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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES CEART DEPARTAMENTO DE MSICA A mœsica nativista do sul do Brasil: panorama histrico e gŒneros de comunicaªo com o folclore rio-platense Trabalho de conclusªo de curso Eduardo Hector Ferraro Orientador: AcÆcio Tadeu Camargo Piedade Florianpolis, julho 2006

Música Nativista. Julho2006

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Música Nativista. Julho2006

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Page 1: Música Nativista. Julho2006

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES � CEART

DEPARTAMENTO DE MÚSICA

A música nativista do sul do Brasil: panorama histórico e gêneros de

comunicação com o folclore rio-platense Trabalho de conclusão de curso

Eduardo Hector Ferraro

Orientador: Acácio Tadeu Camargo Piedade

Florianópolis, julho 2006

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Page 2: Música Nativista. Julho2006

EDUARDO HECTOR FERRARO

Trabalho de conclusão de curso de

Licenciatura em Educação Artística

habilitação em Música,

Universidade do Estado de Santa Catarina

Orientador: Prof Dr Acácio Tadeu Camargo

Piedade.

Florianópolis, Julho de 2006

Page 3: Música Nativista. Julho2006

EDUARDO HECTOR FERRARO

A música nativista do sul do Brasil: panorama histórico e gêneros

de comunicação com o folclore rio-platense Trabalho de conclusão de curso

Aprovado em 5 de julho de 2006

_____________________________________________

Orientador: Prof Doutor Acácio Tadeu Camargo Piedade

______________________________________________

Prof Doutor Marcos Tadeu Holler

_______________________________________________

Profa. Tereza Mara Franzoni

Florianópolis, julho de 2006

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi possível não somente pela minha dedicação e empenho, mas

também pela paciência e carinho que algumas pessoas me brindaram durante o

processo de construção da pesquisa, e ao longo da graduação.

Agradeço a minha esposa Neusa, e a minha filha Bia por agüentar toda minha

energia, alegrias e tristezas durante a construção da pesquisa. Por elas me esperar

com amor e carinho na chegada do campo e acreditar que meu trabalho era muito

sério.

Agradeço aos grandes amigos conquistados no decorrer do curso, especialmente a

Deborah Rampinelli, companheira de tantos trabalhos, incansável batalhadora, e a

seu filho Paulo Vinicius, que compartiu tantas apresentações na Universidade e

hoje é meu grande discípulo na música.

Agradeço aos professores do curso de Licenciatura em Música, que me brindaram

informações preciosas e me fizeram gostar da Música ainda mais do que eu

gostava.

Um agradecimento muito especial para meu amigo, grande artista nativista,

Giancarlo Orsoleta, que fez possível a minha pesquisa de campo no Corredor de

Canto e Poesia.

Page 5: Música Nativista. Julho2006

iv

RESUMO

Este trabalho descreve o surgimento do Movimento Nativista e sua interação na modernização

das tradições gaúchas. Tendo como um dos sinais desta modernização, a integração latino-

americana, mais precisamente, com os países limítrofes da Argentina e Uruguai, pretendemos

mostrar através da música nativista este fato. Para direcionar a pesquisa, consideramos

importante o embasamento histórico e geográfico, junto de uma análise dos processos culturais

e, principalmente, artísticos que conduziram ao surgimento do nativismo. A pesquisa de campo

é o centro do trabalho, pois nela encontramos os fortes indícios da integração mencionada, assim

como os gêneros de comunicação com o folclore rio-platense. Finalmente, são abordados os

ritmos e a instrumentação usada na música nativista como traços da modernização e integração

com a cultura platina. Não deixamos de lado o contexto sociológico e o polêmico tema da

ideologia que está embutido nestes movimentos, assuntos que permeiam todo o trabalho,

aprofundados nas considerações finais.

Palavras Chaves Música Nativista � Tradicionalismo Gaúcho � Cultura Rio-Platense

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Page 6: Música Nativista. Julho2006

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SUMÁRIO

RESUMO...................................................................................................................................... iv

INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 07

1. CAPÍTULO I �................................................................................................................ 09

1.1 Cultura gaúcha........................................................................................................... 09

1.2 Referências históricas e geográficas.......................................................................... 12

1.3 Imigrações.................................................................................................................. 18

1.4 Os movimentos culturais no processo histórico......................................................... 19

2.CAPÍTULO II �................................................................................................................. 24

2.1 Movimento Nativista................................................................................................. 24

2.2 Os festivais de música............................................................................................... 26

2.3 Divergências do Tradicionalismo com o Nativismo................................................. 28

2.4 Intervenção da mídia. Divulgação e crescimento do Movimento Nativista através da

Indústria Cultural............................................................................................................. 30

3.CAPÍTULO III � PESQUISA DE CAMPO..................................................................... 36

3.1 Corredor de Canto e Poesia........................................................................................ 36

3.2 Encontro com artistas nativistas de RS...................................................................... 50

4.CAPÍTULO IV �........................................................................................................... 54

4.1 Os gêneros da música gaúcha.................................................................................... 54

4.2 Os gêneros musicais nativistas................................................................................... 57

4.3 Os instrumentos......................................................................................................... 62

4.4 A �Tchê Music�............................................................................................���. 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................... 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................ 80

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vi

PÁGINAS CONSULTADAS NA INTERNET.......................................................................... 82

ANEXOS..................................................................................................................................... 84

Anexo I � Corredor de Canto e Poesia........................................................................... 84

Anexo II � Partituras........................................................................................................ 86

FOTOS

1........................................................................................................................................ 39

2........................................................................................................................................ 39

3........................................................................................................................................ 39

4........................................................................................................................................ 47

FIGURAS

1. Mate........................................................................................................................... 40

2. Faca............................................................................................................................ 43

3. Viola........................................................................................................................... 63

4. Violão........................................................................................................................ .63

5. Gaita de botão............................................................................................................ 63

6. Gaita de teclado (acordeão)........................................................................................ 63

7. Bombo legüero........................................................................................................... 65

8. Cajón.......................................................................................................................... 66

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INTRODUÇÃO

A questão da tradição no sul do Brasil, e seus movimentos adjuntos, o Tradicionalismo e

o mais moderno Nativismo, foram alvo de pesquisa e ainda são, para sociólogos e antropólogos

devido à riqueza e complexidade existente no assunto. Dentro dos fenômenos culturais desta

região, a música aparece como um dos mais interessantes para ser estudado, criando, assim, um

campo específico a ser desvendado pela etnomusicologia.

O alvo deste trabalho é o Movimento Nativista e seus gêneros de comunicação com o

folclore rio-platense. Para isto, acreditamos que uma passagem pela história explica melhor como

o fenômeno do Nativismo surge no contexto socio-cultural do sul do país. A conformação da

figura do gaúcho, intensamente ligada aos processos históricos e transformações sociais na

região, é relatada no primeiro capítulo. Assim como os traços culturais que se transformaram em

costumes e deram forma à tradição gaúcha, inspiradora de um dos movimentos mais importantes

dentro deste âmbito: O Movimento Tradicionalista Gaúcho.

A aparição do nativismo de forma discreta se dá através dos festivais de música regional

na década de 70. Como movimento toma força nos anos 80, trazendo a modernização da tradição

e uma mensagem de integração com as culturas de países vizinhos, assim como um câmbio no

aspecto ideológico proposto pelos tradicionalistas. O Movimento Nativista e suas idéias

progressistas trouxeram novos ares para a música regional em vários sentidos: nas composições,

nas instrumentações e no refinamento de poesias e letras das canções do movimento. Estes

aspectos são abordados no segundo capítulo do trabalho.

As pesquisas de campo do terceiro capítulo, coincidentemente, evidenciaram uma série de

questões que nos propúnhamos confirmar. A primeira delas foi feita num festival de composição

de música nativista onde participaram somente músicos e compositores. Neste evento, tivemos a

oportunidade de conviver um fim de semana com estes artistas, entrevistá-los, compor e executar

as músicas junto deles, numa estrutura muito similar à dos festivais; estas composições

concorriam a prêmios simbólicos. A segunda pesquisa foi em Florianópolis, no teatro do CIC,

aproveitando a vinda de dois renomados artistas nativistas para fazer show na cidade.

Entrevistamo-los numa conversa informal, porém muito objetiva, através de perguntas simples

sobre os temas específicos que desejávamos colocar no trabalho.

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Para finalizar, no quarto capítulo, a questão dos gêneros da musica gaúcha é focalizada

por épocas, começando pelos tradicionais, adaptados dos gêneros europeus, passando pelo

nativismo e sua integração com a música platina e uma breve menção ao movimento �tchê

music�, como último expoente de modernização e da indústria cultural gaúcha. Também

abordamos o tema dos instrumentos usados na produção musical regional, pontuando as

discrepâncias entre os tradicionalistas e os nativistas a respeito do que pode ou não ser usado para

executar as músicas gaúchas.

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CAPÍTULO 1

Neste primeiro capítulo descreveremos os processos históricos e culturais acontecidos na

região sul do Brasil, que influenciaram na formação da cultura gaúcha. Trataremos também das

imigrações e seus grupos étnicos, mostrando a participação destas colônias nas posteriores

expressões musicais que deram origem à música gaúcha.

1.1-Cultura gaúcha

Na tentativa de falar na conformação da cultura gaúcha, parece inevitável recorrer a um

retrospecto histórico, que nos guie para entender o desenvolvimento deste intrincado conjunto de

hábitos, forma de vida e expressões artísticas surgidas no Sul do Brasil, na região de fronteira

com o Uruguai, a Argentina e o Paraguai. Ao longo dos anos, desde a época da colonização da

América do Sul, espanhóis e portugueses travaram intensas disputas pelas terras e riquezas

encontradas desde o estuário do Rio de la Plata em direção ao norte, entrando no que hoje é

território brasileiro. O palco principal destas disputas é, geograficamente, o lugar onde se

desenvolveu, com o passar do tempo, a Cultura Gaúcha.

Contribuíram para moldar as características desta singular cultura, inúmeras questões,

como invasões, guerras, revoluções, a tentativa de desenvolvimento comercial da região e as

imigrações de etnias vindas de vários lugares do planeta. Desta maneira, criou-se a imagem de

uma cultura impregnada de fortes transformações sociais, no meio da qual crescia um povo bem

particular e uma figura marcante: o Gaúcho. Esta personagem é, sem dúvida, o centro desta

cultura. Ligada fortemente à vida rural (OLIVEN, 1992, p.100), a figura do gaúcho é a de um

homem rude, que absorveu esse passado de intensas e, às vezes, violentas transformações sociais.

Com o tempo, modificou-se essa impressão sobre o gaúcho e sua cultura, mostrando o

dinamismo existente e a constante evolução na sociedade destes dois elementos.

Para entender um pouco mais sobre este universo, poderíamos analisar em primeira

instância a origem da palavra �gaúcho�, que dá nome à figura central deste movimento cultural.

Vários autores concordam com respeito à etimologia deste termo1. O folclorista Paixão Côrtes

1 Pode-se encontrar uma boa descrição do termo na �página do gaúcho� na internet: http:www//paginadogaúcho.com.br

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menciona, em uma entrevista de 1981, que o termo aparece pela primeira vez na literatura

brasileira em Coruja (1851)2. Esta definição foi dicionarizada como �índio do campo, sem

domicílio certo� (Paixão Côrtes, 1981, p. 15). Afirma, ainda, que o termo �gaúcho� começa a ser

usado no Brasil depois da metade do século XIX e que, no estudo realizado pelo uruguaio

Fernando Assunção (1963) de nome �El Gaúcho�, está escrito que há uma primeira citação do

termo em um documento que data de 1771, dizendo que a palavra �gaúcho� é �empregada a

homens que viviam em atividade rural, na vasta área que se estendia das bandas Cisplatinas até o

sul do Brasil Colônia� (Paixão Côrtes, 1981, p 15). Há várias versões da palavra, e Paixão Côrtes

oferece uma lista:

Guasso- denominação dada ao camponês chileno. Da forma guassucho;

Gatucho- é a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo gaudere, �ter gosto pela

liberdade�

Gaudério- teria se originado de gaudeo, nome atribuído aos homens de campo da banda

oriental (Uruguai);

Galucho- �recruta� em português;

Garrucho- homem portador de �garrocha�ou �garrucha�, que é uma meia lua de metal

na extremidade de uma vara de madeira com a qual se cortava o �garrão� dos animais;

Gahucho- pronúncia de garrucho em tupi-guarani;

Gaudsho- vocábulo idiomático cigano;

Guacho ou Uacho- órfão, bastardo, animal criado sem mãe;

Gauhu-che- vocábulo da língua indígena quechua, combinado de gauhú, �cantar triste� e

che, �gente�;

Chaucho- do árabe chaouch, correspondente a �tropeiro�;

Gatchu- termo indígena em língua aruak: �companheiro�;

Gauche- galicismo, aplicado no sentido de desviado, desgarrado, mal inclinado.

Paixão Côrtes ainda acrescenta alguns outros nomes sem dar especificações sobre as

origens: kaguauchu, gachu, gacho, guancho, gauchori, cauchu, cauchu-k, gaucino, gauk, guaxe

2 Paixão Côrtes não especifica o livro em que Coruja menciona o termo �gaúcho�, mas podemos afirmar que a obra mais famosa de Antônio Alvares Pereira �Coruja� (era seu apelido), é a Coleção de Vocábulos e frases usados na Província de São Pedro de Rio Grande do Sul. As datas da publicação não coincidem com o citado, sendo estas ou de 1852 e outra de 1856.

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(1981, p. 16). Dentre todas estas versões, autores como Zeno Cardoso Nunes no seu Dicionário

de Regionalismos de Rio Grande do sul ou as fontes consultadas na internet (www.paginado

gaúcho.com.br) não destacam alguma em especial.

Os identificadores desta cultura tão peculiar são muitos, estes elementos todos ligados a

um modo de vida rural que, historicamente, foram se transformando conforme a evolução da

sociedade, sem deixar que a figura do gaúcho, o homem de campo, o centro desta cultura, se

dissolva no meio da modernização.

Elementos como vestimenta, culinária, produção artística, língua, dentre outros, criam em

conjunto o que é chamado de identidade cultural, fenômeno que relaciona o povo de uma região

com o valor cultural desses elementos. Nos seus estudos sobre o tema, Hall define o termo

�identificação� como �uma construção, como um processo nunca completado - como algo

sempre �em processo�, e também pontua que as �identidades são, pois, pontos de apego

temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para nós. Elas são o

resultado de uma bem sucedida articulação ou �fixação� do sujeito ao fluxo do discurso� (Hall,

2000, p.116). Já Canclini, numa interessante avaliação, observa que, para um padrão cultural

tradicional, a identidade cultural apóia-se na construção de um patrimônio em dois sentidos: a

ocupação de um território e a formação de coleções, isto é, o conjunto de bens simbólicos

referentes à cultura. Os bens simbólicos são produzidos pela indústria cultural ou derivados da

própria cultura, e são considerados produtos de consumo como os bens materiais. Canclini

aprofunda a idéia dizendo que �ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma

cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que habitam esse

lugar se tornasse idêntico e intercambiável� (Canclini, 2003, p.190). Pode-se entender, portanto,

que a identidade cultural gaúcha, coincidentemente, é formada também pelos valores dos

elementos citados, isto é, vestimenta, culinária, o trabalho no campo e a língua, dentre outros,

conjugados nesta cultura.

Outra questão a salientar é que a cultura gaúcha encontra-se num contexto marcadamente

regional, apesar de alguns sinais de expansão, produto da modernização e das comunicações,

temas que também trataremos ao longo do trabalho. Nilda Jacks aborda a �cultura regional� como

todas as manifestações de uma região que caracterizam sua realidade sócio-cultural, e a coloca

junto às manifestações de caráter �erudito�, �popular� e �massivo�, que, segundo o antropólogo

Jesus Martin Barbero, são instâncias culturais indissociáveis (apud Jacks, 1998, p.15). Por isto,

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cabe a reflexão de que a cultura regional não é somente �popular�, pois a inserção de cultura de

classes dominantes no contexto regional parece ser uma constante. Esta é uma característica

dentro da cultura gaúcha e seus movimentos ocorridos no estado de Rio Grande do Sul, quase

sempre empreendidos pelas classes dominantes, alguns deles apoiados pelas camadas populares.

Jacks (1998, p.16) ainda cita Anamaria Fadul, que define a cultura regional como a �que se

relaciona como domínio da diferença, do que é específico de uma região�, �da qual a cultura

popular é uma espécie� (Fadul apud Jacks, 1997, p.16).

No que se refere à inserção da cultura gaúcha dentro do âmbito nacional, ela faz parte de

um conjunto de representações que formam a identidade nacional brasileira, e é parte de uma

diversidade cultural, produto das suas muitas identidades regionais. No trabalho de Oliven O

nacional e o regional na construção da identidade brasileira de 1986, o autor considera que a

construção da identidade nacional passa pelo regional. Já, Renato Ortiz em Cultura brasileira &

identidade nacional de 1985, afirma que a construção da identidade passa pelo popular. Ambos

salientam a importância destas categorias culturais, que mostram dinamismo, mesmo vindo de

padrões tradicionais, para poder subsistir às transformações econômicas e sociais (Jacks, 1998,

p.20).

Como colocamos no início de nosso trabalho, um mergulho na história pode nos fazer

conhecer um pouco mais das características e elementos que formam a cultura gaúcha, mostrando

o perfil da sua figura central: o gaúcho. Em época de conquista de territórios, sangrentas lutas

pela demarcação e defesa das fronteiras nacionais, mostras de heroísmo e virilidade engendraram

e enalteceram esta figura mítica. A criação e manutenção do mito na visão de autores e

folcloristas, responde a um caráter ideológico, principalmente sustentado pelas classes

dominantes ligadas ao setor rural. Como veremos no decorrer do trabalho, haverá momentos de

ruptura ideológica, demonstrada pela colocação de questões sociais também referidas ao campo e

sua população menos favorecida.

A seguir, colocaremos alguns dados históricos para esclarecer e conhecer a cultura gaúcha

mais a fundo.

1.2-Referências Históricas e Geográficas Nossa intenção agora é contextualizar geográfica e historicamente os processos que deram

origem à cultura gaúcha. Entrar em detalhes seria tal vez, desviar-se do nosso alvo principal de

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pesquisa, que é a música nativista no seu processo de formação, como movimento artístico dentro

da cultura gaúcha. Assim, cremos que é pertinente fornecer alguns dados, respeitando uma ordem

cronológica, que vão dar uma idéia da conformação da cultura gaúcha através do tempo.

O epicentro geográfico de nossa pesquisa é o que conhecemos hoje como o Estado do Rio

Grande do Sul, onde a cultura gaúcha nasceu e registra suas maiores expressões, mas poderemos

estender a área de estudo e de acontecimentos para o norte e para o sul. Para o norte, há muitos

acontecimentos importantes registrados em Santa Catarina, e alguns nos estados do Paraná e São

Paulo, que logo mencionaremos. Para o sul, é possível afirmar que os fatos históricos e sociais

acontecidos nos países vizinhos, como Uruguai, Argentina, e ao oeste Paraguai, são de vital

importância na cultura gaúcha, evidenciando fortes influências. A região do Rio de la Plata e dos

rios Paraná e Uruguai na Argentina, passando pelo território do Uruguai e algumas regiões do

Paraguai, podem ser somadas ao cenário das transformações sociais e culturais que interessam

para nossa pesquisa.

Nestas regiões aportaram espanhóis e portugueses desde o ano de 1501 (Fagundes, 1997,

p.12) em diferentes expedições, acompanhadas também de navegantes de outros países da

Europa. As descobertas de terras e as primeiras ocupações ocorreram de forma desordenada, até

que o Tratado de Tordesilhas colocou alguma definição nos limites das ocupações. Para o Brasil,

ficariam estabelecidos os meridianos que passariam pela Ilha de Marajó ao norte, e em Laguna,

Santa Catarina, ao sul. Nestas expedições, espanhóis e portugueses encontraram os primeiros

habitantes da América do Sul: diferentes tribos de índios localizadas por regiões, com

comportamentos diferenciados, alguns povos de espírito guerreiro e muito rebeldes. Além dos

expedicionários, religiosos também vieram para este cenário. Os jesuítas, missionários da ordem

�Companhia de Jesus�, chegaram ao Brasil em 1549 pela primeira vez (Ferreira, 1960, p.21).

Estes jesuítas portugueses espalharam-se em diferentes regiões com o intuito de catequizar e

alfabetizar os indígenas que habitavam esses territórios. Da mesma forma, um pouco mais ao sul,

os jesuítas espanhóis da mesma ordem estabeleceram as suas bases na província Argentina de

Misiones e no sul do Paraguai. Em toda esta região os religiosos construíram pequenas cidades,

chamadas de �missões�, para fazer o trabalho com os indígenas. No Brasil, há dados de que os

jesuítas fundaram dezoito missões na região sul, numa primeira tentativa, isto é, por que os

bandeirantes, vindos de São Paulo, destruíram e saquearam as pequenas cidadelas. Numa segunda

tentativa, fundaram novamente oito missões, das quais só restaram sete, conhecidas

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historicamente como os �Sete Povos�. Aqui aparecem elementos que os jesuítas iriam explorar

economicamente, e que depois aparecem na cultura gaúcha: o trabalho com o gado bovino que

existia na região, e a exploração da erva mate (Pesavento, 1982, p.11). Um tipo de infusão feito

com a erva já era um costume indígena que agradara também aos brancos e, com o passar do

tempo, ficaria conhecido como chimarrão. Estas missões viveram épocas de prosperidade,

gerando trabalho para os indígenas e funcionando como uma sociedade organizada, mas a partir

de 1730 os �Sete Povos� entraram em decadência econômica e social. Logo seguiu uma série de

ações bélicas, produto das péssimas relações entre Espanha e Portugal, nas quais foram

envolvidos as missões e seus habitantes, tanto índios como religiosos. Nos conflitos morreram

muitos índios e, em menor escala, os brancos que combatiam para ambos os lados. Os jesuítas se

retiraram destes territórios entre 1756 e 1759, ano em que foram expulsos definitivamente do

Brasil.

Os bandeirantes também participaram ativamente na região com suas incursões desde São

Paulo. Tanto nas ações de guerra nas missões, como em outros conflitos com a coroa espanhola,

na tentativa de fixar limites entre as duas colônias, a �hispana� e a portuguesa. No percurso entre

São Paulo e Rio Grande, marcaram rotas para comunicar as regiões, e fundaram vilas que depois

se tornariam cidades, algumas de vital importância para a economia futura de alguns estados. A

participação bandeirante na história é vista de forma controversa pelos diferentes autores: alguns,

como Terra no seu trabalho Raízes da América Gaúcha (1993, p.141), reforçam o valor e o

espírito guerreiro na defesa dos territórios, valores atribuídos muito depois ao gaúcho, outros

como Pesavento, pontuam a cobiça por riquezas e o caráter sanguinário destes conquistadores. De

todas as formas, existe, obviamente, alguma contribuição dos bandeirantes neste processo de

formação social e cultural, por mais que as opiniões dos historiadores sejam desencontradas.

Outra figura importante nesta contextualização histórica é a do tropeiro. Sua participação

é relevante no que respeita ao desenvolvimento comercial da região sul e sudeste, na troca de

costumes e hábitos sociais entre estas e na afirmação de alguns traços culturais que aparecem na

cultura gaúcha. Os tropeiros têm seu nome dado pelas tropas de animais que eles conduziam de

um lugar para outro, principalmente com fins comerciais e de manejo. Segundo um documento

da Fundação Catarinense de Cultura O Caminho das tropas de 1986, um dos motivos do

aparecimento dos tropeiros foi a necessidade de levar animais de carga e de corte para o sudeste,

principalmente para Minas Gerais. Isto foi aproveitado pelos paulistas, estabelecendo o comércio

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de gado na feira de Sorocaba. O gado, como relatamos anteriormente, foi trazido do Uruguai e da

Argentina pelos jesuítas para o sul do Brasil, e depois levado para o sudeste em tropas. A figura

do tropeiro está ligada intimamente com as atividades do campo, a lida com animais e o domínio

da montaria, já que todas essas atividades eram feitas a cavalo, características encontradas depois,

na figura do gaúcho. Segundo Araújo, o primeiro tropeiro que fez uma longa viagem entre 1731

e1732, por treze meses com tropas de gado, foi Custodio Pereira de Abreu, mas há dados sobre a

formação de tropas para transporte de gado de 1634, conforme anotações feitas por um jesuíta

(Fagundes, 1997, p.30). Mas é nos séculos XVIII e XIX que a atividade dos tropeiros é mais

intensa. Licurgo Costa menciona, no seu livro O continente das Lagens, sua história e influência

no sertão de terra firme, a atuação de tropeiros na região de Lages (S.C) desde aproximadamente

1750. Coloca também que alguns tropeiros ficaram com terras na região do planalto serrano de

Santa Catarina, que se converteram nas fazendas de descanso das tropas. Costa fornece uma lista

de tropeiros com detalhes da origem de cada um e do ano que chegaram na região (Costa, 1982,

p.169). As rotas ou caminhos das tropas são vários, porém coincidem nos pontos extremos, de

São Paulo para Rio Grande do Sul ou Laguna, em Santa Catarina. A atividade também se

expandiu quando começaram as grandes fazendas de café no sudeste: assim, levavam gado do sul

e voltavam de São Paulo com café ou farinha de mandioca. Nesses longos caminhos havia a

necessidade de descanso, tanto para homens como para o gado, feito nos chamados �pousos�.

Nos começos do tropeirismo, os pousos eram acampamentos improvisados feitos com barracas de

lona, em lugares estrategicamente escolhidos, geralmente campos com boas pastagens para os

animais (�coxilhas�)3, lugar que também facilitaria o controle da tropa. Com o passar do tempo,

se estabeleceram algumas fazendas nos caminhos dessas tropas, possibilitando que os �pousos�

fossem feitos nas mesmas. O município de Lages era um dos pontos de �pouso� preferidos das

tropas pelas suas pastagens e pela quantidade de fazendas que permitiam o descanso (Costa,

1982, p.158, p.170). Ainda hoje há propriedades que conservam a disposição arquitetônica e

funcional da época das tropas. Assim, os tropeiros passaram a usar o galpão da fazenda para

pernoite e convívio no descanso. A comida começou a ser feita no �fogo de chão�, no centro do

galpão, e no mesmo fogo se esquentava água para o chimarrão e se fazia o café tropeiro. Todas

estas características da culinária são comuns também à cultura gaúcha. No referido documento da

Fundação Catarinense de Cultura O Caminho das Tropas, aparecem algumas entrevistas feitas

3 Lugares com boa pastagem e de relevo topográfico suave, com poucas elevações no terreno.

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com tropeiros e outros trabalhadores de fazenda que lidavam com tropas. Podemos dizer que há

detalhes interessantes sobre as vestimentas, que já mostravam semelhança com às do gaúcho.

Sobre a culinária, além dos elementos já comentados, falava-se sobre o churrasco e arroz de

carreteiro, dois expoentes na cozinha gaúcha. E talvez o mais interessante para nossa pesquisa é o

comentário feito sobre o �divertimento�, que eram as festas que o tropeiro participava, com

música feita por gaita, viola e rebeca. Na entrevista são mencionados os ritmos xote, vanerão e a

Ratoeira, que era uma dança. A área das festas era na praça da vila ou na fazenda na qual a tropa

estava �pousando� e a festa era geralmente patrocinada por algum fazendeiro, que fornecia a

comida e o �trago� (cerveja ou vinho).

Pelo exposto, a contribuição do tropeiro para a cultura gaúcha é significativa, por causa do

comércio, em primeira instância, que funcionou como um elo entre o sudeste e o sul do Brasil,

firmando essa cultura do homem do campo na região. Cabe ressaltar que a passagem dos

tropeiros e a posse de terras por alguns deles no Planalto Catarinense, deixaram marcas

significativas no que diz respeito à cultura do homem de campo, sendo hoje o município de Lages

e outros na região fortes seguidores da cultura gaúcha. Segundo o próprio documento da F.C.C, o

tropeirismo proporcionou também uma maior ligação com os vizinhos da região do �Prata� e

pontua sobre as coincidências culturais existentes com essa região, como vocabulário, culinária e

vestimenta.

As hostilidades entre Portugal e Espanha foram a marca destas épocas coloniais,

matizadas com tratados de paz e colocação de limites entre as duas colônias (Ferreira, 1960,

p.42). Inúmeras guerras se sucederam no território que descrevemos anteriormente, desde a época

das missões, aproximadamente 1750, seguindo com as tentativas de invasão por parte dos

espanhóis em territórios da coroa portuguesa, hoje Rio Grande do Sul, a partir de 1760. Anos

mais tarde, os conflitos se centraram na região do Uruguai. A Argentina já tinha formado um

governo independente da coroa espanhola e a Banda Oriental (Uruguai) era uma província que

pertencia ao Vice-reinado do Rio de la Plata. Portanto, o governo argentino assumiu esse

território. A coroa portuguesa também estava interessada nestas terras, mas complicando a

situação, em 1811 um movimento separatista cresceu rapidamente na Banda Oriental, encabeçado

por caudilhos locais, o que gerou vários confrontos militares na tentativa de sufocar o desejo de

independência dos �orientais�. Até que em 1820, o caudilho Artigas é derrotado e a banda

Oriental é anexada ao Império com o nome de Província Cisplatina (Pesavento, 1982, p.34). O

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cenário político era tão conturbado que Dom Pedro I declarou guerra à Argentina em 1825,

confrontando-se os exércitos em várias batalhas e escaramuças. A paz é firmada em 1828

colocando o Uruguai como Estado �tampão� entre Brasil e Argentina (Fagundes, 1997, p.78).

No que diz respeito aos conflitos internos há um fato determinante para a cultura gaúcha e

seus valores: a Revolução Farroupilha. Este movimento separatista começou em 1835 e culminou

em 1836 com a proclamação da República Rio-Grandense, desligando-se do Império e criando

autonomia. Seguiram dez anos de guerra na tentativa do Império de recuperar o território

separatista, culminando com um tratado de paz em 1835 entre os �Farrapos� e os �Imperiais�, em

termos favoráveis para ambos os lados (Pesavento, 1982, p.37, 38, 39). Este processo, gerado

pela revolução e a guerra posterior, marcou os rio-grandenses, criando um orgulho pela epopéia

guerreira dos �Farroupilhas� e um sentimento de amor pela terra, que até hoje é comemorado em

data oficial no dia 20 de setembro.

Voltando para o cenário internacional, houve mais conflitos com os vizinhos; desta vez,

contra o ditador argentino Rosas e, tempo depois, contra o caudilho paraguaio Solano Lopez no

que se chamou de �Guerra da Tríplice Aliança�. Nesta última, o exército era composto por

brasileiros, argentinos e uruguaios contra as forças paraguaias e acabou aproximadamente em

1870. Em todas estas ações bélicas a participação de soldados nascidos no território do Rio

Grande foi freqüente e massiva, marcando um caráter aguerrido e viril neste povo, que depois

passou para a figura do gaúcho. Como disse o folclorista Paixão Côrtes na entrevista que já

mencionamos, em meados do século XIX a palavra �gaúcho� começa a se usar para denominar

aos habitantes do Estado de Rio Grande, coincidentemente, no período histórico que acabamos de

relatar.

Ainda houve mais um episódio importante na história rio-grandense antes da virada do

século: a revolução de 1893 (Fortes, 1981, p.124). Este processo tem relação com a proclamação

da República e com uma série de lutas internas pelo poder no próprio Estado do Rio Grande. O

saldo foi trágico, foram quase dois anos de combates deixando muitos mortos e uma situação de

caos. A paz foi assinada em 1895, na cidade de Pelotas (Fagundes, 1997, p.113).

No século XX, houve também movimentos sociais e políticos de importância no Rio

Grande, mas é possível colocá-los mais em nível nacional do que nos processos locais. Os

movimentos revolucionários aconteceram desde 1924, tendo uma continuidade que culminaria

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em 1937 com a intervenção do Estado do Rio Grande e, no âmbito nacional, com a proclamação

do Estado Novo (Pesavento, 1982, p.114).

Apresentamos até aqui um relato sucinto, sem entrar em maiores detalhes, dos fatos

históricos desta região, fundamentalmente para termos uma idéia da formação da cultura gaúcha

e as características sociais e políticas que ajudaram para este processo. Como vimos, uma

constante foi a ocupação dos territórios, as subseqüentes guerras e conflitos diplomáticos que

aconteceram exclusivamente nesta região de fronteira do Brasil. Inegavelmente, através destas

fricções, o convívio entre as culturas indígenas, �hispana�, �lusitana� e �afro�, gerou um marco

social e cultural sem precedentes, no qual surgiu a cultura gaúcha. Os elementos mencionados

anteriormente, como a culinária, a vestimenta, a língua, as expressões artísticas e os costumes da

vida rural são produto desta mescla que a passagem do tempo ajudou a moldar. O caráter altivo,

orgulhoso e aguerrido do gaúcho parece ser produto destas fricções vividas ao longo da história,

principalmente dos permanentes conflitos bélicos que se sucederam desde o século XVII até o

século XX, dos quais o povo rio-grandense foi partícipe ativo.

Para focalizarmos melhor nossa pesquisa sobre uma expressão artística específica da

cultura gaúcha, a Música Nativista, achamos pertinente colocar um outro elemento social e

cultural que foi também de vital importância na história para o seu desenvolvimento: a

participação dos imigrantes.

1.3- Imigrações Várias etnias se conjugaram no sul do Brasil trazendo juntos os costumes e a bagagem

cultural, o que de alguma forma contribuiu com alguns elementos na conformação da cultura

gaúcha. Com o passar do tempo e com as guerras mundiais, estas imigrações se acentuaram,

vindo contingentes da Europa com destino específico para América Latina. Muitos deles se

encantaram com as regiões de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, outros ficaram mais

ao norte. Os imigrantes que escolheram o sul do país em primeira instância eram alemães, e sua

chegada no Rio Grande do Sul foi em 1824 (Fortes, 1981, p.88). Depois chegaram também

italianos e espanhóis (Fortes, 1981, p.115), e mais tarde contingentes de poloneses, russos,

austríacos, holandeses, judeus, árabes e até japoneses e africanos (Hinerasky, 2002, p.2).

Dos traços culturais trazidos pelos imigrantes, talvez seja a música o mais marcante.

Vários ritmos e danças foram sendo conhecidos em festas e celebrações e alguns destes gêneros

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foram de grande importância para a música gaúcha, conforme veremos depois. Não há somente

influência, mas a adaptação destes gêneros europeus que darão origem aos seus similares

gaúchos. Não foi só foi a música que os europeus trouxeram: os instrumentos vindos com eles

também causaram uma mudança significativa. Os alemães com o bandoneón e os italianos com o

acordeão, também chamado popularmente de �gaita� no sul do Brasil, revolucionaram a maneira

de fazer música nestas latitudes, questão que analisaremos no próximo capítulo.

A entrada dos imigrantes na região modificou alguns aspectos da cultura gaúcha e da

dinâmica social dos estados do sul do Brasil. Aspectos como a culinária e a língua foram dos

mais influenciados, mas devemos ressaltar que os imigrantes também adaptaram seu modo de

vida, modificando alguns dos caracteres culturais trazidos da Europa.

Para continuar, veremos de que forma neste ambiente sócio-cultural, com mistura de

etnias e grandes transformações ao longo do tempo, os movimentos culturais artísticos ganharam

importância dentro da cultura gaúcha.

1.4- Os movimentos culturais no processo histórico Os fatos históricos de relevância já comentados foram visivelmente moldando a cultura

gaúcha. Tentaremos agora colocar em foco alguns movimentos culturais que serviram para o

desenvolvimento das expressões artísticas desta cultura. As diferentes manifestações abriram o

caminho para chegar no que hoje chamamos de �Música Nativista�, o alvo de nossa pesquisa.

Numa ordem cronológica, citaremos os processos mais importantes para, no próximo capítulo,

analisar mais detalhadamente o fenômeno do �Nativismo�.

Com todos os processos sociais que aconteceram e que descrevemos anteriormente,

houve significativas mudanças até chegarmos a distinguir uma arte de caráter nacional, com

elementos que tendem à valorização do autóctone. Dentro da cultura gaúcha, o antecedente

artístico mais significativo foi talvez a criação da �Sociedade Partenon Literário�, em 1868. Em

plena Guerra do Paraguai, um grupo de literatos começava um trabalho de divulgação através de

diários, revistas, livros e conferências, tentando �ser porta-voz� do telurismo que sentia fazer

parte dos habitantes do Sul do País� (Jacks, 1998, p.29). Segundo Álvaro Santi (2004), este grupo

de escritores e intelectuais, não somente exaltava o heroísmo do gaúcho nas suas publicações,

como também tratava de temas de cunho progressista. Ideologicamente, eles eram republicanos e

abolicionistas fervorosos, românticos defensores dos direitos das mulheres no que tange à

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educação e censura, temas que aparecem em sua �Revista� e tratados em debates públicos por

eles promovidos (Santi, 2004, p.29). A importância da �Sociedade Partenon Literário� como

antecedente artístico revela-se nas poesias e prosas escritas pelos seus membros, compiladas anos

mais tarde, no chamado �Cancioneiro Gaúcho� (Augusto Meyer, 1959). Esta característica da

importância do verso, da letra, é ressaltada também no desenvolvimento da música gaúcha até

chegar no Nativismo. Entrar em detalhes sobre a estilística e influências literárias destes

escritores não seria tão importante neste trabalho, mas podemos citar que, segundo o pesquisador

Athos Damasceno Ferreira, eles teriam uma certa inclinação pelos românticos franceses, como

Victor Hugo ou Lamartine, entre outros, criando uma forma de escrita bem particular por causa

da mistura da temática gaúcha com o estilo refinado do romantismo francês (Santi, 2004, p.34).

Com o pano de fundo da República, recém instalada e tentando a consolidação, surgiram

no Rio Grande do Sul várias tentativas de criação de entidades cívicas que buscariam um

incentivo ao patriotismo e ao cultivo das tradições nacionais e estaduais (Jacks,1998, p.31). Foi

assim que, em 1898, o Major Cezimbra Jaques fundou o �Grêmio Gaúcho de Porto Alegre�.

Segundo Santi, esta agremiação tinha também características de sociedade literária, com

inspiração no antigo �Partenon�, mas citando o historiador Tau Golin, Santi menciona que o

�Grêmio Gaúcho� tem uma forte matriz na �Sociedad Criolla�, criada em Montevidéu, Uruguai,

quatro anos antes (op. cit., p.36). Um dado importante é que, segundo Golin, Cezimbra Jaques já

tinha conhecimento da sociedade fundada em Uruguai e expressava enorme simpatia com os

ideais de manutenção da tradição que esta sociedade pregava. Coincidentemente também na

Argentina e na mesma época surgem as �Sociedades Tradicionalistas� e academias ou centros

�Criollos�, com o intuito de recriar os costumes do �gaúcho�, inclusive música e dança

(Archetti, 2003, p.14). Este fenômeno aconteceu entre 1898 e 1914 em Buenos Aires e seus

arredores. Apesar da proximidade com Montevidéu, não há informações que mostrem alguma

relação dos uruguaios com o �Grêmio Gaúcho�, mas aparece caracterizada a influência exercida

pela �Sociedad Criolla� de Uruguai nas manifestações ideológicas que Cezimbra Jaques

professava e que passaram anos depois, para as gerações que deram continuidade a estes

movimentos (Santi, 2004, p. 38-40).

Em um outro enfoque, Nilda Jacks pontua o claro objetivo cívico da fundação do grêmio,

colocando o comentário do próprio Cezimbra Jaques, que enaltece o patriotismo e fecha dizendo

que era necessário �manter o cunho do nosso glorioso Estado e conseqüentemente as nossas

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grandiosas tradições� (Jacks, 1998, p.31). A criação da União Gaúcha de Pelotas em 1899, com

uma proposta objetiva focalizada no civismo e patriotismo, mostra o espírito de cultuar as

tradições brotando em todo Rio Grande do Sul. Segundo Jacks (1998), outras agrupações

surgiram nessa época e, anos depois, como o Centro Gaúcho de Bagé (1899), o Grêmio Gaúcho

de Santa Maria (1901), a Sociedade Gaúcha de Lomba Grande (1938) e o Clube Farroupilha de

Ijuí (1943). Destas associações, somente as duas primeiras, o Grêmio Gaúcho e a União Gaúcha

de Pelotas, conseguiram algum resultado nos seus propósitos iniciais (Jacks, 1998, p.32). Esta

fase de exaltação aos valores culturais nacionais e regionais, demonstrada pela aparição destes

grupos, que era vivida no fim do século XIX até quase a metade do século XX, antecedeu a um

importante movimento que iria surgir por volta de 1948: o Tradicionalismo.

O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) tem como marco de iniciação a criação do

�35 Centro de Tradições Gaúchas� (CTG), em 24 de abril de 1948. O nascimento deste primeiro

CTG se deve à iniciativa de um grupo de estudantes vindos do interior do estado, junto aos

escoteiros, e que iniciaria uma fase do culto às tradições gaúchas como contestação à invasão da

cultura norte-americana que era difundida no Brasil. O nome de �35� se deve ao ano de 1835,

início da Revolução Farroupilha. A partir deste acontecimento surgiram no Estado de Rio Grande

do Sul vários CTGs, copiando o modelo do �35�. Há dados que nos primeiros cinco anos foram

criados 35 CTGs no Estado. Com o passar do tempo os CTGs se espalharam pelo país por causa

da imigração para outros Estados e também para o exterior. Até fins de 1980, existiam mais de

mil CTGs no Rio Grande do Sul e mais de uma centena entre os criados no resto do país e no

exterior (Jacks, 1998, p.35).

Retomando as relações existentes entre o MTG e um dos seus antecessores, o Grêmio

Gaúcho, podemos salientar que há uma mudança significativa entre o caráter elitista do Grêmio,

inspirado na �Sociedad Criolla� uruguaia, e a proposta do 35 CTG, de cunho mais popular. De

todas as maneiras, os criadores do MTG viajaram para Montevidéu para estabelecer contato com

os membros da entidade uruguaia com o propósito de buscar elementos para formular as �danças

tradicionais� (Santi, 2004, p.43). Apesar das mudanças ideológicas mostradas pelos

tradicionalistas, há marca da influência que parecia exercer a cultura �Platina� sobre a gaúcha.

Uma das coincidências possíveis de apontar era a postura dos criadores do MTG com relação aos

imigrantes, que se afinavam com as afirmações colocadas pelos criadores da �Sociedad Criolla� e

as do Cezimbra Jaques. Havia uma mostra de preocupação ao respeito do elemento imigrante,

Page 23: Música Nativista. Julho2006

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como ameaça ao culto das tradições. Com o passar do tempo, os Tradicionalistas abrandaram esta

postura aceitando as contribuições culturais e tentando trazer os imigrantes e seus descendentes

para a cultura gaúcha.

O crescimento e a importância do Tradicionalismo foi aumentando com a criação dos

GTGs e outras entidades pelo Estado, a ponto de fomentar em 1954 o I Congresso

Tradicionalista, que passou a se reunir anualmente e, na sua VIII edição, em 1961, é aprovada a

Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista onde já aparece o termo �nativista� (Santi,

2004, p.49). A popularidade do movimento era notória, reconhecida oficialmente quando o

Governo do Estado se solidariza com algumas das propostas do MTG, a exemplo disto, em 1961,

cria o Instituto de Tradição e Folclore. Em 1964, foi oficializada a Semana Farroupilha,

comemorada anualmente de 14 a 20 de setembro, com envolvimento da rede pública escolar e a

Brigada Militar. A proximidade do movimento com o Governo era notória, tanto que foi doado

um terreno para a construção da sede definitiva do 35 CTG em 1971. Em 1974, constitui-se como

fundação o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, ligado à Secretaria de Cultura, Desporto e

Turismo. Na década de 80, institui-se por lei o ensino do Folclore em todas as escolas estaduais,

através da disciplina de �Estudos Sociais�. Mostra da transcendência deste movimento cultural é

a realização do I Congresso Brasileiro de Tradição Gaúcha, que aconteceu em 1988, em Santa

Catarina e que preparou a criação da Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha (Oliven apud

Santi, 2004, p.54).

A evolução do culto às tradições está marcada por uma mudança de postura que foi

assinalada por um dos criadores do MTG, Luiz Carlos Barbosa Lessa. Na diferença das gerações

do �Partenon Literário� e do Grêmio Gaúcho, Lessa expressa que, enquanto essas sociedades

procuravam recriar a figura do gaúcho na literatura, a proposta do 35 CTG era de �revivê-lo, na

medida do possível, ainda que simbolicamente� (Santi, 2004, p.44). Para isto, a recuperação de

elementos como a linguagem, a vestimenta e os costumes do gaúcho da campanha eram

fundamentais. Tal evolução é notada também entre as gerações do �Partenon� e do Grêmio,

separadas por trinta anos de diferença.

As críticas fizeram parte do universo, do crescimento e da posterior evolução do MTG. A

reprodução nos CTGs da hierarquia vivida no campo é duramente criticada por alguns autores e

historiadores (Tau Golin, Sandra Pesavento). A existência de um Patrão como presidente do

CTG, de um Capataz como vice-presidente, de Sota-capatazes como secretários, Conselho de

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Vaqueanos como conselho consultivo, um Agregado de pilchas como tesoureiro e finalmente um

Peão e a prenda como sócios, evidenciam um caráter latifundiário revivido numa época com

outra estrutura social e num meio que não é propriamente o rural (Golin,1983, p. 102). Oliven

pontua a defasagem ideológica existente no movimento, entre as épocas da sua criação e a atual,

dizendo que Rio Grande do Sul já sofreu grandes mudanças sócio-econômicas, por isso diz ser

um movimento anacrônico (apud Jacks,1998, p.36). Ainda Jacks coloca a seguinte reflexão ao

respeito da ideologia do Tradicionalismo:

Com esta perspectiva analítica, o Tradicionalismo é tido por mais autores como uma ideologia destinada a submeter as camadas populares, rurais, e urbanas, aos seus princípios, que enfatizam a harmonia social, o bem coletivo, a cooperação com o Estado, o respeito à lei, etc. (Jacks, 1998, p. 37).

Em defesa destas críticas os ideólogos do movimento dizem que foram criados GTGs que

associam diferentes camadas sociais convivendo na mesma estrutura interna, mas a prática atual

demonstra uma realidade um pouco diferente, encontrando-se discriminação racial e de ordem

social também.

Na seqüência do processo evolutivo da cultura gaúcha, nasce no seio do Tradicionalismo

um movimento que, através da música e da poesia e de alguns elementos sociais e ideológicos,

mudaria o cenário cultural gaúcho: o Movimento Nativista. A descrição que faremos no próximo

capítulo estará baseada nos fatos históricos do surgimento do movimento, numa análise

comparativa sobre a ideologia deste e seus antecessores, e também os seus aspectos musicais e

poéticos, assim como a comunicação existente com as culturas folclóricas limítrofes.

Page 25: Música Nativista. Julho2006

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CAPÍTULO 2 Descreveremos neste capítulo o surgimento do movimento nativista no contexto da cultura

gaúcha e suas tradições. A participação do movimento nos festivais de música atingindo o auge

na década de 80 e suas disputas ideológicas com os tradicionalistas serão tratados

especificamente. Faremos um relato da intervenção da Mídia no processo de expansão do

movimento nativista para encerrar o capítulo.

2.1 Movimento Nativista

Definir o Movimento Nativista ou o Nativismo Gaúcho, num primeiro momento parece

algo problemático ou confuso, já que sua origem está no seio de outro movimento: o Movimento

Tradicionalista Gaúcho. Hoje, inegavelmente o Nativismo existe como movimento e como uma

das correntes ideológicas dentro da cultura gaúcha. Para identificar o Nativismo como

movimento temos que dar uma olhada nos processos históricos, sociais e culturais que marcaram

sua trajetória até os dias de hoje.

Revisando a seqüência de acontecimentos, a primeira menção do termo �nativista�

aparece na Carta de Princípios do MTG, de 1961, aprovada na edição do VII Congresso

Tradicionalista (Santi, 2004, p.49). A efervescência popular e a vontade de contestação ao regime

militar que governava o país no Rio Grande do Sul foi canalizada revivendo a cultura local,

através do Movimento Nativista (Lucas, 2000, p.48). Chegando na década de 70, a iniciativa de

uma rádio de Uruguaiana de organizar o I Festival da Canção Popular de Fronteira deu impulso

para trazer à região o que era visto pela TV nos festivais do Rio de Janeiro. Este festival de

caráter eclético permitia todos os gêneros, dentre os quais a música regional ou gaúcha faria

parte. Dois compositores da região competiram com uma milonga, que foi desclassificada e que

tinha esse marcado caráter regional. Foram eles, Julio Machado e Colmar Duarte que, depois

desta situação, idealizaram um festival onde �somente aceitassem canções gaúchas� e ainda nesse

ano e com a mesma milonga eles ganharam o I Festival Artístico-Cultural Tradicionalista,

organizado pelo CTG Poncho Verde (Santi, 2004, p54). No ano seguinte, Duarte seria eleito

presidente do CTG Sinuelo do Pago e levaria a cabo, com a ajuda da diretoria, o projeto de

organizar o festival que só concorressem músicas gaúchas. Assim nasceria a I Califórnia da

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Canção Nativa, nome aprovado por unanimidade pela diretoria do CTG para o festival. O termo

Califórnia �[...] vem do grego e significa �conjunto de coisas belas��, de acordo com o escrito na

contracapa do disco do festival 4. Segundo Santi, a expressão �canção nativa� contida no nome do

evento seria o que originou o termo �nativismo� e este autor define canção nativa como sendo

qualquer canção produzida no Rio Grande do Sul respondendo a um conjunto de gêneros

específicos de canção, dados como característicos do Estado por pesquisadores desta música.

Ainda no regulamento do festival pode-se resgatar a seguinte definição: �Música de RS�: �aquela

que evidencia o tema da terra gaúcha, fundada em seus ritmos folclóricos� (p.56).

A I Califórnia da Canção Nativa teve um sucesso de público muito grande, mas o

resultado do festival foi muito contestado pelos compositores participantes. Há relatos que

mostram a desconformidade dos �tradicionalistas� com a escolha da canção ganhadora, dizendo

que esta era um �samba canção� e que não era �música gaúcha�. Neste relato, encontra-se uma

referência de que os tradicionalistas estariam representados pelo �Grupo Nativista�, de Telmo de

Lima Freitas e outros companheiros, e eles seriam os que encabeçavam o protesto contra o

resultado do festival. Ressaltamos que o relato coloca já o termo �Nativista� como uma tendência

musical que, dentre outras coisas, ainda formava parte do tradicionalismo e estava alinhado com

o pensamento ideológico deste movimento (Ucha apud Santi, 2004, p.22). Como detalhe,

podemos adicionar que a criação da I Califórnia é reivindicada pelo Movimento Tradicionalista

Gaúcho através dos seus idealizadores, principalmente o folclorista Paixão Côrtes.

Em entrevista de 1981, ele declara que não somente esta primeira iniciativa (I Califórnia),

da qual admite ser um dos organizadores, abriu o terreno para a criação de outros festivais.

Também proporcionou o desenvolvimento da música gaúcha e a busca de �Novos Rumos�, da

qual Paixão Côrtes disse ser uma espécie de tendência, em que �a perfeição e a originalidade da

letra, aliada à renovada linha melódica, possa traduzir o Rio Grande do passado, do presente e

também novos horizontes de progresso� (p.34). A efervescência cultural a partir da I Califórnia

foi notória no Rio Grande do Sul, epicentro dos festivais de música que se espalhavam de forma

impressionante.

4 LP da I Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul. São Bernardo do Campo: Copacabana, 1982.

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2.2 Os festivais de música A partir de 1971, a cultura gaúcha, em particular a música como meio de expressão

artística principal, tomou dimensões impensadas pelos organizadores da I Califórnia da Canção

Nativa, em Uruguaiana. Surgiu desta maneira, uma quantidade de festivais em outras cidades que

dariam continuidade ao sucesso da Califórnia, que se repetia ano a ano em Uruguaiana, com

algumas modificações no regulamento e na sua essência. Os palcos onde os shows eram

montados, em áreas livres ao invés de teatros e a modalidade de acampamentos para participantes

e público em volta dos palcos, passavam a ser uns dos atrativos dos eventos, permitindo o contato

direto entre artistas e público. Atividades paralelas aconteciam nas áreas destinadas ao evento,

como feira de artesanato, torneio de pesca, mas eram as chamadas �tertúlias� as que marcaram o

dinamismo cultural e contato direto do artista com o povo. As tertúlias, reuniões de músicos para

tocar livremente em áreas contíguas aos palcos ou nos próprios acampamentos, atraíam grande

quantidade de público e, em algumas das edições da Califórnia, chegaram a ser proibidas, pois

chegavam a abafar as apresentações oficiais.

O auge destes festivais foi nas décadas de 70 e 80. Dados sobre os calendários de festivais

mostram, por exemplo, que no ano de 1990 havia uma previsão de 40 a 50 eventos anualmente,

sendo que já tinha havido um número maior anteriormente. A diminuição foi devida ao fato de

que alguns festivais não conseguiram se manter (Lucas, 2000, p.49). Os principais eventos que

poderíamos mencionar são: a Tertúlia Musical Nativista (Santa Maria), Festival da Barranca

(São Borja), Coxilha Nativista (Cruz Alta), Musicanto Sul-americano de Nativismo (Santa Rosa)

e a própria Califórnia da Canção Nativa (Uruguaiana). Devemos salientar que, em Santa

Catarina, na cidade de Lages, existe um importante festival realizado há muitos anos, que é a

Sapecada da Canção Nativa, colocado dentro da programação da tradicional Festa Nacional do

Pinhão. Em Lages também, como veremos no capítulo 3, há um festival chamado Corredor de

Canto e Poesia. Trata-se de um evento fechado para artistas compositores, realizado em três dias

no mês de Novembro, do qual participei como pesquisador e músico, cujo relato e detalhes estão

no próximo capítulo. Outro festival somente com artistas e compositores, isto é, sem público, é o

Festival da Barranca de São Borja.

Como observamos nos nomes dos festivais, existe uma tendência de colocar o termo

�nativa� ou �nativista� completando o rótulo do evento. Esta tendência parece enfatizar a

importância que o Movimento Nativista alcançou nestas duas décadas até os dias de hoje, como

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modernização da tradição, inclusive ameaçando a hegemonia que o �tradicionalismo� ostentava

até então. De todas as formas esta hegemonia �tradicionalista� estava presente de forma contínua,

na conformação dos jurados e na elaboração dos regulamentos dos festivais, a cargo das figuras

mais importantes do MTG.

A crítica aos regulamentos e ao comportamento dos jurados foi uma constante com o

passar das edições da Califórnia e de outros festivais. O crescente Movimento Nativista via

alguns aspectos destes regulamentos com características arcaicas para a proposta que os festivais

traziam através dos artistas. Imposições de vestimenta para as apresentações, língua oficial das

composições, discriminações às interpretações com sotaque espanhol, assim como as

delimitações de gêneros que não fossem de música gaúcha, isto é, ritmos �estrangeiros�

começaram a aparecer em regulamentos de vários festivais. E, evidentemente gerou um certo

desconforto em artistas e compositores que procuravam uma abertura cultural mais abrangente,

que de fato encontravam no novo Movimento Nativista. O Musicanto Sul-americano de

Nativismo que se realiza em Santa Rosa desde 1983, foi um dos primeiros festivais que buscou

uma universalidade maior abrigando manifestações nativistas de toda América Latina (Lucas,

2003, p.66). Neste interessante evento são convergentes as opiniões de tradicionalistas e

nativistas, pois o festival não fere as tradições e por outro lado tem uma abertura cultural,

enquanto as línguas, ritmos, temáticas e instrumentos a serem usados, já sejam eletrônicos ou

acústicos. Esta marca de modernização imposta pelo Musicanto foi passando para outros festivais

e influenciou evidentemente o resto dos eventos. A sofisticação quanto às composições, seja na

poesia, na música e nas instrumentações, foi tomando conta e dando outras características às

novas expressões musicais. A nova música gaúcha, a música nativista, quebrava o estigma que

anos atrás carregavam as composições das décadas de 50 e 60, afastando a idéia de �grossura�5

assinada ao gaúcho e às suas expressões culturais.

Neste cenário de festivais se caracteriza uma disputa entre duas tendências que

basicamente defendem uma cultura que as acolhe no seu seio. Tanto o Tradicionalismo quanto o

Nativismo representam a cultura gaúcha de forma absoluta, mas ambos têm diferenças em alguns

pontos e há ranços ideológicos que acontecem pela dinâmica da própria cultura e pela

modernização da tradição.

5 �Grossura�: termo assinado ao gaúcho, à sua cultura e aos costumes do homem de campo. Segundo Glaucus Saraiva é um neologismo criado pelo Tradicionalismo. Este vocábulo tem caráter pejorativo e se refere ao comportamento do habitante do campo e seus costumes rurais.

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2.3 As Divergências do Tradicionalismo com o Nativismo

O Movimento Tradicionalista, como já descrevemos, não cresceu somente pelas

manifestações artísticas, também foi através da reprodução dos valores culturais do gaúcho, como

vestimenta, culinária, o linguajar, com misturas de espanhol e os costumes do homem de campo.

Com a criação dos CTGs, o Tradicionalismo concentrou a reprodução dos valores culturais em

zonas urbanas, monopolizando a tradição e o manejo dos bens simbólicos. Este método de

preservação cultural foi bastante discutido por vários autores, que ressaltam as inúmeras

contradições em que os ideólogos do MTG incorreram. Tratados sobre a história da região como

o de Pesavento (1982), ou o trabalho A Ideologia do Gauchismo de Golin (1983), mostram essas

contradições de forma contundente, assim como Olivem no seu livro A parte e o todo (1992),

evidenciam estas controvérsias ideológicas por parte de tradicionalistas.

O Movimento Nativista já se apresenta como um fenômeno cultural que aparece por causa

dos festivais de música a partir da I Califórnia da Canção Nativa em 1971. Poderíamos dizer que

é um movimento musical, mas Dilan Camargo6 na revista Tarca (n.2, p.11) admite que o

movimento saiu do âmbito musical e se expandiu para a área dos costumes e do consumo,

afirmando que foi de fundamental importância a participação da classe média gaúcha, que se

mobilizou em massa, principalmente composta de jovens. Estas afirmações de Camargo parecem

ter um complemento ideal nas conjeturas de Oliven, que diz: �várias explicações podem ser

avançadas. [...] Sem descartar inteiramente nenhuma destas interpretações. É forçoso também

reconhecer que a adesão às coisas gaúchas corresponde à afirmação de uma identidade regional�.

Na seqüência, Oliven diz que �vale lembrar que em época de crise, como a nossa, a identidade

nacional é com freqüência afirmada pela diferença� (apud Jacks,1998, p.47, 48). Com o

Movimento Nativista há uma mostra evidentemente da adesão de uma população urbana, que

passa a se identificar com elementos da cultura gaúcha que tiveram origem na campanha. O

consumo de chimarrão, o uso de bombachas, a colocação de expressões regionais na linguagem,

mostravam um pouco a aceitação desta classe média e, em especial, da juventude com esta

cultura regional (Lucas, 2000, p.51-53).

Os tradicionalistas, nesta espécie de disputa, não reconhecem o nativismo como

movimento, afirmam que é uma continuação do Tradicionalismo. Um dos criadores do MTG,

6 Citado por Jacks (1998, p.48)

Page 30: Música Nativista. Julho2006

29

Barbosa Lessa, admite que houve uma escolha feita pelos jovens entre o hippie e o gaúcho, o que

impulsionou o nativismo e que este movimento é basicamente um acréscimo ao tradicionalismo

na sua música (Jacks, 1998, p. 46). Outro dos fundadores do MTG, Paixão Côrtes, disse que �o

nativismo é uma corrente musical-poética-jornalística e que aparece em decorrência dos hábitos e

costumes que o Tradicionalismo criou para desenvolver� (Jacks, 1998, p.55). Faz também

menção dessa população urbana, principalmente da capital, que gosta de vida noturna e toca em

bares, participa de festivais, se autodenomina nativos, mas não sabe das origens da terra onde

nasceu. Há posturas mais brandas entre tradicionalistas, como a de Milton Souza, que admite o

Nativismo como movimento, dizendo que na atualidade é o movimento artístico-musical de RS7.

Pereira Soares expressa que ainda é possível distinguir Tradicionalismo de Nativismo, dizendo

que ambas correntes pretendem a mesma coisa, por vias diferentes8. Colmar Duarte, uns dos

idealizadores da I Califórnia, acrescenta que �o Tradicionalismo é um movimento radical onde só

é gaúcho quem usa bota e bombachas. O nativista é essa pessoa que se integrou ao Movimento

cultural despreocupado com os aspectos radicais� (Jacks, 1998, p.56).

Os elementos de disputa entre tradicionalistas e nativistas parecem, em primeira

instância, ser de ordem artística e mais estritamente musical. Uma das questões é a utilização de

instrumentos elétricos e eletrônicos, vetados pelos tradicionalistas num primeiro momento, mas

com fortes oposições de alguns dos membros do movimento, que aceitam estas inovações

tecnológicas como decorrência da modernização.

Outro elemento, talvez o de maior importância para este trabalho, alvo de nossa pesquisa

é a utilização de ritmos estrangeiros ou �alienígenas� na música gaúcha. Este tema é centro de

grandes discussões e teorizações entre folcloristas, ideólogos de ambos movimentos, críticos

musicais e jornalistas. Numa primeira análise, poderíamos dizer que a música gaúcha e suas

expressões foram construídas na base de ritmos europeus, como afirma Jayme Caetano Braun

(Tarca, n.8, p.4), referindo-se a mazurca, a rancheira e a vaneira e colocando uma caracterização

do que parece ser o único ritmo autenticamente gaúcho, o bugio, do qual ele disse ser uma

mistura de vaneira ou de rancheira (Jacks,1998, p.57). Fagundes declara que a milonga não é

ritmo de RS e que os ritmos tradicionais do folclore são a valsa, a mazurca, as polcas, o xote, a

rancheira, a habaneira, a marcha e a marchinha. Na opinião de Luiz Carlos Borges, criador do

7 Nilda Jacks cita estes depoimentos publicados na revista Tarca n.14, p8 8 Idem 7, Tarca n.14, p.4-5.

Page 31: Música Nativista. Julho2006

30

Musicanto de Santa Rosa, �não existe ritmo gaúcho, todos os ritmos que aqui se toca são

alienígenas, que chegaram e se aculturaram através do tempo e são ditos ritmos gauchescos�

(Jacks, 1998, p.57). Borges também menciona o bugio como ritmo original de RS, mas disse que

ninguém tem prova disso. Os nativistas, na sua maioria, parecem estar alinhados com as

declarações do Luiz Carlos Borges, que ainda afirma que os conservadores não admitem o uso de

baixo elétrico e bateria porque isto descaracteriza a natureza dos festivais. Estes pontos de

discordância ao respeito de gêneros e instrumentos, entre tradicionalismo e nativismo serão

analisados no capítulo 4. Tentaremos elaborar um elo entre os diferentes gêneros musicais

gaúchos e seus correspondentes chamados de �alienígenas� ou estrangeiros, e observaremos até

que ponto existe diálogo entre estes ritmos.

As discordâncias entre estas tendências parecem ser explicadas pela ameaça da hegemonia

que os tradicionalistas viram com o surgimento do nativismo, sua massa de jovens e sua nova

proposta estética para a manutenção e conseqüente modernização das tradições gaúchas.

Fechando esta análise sobre as diferenças entre tradicionalistas e nativistas, mencionamos as

observações de Oliven ao respeito dos dois grupos. Sobre os tradicionalistas, o autor refere-se a

uma certa dificuldade que estes expressam na hora de delimitar e definir certos conceitos como

cultura gaúcha, folclore, tradição, nativismo e fronteira, dentre outros. Afirma também que

estaríamos diante de um grupo de intelectuais que se vale de um certo conhecimento como forma

de poder, exercendo um monopólio sobre o direito de afirmar o que são ou não, os conceitos

acima mencionados, exercendo influência sobre um mercado de bens simbólicos (Oliven, 1992,

p.109). E sobre o Movimento Nativista, Oliven admite que ele existe de fato e que seus

componentes não são dogmáticos, isto é, não estão ligados a critérios pré-estabelecidos.

Referindo-se à música, os nativistas expressam um desejo de experimentar e criar sem proibições

e preconceitos. E quanto às vestimentas, eles querem vestir o que gostam e não de acordo com os

figurinos que os tradicionalistas impõem (Oliven, 1992 p.119).

2.4 Intervenção da Mídia. Divulgação e crescimento do Movimento Nativista através da

indústria cultural

Independente das discrepâncias entre tradicionalistas e nativistas, devemos colocar em

pauta a intervenção da mídia, que ajudou inegavelmente, para a divulgação da cultura gaúcha e

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31

suas expressões artísticas nas décadas de 70 e 80, e também atualmente. Por mais que haja ranços

entre as tendências, o fato da divulgação feita pela mídia é em favor da cultura gaúcha, já que

para os leigos e desentendidos pode parecer que não há divergências, senão que existe uma

imagem de cultura homogênea. Afinal, tradicionalistas e nativistas se beneficiam da mesma

forma.

Com o aparecimento do Tradicionalismo nos anos 50, a cultura gaúcha ganhava uma

forma, um tipo de organização, enquanto o fenômeno da mídia também estava em crescimento, e

até aí a relação entre ambos era quase imperceptível, somente através de alguns livros e

publicações feita pelos ideólogos do movimento9, e num pequeno espaço dedicado à cultura

regional no rádio. Chegando nos anos 70, nos deparamos com a iniciativa de uma rádio em

Uruguaiana de promover o I Festival da Canção Popular da Fronteira. A pesar deste evento ter

um contexto musical eclético, podemos dizer que é já um antecedente da intervenção da mídia

radialística. Na I Califórnia da Canção Nativa a participação da rádio São Miguel de Uruguaiana

e da Companhia Jornalística Caldas Junior teria sido decisiva, tanto na idealização como na

divulgação (Santi, 2004, p.55). O grande sucesso dos festivais fez que o interesse das emissoras

de rádio aumentasse neste mercado, a ponto de colocar nas suas programações vários espaços

dedicados à música gaúcha e à cultura regional, inclusive nos chamados horários nobres. Sem

dúvida que foi de grande valia a ajuda que o rádio deu para a divulgação da cultura gaúcha e sua

música, e seu fato mais importante foi a cobertura dos festivais, cobrindo desde a 1a edição da

Califórnia (Jacks, 1998, p.65).

Apareceram no RS várias revistas trazendo o tema da cultura regional e evidentemente a

música. De todas, somente duas conseguiram se manter ativas, a Tarca e a Sul. Embora elas

tinham uma linha diferente, a Sul esboçava um tom crítico nas matérias e reportagens, mas o

objetivo de ambas era a cultura gaúcha indiscutivelmente. A Tarca dava cobertura jornalística a

todos os festivais do Estado além de publicar matérias sobre história e cultura rio-grandense.

Em matéria de jornais não há grande diversidade. Somente duas publicações tratavam na

época dos festivais, sobre o tema. O Jornal Tchê que foi especificamente criado para cobrir o

desenvolvimento do Movimento Nativista, e os festivais no Estado, e o jornal Zero Hora, que

continha uma coluna dedicada à cultura regional e dedicava-se, dentre outras coisas, à crítica

9 As publicações começaram a aparecer na década de 60 em diante. Os autores são os ideólogos do Movimento Tradicionalista, dentre eles, Paixão Cortes, Barbosa Lessa e Glaucus Saraiva.

Page 33: Música Nativista. Julho2006

32

musical dos festivais e da produção de música nativista, numa sessão específica relacionada à

música em geral. Ambas publicações tinham características bem diferentes. Por um lado o Tchê,

um jornal pequeno, por outro, o Zero Hora, que pertence è Rede Brasil Sul, filiada a Rede Globo.

O jornal Tchê era dedicado ao nativismo, com enfoque crítico e linguagem satírica, abordando

temas culturais de importância regional, numa linha completamente independente de grupos

econômicos, políticos e de uma cultura globalizada.

Depois de um tempo de circulação bastante significativa na praça, o Tchê encerrou suas

atividades transformando-se numa editora. O jornal Zero Hora entre 1980 e 1985 era o único que

circulava no RS. Algumas das matérias e colunas publicadas sobre cultura regional eram uma

cópia da que saía no jornal A Hora, de 1954, e de outra publicação chamada de Diário de

Notícias. Segundo pesquisas, há evidências que mostram a tendência ao tradicionalismo, a mostra

de suas teses, e a colocação de opiniões pessoais por parte do colunista Antônio Augusto

Fagundes. A coluna de crítica musical, a cargo de Juarez Fonseca, era publicada uma vez por

semana e esporadicamente era dedicada à música gaúcha (Jacks, 1998, p.65, 66, 67). Outros

estudos, como o da pesquisadora Ângela Felippi, indicam a contribuição do jornal Zero Hora na

formação da identidade cultural gaúcha (2003). A análise feita por Felippe sobre reportagens

relacionadas a acontecimentos históricos, salienta a contribuição que este tipo de jornalismo faz

na recriação das tradições, como mostra de resistência à homogeneização da cultura através da

globalização.

Em termos de editoras que dedicaram suas publicações à cultura gaúcha distinguimos

duas: Editora Tchê e a Editora Matins Livreiro. Como já vimos, a primeira surgiu com a

dissolução do jornal do mesmo nome, e tem uma linha de publicações que hoje se divide entre

temas regionais e outros. A segunda começou suas atividades como �sebo�, oferecendo uma

grande variedade de livros usados com a temática gaúcha, tornando-se editora em 1980, em pleno

auge do nativismo. A Martins Livreiro têm hoje uma extensa coleção de publicações na área

cultural gaúcha, muitas dedicadas à poesia crioula (Jacks, 1998, p.69).

A mídia televisiva é um dos meios com maior poder de audiência que também contribuiu

para divulgação da cultura gaúcha no auge dos festivais e posteriormente. A programação da TV

foi colocando aos poucos alguns programas sobre tradição, mas a inserção da temática nunca foi

definitiva e hoje podemos afirmar que não foram conquistados espaços suficientes nesta mídia

para a cultura gaúcha. A cobertura dos festivais deu-se timidamente até 1986, onde três canais de

Page 34: Música Nativista. Julho2006

33

TV estiveram presentes. Nesse ano também marcaram presença 83 emissoras de rádio, 30 jornais

e 9 revistas (Duarte apud Santi, 2004, p.70). A emissora de TV que mais espaços abriu para a

cultura gaúcha foi a RBS TV, empresa filiada à Rede Globo, e parte de um grupo de empresas de

comunicação que monopolizam este mercado no sul do país. As empresas ligadas à Rede Brasil

Sul de comunicação formam um conglomerado de televisoras no estado todo, junto com várias

emissoras de rádio em AM e FM, dois jornais, uma gravadora de discos e uma de vídeos, e duas

editoras. Os espaços para a programação regional são controlados pela central da Rede Globo que

permitiu aos poucos uma pequena inserção para temáticas de cultura regional, o resto dos espaços

são pequenas intervenções em noticiários locais que cobrem a dinâmica da sociedade e da cultura

em cada cidade. Atualmente, há um programa só, que dedica o seu conteúdo inteiro à cultura e

principalmente a música gaúcha: Galpão Crioulo. Em princípio o programa era veiculado aos

domingo às 10 da manhã, depois foi passando para horários mais cedo e atualmente é mostrada

sua gravação às seis da manhã, aos domingos. Em termos de conteúdo, o programa mostra todo

tipo de música gaúcha, independente de tendências, gêneros, épocas e estilos. O programa

começou a ser produzido em 1983, em pleno auge do Movimento Nativista. Foi escolhido para

ser seu condutor o conhecido tradicionalista Fagundes, o mesmo que estava a cargo da coluna

sobre cultura gaúcha no jornal Zero Hora, também do grupo RBS. Na rede educativa de TV do

Estado, TVE foi lançado também em 1983 Galpão Nativo, um programa que mostrava as

músicas dos festivais, e também outro programa chamado de Invernada Gaúcha, com temática

sobre os CTGs e com participação de artistas amadores. Na mesma emissora ainda existiram dois

programas que duraram pouco tempo: Sem Fronteiras e Debate gaúcho, este último discutia

assuntos sobre cultura regional (Jacks,1998, p.74).

Também no meio televisivo foram produzidos programas especiais citados num

interessante trabalho da pesquisadora Daniela Hinerasky. São eles Sul em canto, Fronteiras,

Nossa Cultura, Talentos do Sul e uma série chamada de Estâncias Gaúchas. Outros programas e

séries foram produzidos a partir de 2000 com temas como a Revolução Farroupilha, ou a

formação geológica do estado, dentro da temática histórico-cultural (Hinerasky, 2002, p.14).

Apesar de que esta produção de programas citada por Hinerasky pareça tão importante, não há

um volume significativo de informações que contenham cultura gaúcha no conteúdo das

programações de TV, talvez explicado pelo depoimento de um ex-funcionário da emissora (RBS)

e pela própria diretora do Galpão Crioulo. Ambos concordam em que a emissora não dá os

Page 35: Música Nativista. Julho2006

34

espaços suficientes para a cultura regional e só visa ao lucro, seguindo as tendências que o

mercado televisivo pede. Resgato a seguir um parágrafo no qual Hinerasky resume um pouco a

situação que vem acontecendo na TV com a cultura gaúcha no decorrer destes anos, assim ela

afirma:

Pode-se dizer que, de uma forma geral, a representação do gaúcho da Campanha se mantém em espaço diferenciado, mas sem tanto destaque. Os programas citados enfocam aspectos históricos e culturais do Estado, mas sem se utilizar exclusivamente da imagem idealizada do gaúcho, de �bota e bombacha� (Hinerasky, 2002, p.13).

Segundo Jacks, a indústria discográfica foi o meio mais importante para mostrar o

Movimento Nativista na indústria cultural gaúcha (1998, p.74). Podemos considerar esta fatia de

mercado dentro dos esquemas da mídia, pois sua principal divulgação é feita através das rádios e

das emissoras de TV, acrescentando também que uma das gravadoras que comercializa música

nativista entre outras, pertence ao grupo que monopoliza a informação no sul do país. A expansão

do mercado de discos nas décadas de 70, 80 e 90 foi notória, e em pleno auge dos festivais

apareceram no mercado uma série de gravadoras que se dedicaram a trabalhar somente com

artistas regionais, algumas com sede na capital e outras no interior. Os dados sobre produção não

são precisos, mas os volumes de vendas são significativos, para artistas e para eventos de

repercussão regional como os festivais, cujos registros gravados foram comercializados com

enorme sucesso.

Uma das formas de comunicação e de mídia mais moderna é, sem dúvida, a rede

internacional de computadores: internet. Faremos a seguir uma análise breve de como se

relaciona e se insere a cultura gaúcha no universo da mídia eletrônica. Em primeira instância,

seria importante salientar que existe na rede um número significativo de sites sobre cultura

gaúcha. O conteúdo destes varia, e vai desde o estritamente musical, o literário, e os que

misturam tudo, isto é, música, poesia, tradição e culinária entre outros. O MTG tem seu espaço

reservado na rede com sites do movimento em RS e em Santa Catarina. Parece controvertido que

um movimento que diz conservar as tradições estar tão atualizado, participando das informações

de um meio de comunicação tão moderno, mas o certo é que navegando nas páginas destes

domínios poderemos constatar nos conteúdos a ideologia e um pouco da história da cultura

gaúcha. Claro que o intuito do MTG de estar na rede é de divulgar e mostrar tudo este universo

cultural e, que sem dúvidas, o objetivo é alcançado com os usuários de internet, de fato um

Page 36: Música Nativista. Julho2006

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público mais seletivo. Talvez os dois sites mais completos são a �página do gaúcho� e o �portal

do gaúcho�, cujos conteúdos abrangem uma série de temáticas relacionadas com o �gauchismo�.

Liliane Brignol faz uma análise dos conteúdos e da dinâmica de produção e relacionamento da

�página do gaúcho� em dois trabalhos da sua autoria na área de comunicação (2004). Nestas

análises são colocadas em evidência a estrutura do site e a interatividade dos participantes,

agrupados e diferenciados como num CTG tradicional, com patrão, capataz, conselhos, etc. Cabe

mencionar que um dos trabalhos direciona-se no sentido de esclarecer o espaço na rede como

estratégia de reforço da identidade cultural, mostrando alguns elementos que contribuem para que

isto aconteça, como a linguagem com termos adotados do espanhol, poemas e letras de músicas

gaúchas, discussões sobre o significado de ser gaúcho, sobre idéias de separatismo ou sobre as

disputas entre o tradicional e o novo. Através destes trabalhos, ou simplesmente acessando os

sites mencionados, ou os conhecidos �buscadores� na internet, poderemos ter uma real dimensão

da presença e da divulgação da cultura gaúcha nesta moderna forma de mídia, podendo o volume

de informações nos surpreender pela quantidade e qualidade dos trabalhos.

Depois de todas estas informações sobre vários aspectos do Movimento Nativista,

partiremos para o relato de uma pesquisa de campo para corroborar estes dados, compará-los com

a realidade e detectar coincidências e contradições. No próximo capítulo, colocaremos duas

experiências acontecidas em campo, em momentos diferentes, uma antes de começar este

trabalho e outra com o mesmo em andamento.

Page 37: Música Nativista. Julho2006

36

CAPÍTULO 3

Corredor de canto e poesia: a pesquisa de campo.

Há um tempo atrás e por motivo de uma apresentação da Orquestra Sinfônica do Estado

de Santa Catarina, da qual faço parte, conversava com um cantor nativista que participa destes

eventos. Comentei para ele o tema do meu trabalho de conclusão de curso, sobre a música

nativista, e ele se mostrou muito interessado. Falando com muitos detalhes, como gêneros

derivados da música européia, estilos de alguns intérpretes e influências do folclore rio-platense,

ele me comentava sobre a força da música nativista na região de Lages, onde mora e também

trabalha como cantor e professor de violão. Comentei que gostaria de contar com a sua ajuda para

realizar entrevistas e uma pesquisa de campo em algum momento, e foi aí que ele me comentou

do evento chamado Corredor de Canto e Poesia. Disse-me também que iria me convidar para

participar da próxima edição. Este encontro muito peculiar é feito numa fazenda em Lages onde

se reúnem compositores, cantores, poetas e artistas para um fim de semana de criação de músicas,

poemas e arte gaúcha, como o artesanato.

Passado algum tempo nos encontramos, de novo, num outro show da orquestra, e ele

reforçou o convite, me avisando que o iria mandar para mim, impresso. Assim foi, recebi por

intermédio de um colega da orquestra este convite para participar de 4o Pouso na Fazenda da

Ferradura em Lages na localidade de Cajurú. Programado para 18, 19, e 20 de Novembro de

2005, o evento tinha uma interessante programação, com todas as atividades perfeitamente

organizadas: refeições, apresentações, premiação e encerramento.

Um pouco antes do evento, nos encontramos de novo e o Giancarlo10 quase que me

intimou a ir; realmente não poderia perder um momento tão rico para realizar minha pesquisa de

campo.

Depois destes contatos e conversas preliminares veio a preparação da viagem: pensei não

somente em registrar as músicas e as entrevistas com o pessoal, mas também a minha

10 Giancarlo Orsoleta é músico nativista, é a pessoa que me refiro no inicio da pesquisa de campo, que me fez o convite para participar do Corredor de Canto e Poesia.

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participação direta como músico e compositor. Para isto pensei em levar dois instrumentos que

toco: sax soprano e flauta transversa. O resto da �tralha� estaria composto de roupa para andar no

campo, gravador digital (emprestado!), uma caderneta, canetas, algumas folhas pautadas e, para

finalizar, um kit de pesca reduzido, pois tinha me inteirado que havia alguns açudes na

propriedade e que talvez sobraria algum tempo para pescar. Perto da data do evento, comprei

antecipadamente as passagens para não ter surpresas e, quando chegou o dia, sexta feira 18, de

manhã, embarquei para Lages.

Sobre o Corredor de Canto e Poesia

Este magnífico encontro musical tenta trazer um pouco da tradição e recuperar um pouco

da história da região. Assim, o nome de �corredor� é por causa do corredor das tropas que ainda

existe, sulcado nesses campos de altitude. As taipas, cercas feitas em pedra, construídas por mãos

especializadas, formam este corredor por onde, há muitos anos, passavam os tropeiros levando

gado e produtos para a venda e escambo do sul do país para o sudeste. Estes caminhos uniam

regiões distantes, mas sempre com o distintivo de uma cultura que, com o passar do tempo,

perdura. O homem a cavalo, o fogo de chão, o mate e a lida com gado são características desta

cultura que se sobrepõe às fronteiras, unindo regiões de países diferentes. A região de Lages e,

especificamente, as localidades de Cajurú e Coxilha Rica eram pontos estratégicos por causa das

pastagens e dos excelentes lugares que havia para os tropeiros fazer o �pouso� e descansar. A

música, como forma de lazer nos �pousos� e como expressão cultural, não podia estar ausente

num contexto tão interessante como é o dos tropeiros e, mais tarde, naquilo que se conformaria

como a cultura gaúcha.

Foi assim, que criaram o Corredor de Canto e Poesia, pensando em juntar pessoas com a

mesma afeição à cultura gaúcha, e a arte de compor versos e músicas, reunidas num �pouso�

como o faziam os tropeiros há muito tempo atrás, quando transitavam pelo corredor. Idealizado

pelo dono da Fazenda da Ferradura, o �Tio Benja� e um grupo de artistas nativistas da região,

dentre os quais está meu anfitrião Giancarlo, o Corredor de Canto e Poesia já está na sua quarta

edição (4o Pouso), contando com a produção de mais de cem composições e poemas criados no

âmbito da fazenda, durante os três dias de duração de cada um dos eventos. Os relatos que

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38

seguem são produto da minha participação no quarto pouso do Corredor e do convívio com esses

artistas nativistas.

Chegada em Lages.

A viagem de ônibus foi muito tranqüila, poucos carros na estrada, o tempo ajudou

também, pois era uma bela manhã de sexta-feira. Chegando no terminal rodoviário, meu amigo

Giancarlo me esperava para irmos juntos para a fazenda. Antes disto, passamos no supermercado

para pegar alguns suprimentos. Fui presenteado com um pacote de erva mate que não se encontra

em Florianópolis, muito boa. Saindo do supermercado fomos para a casa do meu anfitrião para

almoçar. Antes do almoço, já começamos as conversas preliminares sobre o próprio �corredor� e

sobre a música nativista. Claro que começamos também a tocar algumas músicas e aproveitei

para mostrar meus instrumentos para o Giancarlo e vendo de que forma poderíamos colocá-los no

contexto musical do �Corredor�. Por fim, fomos almoçar e, depois de uma suculenta carne

preparada pela mãe do meu amigo, assistimos alguns DVD´s de músicos nativistas tomando um

cafezinho. Depois ajeitamos as tralhas no carro e saímos para o encontro de outros companheiros,

para finalmente irmos para a Fazenda da Ferradura, antiga propriedade na região de Cajurú,

Lages, por onde passa o antigo corredor das tropas usado desde o século XIX até começo do

século XX, local aonde foi realizado o festival.

Chegada na Fazenda da Ferradura

Giancarlo, como bom anfitrião, me apresentou vários músicos de Lages, de modo que

antes de pegar o caminho da fazenda paramos umas duas vezes para conversar com outros

amigos que não iriam ao �Corredor� por causa de outros compromissos. Finalmente, nos

reunimos com Sérgio e Fernando e pegamos a estrada de terra que nos levaria até o lugar. O

caminho realmente era muito bonito: com as características da serra, caminho sulcado por vários

rios e cheio de mata nativa nas encostas. Depois de uns trinta quilômetros, a paisagem foi abrindo

e dando lugar aos campos e pastagens. Em uma hora nos encontramos na porteira da Fazenda da

Ferradura. Paramos para tirar umas fotos ao lado das faixas de boas vindas e entramos.

Page 40: Música Nativista. Julho2006

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Foto1: na porteira da Fazenda da Ferradura.

Atravessamos mais uma porteira, passamos ao lado de um lindo açude e chegamos

finalmente na sede da fazenda. Um lugar muito bonito e ajeitado, com grama na frente da casa e

um galpão todo enfeitado e preparado para o evento. Nos recebeu o Tio Benja, dono da fazenda e

�padrinho� do Giancarlo, um homem alegre, muito receptivo e simpático. Fui apresentado e, pelo

que ele me disse, já sabia da minha participação no �Corredor� e sobre o trabalho que estou

desenvolvendo sobre música nativista. Entrando na fazenda, nos deram o quarto que iríamos

ficar, no próprio galpão, bem ao lado do palco. Este galpão é bem peculiar, arrumado de forma tal

que parece uma casa de shows. Uma entrada aberta, logo às mesas, o palco e à esquerda deste, o

bar com um balcão, as geladeiras e um fogão para esquentar a água para o mate.

Foto 2 e 3: entrada e interior do galpão do evento.

Depois de deixar nossas tralhas fomos fazer a inscrição para o evento, numa área ao lado

do galpão. Preenchemos as fichas, pagamos a taxa de R$ 25,00 e nos deram as pastas com bloco

de anotações, caneta e mais um adesivo do Corredor. Tudo muito organizado e com extrema

cordialidade por parte das pessoas. Depois disto devo considerar que já estávamos começando o

4o Pouso do Corredor de Canto e Poesia.

Page 41: Música Nativista. Julho2006

40

No Corredor de Canto e Poesia

A tarde estava maravilhosa, o visual era fantástico, assim começava o �quarto pouso�. O

meu anfitrião me apresentava para novos amigos a cada momento, e para todos comentava do

meu trabalho. A receptividade era muito grande por parte de cada uma das pessoas. Fui

conhecendo pouco a pouco cada um dos participantes e a cada momento chagavam mais carros

com mais pessoas para o evento. Um detalhe importante a ressaltar é que todos estavam com as

roupas típicas do homem de campo, isto é, com bombachas, botas ou alpargatas, �rastra�, a faixa

na cintura, camisa bem simples, e lenço no pescoço. Na cabeça alguns usavam chapéu, mas a

maioria estava com a típica boina preta que o peão de campo usa para a lida.

Percebi logo que circulava entre os grupos de pessoas um símbolo que une os que amam

esta forma de vida de campo e tradições gaúchas: o mate. Também chamado de chimarrão no

resto do Brasil, nesta região de Lages e entre os gaúchos rio-grandenses, é mais costumeiro

chamá-lo de mate, como também se nomeia na Argentina e no Uruguai. Esta infusão de erva (ilex

praguaiensis) feita numa cuia de cabaça, misturando a erva com água quente, sem ferver, tomada

através de uma bomba de metal como se fosse um canudo, é um símbolo da cultura gaúcha.Vai

passando de mão em mão, de boca em boca, no meio de conversas e histórias como se fosse o elo

entre as pessoas e o motivo de união de grupos, confirmação de amizades sólidas ou de novas

parcerias. Tomamos mate até ficar �verde� (a cor da erva) e conversamos basicamente sobre

música com as pessoas nas rodas que se formavam.

Figura 1: Mate rio-platense

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41

Um detalhe interessante que reparei enquanto se servia o mate eram as cuias e as bombas.

Todas, ou quase todas, pareciam ser do tipo que se usa na região do �Rio de la Plata�, ou seja, de

estilo �gaucho� e não gaúcho11 e as bombas também. Depois conversando, descobri que em

vários lugares de Lages e no Rio Grande do Sul também vendem estes produtos vindos da

Argentina ou do Uruguai.

A conversa sobre nativismo, gêneros musicais e estilos de cada intérprete foi surgindo

naturalmente, enquanto ouvíamos o primeiro CD que meu anfitrião, Giancarlo, havia gravado há

um mês no estúdio de um amigo em Lages. O trabalho estava muito bem feito, recheado de

gêneros nativistas diferentes. Ouvimos polka, vaneira, milonga, chamamé e bugio que, segundo

os estudiosos, é legitimamente brasileiro12. Tem outros gêneros que não estavam gravados no

disco, mas também saíram na conversa como o xote, a chimarrita e a rancheira. Também falamos

sobre o Tradicionalismo e o Nativismo como movimentos culturais ligados ao gaúcho e suas

particularidades. Neste tema, percebi que há discordâncias entre as pessoas que participam dos

movimentos e senti que a radicalização que o Tradicionalismo prega não é muito bem vista pelos

nativistas, muito mais abertos para o entendimento das tradições e a absorção de influências e

hibridizações culturais.

A tarde foi passando e a noite foi caindo lentamente sobre a Fazenda da Ferradura.

Estavam quase todos os participantes, pelo que se ouvia falar, faltavam somente os integrantes de

um grupo, que viriam a cavalo. Alguns demonstravam preocupação pelo grupo, pois já estava

ficando tarde e o pessoal não chegava, havendo a possibilidade de algum acidente.

Já de noite, ainda estavam me apresentando convidados, seguindo a conversa e

conhecendo novos amigos. Numa hora, nos chamaram para jantar. O prato era único: �borrego

ensopado� ou, como eles dizem, �puchero de borrego�. Este prato era o �carré� de ovelha feito

na panela com legumes e arroz. Simplesmente delicioso. No meio da janta apareceu o grupo de

homens a cavalo, entrando no galpão com aparência de cansados, sujos, como se viessem da

guerra. Entraram no meio de gozações e o agito da turma toda. A verdade é que houve várias

quedas no caminho, assim foram se retardando e realmente chegaram passadas as dez e meia da

noite.

11 È chamado de �gaucho� ao habitante ou trabalhador rural na região do Prata. Embora existam hábitos e costumes muito parecidos com as do gaúcho de RS há diferenças regionais muito sutis no que se refere à vestimenta, culinária e forma de vida. Estas diferenças serão tratadas em um parágrafo especifico sobre o tema no transcurso do trabalho. 12 Sobre gêneros musicais gaúchos tradicionais e Nativistas, trataremos no próximo capítulo tanto as origens como as características essenciais de cada um. Sobre o bugio há um parágrafo especifico neste capítulo.

Page 43: Música Nativista. Julho2006

42

Depois de todos terem jantado, veio um momento importante neste evento: a escolha do

júri e do tema de composição que nortearia o quarto pouso. Para isto a comissão organizadora se

reuniu a portas fechadas e nomeou três pessoas para o júri que avaliaria as composições e poemas

apresentados pelos participantes. Houve uma cerimônia de abertura do Corredor recepcionando

aos participantes e convidados e explicando um pouco como funciona o evento, as dinâmicas

para trabalhar as composições e poesias, culminando com as apresentações no sábado à noite e o

encerramento e premiação simbólica no domingo. Em seguida, foi feita a menção do júri, logo

depois a comissão organizadora pediu aos três para definir o tema central de composição em

reunião fechada. Após um tempo de deliberações, compareceram os três ao palco colocando o

tema de composição: �a liberdade e a ação do tempo na vida�.

Depois da agitação inicial por conhecer o tema, todos foram acalmando os ânimos e,

regado a muito �trago�, foi proposto começar a �tertúlia�. Este termo designa simplesmente a

junção dos músicos que estejam dispostos a tocar nessa hora, subindo no palco, escolhendo uma

música, tocando e improvisando. Eu tive a honra de começar a �tertúlia� em parceria com meu

anfitrião, Giancarlo. Tocamos �Mercedita�, ele no violão e eu no sax soprano. Foi muito bom

para mim, pois funcionou como um cartão de visita. Todos se encantaram com o som do sax,

instrumento raro no meio nativista, percebi que foi bem aceito pelo pessoal. Depois de aplausos,

seguimos com mais umas músicas, as quais improvisei bastante. Deixei meu lugar para outro

músico e fui para a platéia, foram saindo uns e entrando outros no palco e assim seguiu a

�tertúlia�. Quase às quatro da manha não agüentei mais de sono e cansaço. Peguei meus

instrumentos e fui dormir no quarto ao lado do palco. Apesar do som alto, acabei desmaiando,

dormindo profundamente, esperando o dia de amanhã, o momento da composição e as parcerias.

Sábado de composições e parcerias

Consegui dormir pouco, mas levantei cedo para aproveitar o dia, que se apresentava

fresco e ensolarado. Quando saí do quarto, somente alguns dos participantes estavam no galpão

tomando mate. Então, aproveitei para dar uma caminhada no campo e conhecer o açude. Peguei

minhas tralhas de pesca e saí campo afora. Voltei depois de umas duas horas de lazer na beira da

água e percebi que já tinha mais gente acordada. Comecei a conversar com algumas pessoas que

me disseram que a tertúlia tinha acabado às seis e meia da manhã.

Page 44: Música Nativista. Julho2006

43

Logo me serviram mate numa roda de gente e me deram a oportunidade para conversar

sobre o trabalho e a pesquisa do meu tema. Como disse antes, o Tradicionalismo é um

movimento que já parece aos nativistas, pelo que notei em alguns dos participantes, um pouco

arcaico e radical na sua concepção. Já o Nativismo mais moderno aceita com mais naturalidade a

hibridização com outras culturas e com elementos novos para a evolução desta música. Tentando

mostrar o menos possível que não sou brasileiro, comecei a perguntar a algumas pessoas sobre o

contato com a música de países vizinhos, para ver até que ponto o músico ou o compositor

nativista escuta esta música, absorve informações e compõe, pensando em gêneros nativos e

estrangeiros. Pareceu-me, pelo que muitos manifestaram, que o contato com as culturas de países

vizinhos, como Argentina e Uruguai, principalmente com o folclore, a música e costumes do

�gaucho�, é muito maior do que pensava. Talvez o primeiro indício foi o mate, como disse antes,

nas cuias, bombas e o fato de se formar uma roda de pessoas para tomá-lo. Mas há mais amostras

deste contato e detalhes mais finos. Da vestimenta, talvez seja a boina preta, muito usada no

campo na Argentina e no Uruguai. Alguns motivos, típicos da região platina, nos lenços de

pescoço também demonstram uma grande aproximação. Outro detalhe que não escapa também

são as facas: quase todos os participantes levaram suas facas de estimação e, como eu também

gosto destes itens, comecei a indagar. Grande parte delas vêm da Argentina e do Uruguai, onde o

artesanato e o trabalho artístico em cutelaria é muito reconhecido. Há facas muito tradicionais e o

aço da suas folhas é muito procurado. Juntam-se a esta qualidade os trabalhos artesanais e

artísticos feitos nos cabos e bainhas.

Figura 2: faca artesanal

Entre muitas conversas surgiu o tema dos festivais, tão importantes dentro do contexto do

Nativismo. Foi bem interessante ouvir sobre as expectativas destes festivais, enquanto as novas

composições concorrem a prêmios, tem shows de artistas consagrados que acontecem fora das

mostras competitivas e que são as grandes atrações dos eventos. Todos os participantes do

Corredor falavam de um festival que iria acontecer na cidade de Santana do Livramento, R.S,

que se chama: Um Canto para Martin Fierro. Pelo que parecia, é realmente um evento muito

Page 45: Música Nativista. Julho2006

44

importante. Vários frisaram a participação de artistas argentinos famosos e me disseram que

iriam ao festival só para assistir ao show desses cantores folclóricos argentinos. Este foi mais um

depoimento que me mostrou de que maneira eles vêem esta fusão de culturas regionais.

Indagando mais, percebi que conheciam não somente repertório destes artistas, mas

também, uma grande quantidade de intérpretes e compositores de música folclórica rio-platense.

Uma das pessoas que conversava comigo sobre os festivais me disse que mandou duas letras de

música para Um Canto para Martin Fierro e que tinha a esperança de classificá-las. Este letrista

compõe em parceria com músicos que elaboram a parte melódica e harmônica da música e, pelo

que me disse, já participou de vários festivais nativistas. Percebi que a letra é um item muito

importante nos festivais por causa do tema da composição, sempre relativo à cultura gaúcha e aos

seus detalhes. Depois, confirmaria isto também aqui no Corredor.

Após ter conversado bastante com muitos participantes, chegou a hora do almoço.

Novamente um prato delicioso à base de ovelha, outro tipo de guiso. No almoço continuaram as

conversas sobre Nativismo e suas conotações musicais. Quando terminamos de almoçar já

partimos para a composição. Já tinham me convidado para fazer parte de um grupo que estava

criando uma música sobre os �taiperos�, as taipas e a ação do tempo sobre estas cercas que ainda

existem nos campos da Serra Geral. Peguei minha flauta e me reuni com os novos parceiros de

composição. O poema da música já estava quase pronto, faltava a melodia e a harmonia. Aos

poucos, com a minha ajuda e a do Giancarlo, que tocaria violão na apresentação, foi aparecendo a

música no seu formato definitivo. Pareceu-me interessante a forma de criar estes temas musicais,

partindo do poema e depois colocando uma melodia, tentando ajeitar as rimas e a prosódia na

música. Trabalhamos bastante até conseguir um produto apresentável na amostra das

composições. Finalmente surgiu a composição final, que ficou somente na memória para tocar à

noite. A formação que iríamos usar era: uma pessoa para declamar o poema inicial, o cantor,

violão, flauta, pandeiro e bombo legüero13. O gênero era o que eles chamam de �Moçambique�

na música gaúcha ou nativista: um tipo de ritmo afro que, segundo o que dizem, antigamente era

bastante tocado pelos músicos nativistas. Foi escolhido este gênero14 porque a música falava de

um �negrinho taipero� (construtor das taipas).

13 Sobre instrumentos usados pelos tradicionalistas e nativistas ver capítulo 4. 14 Sobre gêneros tradicionais gaúchos e Nativistas ver capítulo 4

Page 46: Música Nativista. Julho2006

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Uma pequena pausa para o mate e logo fui convidado para participar como instrumentista

numa outra música, cujo tema era as lembranças de um menino, as suas idéias de liberdade e o

passar do tempo na sua pessoa. Nos reunimos com os autores e partimos para fazer o arranjo final

da composição, que era uma �milonga�. Depois de algumas sugestões minhas, foi surgindo o

formato final. Um dos compositores cantaria e tocaria violão e eu tocaria sax soprano, fazendo a

introdução e os intermezzos e em algumas partes eu dobraria a voz do cantor. Fizemos uma

gravação num pequeno aparelho para lembrar depois na hora de tocar. Encerrado este trabalho,

houve outro convite para tocar flauta com outro compositor. Tratava-se de um duo de pai e filho,

os dois violonistas, e cantores. Eu faria uma participação improvisando no meio da música, que

era em estilo de �zamba�, um estilo rio-platense! Trabalhamos um pouco a música e o arranjo,

embaixo de umas árvores ao cair da tarde. Quando os compositores ficaram satisfeitos

encerramos o ensaio com tudo combinado para a apresentação da noite. A experiência da criação

coletiva para uma situação tão particular foi muito boa. Era criar para tocar no mesmo dia, à

noite, lembrando ou tentando lembrar dos detalhes mínimos da música para fazer uma boa

participação. Foi uma vivência muito rica.

Foi caindo a noite, num dia que teve todos os climas, sol forte e calor. À tarde, umas

pancadas de chuva forte, depois dando lugar a um céu estrelado, sinal de frio e sereno. Nos

preparamos para a janta, descansando da intensa tarde de composição. Vale colocar que houve

gente que ficou a noite toda (de sexta para sábado) compondo e houve alguns que fizeram mais

de uma música. Também observei que havia gente trabalhando nas composições ainda pouco

tempo antes da janta. Enfim, houve de tudo. Jantamos e, pouco a pouco, foi se ajeitando tudo

para grande apresentação. O som e todas as aparelhagens estavam prontos para registrar cada

composição e fazer um CD do 4o Pouso.

Era quase meia noite quando o sino tocou iniciando as apresentações. Após um breve

discurso do mestre de cerimônias e a entrada dos jurados, os músicos começaram a subir no

palco. Desta maneira, iniciava�se uma seqüência de quarenta e três composições que só

terminaria às cinco da manhã. Eu participei da segunda música tocando sax e depois das músicas

de numero vinte e um e vinte e oito. Realmente parecia uma maratona, pois trocavam de músicos

e composições a cada instante. As obras foram passando e, dentre todas, me surpreenderam

algumas composições de caráter cômico, quase um deboche. Esta categoria é a que os

organizadores e participantes chamam de �Pachola�, uma palavra que significa alegre,

Page 47: Música Nativista. Julho2006

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brincalhão ou engraçado. Realmente, as músicas que foram compostas para esta modalidade eram

cômicas. Foram momentos de grande descontração, já que houve várias composições neste estilo.

O frio da noite era intenso, dando outro toque ao Corredor. Todos estavam com as roupas

típicas do gaúcho e ainda com os palas para se proteger do frio. O lugar mais quente, sem dúvida,

era o palco. Consegui o registro da maioria das músicas num gravador digital emprestado por uns

amigos, mas, de todas as formas, receberei um Cd15 com as gravações feitas pelo técnico que

estava comandando a mesa de som. Assim, passou-se a noite e as composições passaram uma a

uma pelo palco do galpão da �Fazenda da Ferradura�. Sobre o final, meu cansaço e sono eram

tanto que não resisti e fui dormir. Encerrou um dia riquíssimo em experiências musicais.

Conhecendo uma das maneiras de fazer música, a destes artistas populares que tentam manter a

tradição deste maravilhoso gênero nativista.

Domingo de encerramento

Foi difícil levantar cedo, o cansaço era muito, mas havia que trabalhar mais um pouco e

conseguir umas entrevistas e depoimentos. Levantei da cama às dez da manhã e fui ao galpão

para ver se encontrava alguns participantes para conversar. Já havia vários �mateando�, então foi

fácil de entrar na roda para seguir escutando os depoimentos de poetas e compositores sobre o

Nativismo e sua música. Tomamos bastante mate, falamos sobre as trocas que existem entre a

cultura �gaúcha� platina e o Pampa brasileiro. Vários depoentes me falaram sobre a absorção

musical que ocorre pela passagem dos gêneros fronteiriços, pelo contato direto que alguns têm

com músicos argentinos e uruguaios e mostraram gosto pelos elementos folclóricos que existem

tanto no Uruguai como na Argentina. Mencionaram várias vezes que são culturas muito

parecidas, vários deles já conheciam a Argentina e o Uruguai, até alguns pareciam freqüentadores

de algumas regiões dos países vizinhos, aonde compram roupa de campo e artesanato.

Perto da hora do almoço, o cheiro do churrasco estava fabuloso. Fui ver a churrasqueira,

montada num outro galpão contíguo ao do evento. Vários espetos de pau com peças de cordeiro

estavam assando lentamente aos cuidados de um hábil churrasqueiro, que era o capataz da

fazenda. Quando passei pelo mangueirão, encontrei o Tio Benja, o dono da fazenda e aproveitei

para entrevistá-lo. Como sempre, tão cordial, me comentou como tinha sido criado o Corredor,

15 O festival foi gravado por um técnico de som e será produzido um CD contendo as músicas do evento.

Page 48: Música Nativista. Julho2006

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por que motivo faziam questão de manter este evento e a relevância que já tinha o encontro em

nível regional. A seguir, fizemos fotos com os participantes, num momento muito engraçado e

divertido dentro do próprio mangueirão.

Foto 4: o grupo que participou do Corredor no �mangueirão�

O sino voltou a tocar e chegou a hora das premiações e lembranças entregues aos

destaques. Os prêmios simbólicos, na realidade mencionam os destaques dentro dos poemas, as

músicas, as composições �pacholas� e o melhor instrumentista. Além disto, a entrega de

lembranças, que curiosamente chamam de �regalos�, como em idioma espanhol, para algumas

pessoas que trabalharam na organização. Os prêmios e os �regalos� foram feitos à mão, em

couro de vaca e madeira, com letras e desenhos gravados pelo artista e artesão que acompanhou o

evento durante os três dias. A premiação foi muito alegre, descontraída e emocionante. Eu recebi

um belíssimo �regalo� artesanal, feito também em couro e madeira, por ter participado de uma

das músicas, com a letra dela e assinatura dos compositores com dedicatória. Terminada a

premiação e encerrado oficialmente o Corredor, um pouquinho mais tarde, começou o almoço. O

cordeiro estava delicioso e havia arroz e saladas para acompanhar. Aos poucos os participantes

foram arrumando as tralhas, desmontando as barracas e saindo da fazenda após as despedidas. O

grupo de cavaleiros saiu sulcando o mato em direção a Lages, com muita gozação e brincadeiras.

Nós ficamos até o final, quando havia já poucos participantes. Depois de arrumar nossas tralhas,

também partimos após nos despedirmos do extraordinário anfitrião, o Tio Benja, e da sua família.

No caminho de terra, em direção a Lages, cruzamos com os cavaleiros, que iam tranqüilamente

Page 49: Música Nativista. Julho2006

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pela estrada. Chegando no asfalto, uma história para contar. Uma linha de trem com uma

formação quebrada, impedindo seguir nosso caminho. Faltavam somente dez minutos para pegar

o ônibus de volta para Florianópolis. A salvação foi uma pessoa do outro lado do trem que se

ofereceu para me levar até a rodoviária. Despedi-me do Giancarlo, peguei minhas coisas e saltei

pelo meio de formação e saímos correndo para o terminal. No final tudo deu certo.

Comentários

A primeira questão para ressaltar é sobre a hospitalidade dos organizadores do evento.

Neste encontro de caráter fechado só participam artistas e convidados, com convite pessoal e

intransferível. Posso dizer que tive a honra de participar graças ao amigo Giancarlo e a sua

bondade de me colocar num meio tão propício para fazer minha pesquisa. Os organizadores

também foram muito amáveis e cordiais sempre, colocando-se à disposição para qualquer coisa e

mostrando uma hospitalidade ímpar.

Outra característica muito marcante no Corredor foi a conquista de novas amizades, o

reforço das velhas e o valor da parceria para fazer arte e manter as tradições. Parece que há uma

forte intenção de juntar as pessoas para realçar o valor da amizade e �fazer� juntos, neste caso, a

música. Dá impressão que este tipo de reunião é feita para que se tornem mais fortes estas

tradições musicais, artísticas e sociais. Neste encontro não participam mulheres, só estão no local

a dona da casa, e suas filhas, que são as encarregadas da alimentação dos participantes do evento.

No que se refere às composições de músicas, há uma grande valorização nas letras, de

caráter campeiro16, com a figura do �gaúcho� e suas vivências como centro. Os poemas também

têm o mesmo conteúdo, e as declamações são feitas de um jeito bem particular, entoando bem

devagar, pronunciando com a maior perfeição, com um linguajar próprio do �gaúcho�, às vezes

com mistura de palavras em espanhol, fazendo questão de colocá-las no contexto17. No que se

refere ao conteúdo musical das composições, há simplicidade nas harmonias e um pouco mais de

16 Temas referidos ao campo: seus habitantes, a lida e os trabalhadores, os animais e detalhes que se vivem especificamente nesse âmbito. 17 Existem no linguajar gaúcho inúmeras palavras adotadas do espanhol, e que formam parte do idioma regional como se fosse um dialeto. Para mais detalhes ver Dicionário de Regionalismos de Rio Grande do Sul, autores Zeno & Rui Cardoso Nunes.

Page 50: Música Nativista. Julho2006

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sofisticação nas melodias, nesta linha que todos chamam de �estilo campeiro�18. Não houve

música instrumental, a não ser na tertúlia e em momentos livres, aonde se tocaram clássicos

como: Redomona, Milonga para as Missões e Kilómetro 11. Os arranjos das músicas mostraram

capricho por parte dos compositores e executantes. Apesar de ter harmonias simples, a

preocupação por uma música agradável e de �bom gosto� permeava em todas as obras. As

execuções também mostraram estas características, com vários instrumentistas em destaque. A

instrumentação que este gênero nativista usa é variada. Neste encontro os músicos usaram

principalmente o violão e a �gaita� (acordeão). Além destes, havia sax, flauta transversa

(executados só por mim), gaita de boca e um músico tocou uma �quena�, instrumento andino de

sopro como a flauta. Na percussão foram usados o bombo �legüero�, cajón e pandeiro19.

Sobre o objetivo principal da minha pesquisa, que é investigar as influências na música

Nativista, consegui detectar vários elementos. A adoção de certos gêneros como milonga e

chamamé são notórios por parte dos músicos nativistas, compondo naturalmente com estes ritmos

estrangeiros, completamente adaptados no sul do Brasil. O conhecimento dos repertórios

folclóricos de Música Argentina e Uruguaia é surpreendente e chamativo. Estes gêneros

estrangeiros são muito aceitos e escutados permanentemente entre os músicos nativistas. Outro

elemento que mostra a hibridização na instrumentação das músicas é o uso de instrumentos como

o bombo �legüero�, vindo do folclore rio-platense e o cajón, vindo da Espanha é muito usado no

Peru.

A linguagem utilizada em letras de músicas e poemas também mostra a aceitação e uso de

palavras vindas do castelhano, percebendo-se que fazem questão de colocar em prática

continuamente este vocabulário.

Somam-se a estas expressões artísticas as características de vestuário já mencionadas

anteriormente e detalhes como o mate: cuias, bombas, e até o gosto por ervas de sabor parecido

ao daquelas usadas no mate rio-platense. As comidas também chegam a ter bastante semelhança

com as das culturas platinas. As cozinheiras me falaram do �puchero�, comida típica em

Argentina e Uruguai, de origem espanhola, feita também na cultura gaúcha com algumas

modificações. E o churrasco, versão brasileira do �asado� feito do outro lado da fronteira.

18 Ver exemplos em Anexos- Partituras, sobre alguns clássicos da música nativista, cujos padrões são os encontrados no Corredor. 19 Sobre instrumentos, ver capítulo 4.

Page 51: Música Nativista. Julho2006

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Para finalizar devo dizer que foi extraordinário o resultado geral do Corredor de Canto e

Poesia: foi o campo propício para mostrar e confirmar algumas das hipóteses por mim traçadas

com antecedência sobre música Nativista, como a sua atual proximidade dos gêneros do folclore

rio-platense e seus gêneros musicais de comunicação, como a milonga e o chamamé. Serviu

também para conhecer mais profundamente estes artistas populares que fazem sua arte para

manutenção das raízes da cultura gaúcha no sul do Brasil.

3.2. Pesquisa de campo. Encontro com nativistas de RS

No dia 13 de abril de 2006 vieram para Florianópolis dois artistas de renome dentro do

âmbito nativista, são eles Luiz Marenco e Leonel Gomes. Devido a alguns cartazes espalhados

pela cidade, consegui saber com antecipação a data do show. Portanto, decidi entrar em contato

com Marenco para ver a possibilidade de entrevistá-lo. Não encontrei na internet o site oficial

dele, mas achei um contato num outro site de um admirador do seu trabalho. O contato foi por

essa via, o Crinudo me passou o e-mail do produtor do artista, o Robinson, que já no primeiro e-

mail me respondeu que não haveria problemas sobre a entrevista. Em outra mensagem me passou

o telefone para entrar em contato quando eles estivessem em Florianópolis. Parecia tudo acertado

para nosso encontro.

No dia do show combinei por telefone que nos encontraríamos às 20:00 horas no camarim

para a entrevista, uma hora antes do show. Nesse horário, estava eu no lugar combinado, sem

conhecer a figura do Robinson, entrei no camarim e adivinhei quem era. Os produtores

geralmente andam muito agitados em dia de show, foi por isso que consegui saber quem era este

rapaz. Muito simpático, me pediu que aguardasse uns minutos, pois Marenco tinha mais

entrevista para dar e me perguntou se não queria entrevistar o Leonel Gomes, outro artista que

vinha para divulgar seu show no dia 12 de maio aqui na capital. Claro que aceitei, seria ótimo ter

a opinião de dois artistas e não só de um. Desta forma, a entrevista na realidade foi uma conversa

informal com ambos na beira do palco, primeiro com Leonel e depois com Luiz, que devido ao

horário do show que já estava para acontecer, durou algo de 15 minutos com cada um.

Page 52: Música Nativista. Julho2006

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A conversa

Para a ocasião preparei umas perguntas simples e diretas sobre os temas que me

interessavam colocar neste trabalho. Como veremos a seguir, a opinião de ambos é diferente em

poucos aspectos, como o estilo da música destes dois excelentes artistas.

A primeira pergunta que fiz foi se eles tinham conhecimento de trabalhos acadêmicos

sobre o nativismo e o que achavam sobre isto. Gomes disse que não sabia da existência das

pesquisas, mas afirmou �... creio que é muito bom, pelo envolvimento com o passado, com a

tradição�. Marenco disse que já sabia das pesquisas: �... uma vez, num show em São Lourenço

veio uma menina que estava na faculdade para conversar comigo sobre a música e o nativismo�,

e disse também que acha maravilhoso que haja pesquisas sobre o tema.

A segunda pergunta foi sobre as diferenças entre Tradicionalismo e Nativismo e o que

eles achavam sobre este assunto. Gomes disse que para ele não havia conflito: �... é um conflito

criado, são nomes criados, para mim não tem conflito, gaúcho é tudo a mesma coisa�, fazendo

referência que as duas tendências cultuam a mesma coisa. Muito parecida foi a resposta do

Marenco: �... são a mesma coisa, a cultura é a mesma�, para ele as tendências parecem se diluir

numa só.

A terceira pergunta foi sobre o bailão e, especificamente, sobre a Tchê music, e a relação

com o nativismo. Gomes acha que esta música só é para divertimento: �... é uma cultura para se

divertir, para dançar, dar risada�, e ao respeito da relação com nativismo �... é uma música mais

comercial (Tchê music), não se pode misturar�, mas disse não ter nada contra a produção desta

música. Marenco concorda com esta afirmação de Gomes, mas disse sobre a Tchê music que �...

isto não é cultura do RS, ficar tocando maxixe, o dançando e saltando na boca da garrafa, isto não

tem nada que ver com o gaúcho�.

A quarta pergunta é sobre os gêneros musicais atuais do nativismo, os que eles achavam

mais representativos. Ambos responderam a mesma coisa: chamamé e milonga. Gomes

acrescentou a chimarrita e Marenco disse �... ah, já gravei, cifra, estilo, cielito, todos ritmos

argentinos, mais o que mais gosto eu acho que é de cantar milonga�.

A quinta pergunta foi sobre os gêneros estrangeiros e sua relação com o nativismo, que foi

quase respondida na pergunta anterior. Gomes disse que com internet, e a rádio hoje dá para

ouvir direto e usa muito nas suas composições. Marenco afirmou que �... para mim é comum, tu

Page 53: Música Nativista. Julho2006

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já sabe, fui gravar há três meses com Tarrago Ross, cantei uns chamamé, também com Pepe

Guerra em Uruguai. Me criei ouvindo, minha escola foi Atahualpa (Yupanqui), Zitarrosa�.

A sexta pergunta foi sobre a cultura gaúcha hoje. Se há influências e coincidências

culturais com os outros países. Os dois disseram que sim, que ambas coisas acontecem. Gomes

manifestou que o gaúcho brasileiro está consumindo roupa (pilcha) vinda de Argentina e de

Uruguai, e os artigos típicos também, como lenços, cintos, chapéus, e disse que �... temos que

viver o hoje, ser mais moderno, e é também usar as roupas e as coisas que vêm de lá que são mais

modernas�. Gomes afirmou que �... o radicalismo estraga, pilcha antiga, a velha do gaúcho já não

tem mais, nem se usa mais...�, mostrando da afinidade e tendência à homogeneização com o

gaúcho Platino. Marenco foi mais sucinto: �... somos uma cultura só, o gaúcho veio de lá, não há

como negar...�.

A sétima e última pergunta foi sobre o panorama de mercado para o nativismo. Leonel

Gomes me disse que via um bom futuro, com boas perspectivas. Disse que �... é bom a música

gaúcha chegar à universidade, a música que fala de campo, de cavalo, de peão, a gente jovem

ouve, curte aquilo e difunde nossa música, nós precisamos vender discos e fazer shows para

sobreviver...�. Marenco prevê um crescimento �calmo� para a música nativista. Disse que esta

música �... é para tu sentar e ouvir, é uma música para alma, não é como a outra música, que é

música para o corpo...�, aqui ele faz menção da tchê music e do seu notório apelo comercial.

Observações e considerações finais sobre o encontro com os artistas e o show

Devo mencionar como grandes atributos destes artistas, a simplicidade e a simpatia para

atender ao público, e como é meu caso, um estudante em fase de pesquisa. O transcrito foi fruto

de uma conversa rápida e em tom informal por causa do escasso tempo disponível que os artistas

tinham antes do show. De todas formas eles deixaram expostas as suas idéias, e responderam

objetivamente as minhas perguntas. Os resultados mostram a despreocupação dos artistas com

padrões impostos pela tendência tradicionalista como forma de poder sobre os bens simbólicos da

cultura gaúcha. Não há nenhum tipo de preconceito com gêneros estrangeiros, pelo contrário,

existe uma comunhão com artistas e ritmos que vêm dos países fronteiriços que resulta

surpreendente.

Page 54: Música Nativista. Julho2006

53

Conferindo o show, tanto Leonel Gomes como Luiz Marenco confirmaram musicalmente

o que disseram na entrevista. No repertório de ambos predominam chamamés e milongas, mas

também executaram de forma exuberante algumas vaneiras e chimarritas. Ambos tocaram

acompanhados pela mesma banda, a do Marenco, composta por três violonistas, um gaitero e um

contrabaixista (baixo elétrico). É também notória a ênfase que ambos intérpretes dão as letras, a

maioria vinda de poemas ou compostas desta forma, através das suas interpretações sentidas.

Depois destas pesquisas de campo, passaremos ao próximo capítulo para uma análise

mais detalhada dos gêneros da música nativista, através de uma contextualização geográfica e

histórica, observando os pontos de diálogo com os ritmos estrangeiros e a conformação e

adaptação ao universo da música nativista.

Page 55: Música Nativista. Julho2006

54

CAPÍTULO 4 Neste capítulo faremos uma descrição dos gêneros da musica gaúcha. Em primeiro lugar

mencionaremos os ritmos tradicionais e depois entraremos especificamente nos gêneros nativistas

usados como conexão com a cultura rio-platense. Trataremos também dos instrumentos usados na

execução das música. Dedicaremos um parágrafo especifico para a � Tchê Music�, destacando os

seus elementos de modernização da tradição gaúcha.

4.1. Os Gêneros da música gaúcha

A adoção de determinados gêneros na música gaúcha não foi feita por acaso. Colocamos o

termo adoção, pois como falamos anteriormente (capítulo 2), estes gêneros derivam de outros

trazidos pelos imigrantes europeus, mas também surgem da convivência das culturas fronteiriças,

isto é, como as dos países vizinhos da Argentina, Uruguai e Paraguai. Não se pode dizer que esta

cultura regional não tem expressões musicais próprias, de fato que estas adaptações são

consideradas como verdadeira música gaúcha, porque o processo de inserção destes gêneros foi

paralelo à formação cultural.

A grande mudança no cenário musical gaúcho, sem dúvida, aconteceu a partir da I

Califórnia da Canção Nativa e os outros festivais que foram surgindo pelo estado do Rio Grande

do Sul. Houve mudanças também em vários aspectos, como costumes, consumo de artigos

regionais, vestimenta, alimentação, e no aspecto ideológico do movimento cultural. Neste

sentido, o câmbio na ideologia proposto pela juventude que se somava ao movimento trouxe,

através da música, idéias diferentes das que os tradicionalistas pregavam até esse momento. O

desejo de contestação contra a opressão política vivida no país nas décadas de 70 e 80, a

consciência de integração cultural latino-americana e a vontade de inovar, visando a um

desenvolvimento artístico, foram mostrados nas composições que surgiam nos festivais, tanto nas

poesias como na utilização de novos ritmos.

A disputa entre a nova tendência e o Tradicionalismo gaúcho teve como palco os festivais,

onde os gêneros musicais das composições foram um dos grandes pontos de discordância. Os

regulamentos e os jurados dos festivais sempre estiveram nas mãos de tradicionalistas que, de um

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55

modo conservador, determinavam uma série de restrições, principalmente no que respeita às

composições, enquanto a gêneros e ritmos.

Um dos tradicionalistas mais reconhecidos, Paixão Côrtes, em entrevista de 1981,

classifica a música gaúcha dizendo que existem as seguintes manifestações:

Existe a música gauchesca, a música campeira, a música galponeira, a música tradicionalista, a música regionalista, a música de novos rumos e a música de inspiração gaúcha. Estão aí sete concepções temáticas para se analisar, afora o aspecto da música folclórica e de projeção folclórica (Paixão Côrtes, 1981, p.31, grifo do autor).

Esta classificação é complementada por Paixão Côrtes dizendo que as músicas mais

ouvidas são a música campeira e a galponeira, sendo estas expressões �mais simples, mais

singelas� (1981, p.32). Na mesma entrevista, Paixão Côrtes menciona, num parágrafo especifico

sobre os festivais, a música de �Novos Rumos�, segundo ele, seria a que permitiria a evolução

musical no Rio Grande do Sul. Como é possível notar nos depoimentos de Paixão, não há uma

definição específica de gêneros para a música gaúcha, pelo menos nesta classificação. Só

menciona, efetivamente, ritmos e gêneros quando fala em �infiltrações alienígenas� que estariam

acontecendo nos festivais, nomeando uma série de gêneros como estilo, malambo, chamamé,

guaranhas, zambas e milongas, que são reconhecidos como integrantes do folclore rio-platense,

colocando este fato como ameaça ao meio literário, musical e cultural das raízes gaúchas

(p.42,43).

Segundo Lucas, os gêneros musicais gaúchos derivam das danças de salão vindas da

Europa para América do Sul no século XIX. São eles: a valsa campeira, a vaneira ou vaneirão,

adaptação da habanera, a polca, que deriva da polka, a rancheira derivada da mazurka e os chotes

ou xotes, que derivam do schottische (Lucas, 2000, p.54). As expressões musicais européias vêm

da Polônia, da Alemanha e, no caso da habanera, a origem é hispânica/cubana, sendo este um

gênero que percorreu os salões de dança de toda América Latina. Lucas especifica que há

estéticas mais modernas trazidas por compositores com uma preparação cultural mais

cosmopolita, fazendo menção aos nativistas, cujas composições têm uma conotação mais livre

quanto à poesia, gêneros e instrumentação.

Como afirmamos no capítulo 2, as opiniões de tradicionalistas e nativistas diferem

bastante quanto aos gêneros e ritmos utilizados na música gaúcha. Há um consenso que a valsa, a

mazurca ou rancheira, a polca e o chote são derivados dos ritmos europeus. Fagundes difere desta

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56

opinião afirmando que os ritmos tradicionais são aqueles que os outros consideram importados da

Europa, e dizendo que a milonga não é do RS (Jacks, 1998, p.57). Luiz Carlos Borges é bem

taxativo quando afirma que �... todos os ritmos que aqui se toca são alienígenas...� (Jacks, 1998,

p.57). O único ritmo que é considerado original de RS é o bugio, mas segundo Borges não hà

provas disto. Jayme Caetano Braun manifesta que o bugio �... é um ronco de vaneira, de

rancheira�, quase dizendo que não há diferenças notórias entre estes gêneros (Jacks, 1998, p, 57).

Sem entrar numa análise detalhada de cada ritmo20 que veio do continente europeu,

podemos mencionar nos aspectos musicais, que eram gêneros de dança de salão, cujas origens

eram de diferentes regiões e que, coincidentemente, foram trazidos para América Latina pelos

imigrantes dessas latitudes. A valsa, um ritmo muito popular em toda Europa, é de compasso

ternário. A mazurka e a polka são de origem polonesa, a primeira de compasso ternário dá origem

à rancheira, a segunda de compasso binário. O schottische, de origem alemã é de compasso

binário, matriz do chote ou xote. A habanera, segundo o que as pesquisas indicam, tem origem

hispânica, mas com traços cubanos pela sua passagem por América Central. Este gênero se

popularizou na América Latina no começo do século XX em todos os salões de dança (Archetti,

2003, p.16). Seu compasso é binário e hoje, transformada em vaneira, se destaca como um dos

ritmos mais expressivos da música gaúcha.

Outro gênero que vem da Europa, de origem açoriana, é a chimarrita ou chamarrita.

Conforme consta na �página do gaúcho�21 (internet, www.paginadogaucho.com.br) este gênero

veio dos Açores, da Ilha do Pico, também como uma dança, e é registrada como a música

tradicional desse lugar. Há registros feitos por Mário de Andrade sobre a presença da chamarrita

em Cananéia, SP, nos bailados e fandangos dos caipiras dessa região (www.

paginadogaucho.com.br/generos/chamarrita). Na História da Música Brasileira de Renato

Almeida há a seguinte menção: �Entre as danças do fandango gaúcho, uma das mais famosas é a

chimarrita, de procedência açoriana, onde é chamada de chamarrita...� (1926, p.176). No Paraná,

nos fandangos que ainda existem como �celebrações dançadas ao toque da viola�, a chimarrita é

tida como uma antiga polca ou como uma espécie de rancheira. O canto da chimarrita gaúcha foi

modificado na sua temática, com quadrinhas que falam do campo e temas de cunho rural. Um

20 Nos Anexos encontraremos as partituras dos gêneros mais importantes. 21 Este portal de cultura gaúcha é um dos mais completo e confiáveis quanto as informações que fornece. Possui inúmeras seções que tem conteúdo sobre vestimenta, culinária, bibliografia e em especial, música nativista, destacando história e artistas.

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dado importante foi aportado pelo pesquisador argentino Carlos Vega, que apontou que na �zona

oriental� (Uruguai) existe uma dança que era a chamarrita e sua variante, a chimarrita. Vega

agrupa esta dança junto a outras com o nome de polcas, mas avisa da diferença deste ritmo e das

características particulares da sua rima nas quadras (www. páginadogaúcho .com.br).

A proposta dos festivais a partir dos anos 70 fez sentir uma mudança no âmbito da música

gaúcha. A importância destes eventos foi tanto na ordem regional quanto internacional, pois, a

partir dos festivais, vários artistas dos países limítrofes começaram a se apresentar

freqüentemente no Brasil. Foram convidados para participar da Califórnia nomes como

Atahualpa Yupanqui, Mercedes Sosa, Lito Vitale e, em várias edições, o Balé Folclórico da

cidade de Brandsen22 (Santi, 2004, p.69). Estas participações mostram a proximidade entre as

culturas, entre as expressões musicais, fato que se intensifica com o nativismo (ver Capitulo 3,

pesquisa de campo). Com o surgimento do Movimento Nativista, além de um revigoramento do

culto às tradições, novos elementos no segmento artístico, em particular na música, aparecem

continuamente. Alguns gêneros vindos do outro lado da fronteira com Argentina e Uruguai

tiveram grande aceitação entre os compositores, músicos e público, apesar das restrições que

eram impostas nos regulamentos dos festivais (Santi, 2004, p.86). As proibições eram para

gêneros como o chamamé, a chacarera, a zamba e o tango, característicos da música rio-platense.

Não há menção sobre haverem proibido a milonga, que também é de origem platina, um dos

ritmos que o nativismo impôs e que o público acolheu incondicionalmente. Com o passar do

tempo e a consolidação do Movimento Nativista, encontramos como os gêneros mais usados

pelos compositores, aqueles que eram proibidos pelos regulamentos dos festivais, vindos do outro

lado da fronteira com Argentina e Uruguai.

4.2. Os gêneros musicais nativistas

Uma das características notáveis do nativismo foi a forte tendência à integração com a

cultura do Rio de La Plata, que é mostrada principalmente através dos gêneros musicais23. Sem

dúvida que as apresentações nos festivais dos artistas platinos influenciou e cativou

marcadamente os novos compositores nativistas, tanto que começaram usar nas suas composições

os ritmos trazidos pelos �estrangeiros�. Outro fator importante foi a modernização dos meios de

22 Cidade da Província de Buenos Aires, Argentina. 23 Nos anexos encontraremos partituras dos gêneros mais importantes.

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comunicação, da mídia e da indústria cultural, que fez que o intercâmbio de informações com as

culturas do outro lado da fronteira fossem mais fluidas. Como conseqüência destes

acontecimentos detectamos que através dos gêneros musicais se produz uma conexão entre as

culturas platina e gaúcha, o que na atualidade torna-se inegável24.

A primeira manifestação desta comunicação entre as culturas e particularmente da música

se dá com a milonga. No Dicionário de Regionalismos de Rio Grande do Sul, Zeno Cardoso

Nunes define milonga como: �Espécie de música dolente, crioula, de origem platina, cantada com

acompanhamento de guitarra ou violão� (Nunes, 1996, p.303). Numa pesquisa mais moderna,

Santi destaca que este gênero é uma novidade que o Nativismo traz a partir dos anos 80 para o

cenário musical, representando a identificação já mencionada com a cultura dos países vizinhos

(Santi, 2004, p.95). Mas o percurso da milonga parece mais longo segundo alguns dados

pesquisados. Paixão Côrtes faz menção sobre a história deste ritmo que surge na Argentina em

1880 e, segundo o notável musicólogo Carlos Vega, a milonga esteve prestes a desaparecer

quando foi resgatada pelos �payadores�25 para efetuar seus contrapontos em forma de versos.

Ainda citado por Paixão Côrtes, Vega diz: �es nuestra milonga resonancia tardia del Lundu�

(1981, p.45). Cezimbra Jaques, fundador do Grêmio Gaúcho, também menciona o gênero no seu

livro Assuntos do Rio Grande do Sul de 1912 explicando: �Milonga � espécie de música crioula

platina cantada ao som de guitarra (violão) e que está também, como a meia-canha e o pericón,

adaptada entre a gauchada rio-grandense� (Paixão Côrtes, 1981, p.46). Já o folclorista Luiz

Câmara Cascudo esclarece a origem da palavra milonga, dizendo que é um �termo originário da

língua bunda-congolense, é plural de mulonga, palavra, e só usada entre os negros, significando

palavrada, palavras tolas ou insolentes� (Paixão Côrtes, 1981, p.46). Paixão Côrtes ressalta que o

Movimento Tradicionalista que surgiu em 1948 deu certo impulso para reviver a milonga

�pampeana� conhecida nos galpões de fronteira (Paixão Côrtes, 1981, p.46).

A milonga que os nativistas adotaram, e que hoje faz parte da música gaúcha como um

dos ritmos de maior aceitação popular, tem as características do gênero platino, que

descreveremos a seguir. Esta milonga rio-platense sofreu algumas adaptações de acordo com o

24 Esta conexão aparece evidenciada nos detalhes descritos na pesquisa de campo do Capítulo 3. Como observamos no referido capítulo, não há coincidências somente no que se refere à musica, também na ordem de costumes sociais, roupas, alimentação etc. 25 Segundo Moreno Cha (1999, p.272) os �payadores� são músicos que usam o gênero milonga para improvisar instrumental e poeticamente sobre este gênero rural rio-platense. São característicos do folclore platino, onde a maior expressão deste gênero se dá nas �payadas de contrapunto�, desafios musicais entre dois músicos.

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meio em que se tocava, seja rural ou urbano. Segundo Archetti já havia sinais da passagem da

milonga de um âmbito para outro em 1890. A milonga rural tida como dança passava para os

subúrbios da cidade sendo conhecida como baile de cortes e quebradas, combinando os passos da

milonga com o candombe, a dança dos negros que viviam em Buenos Aires, e cuja característica

era a agilidade dos bailarinos demonstrada pelas quebradas, contorções improvisadas, e os cortes,

pausas repentinas (Archetti, 2003, p.15). A fusão da milonga e o candombe, com a habanera e a

mazurca, deram mais tarde origem ao tango, uma dança sensual executada por casais, que

misturava elementos dos ritmos mencionados (segundo Collier apud Archetti, 2003, p.16). No

entanto, a milonga urbana permaneceu como dança e como um gênero paralelo ao tango,

conservando as características de movimentos rápidos e saltitantes, enquanto a milonga rural

continuava seu percurso no campo e no interior do país como gênero folclórico.

É possível distinguir três tipos de milonga rural: uma somente instrumental, outra cantada

com letra que pode ser uma poesia ou verso composto para tal fim, e a terceira, que é

improvisada por dois cantores na forma de duelo, tanto na letra quanto na música, a chamada

milonga de �payada de contrapunto� (Moreno Chá, 1999). Hoje em dia, como podemos

observar na pesquisa de campo (capítulo 3), este ritmo é aceito entre artistas e público de forma

unânime, adaptado à linguagem gaúcha nas letras e poesias, nas composições musicais e na

instrumentação utilizada pelos músicos. As milongas que pudemos escutar nos repertórios dos

artistas nativistas da atualidade têm as características dos gêneros urbano e rural da milonga

platina, isto é, a urbana de andamento mais rápido, com reminiscências de tango, e a rural, de

andamento mais lento, uma das expressões do folclore da região do �Prata�. Ambos ritmos são de

compasso binário. Por todas estas informações e análises poderíamos dizer que a milonga é um

dos gêneros mais importantes de comunicação musical entre as culturas platina e gaúcha.

O chamamé é outro dos gêneros que vêm dos países limítrofes que os compositores e

músicos nativistas adotaram de forma contundente. A origem do chamamé é disputada pelos

paraguaios e pelos correntinos (naturais da província de Corrientes, Argentina). Segundo o

pesquisador Evandro Higa, o chamamé deriva da polca paraguaia que viria de uma fusão dos

ritmos europeus, embora seja considerado um produto cultural da Argentina (2003). Higa afirma

que este gênero seria uma nova variante da �polca syryry26� que era executada num andamento

mais moderado no Paraguai. O nome �chamamé� vem do guarani, e significa �coisa feita

26 Palavra de origem Guarani que significa escorregar, denomina um tipo de polca paraguaia.

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rapidamente, improvisada�, foi criado para a gravadora RCA Victor na década de �30 em função

de uma estratégia de mercado (Higa, 2003, p.3). Higa coloca no seu trabalho o depoimento do

músico Benitez, que em entrevista de 2003 diz que o chamamé é chamado também de �polca

correntina�, repetindo várias vezes este nome ao longo da entrevista, como se confirmasse a

procedência deste gênero, ainda colocando que tem quase a mesma sensibilidade da polca

paraguaia, mostrando diferença entre ambas. Também verificamos neste trabalho a afirmação que

o chamamé é celebrado na mídia sul-mato-grossense como a �maior expressão cultural� desta

região (p. 2), mais adiante encontramos dados sobre a migração dos sulistas para este estado,

principalmente gaúchos, verificada num censo de 1980, encontrando o seguinte depoimento: �(...)

tem-se evidenciada a quase imposição cultural gauchesca, que fez polca paraguaia perder terreno

para o vaneirão e o chamamé, ritmos típicos dos pampas...� (Cabral apud Higa, 2003, p.6).

Podemos dizer que o mais interessante desta pesquisa, apesar das contradições, é a afirmação de

alguns dados que mostram o chamamé como ritmo adotado pelos gaúchos que migraram para

Mato Grosso do sul, colocando este gênero junto do vaneirão, um dos mais importantes para a

música nativista.

Na página do gaúcho, na internet encontramos mais detalhes deste gênero vindo do

nordeste da Argentina. Segundo o correspondente em Uruguaiana, Mauro Maciel, uma das

cidades consideradas o berço do chamamé é Paso de los Libres, na fronteira com o Brasil, onde

existe um artesão que fabrica acordeões de botão, que são as mais usadas para tocar este gênero.

O processo de fabricação é completamente artesanal e pelas suas mãos já passaram mais de três

mil acordeões. Este é um dos motivos que se colocam para dizer que esta cidade �Correntina� se

apresenta como o epicentro do gênero.

Em várias edições da Califórnia da Canção Nativa foi proibido executar músicas

compostas como chamamé, já que o ritmo era considerado �alienígena�, encontrando-se nos

regulamentos parágrafos específicos justificando esta proibição. Barbosa Lessa e Paixão Côrtes

divulgaram como fruto de uma pesquisa que o chamamé teria se originado da chamarrita, sendo

exportada de Rio Grande do Sul para Argentina. Neste país haveria alcançado grande sucesso,

para depois conquistar a fronteira e passar de novo para o Brasil sendo adotado como gênero

nativista (Santi, 2004, p.86). Na opinião de Luiz Carlos Borges, presidente do IGTF e

reconhecido músico nativista, o chamamé nasceu em Corrientes, mas está cada vez mais

abrasileirado, dizendo que já faz parte há muito tempo da música dos gaúchos e por isto não

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precisa de autorização para ser tocado. O músico e compositor Pirisca Grecco, ganhador da

Califórnia no ano de 2002 considera o ritmo como um dos mais importantes nos bailes gaúchos

(www.paginadogaúcho.com.br).

Sobre o significado da palavra chamamé, Maciel disse que na Argentina corresponde a

�senhora ama-me� e que no Brasil é entendido como �chama-me para bailar� ou �aprochegar-se

de mim� (www.paginadogaúcho.com.br).

Na sua execução e interpretação este gênero permite a emissão de gritos muito particulares

chamados de �sapucay� que em língua guarani significa �grito da alma�. O chamamé é de

compasso ternário e andamento variado, assim podemos encontrar composições com

característica de velocidade lenta junto de conteúdos líricos de tom poético, como obras de

andamento rápido com ou sem letras, ou seja, de caráter somente instrumental. Em todas as

situações este ritmo sugere a dança, como é tradição no nordeste de Argentina, e nos lugares por

onde o gênero se expandiu como em RS e em Mato Grosso do Sul. Hoje em dia, no sul do Brasil,

segundo renomados artistas nativistas (ver capítulo 3), o chamamé só perde em popularidade para

a milonga na predileção do público dos festivais e cultores do Nativismo.

O vaneirão ou vaneira é, como já antecipamos, derivado da habanera de origem

hispânica, que no seu percurso para América Latina teve passagem por Cuba, onde acrescentou

elementos rítmicos que deram mais riqueza a este gênero. Na Argentina a habanera contribuiu

para gerar o tango e, no Brasil, a vaneira ou vaneirão. Este gênero de compasso binário é muito

tocado pelos músicos nativistas, embora na atualidade esteja algo relegado pela ascensão do

chamamé e a milonga. A vaneira está muito relacionada ao fenômeno do baile gaúcho, o popular

�bailão�, por ser um ritmo muito alegre e em geral com letras descontraídas. Sobre este tema

abriremos um parágrafo especifico ainda neste capítulo, mencionando uma outra linha na música

gaúcha relacionada ao bailão: a Tchê Music. Pode-se afirmar que a vaneira é um gênero

consagrado, bem aceito pelo público e um dos insubstituíveis no âmbito do baile gaúcho.

Não poderíamos deixar de mencionar o que é considerado como o único gênero nativo

gaúcho: o bugio. Há pouquíssimas referências teóricas sobre este ritmo e, como falamos

anteriormente, figuras expressivas do nativismo como Luiz Carlos Borges afirmou que não há

certeza que ele seja verdadeiramente nativo. O poeta e folclorista Jayme Caetano Braun disse que

ele parece muito com a vaneira. O que podemos aportar sobre este gênero é o que registramos em

conversas informais com músicos nativistas. O nome vem do macaco bugio, encontrado na mata

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da região sul e sudeste do Brasil. Coincidentemente, neste ritmo a gaita é tocada de forma que

parece o ronco que este animal emite na hora de se acasalar. No instrumento são executados

ritmicamente sons na região grave, muito parecidos aos proferidos pelo macaco na hora de

copular com sua parceira. Há diferenças muito sutis com a vaneira ou vaneirão, que são

perceptíveis somente para entendidos. O compasso do bugio é binário e as instrumentações das

composições são as usadas nos outros gêneros, com ênfase no �ronco� emitido pela gaita. Outro

detalhe que encontramos neste gênero, se refere às letras, onde detectamos quase sempre a

menção explícita da palavra �bugio�, no meio de uma estória contada em tom jocoso, como se

advertisse o gênero da música em questão.

Para encerrar este tema dos gêneros nativistas, poderíamos dizer que a abertura cultural

proposta pelo movimento, e a integração com as culturas fronteiriças, trouxeram elementos novos

através dos ritmos estrangeiros não somente nos aspectos de composição como também na

instrumentação, tema que abordaremos a seguir.

4.3. Os instrumentos

Sobre os instrumentos usados na música gaúcha também podemos dizer que houve muita

polêmica entre os defensores das idéias do Tradicionalismo e o inovador Nativismo. Este ponto

de discordância em época de festivais, geralmente era resolvido no regulamento, elaborado por

tradicionalistas, que limitavam o uso dos instrumentos eletrônicos e também de aqueles que

julgassem que não formavam parte das tradições gaúchas. Assim como a proibição dos gêneros, o

uso de instrumentos �alienígenas� era vetado em parágrafos específicos dos regulamentos. A

partir da V Califórnia houve modificações quanto ás linhas de composição, criando-se três linhas:

Campeira, Manifestação Rio-Grandense e Projeção Folclórica27. Na XXV edição do festival

aparecem no regulamento os instrumentos autorizados para acompanhar as diferentes linhas. A

Campeira podia contar com instrumentos acústicos como violão, gaita, harmônica, rebeca,

bandoneón, pandeiro e outros improvisados, mas com elementos que tenham a ver com o campo,

também era permitido o bombo. A linha Manifestação Rio-Grandense acrescentava o contrabaixo

elétrico aos já mencionados. Aparece nesta edição uma linha chamada de Manifestação Livre, na

27 Estes rótulos foram colocados para diferenciar as categorias das músicas que se apresentaram no festival. Estes rótulos foram definidos pelo júri e comissão organizadora do festival.

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qual era permitido qualquer tipo de instrumento. Este já era um sinal de franca evolução, tanto da

música como dos festivais e dos movimentos que neles se manifestavam (Santi, 2004, p. 84).

Independente dos festivais, a música gaúcha foi adotando instrumentos que se tornaram

característicos para executar os gêneros que já comentamos, alguns foram herdados dos

colonizadores da região, outros trazidos pelos imigrantes, e os mais novos foram aparecer pelo

contato com as culturas do outro lado da fronteira.

A viola e o violão foram, talvez, os primeiros instrumentos que acompanharam música

gaúcha nos seus primórdios. A viola estava presente já em meados do século XIX nos desafios de

improvisos, em gêneros como o cururu em São Paulo ou a trova em Rio Grande do Sul (P.

Côrtes, 1983, p.36). Ambos instrumentos vieram com os colonizadores portugueses e espanhóis,

e ganharam popularidade rapidamente pela versatilidade para acompanhar o canto. Tinham

ambos o inconveniente de sofrer com as inclemências do tempo, o que tornava sua afinação

variável conforme o frio ou o calor; também o volume pequeno era um problema na hora de tocar

ao ar livre ou para muitas pessoas.

Figura 3: Viola Figura 4: Violão

O violão, apesar destes problemas, se manteve firme como instrumento de

acompanhamento e solo, graças às melhoras e o capricho da fabricação moderna, ainda é muito

usado na música gaúcha. A viola teve outra sorte e sucumbiu substituída por outro instrumento

trazido pelos imigrantes: o acordeão.

Figura 5: Gaita ponto Figura 6: Gaita de teclado (acordeão)

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Com vários nomes pelo Brasil todo, o acordeão chegou ao país trazido pelos italianos em

1875. No norte ou nordeste é chamada de sanfona, no sul de gaita, ou de �cordiona�. O sucesso

deste instrumento foi muito grande logo que os imigrantes começaram a mostrá-lo em festas e

reuniões onde a música era a grande atração. Como o instrumento era perfeito, servia para

acompanhar o canto, podia fazer solos também, e seu volume era bem maior do que a viola e o

violão. Não tinha problemas de afinação por causa do clima e pelos atributos que já

mencionamos foi aceito de imediato para fazer parte da instrumentação da música gaúcha.

A história do acordeão é bem peculiar. Começa na China no 2700 A.C onde surgiu um

instrumento parecido chamado de Tcheng ou Cheng, que era um órgão portátil de fole

(www.paginadogaucho.com.br/instrumentos). Dezoito séculos depois, o instrumento foi parar na

Rússia abrindo as portas para toda Europa, começando o sucesso pela Alemanha. Na Áustria, em

1822, Cirilo Demian introduziu as modificações necessárias para que o invento chinês tomasse a

forma que a gaita tem hoje (www.páginadogaúcho.com.br). Os tipos de gaita que encontramos na

atualidade são duas: a de teclados, com baixos na mão esquerda, acionado por botões e teclado na

direita, e a gaita-ponto com botões de ambos lados. A popularidade que o acordeão alcançou foi

inusitada, tanto que podemos colocá-lo hoje como instrumento representativo da música regional

gaúcha. Há dados que confirmam isto, como o que o Estado do RS já teve numa época 20

fábricas de gaitas funcionando simultaneamente, a mais famosa marca estabelecida desde 1939.

Em 30 de junho de 1948, quando o primeiro CTG tinha apenas dois meses de existência, esta

fábrica já havia manufaturado 6.907 acordeões (www.páginadogaúcho.com.br).

Complementando estas informações, podemos dizer que em países limítrofes o sucesso do

acordeão também foi notório. Na Argentina surgiram grandes instrumentistas de chamamé, cujo

instrumento característico é a gaita, que tomou o lugar de destaque da guitarra espanhola (violão)

e da harpa de influência paraguaia (Higa, 2003, p.3). No Paraguai, também no âmbito, da

fronteira com Brasil, o acordeão teve uma ascensão muito grande, compartilhando com a harpa e

violões as instrumentações em polcas e guarânias.

Da mesma família dos acordeões e com o mesmo princípio de funcionamento é o

bandoneón. Este instrumento veio da Alemanha para América Latina e ficou no sul do Brasil nos

redutos de imigração germânica. É pouco usado na música gaúcha, mas existem menções no

regulamento da Califórnia da Canção aceitando-o como instrumento acústico para

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acompanhamento de uma das linhas de composição. O bandoneón foi mais bem aceito na

Argentina, nos salões de baile onde a habanera era sucesso no começo de século XX, depois se

transformando no instrumento essencial para um novo gênero: o tango.

As transformações em nível instrumental que a música gaúcha foi experimentando se

incrementaram com os festivais e com o intercâmbio com as culturas fronteiriças. O contato com

o folclore platino trouxe para algumas formações musicais nativistas um instrumento de

percussão: o bombo legüero. Embora não houvesse uma adesão maciça por parte dos músicos

nativistas desde sua chegada nos 60, é possível ouvi-lo em alguns trabalhos que lembram bem os

gêneros platinos, cobrando popularidade aos poucos. O mais tradicional dos bombos é feito com

casca de árvore que é o verdadeiro legüero, mas tem os que são feitos de madeira compensada,

chamados de bombo nativo.

Figura 7: Bombo Legüero

O seu antecessor parece ser o tambor medieval militar, já que seu formato era cilíndrico,

mas as ligaduras das peles não são parecidas, sendo estas similares às caixas de guerra da Idade

Moderna. As peles são feitas de couro de cabra ou ovelha, embora já se viram imitações em

couro sintético. O processo de fabricação do instrumento é totalmente artesanal. O nome de

legüero, segundo a conceituada folclorista Isabel Aretz, vem por causa da distância que ele era

ouvido no campo, quando usado como instrumento de sinais. Assim tinha bombos que se ouviam

a uma, duas, três ou quatro léguas, daí o seu nome (www.paginadogaucho.com.br/instrumentos).

A origem certa do bombo foi na região noroeste da Argentina, e nos anos 60 se tornou um

instrumento imprescindível para o acompanhamento na música folclórica Argentina. A partir

desses anos, passou a fronteira e começou a ser usado no Uruguai; mais tarde chega em RS para

ser acolhido entre os nativistas como instrumento de percussão. Atualmente, existem artistas e

conjuntos nativistas que não dispensam o bombo legüero nas suas instrumentações, assim como

Page 67: Música Nativista. Julho2006

66

outros instrumentos de percussão como o cajón de origem flamenca, a moringa de origem árabe e

outros que são usados por percussionistas modernos.

Figura 8: Cajón

Segundo os renovadores da música gaúcha, os nativistas de concepção mais avançada,

estes novos timbres enriqueceram as performances e as gravações da nova música regional

(www.páginadogaúcho com.br).

Alguns instrumentos de origem indígenas têm aparecido esporadicamente em alguns

conjuntos nativistas, como as quenas incaicas ou a flauta pan, mas segundo Paixão Côrtes não

são instrumentos dos primitivos habitantes de Rio Grande do Sul, sendo estes de indígenas que

habitavam terras de colonização espanhola (Paixão Côrtes, 1981, p.43).

Os instrumentos eletrônicos criaram bastante confusão no meio musical gaúcho,

principalmente quando despontaram as guitarras e os contrabaixos elétricos. Os teclados também

foram alvo de proibições em festivais, e na percussão, a bateria foi muito discutida entre os

teóricos do tradicionalismo para seu uso. O fato é que estes instrumentos modernos não fazem

parte do grupo que se consideram instrumentos tradicionais para fazer a música gaúcha, é por

isso que havia relutância enquanto sua utilização. As coisas começaram a mudar um pouco

depois da V Califórnia, e com o sucesso de outro festival surgido na cidade de Santa Rosa: o

Musicanto Sul-americano de Nativismo, cuja primeira edição foi em 1983. Seu criador, Luiz

Carlos Borges disse �o festival não barra estilos musicais, ritmos e temas, e aceita instrumentos

eletrônicos de todas as formas� (Jacks, 1998, p.44). Numa outra parte da sua entrevista Borges

afirma que �Os conservadores não admitem o uso do contrabaixo eletrônico, nem da guitarra

elétrica, tampouco da bateria, dizendo até, que tais, desnaturam os festivais. Os bailes dos CTG

são �abrilhantados� com conjuntos musicais que só usam tais instrumentos. A polêmica é um

contra-senso� (Jacks, 1998, p.57). Especificamente neste festival, a modernização das tradições

que vem na onda dos instrumentos eletrônicos e com a entrada de gêneros �alienígenas� é

duramente criticada por parte do público e também por alguns músicos e compositores, a ponto

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67

de considerar alguns destes elementos como ameaça à tradição (Lucas, 1999, p.13). O fato é que

sobre este festival e em particular suas últimas edições, recai a crítica no que respeita à perda de

identidade e o ecletismo, presentes de maneira exacerbada. A descrição feita por Lucas no seu

trabalho Brasilhana, baseado no Musicanto de 1986, do palco preparado com uma parafernália

instrumental, que contava com instrumentos de percussão usados em escola de samba, guitarra

elétrica, bandoneón e instrumentos de sopro como saxofone e flauta transversal, parece mostrar o

espírito eclético e mistura de universos sonoros que o festival propõe. Nesse mesmo palco se

apresentou uma composição que misturava curiosamente dois ritmos bem diferentes entre si

como o samba e a milonga, contando com a ajuda da miscelânea de timbres proposta pelos

instrumentos citados (Lucas, 1999, p.9). A tentativa de inovar e, neste caso particular, de

aproximar duas culturas através de dois gêneros musicais distintos, recai no chamado de processo

de trans-culturização (Lucas, 1999, p.14). Isto mostra um dos pontos de convergência cultural e

musical que estamos tentando pesquisar neste trabalho. De toda forma, voltaremos nas

considerações finais a tratar desta questão entre gêneros ou linguagens de comunicação musical e

a transculturação.

4.4. A �Tchê Music�

Não poderíamos deixar de mencionar, para fechar este capítulo sobre gêneros e

instrumentos da música gaúcha, uma corrente de modernização que surge nos anos 90 talvez

como conseqüência do crescimento da indústria cultural regional, e que reúne novos elementos

tecnológicos e musicais, como a mescla de gêneros nacionais: a �Tchê Music�. Há uma relação

estreita deste tipo de música com o baile gaúcho, o popular bailão, que começou a ser promovido

na mesma época do surgimento destes novos conjuntos. Como colocou Borges anteriormente,

esses bailes são �abrilhantados� por estes grupos, que misturam instrumentos eletrônicos com

acústicos, cujo expoente regional ainda é a gaita. Em matéria de gêneros, a mistura também é

grande, pois é possível detectar elementos musicais, principalmente rítmicos, vindos de gêneros

como pagode e samba, da música sertaneja e do �Axé music� baiano. Coincidentemente, o nome

�Tchê Music� parece muito com o gênero mais popular da Bahia, mostrando uma proposta

mercadológica desde seu aparecimento, que é a de tentar equiparar ou contestar a hegemonia

comercial em nível nacional exercida pelo �Axé music� (Lucas, 2000, p.56).

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68

O objetivo se centra em exportar em nível nacional uma versão moderna da música

gaúcha, tentando impô-la como linha de dança. Segundo um radialista local, este tipo de música

faz sucesso devido à inexistência de nenhum tipo de restrição para tocá-la ou dançá-la, e �não se

identifica com o sistema de proibições encontrados nos CTG� (Lucas, 2000, p.57). Devemos

salientar que esta linha musical (tchê music) tem um marcado apelo comercial, tanto no que se

refere ao mercado discográfico, como às apresentações ao vivo, feitas em grandes locais de baile.

Discordando deste comportamento, os nativistas da geração dos festivais e os tradicionalistas do

MTG, assinalam que a proposta destes conjuntos, chamados também de �pop gaudério�, não faz

parte da cultura nem das tradições gaúchas (ver capítulo 3, p.51).

Com todas estas informações sobre a historia da formação cultural e social do gaúcho, o

surgimento dos movimentos, as expressões artísticas e, em particular a música, seus gêneros e

outros elementos, partiremos para as considerações finais.

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69

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os processos históricos mencionados no capítulo1 tiveram enorme importância na

formação da cultura gaúcha. A mistura de vários grupos sociais e diferentes etnias, num marco de

conflitos bélicos, localizados numa região onde a riqueza da terra se mostrava exuberante e sua

posição estratégica, centro do novo continente, moldaram uma cultura cujo centro é a figura

mítica do gaúcho. Esta imagem cultural surge como em nenhum outro lugar do país, através da

sua participação nas guerras, na defesa da terra, na lida do campo com animais e plantio. A

criação do mito responde à apologia ao passado, que resgata um tempo de heróis que

participaram das epopéias guerreiras, mascarando a verdadeira situação de pobreza e conflitos

sociais, negando as lutas de classes existentes no campo. Assim, o gaúcho deixa de ser um ser

social para passar a ser um símbolo mitificado, sufocando-se a visão real deste habitante do

campo (Golin, 1983, p.67).

A luta armada, por terras, riquezas e, mais tarde, por interesses políticos foi uma constante

na região, e o habitante do sul do Brasil foi ativo participante. O caráter altivo, valente e rebelde

que se atribui à figura do gaúcho possivelmente surja desta herança violenta que vem desde o

século XVII. Pelos acontecimentos que descrevemos ao longo do primeiro capítulo, poderíamos

afirmar que não houve outro lugar no país que tenha um passado de guerras e transformações

sociais tão bruscas como na região em que Brasil faz fronteira com Paraguai, Uruguai e

Argentina.

Os grupos sociais que interviram no processo de formação da cultura gaúcha eram bem

diferentes entre eles, e a interação entre os mesmos foi o que gerou esse passado de guerras e

violência que mencionamos anteriormente. A cobiça dos colonizadores espanhóis e portugueses,

os jesuítas no seu trabalho com os indígenas, criaram este primeiro cenário, recheado de

conflitos. Mais tarde, a ação dos bandeirantes e suas incursões aumentaram a dose de

intemperança na região. No passo pelo sul, as Bandeiras fundaram cidades e vilas, deixando sua

marca através dos tempos. Com a tentativa de desenvolvimento econômico, surgiram os

tropeiros, carregando produtos do sudeste para o sul e vice-versa, unindo regiões que eram

potencialmente ricas, fato que se confirma com as fazendas de café do sudeste e a pecuária

sulina. Os imigrantes europeus completaram o mosaico étnico do sul do Brasil. Estes grupos de

países diferentes trouxeram vários elementos culturais, talvez o mais importante foi a música e,

junto, os instrumentos típicos que foram e são muito usados na atualidade. A adaptação dos

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70

gêneros europeus na América do Sul fez com que as expressões musicais mudassem a ponto de

criar sobre estes, um estilo próprio para cada região.

O processo de socialização entre estes grupos diferentes foi o que delineou a cultura

gaúcha. A convivência e as trocas de costumes que vão desde o vestuário, a culinária e a língua,

dentre outras coisas, moldaram este conjunto de hábitos, muitos deles transformados em

elementos da tradição. Se pensarmos que nos séculos XVII e XVIII os limites políticos entre os

países eram quase que vagamente definidos, diríamos que esta socialização se estendia para as

regiões além fronteira, mais precisamente estes processos se davam sem uma consciência precisa

do que é a fronteira política.

Na metade do século XIX, os movimentos culturais que apareceram desde a época da

Guerra do Paraguai surgem com o intuito de enaltecer os valores do homem do campo e seu

entorno, através da literatura, em um primeiro momento, como o fez a Sociedade Partenon

Literário, a partir de 1868. Mais tarde, o Grêmio Gaúcho criado pelo Major Cezimbra Jaques,

também tem um perfil literário, mas já esboça explicitamente a sua intenção de cultuar as

tradições de Rio Grande do Sul. Devemos lembrar, neste caso, que a inspiração do Grêmio foi a

�Sociedad Criolla� de Montevideo, Uruguai, o que nos mostra uma sintonia entre a cultura do RS

e rio-platense, no que se refere à manutenção da tradição e ideologia. Ainda como mostra de

afinidade entre rio-platenses e rio grandenses, vale lembrar o que o próprio Cezimbra Jaques

disse do gênero milonga, admitindo que é aceito em RS, assim como outros gêneros folclóricos

platinos como a �media caña� e o �pericón� (Paixão Côrtes, 1981, p.46) (ver capítulo 4,

gêneros).

Em 1948, com a fundação do Movimento Tradicionalista Gaúcho começa uma nova

concepção cultural no Rio Grande do Sul, que passará também para Santa Catarina e parte do

Paraná. Com traços de nacionalismo exacerbado, o Tradicionalismo corta radicalmente tudo que

é estrangeiro à cultura gaúcha, chamando de �alienígena� a todo e qualquer elemento cultural do

exterior. Desta maneira, aparecem inúmeras contradições entre o que os ideólogos do

Tradicionalismo promulgam e o que os acontecimentos históricos demonstram. Um exemplo

evidente destas controvérsias se produz no momento em que são formuladas as danças

tradicionais gaúchas. Os tradicionalistas Barbosa Lessa e Paixão Côrtes viajaram para Uruguai

para estabelecer contato com as �Sociedades Criollas� com o fim de encontrar elementos para

formular as danças (Santi, 2004, p.43). Como é possível negar um fato destes, dizendo mais

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tarde, que os elementos alienígenas devem ser eliminados da cultura gaúcha? O que é

considerado alienígena? Dentro deste conceito, entram também os indivíduos que estão do outro

lado de uma linha simbólica chamada de fronteira política, que usam bombachas, tomam mate,

andam a cavalo e gostam do campo, da terra, quase da mesma terra?

Outro assunto interessante é a questão da língua ou, para melhor dizer, a linguagem do

�gaúcho� e seus regionalismos. Poderíamos trazer novamente o conceito de �alienígena�, que

neste caso seria a língua ou toda expressão que não é considerada língua portuguesa. Como é

possível encontrar nesses regionalismos e na linguagem do �gaúcho� tantos termos em espanhol

ou castelhano? Basta conferir no Dicionário de Regionalismos de Rio Grande do Sul

confeccionado pelos irmãos Zeno e Rui Cardoso Nunes. Este fato, às vezes, parece ser negado

pelos tradicionalistas, argumentando que querem �acastelhanar� o gaúcho, em outras

oportunidades se valem desse linguajar como amostra de diferença do resto do país. Cabe

mencionar que a maioria dos vocábulos em espanhol que aparecem misturados na �linguagem

gaúcha� se referem ao campo, isto é, são palavras usadas no âmbito rural platino. Na língua

espanhola estes termos também são agrupados como expressões próprias da linguagem

�gauchesca�. A passagem através das fronteiras destes regionalismos idiomáticos se dá na

decorrência dos processos históricos e culturais que descrevemos nos capítulos anteriores.

O Tradicionalismo, de certa forma, criou uma distância entre a cultura regional do sul e o

resto do país. Isto parece ser produto do antigo sentimento separatista vindo da época dos

Farroupilhas e também das inúmeras contradições em que os ideólogos do movimento

proclamam em cartas, estatutos e conferências ou entrevistas. A exemplo disto, poderíamos

mencionar uma entrevista de 1981, da qual participam Gluacus Saraiva e Paixão Côrtes (1981,

p.73). Saraiva se queixa dizendo que terá que se lutar muitos anos para que a cultura �gauchesca�

seja aceita no Brasil, que os gaúchos são repudiados e tratados como semi-estrangeiros, �sempre

nos empurrando para a banda do Prata�. O resto do país não aceita esta cultura como

autenticamente brasileira. Faz menção às guerras, nas que o povo gaúcho participou ativamente,

como se fosse o único fato que garantiu a soberania nas fronteiras do sul, tanto em sentido

político como cultural. Observa que o Movimento Tradicionalista demonstrou ao longo de trinta

anos ser a maior escola de civismo e princípios da brasilidade. A seguir, admite ser inegável a

origem do gaúcho que, segundo ele, é produto da cruza de aventureiros espanhóis, portugueses e

índios. Imediatamente, Paixão Cotes descreve os tipos de gaúchos, dizendo que o da fronteira

Page 73: Música Nativista. Julho2006

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�representa um tipo, naturalmente, mesclado e de identidade maior com o espanhol� (Paixão

Côrtes, 1981 p.73). Estas contradições ideológicas, por um lado, e as mostras da supervalorização

pelas epopéias guerreiras são sinais que mostram o porquê do isolamento cultural com respeito ao

resto do Brasil. E a negação das coincidências culturais com os países vizinhos? E essa rejeição

mostrada à cultura �alienígena� de bombachas e chimarrão, que fica do outro lado das fronteiras

com Argentina e Uruguai? Há uma intenção dos tradicionalistas de se isolar das culturas platinas,

ao parecer por questões ideológicas, também porque a dinâmica social do campo e seus

habitantes são diferentes nessas latitudes, como veremos mais adiante.

No plano ideológico, o historiador Tau Golin elaborou uma profunda análise sobre o

Movimento Tradicionalista no seu livro A Ideologia do Gauchismo (1983). Neste trabalho, o

autor critica acirradamente ao movimento e mostra o que há por trás da pregação do culto às

tradições gaúchas, em termos políticos, sociais e culturais. Golin explica o isolamento

tradicionalista, como uma forma de segurar o monopólio da cultura e a respeito de elementos

�alienígenas�, comenta que por causa da arte engajada de artistas de países vizinhos é que se

definiu a criação das �barreiras aos fatores e idéias alienígenas (...) diametralmente opostos ou

antagônicos aos costumes e pendores naturais de nosso povo� (Golin, 1983, p.63). Sobre as

contradições dos ideólogos do MTG, as considerações de Ruben Oliven mencionadas no capítulo

1 do presente trabalho parecem as mais apropriadas, lembrando que ele disse da grande

dificuldade dos tradicionalistas para definirem conceitos como tradição, folclore, dentre outros, e

que estes ideólogos usam um certo conhecimento sobre estes temas como forma de poder, para

ter o monopólio sobre o que chamamos de cultura gaúcha.

O Nativismo trouxe ares de modernização para o cenário cultural gaúcho. Já observamos

no decorrer do trabalho que se consolidou como movimento depois de várias edições da

Califórnia da Canção Nativa. A mudança mais significativa foi, talvez, a abertura para uma nova

estética musical, que se materializou nas novas composições, nas instrumentações musicais e na

integração com os países vizinhos através dos gêneros, como também, no intercâmbio entre

compositores e intérpretes. Possivelmente, esta integração tenha trazido uma mudança também

no sentido ideológico, pois, como dissemos anteriormente, a arte engajada de alguns

compositores e músicos rio-platenses considerada nociva para os tradicionalistas, começou a ser

vista de maneira mais consciente e realista por parte dos nativistas. Estes traços de mudança no

aspecto ideológicos aparecem aos poucos em algumas composições, mas ganharam força dia-a-

Page 74: Música Nativista. Julho2006

73

dia, principalmente no que se refere à poesia e as letras das composições que contam a realidade

social, o verdadeiro sofrimento do homem do campo.

No campo das disputas entre o Tradicionalismo e o Nativismo podemos dizer que como

duas tendências diferentes que cultuam as mesmas tradições, uma conservadora e outra

progressista, de fato existiram e existem divergências. Como já relatamos, o MTG sempre esteve

muito próximo dos núcleos de poder de Rio Grande do sul. Seus ideólogos sempre ocuparam

cargos nos governos e secretarias do Estado, desta maneira, qualquer ameaça a esta hegemonia

cultural, obviamente, seria questão de conflito. De certa maneira, o Nativismo e sua proposta de

renovação sempre foi uma ameaça para o monopólio tradicionalista. Num outro enfoque,

poderíamos pensar que um movimento é continuação do outro, somente uma modernização das

tradições. Afinal, o Nativismo, como movimento, surgiu no seio do Tradicionalismo gaúcho em

época de festivais. Inegavelmente, as mudanças estéticas aconteceram e parece não haver dúvidas

que os nativistas foram os responsáveis, até da proposta de integração cultural com o folclore rio-

platense, hoje vista de forma natural.

As pesquisas de campo que relatamos no terceiro capítulo mostram, eloqüentemente, o

espírito de integração que hoje se vive no meio Nativista. A primeira pesquisa feita em Lages,

Santa Catarina, evidenciou o grau de conhecimento sobre a cultura platina e seu folclore por parte

dos artistas catarinenses e rio-grandenses que participaram do evento. Notamos também que estes

músicos e compositores não abandonaram em momento algum as raízes brasileiras e o

sentimento da sua nacionalidade, senão que os colocavam junto deste desejo de integração

através das conversas, da música, e porque não, do mate amigo, que junta essas culturas. A

segunda pesquisa feita em Florianópolis, entrevistando dois artistas de RS, já famosos no meio

nativista, não mostrou grandes diferenças com respeito à primeira. Foi confirmada a idéia da

integração sul-americana que hoje permeia no meio nativista, ainda enriquecida com detalhes

como o que dá o artista de Santana do Livramento (Leonel Gomes)28, a respeito da roupa, ou

como menciona Marenco29, sobre as parcerias com artistas argentinos ou suas influências

musicais, vindas do folclore platino (ver capítulo 3).

As coincidências culturais que detectamos nas pesquisas de campo também aparecem

quando analisamos costumes regionais, principalmente nas zonas fronteiriças, e que também

28 Ver Capítulo 3, Conversa com artistas de Rio Grande do Sul. 29 Idem 28.

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podem ser notadas em regiões interioranas do sul do Brasil. Em estudos mais atuais, com um

grau de aprofundamento maior, veremos diferenças sutis entre os elementos culturais analisados,

mas em camadas superficiais, as coincidências sem dúvida que existem. Sobre este tema faremos

referência ao trabalho do pesquisador Alejandro Grimson, que salienta várias questões sobre as

diferenças e semelhanças culturais (2004). Um dos pontos cruciais é a construção dos Estado e

das nações, fato que modifica o pensamento em nível regional, direcionando o olhar das cidades

fronteiriças para um pensamento nacional como centro de sua dinâmica social. De todas formas,

Grimson afirma que se detectam práticas culturais comuns na fronteira de Argentina com o

Brasil, âmbito da sua pesquisa. Os rituais realizados sobre os costumes gaúchos e �gauchos� se

davam em ambos lados, mas com características diferentes. Do lado brasileiro há exaltação a esta

cultura, um orgulho de enaltecer as tradições. Do lado argentino, os �gauchos� são discriminados

e pertencem às camadas mais pobres. Este olhar confirma que superficialmente parecem culturas

com os mesmos valores, mas em profundidade a pesquisas de campo demonstram o contrário.

Numa outra pesquisa, Roberta Brandalise estudou algumas relações entre as cidades da fronteira

Argentina/ Brasil (2002). Confirmando o que observamos no estudo de Grimson, Brandalise

afirma que as relações das cidades de fronteira se distanciaram por causa de interesses nacionais,

principalmente comerciais de grandes empresas sediadas em São Paulo ou em Buenos Aires.

Também pontua que a mídia televisiva aumenta o campo de disputa entre as populações e que

antes de todos estes elementos da modernização e globalização, a relação entre as populações

fronteiriças eram muito mais fluidas e amigáveis. Podemos observar que no aspecto cultural,

Brandalise menciona semelhanças e identificadores entre brasileiros e argentinos, como a cultura

do campo, a comida, como o churrasco, o chimarrão, o consumo de cordeiro com arroz, e a

música. Os brasileiros acham a música Correntina muito próxima da gaúcha, principalmente o

chamamé. Outra pesquisa interessante neste campo das semelhanças/diferenças culturais é a da

Luciana Hartmann (2004a). Este trabalho mostra na fronteira do Brasil com Uruguai uma série de

histórias (�causos�) contadas por narradores através do uso de métodos audiovisuais (fotos,

filmagens). Dela podemos resgatar um parágrafo que serve de resumo sobre este tema:

Como verifiquei ao longo da pesquisa, esta �área cultural� que congrega as três fronteiras possui muitas afinidades, muitas semelhanças, muitas identidades. Pois bem, ainda que para seus habitantes esta convergência de valores, de tradições e de histórias se confirme, há demarcações visíveis, porem sutis, que impõem limites entre o �nós� uruguaio, o �nós� argentino e o �nós� brasileiro. No caso da minha pesquisa, os comentários e observações feitos constantemente às imagens mostradas aos contadores

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de um país ou outro, em especial aquelas relativas a eventos sociais, como rodeios, criollas (festas campeiras), carreiras (corridas de cavalo) etc., foram fundamentais para que eu acedesse à compreensão de alguns desses demarcadores identitários.(Hartmann, 2004a, p.77).

No mesmo artigo, em nota de rodapé, Hartmann disse que na sua tese de doutorado

(2004b), argumenta que há uma cultura comum que liga os habitantes dos três países fronteiriços,

uma cultura da fronteira e que se desenvolve paralela às culturas nacionais.

Uma mostra evidente da tentativa de integração entre as culturas do sul do Brasil e a rio-

platense é o evento artístico-cultural �Buenos Aires em Porto Alegre�, �Porto Alegre em Buenos

Aires�. Este encontro é organizado pelas prefeituras de ambas cidades com o intuito de integrar

através das artes estes dois importantes centros da América do sul. As atividades se desenvolvem

durante uma semana em cada cidade com apresentações musicais e teatrais de cada delegação

artística. A investigação realizada pela antropóloga Verônica Pallini mostra, nos seus relatos, que

a música é um dos principais elementos escolhidos pelos brasileiros para representá-los e para

fomentar essa integração (2000). Há várias entrevistas no decorrer deste trabalho que revelam

traços de coincidência cultural. Escolhemos alguns trechos dos depoimentos para mostrar essas

evidências:

Escolhemos o mais representativo de Porto Alegre, a música popular gaúcha. Temos muita identidade cultural através disto, com as milongas e a música popular. Temos mais proximidade com Buenos Aires e Montevidéu do que com Rio de Janeiro e São Paulo, pela localização geográfica. A música nordestina nos parece uma moda, algo mais comercial (Pallini, 2000, p.26).

Esta entrevista foi dada por uma funcionária da comissão organizadora e mostra um pouco

do sentimento de integração e mostra, através da música o que há de mais representativo

artisticamente no sul do país. Os depoimentos de dois músicos brasileiros participantes do evento

expressam na entrevista a realidade dessa integração:

Muitas vezes o público interpreta nossa música como pitoresca. E que não podem crer. Para os que não nasceram no sul do Brasil, a musica brasileira é sinônimo de samba, bossa nova, música baiana. Mas para poucos é igual a chamamé (...) É que a música que fazemos os músicos gaúchos tem influência do folclore argentino. (...) Nos compomos chamamé como se fosse um ritmo brasileiro. (...) Fui criado escutando música Argentina nos centros de tradição gaúcha (Pallini, 2000, p.24)

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Na segunda entrevista o músico brasileiro Tonho Villeroy disse:

Sou um cara da fronteira. Em São Gabriel uma das primeiras palavras que aprendi foi �bueno� (em espanhol original). Isto para dar um exemplo da familiaridade que tenho com o castelhano ou por acaso o portunhol: vem da minha primeira infância. (...) Ainda assim, o certo é que o sul do Brasil segue sendo Brasil. Em Porto Alegre, capital provincial que também é porto fazemos samba, vivemos o carnaval, e mergulhamos em acessos de paixão quando joga nossa seleção de futebol e todo mais (Pallini, 2000, p.25).

Nota-se a diferença no discurso de ambos músicos: o primeiro com marcada identificação

musical com gêneros estrangeiros como o chamamé, afirmando que este já foi adotado pelos

gaúchos como se fosse um ritmo nacional. O segundo mostra conhecimento da cultura fronteiriça

como elemento diferencial do resto do país, mas imediatamente incorpora o discurso nacional

através de fortes identificadores como o samba, o carnaval e a paixão pela seleção de futebol. Há

mais depoimentos de produtores brasileiros do evento que salientam a proximidade entre as

culturas, existente em detalhes como o chimarrão ou o churrasco e, no que respeita às cidades

(Buenos Aires-Porto Alegre) expressam que há em ambas,características similares o que faz com

que os habitantes de uma, sintam�se à vontade na outra. A contribuição de Pallini com seus

relatos e análises sobre o evento ajuda a entender os mecanismos de integração, um deles é a

música e o quanto a identidade nacional pesa nessa tentativa sócio-cultural.

Há evidências que uma das linguagens de integração entre a cultura gaúcha e a rio-

platense, senão a mais importante, é a música. O processo evolutivo para chegar até a atualidade

desta expressão cultural tem um percurso longo, cheio de interações provenientes das culturas

atuantes que se misturaram e agiram nas regiões já descritas. O estudo das mudanças acontecidas

na música gaúcha ao longo de toda a formação cultural da região nos levará a expor uma série de

conceitos que definem os processos acontecidos até o momento. Um desses conceitos, talvez o

mais importante, é o de hibridização. Segundo Nestor Garcia Canclini, a definição é a seguinte:

Entendo por hibridização processos sócio-culturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas� (2001, p.xix).

Poderíamos afirmar através desta definição que a cultura gaúcha como um todo é produto

de processos contínuos de hibridização, resultante da interação entre esses grupos sociais, antes

mencionados, e as diferentes etnias atuantes na região. No campo especifico da música, Canclini

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exemplifica citando a fusão de melodias étnicas com a música clássica ou contemporânea, o jazz

e a salsa são mencionados por ter gêneros híbridos resultantes de misturas com outras culturas

musicais, também em artistas como Beatles ou Peter Gabriel encontramos melodias inglesas

misturadas com motivos hindus (2003, p.xx). No caso especifico da música gaúcha, há uma

transformação dos gêneros europeus que, misturados com elementos nacionais, geraram os ritmos

regionais que já mencionamos (capítulo 4). Há que dizer que junto do processo cultural

aconteceram os de ordem social, admitidos pela maioria dos ideólogos dos movimentos e

estudiosos do tema, são os processos associados à hibridização: a mestiçagem, na ordem de

misturas interculturais, que também é referida como criolização, o sincretismo para a diversidade

e mistura de religiões e a transculturação, conceito que podemos associá-lo ao processo que

transformou a música gaúcha, como veremos mais adiante (Canclini, 2001, p. XXVI).

Com um tratamento focalizado na música latino-americana, Herom Vargas expressa num

artigo da sua autoria, a existência de hibridismo nas expressões musicais desta parte do

continente (2004). Mencionando reconhecidos autores, Vargas faz alusão ao hibridismo através

de elementos como escalas, ritmos, instrumentos, formas de execução, novas tecnologias e novos

nomes de gêneros. Um dos exemplos de gênero híbrido que Vargas cita no seu trabalho é o do

tango, com informações que coincidem com o que colocamos no capítulo 4 a respeito da junção

de ritmos que daria origem a este importante gênero platino.

Não há dúvidas que, fazendo um parâmetro, encontraremos na modernização da música

gaúcha, especialmente trazida pelo nativismo, os traços de hibridização que acabamos de citar.

Tentando ir mais longe, admitindo que a música vinda da Europa se transformou em gêneros

regionais de importância, poderíamos colocar um dos conceitos mencionados anteriormente, que

explica o processo acontecido com estes ritmos no sul do Brasil: a transculturação. Segundo

Maria Elizabeth Lucas, há menção deste fenômeno relacionado à canção popular desde 1940, em

um livro do musicólogo cubano Fernando Ortiz, que diz que a transculturação era uma forma de

descrever o caráter de intercâmbio entre a cultura africana e européia existente em Cuba (Lucas,

2003, p.75). Ampliando este conceito, Ortiz salienta o intercâmbio cultural, a interação e a

fertilização cruzada, que produz um fenômeno ou uma realidade completamente nova. Lucas

também cita Mary Louise Fat que, em seu livro Imperial Eyes: Travel Writing and

Transculturation (Lucas, 2003, p.75), se refere a isto como um �fenômeno de zona de contato�,

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78

que são aqueles espaços sociais nos quais culturas desiguais encontram-se para estabelecer uma

luta e relações de domínio e subordinação, principalmente em elementos antagônicos.

Há evidências suficientes no processo histórico e cultural já descritos neste trabalho, que

gêneros como a habanera, a polka, a mazurca, o schottische e a valsa sofreram transformações

para dar origem aos ritmos gaúchos, em processos de transculturação que vêm do século XIX.

Na renovação estética proposta pelo Nativismo na música, encontra-se indícios deste fenômeno,

através de amostras de diversidade cultural, múltipla identidade, relações intermusicais levadas

pelo discurso musical, significados interculturais expostos nas letras e poesias, mescla de

interpretações dos artistas nos gêneros, e tecnologia, característicos de diferentes regiões e épocas

(Lucas, 2003, p.75, 76).

Atualmente, a música nativista parece estar apoiada em duas pilastras (gêneros) muito

sólidas: a milonga e o chamamé. Estes ritmos aparecem fundamentalmente citados nas pesquisas

de campo, e são aqueles que compositores e intérpretes utilizam mais freqüentemente como

linguagem musical para expressar sua arte. O mais interessante disto é que analisando a forma em

que se tocam e interpretam a milonga e o chamamé no sul do Brasil, observamos que estes

gêneros conservam todas as características musicais que detectamos nos seus homônimos

platinos, somente a língua portuguesa atua como diferencial. Notamos que estes gêneros musicais

são pontos em comum entre a cultura gaúcha e a platina, e que em certa maneira, servem como

linguagem de comunicação regional. Prova disto são as parcerias entre artistas do folclore platino

e reconhecidos expoentes nativistas (pesquisa de campo, capítulo 3). É importante frisar que estes

gêneros comuns aparecem somente como elo entre as culturas no âmbito regional, ao contrário do

que surge como experiência no contexto nacional e suas expressões de identidade musical: o

samba brasileiro e o tango argentino, que segundo Menezes Bastos expressam uma

irredutibilidade mútua, portanto não existem pontos de diálogo (1997, p.33).

A modernização das tradições gaúchas e em particular, as suas expressões musicais,

responderam a processos sociais que aconteceram no século XX na América do Sul,

acompanhando a realidade na medida que as mudanças foram acontecendo. Estes câmbios são

mencionados por Canclini num parágrafo do seu livro Culturas Híbridas, que nos serve como

reflexão sobre a modernização da cultura gaúcha. Segundo o autor, as culturas camponesas e

tradicionais não representam mais a parte majoritária da cultura popular explicando que isto se

deve a que as cidades latino-americanas passaram conter entre o 60 ou 70 % dos habitantes.

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Também salienta que, no âmbito rural o folclore e a cultura popular não têm mais um �caráter

fechado�, isto é produto das relações mais versáteis que se desenvolvem com a vida urbana, com

as migrações, com o turismo e as opções que oferecem os meios eletrônicos, assim como a

reformulação de antigos movimentos religiosos e a aparição de outros novos. Justifica �se que os

novos migrantes do campo para as cidades ainda mantêm formas de sociabilidade e celebrações

de origem camponesa, mas adquirem o caráter de �grupos urbanóides� (Canclini, 2001, p.218).

Segundo o etnomusicólogo José Jorge de Carvalho, existe a necessidade de que o folclore se

estude em ordem local e regional ao mesmo tempo, e também sejam observados os diálogos que

se produzem com os gêneros estrangeiros. Desta forma, as tradições se reformulam em um

sistema interurbano e internacional de circulação cultural. Carvalho acrescenta que:

[...] existe uma vertente de formas híbridas que também nos une, sendo possível identificar relações de novos ritmos populares brasileiros com novas expressões da Bolívia, Peru, Venezuela, Caribe, México etc. [...] Não é possível compreender a tradição sem compreender a inovação [...] (Carvalho, 1989, apud Canclini, p.219).

Nas considerações destes importantes autores, encontramos fortes coincidências que

mostram e podem resumir, de alguma maneira, o percurso de nossa pesquisa. O caminho do

Nativismo como movimento se deu de forma progressiva e firme até os dias atuais, mas,

inegavelmente, há possibilidade de pesquisa e discussão sobre uma série de temas transversais

que envolvem esta forte expressão cultural do sul do Brasil.

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Jornal Tchê

Jornal Zero Hora

Revista Sul

Revista Tarca

Partituras dos anexos disponíveis em:

Revista Canto Sul ( vários números)

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ANEXO I

Convite do �Corredor de Canto e Poesia�

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Adesivo de propaganda do �Corredor de Canto e poesia�

Fotos do �Corredor de Canto e Poesia�

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ANEXO II

Partituras

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Vaneira

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Chamamé

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