todo o mundo.

Mas nem sempre foi assim: houve um tempo em que as mudanças tecnológicas aconteciam muito lentamente e eram fonte detemores e angústias, como na era das Navegações (v. pág. 6). Ou, se não quisermos retroceder tanto na história, basta lembrar oingresso do mundo na era moderna. No livro ‘‘Orfeu Extático na Metróple’’, o historiador Nicolau Sevcenko mostra, por exemplo,que quando carros e bondes chegaram a São Paulo, nas imediações dos anos 20, pedestres eram atropelados simplesmente porque nãosabiam como calcular a velocidade das novas máquinas que dispensavam a tração animal.

Se o desenvolvimento tecnológico já não surpreende - não importa a medida e o alcance daquilo que realize ou prometa -, éporque sedimentou-se na nossa cultura a noção de que nada mais resta fora do alcance dos laboratórios e dos cálculos computadorizados.É como se tudo que a natureza tem a oferecer pudesse ser equacionado, dissecado, explicado e em seguida ultrapassado como algo já-conhecido e já-sentido. Será sempre necessário e possível ir mais além. Na busca infinitadesse ‘‘mais além’’ - o monolito metafórico de 2001 - uma odisséia no espaço -, o homemcoloniza, domestica a natureza, substituindo o processo cego das leis naturais pela con-veniência por ele controlada. A tecnologia tende a abolir os limites entre “natureza” e“cultura”, subordinando a primeira à segunda.

Há os que vêem com otimismo esse processo, nele enxergando a liberação dohomem das amarras de seu destino biológico (Leary, por exemplo, via na Internet umapossibilidade de construir um imenso cérebro planetário que poderia funcionar como amente libertária da humanidade). Outros não são tão otimistas. Aldous Huxley, em seuAdmirável Mundo Novo (1932), prevê o advento de uma sociedade totalitária, controladapela tecnologia (seu Deus é Ford, o inventor da indústria do automóvel). Já no filmeBlade Runner, os homens construirão robôs à sua imagem e semelhança, nos quais sãoimplantados “chips” contendo memórias da infância, da família, dos afetos.

O mundo contemporâneo ainda não se transformou no centro de condiciona-mento huxleiano. Mas há na cultura um mal-estar provocado pelo desencanto em face danatureza e do próprio homem. Mesmo quando olhamos com espanto para a lua cheianuma noite de verão, já sabemos que o homem pisou sua superfície, que ali não há deusesnem magia. Somos, de certo modo, vítimas voluntárias da sedução tecnológica, e paga-mos o preço de ter os nossos olhos cada vez mais fechados aos mistérios do mundo.

A idéia é fazer o julgamento do uso da tecnologia através da história.Vamos dividir a classe em três grupos: a promotoria, a defesa e o júri. Com oauxílio dos professores de Humanas, Exatas e Biológicas, citando exemploshistóricos e recorrendo a obras de ficção, como 1984 e Admirável Mundo Novo,a promotoria defenderá a tese de que a tecnologia ameaça a espécie humana,com a ampliação da capacidade de dominação do homem pelo homem. Adefesa tentará mostrar que a tecnologia é a esperança do homem, já que ape-nas o domínio sobre a natureza pode garantir a produção de alimentos, remé-dios, moradia etc. Caberá ao júri decidir!

Fim de tarde. / No céu plúmbeo / A Lua baça / Paira / Muito cosmograficamente /Satélite.

Desmetaforizada / Desmitificada / Despojada do velho segredo de melancolia, / Não éagora o golfão de cismas, / O astro dos loucos e enamorados, / Mas tão-somente / Satélite.

Ah Lua deste fim de tarde / Demissionária de atribuições românticas, / Sem show para asdisponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia, / Gosto de ti assim: / Coisa em si, / Satélite.

Com base no texto Satélite, de Manuel Bandeira, responda:a) Depreendem-se do poema duas representações distintas da “Lua”, que simbolizam maneirasdiferentes de entender o mundo. Quais são as duas formas de ver a Lua/o mundo?b) Qual das duas pode ser associada à imagem da Lua alcançada pelos astronautas? Explique.c) Bandeira cita trechos de uma estrofe de Plenilúnio, de Raimundo Correia: Há tantos anosolhos nela arroubados,/ No magnetismo do seu fulgor!/ Lua dos tristes e enamorados, Golfão de cismasfascinador. O uso reiterado do prefixo “des”, em Satélite, confere à citação um caráter elogiosoou de crítica? Explique, levando em conta as escolas literárias representadas nos textos.

T & C

SERVIÇO:

Filmes de ficção científica que, deuma forma ou de outra, discutem a

relação do homem com a tecnologia:2001 - Uma Odisséia no Espaço,

Stanley Kubrick, 1968Blade Runner, Ridley Scott, 1982

Total Recall, Paul Verhoeven, 1990Metropolis, Fritz Lang, 1926

Tempos Modernos, Charles Chaplin,1936

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O Meio e o Homem

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“GUERRA DOS TRANSGÊNICOS”MOBILIZA CIÊNCIA, ECONOMIA EECOLOGIA

José Arnaldo Favaretto é médico, professor de Biologia e diretor editorial do Sistema Uno de Ensino. Autor deBiologia - Uma Abordagem Evolutiva e Ecológica, SP, Moderna, 1997.

m artigo publicado em 1965,na conceituada revista científica britâ-nica Lancet, o prêmio Nobel MacFarlaneBurnet dizia “não existir qualquer pro-cesso aplicável com benefício para o ho-mem que possa derivar das descobertasa respeito do código genético”. Previsãotão infeliz quanto a que foi feita porErnest Rutherford, Nobel de Química,que um dia disse não haver nada a seesperar da divisão do átomo! Assimcomo a bomba atômica desmentiuRutherford, o nascimento da biotecno-logia catapultou a previsão de Burnetpara um lugar de destaque no anedotáriocientífico mundial.

A matéria-prima da biotecnolo-gia são os genes, fragmentos do materialgenético constituídos principalmentepor DNA (ácido desoxirribonucleico)que determinam a produção de proteí-nas específicas, controlando a arquite-tura e o funcionamento dos organismos.Na década de 1960, os biologistasmoleculares puderam localizar e identi-ficar os genes. O código genético foielucidado e os cientistas aprenderamcomo a seqüência de bases nitrogenadasda molécula do DNA (A, T, C e G) de-termina a maneira pela qual osaminoácidos são encadeados na produ-ção das proteínas.

O ano de 1973 marcou o que,para a biotecnologia, costuma ser cha-mado de “a nova conquista do fogo”: atécnica do DNA recombinante, base daengenharia genética. Os pesquisadoresamericanos Stanley Cohen e HerbertBoyer anunciaram ter introduzido frag-mentos de material genético de uma es-pécie em células de outra espécie. De-pois de dezenas de séculos fundindo emanipulando metais, podíamos manipu-lar o material genético, a receita de ser ede viver dos seres vivos.

Um organismo transgênico – ou,mais corretamente, organismo genetica-mente modificado (GM) – é aquele quecontém gene de outra espécie inseridoem seu material genético. Em menos demeia década, as plantas transgênicas dediversas espécies, como soja, milho, al-godão, tomate, batata, canola e outrassaltaram dos laboratórios para cerca de40 milhões de hectares (v. o gráfico).Dessa área, 74% estão localizados nosEstados Unidos. A Argentina e o Cana-dá vêm logo atrás, com 15% e 10%, res-pectivamente. A soja transgênica (cha-mada “carinhosamente” pelo movimen-to ecológico Greenpeace de “Franken-soja”) ocupa 25 milhões de hectares e járepresenta mais de 70% da soja cultiva-da na Argentina e 54% nos EstadosUnidos. O mercado mundial de produ-tos transgênicos deve atingir 20 bilhõesde dólares em 2005.

As técnicas de manipulação ge-nética têm desenvolvido, principalmen-te, variedades de plantas resistentes a

herbicidas ou a insetos. A “Frankensoja”,comercialmente denominada RoundupReady, desenvolvida pela americanaMonsanto, segunda maior empresa mun-dial do setor, tolera o herbicida glifosato.O mesmo princípio explica a potencialvantagem do arroz transgênico LibertyLink, produzido pela joint-venture alemãHoescht-Schering-AgrEvo, que deverá sercolhido no Brasil a partir de 2002. Um dosmaiores problemas da rizicultura é o arrozvermelho, uma praga de difícil controle porser biologicamente muito semelhante aoarroz comum. Quando invade uma plan-tação, o arroz vermelho não pode ser com-batido com herbicidas convencionais, queatacam também a variedade comercial doarroz. A AgrEvo desenvolveu uma varie-dade de arroz resistente ao herbicidaLiberty, que pode ser aplicado à lavoura,matando apenas o arroz vermelho.

“... tenha o homem domínio sobre ospeixes do mar, sobre as aves do céu,

sobre os animais domésticos, sobre todaa Terra e sobre os répteis que rastejam

pela terra” (Gênesis, 1/27).

A variedade conhecida por milhoBt, desenvolvida em 1992 pela suíçaNovartis, maior empresa de biotecnologiaaplicada à agricultura do mundo, recebeuda bactéria Bacillus thuringiensis o gene quedetermina a produção de uma toxina quemata certas lagartas de inseto, mas não cau-sa dano ao ser humano. Essa variedade demilho transgênico adquiriu a capacidade deproduzir a toxina Bt, tornando-se resisten-te ao ataque da lagarta-do-cartucho e dabroca, as principais pragas dessa lavoura.

Algumas variedades de plantas GMincorporam a chamada Terminator techno-logy, que consiste na introdução, além dogene de efeito desejado, de outros que acar-retam a morte dos embriões. Isso faz comque as sementes originem plantas estéreis.Se um agricultor adquirir da Monsanto assementes de soja Roundup Ready, após acolheita ele não poderá usar parte das se-mentes para plantar a próxima safra. Des-sa forma, os agricultores tornam-se “refénscomerciais” da empresa, retornando anoapós ano para adquirir mais sementes. Aempresa defende a utilização da Terminatortechnology, alegando que ela protege seuselevados desembolsos em pesquisa e desen-volvimento. Não devemos nos esquecer deque a soja Roundup Ready é resistente aoherbicida Roundup, ambos produzidospela mesma empresa!

Em todo o mundo, ecologistas ar-gumentam que são desconhecidos os im-pactos ambientais das plantas transgênicasa longo prazo. De acordo com Silvio Valle,coordenador do curso de biossegurança doInstituto Oswaldo Cruz, “na introduçãode qualquer variedade geneticamente mo-dificada no ambiente, existe a possibilida-

de de sua dispersão se tornar incontrolável,causando o aparecimento de novas pragasou outros efeitos inesperados, como a me-lhora da palatabilidade do vegetal, quepassa a atrair novos predadores”. Outrorisco levantado por pesquisadores é a trans-ferência genética horizontal, ou seja, o generesponsável pela resistência aos inseticidasser transferido de uma espécie vegetal paraoutra, acarretando o aparecimento de“superpragas”. Essa transferência já ocor-reu, tendo sido relatada a passagem, do tri-go e da canola para ervas daninhas, degenes que conferem resistência a herbici-das.

As associações médicas de diversospaíses têm sugerido que o cultivo e o con-sumo de transgênicos sejam suspensos, atéque os reais impactos sobre a saúde huma-na sejam mais bem esclarecidos. Nos Esta-dos Unidos, apenas 1% dos gastos compesquisas em biotecnologia destina-se àsquestões de biossegurança; na Alemanha,tradicionalmente refratária aos GM foods,essa parcela chega a 6%. E, provando maisuma vez que ciência e política estão longedo divórcio, após a vitória eleitoral da co-alizão entre os social-democratas e os ver-des os fundos alemães destinados a esse tipode investigação aumentam mês a mês.

Os alimentos geneticamente mo-dificados quase não têm encontrado re-sistência ao consumo em alguns países,como nos Estados Unidos; em outros,como na Inglaterra, os transgênicos sãoo novo “mal do século”. Entre os ingle-ses, 77% acham que as plantas geneti-camente modificadas devem ser banidasdo país, enquanto 61% afirmam que nãoas comeriam em nenhuma hipótese; naNoruega e na França, alguns GM foodsjá estão proibidos.

Com a posição contrária aostransgênicos em muitos países, empresá-rios têm buscado fornecedores que secomprometam a não usar produtos ge-neticamente modificados. Há algunsmeses, o governo do Rio Grande do Sulvem tentando converter o estado em “árealivre de organismos geneticamente mo-dificados”, uma proposta que, sob a ban-deira ecológica, organiza uma estratégiaeconômica. Da mesma forma que, para apecuária, é importante uma região serdeclarada “área livre de febre aftosa”, ar-gumenta-se que, dentro de pouco tem-po, parte substancial do mercado darápreferência a produtos provenientes deregiões isentas de organismos GM.

A proposta é organizar em classe um “julgamento” da aplicação das téc-nicas de engenharia genética à produção de alimentos. Os promotores e advo-gados de defesa devem se municiar de argumentos, recolhidos de jornais, revis-tas e da Internet. Sugerimos, em especial, os sites da Novartis (http://www.nk.com) e da Monsanto (http://www.monsantoag.com) para argumentosfavoráveis, e o site do Greenpeace (http://www.greenpeace.org) para argumen-tos contrários.

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Área mundial cultivada com transgênicos

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9Diário de Viagem

AUSTRÁLIA QUE VICIAA

ANTIGA COLÔNIA PENAL PROCURA SEU FUTURO

NA BACIA DO PACÍFICO

Ricardo Ribeiro é fotógrafo e jornalista. Esteve naAustrália entre fevereiro e junho, a convite daagência Study&Adventure, a Australian TouristCommission e das companhias AerolineasArgentinas e Ansett Australia para produzirreportagens e uma exposição fotográfica sobre opaís que sediará os Jogos Olímpicos de 2000.

Austrália não é um país, é um paraíso com “P”maiúsculo. A ilha-continente tem natureza de sobra. Tem quase35 mil quilômetros de praias, muitas delas completamentedesertas. Tem montanhas nevadas, rios, cachoeiras, deserto...Precisar não precisa, mas a Austrália tem muito mais: florestastropicais e animais raros. Um dos símbolos do país, o canguru,só é encontrado lá. O dócil e apaixonante koala também.

E é lá que fica a famosa Barreira de Corais, o maiororganismo vivo do mundo. A grande Barreira tem dois milquilômetros de comprimento, por 80 de largura. Vai do sul daSunshine Coast até Papua Nova Guiné, ao norte. São milhõesde espécies da vida marinha, patrimônio protegido por severasleis do meio ambiente. É o cenário perfeito para mergulhosinesquecíveis. E os australianos batem orgulhosos no peito:“Isso tudo aqui é nosso”.

A qualidade de vida dos australianos é de causar inve-ja, até mesmo em quem vive em países europeus. Nos metrôsde Sidnei, a maior cidade do país, com quase 4 milhões dehabitantes, vigilantes fazem a segurança nos vagões depois doanoitecer. Ninguém incomoda os passageiros. As casas, atémesmo nas cidades grandes, não têm portões ou sistemas ele-trônicos de segurança. E as janelas não são equipadas comgrades ou fechaduras especiais. Bicicletas, motos são largadosnas garagens sem preocupação. Ninguém mexe. Muitos saempara o trabalho pela manhã e não trancam as portas.

Quase nunca os telejornais mostram notícias ruins.Não por apoiarem o governo, mas porque não há o que falar.E quando alguém é atingido por uma facada, mesmo que sejaum corte superficial, o assunto é destaque na imprensa. Comdireito à primeira página. Felizes, os australianos.

Pequenas coisas fazem a diferença. Em qualquer cida-de australiana, o pedestre pode atravessar a rua até mesmo nosinal verde para os carros. Os motoristas param e jamais al-guém vai xingar você. Nunca. Leis severas fizeram com queninguém se atreva a dirigir depois de tomar umas e outras.Nem mesmo os ciclistas se arriscam a dar pedaladas de caracheia.

Relatos dos séculos XVI e XVII indicam que navegadores europeus aportaram diversas vezes nas costasda Austrália, sem saber que haviam tocado o quinto continente. Os holandeses Dirk Hartog e Abel JanszoonTasman desembarcaram entre 1616 e 1644 e chegaram até a batizar a terra de Nova Holanda. Mas apenas nasegunda metade do século XVIII, explorando o Pacífico sul numa busca infrutífera pela Antártida, o navega-dor inglês James Cook circunavegou a ilha-continente, cartografando a maior parte da sua linha litorânea.

Ironicamente, o destino da ilha-continente foi determinado pela independência das Treze Colôniasnorte-americanas, que fechou essa válvula de escape para o transporte de condenados na Grã-Bretanha. Assim,com a sua transformação em colônia penal, começou em 1788 a colonização britânica da Austrália. A transfe-rência de criminosos prosseguiu por meio século e os campos de trabalho sobreviveram na Austrália Ocidentalaté 1867. Um poema de Mary Gilmore, de 1918, não permitiu que as gerações seguintes apagassem essaorigem da memória coletiva: I was the convict/ Sent to hell,/ To make in the desert/ The living well./ I split therock./ I felled the tree -/ The nation was/ Because of me.

Mas, desde meados do século XIX, acelerou-se a emigração britânica para a Austrália. O enorme suces-so da criação de ovelhas era garantido pela exportação de lã para as insaciáveis indústrias inglesas. A partir de1851, a corrida do ouro da Nova Gales do Sul, que reproduzia a febre do ouro californiano iniciada poucoantes, assegurou intenso crescimento econômico, até o final do século.

Atualmente, são cerca de 18,5 milhões de habitantes, num país de quase 7,7 milhões de km2. A densi-dade demográfica, de 2,4 hab./km2, uma das menores do mundo, traduz-se no baixo preço da terra, na amplidãodas residências, na vastidão das fazendas.

País de contrastes. Esse clichê geográfico serve para caracterizar genericamente qualquer país do mun-do. Mas, no caso australiano, não há como evitá-lo. Os domínios áridos e semi-áridos do centro e do ocidentecontrastam com a fertilidade das terras temperadas do sudeste e com a tropicalidade do nordeste. O desenvol-vimento econômico e o alto nível de vida da população apoiaram-se no complexo agropecuário exportador ena extração mineral. Sem jamais ter sido um típico país industrial, a prosperidade da Austrália assenta-se hojena economia de serviços e no turismo.

Uma economia em mutação. Há poucas décadas, o comércio exterior e os fluxos de capitais prendiama ilha-continente à distante Europa. Hoje, os países da Bacia do Pacífico – Japão, China, Tigres Asiáticos –tornaram-se os principais parceiros da Austrália. Estudantes asiáticos, há pouco rejeitados, fluem para os cur-sos superiores australianos. E parte da elite política pretende fixar a mudança no bronze do arcabouçoinstitucional: proposta de ruptura com a Comunidade Britânica e proclamação da república será logo subme-tida a referendo popular.

Quer mais? Então, lá vai. Numa das praias de Perth, acidade mais importante no oeste da Austrália, a cada cem metrosexiste uma caixa presa a um suporte. Sabe o que tem lá dentro?Luvas plásticas para que o dono do cachorro limpe o cocô queo animal fez na calçada. Em respeito aos outros pedestres.

A Austrália agrada a todos: crianças, adolescentes,fãs de esportes radicais, famílias. E a comunidade gay domundo inteiro sente-se em casa. Tanto é que um dos mai-ores eventos homossexuais da Terra é realizado em feverei-ro, em Sidnei: o Mardi Gras. Durante um mês são organi-zadas exposições de arte, de fotografia, peças de teatro, ci-nema... Tudo envolvendo o tema homossexual. Depois éfeita a “parada”, onde blocos desfilam pelas ruas da cidade.A multidão, estimada em 700 mil pessoas, disputa a tapaum melhor lugar para assistir aos desfiles. O Mardi Gras éo evento mais esperado do ano. Só está perdendo, agora,para os Jogos Olímpicos do ano que vem.

“Não olhe para baixo e coloque os pés na ponta daplataforma. Estique os braços e dê impulso com as pernas.”Assim me falou o instrutor de bungy jump, no meio de umafloresta tropical na cidade de Cairns, no nordeste australiano.Eram 44 metros de altura e, lá no chão, um pequeno lago.

Antes de começarem a amarrar o elástico na minhacanela, os guias até perguntam: “quer enfiar a cabeça na água?”Claro. Afinal, loucura pouca é bobagem. Mas um pequenoerro de cálculo fez com que eu tocasse apenas as mãos no lago.Durante a descida (ou melhor, “despencagem”), o grito ficaentalado na garganta. Parece que você está indo para o infer-no. “Dessa eu não escapo”, pensei. Em questão de rápidossegundos, desci, subi, desci de novo... dei cambalhota no ar, fizaté pose para a câmera... Depois de tantos estica-e-puxa, umsanto aparece lá em baixo com um bote inflável para me resga-tar. Minha cabeça parecia que ia explodir e acomodava todo osangue do meu corpo. Ufa, continuo vivo!

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roVistas panorâmicasdo porto e monotrilho

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“MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA”

volumes, Mensagem, único livro do autor publicado emvida (1934), passou por um processo de atualização orto-gráfica – foi então que “mytho” foi substituído por “mito”.Muitos apóiam a iniciativa, em geral louvável, por tornaro texto mais acessível, mais inteligível. Mas a questão épolêmica: a forma escolhida por Pessoa já na sua épocanão correspondia à ortografia vigente (que fora firmadapelo Reforma Ortográfica de 1911), o que demonstra comclareza a opção do autor pela forma já arcaica, e que eledefende nos ensaios publicados pela mesma editora sob otítulo de Língua Portuguesa.

‘‘A palavra escrita não é para quem a ouve,busca quem a ouça; escolhe quem a entenda,

e não se subordina a quem a escolhe”.

Para entender o problema, deve-se acompanhar oraciocínio do poeta, a começar pela distinção que faz en-tre “língua falada” e “língua escrita”. A primeira pertenceao domínio da “Natureza”, como uma necessidade básicado homem. É uma língua “democrática”, pois que é fala-da pela maioria. “Forma-se, como o traje, pelo uso, o há-bito, a moda, a região”. É momentânea, portanto. A se-gunda pertence ao universo da “Cultura”, criada, artifici-al, arbitrária. É uma língua “aristocrática”, já que utiliza-da pela minoria. Uma é um fenômeno social; a outra,cultural. Em suas palavras: “Na palavra falada temos queser, em absoluto, do nosso tempo e lugar; não podemosfalar como Vieira, pois nos arriscamos ou ao ridículo ou àincompreensão. Não podemos pensar como Descartes,pois nos arriscamos ao tédio alheio. A palavra escrita, aocontrário, não é para quem a ouve, busca quem a ouça;

escolhe quem a entenda, e não se subordina a quem aescolhe”.

Quando falamos, temos de nos guiar pela lei damaioria, do povo; temos que nos fazer entender. Do con-trário, faltaríamos às boas-maneiras, à etiqueta, num exer-cício de pedantismo que tornaria difícil a convivência. Masa palavra escrita, a “verdadeira palavra escrita” (da literaturae da cultura), é fixada pelos literatos e letrados. É aquelaque se propõe a vencer o tempo, indo bem além das con-tingências de um determinado momento, dos gosto e doshábitos dos homens de determinada época – o artista buscaa posteridade. A língua, neste domínio, é restrita a poucos,porque não é possível a todos o alcance, o entendimento,do que a arte propõe. Não se trata de elitismo: é que a artenão se prende a pragmatismos, a didatismos, à compreen-são imediata. Tem um código próprio, uma dicção singu-lar. É outra forma de comunicação, com suas próprias re-gras. Exige um esforço de interpretação do interlocutor àproporção do esforço de elaboração do autor.

A “língua falada” apresenta uma “função utilitá-ria”; a “língua escrita”, uma “função estética”. Há um tipode dever diferente para quem faz uso de cada uma. ParaPessoa, no âmbito da primeira existe o chamado “deversocial”, o dever de se fazer entender, de comunicar men-sagens objetivamente, com clareza, usando o código damaioria. No território da segunda, há o “dever cultural”– “O meu dever cultural é pensar por mim, sem obediên-cia a outrem; o meu dever cultural é registrar pela palavraescrita, grafando como entendo que devo, o que pensei”.Tais registros ortográficos não causariam confusões juntoao público maior, uma vez que este não é leitor de obrasliterárias, mas quase só “de jornais e outros periódicos”.

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Paulo César de Carvalho(em memória do amigo Nathanael Ribeiro)

swald de Andrade, para dizer que estavaamando à beira-mar, criou a forma verbal “beiramávamos”.Manuel Bandeira, declarando que adorava Teodora, cunhouo verbo “Teodorar”. Certo personagem de Guimarães Rosa,de tão embriagado, engatinhava pela casa: “embriagatinha-va”. Aliás, sobre Rosa, Bandeira constatou que as invençõeslingüísticas são uma constante: “Rosa inventa palavras, de-forma-as, desintegra-as, recompõem-nas, faz alquimias, ci-rurgia plástica, sei lá o que seja. De Hitler e atrocidade já fezhitlerocidade, monstro esplêndido”.

Lewis Carroll, no país das maravilhas de Alice,escreve que “as lesmolisas tolvas roldavam e relviam nosgramilvos verdejantes”, em tradução de Augusto de Cam-pos. Seu irmão Haroldo, para falar que os livros trazemsempre novidades, diferentemente dos periódicos(hebdomadários), que versam sempre sobre as mesmascoisas, deu à luz a palavra “hebdomesmário”. CaetanoVeloso, músico cultor da palavra, criou outras palavrasem “Outras Palavras”, como a sugestiva “felicidadania”,sugerindo que não há felicidade possível sem o pleno exer-cício da cidadania.

Para os modernistas, a língua errada do povoé a língua certa do povo

Mas, no que diz respeito ao léxico (conjunto depalavras) utilizado pelos poetas, não merecem atençãosomente os processos de formação de novas palavras (nãose trata propriamente de “neologismo”, pois neste caso apalavra criada ingressa na língua por ser usada por núme-ro significativo de pessoas, diferentemente das criações li-terárias, em que a palavra nova é usada apenas por seucriador, em geral uma única vez). Há também o caso deautores que, como Mário de Andrade (ver sua“Gramatiquinha da Língua Portuguesa”), aproximam aescrita da fala (para o modernista, por exemplo, o prono-me “se” vira “si”, por questões de ordem fonética). Osmodernistas contavam com a “contribuição milionária doserros”, trazendo para o âmbito da poesia a “língua erradado povo, que é a língua certa do povo”, como registrouManuel Bandeira, em nome de uma linguagem poéticadespojada, coloquial.

Além das palavras novas e das construções popu-lares assimiladas, há também casos catalogados gramati-calmente como “arcaísmos” – palavras que afundaram nolodo por desuso, que morreram para a língua. Ou as pala-vras que morreram em sua antiga ortografia, mas que res-suscitaram sob nova ortografia. É exatamente neste pon-to que interessa destacar a figura de Fernando Pessoa, po-eta que optou, por exemplo, pela forma “mytho” ao invésde “mito”, a despeito da reforma ortográfica lusitana de1911. Tal escolha, absolutamente consciente, desperta umasérie de questões relevantes, como a distinção entre “fala”e “escrita”, entre “função utilitária” e “função estética” dalíngua, entre “Natureza” e “Cultura”.

Toda essa discussão está presente no volume“Língua Portuguesa”, há pouco lançado pela Cia. dasLetras, que reúne uma série de ensaios de Pessoa sobre“a última flor do Lácio”, organizados por LuísaMedeiros. A primeira parte ganhou o título de “O Pro-blema Ortográfico”; a segunda, “Defesa e Ilustração daLíngua Portuguesa”.

A Cia. das Letras está reeditando as obras de Pes-soa, num projeto que totaliza 23 obras. O primeiro dos

O poeta português Fernando Pessoa, em 1914, e coma sua família, em 1935: o irmão Luís Miguel, a

cunhada Eve e a irmã Henriqueta;na foto abaixo, Ophélia

na época do namoro com o poeta (1920)

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Um Fernando, muitas pessoasÉ impossível falar de Fernando

Pessoa sem mencionar seus famososheterônimos. É que o poeta foi, para-fraseando Mário de Andrade, 300, 350.Polifônico, fez de sua mente plural oabrigo de muitas outras vozes, tentan-do dar conta da multiplicidade de per-cepções e tipos humanos na modernaPortugal do início do século ou: comodiz Álvaro de Campos, cria sua, “querocinqüenta coisas ao mesmo tempo”. Arespeito de sua obra multifacetada, Pes-soa comentava que ela constituía “umdrama em gente, em vez de atos”.

Em carta reveladora a seu amigoCôrtes Rodrigues, afirma: “Chamoinsinceras às coisas para fazer pasmar, eàs coisas – repare nisto que é importante- que não contêm uma fundamental idéiametafísica, isto é, por onde não passa,ainda que como um vento, uma noçãoda gravidade e do mistério da Vida. Porisso é sério tudo o que escrevi sob os no-mes de Caeiro, Reis, Álvaro de Campos.Em qualquer deles pus um profundo con-ceito de vida, diverso em todos os três,mas em todos gravemente atento à im-portância misteriosa de existir”.

O poeta é um fingidor: vestemuitas máscaras, encarna muitas histó-rias, representa muitos dramas. Mas nãose pode desprezar que há um substratocomum a todos os tipos criados, um elode união que dispõe todas as vozes, gra-ves e agudas, no mesmo coro. É que to-dos os coristas cantam os mistérios daexistência humana, seja com mais emo-ção, seja com maior comedimento. Aidéia do coro revela outro aspecto rele-

vante: por meio de seus heterônimos, Pes-soa discute a impossibilidade de ser uno(o homem moderno é fragmentado, é mui-tos em um).

No entendimento do críticoReinaldo Azevedo, a questão fundamentalé exatamente entender como essas váriasvozes se harmonizam num coro que fazecoar um tempo: “Pessoa enfeixou nos seusheterônimos um só e mesmo sentimentode desconformidade com o mundo, quese traduz no sensacionismo modernista de

Um Fernando, muitas pessoasÁlvaro de Campos, na poesia culta deinspiração clássica de Ricardo Reis, nanegação dos maneirismos poéticos porAlberto Caeiro, na recuperação do Por-tugal tragicamente heróico de Pessoa –ele próprio- expressa nos poemas deMensagem”.

Abaixo seguem três dos muitosheterônimos de Fernando Pessoa, emdescrição feita pelo poeta:

Alberto Caeiro (1889-1915)“Nasceu em Lisboa mas viveu quase

toda sua vida no campo. Não teve pro-fissão, nem educação quase alguma, sóinstrução primária; morreram-lhe cedoo pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa,vivendo de uns pequenos rendimentos.Vivia com uma velha, tia-avó. Morreutuberculoso.”

Ricardo Reis“Nasceu no Porto em 1887. Educado

em colégio de jesuítas, é médico e viveno Brasil desde 1919, pois expatriou-sepor ser monárquico. É latinista por edu-cação alheia e um semi-helenista poreducação própria.”

Álvaro de Campos“Nasceu em Tavira, em 1890, teve uma

educação vulgar de Liceu; depois foimandado para a Escócia estudarEngenhartia, primeiro mecânica e de-pois naval. Fez uma viagem de férias aoOriente de onde resultou o Opiário.Agora está aqui em Lisboa em inativi-dade.”

quis se casar e consta que desde os 16 anos liderou pessoalmente seu exército emmissões de conquista, tomando para si a liderança de seu povo e a concretização dosonho de um império cristão. Na batalha fatal, seu corpo desapareceu - isso veio a sesomar às supostas profecias de Gonçalo Anes, sapateiro da região de Trancoso, co-nhecido como Bandarra, que faleceu em 1545, e vaticinou que Portugal conquista-ria o Marrocos, teria vitória sobre os turcos e construiria o Quinto Império. Surgiuentão a crença de que D. Sebastião não teria morrido, estaria apenas “encoberto”, eque voltaria para, junto com Jesus Cristo, edificar o Quinto Império, que se esten-deria por sobre toda a Terra.

O sebastianismo contido em Mensagem, entretanto, foge um pouco do con-vencional, já que Pessoa acredita não no retorno físico desse rei, mas do que elesignificou: os sonhos de um destino grandioso que caberia ao povo português: “Queimporta o areal e a morte e a desventura / Se com Deus me guardei? / O que eume sonhei que eterno dura, / É Esse que regressarei.”

Para tanto, conta-se com o herói, movido por uma ânsia difusa de glória quenão visa a si mesmo, mas ao coletivo. Essa ânsia é que faz a vida valer a pena, ela éincompatível com o comodismo do se deixar estar, pois há algo maior por alcançar:“Ai dos felizes, porque são / Só o que passa!”. Em dado momento, lê-se a seguinteestrofe, síntese desse espírito de conquista: “Sem a loucura que é o homem / Maisque a besta sadia, / Cadaver adiado que procria?”

“Cada um tem direito a escrever naortografia que quiser; que, tecnicamente,pode haver tantas ortografias quanto há

escritores”

Na publicação do escrito, há tam-bém um dever social: o que a ação, o gestodo poeta, pode causar sobre o ambiente,que reflexões e mudanças de idéias podeprovocar. Assim, quando optou pela for-ma “mytho”, o que Pessoa pretendeu foiresgatar o que ele chamava de “segundoperíodo da grafia portuguesa”, “que se ini-cia com o Renascimento e se estende até aprimeira década do século XX”. É o perío-do dominado pela escrita etimológica,quando a língua guardava “a nobreza e ariqueza semântica dos elementos que acompunham”. É desta forma que se proje-ta, conforme a poeta, “o momento áureocriador de cultura que a fixou”.

Tudo muito ligado, é claro, ao pa-triotismo de Pessoa, tão marcado em Men-sagem, com seus homens da “raça de cria-dores de impérios” dando corpo à identi-dade nacional lusitana. Como diz LuísaMedeiros, são aqueles que, num esforçoépico continuado, ‘‘deram ao mundo a uni-versalidade do ser (...) o rasto destes heróisestá vivo na língua que os escreveu, fixou elhes concedeu atemporalidade”. “Mytho”(e a escrita etimológica) espelha “com fi-delidade o passado cultural universalista deque Portugal era herdeiro privilegiado”. Poroutro lado, a Reforma Ortográfica de 1911leva a língua ao período medieval (primei-ro período da codificação da grafia portu-guesa), marcado pela representação foné-tica – para Pessoa, a reforma iria desnaturara afirmação da identidade nacional.

Então, o que fica disso tudo é quea “língua de uso” segue as regras da socie-dade, e a “língua de deleite”, as regras daarte. Ou melhor, do artista – “cada um temdireito a escrever na ortografia que quiser;que, tecnicamente, pode haver tantas or-tografias quanto há escritores”. O negócioé se embriagatinhar de paixão, porque afelicidadania não é um mytho.

Clenir B. de OliveriaEspecial para T&C

No início de dezembro de 1934, surgia Mensagem, único livro em LínguaPortuguesa publicado em vida por Fernando Pessoa. O primeiro título cogitado paraa obra foi Portugal, mas, pouco antes de sua publicação, Pessoa decidiu mudá-lo paraMensagem, por não achar a sua obra ‘‘à altura do nome da pátria”.

Mensagem é a obra pessoana que mais expressa nacionalismo, interpretandoPortugal como uma entidade coletiva e procurando apreender o sentido profundoda trajetória histórica desse país, desde suas raízes, até a esperança de realização deum futuro glorioso que a índole messiânica lusa acredita vir a se realizar no futuro. Aobra guarda a ortografia portuguesa antiga, que vem sendo respeitada ao longo dosanos. Somente numa edição recente, a pretexto de torná-la mais acessível ao leitorcontemporâneo, fez-se uma atualização da grafia.

Composto por 44 poemas, o livro divide-se em 3 partes, cada uma delasremetendo a uma fase da História portuguesa. A primeira, Brasão, refere-se à forma-ção da nação lusíada e vai até pouco antes do ciclo dos grandes descobrimentos; asegunda, Mar Português, trata do período das navegações, apogeu de sua história; aterceira, O Encoberto, focaliza a decadência que se seguiu à morte de D. Sebastião,rei português desaparecido precocemente na batalha de Alcácer-Quibir em 1578, efixa-se na possibilidade de concretização do Quinto Império.

É impossível tratar de Mensagem sem aludir ao caráter messiânico quetranspassa toda a obra. Portugal é uma nação que creu piamente ter sido enviada eguiada por Deus para uma missão: redimir os gentios de seu paganismo, fazendo-osaderir à fé católica, e D. Sebatião foi o símbolo máximo desse messianismo. Não

“CADÁVER ADIADO QUE PROCRIA”

Repr

oduç

ão

Clenir B. de Oliveira é profª de Literatura e autora de uma coleção de livrosdidáticos da ed. Moderna (no prelo).

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ANO 2 ■ Nº 4 ■ AGOSTO 1999

✔ Educação à distânciaAo contrário do que muitos pensam, educação àdistância é uma idéia que já tem uma longa história.Págs. 2 e 3

✔ Dize-me com quem tu andas...Quem concorda com esse ditado parte do princípio deque tudo o que somos depende do que os outros são.Pág. 4

■ tecnologia ■ vocação ■ emprego ■

Que Fazer?Que Fazer?Bem-vindo a

2015!Segundo semestre, reta final para quem pretende encarar um vestibular no

final do ano. Tempo de decisões, escolhas profissionais. Para alguns, talvez seja ahora de dar um tempo, simplesmente parar, viajar por seis meses ou um ano, ir parao exterior fazer um curso de línguas ou conhecer o mundo.

Mas muita gente já pergunta: onde estarei em 2010? Para quem está com 16,17 anos, é preciso acrescentar mais 4 ou 5 para concluir uma faculdade, mais uns 2ou 3 para fazer um curso de especialização ou pós-graduação e, depois, pelo me-nos 2 anos como aprendiz de feiticeiro. Ou seja, a decisão que está sendo tomadaagora somente será testada de modo mais claro, em termos profissionais, por voltado ano 2010. Nesse caso, a pergunta crucial é: como estará o mundo em 2010?Para quem está começando o Ensino Médio e pretende dar um tempo, viajando porum ano, a data é ainda mais remota: como estará o mundo em 2015?

É claro que ninguém é capaz de responder com segurança a essa pergunta.Ainda mais porque a economia mundial está passando por uma transformação quepode apenas ser comparada ao que ocorreu em momentos como a passagem dasculturas nômades e pastoris para as comunidades organizadas em torno da agricul-tura, ou a das civilizações agrícolas para as modernas sociedades industriais.

É mudança para tudo o que é lado: nas formas de trabalho, nas estratégias desobrevivência, nas relações familiares, na vida escolar. E praticamente todas as ati-vidades profissionais estão sendo atingidas por essas transformações, algumas in-clusive com o puro e simples desaparecimento. Mas outras estão surgindo. Por isso,não basta fazer uma faculdade ou mesmo um curso técnico e partir para o mercadode trabalho em busca de um bom emprego. É preciso estar preparado para reavaliarcontinuamente as próprias habilidades. É preciso ter disposição e capacidade deaprender permanentemente, usando todos os meios disponíveis.

Pensando nisso, esta edição do “Que Fazer?” está voltada para um tema quenão é novo, mas ganhou enorme atualidade com as novas tecnologias e exigênciasdas empresas: a educação à distância.

Quem estiver preparado para usar essas novas tecnologias e tomar os cuidadospsicológicos necessários estará habilitado a chegar inteiro não a janeiro do ano 2000,mas ao verão de 2015. Com muito gás e criatividade. Boa viagem pelo tempo!

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Educação à distância

Educação à distância X ensino tradicional: os desafios

Ao contrário do que muitos pensam, educação à distân-cia é uma idéia que já tem uma longa história. As primeirasexperiências de cursos por correspondência (que são um dostipos de educação à distância) foram feitas ainda no século 18na Europa.

Foi na primeira metade do século 20 que se começou acrescer o ensino à distância, desafio facilitado com o rádio e,depois, com a televisão. Durante a Segunda Guerra Mundial,por exemplo, a necessidade de capacitação rápida de recru-tas norte-americanos deu impulso a novos métodos (entre eles,o ensino do Código Morse) que também foram utilizados, emtempos de paz, para a integração social dos atingidos pelaguerra. Foi assim também que se abriram novas oportunida-des de treinamento para os que migravam do campo para ascidades da Europa em reconstrução.

Nos últimos dez anos, em todo o mundo, cresceu o usode ferramentas como e-mail, BBS’s (Bulletin Board Systems),Internet, audioconferência baseada em telefone e videoconfe-rências. A educação à distância utiliza desde os tradicionaismeios impressos até os sofisticadíssimos simuladores on-line.

No Brasil, uma das primeiras experiências de destaquefoi o Movimento de Educação de Base, nos anos 50, que pormeio de “escolas radiofônicas” buscava alfabetizar e apoiaros primeiros passos da educação de milhares de jovens e adul-tos de baixa renda, principalmente no Norte e Nordeste. Arepressão política após o golpe de 1964 desmantelou esseprojeto.

É importante você saber que a educação à distâncianão veio para acabar com a educação direta, face-a-face.O mais provável é que a “educação”, no sentido mais am-plo da palavra, seja nos próximos anos uma espécie deatividade permanente, acontecendo das mais variadas for-mas. E hoje está ficando cada vez mais claro, mesmo paraos mais entusiasmados adeptos das novas tecnologias, queo computador e a Internet são inúteis sem a compreensãoadequada dos modos de aprendizado do ser humano, temaque está muito longe de ser consensual. Entenda alguns dosdesafios que estão sendo percebidos agora:

1) A educação à distância funciona bem em “mão du-pla”, tal como o ensino tradicional. Sem troca, interação,bate-bola, ambas as formas de ensino são deficientes.

2) Cuidado com a crença de que o “equipamento” faz adiferença entre essas duas modalidades de ensino. Afacilidade de comunicação obviamente não substituios defeitos de um material didático ruim.

3) Ambas dão certo se acontecerem de maneira sistemáti-ca, freqüente, contínua, organizada e não esporadica-mente ou a partir de impulsos imprevisíveis, como en-trar num site e ficar navegando.

4) Nos projetos mais avançados de educação à distân-cia, o acompanhamento do estudante é feito por umgrupo de educadores. Nas escolas tradicionais maisqualificadas, também. Mas, dispondo de meios de co-municação capazes de vencer longas distâncias, o alu-no não se vincula apenas a um grupo fixo de educado-res, como aquele que trabalha nas escolas comuns.Pode buscar outros especialistas, aos quais a sua esco-la nem sempre tem acesso imediato ou fácil.

5) O ensino à distância é extremamente útil para pessoasque precisam prosseguir seus estudos ou aperfeiçoar-se, mas que não podem se prender a horários e espa-

ços fixos. Além disso, facilita reuniões entre educadores ealunos, ou destes entre si, em pequenos grupos, para umestudo mais integrado e dinâmico, no qual troquem expe-riências e mesmo críticas ao processo de ensino e apren-dizagem de que participam. Por isso, a teleducação faci-lita e incentiva trabalhos em equipe.

6) A educação tradicional, baseada na presença obrigató-ria e na obediência a horários e calendários, tende aestimular apenas a subordinação, e não a autonomia doaluno. Às vezes até conduz à apatia. Na educação àdistância, o aluno precisa “aprender a aprender”. Sem atutela da agenda e das cobranças escolares, ele tem dedesenvolver independência, autodisciplina e a iniciativaindividual, ferramentas que as empresas consideram fun-damentais e, portanto, decidem a sorte num mercado detrabalho cada vez mais competitivo.

7) A educação tradicional é em geral voltada para grupos.Na educação à distância, professores, orientadores e tu-tores têm que considerar as características individuais doaluno, pois é com estas que eles lidam diretamente. As-sim, precisam colaborar montando um currículo o maispersonalizado possível.

8) Em países como o Brasil, os problemas educacionais sãoem grande parte reflexo de uma situação de desigualda-de social, resultante, por sua vez, de um sistema econômi-co e político perverso e desequilibrado. A educação tra-dicional não foi remédio para todos os males da educa-ção brasileira e a educação à distância também não será.

9) A presença da informática na capacitação profissionaltem gerado grandes avanços nos procedimentos de trei-namento à distância ou treinamento independente. É oque ocorre, por exemplo, nos procedimentos adotadospelas grandes companhias aéreas e setores das ForçasArmadas, com a utilização de simuladores e bancos dedados interativos. Cada vez mais empresas usam o trei-

namento à distância para capacitar e atualizar seusfuncionários, com redução dos custos e envolvimentode um grande número de pessoas ao mesmo tempo eem regiões distantes. O que seria dessas empresas sefossem depender da presença de todos num mesmoespaço? E o custo disso?

10) O professor presente numa rede de ensino à distânciapoderá ser aquele mesmo que usa giz, lousa, aventalbranco e atlas na sala de aula tradicional. Mas, tendoacesso imediato a processos de multimídia e bancosde dados, que são instrumentos rápidos de consulta ecomunicação, ele poderá ser ainda mais eficiente doque em sala de aula.

11) Em países como o Brasil, em que, por exemplo, conhe-cimentos básicos e operativos em relação a métodos etécnicas de higiene e saneamento comunitário preci-sam ser constantemente atualizados e transmitidos commáxima rapidez a regiões distantes dos centros de in-formação especializada, a educação à distância cum-pre um papel fundamental de prevenção e pronta inter-venção, capacitando os agentes locais.

12) A educação “à distância” não exclui o contato diretodos alunos entre si ou entre alunos e monitores, profes-sores ou tutores. Eventuais encontros podem ocorrer,dependendo da estratégia de ensino que está sendousada ou mesmo das condições dadas para aconcretização de um projeto de ensino à distância.

13) Não há incompatibilidade entre as duas formas de en-sino, mas, se forem usadas simultaneamente, é precisohaver um gerenciamento único das ações educativas.

Idéia antiga, meios novos

A educação à distância pode ser útil para quem está sepreparando para o vestibular. Um dos melhores sites no Brasilé mantido pela Universidade de São Paulo, com o Centro deDivulgação Científica e Cultural de São Carlos (visite o site doCDCC, em http://educar.sc.usp.br).

Trata-se do Projeto Educ@r, um site com experiências eorientação nas áreas de física, matemática, geografia e edu-cação ambiental. Embora não se trate de uma área voltadapara o vestibular, nem mesmo para o aluno de Ensino Médio,é sempre bom lembrar que no vestibular muitas questões sereferem a matérias básicas. O site do CDCC tem, por exem-plo, uma área sobre o conceito de número que é leitura obri-gatória para quem pretende entender matemática, e não ape-

Vestibular: a educação à distância pode ajudar

nas decorando fórmulas. Na área de física também há umaótima orientação para conceitos fundamentais que podem aju-dar na resolução de problemas que são matéria de vestibular.

Outros sites interessantes para quem está querendo sabermais sobre educação à distância:

http://www.futuro.usp.br - site da Escola do Futuroda USP com farto material sobre a aplicação de novastecnologias à educação.

http://www.cciencia.ufrj.br/educnet/index.htm- site da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com amplaabordagem do mundo da educação à distância.

http://www.kidlink.org - organização educacionalinternacional que atende aproximadamente 10.000 jovens até15 anos de 117 países; o projeto no Brasil é uma ‘’EscolaAberta na Internet’’ para jovens, escolas e educadores.

http://www.estudioweb.com.br/ - seleciona sitescom conteúdos do Ensino Fundamental e apresenta sugestõesde como professores e alunos podem utilizar informações en-contradas na Internet para enriquecer suas pesquisas, estudose práticas educacionais.

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Que dizer?

A palavra do leitor

Expediente

Editor: Gilson Schwartze-mail: [email protected]

Consultor: Luiz Paulo Labriola e-mail: [email protected]: Knowware ConsultoriaProjeto gráfico: Wladimir Senise

Que fazer?■ tecnologia ■ vocação ■ emprego ■

é um suplemento dos boletinsMundo

Geografia e Política Internacional eTexto & Cultura

■ interpretar ■ escrever ■Não pode ser vendido ou distribuído

separadamente.

Diga-me de quais listas dediscussão você participa eeu lhe direi quem você é...

Dize-me com quem tu andas...O modo como nossos pais, avós e

bisavós usavam esse ditado quase sem-pre o tornava meio assustador. Criavaaté uma certa paranóia. Ele em geralservia como advertência contra as “máscompanhias”.

Quem concorda com esse ditadoparte do princípio de que tudo o quesomos depende do que os outros são.É como se todas as cartas já estivessemna mesa. E isso incomoda. Parecepredestinação, fatalismo.

Só que as velhas frases da sabe-doria popular também têm “dois lados”.Além desse sentido meio ameaçador, oditado destaca a importância que asoutras pessoas têm ou podem ter paranós, mesmo quando a gente não se dáconta disso muito bem.

São pessoas que, conscientemen-te ou não, funcionam como modelos devida. É na sua casa e na escola quevocê passa grande parte de seus pri-meiros vinte anos de vida. Muito prova-velmente de lá virão seus primeirosmodelos.

Pai, mãe e irmãos muitas vezescansam a gente, estão sempre do nos-so lado sem que tivessem sido escolhi-dos para estarem ali. Mas com os ami-gos da escola é diferente: eles são es-colhidos; e talvez por isso mesmo “mo-delem” bem diretamente nosso modode ser.

Quando perguntamos: “que fa-zer?”, estamos também questionando:“quais modelos seguir?” Nossas esco-

lhas estão sempre marcadas pelas ca-ras, desejos, hábitos e histórias de vidados outros. Lutar contra essa influênciaé não querer fazer o que nossa sombrafaz. Mas é possível dar novas cores aessa influência.

Ir para a universidade é um pou-co como cair na vida e buscar novosmodelos. Remodelar-se, ainda que ex-perimentando modelos que estão dis-tantes de nós. Mas enfrentamos tambémo desafio de encarar as novastecnologias. O desafio será outro: emvez de se educar apenas na presençade “outros” (desses modelos que admi-ramos ou rejeitamos), será preciso edu-car-se também na ausência de “outros”- ou com alguns “outros” fisicamentedistantes de nós, que sem nos terem vis-to antes talvez saberão mostrar, de umamaneira umpouco mais clara, quem re-almente somos nós.

Além de se educar “à distância”,estaremos usando novas tecnologiaspara entrar em contato com pessoas,experiências, relatos biográficos, eampliando as fronteiras da utilizaçãodo e-mail, participaremos de novas co-munidades. Para incluir essa formaçãovirtual da nossa personalidade, o ve-lho ditado poderia ser reescrito dessamaneira: Diga-me de quais listas de dis-cussão você participa e eu lhe direiquem você é...

“Tomei contato com o “Que Fazer?” meiopor acaso e é uma publicação que caiu feitouma luva para meus filhos (14, 16 e 18 anos).Gostaria de saber como posso ter acesso aela, regularmente.Maria Lucia V. Lagonegro, São Paulo/SP.

P.S.: Minha filha, Nicole, de 18 anos, estáfazendo um curso de inglês no Canadá. Pres-tou vestibular no ano passado para medicina,não passou e hoje questiona se seria mesmomedicina sua praia. Alguns colegas de láacham que é “estupidez” perder a oportunida-de de prestar vestibular em junho por causade um curso de inglês, que ela pode fazer emqualquer outra época da vida. Ficamos meiopreocupados, porque parece que ela está seafogando nessa maré baixa de “curso superi-or/decisão para vida toda/profissão rentável/emprego”, descartando os cursos que exigemmuito estudo, e deixando um pouco de lado adança das perguntas. O que vier de mim, infe-lizmente, será mais uma “pegação” de pé, demãe. Algum anjo da guarda daí lhe mandariaum e-mail, algo como uma bóia, uma prancha,um tronco boiando na correnteza, que funcio-nasse como uma pausa para recuperar o fôle-go e evitar a decisão precipitada, que a leva-ria a ser “comida crua”? Agradeço desde já,especialmente pela qualidade do material cons-tante do “Que Fazer?” Parabéns!”

Prezada Maria Lucia,Faz parte do difícil processo de elabora-

ção das escolhas ficar um pouco fora da “dan-ça da perguntas”, olhando os outrossapateando e idealizando o momento em quedá para entrar no forró. Faz parte tambémdesse percurso colocar para si mesma metasmais modestas, para testar aos poucos a po-tência do próprio motor, com medo de que eleacabe fundindo. É possível que ela esteja fa-zendo agora justamente “uma pausa para re-cuperar o fôlego e evitar a decisão precipita-da”, como você deseja. Por isso, por mais do-lorido que isso seja para pais e mães, é impor-tante que vocês possam “dar um tempo” a ela,sem imaginar que um anjo da guarda despen-que na “caixa de entrada” do e-mail de Nicolecom uma varinha mágica.