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CENTRO UNIVERSITÁRIO BARÃO DE MAUÁ JULIO CEZAR PECKTOR DE OLIVEIRA MÚSICOS ESTRANGEIROS À ORQUESTRA SINFÔNICA DE RIBEIRÃO PRETO (1995-2000) RIBEIRÃO PRETO – SÃO PAULO 2009 Create PDF files without this message by purchasing novaPDF printer (http://www.novapdf.com)

Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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CENTRO UNIVERSITÁRIO BARÃO DE MAUÁ JULIO CEZAR PECKTOR DE OLIVEIRA

MÚSICOS ESTRANGEIROS À ORQUESTRA SINFÔNICA DE RIBEIRÃO PRETO (1995-2000)

RIBEIRÃO PRETO – SÃO PAULO 2009

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JULIO CEZAR PECKTOR DE OLIVEIRA

MÚSICOS ESTRANGEIROS À ORQUESTRA SINFÔNICA DE RIBEIRÃO PRETO (1995-2000)

Monografia apresentada como exigência para obtenção do grau de licenciado em História no curso de graduação em História do Centro Universitário Barão de Mauá. Orientador: Prof. Dr. Wlaumir Doniseti de Souza

RIBEIRÃO PRETO – SÃO PAULO

2009

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JULIO CEZAR PECKTOR DE OLIVEIRA

MÚSICOS ESTRANGEIROS À ORQUESTRA SINFÔNICA DE RIBEIRÃO PRETO (1995-2000)

Monografia apresentada como trabalho de conclusão do curso de Licenciatura Plena em História do Centro Universitário Barão de Mauá.

___________________________________ Prof. Dr. Wlaumir Doniseti de Souza

___________________________________

Profª. Esp. Vera Helena Berti Passetto

___________________________________ Prof. Ms. Ricardo Moraes Scatena

Ribeirão Preto, 13/11/2009

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94(81) O45o

Oliveira, Julio Cezar Pecktor de Músicos Estrangeiros à Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (1995-2000). / Julio Cezar Pecktor de Oliveira. – Ribeirão Preto, 2009. 122 fl.; il., 30 cm. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em História) – Centro Universitário Barão de Mauá. Orientador: Prof. Dr. Wlaumir Doniseti de Souza 1. Orquestra sinfônica. 2. Música. 3. Estrangeiros. 4. Poder simbólico.

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Aos meus pais e irmãos. Aos meus avós e antepassados. À minha esposa, Maria Helena

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AGRADECIMENTOS

A Deus. À minha esposa pelo amor, carinho e pela paciência. À minha família, pelo apoio e

incentivo, mesmo estando distante. À família de minha esposa igualmente pela ajuda e pelo

incentivo. Agradeço, em especial, ao Sr. Guilherme Pincerno Favaro, pela generosidade, por ter

investido e apostado em mim. Ao Prof. Dr. Wlaumir Doniseti de Souza, por sua brilhante

orientação, munindo-me de dicas, explicações e auxílio nessa pesquisa. Agradeço aos músicos e

pessoas vinculadas à OSRP pela contribuição valiosa. Ao Dr. Luiz Gaetani, a Jonas Mafra,

Bogdan Dragan e Milton F. Bergo, pelas entrevistas ricas em informações. À ajuda de colegas,

em especial a de Dalva Bueno Marmirolli. Agradeço a ajuda e o companheirismo – sem exceção

– de todos os colegas do 3º ano de História, em especial a de Adriano de Petta, Amanda de

Barros, André Luís Gomes Strambe, Biara Bighi, Felipe Augusto Bazon, Francisco Junio

Leopoldino, Ivo Antônio Mazzei Neto, João Paulo Nunes Ferreira, Marília Ribeiro

Cardoso, Michelle Borges, Michele Fernanda da Silva, Vera Paula Madeira, Valter

Martins de Paula, Vinícius Góes Pizzo e Zilá Galoni Domingues. Agradeço a compreensão

dos parceiros profissionais, dentre eles a de Álvaro Martins. Por fim, agradeço a todos que

tornaram possível a realização desse trabalho.

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“Se as artes são caminhos que

conduzem ao Criador, a música é, sem

dúvida, o caminho mais curto.”

Luiz Gaetani

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a participação de músicos estrangeiros à época da

passagem do maestro Roberto Minczuk pela Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, no período

1995-2000, a partir dos métodos de história oral. Além disso, a pesquisa oferece um histórico da

atividade estrangeira no cenário musical de Ribeirão Preto, desde a chegada de imigrantes a

alguns ilustres estrangeiros que legaram à cidade contribuições marcantes. Tal histórico apresenta

Ribeirão Preto como uma cidade musical diferenciada no estado de São Paulo e um centro

cultural inserido na modernidade. Veremos como o conceito de “modernidade conservadora”

pode ser aplicado às elites de Ribeirão Preto, desde os tempos da Belle Époque e mesmo até

tempos recentes.

Palavras-chave: estrangeiros, Ribeirão Preto, orquestra sinfônica, modernidade, poder simbólico

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ABSTRACT

The present research´s goal is to analyse the participation of foreigner musicians during

conductor Roberto Minczuk´s time at Ribeirão Preto Symphonic Orchestra in the 1995-2000

period, by the means of oral history methods. Besides that, the research offers a history of foreign

activity in Ribeirão Preto´s musical scene, since the arrival of imigrants and some illustrious

foreigners who have left meaningful contributions to the city. Such past presents Ribeirão Preto

as a distinct musical city in the State of São Paulo and a cultural center engaged into modernity. It

will be seen that the concept of “conservative modernity” can be applied to Ribeirão Preto´s elite,

ever since Belle Époque and even to most recent times.

Key-words: foreigners, Ribeirão Preto, symphonic orchestra, modernity, symbolic power

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................... 10 I ESTRANGEIROS À ORQUESTRA SINFÔNICA DE RIBEIRÃO PRETO................. 22 1.1 Os imigrantes, a música e a modernidade.................................................................... 22 1.2 Reflexões sobre a formação da elite musical ribeirãopretana....................................... 31 1.3 A fundação da OSRP.................................................................................................... 35 II RELATOS DE VIDA: A OSRP COM ROBERTO MINCZUK..................................... 54 2.1 Dr. Luiz Gaetani............................................................................................................ 54 2.2 Bogdan Dragan.............................................................................................................. 60 2.3 Jonas Mafra................................................................................................................... 67 2.4 Milton Fernando Bergo................................................................................................. 75 III CONTRADIÇÕES E CONVERGÊNCIAS................................................................... 84 3.1 Ingresso à OSRP............................................................................................................ 84 3.2 A batuta de Roberto Minczuk........................................................................................ 94 3.3 Facetas........................................................................................................................... 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 114 FONTES.............................................................................................................................. 119 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 120 ANEXOS............................................................................................................................. 123

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INTRODUÇÃO

O tema e recorte temporal pesquisados justificam-se a partir da evidente ascensão da

Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (OSRP) ao final da década de 1990. É lugar-comum dentre

os freqüentadores de concertos, que o período estudado (1995-2000) representou a melhor fase

técnica da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, pois contou com a presença do Maestro

Roberto Minczuk e de uma quantidade significativa de músicos estrangeiros, que geraram a

qualificação da Orquestra. A presente pesquisa aborda a história da OSRP e a presença de

estrangeiros em sua trajetória, com ênfase – a partir do recorte temporal – na relevância da

passagem do Maestro Roberto Minczuk frente à Orquestra.

A segunda orquestra mais antiga em atividade no Brasil – superada em longevidade

apenas pela popular Orquestra Tabajara, fundada em João Pessoa-PB, em 1934, e que até hoje

permanece em atividade no Rio de Janeiro – a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto possui em

sua trajetória um histórico de participações estrangeiras, cujo marco inicial é a contribuição do

alemão Max Bartsch – presidente fundador da Sociedade Lítero Musical de Ribeirão Preto,

entidade mantenedora da ORSP. No entanto, iniciativas estrangeiras, igualmente relevantes,

anteriores à fundação da Orquestra, sugerem uma discussão acerca da influência estrangeira no

cenário musical erudito de Ribeirão Preto. Para compreender tal influência, é necessário reportar

a uma breve contextualização das significativas transformações sócio-econômicas e urbanas

ocorridas em Ribeirão Preto, na passagem do século XIX ao século XX, as quais promoveram a

inicial atuação estrangeira no cenário musical erudito e seus desdobramentos até a origem da

OSRP.

O objetivo inicial da pesquisa é demonstrar a influência estrangeira no cenário musical

erudito de Ribeirão Preto, que resultou no surgimento das primeiras bandas e das efêmeras

orquestras anteriores à OSRP. Pretende-se abordar a transformação dos entretenimentos em

Ribeirão Preto, pela atuação estrangeira, destacando a figura do francês François Cassoulet e

como seus empreendimentos promoveram novos locais para a execução musical e uma gradual

aproximação da música erudita com a elite econômica da cidade. Em seguida, será discutida a

formação da elite ribeirãopretana enquanto consumidora dos signos da modernidade – dentre os

quais a música erudita – transformando a Orquestra Sinfônica num veículo cultural a seu serviço,

conferindo-lhes distinção e status.

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Por fim, pretende-se investigar o contexto do ingresso de músicos estrangeiros à

Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto em face às iniciativas de Roberto Minczuk no período

1995-2000, época em que a atuação de Minczuk, aliada à presença de tais músicos estrangeiros

resultou numa melhora artística significativa para a Orquestra.

A partir da dificuldade de fontes escritas que oferecessem elementos úteis à presente

pesquisa, foi fundamental o uso da metodologia de História Oral, sendo este extremamente eficaz

para a coleta de informações. Através dos procedimentos difundidos por alguns dos principais

autores – José Carlos Sebe Bom Meihy1, Paul Thompson2, Ecléa Bosi3 e Verena Alberti4 – dessa

modalidade de metodologia, foi possível elaborar o desenvolvimento da pesquisa, qual seja a

participação de músicos estrangeiros à época da passagem de Roberto Minczuk à OSRP.

Definindo-se o objeto de estudo e o método, iniciou-se o processo de entrevistas. De

acordo com Verena Alberti em Manual de história oral, é necessário estabelecer alguns critérios

para selecionar os entrevistados, de modo que “a escolha dos entrevistados seja [...] guiada pelos

objetivos da pesquisa” 5 e que essa escolha deve ater-se a princípios qualitativos e não

quantitativos. Cabe selecionar os entrevistados entre “aqueles que participaram, viveram,

presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que possam fornecer

depoimentos significativos”6.

Portanto, foram selecionados os indivíduos que possuíam um perfil coerente com a

pesquisa. Por exemplo, quando da escolha do músico estrangeiro, decidiu-se por entrevistar um

músico oriundo do leste europeu trazido para a Orquestra a partir da iniciativa do maestro

Roberto Minczuk – o ucraniano Bogdan Dragan. Com relação ao músico brasileiro, optou-se por

um que já estivesse aqui antes da chegada de Minczuk, de modo que tal músico pudesse fornecer

uma comparação detalhada da condição da Orquestra antes, durante e depois da passagem do

maestro – o violinista Jonas Mafra. A escolha do representante da administração da OSRP

também foi criteriosa. Interessava à pesquisa que fosse alguém que tenha integrado a diretoria da

OSRP. Sondou-se a possibilidade de se entrevistar o presidente da OSRP no período em questão

e obteve-se êxito – Dr. Luiz Gaetani. Um quarto entrevistado reuniu praticamente todas as 1 MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História Oral: Como fazer? Como Pensar? São Paulo: Contexto, 2007 2 THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992 3 BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994 4 ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. São Paulo: FGV, 2005 5 Ibidem, p.31 6 Ibidem, p.32

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características dos demais, senão vejamos: estava na OSRP antes da chegada de Roberto

Minczuk e à fase de contratação de estrangeiros, vivenciou essas mudanças, permaneceu após a

saída do maestro Minczuk e ainda tinha ascendência política dentro da Orquestra – foi Spalla

antes da chegada de Minczuk, além de ter encabeçado a Comissão de Orquestra durante certo

período – Milton Fernando Bergo. A Comissão de Orquestra organiza-se através de músicos

visando debater os interesses dos mesmos em face às decisões do maestro e da diretoria,

conferindo assim, “voz” aos músicos, buscando imprimir características políticas pertinentes ao

grupo de músicos.

Após a explicação sobre o tema e objetivos da pesquisa, todos os selecionados aceitaram

colaborar. A contribuição dos entrevistados superou as expectativas, cada qual representando

diferentes segmentos dentro da OSRP: o músico estrangeiro, o músico brasileiro, a diretoria da

OSRP e um ex-Spalla, cuja atuação representou a interação entre diretoria, maestro e músicos

nacionais e estrangeiros.

Os músicos relataram suas respectivas trajetórias na música e explicaram como e porque

ingressaram na ORSP. Também forneceram suas respectivas impressões sobre o relacionamento

com os outros músicos da Orquestra e narraram o contexto do ingresso e o cotidiano com os

músicos estrangeiros ingressos no período estudado. Além disso, discorreram sobre

características do trabalho de Minczuk frente à Orquestra e trataram das causas da saída do

maestro. Com relação ao representante da diretoria da OSRP, foram abordados aspectos

vinculados ao relacionamento com Roberto Minczuk – suas impressões sobre a cidade, seu

relacionamento cotidiano, a contratação de músicos e contexto de sua saída.

As entrevistas foram realizadas em locais favoráveis ao entrevistado, ou seja, em sua

própria casa, ou local de trabalho. Em A voz do passado, Thompson explica que, “em geral, o

melhor lugar é a própria casa”. No entanto, “uma entrevista no local de trabalho [...] irá ativar

mais fortemente outras áreas da memória” 7. Na obra História oral: como fazer? como pensar?,

José Carlos Meihy8, indica que “deve-se, sempre que possível, deixar o colaborador decidir onde

gostaria de gravar a entrevista” 9.

Em função da pouca disponibilidade de horários por parte dos entrevistados, o tempo de

duração de cada entrevista foi, em média, 35 minutos. Foi utilizado um gravador digital o qual

7 Ibidem, p.265 8 MEIHY; HOLANDA, op. cit., p.136 9 Ibidem, p.57

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facilitou o armazenamento dos arquivos em CD, além da praticidade quando da transcrição.

Segundo Meihy, “a moderna história oral depende de recursos eletrônicos”10, pois são essenciais

para a gravação e posterior transposição do oral para o escrito.

Com exceção de uma das ocasiões, as entrevistas não contaram com a presença de outras

pessoas além do entrevistador e do entrevistado. A exceção ocorreu na entrevista do Dr. Luiz

Gaetani na qual esteve presente a colega Dalva Bueno Marmirolli.

A presença de outras pessoas “não só inibe a franqueza, como exerce uma sutil pressão no

sentido de um testemunho socialmente aceitável” 11 , embora o autor admita que por vezes,

sobretudo no caso de entrevistas com pessoas idosas, a presença de outra pessoa – igualmente

idosa – possa estimular a memória do entrevistado. De certa maneira, pôde-se constatar essa

afirmação, pois a entrevista com o representante da diretoria da OSRP ocorreu dentro dessa

circunstância.

Após a realização das entrevistas, as gravações foram transcritas buscando-se o máximo

possível de precisão. Thompson12 explica que “um transcritor precisa estar interessado nas fitas,

ser inteligente para dar sentido a elas, especialmente capaz na arte essencial de transformar as

pausas orais em pontuação escrita”. Trata-se de uma atividade trabalhosa que requer paciência e

atenção, pois é necessário ouvir, digitar, voltar, ouvir novamente.

Geradas as transcrições, as entrevistas foram submetidas ao processo de transcriação,

definido por Meihy como uma mutação da palavra num sentido estético, aprimorando ou

realçando a idéia que se pretende explicar, ou seja, “a transcriação nos aproxima do sentido e da

intenção original que o colaborador quer comunicar”. Essas recriações das entrevistas ocorrem

dentro de regras, como por exemplo, a condição de que o transcriador deve ter boa compreensão

sobre o que foi falado, e não perder de vista o sentido guardado nas afirmações do entrevistado.

Meihy corrobora que não existe, no ato da transcrição, uma fidelidade absoluta de uma entrevista.

Por isso a transcriação é tão importante para a história oral, pois é empregada “como ato de

recriação para comunicar melhor o sentido e a intenção do que foi registrado”13 .

Na obra Memória e sociedade: lembranças de velhos, Ecléa Bosi faz da transcriação um

momento em que aparentemente a faceta científica da história oral faz um contraponto com a

10 Ibidem, p.21 11 THOMPSON, op. cit., p.266 12 Ibidem, p.292 13 MEIHY; HOLANDA, op. cit., p.136

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arte, assim como Meihy. Ela consegue, com muita habilidade, imprimir às suas transcriações uma

vitalidade à fala de pessoas simples, de modo que o leitor torna-se capaz de apreender e

aproximar-se da importância de fatos aparentemente singelos para a vida das pessoas

entrevistadas. Bosi percebe uma função social da memória, através da qual o indivíduo torna-se

capaz de afirmar-se perante a sociedade, pois “não há evocação sem uma inteligência do

presente, um homem não sabe o que ele é se não for capaz de sair das determinações atuais”14.

Em outras palavras, a memória não é sonhar o passado, revestindo-o de saudosismo, mas sim, um

ato social de reflexão capaz de reafirmar identidades e influenciar os mais jovens, pois

[...] a verdadeira mudança dá-se a perceber no interior, no concreto, no cotidiano, no miúdo; os abalos exteriores não modificam o essencial. Eis a filosofia que é transmitida à criança, que a absorve junto com a grandeza dos socialmente “pequenos” a quem voltamos nossa primeira afeição e que podem guiar nossa percepção nascente de mundo. Depois esse tempo ficará sendo o tempo subjacente, dominado, e mergulharemos no tempo da classe dominante que prepondera uma vez que assume o controle da vida social.15

A etapa após a transcriação consiste em submetê-la à apreciação do entrevistado “para que

ele se reconheça nela, faça durante o ato de conferência a validação que lhe garanta

reconhecimento de si mesmo”16.

De modo geral, os entrevistados forneceram seus relatos a partir de um roteiro semi-

estruturado de perguntas previamente elaborado. De acordo com Thompson 17 , “pode-se

estabelecer uma diferença entre os chamados questionários de perguntas fechadas e [...] uma

conversa livre em que a pessoa é convidada a falar sobre um assunto de interesse comum”.

Porém, segundo o mesmo autor, não é possível utilizar uma entrevista completamente livre.

Nesse sentido, justifica-se o uso de um roteiro de perguntas que “devem ser sempre tão simples e

diretas quanto possível”18, que confiram objetividade à entrevista, mas que sejam flexíveis a

ponto de não intimidar ou impedir o entrevistado de discorrer livremente sobre outros assuntos,

ainda que necessariamente ligados ao tema.

14 BOSI, op. cit., p.81 15 Ibidem, p.73-74 16 MEIHY; HOLANDA, op. cit., p.137 17 THOMPSON, op. cit., p.257 18 Ibidem, p.264

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No que tange o método para a articulação das informações, o modelo de história oral

híbrida descrito por Meihy 19 permite um detalhamento maior de análise, pois promove um

embasamento dos relatos orais a partir do suporte de fontes escritas. Segundo Meihy20 , tal

procedimento “implica cruzamentos capazes de diversificar lógicas internas a cada segmento”, ou

seja, as experiências dos indivíduos entrevistados que representaram as diferentes categorias

dentro da Orquestra. De certa forma, Ecléa Bosi também faz uso desse modelo de história oral,

porém ela possui um estilo mais poético ao analisar as transcriações, mesclando-a com uma

análise psicológica dos indivíduos e também com fontes as mais diversas, como, por exemplo,

obras literárias. Esse estilo confere maior fluidez e oferece ao leitor relacionar as lembranças

evocadas pelas personagens com explicações e reflexões da psique humana – as quais muitas

nem se pretendem definitivas.

Seguindo os princípios dos referidos autores, tem-se como objetivo utilizar uma

combinação entre esses modelos de metodologia de História Oral na análise que segue, na

tentativa de oferecer uma compreensão acerca das peculiaridades coletadas nas entrevistas.

Com base nas informações contidas na obra 50 anos de orquestra sinfônica em Ribeirão

Preto: 1938-198821, foi possível identificar a participação de estrangeiros, sobretudo maestros, ao

longo da trajetória da OSRP. Myrian Strambi oferece uma visão de cunho memorialista exaltando

os idealizadores de fazer de Ribeirão Preto uma cidade musical. Trata não apenas da história da

ORSP, mas das tentativas anteriores que resultaram frustradas de se estabelecer uma orquestra na

cidade. Além disso, ela articula documentos da orquestra com artigos de jornais, promovendo a

repercussão dos diversos momentos da existência da OSRP junto à imprensa e à população.

Além da obra de Myrian Strambi, foi utilizado o trabalho de especialização de José

Pedrosa Ferraz Júnior22, intitulado A criação da orquestra sinfônica na Ribeirão Preto dos anos

de 1930, no qual aborda o contexto do surgimento da OSRP enfatizando as ações de Max Bartsch

e outros fatores que contribuíram para a manutenção da entidade. Outra obra de grande

19 MEIHY; HOLANDA, op. cit., p.130 20 Ibidem, p.131 21 STRAMBI, Myrian. 50 Anos da Orquestra Sinfônica em Ribeirão Preto: 1938-1988. Ribeirão Preto: Legis Summa, 1989 22 FERRAZ JR., J. P. A Criação da Orquestra Sinfônica na Ribeirão Preto dos anos de 1930. (TCC - Especialização) Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, 2006

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Page 17: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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importância para a pesquisa foi o mestrado de Thaty Mariana Fernandes23, chamado Atividades

musicais urbanas em Ribeirão Preto nas primeiras décadas do século XX, no qual aborda as

transformações urbanas em Ribeirão Preto e a inicial atividade musical, oferecendo dados

quantitativos da presença de profissionais ligados à música, além do contexto de surgimento das

primeiras bandas, dos carnavais e dos empreendimentos que faziam uso da música.

Igualmente útil à presente pesquisa foi a obra O Rei da Noite no Eldorado Paulista:

François Cassoulet e os entretenimentos noturnos em Ribeirão Preto (1890-1930), em que Luiza

Benedita da Silva 24 trata da atividade empreendedora do francês François Cassoulet face às

transformações sócio-econômicas e urbanas da cidade, caracterizando, na área do entretenimento,

a influência estrangeira enquanto canal para a entrada de novos hábitos e valores culturais em

Ribeirão Preto.

A relevância dessa pesquisa está em oferecer uma compreensão sobre como a formação

do cenário musical erudito de Ribeirão Preto está inserida num processo de intercâmbio cultural,

no qual atuaram elementos de influência estrangeira, paralelo ao modo com o qual a elite local

apropriou-se da modernidade, definida por Marshall Berman em Tudo que é sólido se desmancha

no ar, como

[...] qualquer tentativa feita por mulheres e homens modernos no sentido de se tornarem não apenas objetos, mas também sujeitos da modernização, de apreenderem o mundo moderno e se sentirem em casa nele. Trata-se de uma concepção de modernismo mais ampla e inclusiva [...].25 Ser moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição. É sentir-se fortalecido pelas imensas organizações burocráticas que detêm o poder de controlar e freqüentemente destruir comunidades, valores, vidas; e ainda sentir-se compelido a enfrentar essas forças, a lutar para mudar o seu mundo transformando-o em nosso mundo.26

Porém, essa definição de modernidade – ampla e inclusiva – é confrontada pela maneira

como a elite ribeirãopretana, concebeu o contato com o moderno. Bermann alerta para o fato que

“para homens modernos, pode ser uma aventura criativa construir um palácio, e no entanto ter de

23 FERNANDES, Thaty Mariana. Atividades Musicais Urbanas em Ribeirão Preto nas Primeiras Décadas do Século XX. (Dissertação de Mestrado) Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2008 24 SILVA, Luiza Benedita da. O Rei da Noite no Eldorado Paulista: François Cassoulet e os Entretenimentos Noturnos em Ribeirão Preto (1890-1930). Franca: UNESP, 2000 25 BERMAN, Marshall. Tudo que é Sólido se Desmancha no Ar: A Aventura da Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.11 26 Ibidem, p.21-22

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morar nele pode virar um pesadelo”27. Diz ainda que “esse problema é particularmente crucial

para um modernismo que impede ou hostiliza a mudança [...], um modernismo que busca uma

única grande mudança, e depois não aceita mais nenhuma”28. Essa afirmação se assemelha mais

com o tipo de modernismo vivenciado pela elite ribeirãopretana, compreendendo o que Doin

chama de “modernização conservadora”29, a partir do qual a elite se apropria e manipula os

símbolos do moderno, visando a manutenção do seu poder.

Com relação ao conceito de elite, Bottomore30, em As elites e a sociedade, desenvolve a

definição proposta por Pareto e subdivide essa classe em duas, descritas como: [...] uma elite governante, compreendendo os indivíduos que direta ou indiretamente participam de forma considerável do governo, e uma elite não-governante, compreendendo os demais [...] Assim, ficamos com dois estratos em uma população: I) um estrato inferior, a não-elite, [...] e II) um estrato superior, a elite, dividida em dois: a) uma elite governante; b) uma elite não-governante.31

Nesse sentido, a elite cultural ribeirãopretana tem sua origem a partir da vinculação de

indivíduos distintos junto ao estabelecido poder local. Alguns exemplos demonstram tal

fenômeno, a começar pelo mais famoso “Rei do Café”, o alemão Francisco Schmidt. Após

adquirir a fazenda Monte Alegre e mais um sem-número de propriedades da região, Schmidt

gradativamente associou-se a prefeitos e interventores do poder público. Como demonstração de

apreço à cultura, financiou a construção do Teatro Carlos Gomes, em 1897. Segundo Lombardi,

“Schmidt demonstrava todo o refinamento e a polidez que o tornaram conhecido como um

homem de gostos aristocráticos, membro de uma elite que buscava para si prestígio, distinção e

poder” 32. Existe, pois, uma estreita relação entre esse tão-desejado poder e a assimilação dos

valores da modernidade, que caracteriza a elite cultural de Ribeirão Preto. Gaetano Mosca

expressou sua idéia da natural existência das elites levando em conta justamente a esfera do

27 Ibidem, p.14 28 Idem 29 DOIN, José Evaldo de Mello, PERINELLI NETO, Humberto, PAZIANI, Rodrigo Ribeiro, PACANO, Fábio Augusto. A Belle Époque caipira: problematizações e oportunidades interpretativas da modernidade e urbanização no Mundo do Café (1852-1930) - a proposta do CEMUMC. Revista Brasileira de História, v. 53, p. 91-122, 2007, passim 30 Vilfredo Pareto concebe elite como aqueles indivíduos que atingem os mais altos níveis dentre as mais diversas atividades humanas. 31 BOTTOMORE, Tom B. As Elites e a Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1965, p.9 32 LOMBARDI, Marco Aurélio de Sousa. O Rei do Café na Capital do Oeste: Francisco Schmidt e a Modernização Urbana de Ribeirão Preto Durante a Belle Époque Caipira (1892-1920). (FHDSS-UNESP – pós-graduando)

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Page 19: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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poder, explicando que “em todas as sociedades – desde as parcamente desenvolvidas [...] até as

mais avançadas e poderosas – existem duas classes de pessoas – uma que dirige e outra que é

dirigida” 33.

A fundação da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, em 1938, além de estar inserida no

contexto da intervenção estrangeira, representou não apenas o advento de uma entidade cultural

para a cidade, mas também a consolidação de um símbolo da modernidade e da sofisticação a

serviço de uma elite, a qual, fez dos concertos ocasiões onde o importante era “ver e ser visto”,

caracterizando a Orquestra como um campo de relações simbólicas do qual participavam

membros da diretoria – elite dominante –, maestros e músicos.

A partir da obra Economia das trocas simbólicas, de Pierre Bourdieu34 – por meio de seus

conceitos de Condição e Posição de Classe e também o conceito de Ressentimento de Classe –

veremos como esse campo simbólico se apresenta no período estudado, 1995 a 2000, envolvendo

a presença de músicos estrangeiros, os demais músicos nacionais e o relacionamento com o

Maestro Roberto Minczuk, um dos principais maestros brasileiros da atualidade.

Bourdieu demonstra o caráter simbólico que permeia as relações entre as classes que

formam a estrutura social, e que também as define. Posição de classe representa a posição que os

indivíduos ocupam dentro da estrutura social – esta praticamente estática –, enquanto condição

de classe diz respeito ao sistema de relações simbólicas que ao mesmo tempo define e distingue

uma posição de outra. Tal sistema de relações simbólicas age por meio de signos distintivos que

conferem status àqueles que os possuem. Funcionam como signos distintivos as roupas, a

linguagem, a cultura, conferindo significado não apenas à parcela de indivíduos a quem

pertencem – identificando-os como parte de um grupo em comum – mas também em relação aos

demais indivíduos, diferenciando-os por não compartilharem dos mesmos símbolos. No caso em

pesquisa, a maior distinção é a competência técnica. Além disso, os símbolos que conferem status

e distinção precisam ser constantemente renovados, pois, ao cumprir sua função, tornam-se

gradualmente mais divulgados e comuns, portanto, menos exclusivos e distintivos em relação ao

grupo que lhes significa. No contexto pesquisado da OSRP, isso explica a busca constante pelo

aprimoramento.

33 BOTTOMORE, op. cit., p.10 34 BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. Brasília: Perspectiva, 2007

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19

Porém, Bourdieu explica que a posição de um indivíduo dentro da estrutura social não

pode ser definida apenas a partir de sua posição relativa – “superior”, “média” ou “inferior”. É

preciso considerar o sentido do trajeto social que ele percorre, ou seja, como se comporta o

indivíduo ainda que inserido num grupo caracterizado a partir das mesmas propriedades de

classe, ou seja, a maneira peculiar de comportamento cada classe dentro da estrutura social –

hábitos, visão de mundo, aspirações, entre outros. Em contrapartida, por ressentimento de classe,

Bourdieu define a indignação moral, mais relacionada às classes inferiores, expressada a partir da

ascensão social e/ou simbólica de um indivíduo de mesma classe. Tal indignação ou

ressentimento resulta da ética da burguesia ascendente – a classe média – a qual, segundo

Bourdieu, percebe na classe inferior e na classe superior a ausência das mesmas privações e

sacrifícios os quais necessariamente devem ser enfrentados para ascender socialmente. Trata-se

da convicção burguesa do mérito. Neste sentido, propõe-se compreender o papel do Maestro

Roberto Minczuk na e para a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto.

Roberto Minczuk nasceu em 23 de abril de 1967, na capital paulista. Sua instrução

musical iniciou-se aos seis anos “na Igreja Assembléia de Deus Russa, onde o pai, José Minczuk,

era diretor musical”35. Ingressou na Escola Municipal de Música36 onde, aos nove anos, “foi

estudar trompa com Enzo Pedini”37. Não é exagero afirmar que Roberto Minczuk é um talento

precoce, fruto de sua formação familiar e o rigor dos estudos musicais ainda na infância. A

tradição musical familiar, aliada à virtude do ouvido absoluto38, aos poucos moldaram o jovem

prodígio a partir dos mais exigentes padrões artísticos e pôde estudar com professores ilustres e

em conservatórios renomados, dando início a uma carreira meteórica.

Estreou como solista aos dez anos, no Theatro Municipal de São Paulo. Aos 13, já ocupava o posto de primeira trompa da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo e,

35 Disponível em http://www.movimento.com/mostraconteudo.asp?mostra=3&codigo=371 . Acesso em 08-09-2009 36 Fundada em 1969 pelo prefeito Faria Lima, a EMM foi criada com espírito pioneiro. Inspirada nos melhores conservatórios europeus, mas com perfil próprio e adequado à realidade do país, a unidade tem por missão formar músicos profissionais, com destaque para os instrumentos de orquestra. Buscando esse modelo, a EMM é a única escola de música no país com corpo docente completo, atendendo interessados de todos os instrumentos de uma orquestra sinfônica, além de regência, canto, saxofone, cravo, flauta doce e vilão. Disponível em http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/teatromunicipal/corpos_artisticos/index.php?p=1042 . Acesso em 08-09-2009 37 Disponível em http://www.movimento.com/mostraconteudo.asp?mostra=3&codigo=371 . Acesso em 08-09-2009 38 O ouvido absoluto proporciona ao seu portador a capacidade de reconhecer com extrema precisão a freqüência característica de cada som, possibilitando-o nomear tons específicos, assim como entoá-los isoladamente, sem a necessidade de recorrer a quaisquer parâmetros. Disponível em http://www.musicaeadoraçao.com.br/tecnicos/musicalizacao/ouvido_absoluto_relativo.htm . Acesso em 08-09-2009

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Page 21: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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no ano seguinte, partiu para Nova York, onde estudou na Juilliard. Com 15, formou e regeu durante três anos a Orquestra da Igreja Evangélica Ucraniana em Nova Jersey. Aos 16, estreou no Carnegie Hall como solista, à frente da Filarmônica Jovem de Nova York. Aos 20, já graduado, foi convidado por Kurt Masur a integrar a Orquestra Gewandhaus de Leipzig, na Alemanha.39

Estudou regência com Eleazar de Carvalho, Roberto Tibiriçá e aperfeiçoou-se com o

maestro belga Ronald Zollman. Ao longo de sua carreira também estabeleceu parcerias com

vários maestros renomados, tendo sido nomeado “em 1997 [...] adjunto de John Neschling na

OSESP e assistente de Kurt Masur na Filarmônica de Nova York”40.

Dentre os muitos prêmios obtidos em sua trajetória como maestro, destacam-se:

[...] o primeiro lugar no I Prêmio Eldorado (1985), o Prêmio Moinho Santista Juventude (1991), o Prêmio APCA de Revelação (1980 como trompista e 1998 como regente) e o Prêmio APCA de Melhor Regente (1999).41

Recentemente foi agraciado com os prêmios “[...] Martin Segall, o Grammy Latino de

Melhor Álbum Clássico com o CD Jobim Sinfônico [...], o Emmy, o Prêmio Carlos Gomes, o

APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) como Melhor Regente e o Prêmio TIM, estes

últimos em 2006”42.

Tantas premiações abriram-lhe as portas para reger a principais orquestras do mundo, a

destacar as orquestras filarmônicas de “Nova York, Los Angeles e Israel, orquestras da Filadélfia

e Minnesotta; sinfônicas de St. Louis, Atlanta, Baltimore, Toronto e Ottawa, dentre outras”43. Em

suas muitas viagens à Europa “regeu as sinfônicas da BBC de Londres e BBC de Cardiff, as

filarmônicas de Londres, Oslo, Halle, Rotterdam; as orquestras nacionais da França, Lyon e

Royal National Scottish”44 obtendo sucesso de público e crítica.

No Brasil, Roberto Minczuk ocupou cargos em orquestras importantes. Após vencer o Iº

Concurso Latino-americano de Regência Orquestral da USP, assumiu em 1993 o posto de

Regente Titular da Orquestra Sinfônica da Universidade de Brasília. Em 1995 foi contratado pela

Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, onde permaneceu até 2000. Atuou na OSESP – Orquestra

39 Disponível em http://www.movimento.com/mostraconteudo.asp?mostra=3&codigo=371 . Acesso em 08-09-2009 40 Idem 41 Idem 42 Disponível em http://www.osb.com.br/maestro.php . Acesso em 08-09-2009 43 Idem 44 Idem

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Sinfônica do Estado de São Paulo – e atualmente dirige a OSB – Orquestra Sinfônica Brasileira –

no Rio de Janeiro.

Uma característica da vida artística de Roberto Minczuk é o fato de acumular cargos em

diferentes orquestras no mesmo período. Durante sua passagem pela Orquestra Sinfônica de

Ribeirão Preto, tornou-se também “Diretor Artístico Adjunto da Orquestra Sinfônica do Estado

de São Paulo [OSESP]”45. Além disso, “em 1998 foi contratado como Regente Assistente da

Orquestra Filarmônica de Nova York”46. Nesta última, em 2002, “foi convidado a assumir o

posto de Regente Associado, cargo pela última vez ocupado por Leonard Bernstein” 47 .

Simultaneamente, em várias ocasiões, Minczuk esteve à frente da direção artística do Festival de

Inverno de Campos do Jordão-SP.

Ao longo dos últimos anos viveu dividido entre Nova York e São Paulo. Atualmente,

Minczuk desempenha vários cargos, a saber: Diretor Artístico e Regente Titular da Orquestra

Sinfônica Brasileira (OSB) da Cidade do Rio de Janeiro e da Filarmônica de Calgary (Canadá),

Diretor Artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e do Festival Internacional de Inverno

de Campos do Jordão. Roberto Minczuk é casado com Valéria e o casal tem quatro filhos:

Natalie, Rebecca, Joshua e Julia.

45 Informação encontrada no programa do Concerto Nº 564 do dia 19 de junho de 1999 publicado pelo departamento de imprensa da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. 46 Idem 47 Disponível em http://www.osb.com.br/maestro.php . Acesso em 08-09-2009

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I. ESTRANGEIROS À ORQUESTRA SINFÔNICA DE RIBEIRÃO PRETO

No presente capítulo busca-se demonstrar a influência de estrangeiros na formação do

cenário musical de Ribeirão Preto, sobretudo a partir da imigração e das sensíveis transformações

de cunho econômico, urbano e sócio-culturais. A transformação dos entretenimentos é também

abordada. Discute-se a formação da elite local a partir da apropriação de elementos da chamada

música erudita e as tentativas de se estabelecer na cidade uma orquestra até o momento da

fundação da atual Orquestra Sinfônica e a contribuição do alemão Max Bartsch e de outros

estrangeiros vinculados à trajetória da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto.

1.1 – Os Imigrantes, a Música e a Modernidade

A partir da segunda metade do século XIX, São Paulo viveu uma época de grande

crescimento econômico, sobretudo em função da explosão da cultura cafeeira por volta de 1870,

cujo escoamento e exportação fizeram-se possíveis através da integração de várias cidades do

interior paulista com a capital, através de uma ampla rede ferroviária – a Companhia Mogiana de

Estradas de Ferro, fundada em 1883. Resultou dessa integração um enriquecimento volumoso da

região de Ribeirão Preto, de modo que a cidade tornou-se uma das mais ricas do interior do

Brasil. Tal condição tornou cada vez mais estreito o contato com novos valores sócio-culturais,

sobretudo àqueles oriundos da Europa – sinônimo de sofisticação e progresso – a ponto da cidade

se tornar conhecida como “Capital D´Oeste”, “Eldorado Paulista” e “petit Paris”48.

A cafeicultura provoca um processo de concentração de terras e Ribeirão Preto se integra definitivamente ao mercado internacional em novembro de 1883, quando os trilhos da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro chegam à vila. A ferrovia foi um elemento decisivo para a modernização e integração local, e trouxe uma arrancada de desenvolvimento econômico, cultural e mais crescimento populacional. Em 1869 havia 3.000 habitantes. Em 1890 já eram 12.033, e em 1900, 59.195 habitantes.49

48 "Ribeirão Preto, a cidade mágica, a pérola d'Oeste Paulista, a petit Paris, como a cognominam os viajantes da zona Mogiana [...]". Arquivo Público e Histórico (Ribeirão Preto), Diário da Manhã, Ano XI, jan/jun 1909. (apud PAZIANI, Rodrigo Ribeiro. Outras leituras da cidade: experiências urbanas da população de Ribeirão Preto durante a Primeira República. Tempo v.10 n.19 Niterói jul./dez. 2005) 49 FERNANDES, op. cit., p.17

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Concorreu para tamanho aumento populacional, a migração e a imigração em função da

demanda por trabalhadores nas lavouras de café no final do século XIX. No entanto, tal processo

iniciara-se desde o advento da Lei de Terras de 1850, da proibição do tráfico negreiro –

determinada no mesmo ano – e culminou com a escassez da mão-de-obra de escravos negros,

sobretudo após a abolição de 1888.

O contingente significativo de imigrantes – cuja maior parcela era de italianos -

caracteriza a crescente inserção do elemento estrangeiro em Ribeirão Preto, consolidada nas

primeiras décadas do século XX. Fernandes demonstra o sensível crescimento da população em

face da ocupação de imigrantes e destaca:

A importação de imigrantes, principalmente da Itália, Espanha e Portugal, iniciada na década de 1880, atingiu seu apogeu nas duas décadas da virada do século. Na primeira década do século XX, Ribeirão Preto recebeu mais de 19.000 novos imigrantes. Segundo o censo local de 1912, 41,83% da população do município eram estrangeiros. Os imigrantes causaram tremendo impacto social em Ribeirão Preto. Existiam organizações étnicas para cada nacionalidade representativa, jornais em língua estrangeira e, além disso, os recém chegados, certamente, trouxeram consigo uma variedade de novos costumes e preferências.50

Dentre esses “novos costumes e preferências” trazidos na bagagem dos imigrantes, está

inserido o trabalho familiar e a formação da economia que fez de muitos imigrantes

empreendedores exitosos. Além disso, contribuíram para a instalação da música na região,

fazendo surgir diversos grupos de instrumentistas amadores e diletantes da arte musical que

influenciou a difusão do gosto pela música européia. Ferraz Jr. destaca:

Os italianos trouxeram na bagagem da imigração o gosto pela música e difundiram na cidade o hábito de se cultuar essa vertente artística. Como chegavam em pequenos núcleos familiares, os italianos acabavam por formar entre si pequenas bandas de música. Nos idos de 1880, têm-se os primeiros registros dessas bandas e em 1910, havia em Ribeirão Preto pelo menos quatro bandas consolidadas [...]. Essas bandas passaram a interferir no gosto musical da população porque se apresentavam diariamente [...] em praças públicas.51

Nesse sentido, a prática musical é resultado direto da referida cadeia de transformações

econômicas e sócio-econômicas e culturais – desde o enriquecimento da região à intervenção dos

ingressos estrangeiros no novo espaço urbano que se formava em Ribeirão Preto. 50 Ibidem, p.18 (apud WALKER, Thomas e BARBOSA, Agnaldo de Souza. Dos coronéis à metrópole – fios da sociedade e da política em Ribeirão Preto no século XX. Ribeirão Preto: Palavra Mágica, 2000, p.41) 51 FERRAZ JR., op. cit., p.19

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Page 25: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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A cultura do café, aliada à ferrovia, transformaram a região não apenas em termos

econômicos, mas também sócio-culturais ao implementarem o intercâmbio com novas culturas,

frutos de uma era de grandes transformações urbanas e científico-tecnológicas, fazendo despertar

no imaginário das pessoas, a vontade de embarcar à esteira da modernidade e usufruir dos

acessórios dos novos tempos. Nesse sentido, não é possível dissociar a ação dos recém-chegados

imigrantes nas transformações sócio-culturais, sobretudo considerando-se sua atividade na

crescente Ribeirão Preto.

Na primeira década do século XX, a vida urbana consolidava-se em Ribeirão Preto e a

cidade despontava como o “Eldorado Paulista”, um lugar de grandes oportunidades, em especial

para os chamados “Reis do Café”, como Henrique Dumont, o alemão Francisco Schmidt, o

italiano Geremia Lunardelli, dentre outros. Por meio desses exemplos, observa-se igualmente na

cultura cafeeira a presença de estrangeiros.

Fez-se propaganda da cosmopolita Ribeirão Preto, de circulação de pessoas de todos os

cantos do mundo, do comércio próspero e diversificado, cujos principais agentes foram

fundamentalmente imigrantes estrangeiros. Os dados fornecidos por Fernandes comprovam a

participação de comerciantes e profissionais liberais de outras nacionalidades. Das atividades

profissionais na Ribeirão Preto do início do século XX, é apontado o seguinte:

Em 1902 há um aumento de 595,27% [no nº de profissões] e uma maior diversificação, com a presença de farmacêuticos, leiloeiros, magistrados, carpinteiros, marceneiros e mecânicos. As ocupações e estabelecimentos em maior número são: maquinistas, 261; costureiras, 37 (28 das quais estrangeiras); oficinas de alfaiates, 24 (entre as 48 pessoas empregadas, 38 estrangeiros); oficinas de carpintaria e marcenaria, 32 (entre os 42 empregados, 28 estrangeiros); parteiras, 11 (10 estrangeiras). Constatou-se que a maioria dos profissionais eram estrangeiros, com exceção dos maquinistas.52

Ferraz Jr. reafirma a importância dos estrangeiros em face ao desenvolvimento do

comércio em Ribeirão Preto e cita que “o imigrante europeu teve papel fundamental [...] porque

interagiu decisivamente para a expansão e diversificação comercial em Ribeirão Preto, com

efeitos diretos sobre o processo de urbanização”53.

52 FERNANDES, op. cit., p.36 53 FERRAZ JR., op. cit., loc. cit. (apud GUMIERO, E.A. in Ribeirão Preto e o Desenvolvimento de seu Comércio:1890 – 1937. Dissertação (Mestrado – História), FHDSS, Universidade Estadual Paulista, Franca, 2000, p.13)

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Page 26: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Com relação a profissionais da arte musical, também há em 1904 o registro de um

consertador de instrumentos musicais54, o que denota a preocupação e a relevância em oferecer a

devida manutenção aos instrumentos musicais que circulavam pela região. Outros tantos

profissionais ligados à música residiam em Ribeirão Preto nas primeiras décadas do século XX.

Fernandes cita a existência de professores de música e afinadores de piano – embora não aponte

seus nomes – e afirma:

Os professores residiam na própria cidade, muitos deles eram estrangeiros, inclusive com formação no exterior. Anunciavam-se nos jornais com freqüência, mas em número reduzido. Lecionava-se, principalmente, canto e piano, além de iniciação musical.55

Anúncios de consertadores e afinadores de pianos eram muito freqüentes. Esses profissionais, na maioria das vezes, não residiam na cidade, apenas permaneciam por, no máximo, alguns meses. Os pianos necessitam de apenas uma afinação por ano, por isso os afinadores precisavam viajar de cidade em cidade em busca de trabalho. [...] em Ribeirão Preto havia um volumoso comércio de pianos.56

Por volta de 1902, a população da cidade era de 52.929 pessoas, das quais 33.199 eram

estrangeiros57. Portanto, a Ribeirão Preto da passagem do século XIX ao XX caracteriza-se como

uma localidade vinculada a um espantoso processo de desenvolvimento, no qual está inserido o

elemento estrangeiro – de início o imigrante das plantações de café, em seguida o do comércio e

das diversas profissões estabelecidas na cidade. Os comerciantes estrangeiros, atentos às

necessidades de consumo de parte da população, investiram, sobretudo, naqueles produtos que

facilmente pereciam durante as longas viagens pelo Atlântico58.

Destarte, fica evidente que a presença estrangeira compreendeu não apenas o grande

contingente de imigrantes do qual resultou um significativo aumento populacional, mas também

o agente da inicial difusão de valores europeus, da crença de que uma vida melhor era possível na

Ribeirão Preto que crescia rapidamente.

A presença de exitosos comerciantes estrangeiros e do vigoroso fluxo comercial a partir

da cultura cafeeira construiu a imagem da Ribeirão Preto cosmopolita, inovadora, valorizadora de

54 FERNANDES, op. cit., p.37 55 Ibidem, p.65 56 Idem 57 SANTOS, J. R. Imigração e ascensão social em Ribeirão Preto entre o final do século XIX e meados do XX. In: Anais do XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu/MG, 2006, p.3 58 Ibidem (apud DEAN, WAREN. A Industrialização de São Paulo. São Paulo: Edusp, 1971, passim), p.4

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Page 27: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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elementos da modernidade, os quais, conforme difundia-se, traduziam-se como benefício comum

à todos os cidadãos.

Portanto, no imaginário da população urbana, a modernidade visível denotava o advento

de uma época auspiciosa, oferecendo a Ribeirão Preto a possibilidade do contato e consumo de

elementos da cultura provedora da modernidade – a européia –, sobretudo a francesa, da qual

destacam-se os cafés, os cabarés, a boemia noturna, os bailes e concertos realizados,

contraditoriamente, por italianos e brasileiros. Ferraz Jr. afirma que “a vida na cidade tornava-se

cada vez mais dinâmica e isso exigia formas de lazer e entretenimento condizentes com a nova

realidade”59, de fato real ou imaginada. A prática e difusão musical erudita estavam igualmente

inseridas nesse processo de se consumir o moderno, o sofisticado e o refinado, ainda que o grosso

da música erudita difundida fosse de outros séculos.

O final do século XIX é a época em que “[...] a Vila de São Sebastião do Ribeirão Preto

tomou ares de cidade mesmo.”60 A nova realidade urbana da Ribeirão Preto inserida no mercado

internacional do café, representou também uma significativa transformação dos entretenimentos

da cidade. Nesse sentido, a Belle Époque61 francesa se fez ecoar por essas bandas, deixando para

trás o retrato da Ribeirão Preto enquanto cidade pacata, cujos costumes cotidianos eram simples e

vinculados à vida rural. Silva62 analisa o desenvolvimento do entretenimento em Ribeirão Preto

em comparação com outras cidades da região, nas quais os processos econômicos foram

similares. Conclui a autora que cidades como Campinas, Franca e Batatais, embora tivessem as

mesmas condições, não atingiram o nível de desenvolvimento geral verificado em Ribeirão Preto.

Quanto à natureza do entretenimento, Silva63 demonstra que na 1ª República este passou

de uma condição “familiar – rural – diurna” para outra que pode ser definida como “elitista –

urbana – noturna”. Além disso, ocorre igualmente um deslocamento das instâncias políticas do

meio rural para o urbano. É a época em que o Coronelismo começa a perder força e o poder passa

a ser disputado por outras categorias políticas, compostas por profissionais liberais, empresários e

comerciantes64.

59 FERRAZ JR., op. cit., p.22 60 FERNANDES, Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26 .Acesso em 19-08-2009 61 DOIN, J.E.M.; PERINELLI NETO, H.; PAZIANI, R.R.; PACANO, F.A. op. cit., passim. 62 SILVA, op. cit., passim 63 Idem 64 FERRAZ JR. (apud WALKER, T., & BARBOSA, A.S. Dos Coronéis à Metrópole. Ribeirão Preto: Palavra Mágica, 2000, p.87), op. cit., loc. cit.

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Page 28: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Na Ribeirão Preto, urbanizada e agora reduto político, logo desenvolveram-se

entretenimentos peculiares – igualmente resultantes do contato com os modelos europeus. Na

torrente desse processo contribuiu um francês, que chegou à região ao final do século XIX e

transformou a concepção de diversão.

François Cassoulet, um ex-garçom parisiense e empresário em Buenos Aires,

desembarcou em Ribeirão Preto em 1884 trazendo consigo a visão européia de entretenimento.

Sua atividade está diretamente ligada a uma época de inovações tecnológicas – a maioria inédita

em Ribeirão Preto, como o cinematógrafo, por exemplo – e de transformações urbanas que

ocorriam na cidade, sobretudo a construção de prédios suntuosos, baseados em estilos

consagrados na Europa. Muitos desses novos prédios – que mudaram a paisagem central de

Ribeirão Preto – tiveram suas construções patrocinadas pelos ricos cafeicultores, a destacar os

investimentos do Cel. Francisco Schmidt65. É o caso, por exemplo, do antigo Teatro Carlos

Gomes, inaugurado em 1897 – Antes localizado na Praça XV de Novembro e demolido na

década de quarenta.

Sua construção – em estilo neoclássico italiano, obedecendo à forma do teatro de ópera

europeu – representou o advento de um novo espaço de entretenimentos em Ribeirão Preto. Seu

uso seria reservado às apresentações de companhias líricas, tal como a companhia italiana De

Matta que apresentou a ópera “O Guarani”, do maestro campineiro Carlos Gomes, no dia de sua

inauguração em 7 de dezembro66. Contudo, o volume de apresentações de óperas era pequeno,

ocorrendo apenas uma ou duas vezes por ano, de modo que suas temporadas duravam cerca de

uma semana67. Tal condição implicou que o Teatro Carlos Gomes fosse utilizado para outros

eventos, como: realização de bailes, exibição do recém-chegado cinematógrafo, apresentações de

cantores e artistas, ventríloquos, comediantes, transformistas, etc.

É nesse processo de diversificação do entretenimento e, principalmente, de seu consumo

por parte da população, que está inserida a figura de François Cassoulet – que rapidamente

percebeu o quão rentável tal empreendimento poderia ser.

Ao chegar em Ribeirão Preto, Cassoulet começou suas atividades com um singelo

botequim, mas logo se tornou conhecido como promotor de diversões noturnas, trazendo para a

65 Disponível em http://www.ribeiraopretoonline.com.br/ruasecaminhos_descricao.php?id=890 . Acesso em 25-08-2009 66 FERNANDES, op. cit., p.59 67 Ibidem, p.62

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Page 29: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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cidade artistas e dançarinas. O grande salto foi a criação do Teatro Eldorado, em 1905.

Localizado antigamente na Rua São Sebastião, entre as ruas Amador Bueno e Álvares Cabral. O

Eldorado, considerado o pioneiro dos cafés cantantes do Brasil, foi o teatro com o maior número

de espetáculos da época, sendo palco para artistas estrangeiros e trupes as mais diversas, trazidos

pela Empreza Cassoulet. O êxito de François Cassoulet nos anos de 1910 foi tal que68:

A partir de então ele se tornou o grande agenciador dos espetáculos da cidade – dos mais diversos gêneros, para todo tipo de público e espaço: desde companhias líricas estrangeiras, como as de Ermete Noveli, Ermete Zarconi, Clara Della Guardia e Clara Weiss, até espetáculos circenses bizarros. Cassoulet passou a agenciar os espetáculos e administrar os principais estabelecimentos de diversão noturna: o Theatro Carlos Gomes – então o grande teatro da cidade, projetado por Ramos de Azevedo e demolido nos anos 40 –, o Eldorado e o Cassino Antarctica [...].69

Embora o aspecto público de seus empreendimentos, na prática, as novas diversões

denotavam uma essência elitista. Cassoulet vislumbrou a potencialidade dos entretenimentos

voltados para a parcela rica da sociedade e procurou explorar tal condição. Tanto no Eldorado –

desativado em 1914 – como no Cassino Antártica – fundado nesse mesmo ano em parceria com a

Cervejaria Antártica, instalada na cidade em 1911 – as diversões noturnas – exóticas, luxuosas e

sofisticadas – gradativamente configuraram-se exclusivas aos mais abastados.

O Eldorado e o Cassino Antarctica ofereciam performances artísticas, mesas de jogo e prostitutas de alto nível. A sua clientela era selecionada pelos altos preços. O Cassino era mais voltado para os jogos e era um ambiente mais “familiar”, com espetáculos em matinês. O Eldorado, porém, apesar do esforço de Cassoulet em fugir desse estigma, era o puteiro de luxo da cidade. Aliás, nessa matéria só havia uma pessoa capaz de fazer concorrência ao francês: a casa da negra baiana Etelvina, ou Gata Preta. E o refinamento do meretrício fez com que ele fosse tolerado pela sociedade.70[Além, é evidente, da clientela elitizada influente e conivente]

Com relação aos espetáculos musicais oferecidos no Cassino Antártica, há referência de

uma orquestra do Cassino, cuja organização ficava a cargo de um maestro Giovanni Gemme71.

Além disso, a Empreza Cassoulet mantinha outro espaço de entretenimento: o Bijou Theatre,

inaugurado em 1909, localizado à Rua General Osório, próximo ao Jardim Público. Sua função

68 FERNANDES, Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26&ID=163 . Acesso em 26-08-2009 69 Idem.Acesso em 23-08-2009 70 Idem.Acesso em 24-08-2009 71 FERNANDES, op. cit., p.64

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Page 30: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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era essencialmente a exibição de sessões de cinema, porém, existe a informação de que nesse

teatro havia também uma pequena orquestra – a cargo de Ormeno Gomes, sobrinho de Carlos

Gomes – além de ter sido espaço para a apresentação de bandas72.

Em função de dívidas e problemas administrativos – em outras palavras, a perda de uma

clientela elitizada já nem tão conivente – por volta de 1917, o “reinado” de François Cassoulet

chegava ao fim. Morreu em 1919, pobre e falido – seu velório foi bancado por suas ex-

prostitutas. Mas não morreu esquecido. Sua fama continuou intacta. Mediante votação popular,

por pouco seu nome não foi emprestado ao Teatro Pedro II, inaugurado em 1930.

Ao ser iniciada a construção do Theatro Pedro II [...], o jornal local ‘A Cidade’ promoveu um concurso por votos, para ser dado por esse meio, o nome do teatro. A contenda tomou vulto, e além de diversos nomes inspirados pelos votantes, sempre figurava em primeiro lugar os nomes do último imperador e de Cassoulet, e não poucas vezes Cassoulet figurava em primeiro plano. 73

A época áurea dos entretenimentos noturnos de Ribeirão Preto na 1ª República não teria

sido possível sem o empreendedorismo de François Cassoulet. Foi impressionante sua capacidade

de perceber as necessidades de diversão para a sociedade daquela época e oferecer atrações que

arrebataram os “ricos homens de família” em noitadas nada familiares, regadas por muita bebida,

jogatina e meretrizes de luxo. Suas iniciativas de entretenimento iam de encontro ao que a classe

tida e propagada como superior desejava consumir: a novidade dos espetáculos, artistas

estrangeiros, o glamour europeu, a vida de luxo, o sexo fácil e ocasional recheado de fantasias

onde o orgasmo era permitido e exigido à mulher – nem que fosse por uma noite.

Fica evidente, portanto, mais um exemplo da participação estrangeira e sua influência

direta na vida cultural e artística de Ribeirão Preto, através da atividade de François Cassoulet e

de seus marcantes empreendimentos, os quais, não apenas promoveram o nascimento da vida

noturna de Ribeirão Preto, mas também o surgimento de espaços e ocasiões muito específicos nos

quais houve intensa atividade musical, uma oportunidade ímpar de trabalho musical remunerado.

Conforme demonstrado anteriormente, a Ribeirão Preto do início do século XX tornara-se

um destacado centro provedor de entretenimentos, dentre os quais aqueles que exigiam a música

como elemento principal ou de acompanhamento. De fato, a música claramente se fazia presente 72 Idem 73 FERNANDES (apud CIONE, Rubem. História de Ribeirão Preto – vol. 1. Matão: IMAG, 1987, pág. 214). Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26&ID=163 . Acesso em 26-08-2009

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Page 31: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

30

no cotidiano daquela época e a população testemunhou o surgimento de grupos musicais cujas

apresentações animavam os teatros, as festividades cívicas, os carnavais, bailes e festas

religiosas. Veremos alguns desses grupos a seguir.

Cabe destacar a atividade das primeiras bandas que outrora percorriam as ruas de Ribeirão

Preto, sobretudo em torno do chamado “Jardim Público”, área que corresponde atualmente às

praças XV de Novembro e Carlos Gomes. Até a proibição dos carnavais de rua em 190974 – em

função dos foliões arruaceiros que importunavam as pessoas que circulavam pelo jardim público

– os carnavais passaram a ser mantidos por clubs, como o Club dos Lords, que oferecia desfiles

de carros fantasiados, cavalheiros com estandartes e bailes no Teatro Carlos Gomes.

As bandas aliavam-se aos foliões e marcaram época executando obras e arranjos

populares, bem como “ligeiras polkas e deliciosas valsas”, como refere o Diário da Manhã do dia

06-02-1913 75 . Dentre as bandas famosas na época encontram-se a “Filhos de Euterpe”,

“Bersaglieri”, “Banda Progressista”, “Ítalo-Brasileira” e a “Giacomo Puccini” 76 que se

apresentavam no Jardim Público e animavam sobremaneira a comunidade. A existência de tais

bandas populares – disseminadas a partir da influência estrangeira – consolidou a musica em

Ribeirão Preto. Dessas, a Bersaglieri, “teria surgido em 1894 [...] e [era] composta por membros

da colônia italiana”77. A “Filhos de Euterpe” foi uma das bandas mais queridas da época. Seu

surgimento data de 1905, mas, “ela deveria existir a muito mais tempo. [...] ela tocou na

inauguração do Jardim Público [...]. Daí em diante, o coreto do Jardim se tornou seu lugar

cativo.” 78 Outra banda da época, a “Banda Progressista” era formada por funcionários da

Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.

Com relação à participação estrangeira, houve bandas formadas tanto por imigrantes

quanto por membros das primeiras gerações de descendentes de italianos, portugueses,

comerciantes firmados na cidade. A “Giacomo Puccini” e a “Club dos Críticos Luso-Brasileiros”

representam tais características. A Banda do 3º B.C. – Batalhão de Caçadores de Ribeirão Preto –

chegou a ser considerada a melhor banda do estado de São Paulo79.

74 FERNANDES, op. cit., p.48 75 Ibidem, p.49 76 Ibidem, p.55 77 Idem 78 FERNANDES, Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26&ID=389 . Acesso em 24-08-2009 79 STRAMBI, op. cit., p.57

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Page 32: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Apesar da efervescência cultural do século XX, bandas, “clubs” – patrocinados por

comerciantes que lucravam com o consumo dos foliões –, cujos repertórios transitavam desde

marchinhas das paradas de sucesso da época até os chamados “clássicos ligeiros” 80 ,

gradativamente desapareceram81.

Mas não desapareceu a música. Esta permaneceu e aos poucos adquiriu uma característica

exclusiva, vinculando-se a grupos festivos muito particulares e àqueles dotados de maior apuro

musical. Os carnavais de rua deram lugar aos bailes dançantes noturnos, oferecidos pelos poucos

“clubs”. Observa-se então, a gradual aproximação da música erudita com a parcela mais

sofisticada da sociedade. É a época dos cabarés e dos já citados entretenimentos noturnos –

voltados aos endinheirados homens da sociedade ribeirãopretana. No entanto, é também nesse

contexto que nasce o ideal de que abrigasse a cidade uma entidade musical exclusivamente

destinada a entreter tal parcela de cidadãos, fazendo difundir, pois, a música classificada como

erudita – outro símbolo de distinção e refinamento.

1.2 – Reflexões sobre a formação da elite musical ribeirãopretana

Na primeira metade do século XX, a ordem de vanguarda – ditada pela Europa dos

cabarés, da boemia, do romantismo idealista, do apreço às artes e aos arquétipos artísticos –

influenciou em Ribeirão Preto um tipo de elite 82 cultural muito peculiar formada por uma

complexa miscigenação de elementos, dentre os quais o sistema administrativo próprio dos ricos

cafeicultores e fazendeiros regionais e o gosto musical dos comerciantes em ascensão – dentre os

quais um grande número era sabidamente estrangeiro, ligados às tradições musicais européias. O

referido processo de mesclagem de elementos estrangeiros com os do estabelecido grupo

econômico superior da cidade resultou num meio artístico voltado para a afirmação dessa elite.

O anseio dos mais abastados em viver as transformações da época e consumir ao máximo

as coisas da modernidade – vindas da Europa – concebe o que se convencionou chamar de

80 Por definição, trata-se de peças musicais eruditas de fácil assimilação, que rapidamente caíram no gosto do grande público. 81 Por volta de 1917 já são escassas as referências sobre essas atividades. 82 BOTTOMORE, op. cit., p.7

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Page 33: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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modernização conservadora83, um misto do arcaico com o novo, que determinou a maneira como

a elite local se apropriou dos signos do moderno.

A idéia de modernização conservadora vincula-se ao modo como a costumeira e infeliz manutenção do poder das elites se deu por meio da manipulação do desenvolvimento urbano e do desejo de experimentar os novos acessórios modernos (urbanização, telefone e cinema, entre outros). 84

A elite formada na Ribeirão Preto do início do século XX configura-se como um conjunto

de pessoas ricas – fazendeiros, comerciantes e profissionais liberais – que desejavam usufruir da

modernidade e a manipular ao seu bel prazer. Resulta daí o conceito de “modernização

conservadora”, que explica a maneira peculiar como essa elite – associada a uma estrutura

consolidada de poder partidário e do Estado – se apropriou das coisas da modernidade e as

utilizou visando sua hegemonia e manutenção do poder.

Evidencia-se, portanto, a noção de que a modernidade – enquanto fomentadora dos

produtos e hábitos sofisticados e refinados – não foi vivida igualmente por todos os cidadãos.

Após a época das populares bandas e carnavais de rua, gradativamente a arte musical

vinculada aos valores europeus e caracterizada a partir da década de 20 pelos grupos voltados à

execução de música erudita, aproximou-se da parcela mais rica da sociedade e de seus

governantes. A partir de tal aproximação entre indivíduos idealistas e militantes da criação de

uma sociedade artístico-musical e os ricos cafeicultores que intervinham nas decisões políticas,

formou-se uma estrutura de poder que comandava não apenas os caminhos administrativos da

cidade, mas também os caminhos culturais.

Mesmo na época das bandas populares, os ditames dos governantes já podiam ser

observados. Ferraz Jr., ao tratar das contratações de bandas pela Prefeitura da cidade, demonstra a

interferência na escolha do repertório das apresentações.

Há que se ressaltar que a programação musical era previamente aprovada diretamente pelos prefeitos, pelo menos nas primeiras quatro décadas do século passado. [...] Um dos programas aprovados pelo prefeito André Veríssimo Rebouças, em 1933, e elaborado pelo maestro Stabile era composto pelo “Barbeiro de Sevilla”, de Rossini, “Salvator Rosa”, de Carlos Gomes, e “Fidelio”, de Beethoven, ou seja, três compositores eruditos com peças que se tornaram populares.85

83 DOIN, J.E.M.; PERINELLI NETO, H.; PAZIANI, R.R.; PACANO, F.A. op. cit., passim. 84 Idem 85 FERRAZ JR., op. cit., p.21

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Conforme Mosca, a elite é concebida enquanto uma minoria poderosa, e explica que “o

poder de qualquer minoria é irresistível ao se dirigir contra cada um dos membros da maioria

tomado isoladamente”86, isso porque a minoria – endinheirada, poderosa e agora pretensamente

culta – organizou-se a partir de relações políticas complexas, nas quais insere-se a utilização da

música erudita como veículo cultural cujo papel era o identificar aqueles indivíduos que dela

desfrutavam, qualificando-os como sofisticados, refinados e supostamente vinculados à essência

da modernidade e do progresso.

Ao mesmo tempo, a minoria é organizada exatamente por ser uma minoria – e também pelo fato da minoria ser geralmente composta de indivíduos superiores – [...] os membros de uma minoria dominante sempre possuem um atributo, real ou aparente, que é altamente valorizado e de muita influência na sociedade em que vivem.87

Por meio dessa elite – poderosa e alardeada como culta – verifica-se o surgimento de um

cenário ideal para se estabelecer uma entidade musical importante, uma orquestra sinfônica

organizada, que elevasse o nome da cidade e a identificasse com os valores dos novos tempos, da

sofisticação e do progresso. Percebeu-se que tal veículo cultural não se restringiria a prática de

música erudita, mas também serviria simbolicamente – constituindo tanto a música, quanto o

espaço onde esta era executada, num complexo mecanismo de distinção, frutos do que Pierre

Bourdieu descreve como parte do mercado de bens simbólicos88. Deste modo, todos os elementos

importados da sofisticada Europa, a destacar a cultura musical erudita, serviram como símbolos

de status consumidos e ufanizados pela elite governante de Ribeirão Preto no do século XX.

Não obstante, a sofisticação de tal elite é questionável. Ferraz Jr. traça um paralelo entre o

movimento modernista brasileiro – cujo ápice foi a Semana de 22 – e seu impacto em Ribeirão

Preto. Enquanto expoentes do modernismo no Brasil, como Mário de Andrade, Oswald de

Andrade, Anita Malfatti e Heitor Villa-Lobos provocavam um misto de espanto e

deslumbramento frente à elite intelectual brasileira, na região de Ribeirão Preto parece ter havido

uma campanha não-declarada contra o modernismo, pois este caracterizava-se como uma ameaça

aos símbolos incorporados pela elite do interior do estado.

86 BOTTOMORE, op. cit., p.10 87 Idem 88 BOURDIEU, Pierre. O Mercado de Bens Simbólicos, in A Economia das Trocas Simbólicas. Brasília: Perspectiva, 2007, p.99

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Page 35: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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O Modernismo propôs romper com essa estrutura, abandonar o modelo europeu para criar referências tipicamente nacionais, até mesmo como processo de auto-afirmação de uma cultura essencialmente brasileira. O movimento buscava traduzir nas artes os novos tempos, “modernos”, que chegavam a outros setores da sociedade, decorrentes do processo de urbanização e da influência européia. [..] Na contra-mão do Modernismo as elites urbanas que detinham o monopólio sobre a música de “arte” em várias cidades, inclusive no interior do Estado, como Santos, Campinas, Ribeirão Preto, não quiseram abrir mão do seu status recém-adquirido. [...] Em Ribeirão Preto o movimento modernista foi simplesmente ignorado sem nenhuma referência à Semana de Arte de 22 nos jornais dessas cidades.

Enquanto a Europa debatia-se com a obra de Debussy, Schoenberg e Stravinsky, por aqui

a modernidade sofisticada desfilava obras consagradas do romantismo – portanto tradicionais e

conservadoras. Em vários momentos, Strambi refere-se ao repertório da época da criação da

OSRP em 1938 e cita que “o repertório tradicional de orquestra foi bem explorado, levando ao

público as peças mais conhecidas de Schubert, Tchaikovsky, Beethoven, Wagner, Grieg e alguns

brasileiros como Nepomuceno, Levy e Mignone”89. Ou seja, o embate tocante ao modernismo

musical – contrário do que apreciava a elite local – estava aberto e o campo de batalha simbólica

seria a OSRP.

Podemos apontar ainda compositores como Verdi e Puccini em face às apresentações de

algumas de suas óperas. Mas, consagrado mesmo e especialmente simbólico para a elite musical

de Ribeirão Preto foi Antônio Carlos Gomes. Conforme Strambi, “as aberturas de óperas eram

constantes, principalmente as do compositor brasileiro CARLOS GOMES”90. Em várias ocasiões

emblemáticas obras suas foram executadas. Explica-se, a irmã de Carlos Gomes, Joaquina, era

moradora ilustre da cidade e viria a ser uma das grandes colaboradoras da futura Sociedade

Musical mantenedora da OSRP, tendo sido homenageada pelas autoridades locais, inclusive, no

concerto inaugural do Theatro Pedro II, no ano de 1930. Por meio apenas desse pequeno

exemplo, percebe-se a natureza de como uma entidade musical servia para promoções pessoais e

articulações políticas, onde o privado estava na contramão da modernização.

Destarte, a elite formada em Ribeirão Preto – vinculada diretamente ao cenário musical –

gradualmente apropriou-se dos veículos culturais representados tanto pela música quanto pelos

espaços em que era executada, transformando-os num palco de distinção simbólica que lhes

conferiam o status de elite cultural. Além disso, avessos às tendências do movimento modernista

89 STRAMBI, op. cit., p.73 90 Idem

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Page 36: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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de 1922, determinaram, em essência, os ideais artísticos que originaram as formações musicais

eruditas em Ribeirão Preto. Evidentemente o gosto pela música, o diletantismo e o idealismo

também estiveram presentes nas ações dos pioneiros da difusão da música erudita em Ribeirão

Preto, afora o benefício do respaldo por parte da elite de Estado. Estava semeada, enfim, a idéia

de se instalar uma orquestra sinfônica definitiva, na qual se difundisse a “boa música” e se

exaltasse os bons cidadãos ribeirãopretanos.

1.3 – A fundação da OSRP

Para uma cidade que passou a se considerar inserida na modernidade, cosmopolita e afeita

aos valores sofisticados da Europa, não era possível aceitar a inexistência de uma orquestra que

difundisse a música erudita. Para tanto, todo cenário estava pronto: a afirmada musicalidade de

Ribeirão Preto, consolidada a partir da ação dos imigrantes europeus, da tradição das bandas, da

difusão inicial da música erudita e do gosto musical europeu, aliados às transformações urbanas,

como a construção do Teatro Pedro II em 1930 e a diversidade de espaços de lazer que abrigavam

a prática musical. Faltava, porém, a organização de uma entidade musical definitiva – oriunda

desse contexto e que resistisse ao tempo e às dificuldades que se apresentassem.

Nos cabarés e cassinos de Cassoulet a atividade de grupos musicais havia dado mais um

salto. Conforme Ferraz Jr., “os músicos conseguiam empregos nos cassinos popularizados na

cidade pelo empreendedor francês François Cassoulet”91. Porém, essa época logo transformou-se,

fazendo sentir-se na cidade os efeitos da Crise de 1929 que atingiu o comércio e principalmente a

atividade cafeicultora. Tal crise evidentemente atingiu também o ramo dos entretenimentos.

Sobre os fatores que modificaram o panorama das diversões em Ribeirão Preto, Ferraz Jr. afirma

que:

Por um lado há um recesso econômico decorrente da crise financeira que tem reflexo no lazer, nas noites de diversão, devido à crise do café. A cidade que, com 90 mil habitantes nos anos 30, registrava 200 casas de meretrício, via essa atividade diminuir. A chegada do automóvel, o crescimento da cidade e a diversificação dos locais de entretenimento noturno [...] trouxeram novas formas de lazer e os espaços para exibição de música erudita através de pequenas formações musicais ganharam destaque.92

91 FERRAZ JR., op. cit., p.22 92 Ibidem, p.23

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Ainda assim, perdurou imune à crise o ideal de se fazer uma Ribeirão Preto musical, de

modo que a cidade “observou a fundação e decadência de várias organizações musicais” 93 .

Segundo Gisele Haddad94, alguns grupos musicais eruditos precederam a atual OSRP.

Ao longo das décadas de 20 e 30 observou-se na região a existência de diversas formações

musicais e tentativas de se manter uma sociedade artística voltada para a execução de música

sinfônica. Há mesmo o registro de uma orquestra pertencente à “Sociedade de Concertos

Sinfônicos de Ribeirão Preto”, de 1922-1923, dirigida por seu presidente Dario Guedes. Tal

orquestra, segundo Strambi95 [...] tinha como regente Luis Delfino Machado e era formada por 31

músicos [...] e chegou a ser conhecida como “A Grande Orquestra”.

Por volta de 1930, foi criada a “Sociedade Cultura Artística de Ribeirão Preto, entidade

que sustentou uma “Orchestra Simphonica de Ribeirão Preto”96, a qual participou do concerto de

inauguração do Teatro Pedro II em 08 de outubro de 1930. Essa “orchestra” teve como regente o

ilustre maestro Ignácio Stabile – que viria a ser maestro da orquestra sinfônica fundada em 1938

– e contou com 41 músicos, muitos dos quais também integrariam a futura OSRP. Segundo

Strambi, essa orquestra durou cerca de sete anos, mas sucumbiu, apesar dos esforços e dedicação

de seus idealizadores.

Quanto a todas essas antigas orquestras, Ferraz Jr. também reforça que “a existência de

músicos e maestros em grande número culminou com três tentativas conhecidas de se criar uma

Orquestra Sinfônica”97. Destas três tentativas, apenas a última resultou em êxito, qual foi a da

criação da atual Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto.

Por razões diversas, as quais não especificadas por Strambi, mas presumivelmente

dificuldades administrativas e financeiras, tais grupos musicais sucumbiram pouco a pouco.

Ainda assim, a existência efêmera dos mesmos demonstrou a potencialidade da cidade. Segundo

Strambi98, “Ribeirão Preto sempre foi uma cidade musical [...]. Os músicos que aqui viviam, e

que não eram poucos, sempre se reuniram em conjuntos musicais abrilhantando com suas

apresentações as Confeitarias, Cinemas, Cassinos e Saraus da época”.

93 STRAMBI, op. cit., p.15 94 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Música pelo Instituto de Artes da UNESP-SP. Pesquisa desenvolvida sob orientação do Prof. Dr. Paulo Castagna. Membro do grupo de pesquisas do CNPq intitulado “Musicologia Histórica Brasileira”. 95 STRAMBI, op. cit., loc. cit. 96 Idem 97 FERRAZ JR., op. cit., p.24 98 STRAMBI, op. cit., loc. cit.

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Após o desaparecimento da chamada “Sociedade Cultura Artística de Ribeirão Preto” em

1937, abriu-se uma lacuna artística na cidade. Strambi99 afirma que “as causas do fracasso [...]

foram múltiplas e, nem mesmo o Dr. Dario Guedes, que dedicava tempo, dinheiro [...], e o

maestro Ignácio Stabile, com todo seu conhecimento, impediram sua falência”, mas que em

pouco tempo, “os sonhadores, [...] embrenharam-se em nova aventura sinfônica, surgindo assim a

SOCIEDADE MUSICAL DE RIBEIRÃO PRETO”, entidade essa que viria a abrigar a futura

Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto.

O surgimento da nova entidade musical foi recebido com desconfiança, sobretudo pela

imprensa local. Os sucessos apenas passageiros e as tentativas inúteis de se organizar uma

entidade musical duradoura concebem a fundação da OSRP como o que Strambi se refere a “mais

uma aventura sinfônica”. Em 23 de maio de 1938, contra todo o ceticismo e incredulidade, [...]

foi fundada então, a “SOCIEDADE MUSICAL DE RIBEIRÃO PRETO [...]”.

Sobre a ocasião da fundação da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto na referida data,

Strambi relata uma homenagem feita à Joaquina Gomes, irmã do compositor Carlos Gomes. Fato

é que a “Nhá Quina”, como era conhecida, ainda viria a doar em 1950 um terreno na Avenida

Francisco Junqueira, o qual, posteriormente vendido, serviria para adquirir a casa onde foi

instalada a sede definitiva da Sociedade Musical de Ribeirão Preto e também o local de ensaios

da OSRP, na Rua São Sebastião nº1002.

Músicos e representantes de várias classes sociais reuniram-se em Assembléia Constitutiva, no dia 23 de maio de 1938, onde além de eleger a Diretoria Provisória da Sociedade, concederam à Srª. JOAQUINA GOMES (Nhá Quina), irmã de Carlos Gomes residente em nossa cidade, o título de sócio-honorário, como homenagem aos seus méritos de grande musicista. A Diretoria Provisória foi assim constituída: Presidente MAX BARTSCH; Vice-Presidente, ALBERTO DE OLIVEIRA; 1º Sec. FRANCISCO DE BIASE; 2º Sec. FRANCISCO PAOLIELLO; 1º Tes. Dr. CAMILO MÉRCIO XAVIER; 2º Tes. JOSÉ MIRANDA CRUZ A “SOCIEDADE MUSICAL DE RIBEIRÃO PRETO” pretendia: a) Reunir todos os profissionais na Sociedade que seria sindical b) O bem-estar dos músicos c) Realizar pelo menos seis concertos anuais d) Difundir a cultura Musical em Ribeirão Preto100

99 Ibidem, p.19 100 Ibidem, p.20

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O primeiro concerto da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto foi realizado no dia 22 de

setembro de 1938, diante de uma platéia que lotou o Teatro Pedro II. O evento contou com a

presença da Srª Joaquina Gomes, que ouviu um vibrante discurso de abertura do Dr. Camillo de

Mattos e em seguida a apresentação da Orquestra numa ocasião, de fato, histórica. O programa

do primeiro concerto constava das seguintes obras101

1ª Parte 1 – CARLOS GOMES – FOSCA, Symphonia 2 – VON WESTERHOUT – MA BELLE QUE DANSE 3 – CARLOS GOMES – MARIA TUDOR, Symphonia 4 – BOCCHERINI – MINUETO, em mi bemol 5 – CARLOS GOMES – SALVADOR ROSA, ouverture 2ª Parte 6 – CARLOS GOMES – Prelúdio da ópera “LO SCHIAVO” 7 – SCHUBERT – MOMENTO MUSICAL para instrumentos de cordas 8 – CARLOS GOMES – GUARANY, Symphonia

Foi um concerto triunfal que no dia seguinte rendeu repercussão positiva junto à

imprensa. Os jornais da cidade destacaram o sucesso do concerto inaugural. O Diário da Manhã,

de 23 de setembro de 1938, exibiu o artigo102 “A PRIMEIRA EXIBIÇÃO DA SOCIEDADE

MUSICAL” que relatava

Assim o primeiro concerto da Orchestra Symphonica da Sociedade Musical de Ribeirão Preto, assegurou-lhe uma existência vitoriosa, cujos louros irão sendo colhidos em sucessivas apresentações. Também individualmente merecem os maiores elogios, todos os integrantes da orquestra, elogios que se tornam maiores para o seu regente, o conhecido e competente MAESTRO ANTÔNIO GIAMMARUSTI e para o “spalla da orquestra, o conhecido VIOLINISTA JOSÉ GUMERATO”.

Na edição de A Cidade de 24 de setembro de 1938, o artigo 103 intitulado “UM

ESPETÁCULO VIBRANTE” destacou que

Constituiu um acontecimento de alto relevo para os nossos meios artísticos e sociais, o primeiro concerto sinfônico realizado ante-ontem, no Teatro Pedro II, pela SOCIEDADE MUSICAL DE RIBEIRÃO PRETO.

101 Ibidem, p.23 102 Ibidem, p.27 103 Ibidem, p.28

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No entanto, para que essa nova orquestra perdurasse, seria necessário que não se

repetissem os erros das investidas anteriores – os quais Strambi não menciona –, além de contar

com outros fatores favoráveis, como, por exemplo, a mobilização de vários segmentos da cidade,

como, por exemplo, o uso da radiodifusão, conforme veremos adiante.

Para tanto, foi fundamental a ação de diversos colaboradores, dentre os quais destaca-se

mais uma vez a atuação decisiva de um estrangeiro – o alemão Max Bartsch –, sem o qual,

possivelmente, a OSRP teria tido o mesmo destino das orquestras anteriores.

É inegável e marcante a presença estrangeira na história da OSRP. Porém, Max Bartsch

representa não apenas o símbolo maior do nascimento dessa entidade musical, mas também

aquele que – por meio de ações inovadoras – garantiram a consolidação da OSRP. Segundo

Ferraz Jr., tais ações foram conduzidas por meio de uma “habilidade de um ar carismático,

próprio de talentoso articulador”104.

Segundo Strambi, Max Bartsch nasceu em Nuremberg, na Alemanha, em 09 de abril de

1888. Ainda jovem herdou de seu pai a profissão de jardineiro, além do pendor pela música – sua

grande paixão 105. Com essa profissão chegou ao Brasil, de modo que “[...] foi trazido, em 1913,

aos 25 anos de idade, pelo Coronel Francisco Schmidt, para fazer o paisagismo da Fazenda

Monte Alegre, uma das principais propriedades do fazendeiro” 106 . A vinda para o Brasil

representou, para a família de Bartsch, a oportunidade de se afastar do turbulento cenário

europeu, “uma vez que a Alemanha estava à beira da primeira guerra mundial”. Vieram seus pais,

Henrique e Francisca e três irmãos: Alfredo, Hilda e Amália. Um outro irmão, Otto, ficou na

Alemanha e morreu na Guerra em 1914.

Após a prestação de serviços ao Cel. Schmidt, Max Bartsch foi contratado em 1920 pela

Prefeitura. Enquanto trabalhou como jardineiro morou numa casa do Horto Municipal. Segundo a

autora, “foi ele quem plantou as palmeiras da Praça da Bandeira (também conhecida como Praça

da Catedral), XV de Novembro e Schmidt, o gramado do estádio do Comercial e fez o

nivelamento do terreno do estádio do Botafogo na Vila Tibério” 107. Nessa época, a família de

Bartsch deixa a cidade e parte para Taubaté. Max permanece em Ribeirão Preto e logo casa-se

104 FERRAZ JR., op. cit., p.45 105 STRAMBI, op. cit., p.117 106 FERRAZ JR., op. cit., p.27 107 FERNANDES, Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26&ID=197 . Acesso em 04-09-2009

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Page 41: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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com Emília Engracia, “a mulher que seria sua companheira por mais de quarenta anos” 108. Da

união nasceram 4 filhos – Celina, Henrique, Adolfo e Paulo, dentre os quais Henrique foi

localizado e entrevistado por Ferraz Jr., embora o autor esclareça que não se tratou de uma

entrevista vinculada à metodologia de história oral.

A passagem de Bartsch como jardineiro e funcionário da Prefeitura foram atividades que

não causaram transtornos, uma vez que era agrônomo109. O trabalho do Max Bartsch jardineiro

“iniciou a remodelação de todos os jardins da cidade, dando aos logradouros públicos um aspecto

moderno, alegre e atraente”110. Rubem Cione faz menção a “um loiro, com enxada na mão,

ensinava aos colegas a plantar e adubar o jardim da Praça XV, onde se apresentava a banda

“Filhos de Euterpe”. Desta forma, chamava a atenção do povo que via nas praças aquele

jardineiro culto, musicista e agrônomo de formação”111.

Max Bartsch logo deixaria os jardins públicos e alçaria vôos maiores. Strambi112 cita o

artigo de Prisco da Cruz Prates do jornal “O Diário” de 19-07-70, no qual há o relato da ocasião

em que Bartsch trocou a profissão de jardineiro por uma posição de simples funcionário na

Companhia Antártica. Com base no artigo, Strambi discorre o seguinte:

Max foi contratado para nivelar o campo do Botafogo F.C., na Vila Tibério, já que o terreno adquirido para construção do estádio era muito irregular. Sendo jardineiro efetivo da Prefeitura, fazia os serviços nas horas vagas e era visto sempre no mesmo horário, caminhando pela Rua Luis da Cunha e conseqüentemente passando em frente da Antártica, para alcançar o local, onde futuramente seria edificado o novo estádio. Casualmente encontrava-se sempre com o “Adolfo da Antártica”, como era chamado na época, o gerente daquela empresa e embora sem se conhecerem trocavam cumprimentos. Um dia conversaram e Adolfo toma conhecimento da modesta profissão de Max. Percebeu sua inteligência e sagacidade, além de prever que à sua frente estava um homem que iria vencer na vida. Convida-o então para trabalhar na Antártica, Max pensa no assunto e resolve aceitar, demitindo-se imediatamente da Prefeitura. Conseguiu conciliar seu novo emprego com o término do nivelamento do Botafogo F.C., que estando em sérias dificuldades financeiras, sente-se beneficiado por Max não aceitar o pagamento combinado. Admitido na Antártica como simples funcionário, graças ao seu esforço, dedicação e trabalho, em rápida ascensão passa a ser fiscal, Sub-Gerente e finalmente Gerente da referida empresa. Permanece neste cargo durante 12 anos, de 1930 a 1942 [...].113

108 STRAMBI, op. cit., p.118 109 FERRAZ JR., op. cit., loc. cit. 110 STRAMBI, op. cit., p.117 111 CIONE, R. História de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto: IMAG, 1987, p.428 112 STRAMBI, op. cit., loc. cit. 113 Idem

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Na Cia. Antártica, enquanto fazia carreira, consolidava o ciclo de amizades influentes que

aos poucos ia enredando114 e que, além de gerente da Antártica, “ao mesmo tempo ocupou cargos

de destaque na rádio PRA-7, onde foi presidente bienal de 1934-41 reeleito consecutivamente, ou

seja, período quase paralelo ao que trabalhou na Cia. Antártica.

Evidencia-se, portanto, a maneira como Max Bartsch construiu uma carreira exemplar

através da qual consolidou uma popularidade irretocável. Como conseqüência, a possibilidade de

êxito em qualquer empreitada que tomasse parte seria garantida em face ao respaldo e o apoio

daqueles que a ele se unissem. Nesse sentido, “em 25 anos, construiu uma trajetória de ascensão

social que foi de jardineiro da Prefeitura à presidente da PRA-7, período em que demonstrou

talento para erguer uma base de influências que serviu de respaldo à suas inúmeras ações” 115. No

entanto, Max Bartsch não demonstrava filiação política, de modo que:

Não foram encontrados indícios de ligação político-partidária de Max Bartsch em nenhuma das fontes pesquisadas. Por outro lado, sua popularidade e livre trânsito em setores distintos da sociedade, como entidades de classe de trabalhadores e patronais, demonstra que Bartsch de fato preferia ficar de fora das questões partidárias, o que não significa que ele pudesse manter suas preferências políticas de forma discreta, não explícita publicamente116.

Cione 117 refere que Max Bartsch “criou e ajudou a administrar diversas entidades

filantrópicas, artísticas, educacionais e sindicais”, dentre as quais as artísticas inserem-se no

escopo da presente pesquisa, principalmente as de cunho musical.

De fato, a música foi uma das grandes paixões de Max Bartsch. Segundo Strambi, “desde

jovem na Alemanha, participava dos grupos musicais, pois executava violão, violino e cítara.

Pela cítara tinha especial predileção”118. Formou, por volta de 1928, o “QUINTETO MAX”, cuja

existência é um marco na história musical da cidade. De início, além de Max, formavam o

quinteto o Dr. Camilo Mércio Xavier, Francisco de Biase, Artur Mariscano e Ranieri Maggiori.

O conjunto ensaiava na casa de José Cláudio Lousada e que “passaria a tocar na PRAI,

que depois com a cooperação de José da Silva Bueno, transformou-se na antiga PRA-7” 119. Essa

rádio constituiu um importante veículo difusor cultural, sobretudo na época do Estado Novo –

114 FERRAZ JR., op. cit., p.28 115 Ibidem, p.32 116 Idem 117 CIONE, R., 1987, p.118 118 STRAMBI, op. cit., p.118 119 Ibidem, p.119

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“em Ribeirão Preto, a PRA-7 liderou movimentos de órgãos de imprensa em apoio às políticas de

combate ao comunismo” 120. Em 1941, após vários anos à frente da PRA-7, a qual transformou

em rádio-clube após a famosa “campanha dos 2.000 sócios”121, Bartsch solicitou desligamento da

entidade, alegando que “sua decisão não é oriunda de seu desejo, mas imposto por medidas que o

Governo Brasileiro tem tomado ultimamente no louvável intuito de garantir e defender os direitos

e a integridade deste imenso país” 122 , ou seja, seu país de origem era um oponente e seus

descendentes estavam em suspeição.

Porém, através das iniciativas de Bartsch, durante muito tempo a PRA-7 difundiu a

música erudita, caracterizando-se num elemento fundamental que contribuiria na manutenção da

existência da entidade que viria a ser a OSRP.

De modo geral, todas as iniciativas musicais encabeçadas por Bartsch lograram êxito, a

começar pelo referido “Quinteto Max”, o qual, em pouco tempo, deixou de ser quinteto, contando

com um crescente número de instrumentistas, de modo que “[...] muitos músicos foram

absorvidos pelo grupo, como Dario Guedes [...], Meira Júnior, Romano Barreto, Pedro e Antonio

Giammarusti, Zezé Gumerato entre outros” 123. Apesar do ingresso de vários outros músicos, o

grupo permaneceu chamando-se “Quinteto Max”. Porém, é a partir do quinteto que nascem

outras bandas musicais. De acordo com Ferraz Jr.124, “uma delas [...] é a PRA-7 Club Orquestra”,

considerada o agrupamento que daria origem à OSRP. Outro grupo foi a “PRA-7 Jazz, que se

tornou Jazz Band Cassino Antártica”. Não se sabe se essa entidade teve alguma ligação com a

anteriormente referida orquestra do Cassino125. Sobre a Jazz Band Cassino Antártica, Strambi126

ressalta que:

Mais ou menos dez elementos deste grupo [“Quinteto Max”], sempre comandados por Max, formaram então, o “JAZZ BAND CASSINO ANTARTICA”, que constantemente se apresentava no local do mesmo nome, abrilhantando as alegres noitadas de Ribeirão Preto, na década de 1930.

120 FERRAZ JR., op. cit., p.33 121 Ibidem, p.41 122 Ibidem (apud REZENDE & TIAGO, A Primeira Rádio do Interior do Brasil. Ribeirão Preto: São Francisco, 2005, p.63-64), p.34 123 Ibidem, p.35 124 Ibidem, p.36-37 125 Ver 1.1 sobre os empreendimentos de François Cassoulet e o Cassino Antártica 126 STRAMBI, op. cit., p.119

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Foram tais iniciativas musicais a partir da figura de Max Bartsch com o apoio da Ci.

Antártica que embasaram a possibilidade de se criar uma grande e definitiva orquestra sinfônica.

A criação da OSRP tem ligação direta com o contexto das atividades de Max Bartsch no cenário

musical de Ribeirão Preto, visto que:

Os músicos que circulavam no meio artístico, eram em grande número, mas apesar disso foram praticamente os mesmos os que integraram o Quinteto e a Jazz Band e os que compuseram a base nas três tentativas de criação da Orquestra Sinfônica. A diferença substancial é que na terceira tentativa de se criar a Orquestra Sinfônica da cidade, a PRA-7 já estava consolidada na sociedade e, mais do que isto, seu presidente (Bartsch) era o mentor da nova iniciativa de criação da Orquestra127.

Nesse sentido, Bartsch fez uso eficaz da radiodifusão da PRA-7, pois abriu um novo

espaço para a apresentação de músicos e conseguiu divulgar e mobilizar os esforços em torno do

ideal de se instalar uma orquestra duradoura. De acordo com Ferraz Jr. 128 , “esses mesmos

músicos que “incharam” o Quinteto e originaram a Jazz Band integraram a primeira orquestra da

rádio, a PRA-7 Club Orquestra. [...] Dali para a criação da Orquestra Sinfônica foi um passo”.

Strambi129 ressalta ainda que:

Destes músicos foi que surgiu a idéia de se criar em Ribeirão Preto uma nova entidade musical, com o objetivo de se organizar uma Orquestra Sinfônica. Nasceu assim em 23-05-38 a “SOCIEDADE MUSICAL” e portanto a “ORQUESTRA SINFÔNICA DE RIBEIRÃO PRETO, da qual Max Bartsch foi seu sócio nº 01 e seu primeiro presidente.

O poder de mobilização e o carisma de Bartsch manifestaram-se também na forma como

ele escolheu à dedo as pessoas que comporiam as principais funções dentro da recém-fundada

OSRP:

Pragmático, costurou alianças no sentido de garantir o sucesso da iniciativa depois de duas fracassadas tentativas. Colocou na diretoria pessoas de inteira confiança, como dois dos primeiros integrantes do Quinteto Max: Francisco de Biase, como primeiro secretário e Camilo Mércio Xavier, como primeiro tesoureiro. Na Assembléia Constitutiva, realizada em 23 de maio de 1938, conseguiu quorum para conceder à Srª. Joaquina Gomes [...] o título de sócia-honorária. 130

127 FERRAZ JR., op. cit., p.37 128 Ibidem, p.38 129 STRAMBI, op. cit., loc. cit. 130 FERRAZ JR., op. cit., p.40

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E com relação ao poder público, também soube como articular parcerias que resultaram

muito benéficas para a existência da OSRP.

A Prefeitura Municipal, principal subvencionadora das bandas que se apresentavam nas praças públicas não poderia deixar de ser envolvida no projeto. O prefeito Fábio Barreto foi eleito presidente de honra da Orquestra Sinfônica. Um vereador de destaque na época, Joaquim Camilo de Mattos, foi eleito orador oficial da Orquestra. O programa de estréia da Orquestra Sinfônica fez questão de citar a relação de personalidades que compunham a diretoria. 131

Cabe citar ainda habilidade de Max Bartsch no que tange o convencimento da

participação da sociedade nas ações que promovia. Além das muitas campanhas filantrópicas que

tomou parte – fato que lhe rendeu inúmeras homenagens – uma em particular merece destaque. A

“campanha dos 2000 sócios” de 1934, que teve como objetivo manter seu cast e programas de

qualidade da PRA-7 no ar. A campanha foi um sucesso.

Foi Bartsch “quem difundiu a prática do mecenato”, ou seja, sensibilizou várias

instituições particulares a apoiarem entidades culturais – dentre as quais a OSRP – e que “ele era

ciente do poder de articulação que possuía” 132. Sobre a ocasião do primeiro concerto da OSRP,

Ferraz Jr. cita que:

O tamanho da influência de Bartsch foi tão grande que garantiu a transmissão ao vivo do Theatro Pedro II, na noite de 22 de setembro de 1938, pela PRA-7, do concerto de estréia da Orquestra, incluindo o discurso do orador Camilo de Mattos. As condições com que Bartsch conseguiu embasar o surgimento da “sua” Orquestra Sinfônica imprimiu à iniciativa características únicas que os antecessores, por mais engajados que fossem nas atividades sociais como era Dario Guedes e Ignácio Stabile, não dispunham para garantir o sucesso de suas respectivas iniciativas.

Portanto, através das iniciativas marcantes de Max Bartsch é possível perceber o quanto

Ribeirão Preto deve a existência de sua Orquestra Sinfônica e de boa parte de sua vida musical a

esse alemão, cuja competência, visão e carisma conseguiram a mobilização necessária da

sociedade, dos diletantes de música e do poder público para que finalmente fosse estabelecida na

cidade uma Orquestra Sinfônica definitiva.

131 Idem 132 Ibidem, p.41

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Além de músicos, também havia na Ribeirão Preto daquela época uma importante

concentração de maestros, alguns notadamente estrangeiros ou descendentes de imigrantes.

Strambi133 refere que:

regentes de orquestras, corais e bandas não faltavam por estas paragens, pois na década de vinte e trinta residiam nesta cidade os seguintes maestros: Luiz Delfino Machado, Carlos Vollani Nardelli, Antonio Giammarusti, Pedro Giammarusti, Ignácio Stabile, Alfredo Pires, Cônego Dr. Francisco de Assis Barros, Edmundo Russomano e outros.

Com a presença desses maestros na cidade verifica-se um cenário musical, mas também

de influência capaz de desenvolver o potencial artístico da cidade a partir das tradições musicais

européias – embora inseridos na realidade local – aliadas às possibilidades de um entretenimento

exclusivo, cuja origem está no desejo dos mais endinheirados da região em experimentar os

símbolos de uma cultura tida como refinada.

Para tanto, dois maestros merecem destaque: Antonio Giammarusti e Ignácio Stabile.

Strambi em 50 Anos de Orquestra Sinfônica em Ribeirão Preto: 1938-1988 reserva um capítulo

para cada um dos maestros vinculados à história da OSRP até o ano de seu cinquentenário.

Indubitavelmente, estes maestros destacados pela presente pesquisa destacam-se pela sua

contribuição artística para com Ribeirão Preto, além de figurarem no patamar dos grandes

colaboradores da OSRP, sem os quais sua existência talvez nunca tivesse sido possível.

Antonio Giammarusti, nascido em Bari, Itália, em 21-05-1894, foi o primeiro maestro a

reger a OSRP na ocasião de seu concerto inaugural em 22 de setembro de 1938. Formou-se

músico e regente na Argentina134. Giammarusti foi “exímio pianista e ótimo Diretor de Orquestra,

foi um aplaudido regente de Companhias Líricas na Europa, Oriente e América do Sul”. Sua

chegada ao Brasil data de 1916, chegando em Ribeirão Preto por volta de 1920, momento em

que, segundo Strambi, dedicou-se, a princípio, ao ensino pianístico. Casou-se, em 1935, com

Lígia Gomes Giammarusti135.

Antonio Giammarusti faz parte do grupo de bons maestros que viviam em Ribeirão Preto

à época das primeiras tentativas de se organizar uma orquestra sinfônica. Curiosamente, em

função das muitas dificuldades que impediam o surgimento de uma orquestra definitiva – esse o

133 STRAMBI, op. cit., p.15 134 Disponível em http://www.ribeiraopretoonline.com.br/ruasecaminhos_descricao.php?id=529 . Acesso em 26-08-2009 135 STRAMBI, op. cit., p.73

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grande sonho de Giammarusti e de outros tantos maestros – à época quando tal conquista se

consolidava, a regência do concerto de estréia da OSRP tornou-se uma disputa entre vários

maestros. Strambi136 discorre sobre essa ocasião:

Sob a batuta de qual maestro deveria ser realizado o primeiro concerto da nova orquestra que estava surgindo? Como a cidade era pródiga em maestros e apenas um poderia regê-la, a situação tornou-se delicada, pois todos eles sempre lutaram por um espaço sinfônico em Ribeirão Preto. Foi então realizado um sorteio, onde foi escolhido o Maestro ANTONIO GIAMMARUSTI, que entusiasmado convocou, selecionou e organizou, com músicos locais e de cidades da região a “ORQUESTRA SINFÔNICA DE RIBEIRÃO PRETO”, que segundo os mais confiantes, teria um futuro promissor.

No dia seguinte ao concerto, a imprensa emitiu as primeiras opiniões sobre o desempenho

de Giammarusti e da nova orquestra. O Diário da Manhã publicou um artigo intitulado “A

Primeira Exibição da Sociedade Musical” que relatava o seguinte:

Assim o primeiro concerto da Orchestra Symphonica da Sociedade Musical de Ribeirão Preto, assegurou-lhe uma existência vitoriosa, cujos louros irão sendo colhidos em sucessivas apresentações. Também individualmente merecem os maiores elogios, todos os integrantes da orquestra, elogios que se tornam maiores para o seu regente, o conhecido e competente MAESTRO ANTONIO GIAMMARUSTI e para o “spalla” da orquestra, o conhecido VIOLINISTA JOSÉ GUMERATO.137

Outro jornal, A Tarde, publicou o artigo “A SOCIEDADE MUSICAL DE RIBEIRÃO

PRETO DEU HONTEM O SEU PRIMEIRO CONCERTO” e destacou:

A orquestra sob a regência do competentíssimo ANTONIO GIAMMARUSTI, saiu-se muito bem. Tocou admiravelmente, dando às sinfonias do Compositor Campineiro, uma interpretação equilibrada, porque natural e sem exagero instrumental.138

No que tange a habilidade artística de Giammarusti, cabe citar suas soluções para

combinar o repertório almejado com a quantidade de instrumentistas. Strambi explica que “o

repertório foi crescendo paulatinamente, sendo a cada concerto acrescido novos compositores.”139

Porém, as dificuldades se impunham, pois “como a orquestra nem sempre contava com o número

ideal de instrumentistas, a aquisição de material sinfônico tornava-se difícil [...], e os maestros,

136 Ibidem, p.21 137 Ibidem, p.27 138 Idem. 139 Ibidem, p.31

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principalmente GIAMMARUSTI e STABILE, corajosamente faziam os arranjos e

adaptações.”140 A necessidade dos arranjos era necessária pois na época a orquestra “possuía uma

qualidade sonora mais bandística do que orquestral” e que “o fato é facilmente explicável, já que

os regentes eram quase todos especialistas em Bandas, o instrumental deficiente e poucas eram as

partituras originais para Orquestra.”141

Giammarusti regeu a OSRP do 1º ao 12º concerto, em 29 de julho de 1940, porém,

Strambi explica que, embora tenha sido um dos mais destacados maestros durante o surgimento

da OSRP, “não pode ser classificado como seu primeiro Maestro Titular, devido a alternância que

houve entre os vários da cidade.”142 Após tanto contribuir com a arte musical da cidade de

Ribeirão Preto, deixando alunos de piano 143 e uma OSRP firme em sua trajetória, Antonio

Giammarusti mudou-se para São Paulo durante a década de 40. Lá faleceu em 11 de novembro de

1991144.

Ignácio Stabile é consagrado o primeiro Maestro Titular da OSRP. Nasceu em Roma,

Itália, em 1º de fevereiro de 1889. Stabile obteve sua formação musical no Conservatório “São

Pedro Matella” 145 de Nápoles. Especializou-se em Direção de Bandas e Orquestras, sendo

“Capo-música” no 81º Regimento de Infataria ainda na Itália. Foi também compositor, de modo

que muitas de suas obras “foram inúmeras vezes executadas pela ORQUESTRA SINFÔNICA

DE RIBEIRÃO PRETO”146.

Porém, antes mesmo de se tornar o primeiro Maestro titular da OSRP, Ignácio Stabile

tomou parte em outras empreitadas musicais na cidade, de modo que era figura bastante

conhecida no cenário artístico local. Em 08 de outubro de 1930, na inauguração do Theatro Pedro

II, Stabile regeu a efêmera Orchestra Simphonica de Ribeirão Preto num evento que contou “com

140 Idem. 141 Ibidem, p.73 142 Ibidem, p.30 Nas primeiras apresentações da OSRP, cada concerto foi regido alternadamente pelos seguintes maestros: Antonio Giammarusti, Carlos Nardelli, Cônego Dr. Francisco de Assis Barros, Alfredo Pires e Ignácio Stabile. 143 Não foram encontrados os nomes de tais alunos para que se pudesse aprofundar a pesquisa sobre Antonio Giammarusti. 144 Disponível em http://www.ribeiraopretoonline.com.br/ruasecaminhos_descricao.php?id=529 . Acesso em 26-08-2009 145 STRAMBI, op. cit., p.75 146 Idem. Dentre as obras de Ignácio Stabile destacam-se “Canção Mouresca”, “Sertão” e até mesmo uma Opereta “Riquette”.

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grande expectativa por parte da população, que com curiosidade, lotou suas dependências, afim

de assistir ao primeiro espetáculo realizado naquele majestoso local artístico”147.

Stabile foi Maestro Titular da OSRP entre 29 de julho de 1940 à 04 de março de 1955.

Nesses quinze anos de intensa atividade frente à OSRP, viveu as muitas conquistas e dificuldades

da recém-nascida entidade musical. Um dos principais aspectos de sua contribuição foi o fato de

ter ampliado o repertório da orquestra, incluindo em seus concertos obras de compositores da

cidade, além do fato de ter sido um dos pioneiros do canto Lírico junto à OSRP.

Sob sua regência, a programação era praticamente a mesma, embora quase sempre incluísse uma peça em primeira audição, desenvolvendo assim, o repertório da Orquestra. Valorizou o compositor ribeirãopretano, executando obras de Homero Barreto, Belmácio de Pousa Godinho, Benjamim Barreto e Luiz Delfino [...]. Ignácio Stabile sempre dedicou a segunda parte do programa a números musicais extras, principalmente ao canto Lírico, do qual, como verdadeiro italiano, apreciava muito. Solistas como Eliphas Chiavellato Milla, Hélio Gori, Cleophas Touso, Angelina Mei, alunos da Profª. Margarita Rinata e inúmeros outros tiveram seu espaço nas programações da ORQUESTRA SINFÔNICA. 148

Cabe exaltar a importância de Stabile durante seu período no comando musical da

Sinfônica, pois sua competência conduziu a ORSP na década de 40 a “firmar-se no panorama

artístico do Estado, já que era a única existente em todo o seu interior”149.

A década de 40 marcou também o ingresso definitivo da OSRP no cenário nacional, de

modo que obteve-se grande sucesso numa apresentação na capital no banquete oferecido ao

Presidente Dr. Getúlio Vargas e no Teatro Colyseu, em Santos. Além disso, Stabile esteve à

frente da OSRP na celebração de diversas inaugurações de “cidades como Jardinópolis, Cocaes e

São José do Rio Preto”150.

Um fato interessante promovido pelo Maestro Stabile ocorreu em 14 de julho de 1950,

quando “cedeu sua batuta à Maestrina GIANELLA DE MARCO, menina prodígio italiana, com

apenas cinco anos representando para Ribeirão Preto um momento grandioso [...]”151.

Stabile criou o “GRANDE CORAL” da SOCIEDADE MUSICAL, demonstrando o ideal

de fazer da OSRP uma entidade musical de primeira grandeza, que contasse com uma estrutura

capaz de abrigar um coral – a exemplo das grandes orquestras da Europa. O coral da OSRP

147 Ibidem, p.41 148 Ibidem, p.76 149 Idem 150 Idem 151 Idem

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apresentou-se pela primeira vez em 02 de fevereiro de 1954, e Stabile o regeu em apenas três

ocasiões. Faleceu em 04 de março de 1955, comovendo o cenário musical ribeirãopretano.

Podemos ainda citar a passagem de outro maestro estrangeiro na trajetória da OSRP.

Entre 1957 e 1962, regeu a Orquestra o vienense Enrico Ziffer, famoso maestro da época,

vinculado às artes Líricas, tendo fundado “várias Companhias Teatrais deste gênero, percorrendo

com elas, toda a Europa e América do Sul”152. Foi convidado para reger uma temporada da

OSRP, mas em Ribeirão Preto ficou até o fim da vida. Regeu a OSRP em 20 de maio de 1955, no

Concerto homenagem a Ignácio Stabile e assumiu como Maestro Titular em 26 de julho de 1957,

dirigindo o total de 23 concertos até 26 de janeiro de 1962. Sua contribuição reside na

organização de grandes apresentações operísticas, como “Rigoletto” e “La Traviata” na

temporada de 1959, além de ter regido outras entidades musicais como o Coral Municipal de

Ribeirão Preto e o Coral N. S. do Rosário, da Igreja da Vila Tibério153.

Afora Ziffer, ainda passaram pela OSRP diversos outros maestros estrangeiros. A maioria

na condição de convidados. O russo Leonid Urbenin chegou a reger 2 concertos da OSRP em 24

de maio e 26 de julho de 1957154. O alemão Hermann Schelk conduziu igualmente 2 concertos da

Sinfônica, realizados em 26 de junho e 06 de setembro de 1974155. Dentre outras participações de

maestros estrangeiros, há recentemente a de 26 de agosto de 2006, quando esteve regendo a

OSRP o austríaco Gunter Neuhold156.

À trajetória dos maestros citados frente à Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto – Antonio

Giammarusti, Ignácio Stabile e Enrico Ziffer – segue um histórico que compreende a atuação de

outros regentes até a chegada do Maestro Roberto Minczuk em 1995.

Cabe citar Jorge Kaszás que foi Maestro Titular da OSRP no período de 10 de agosto de

1955 à 09 de novembro de 1956, época em que substituiu Ignácio Stabile e ocupou o posto até

Enrico Ziffer assumi-lo.

Como Maestro Titular, Kaszás regeu a Orquestra Sinfônica no concerto em comemoração

ao 1º Centenário de Ribeirão Preto, realizado no dia 27 de outubro de 1956, na Cava do Bosque.

Além da OSRP, estiveram reunidos nesta ocasião, a “Orquestra Sinfônica Brasileira, Orfeão dos

152 Ibidem, p.78 153 Idem 154 Ibidem, p.90 155 Ibidem, p.91 156 Disponível em http://www.oswaldogalotti.com.br/materias/read.asp?Id=840&Secao=115 . Acesso em 31-08-2009

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Colégios e a Sociedade Coral de Ribeirão Preto [e] a Banda do 3º B.C.[Batalhão de Caçadores de

Ribeirão Preto]”157

Spartaco Rossi foi Maestro Titular da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto de 26 de

janeiro de 1962 à 20 de novembro de 1970. Paulistano, participou da fundação da Orquestra

Municipal de São Paulo. Além disso, trabalhou como diretor e produtor musical em várias

emissoras de rádio de São Paulo e Rio de Janeiro158.

À frente da OSRP, Rossi fez parte de uma época em que foram apresentadas óperas e

música coral, em que cantores líricos de Ribeirão Preto – a soprano Maria Francisca P. Martinelli

e o tenor Hélio Gori – se destacaram. Promoveu Festivais de Óperas Imortais, os quais contaram

com a presença de solistas líricos famosos à época, como a soprano Nanda Adami e o tenor Aldo

Alonso.

Ao lado da Banda do 3º B.C. também realizou apresentações, além de ter colocado a

“Orquestra Sinfônica [...] ao lado da Escola de Samba, de um conjunto de Bandolins e Ballet,

sempre alcançando enorme sucesso”159.

Apresentou-se com a OSRP em diversas cidades da região. Entre os dias 15 a 18 de

agosto de 1964, Spartaco Rossi levou a Orquestra à São Paulo, para quatro dias seguidos de

apresentações, que contaram com um Coral de noventa e sete integrantes. Tais apresentações

renderam um convite para um concerto no Teatro Municipal de São Paulo, “com transmissão pela

Rádio e TV Cultura, [...] onde, segundo a imprensa e pessoas presentes, os aplausos eram

intermináveis”160. Spartaco Rossi foi também compositor e aproveitou a Orquestra para executar

obras de sua autoria. Dentre estas, destacam-se Cantares de Minha Terra, Santa Cecília, Juca

Pirama e a celebra Canção do Expedicionário, dedicada à Cruz Vermelha.

Hércules Gumerato, antes de iniciar sua etapa como Maestro Titular – de 20 de novembro

de 1970 à 3 de setembro de 1976 – foi assistente de Spartaco Rossi, ajudando-o nos ensaios da

Orquestra. Strambi161 ressalta que “após tantos anos vindo a Ribeirão Preto, Spartaco Rossi

sentia-se cansado e descontente com o reduzido salário que recebia. Para contornar a situação,

Hércules Gumerato ensaiava e ele apenas vinha reger o concerto do dia programado”.

157 STRAMBI, op. cit., p.76 158 Ibidem, p.78 159 Ibidem, p.79 160 Ibidem, p.80 161 Idem

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Definida a saída de Rossi, Hércules Gumerato – versátil clarinetista, violista e violinista –

assumiu o posto de Maestro Titular, o qual ocupou durante pouco mais de seis anos. Praticamente

manteve a mesma linha de apresentações do maestro anterior, com ênfase em concertos com

coral e solistas líricos. Assim como Spartaco Rossi, realizou concertos em cidades como

Bebedouro, Batatais e Franca. Destaca-se a dedicação e o espírito abnegado de Gumerato:

HÉRCULES GUMERATO, que socorreu a ORQUESTRA SINFÔNICA em um momento difícil, onde não havia Maestro, condição financeira e músicos suficientes para garantir a sua sobrevivência, foi um abnegado, cuja dedicação e idealismo estão presentes dentro da História da mais antiga entidade musical de Ribeirão Preto.162

José Viegas Neto foi Maestro Titular da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto de 3 de

setembro de 1976 à 3 de dezembro de 1978. Sua sólida formação musical contou com a oferta de

uma bolsa de estudos por parte do Itamarati e do Governo Holandês, tendo estudado seis anos no

exterior.

O Maestro José Viegas Neto reformulou completamente a Orquestra Sinfônica de

Ribeirão Preto, elevando-a a um novo patamar artístico. A vinda de José Viegas Neto foi uma das

primeiras medidas tomadas pelo recém-eleito presidente da Sociedade Lítero Musical, o Dr. Luiz

Gaetani – o qual batalhou junto ao Poder Público e fez com que a Secretaria da Cultura do Estado

mantivesse na cidade um Maestro efetivo.

Logo que chegou, José Viegas Neto re-mobilizou a Orquestra, “pretendendo dar sangue

novo aos músicos”. Em seu primeiro concerto apresentou uma obra inédita no interior de São

Paulo: a Missa da Coroação, de Mozart. O impacto daquele concerto do dia 19 de fevereiro de

1976 foi altamente positivo junto à população, demonstrando que novos tempos haviam chegado

para a Orquestra.

José Viegas Neto tem como mérito a busca por soluções a antigos problemas da

Sinfônica. Buscou o aumento salarial para os músicos. Diante da falta de instrumentistas, junto à

imprensa convocou “a todos os músicos de Ribeirão Preto que estavam inativos”163. Além disso,

aliado às iniciativas do Dr. Gaetani, buscou a instalação de uma Escola de Instrumentistas,

voltada, sobretudo, aos jovens. Tinha como objetivo valorizar o músico e conscientizá-lo “que

162 Idem 163 Ibidem, p.83

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seu papel é sensibilizar o público”164. Enfim, com dinamismo e uma nova política musical, José

Viegas Neto praticamente ressuscitou a Orquestra, imprimindo a ela uma significativa atividade

criativa.

Lutero Rodrigues foi indicado pelo Maestro José Viegas Neto a substituí-lo na Orquestra

Sinfônica de Ribeirão Preto para que continuasse o trabalho que havia se iniciado. Nesse sentido,

Lutero Rodrigues ocupou o cargo de Maestro Titular no período de março de 1979 a 12 de

dezembro de 1980. Quando assumiu a Orquestra, ainda era aluno do Curso Superior de Música

da USP.

Atualmente, Lutero Rodrigues é um dos mais conceituados maestros brasileiros. Porém,

na época, conhecia-se apenas seu potencial, pois havia sido destaque em “apresentações no

Festival de Inverno de Campos do Jordão, na Orquestra de Câmara da Fundação de Artes de São

Caetano do Sul e na Orquestra Sinfônica Jovem Municipal de São Paulo”165.

Como Maestro Titular buscou “eliminar a vinda de músicos para atuarem apenas nos

concertos, fato comum na regência anterior”166. Além disso, organizou o repertório de acordo

com as possibilidades da orquestra e “intensificou os ensaios, conseguindo melhor qualidade

sonora, que foi logo reconhecido pelos entendidos do assunto”167. Promoveu com a Orquestra o

projeto “Sinfonia nos Parques”168, que compreendia excursões por todo interior paulista e na

capital. Como regente de Coral, Rodrigues costumava acrescentá-los às apresentações da

Orquestra.

Outra contribuição sua frente à OSRP foi ter chamado a atenção da comunidade para a

responsabilidade desta com a manutenção da Orquestra, além de ter buscado a colaboração junto

ao Poder Público e de empresas privadas.

Lutero Rodrigues ensaiou a Orquestra para a apresentação que contou com a regência do

Maestro Isaac Karabtchevsky, em 5 de outubro de 1980, na esplanada do Teatro Pedro II, num

evento que ficou conhecido como “Concerto Protesto”, cerca de três meses após o incêndio que

destruiu o interior do Teatro. Após quase dois anos, partiu para a Alemanha “a fim aperfeiçoar

seus estudos de Regência”169, deixando a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto.

164 Idem 165 Ibidem, p.84 166 Ibidem, p.85 167 Idem 168 Idem 169 Ibidem, p.86

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Em março de 1981, Marcos Pupo Nogueira assumiu como Maestro Titular da Orquestra

Sinfônica de Ribeirão Preto, permanecendo no cargo durante quase 14 anos. Chegou jovem à

cidade, mas já com experiência como Diretor de Corais e Orquestras, tendo participado da

fundação da Orquestra de Câmara de São Caetano do Sul.

Logo que chegou, “encontrou a Orquestra Sinfônica com outra mentalidade, mas ainda

oprimida pelas dificuldades financeiras e escassez de músicos [...]”170, de modo que uma de suas

primeiras iniciativas foi investir numa escola de músicos efetiva – sonho antigo de muitos

administradores da Orquestra, mas nunca totalmente concretizado.

Marcos Pupo Nogueira organizou e comandou uma orquestra jovem que rendeu muito

sucesso à cidade, sobretudo em encontros de orquestras jovens em Tatuí, Campinas e São Paulo.

Strambi ressalta que “em 1985, a Sociedade Lítero Musical estava melhor representada pela

orquestra jovem do que pela própria Orquestra Sinfônica”. Isso porque as condições eram tão

precárias que não era possível a contratação de um número ideal de músicos para a Orquestra,

fazendo dela quase uma Orquestra de Câmara171, ou seja, uma orquestra menor.

Em apenas um ano – seu primeiro frente à Orquestra – regeu mais de vinte concertos,

“cumprindo contrato efetuado com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, para o projeto

Sinfonia Paulista”172. A autora Myrian Strambi refere “os quase noventa concertos realizados”173

sob a regência do Maestro Marcos Pupo, isso em 1988, na comemoração dos 50 anos da

Orquestra Sinfônica. Até o ano de sua saída da Orquestra, em setembro de 1994, certamente

ultrapassou a marca dos 100 concertos. Para substituí-lo foi nomeado Roberto Minczuk.

170 Idem 171 Disponível em http://www.coraldelchiaro.com.br/dicionario.htm . Acesso em 16-10-2009 172 STRAMBI, op. cit., loc. cit. 173 Ibidem, p.87

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II. RELATOS DE VIDA: A OSRP COM ROBERTO MINCZUK

A partir da metodologia da história oral, foram entrevistadas quatro pessoas vinculadas ao

tema estudado, ou seja, a participação de músicos estrangeiros à Orquestra Sinfônica de Ribeirão

Preto (OSRP) entre 1995 e 2000 – período que corresponde à passagem do Maestro Roberto

Minczuk na OSRP. Como critério para a seleção dos entrevistados, buscou-se que diferentes

segmentos da Orquestra se fizessem representar. Nesse segundo capítulo são apresentadas as

entrevistas transcriadas, dando voz às versões da diretoria da OSRP, do músico estrangeiro, do

músico brasileiro e de um ex-spalla da Orquestra.

2.1 – Dr. Luiz Gaetani

Estávamos no final de [1994] e surgiu a hipótese de que nós iríamos providenciar a troca

de maestros, pois o maestro de até então já havia tido algum tipo de incompatibilidade. Já eram

10 pra 11 anos que era regente nosso aqui, o Marcos Pupo Nogueira, então houve uma situação

em que ele se obrigou de alguma forma a me procurar para que pudéssemos dar um encerramento

e foi isso que aconteceu.

Nesse meio tempo, o ouvido esquerdo ou o direito, não sei, ouviu do seu Rubens Ricciardi

sobre a possibilidade de trazer um maestro que estava regendo em Brasília. Então ele – Roberto

Minczuk – foi convidado a vir a Ribeirão Preto para saber daquilo que se poderia ser feito. E isso

aconteceu logo em seguida.

Numa determinada tarde, com toda a diretoria reunida e com o maestro Roberto ao lado,

finalmente perguntamos da possibilidade de ele vir a Ribeirão Preto e ele assentiu que gostaria de

vir. A família dele, todos sabem, ficava em São Paulo, capital, de forma que, de Ribeirão Preto a

São Paulo era muito mais fácil que de Ribeirão a Brasília.

Nos encontramos, ele aceitou a formação da nossa orquestra e finalmente perguntei a ele

“maestro, qual é o valor que o senhor gostaria de ganhar em Ribeirão Preto?” E foi justamente

nesse momento que eu conheci uma qualidade do Roberto que eu não esquecerei jamais! Ele

tirou do bolso o último holerite de Brasília e disse assim pra mim “Dr. Gaetani, olha aqui o

quanto eu ganho em Brasília, tá aqui no meu holerite. Se for possível, eu gostaria de ganhar a

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mesma coisa.” Para um homem fazer uma coisa dessas, mostrar um documento sem que eu

tivesse pedido, é uma imensa demonstração de lealdade. Ele disse “olha, o que eu ganho lá é isso.

Dá pra pagar isso?”, como se também quisesse dizer “se não der, até por um pouco menos eu

venho.” Daquilo que estava no holerite era até um pouco mais, mas isso eu já esperava que fosse

assim. Então eu disse “tá bom, tá fechado, não tem problema, o senhor vai ganhar o que ganhava

lá. Pronto!” Aí começou a Era Roberto Minczuk, com muita alegria para nós, de modo que ele

nunca me deu um ato que pudesse desmerecê-lo. Sempre trabalhou com a maior confiabilidade,

com a maior honestidade. Quando ele tinha que dizer alguma coisa, me procurava e falava

“senhor presidente, está acontecendo isso, isso e isso. Favor tomar providências.” E ponto final.

A lealdade, o espírito de comando daquele tempo diz bem da capacidade e da intelectualidade do

meu caro Roberto Minczuk.

Sobre os termos da contratação de Minczuk, tenho a dizer que foi bancada diretamente

pela Sociedade Lítero-Musical de Ribeirão Preto, da qual eu era o presidente, de modo que fui o

responsável pelos seis anos que ele esteve entre nós. O Roberto foi um maestro que sabia se

colocar no seu devido lugar. Naturalmente que, no decorrer desses anos, o Roberto me apontou,

vez por outra, um ou outro músico que não estava correspondendo às expectativas que ele

depositava em todos. Foram substituídos alguns músicos, a pedido dele, feito diretamente a mim.

Se fez mister, tecnicamente, que isso fosse feito. E foi feito.

Com relação à cidade, o Roberto gostou muito de Ribeirão Preto. Veio casado pra cá e

morou num dos apartamentos que pertenciam à OSRP na Rua Florêncio de Abreu, esquina com a

Rua Floriano Peixoto. Como parte da contratação, um desses apartamentos foi cedido ao casal.

Em seguida fizemos algumas visitas, de modo que, em determinada ocasião, ele me convidou pra

ir jantar onde? Na casa dele. E antes de começar a ceia, por assim dizer, ele fazia uma prece

endereçada a Deus. Isso é outra coisa importante que tenho que salientar sobre a personalidade

dele. E também houve ocasião em que, a uma determinada hora, ele dizia “Dr. Gaetani, agora eu

tenho que sair porque daqui eu vou pro meu quarto de estudo. Porque eu tenho que ensaiar tal

peça amanhã e preciso estudar até 3 horas da manhã.” Percebe-se aí um caráter de

responsabilidade. E era grande a felicidade dele por ter estado em Ribeirão Preto, tanto que o

último filho dele, o Joshua, nasceu aqui. Então ele sempre se referia com muita alegria, por saber

que um filho dele era filho de Ribeirão Preto.

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Sobre a rotina de trabalho do Roberto, ele era um maestro que não admitia um músico

chegar às 10:10 pra um ensaio. Pra ele, o músico deveria chegar pelo menos 15 minutos antes,

pra poder se aquecer, movimentar instrumento, para que o ensaio começasse às 10 horas em

ponto. E 10 horas em ponto ele abria o ensaio. Um minuto depois ele olhava com uma cara de

quem não gostou pra algum músico que tivesse acabado de entrar e dizia “entra, entra aí”. Isso

quando tinha passado uns 30 segundos depois das 10 horas. Agora, 10:10, não. Dizia “não, o

senhor pode ir embora e voltar amanhã”. Pronto. Pra sentir o senso de responsabilidade. Assim

ele agia com todo mundo sem diferença.

Sua maneira de trabalhar era assim. Nunca teve preguiça pra absolutamente nada.

Compunha uma situação desde que tudo aquilo que tivesse que fazer fosse feito. Um caráter

muito rigoroso na sua posição, na sua batuta, no seu estudo, na sua pesquisa. De vez em quando

ele ia pro arquivo e queria escolher outra partitura e pintava e bordava, enfim: dedicou-se a

Ribeirão Preto e à Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto com a maior alegria. Não é a toa que

hoje ele é um maestro internacional, que tá me prometendo uma visita faz 3 anos, mas uma hora

ele vem. De maneira que naquela época a personalidade dele era essa e acredito piamente que

continua sendo, porque, pra você trabalhar, pra você vencer, tem que brigar inclusive com o

relógio. 10 horas não 10:20 nem 11, 10 horas. E tudo na vida tem que ser desse jeito.

Nos ensaios, a mesma responsabilidade, com as situações de interromper e dizer “pára,

filho, não é assim, é assado”, até um certo limite. E às vezes, conforme já comprovei também,

depois de terminado o ensaio ele chamava dois ou três músicos e dizia “olha, vocês precisam, em

casa, martelar aqui, aqui e aqui pro próximo ensaio sair melhor.” Mas falava como amigo, não

como impositor, Tanto que, nos próximos ensaios, aqueles músicos que ele pediu que estudassem

já voltavam com uma motivação maior. Reviram a partitura em casa, pintaram, bordaram. De

modo que, o Roberto sabia mandar. Porque o homem quando não sabe mandar dá um tapa na

mesa e diz “eu quero assim!” Ah, esse não vai pra frente. Mas, sabendo o que dizer, você

conquista quase tudo na vida.

E assim era o relacionamento dele com a diretoria também. Sem maiores conseqüências,

porque, tudo que ele necessitava, falava diretamente comigo. Tinha tesoureiro, contador, mas

falava “Dr. Gaetani, estamos precisando disso, disso e disso.” Numa das vezes, devo citar, eu

disse “maestro, não dá pra cortar ali?” E respondeu “Gaetani, não dá. Eu preciso. Tchau, até

amanhã se Deus quiser.” Na verdade, ele precisava de mais dois músicos, e eu falava “mas não

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dá pra ficar sem?”. “Gaetani, não dá.” Curto e grosso: não dá. Não tinha lenga-lenga. Teve um

músico, contratado pra tocar seis notas “pum, pim, pum”, e acabava a função dele. Então eu disse

“de repente você pode cortar um ou outro aí, não pode?” “Não, Gaetani, não pode. É isso aí.

Tchau. Até amanhã se Deus quiser.”

Recebeu o salário dele piamente, religiosamente, de maneira que eu só tenho a dizer o

seguinte: foi muito agradável APRENDER com ele também, como que se lida com gente. Porque

ninguém é subalterno a ninguém. Cada um é uma individualidade que merece o devido respeito.

Ele trabalhava, dando ao músico o devido respeito, o respeito que ele tinha com todos. Uma vez

ou outra aconteceram alguns pequenos detalhes que foram um pouco mais agudos. Quando

faltava alguma coisa. Mas, num conceito geral, isso é normal em qualquer atividade. Quanto à

horário, se ia ensaiar no Pedro II às 9 horas, ou se seria às 10, porque não podia ensaiar até à 1.

Ele dizia “olha, o ensaio lá termina ao meio-dia, mas eu precisava alongar um pouco.” Eu

respondia “tá bom, vou ligar lá e avisar ao Teatro que você precisa alongar um pouco o ensaio.”

E aqui ocorreram coisas dessa ordem, mas sempre digno, correto, decente. Deixava claro [a

maneira de trabalhar] para aqueles que quisessem abraçar.

No que tange a busca por melhorias para a condição dos músicos, vez por outra ele falava

sobre isso comigo. “Dr. Gaetani, quem sabe o senhor consegue dar uma melhoria geral,

financeira. Um aumento porque o pessoal tá ganhando pouco, então precisaria estudar um jeito.”

E a gente estudava. Nem sempre com êxito total. Às vezes, num momento seguinte, eu dizia

“olha, consegui aumentar um pouquinho pra cada um. Tudo bem?” E Minczuk assentia “ah, tá

aumentando? Já melhorou [mesmo não sendo] aquilo que imaginei.” De qualquer forma fomos

acomodando. Mas nunca houve uma época em que ele estivesse absolutamente satisfeito com a

condição dos músicos. Porque nós tínhamos passado de um período de músicos amadores para

profissionais. Qual foi a diferença em relação àqueles músicos, em 76, 77, eles eram todos

amadores. Amadores de 20, 30 anos, de 40 anos em atividade. Eu vou te mostrar aqui uma foto

que muito me sensibilizou. [Dr. Gaetani folheia a última edição da revista Movimento Vivace,

uma publicação da OSRP] Tá aqui! Luís Baldo, cem anos! Esse homem, em 1957, 58, era

carteiro, dos correios e telégrafos. Ele levava correspondência lá em casa e um dia ele me

perguntou “Dr. Luiz, o senhor não gostaria de ficar sócio da Sinfônica?” Respondi que “gostaria,

sim.” Então ele anotou meu nome e no mês seguinte alguém me mandou o valor. Então esse

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homem, desde essa época, e até algum tempo atrás, foi Spalla da orquestra e foi assim até se

aposentar.

Muito bem. Então, essa orquestra, que ainda era amadora, começou a fazer os acertos.

Que acertos? Algum músico podia perguntar “mas, doutor, porque eu preciso me

profissionalizar?” e eu explicava “porque eles não pagavam, os ensaios não serão mais uma vez

por semana, serão três por semana, então vocês terão que abdicar de alguma tarefa que vocês têm

lá fora.” Tudo isso se fez necessário. Alguns aceitaram, outros não. Teve um que me disse assim

“mas, doutor, eu trabalhei nessa orquestra durante 25 anos e eu vou sair de mão abanando? O

senhor vai me registrar amanhã?” Me perguntavam “e o passado?” Eu dizia “gente, o passado

não existe, porque vocês eram amadores.” Então, depois de muitos acordos, todos eles foram

cedendo à profissionalização. Mas um deles, inclusive, me disse o seguinte “doutor, nós estamos

no mês de junho, eu amo tanto essa orquestra que eu quero sair por conta própria, não quero mais

tocar. Mas me dá 6 meses. Eu vou deixar minha profissão de músico em dezembro, nós estamos

em junho, então em dezembro eu saio. Mas saio e viro as costas e não dou “até logo” pra

ninguém.” [Dr. Gaetani fica emocionado]

A gente pegou gente de todo tipo. E realmente esse senhor foi marcante. Ele era fotógrafo,

do tempo em que se fazia fotografia na praça. E quando chegou dezembro, ele falou ‘doutor,

muito obrigado. Até amanhã.” Ficou lá trinta e tantos anos. Saiu e não quis um centavo. E nunca

mais vi. Nunca mais vi. Agora queria lembrar o nome dele, mas...[Dr. Gaetani revira sua agenda

e anotações, mas não encontra]

Mas se eu fosse nominar um músico, teria que nominar vários. Muita gente deu a mão pra

orquestra. Eu acho melhor não citar, porque senão vou citar um, mas houve muitos músicos. E

queria ressaltar que a OSRP deve muito àqueles antigos amadores, que realmente lutaram,

brigaram e tocaram durante muitos e muitos anos. Eles representaram aquilo que veio a sustentar

depois o que veio a ser o profissional hoje. Eles fizeram parte de um tempo da orquestra em que o

tesoureiro, em junho perguntava “quanto tem no caixa? 1000 reais?” [Dr. Gaetani usa a moeda

atual apenas como referência] E dizia “divide entre os músicos aí, dá o que der pra cada um,

pronto. Junta aí o que tiver de dinheiro, divide pros músicos aí.” Hoje os tempos são outros, as

responsabilidades são outras, as exigências são outras e cada um tem que responder pelas suas

atividades.

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Sobre a ocasião da saída do maestro Roberto Minczuk, já aqui em Ribeirão Preto ele tinha

assumido também um compromisso com a OSESP de São Paulo, não sei por quantos dias do mês

ele teria que estar presente lá, porque se tornou auxiliar do John Neschling. Então aí começou a

mobilizar sua saída. Por outro lado, ele também tinha aspirações maiores e me dizia “eu quero

tocar minha vida, eu quero tocar minha vida.”

Mas existem casos de verdadeiro amor para com a orquestra. O [Augusto Seabra foi um

ex-músico da OSRP que me deu uma lição. Certa vez um maestro disse a ele, “ô Seabra,

violinista é quem faz [toca] violino, viu, não faz viola não”. “É, mas eu tô destreinado”, dizia o

Seabra. “Você vai fazer violino”, e ia fazer violino. “Agora vai fazer viola de novo”, e ia fazer

viola. Então era um cara que não chiou, não reclamou. “Doutor, eu vou tocar mais uns meses

aqui, antes de dezembro ou em dezembro eu saio, tá bom?” Eu dizia “você que sabe, Seabra,

vamos lá”. “Não, não quero nada. Eu quero ir pra casa.” Tem gente e tem gente.

Voltando ao assunto, referente à saída do Roberto Minczuk da OSRP, foi em função de

pequenas coisas. Primeiro, porque ele passou a ter uma obrigação com São Paulo [na OSESP].

Segundo, porque ele já começava também a ser convidado a reger outras orquestras. Então isso

tudo foi trazendo uma nova visão pra ele e percebeu que a coisa não ia ficar em Ribeirão Preto.

Passou a aspirar coisas mais altas e foi o finalmente.

Durante sua passagem por aqui vieram músicos estrangeiros. Depois do Miltinho, o Spalla

que o substituiu, foi talvez o Petar, um búlgaro. [Ele foi um dos estrangeiros que ingressou num

período anterior à época de Roberto Minczuk frente à OSRP. Segundo comentários do próprio

Dr. Gaetani e de outras pessoas, alguns búlgaros haviam chegado por volta de 1992] Ele [Petar

Krastanov], o Ilia Iliev e sua esposa, Svetla Nikolova Ilieva, são os únicos búlgaros que

permanecem. O Ilia veio primeiro e a mulher dele veio depois de um ano, porque ele estava

sozinho aqui. Ela faz [toca] cello e ele violino. Ele veio em 91 ou 92. Eles [os búlgaros] vieram

sem as esposas. O contrato era por músico, a passagem era por músico e não incluía a mulher

nem filhos. Então, posteriormente, alguns músicos trouxeram as esposas, depois de seis meses,

oito meses. Conseguimos arrumar as passagens, fui lá na Varig, arrumei as passagens, um rolo

desgraçado. Veio a mulher do Ilia, mais adiante veio a Elina, que se tornou Spalla depois. E hoje

na orquestra tem ainda um búlgaro, o Bogdan Dragan e sua esposa é regente do coral, a Niszhana

[pronuncia-se Nisjana]. Ela veio quase um ano depois que o Bogdan estava aqui. A saudade bateu

e ele falou “ó, doutor, aqui não fico mais, eu vou embora.” Aí nós arrumamos uma passagem pra

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mulher dele também. Mas você pode muito bem sintetizar desse jeito: o Minczuk saiu porque ele

almejava novos ares.

Comigo não! Comigo não! Comigo foi na boa. Tanto que fizemos um concerto de

despedida monumental. Ele regendo, homenagem daqui, homenagem dali. Ele era evangélico,

aquela coisa toda. E quando fiquei sabendo que ele gostava muito de um relógio, Patek Philippe,

uma daquelas marcas mundiais, a orquestra providenciou o relógio. Ele gostou muito, aquela

coisa toda. Fizeram uma homenagem pra esposa dele também, a Valéria. Então ele saiu numa

fase muito boa. Mas queria alçar outros lugares, já que não eram mais só os compromissos em

Ribeirão Preto. Passou a ter compromissos fora, na OSESP e em outros lugares, até que,

finalmente, chegou a hora de alçar vôos mais altos. Campos do Jordão, Nova York, entre outros,

foram convites que determinaram sua saída. Ele fez uma ida à Nova York, regeu lá e o maestro,

Kurt Masur, falou “você vem pra cá.”

Tamanha foi a qualidade do trabalho de Roberto Minczuk frente à OSRP que é possível

dizer que a orquestra é antes do Robero e depois do Roberto. Isso você pode citar: é palavra

minha.

2.2 – Bogdan Dragan

Nasci na Ucrânia, em família de músicos. Estudo música desde os 6 anos e sabia que não

teria escolha, que seria músico. Estudei vários instrumentos, mas o clarinete é o instrumento que

melhor domino. Comecei com o piano, depois mudei para o clarinete e quis aprender outros

instrumentos, por prazer pessoal. Aprendi violão, sax, um pouquinho de bateria, um pouquinho

de baixo, guitarra. Toquei rock. Comecei com o clarinete aos 10 anos, mas estudei ainda piano

até os vinte e poucos.

Na Ucrânia a formação musical é rigorosa, de modo que lá você estuda cinco anos de

escola de música, depois quatro anos de colégio de música e depois no conservatório, que é a

academia de música, como uma faculdade. Então você estuda 15, 16 anos para se tornar

profissional. Estudei no conservatório Tchaikovsky em Kyiv [Kiev] e tive um bom professor, que

era solista na Orquestra de Ópera, portanto, foi uma boa experiência. Trabalhei por muitos anos

também no Teatro de Ópera. Toquei na Sinfônica de Kyiv, no Teatro Pequeno de Ópera do Balé

de Kyiv. Lá existe o Teatro Grande e o Teatro Pequeno. A diferença é que no Pequeno são

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61

apresentadas óperas infantis. Toquei em orquestra de câmara, quintetos de sopros e na Filarmonia

de Kyiv. Não é uma orquestra sinfônica, é uma organização e chama-se Filarmonia de Kyiv. Lá

havia um quinteto de sopros profissional, no qual trabalhei durante oito anos.

Com relação à minha vinda para Ribeirão Preto, a história foi mais ou menos assim. A

União Soviética acabou em 91 e a partir de então foi uma época muito difícil para o país

[Ucrânia]. E piorava a cada ano tanto política quanto economicamente. Foi uma bagunça porque

durante 70 anos os políticos foram sempre mandados. Então, quando viraram donos da casa, não

sabiam como cuidar dela. Quem sofreu mais foram os artistas e as profissões menos materialistas,

incluindo cientistas. 1998 foi uma época em que os salários estavam muito atrasados. Às vezes

atrasava até dois anos. No caso do nosso teatro os salários atrasaram seis meses.

Foi nesse período que ocorreu o contato com o maestro Roberto Minczuk. Naquela época

[1998], ele já havia chegado em Ribeirão Preto, onde a orquestra era bem amadora. E pra ele, se

não me engano, foi a primeira tentativa de reger depois de ter tocado trompa, foi algo mais ou

menos assim. Parece que a OSRP foi sua segunda experiência como regente no Brasil, a primeira

foi uma orquestra em Brasília, algo assim. O que sei é que antes de nós, já havia alguns búlgaros.

Então ele mandou para a Ucrânia um certo Boris da Moldávia, um pequeno país perto da

Ucrânia. E esse Boris foi quem, em 1998, esteve por lá procurando músicos. Parece que ele

esteve na Ucrânia, na Bielo-Rússia e na Rússia, porque eles precisavam de muitos músicos. Pelo

que eu sei, ele queria músicos de alto nível e jovens, porque seria mais fácil a mudança para outro

país, pois iria sem a família. E pelo que entendi, alguns músicos brasileiros não queriam vir pra

cá [Ribeirão Preto], por se tratar de cidade do interior, periferia, não ter outros cachês e trabalhos,

o salário, não sei. Ou então ele quisesse mesmo estrangeiros. Então Boris encontrou alguns

músicos em Kyiv e lhes pediu para que gravassem uma fita, as quais ele mandou pra cá. Portanto,

a seleção foi feita por fita. O Roberto pediu a ele que explicasse quais peças e quais trechos ele

queria que tocasse. Então foi assim: eu gravei a fita, ele a ouviu e depois fiquei feliz em saber que

eu havia sido aprovado. Parece que, de 40 sopros, apenas eu fui escolhido. Quem me falou isso

foi o Spalla da orquestra na época, o Petar [Petar Vassilev Krastanov], que também passou por

esse teste.

No meu caso, quando isso aconteceu, eu estava numa situação difícil. Já tinha mulher e

criança e apertou demais, a ponto de eu resolver parar com música e mudar de profissão. Foi

complicado porque, meus pais eram músicos, eu estudava desde os 6 anos, minha esposa era

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Page 63: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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musicista, o pai dela músico, toda a família, então já era uma tradição. E a gente ainda morava na

república do conservatório. E quando faltasse a república o que eu iria fazer? Salários atrasando e

tudo mais, você nem sabe se vai comer no dia seguinte. Não passamos fome. Apenas

instabilidades. Ninguém morria de fome. Mas, quando você vinte e poucos anos e já tem família,

você pensa no dia de amanhã. E eu acredito em forças superiores que me salvaram. Acontece que

quando parei com música e fui no Teatro e devolvi os instrumentos, que eles haviam emprestado.

Lá é muito difícil você ter seus próprios instrumentos. Pertenciam ao governo e as orquestras

cediam os instrumentos bons para os profissionais enquanto eles trabalhassem. Então, imagine,

ontem eu fui ao Teatro devolver os clarinetes e falei que ia vender geladeiras porque não

agüentava mais, e hoje o Boris me liga e diz “você passou no teste, você pode vir para Ribeirão

Preto.” O nome da cidade eu nem consegui repetir. Estava incrédulo. “Que?!” Falei que não

acreditava porque ontem tinha parado com música. Ontem. “Como assim parou com música?!”

Eu falei, “olha, não dá mais, tá difícil, eu tenho família.” O Boris argumentou “pensa bem,

porque lá você vai ter um salário muito melhor do que você tem.” Na época parece que eram uns

$500 e isso era a metade do que os brasileiros ganhavam. Não por preconceito nem nada, mas

porque o Luiz Gaetani pensava assim “quando estrangeiro chega, ainda não fala o idioma, não

conhece nada, onde ele vai morar?” Então, metade do salário ele usava pra nossa moradia e nos

conseguia tudo: apartamento, camas, tudo. Porque você chega e, imagine, você não tem nada,

como vai fazer? Então ele descontava do salário. Mas isso foi só no primeiro ano. Depois ele nos

providenciou aulas de português de graça. Um ano depois já estava recebendo normalmente e

pude morar onde quisesse. Quando o Boris me falou das vantagens, pensei “bom, uma chance

assim só deve acontecer uma vez, além disso, o comércio não é pra mim. Prefiro ser músico,

claro.” Tive que pedir um empréstimo para comprar um instrumento e poder vir pra cá. Primeiro

vim sem a família, para conhecer, mas aí gostei.

Com relação ao Brasil, já havia viajado com o nosso Teatro da Ucrânia. Percorremos o

mundo inteiro tocando, então eu já conhecia mais ou menos a América Latina. Mas o Brasil não.

A gente estudava lá na Ucrânia e havia alguns brasileiros que contavam como eram os países por

aqui. Eles me falavam “se você conhece Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, então imagine que o

Brasil é melhor do que todos aqueles países lá.” E eu falei “olha, mesmo se não for, a situação

pra mim tá complicada, eu vou de qualquer jeito. Qualquer coisa, daqui um ou dois anos, sei lá,

eu volto.” Quando se é jovem, a aventura vale a pena.

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Page 64: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Eu lembro o dia da chegada. Nunca esqueço. Foram 20 horas de avião, saímos da Ucrânia

debaixo de neve, depois pegamos outro avião na Moldávia. Acho que fazia 10 ou 15 graus abaixo

de zero. E muita neve. Então, imagine, eu chegando em Ribeirão Preto com um monte de roupa,

cachecol, luva e um chapéu de pele de alpaca que eu tinha comprado na Bolívia. E isso foi em

novembro. Então, quando a porta do avião abriu, fazia 30 e poucos graus. Imagine, lá 15 abaixo

de zero, aqui 30 graus, uma mudança de quase 50 graus em vinte e poucas horas. Aí quando abriu

a porta e eu vi esse céu azul, esse calor, eu falei “nossa, esse é o meu país.” Porque eu já gostava

disso. Eu nunca gostei de tanto frio, porque eu sou magrinho, sempre sofri com o frio.

Aí foi uma sensação quando a gente chegou. Ficamos meia-hora parecendo uns modelos,

com chapéu e tudo, encharcados de suor, e o pessoal nos fotografando. Uma comitiva da OSRP

nos recebeu, havia fotógrafos e vídeo filmando. Foi um sucesso. Posteriormente, a coisa mais

importante pra mim foi quando ouvi as músicas de Tom Jobim, Vinícius de Morais, de Toquinho,

MPB de boa qualidade. Falei “nossa, é meu país mesmo. Que ritmo!” Isso não existe lá, não

existe em lugar nenhum do mundo. Uma riqueza incrível e isso eu adorei.

Com relação ao ingresso na orquestra e o relacionamento com os outros músicos, isso foi

interessante. Naquele ano, chegamos em sete pessoas, 6 moldavianos e eu, um ucraniano. Elina

[Suris – violino], o marido dela, Alexandr [Iurcic – contrabaixo], Denis [Usov – violino], eu

[Bogdan Dragan – clarinete], a Liliana [Chiriac – violino], veio mais um romeno também, o qual

depois foi para São Paulo. Não me lembro, mas acho que era Alan ou Alen [Biscevic – viola]. O

Boris também veio com a gente e ainda veio mais alguém, que não lembro agora. Então o

ingresso na orquestra foi para todos nós uma surpresa, porque percebemos que aqui no Brasil não

existe nacionalismo. Isso lá na Europa é uma doença. Eu estudei um pouco na Alemanha e na

França e vi como são países em que lá, principalmente na Alemanha, mesmo que você se case

com uma alemã e fique no país até morrer, você sempre será estrangeiro. Aqui você sente o

contrário. Os brasileiros acolhem os estrangeiros com um carinho, com um coração aberto, com

uma vontade de te conhecer. Mas tem uma coisa: sempre perguntam “o que você acha do

Brasil?” Eles nunca gostam que fale alguma coisa ruim. O brasileiro gosta de seu país, mas

sempre explicamos as diferenças. Aqui “tem isso e tem isso”, claro que a gente não fala que “isso

é bom e aquilo é ruim”, porque aqui é outro mundo e só poderia ser assim. E, se eu gosto do

Brasil e dos brasileiros, eu aceito tudo, apesar de ser difícil se acostumar com algumas coisas. A

questão do horário e outras coisas. Mas aqui é assim mesmo.

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Page 65: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Musicalmente nunca teve problema. Nos ensaios sempre havia pessoas ajudando, porque

não falávamos português. E é engraçado porque a primeira frase que o estrangeiro aprende é “eu

não falo português.” No início a nossa pronúncia era “eu nã fala partuguês.” Era assim. Na rua se

alguém te abordasse e você dissesse “eu não falo português”, respondiam “ah, fala, fala!” Só

porque fala uma frase a pessoa já quer puxar conversa e é aí que ninguém entende mais nada.

Mas, no geral foi maravilhoso o nosso ingresso, a nossa chegada.

Sobre o nível da orquestra naquela época, isso é algo subjetivo. Em comparação com as

orquestras de lá [Europa], eu percebi que aqui os músicos estudam o seu instrumento com o

objetivo de fazer parte de uma orquestra. Lá, na academia de música, a gente estuda para ser

solista. Você estuda várias disciplinas diferentes, para ser intérprete e até para ser professor. Por

isso o nível é um pouco mais alto. Acontece que todos formam-se solistas, mas nem todos podem

ser solistas numa orquestra. A maioria vai tocar, mas não tem lugar para todos. Imagine como o

maestro sofre porque cada um se sente um solista. Fica difícil criar um conjunto. Aqui isso não

acontece. É mais fácil se criar um conjunto, porque os músicos conseguem se entregar mais para

o maestro. Mas eu senti falta, no começo, dessa qualidade de solista. Quando chegava o momento

em que alguém precisava fazer um solo, faltava um pouco mais de expressão, a pessoa mostrar

sua individualidade. Essa foi a impressão que tive ao chegar. Mas gostei muito dos instrumentos,

que são muito melhores do que os que a gente tem lá. E aqui a pessoa tem uma maior

possibilidade de comprar um instrumento, de aprender a tocar, tocar afinado e depois criar

conjunto numa orquestra.

Sofrível mesmo, no início, foi estudar música com o calor daqui. A cada dez minutos eu

tinha que ir tomar um banho gelado. Mas a água não vinha gelada do chuveiro, mesmo

desligando tudo. Meu pai me ensinou a tomar banho gelado, para proteger de gripe. Então isso foi

um sofrimento. Apesar de eu ter 26 anos e organismo jovem ajudar, o calor foi a pior coisa que

nós estrangeiros sentimos. Porque você fica mole de corpo e mente. Isso é horrível. No frio você

se sente mais ativo, porque come melhor, alimentos mais gordurosos, você gasta mais calorias.

No calor você fica mole e se sente como uma medusa no mar. Parece que a vida termina pra

você, porque não tem onde se esconder. No apartamento onde a gente morava ainda não tinha ar-

condicionado, no começo não tínhamos carro e a gente andava ou a pé ou de bicicleta. Então por

causa disso foi difícil no começo.

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Page 66: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Quanto ao relacionamento com os músicos brasileiros, no início nem havia tanto

relacionamento, por causa da língua. Mas a gente sentiu o coração aberto das pessoas, elas

querendo ajudar e te conhecer. Falávamos um pouco de inglês e havia pessoas que também

sabiam falar inglês e isso ajudou bastante. Não houve nenhum tipo de conflito. Já havia búlgaros

aqui há alguns anos, então, não sei, pode ser que os brasileiros já haviam encontrado um jeito de

conviver com os estrangeiros, por isso nós não sentimos nada.

Ao chegar, não substitui nenhum clarinetista brasileiro. Aqui faltava músico mesmo.

Havia a Krista [Helfenberger – clarinete] que já estava na orquestra desde 92 e eles contratavam,

uma vez por mês, outros músicos [chamados músicos cachê] para determinados concerto. A

maioria vinha da OSESP e eram músicos de alto nível e com isso uma vez por mês tínhamos uma

orquestra grande e fazíamos programas mais complicados. Com relação à Krista, lembro que teve

uma época que Minczuk estava tentando decidir quem seria primeiro clarinete, eu ou a Krista.

Mas depois, ele já começou a pensar em sair daqui e não se preocupou mais com isso, então eu

fiquei como segundo clarinete. Mas a gente às vezes troca, eu toco primeiro clarinete.

Com relação à maneira de trabalhar do Minczuk, eu gostava muito porque ele era bem

exigente. Mas, por exemplo, quando ele saía do ensaio, virava outra pessoa. Pra ele “trabalho é

trabalho.” Exigia um alto nível e sempre procurava fazer o máximo possível. Agora, ele é meio

ditador e gosta de mandar e ver as coisas do jeito dele. Mesmo assim eu gostava, porque quando

chegava o momento de um solo, ele deixava a gente tocar à vontade. E isso não são todos os

maestros que sabem fazer e que gostam de fazer. E é necessário. Os maestros, em geral, até

mesmo no seu solo eles querem mandar. Isso incomoda, porque você se sente um escravo. E

Minczuk sempre mantinha uma distância. Não sei se com todos, ou comigo ou conosco [os

estrangeiros], não sei. Mas você sempre sentia que ele era o maestro e você o músico. Ele era a

autoridade.

Esse perfil autoritário não me incomodava muito e, por outro lado, até ajudava no trabalho

dele, porque ele tinha mais respeito, mais autoridade. E a gente já era acostumado também, na

União Soviética, com um pouco de ditadura. Foram muitos anos assim, então isso não nos

incomodava. Você nasce lá e desde pequeno existem muitas regras. No Brasil não existem as

regras que temos por lá. Por um lado isso é bom, mas por outro, você perde a infância cedo. Você

deixa de ser criança, mesmo em tenra idade. “Isso pode, isso não pode”, e aqui é ao contrário, a

criança pode tudo. Isso também não é certo. Deveria haver algumas regras.

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Page 67: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Apesar da distância que o Minczuk mantinha, ele demonstrava o mesmo tratamento com

os músicos estrangeiros e com os brasileiros. Nunca percebi, nem nunca senti nada diferente.

Acho que ele conseguiu o que queria. Quase metade da orquestra era de estrangeiros e a gente

sentiu que essa era a idéia dele. Porque quando você tem uma estrutura firme, é fácil sustentar

outros músicos em volta, que ainda eram meio amadores, e que pertenciam a uma época anterior

da orquestra. Mas ele conseguiu unir tudo isso e fez o trabalho dele num nível muito bom,

porque, quando anunciavam o nome dele no teatro, era um sucesso sempre. Isso foi o mais

importante. Nunca senti nenhum tipo de repressão, mas ele queria profissionalismo de todos. Ele

estava começando também, então talvez ele não devesse ter exigido tanto assim.

Referente ao período da saída do Minczuk da orquestra, ele era querido pelos músicos,

mas, como toda pessoa desse nível, sempre tem amigos e inimigos. O mais importante é que,

apesar de nós estrangeiros sempre comentarmos um com o outro que às vezes ele era grosso e

ficava nervoso, por causa do tempo para ensaiar ou atingir o nível que ele queria, no final a

música saia legal, você subia no palco e tocava à vontade, portanto, conseguindo o melhor nível.

Você esquecia todas as coisas que de repente aconteceram nos ensaios. Eu lembro que até eu,

numa época, achava que ele me ignorava. Depois, comecei a pensar nisso e entendi que, quando a

pessoa chega a um nível superior, como diretor ou como maestro, ele não tem como agradar a

todos. Não tem como dar atenção a todos. Aí fiquei mais tranqüilo. Num outro curto período,

também achei estranho algo que aconteceu, porque parece que ele sabe falar russo ou ucraniano.

Porém, comigo ele nunca quis falar em russo. Isso foi bem no começo quando cheguei. Acho que

ele queria que eu já falasse português. Expliquei que nem o meu inglês era muito fluente. Aí ele

pediu para que alguém traduzisse pra mim e ele não quis falar em russo. Estranhei muito isso.

Pode ser que ele não falasse mais o russo muito bem ou então ele queria que aprendêssemos mais

rápido o português e que ele não iria facilitar.

Sobre a ocasião do afastamento do Milton Bergo da condição de Spalla, me falaram que

foi meio brusco o que aconteceu. Parece que ele falou “agora você não é mais Spalla.” Mas eu

ainda não estava nessa época, por isso não sei ao certo.

O maestro Roberto Minczuk não teve conflito com a diretoria da OSRP. Pelo que eu

percebia, o Luiz Gaetani adorava ele. Sempre o que Minczuk pedia, o Dr. Gaetani tentava

conseguir pra ele, porque o Minczuk viu o poder que o nome do Gaetani tinha na cidade. E isso

foi muito importante pra orquestra.

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2.3 – Jonas Mafra

Comecei meus estudos em São Paulo, no conservatório musical de Osasco,

posteriormente na ULM [Universidade Livre de Música] e fiz o teste para a Orquestra de

Ribeirão em 1993. Já na minha banca avaliadora estava o maestro titular na época, o Marcos

Pupo Nogueira, os dois Spallas e alguns músicos estrangeiros. Na época eles eram muito

respeitados por aqui, porque vinham da Europa e tinham uma formação superior. O que me

trouxe à Ribeirão Preto foi a oportunidade de tocar numa orquestra profissional, que ensaiava

todos os dias, tinha concertos todos os meses, além do salário, que era de profissional. Até então

eu tocava na Orquestra Jovem do Estado de São Paulo. De início imaginei que seria por pouco

tempo, talvez um ano. Viria pra cá para pegar experiência e depois voltar para São Paulo. Mas

acabei ficando, gostei da cidade, casei aqui, tive meus filhos e estou há 16 anos em Ribeirão

Preto. Em São Paulo é muito mais concorrido, tem mais orquestras, mas também há mais

músicos e o nível é mais exigente. Mas quando cheguei a orquestra já era boa, já havia alguns

músicos estrangeiros e os brasileiros eram bons também. Em relação à quantidade de

estrangeiros, lembro que tinha uns 12 ou 13. Éramos 40, 45 músicos no máximo. Sei que existe,

agora não sei dizer ao certo, mas há uma lei que limita o número de estrangeiros na orquestra.

Tem que haver uma proporção entre o número de estrangeiros com relação ao de brasileiros e

eles [a diretoria] sempre tomaram o cuidado de não ultrapassar o limite. A própria lei do país não

permite muitos estrangeiros.

Apesar da orquestra já ter um nível bom na época em que cheguei, comparando com hoje

ou com a época em que veio o Roberto Minczuk, o nível era bastante baixo. Fazia concertos

todos os meses, mas tocava sempre o mesmo repertório. Faltavam músicos, faltavam alguns

naipes, então eram sempre as mesmas músicas. Além disso, na época o Teatro [Pedro II] estava

fechado, e por isso as apresentações eram feitas no Teatro Municipal. Por causa do incêndio, o

Teatro estava em reformas, por isso os concertos eram realizados no Teatro Municipal e

tocávamos muito na região: Altinópolis, Brodowski. Íamos a convite das Prefeituras. Mas o nível

não era muito bom, sobretudo porque o maestro não exigia tanto e os músicos não davam tudo de

si. Na época o maestro era o Marcos Pupo [Nogueira]. Ele era bom, era um excelente professor,

de modo que lecionava na UNAERP. O problema dele era que ele não exigia tanto. Faltava

“pulso”. Ele tinha que ter exigido mais, mas deixava as coisas passarem e com isso os músicos

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Page 69: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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não rendiam tanto. Por exemplo, se tivesse que tocar um “Lá” e os músicos tocassem um “Lá

mais ou menos”, passava. Não exigia dinâmica, a música saía uma coisa muito “reta”. Enfim, era

uma orquestra que soava como semi-profissional. Nem dava para comparar com as grandes

orquestras. Hoje não. Hoje você pode comparar a OSRP com as melhores do país.

Com relação ao nível dos músicos que havia aqui na época, eles eram bons. Alguns se

formaram em Tatuí, que era uma referência e a única orquestra escola de música no Brasil na

época. Tinha um brasileiro formado no Chile, hoje ele é professor da USP, um fagotista chamado

Diósnio Machado Neto. Havia os búlgaros [Ilia Iliev, Svetla Nikolova Ilieva e Petar Krastanov] e,

posteriormente, vieram os “russos”.

A chegada do Roberto Minczuk teve um impacto interessante, pois fez algumas

demissões. Na ocasião do último concerto do Marcos Pupo, ele já estava na platéia e dali ele já

fez uma “garimpada”. Falou que não queria alguns músicos e mesmo os que ficaram tiveram que

passar por uma avaliação. Mas isso ajudou muito. Ele deu uma “peneirada” na orquestra: quem

não estivesse a fim trabalhar, que fosse embora. Ele começou o trabalho, abriu concursos, buscou

mais alguns estrangeiros. Como falei, na época já estavam por aqui alguns búlgaros. Depois ele

trouxe os russos. O nível foi melhorando, porque ele era muito exigente. Mas isso foi bom para

os músicos também, pois começamos a ser mais reconhecidos e respeitados na cidade. A partir de

uma idéia dele [Minczuk] surgiu o “Juventude tem Concerto”, que é um projeto que existe até

hoje. Se você for em qualquer escola hoje, as crianças e os adolescentes conhecem a orquestra. E

atualmente ele está fazendo a mesma coisa no Rio de Janeiro [com a OSB, num projeto chamado

“Concerto para a Juventude”].

Outro aspecto interessante do trabalho do Roberto Minczuk em Ribeirão Preto era a

cobrança com todos. Do mesmo jeito que ele brigava com os músicos para que tocassem bonito,

ele brigava com a diretoria também, brigava com a administração. Ele sempre exigia que dessem

boas condições aos músicos. Isso começou pelo transporte, que era muito precário. Houve

ocasiões em que íamos sair para tocar na região e tínhamos que ir naqueles ônibus que carregam

cortadores de cana. Sem querer desmerecer, mas era o mesmo ônibus que levava cortadores de

cana. Numa dessas ocasiões, fomos para Brodowski. Na hora fizemos menção de protestar, mas

acabamos indo. Fizemos o concerto, mas aí exigimos outro ônibus para voltar. E arrumaram

outro ônibus. Com o Minczuk isso acabou: desde transporte, alimentação, era tudo do melhor

para os músicos. O rendimento melhorou, o salário melhorou e a auto-estima dos músicos

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Page 70: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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também. Outra coisa muito boa que aconteceu foi que o Dr. Gaetani, que já era o presidente da

OSRP, passou a ser também o presidente da Fundação Pedro II, de modo que o Teatro Pedro II

passou a ser nossa casa. Hoje ainda temos uma dificuldade para ensaiar, pois durante a semana

inteira ensaiamos na sede [Rua São Sebastião, nº 1002], num salão que não é tão bom, e dois dias

no Teatro. Nesses dois dias de ensaios no Teatro, o trabalho tem que ser praticamente refeito e é

preciso um maestro muito bom para se fazer isso, pois o resultado sonoro muda totalmente. Muda

tudo mesmo! O primeiro ensaio no Teatro parece que você está tocando num vazio.

Comparado ao maestro anterior, o Roberto Minczuk era muito mais exigente. E nos

ensaios ele brigava mesmo, fazia cara feia. Isso era uma coisa que a gente sempre reclamava com

ele nas reuniões, mas não tinha jeito. Ele mesmo falava “não tem jeito, eu não consigo mudar.”

Se você errasse uma nota na hora do concerto, ele te fulminava. Não falava palavrão, mas

fechava a cara e ficava te olhando até você olhar nele. Isso era horrível porque você tinha

acabado de errar e já estava mal. Você não queria errar, mas errou. E isso que ele fazia deixava os

músicos ainda mais chateados e mais nervosos. Mas era o jeito dele. Hoje já temos um maestro

[Claúdio Cruz], cujo nível é praticamente o mesmo do Minczuk, mas, sorrindo, ele consegue tirar

da orquestra o que ele quer. Dificilmente ele perde a paz e ele é exigente também. Se precisar

trabalhar vinte vezes o mesmo compasso, ele trabalha as vinte vezes, mas tranqüilo. Com isso o

ambiente fica melhor para trabalhar. O Minczuk não tinha isso: ele ficava nervoso mesmo e

exigia mesmo.

Os músicos velhos, eles não aceitam isso. Os jovens aceitam melhor, pois estão mais

acostumados com a cobrança de seus professores, mas os velhos não. Como relatei, nós

apontávamos isso nas reuniões, mas não adiantava. Ele falava que “se um cirurgião errar uma

cirurgia, ele mata o paciente. Músico também não podia errar nota.” Para ele era a mesma coisa:

se você errasse uma nota, acabava com o concerto.

E ele tinha ainda um excelente ouvido [ouvido absoluto]. Ouvia tudo, percebia tudo. Mas

nos ensaios era assim mesmo, fazia cara feia e exigia mesmo. Fora do ambiente de trabalho, ele

era tranqüilo, era amigo, brincava. O negócio era mesmo nos ensaios. E nos concertos.

Sobre o tratamento de Minczuk para com os músicos estrangeiros e nacionais, era igual.

Tratava todos da mesma maneira, fosse estrangeiro ou brasileiro. Não havia distinção. Lembro de

uma vez em que foi feita uma daquelas avaliações internas, e ele me elogiou. Eu devo ter tocado

umas 4 ou 5 vezes nesse período em que ele esteve aqui. Sempre havia uma avaliação. Numa

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Page 71: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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ocasião toquei a mesma música que um dos estrangeiros tocou. Foi uma peça de Bach. Ele me

elogiou, disse que eu havia ficado com uma boa nota. E ele sabia que eu havia nascido e estudado

no Brasil, enquanto o outro era estrangeiro, com um nível europeu, com larga experiência.

Mesmo assim ele me elogiou, disse que eu estava no caminho certo e aconselhou que eu

continuasse estudando. Mas o tratamento era igual. Era ele ali na frente e os músicos eram todos

iguais.

Existe uma grande diferença de estilo de regência entre o Roberto Minczuk e o atual

maestro, Claúdio Cruz. Na minha opinião os dois estão, hoje, entre os melhores maestros do

Brasil. O Cláudio Cruz também foi meu professor de violino e é um dos melhores violinistas

brasileiros. O Roberto segue as tradições. Ele estudou regência com o Roberto Tibiriçá, com o

Eleazar de Carvalho, que é da mesma escola do famoso [Sergei] Koussewitzky. O Eleazar

também foi professor do Zubin Mehta, que rege em Israel. O japonês Seigi Ozawa também foi

aluno do Eleazar. Todos os alunos do Koussewitzky foram passados para o Eleazar, porque ele

havia sido assistente do maestro russo. O Claudio Abbado parece que também foi aluno dele.

Enfim, o Eleazar de Carvalho foi um dos melhores do mundo, e foi professor do Roberto

Minczuk. Por isso, o Roberto segue as tradições. O Cláudio já não gosta de tradição, ele mesmo

diz isso. Porque as coisas mudam gradativamente. Ouvindo uma sinfonia regida pelo [Herbert

Von] Karajan, você percebe que é tudo muito lento. Com o Cláudio não, ele gosta tudo mais

acelerado, a música flui mais, então percebe-se muita coisa dele. O Roberto exigia o que estava

na partitura. Mas exigia mesmo. A diferença entre os dois ocorre porque o Cláudio é violinista e

o Minczuk não. Teve uma época que os dois conversavam muito, trocavam essa experiência. O

Claúdio passava a experiência de cordas e o Roberto a de sopros. O Roberto é um excelente

trompista.

Portanto, essa diferença de estilos é bem acentuada. Com o Cláudio você percebe que os

andamentos são mais acelerados. Ele acha chato você se acomodar no teatro e ficar uma hora lá

ouvindo aquela coisa lenta. É bem entediante. Por isso ele faz tudo mais rápido e diferente. Ele é

um músico que já toca há quase vinte anos na OSESP, então ele já tocou com muita gente, já

tocou essas músicas mil vezes. Ele já sabe os pontos. Como músico, ele já sabe onde é chato. E

está fazendo um trabalho excelente, não apenas na OSRP.

O Minczuk tinha essa função de escolher repertório. Hoje o Cláudio também tem. Ele é o

Maestro Titular e também Diretor Artístico. Com ele mudou muito o repertório da orquestra. Na

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época do Minczuk, pelo fato de que ele ainda estava em formação enquanto maestro, ele fez

coisas mais conservadoras, coisas que todo maestro tem que fazer. Sinfonias de Beethoven,

Brahms, Tchaikovsky. O Cláudio propôs coisas mais ousadas, muito em função do crescimento

da orquestra. Agora temos trombones, tuba e por isso podemos trabalhar outras obras e

compositores como Rachmaninov, Liszt. Todos mais modernos. E isso muda a cara da orquestra.

A abertura da ópera Tanhäuser de Richard Wagner era pra ser nesse ano, mas não sei se será

possível. Não sei se ainda teremos tempo. Fato é que agora temos um coro e estamos trabalhando

muito peças com coral. Ainda que o coro não seja profissional. Mas a cara da orquestra mudou.

Não está tocando mais as mesmas coisas sempre, pois isso cansa o músico também.

Portanto, o Roberto Minczuk também acumulava essa dupla função. Era Maestro e

Diretor Artístico. Ele que determinava o repertório e todo o planejamento da temporada.

Atualmente continua sendo assim. Esse ano [2009] é que foram feitas algumas mudanças por

causa dessa crise [econômica mundial]. Mas ainda está confirmado que em breve virá o

[Antônio] Meneses e o Nelson Freire. Por outro lado, os japoneses que vieram no ano passado,

talvez não venham.

Hoje existem duas escolas da Sinfônica. Mas não ficam em Ribeirão Preto. Uma delas

fica em Sertãozinho e a outra em Pirassununga e ambas estão dando resultados excelentes. A

questão é que, em Sertãozinho, conseguiram fazer uma parceria com o Savegnago, e em

Pirassununga, uma parceria com a Companhia Müller de bebidas. Porém, aqui em Ribeirão ainda

não conseguiram. Há uma parceria com a ECA [Escola de Comunicação e Artes] da USP e vários

estagiários participam da orquestra. Alguns não são vinculados à USP. Com o tempo, esses

estagiários podem ser efetivados, como é o caso do Daniel [Isaías Fernandes] que toca viola. Mas

o que falta em Ribeirão Preto é apoio.

Com relação a esse ideal de formação de músicos, o Minczuk tinha idéias também.

Durante um tempo, ele conseguiu montar uma escola em Cajuru, com um dos clarinetistas do

Teatro Municipal, o Domingos [Iunes Elias]. E o Roberto mesmo deu muita aula nessa escola.

Ele lecionava trompa para muitos alunos daqui de Ribeirão, sem cobrar nada. Eu conheço alunos

que hoje tocam na igreja, e tocam muito bem, que ele ensinou de graça. E trompa é um

instrumento difícil. Ele ensinava nas férias e os garotos tocam trompa mesmo, aprenderam direto

com o Roberto. Conheço três desses trompistas. Um foi para Campinas e os outros moram em

Ribeirão Preto.

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Page 73: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Porém, na época não havia apoio. A própria orquestra ainda caminhava com dificuldades.

Mas ele tinha um ideal. Era mesmo um idealista acima de tudo. O Roberto incentivava os

músicos. Ele foi uma pessoa que me apoiou muito, porque eu sempre tive alunos crianças e

adolescentes e regia orquestrinhas de cordas. Durante uma época, regi a orquestra jovem para ele.

Na época em que o Kurt Masur veio ao Brasil e deu seu primeiro curso em São Paulo, eu quis

participar. No entanto, eu não tinha nível e nem currículo para tentar o curso. Não tinha

gravações, enfim. Como foi o Roberto quem trouxe o Kurt Masur, ele mesmo assinou pra mim e

eu participei do curso. Fizeram uma seleção entre 48 regentes, eu gravei uma fita e ele assinou

como sendo meu professor. Apenas 12 pessoas fizeram esse curso. Ele incentivava muito os

novos regentes. Tudo em prol da música.

Durante a passagem de Roberto Minczuk, ficamos dentre as melhores orquestras do país.

Havia a OSESP, a OSPA, de Porto Alegre. Na época do Minczuk não me lembro se fizemos

gravações de CDs. Havia gravações em vídeo, muitas providenciadas pelo próprio Roberto. Ele

gravava muita coisa pra ele. Em 1996 eu lembro que nós ganhamos o prêmio da APCA

[Associação Paulista de Críticos em Arte], a orquestra e ele como melhor regente do Brasil.

Gravações mesmo começaram com o Cláudio. Já estamos no 3º ou 4º CD e também já gravamos

um DVD. Agora ele está propondo fazermos outro CD só com música brasileira. Fizemos óperas

também. La Traviata e Cavaleria Rusticana com o maestro Túlio Colacciopo, e o Rigoletto com o

Cláudio.

Quanto à época da saída do maestro Roberto Minczuk, foi uma situação difícil. Voltamos

para o fundo do poço. O nível caiu demais. No dia em que ele deu a notícia foi muito triste.

Muitos músicos choraram no palco. Foi terrível. Aí começaram a vir maestros convidados. O

nível foi caindo, caindo. Melhorou um pouco quando o Cláudio Cruz chegou. Isso foi um

milagre. A gente nunca imaginou que um Cláudio Cruz pudesse vir pra cá. Só agora a orquestra

voltou a ter uma cara. Depois o Cláudio saiu e o nível caiu de novo. Veio o Marcos Arakaki e deu

uma levantadinha. Fizemos algumas coisas boas, sinfonias de Brahms, mas o nível não foi igual.

Agora o Cláudio voltou e posso afirmar que o nível está bom. Na época do Roberto ele teve

muito apoio de músicos da OSESP. Os sopros eram todos cachês e eram convidados. Isso

ajudava a levantar a orquestra. Hoje não. Hoje podemos dizer que é uma orquestra de Ribeirão

Preto. Todos fazem parte do corpo de músicos da OSRP.

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Page 74: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Após a saída do Minczuk, perdemos também muitos músicos bons. Perdemos o 1º oboé

[Alexandre Martins de Barros], que hoje está na filarmônica de Belo Horizonte e é um dos

melhores do Brasil. A Elina [Suris], que foi Spalla, foi para a OSESP. Atualmente, só na OSESP

deve haver uns 4 ou 5 músicos que passaram pela OSRP. Foram embora muito em função da

condição financeira. Foi uma época quando o Roberto saiu. A maioria dos músicos gostava dele.

Embora houvesse também uma pequena minoria que não gostasse dele. O problema era que um

deles foi o Spalla antes da Elina. Então brigavam muito. Houve uma polêmica muito grande no

concerto de reinauguração do Teatro Pedro II e o Spalla foi afastado. Tiveram uma discussão e

ele afastou o Spalla. Isso no dia do principal concerto da orquestra na temporada. O músico em

questão era o Milton Bergo. O próprio Roberto comentou um dia que, na opinião dele, o melhor

Spalla do Brasil era o Milton, mas que pra ele não dava certo. Os dois não se acertavam, porque

parece que o Milton não aceitava as atitudes do Roberto. No dia daquele concerto polêmico, o

Spalla foi o Petar [Krastanov], que hoje está nas últimas estantes dos primeiros violinos [risos].

Mas ele é um excelente músico. Depois veio a Elina, foi Spalla durante um tempo. Mas perdeu

muito a orquestra com a saída dele. Perdeu muito.

Em seguida veio o maestro Norton Morozowsky, que foi flautista da Orquestra Brasileira,

em seguida veio o Cláudio Cruz. Depois ele saiu e ficou o seu assistente, o Mateus Araújo, que

depois foi para Manaus. Ele fez muitas coisas boas também. Seguindo uma linha mais popular,

trouxe o violonista Yamandú Costa, a Família Caymmi. Foram alternativas que ajudaram a

orquestra também. Ele era muito talentoso, mas não conseguiu administrar o peso de ser Maestro

Titular. Como assistente ele ia bem, mas aí acabou tendo divergências com a direção e acabou

saindo. Em seguida veio o Marcos Arakaki. Depois que ele saiu daqui, ele foi ser assistente do

Roberto Minczuk na OSB do Rio de Janeiro e é Maestro Titular na Paraíba. Ele é um menino que

promete. Muito talentoso. Eu toquei com ele na Orquestra Jovem do Estado em 1989 e ele já era

Spalla. Dos maestros que estão surgindo atualmente, ele é um dos melhores.

O Minczuk comentou que gostava muito da cidade e sua família também. Tanto que ele

teve um filho aqui, o Joshua. Explicou que eram muitos compromissos, que estava sendo difícil

conciliar e por isso sairia. Ele tinha a OSRP, a OSESP e era assistente do Kurt Masur na

Filarmônica de Nova York. Portanto, estava difícil de administrar. No fundo, teve a questão com

alguns músicos daqui também. Ele pesou as opções e decidiu sair. Fora isso, teve uma época em

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Page 75: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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que ele ficou muito doente, por causa dessas viagens todas. Ia para São Paulo, Campos do Jordão,

Nova York, voltava. Ele resolveu sair de vez.

Conflito com a diretoria da OSRP o Minczuk não, não teve. Ele tinha total apoio da

diretoria, tanto que a despedida dele foi uma festa. Antes de ir embora ele fez um último

concerto. Ganhou do presidente [Luiz Gaetani] um Rolex de quase 30.000 reais. E o Gaetani

adora ele. Nas oportunidades que tive de conversar com o Roberto em Campos do Jordão eu até

cobro “você precisa voltar lá em Ribeirão, fazer um concerto.” E ele diz “ah, é só o pessoal me

chamar.” Mas parece que agora o valor tá muito alto. Não sei se é verdade que está cobrando

muito caro, mas sei que a relação dele com a diretoria sempre foi boa. Antes de sair ele

comentava que gostava muito daqui e que queria continuar. Mas a relação com alguns músicos

ficou difícil e ele falou “ah, não vou brigar.” Foi isso: ele não queria conflito. Se ele resolvesse

ficar, teria que encarar a briga. Então saiu. Ele falou “não, não preciso disso. Não quero”.

“Infelizmente eu sinto muito, mas terei que deixá-los.” E ele me contou a história. Quando o Kurt

Masur veio ao Brasil e surgiu o convite que ele fosse ser assistente do Kurt Masur em Nova

York. Ele pegou uma gravação da orquestra de Ribeirão, encontrou o maestro no aeroporto e o

levou até o hotel. Mostrou a gravação e foi ali que o maestro Kurt Masur percebeu a qualidade do

trabalho que estava sendo feito. Percebeu como a orquestra estava soando muito bem. O Roberto

participou do concurso e ganhou a vaga de assistente.

Concluindo, portanto, foi o conflito que ele teve com alguns músicos que motivaram a

saída dele. Digamos que foi a “gota d’água”, porque ele estava tentando administrar. A família

dele ficava aqui. Mas, segundo ele “olha, infelizmente não dá.” Mas não havia conflito entre os

músicos. Não havia uma política de discriminação para com os músicos estrangeiros, sobretudo

porque eles tinham um nível melhor, uma formação superior. E nós os respeitávamos,

principalmente os mais jovens na época, como eu. Continuávamos estudando para sermos bons

também. Hoje eles nos respeitam mais, mas na época também não havia discriminação. Fora o

fato que havia aquela lei que não permitia tantos estrangeiros. E naquela época os estrangeiros

eram bancados pelo Ribeirão Shopping, por meio de um contrato. Eles ganhavam em dólar.

Porém, depois de um tempo isso caiu, por causa de problemas com a documentação. Houve

inclusive uma época em que eles ganhavam menos que nós, brasileiros. Hoje todos são

registrados, possuem visto. Mas teve uma época que eles montaram uma camerata só de

estrangeiros e tocavam pro Ribeirão Shopping. Isso foi por muito pouco tempo.

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Page 76: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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2.4 – Milton Fernando Bergo

A época em que realmente comecei no violino coincide também com o meu ingresso na

Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. Comecei com 11 anos, em 1978 e, depois de dois anos

estudando com um professor, o já falecido Orlando Bernardi – o qual eu faço sempre questão de

citar –, ingressei na orquestra como um violinista ainda num nível bastante iniciante. Como

segundo-violino, meu primeiro concerto foi em 1980, em Santa Rosa do Viterbo e, logo depois,

tocamos na esplanada do Pedro II, numa apresentação que teve como maestro convidado

ninguém menos que Isaac Karabtchevsky.

Naqueles tempos a orquestra não tinha pretensões profissionais. Era uma orquestra

basicamente amadora, apesar de contar com músicos até de grande talento. E a maioria dos

músicos tinha outra profissão. A orquestra pagava um salário muito mínimo, quase uma ajuda de

custo. Os ensaios até eram regulares, porém aconteciam apenas duas vezes por semana.

Ensaiávamos na sede da orquestra e os concertos eram realizados no Teatro Auxiliadora e no

Teatro Municipal, porque na época o Pedro II havia sofrido aquele incêndio e ainda não tinha

sido reformado.

A orquestra era basicamente um conjunto de músicos amadores, abnegados, que gostavam

de tocar realmente por amor à música. Se analisarmos as circunstâncias da época, até fizeram

muito pela Orquestra.

Meu professor, Orlando Bernardi, por exemplo, foi um músico que entrou na orquestra

por volta de 1950. Eu o conheci na minha casa, já que eu apenas brincava de tocar o violino que

minha avó me havia dado. Ele foi o primeiro a me incentivar e a me orientar seriamente. Daquela

época muitos já se foram, mas eu os tenho como pais da minha carreira artística, meus grandes

incentivadores. Guilherme Gelfuso, Gilberto Baldo, que ainda é vivo, Luiz Baldo, que foi Spalla

e que ainda é vivo, Pedro Mobiglia, que já faleceu, Geraldo Angelin que ainda é vivo, Dona

Maria Augusta Salles, que já faleceu. E ainda outras pessoas, como Myrian Strambi, que já

faleceu, era oboísta e entrou na Orquestra pouco depois. Enfim, uma plêiade de pessoas

memoráveis que muito contribuíram na minha carreira e na existência da Orquestra.

Anterior á minha época na Orquestra, quase todos os músicos eram descendentes de

italianos. De italiano havia o Hermenegildo Beretta, violinista, mas não peguei a época dele. Mas

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historicamente a orquestra foi formada por músicos descendentes de italianos e alemães. Porém,

todos nascidos aqui no Brasil e todos com uma segunda profissão além da música.

Eu entrei na orquestra no final da regência do Lutero Rodrigues, o qual já estava de saída

para estudar na Alemanha. Em seguida entrou o Marcos Pupo Nogueira, que foi Maestro Titular

durante praticamente 12 anos. Foi um maestro que teve a sua importância, pois, de certo modo,

conseguiu galgar alguns degraus a mais no nível da orquestra. Conseguiu performances melhores,

inclusive a partir da vinda de alguns “músicos cachê” de São Paulo.

O que o Marcos fez de melhor em sua gestão foi ter criado a orquestra jovem, que era uma

orquestra formada pelos mais jovens da sinfônica, dentre os quais a maioria tocava também na

principal. Fazia um repertório basicamente de câmara e freqüentava, com destaque, festivais de

encontros de orquestras jovens em Tatuí. Marcos incentivou e impulsionou esse projeto por um

longo tempo e isso fomentou também a manutenção de uma escola, dirigida na época pela

senhora Diva Tarlá de Carvalho, professora de piano, já falecida também, depois substituída pela

professora Myrian Strambi, oboísta da orquestra. Tudo confluiu para que a orquestra jovem

elevasse o nível da orquestra profissional, pois os jovens depois a integravam.

Na época a orquestra trabalhava muito com “[músicos] cachê”, pois o aperfeiçoamento de

repertório exigia a vinda desses músicos de São Paulo. Acredito que foi um ganho que a

orquestra adquiriu nessa época. O Marcos Pupo até conseguiu melhorar um pouco mais o

repertório. Até então era muito limitado, dado o nível um tanto precário dos músicos e a

dificuldade da orquestra por não ter um contingente maior de músicos. O Marcos, tendo ele um

conhecimento maior, começou a fazer coisas mais sistemáticas – sinfonias de Beethoven,

aberturas de óperas – e com isso a orquestra começou a crescer mais, e a exigir um pouco mais de

disciplina da parte dos músicos. A rotina de trabalho dele fez com que a Orquestra passasse do

estágio amador para o semi-profissional. É bem verdade que os ensaios ainda não eram diários.

Isso só passou a acontecer com a chegada dos búlgaros em 1991.

O contexto da chegada do maestro Roberto Minczuk foi o seguinte: depois de tanto tempo

à frente da Orquestra, o maestro Marcos Pupo foi demitido pela diretoria. E saiu com a aprovação

da maioria dos músicos. Isso porque ele ficou estagnado num certo nível e não mais cresceu. Em

seguida, após sua saída, os músicos adquiriram certo poder. O que foi natural, porque a orquestra

estava acéfala – sem comando, sem maestro. Então, nós músicos, formamos uma junta

representativa [Comissão de Orquestra], na qual inclusive eu, que era o Spalla, desfrutava de

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Page 78: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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certa autoridade. E nós chamamos alguns maestros para assumir a orquestra, dentre eles Jorge

Salim, a fim de fazermos uma experiência temporária e ver o impacto que teria entre os músicos.

Acontece que a vinda de Roberto Minczuk, de certo modo, foi decidida pela diretoria, e

de uma maneira totalmente arbitrária. A diretoria decidiu ao seu bel prazer, sem nenhum tipo de

consulta prévia dos músicos. Ao chegar, Minczuk encontrou uma orquestra debilitada, ainda

galgando degraus dentro do semi-profissionalismo, e realmente conseguiu elevar a orquestra a

outro patamar.

Eu, como Spalla, tive alguns problemas com ele. Gosto muito de citar uma passagem do

pensador italiano Giambattista Vico, que diz que "o homem é o protagonista e o artífice da

história". Portanto, se a história passa por nós e temos a possibilidade de transformá-la, de

transformar uma situação, acho que nós temos o dever de fazê-lo. Nós temos o poder e a

condição de transformar. Sendo Spalla, ou seja, uma liderança não apenas musical, mas também

política – apesar de muitas pessoas se esquecerem disso – percebia uma série de desmandos e a

instalação de um despotismo, de um autoritarismo, não só do maestro em relação aos músicos,

mas também da diretoria em relação aos músicos, de modo que a comissão de orquestra existia

apenas para legitimar uma aparência democrática – na qual os músicos deveriam ter voz.

Em última instância, em se tratando da relação do maestro Minczuk com os músicos,

independente do lado musical dele – sobre o qual não há o que se contestar, pois sem dúvida ele

fez com que a orquestra atingisse um nível melhor –, foram os meios que ele usou que eu não

concordava e a maioria da orquestra não concordava. Porque buscava coagir os músicos, o que

não tinha muito sentido, porque internamente a orquestra já estava mobilizada. Ele podia ter

conseguido o que conseguiu usando meios mais eficazes e menos autoritários.

Na condição de Spalla, tentando mudar a situação, inevitavelmente me atritei com ele.

Esse autoritarismo chegou a ponto de ofensas pessoais e cartas minhas direcionadas à diretoria e

dele direcionadas a mim. O conflito ficou quase como uma questão pessoal, sendo que eu nunca

desejei que chegasse a esse ponto. Eu simplesmente defendia a dignidade dos companheiros.

Aí houve uma cisão – que é a cisão mais triste da história – quando o Spalla se vê

sozinho. Os músicos não o apóiam, com medo de represália, e o maestro faz pressão junto à

diretoria para que você seja destituído. Deixei a posição, já que minha autoridade estava

totalmente desfalcada, totalmente desgastada. Fui espontaneamente sentar na última estante.

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Page 79: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Quem assumiu como Spalla foi o búlgaro, o Petar, por sinal meu amigo. Assumiu meu

lugar e ele próprio sofreu toda essa tensão que na época o Minczuk gerou. De certo modo, isso

criou um trauma na Orquestra, apesar de ter sido, ressalto, a melhor fase da Orquestra. Enquanto

fase musical, fase técnica, sim, foi a melhor, não obstante os meios usados para se conseguir esse

nível. E foi por isso que eu entrei em atrito.

Minczuk não fazia exatamente ameaças, mas era extremamente mal-educado com os

músicos. Retirava do ensaio, era ríspido, era irônico, enfim, desrespeitava o profissional. Todas

essas coisas, eu confesso – sinceramente – não mudaram muito, desde àquela época dele, até

depois. Essa diretoria que veio depois, e com a vinda de outros maestros, mantém esse mesmo

tipo de tratamento em relação aos músicos, pra não dizer que é pior, pois agora os músicos não

têm direito à voz. Foi vetada qualquer formação de comissão, para fazer com que o músico se

cale. É a política do "tá satisfeito, fica; não tá satisfeito, sai".

Nos ensaios o Minczuk era muito exigente. Quanto a isso até acho que nos ensaios tem

que haver disciplina. O maestro não tem que fazer gracinha ou fazer piadinha em ensaio. Até

pode fazer, para relaxar um pouco ou deixar o ambiente um pouco mais tranqüilo. Mas tem que

haver disciplina. Porém, no caso do Minczuk, as pressões que se percebiam em alguns ensaios

incomodavam os músicos. Musicalmente eu não fui vítima de pressão, mesmo porque não fazia

sentido, afinal eu era o Spalla. A pressão que sofri foi pela questão política mesmo.

Apesar desse estilo rigoroso, todos gostavam dele. Mas a questão não é essa. O problema

é que o músico é um artista peculiar. Sempre digo que a arte deve ser algo desalienante. Acredito,

particularmente, que a arte não pode ter conotação religiosa, a arte não pode ter conotação

política, ela até pode ser engajada, mas aí já não é uma arte pura. Eu sou a favor de uma arte que

contribua para a libertação, para a desalienação. O artista, o músico principalmente, é muito

alienado. Ele vê somente a circunstância musical, o nível técnico, não vê a dimensão política e

humana que envolve toda a questão. Por isso os músicos gostavam dele. Entretanto, esse perfil de

maestro ditador, criador de tensões a partir de um poder quase absoluto, já é ultrapassado. Na

Europa isso já é algo que caiu em desuso há muito tempo. Esses grandes maestros absolutistas,

que encarnavam verdadeiros deuses, ditadores, verdadeiros ídolos, todos caíram. O [Herbert Von]

Karajan foi um dos últimos e representou o fim desse tipo de maestro que causava

constrangimentos aos músicos. E eram muitos os fatores que os constrangiam. Chegava-se ao

ponto de pôr sob risco o próprio emprego do músico.

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Quanto ao relacionamento de Roberto Minczuk com a diretoria, cabe dizer que ela o

apoiava muito. O Dr. Gaetani o apoiava muito. E apoiavam porque todos ficaram inebriados com

o nível musical dele, que era bom. Na época em que a orquestra havia saído do período de 12

anos com o mesmo maestro, o que é totalmente insalubre e contraproducente para uma orquestra,

a diretoria se sentiu tão abrilhantada pela qualidade enquanto músico e maestro de Minczuk, que

esqueceu o lado humano, o lado político.

Quando alguém irrompe em meio à multidão para fazer uma crítica, essa pessoa é

abandonada. Mesmo aqueles que concordam com a crítica, não vão apoiar por causa do medo.

Não vou dizer que toda a orquestra me desabonou. Tive grandes companheiros, grandes parceiros

nessa luta. Mas acabou resultando numa queda de braço entre eu e o Minczuk. Porque a orquestra

é uma micro-sociedade – palco para todos os fenômenos que uma sociedade experimenta, como o

boicote e uma série de outras situações.

Já o relacionamento com os músicos estrangeiros era muito bom. Inclusive, quando eles

chegaram, fizemos várias festas para confraternizar. O convívio com eles era muito bom, apesar

da barreira da língua. Inclusive eles conseguiam ter mais essa percepção sobre as relações

profissionais. Eles tinham uma visão muito mais politizada de toda a situação, mais do que os

próprios brasileiros. Porém, houve um mal-estar, um desconforto, quando chegaram, em relação à

diferença salarial entre eles e os brasileiros. Existia uma disparidade salarial, que foi logo

corrigida. Supostamente eles vieram com a função de serem professores e acrescentar, não só

musicalmente à orquestra, mas também didaticamente.

No entanto, na verdade, o que fizeram ao chegar foi aliarem-se aos músicos brasileiros e

realmente fazerem música juntos – não numa condição de, como a diretoria previa, superiores e

professores. Não houve isso. E o tratamento do maestro com relação a eles, era totalmente

imparcial, não havia nenhum tipo de proteção que pudesse favorecer os estrangeiros em

detrimento aos músicos brasileiros. Existiu sim, de início, esse incômodo que causou discussão, o

fato do salário deles ser muito alto em relação ao nosso. Mas logo isso foi mais ou menos

regularizado.

Não sei dizer se ganhavam em dólar, entretanto, pelo que sei, o salário que ganhavam aqui

foi muito aquém do que lhes foi prometido. Para se comprovar isso, basta conversar com os

estrangeiros que chegaram na época, como o Ilia [Iliev] – embora seja difícil conversar com o Ilia

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– mas com o Petar [Krastanov], com a Katia [Spássova], que hoje está na OSESP. Isso aconteceu

com os búlgaros que ingressaram na Orquestra em 1991.

Em 1998 vieram os ucranianos, os moldavos, enfim, os “russos”. Esses eram pessoas

muito conscientes também e tiveram muita clareza do que ocorria – esse despotismo sem medida

do maestro. E com o Minczuk alguns tiveram muito atrito, principalmente os músicos mais

experientes, como foi o caso do Alexandr Cichilov, que hoje está em Salvador. Ele batia muito de

frente com o maestro.

Entre nós, músicos brasileiros, o relacionamento sempre foi muito bom. Eu, como Spalla

na época, tinha o abono de todos. Ao menos aparentemente, não havia nenhum tipo de oposição.

Era uma relação de respeito mútuo. As brigas que surgiram foram nos momentos de maior

tensão, pois sempre existem aqueles mais reacionários, mais revolucionários. Isso é normal e essa

disparidade por vezes ocorreu. Porém, no geral, o relacionamento com os músicos estrangeiros

nunca foi ruim, muito pelo contrário.

O meu afastamento da Orquestra ocorreu na gestão atual. Conforme relatei, a relação

trabalhista, a relação empregatícia, é muito pior do que na época do Dr. Gaetani e do Minczuk.

Naquela época, você ainda dispunha do direito de falar. Brigava-se, discutia-se, mas não havia

essa arbitrariedade que existe hoje. O afastamento teve vez simplesmente por eu querer

questionar, enquanto Spalla, a demissão de companheiros. A palavra me foi negada. Ato

contínuo: veio a demissão.

Quando o maestro titular era o Cláudio Cruz, seu assistente, um grande amigo meu, o

Mateus Araújo, teve meu total apoio para ficar e em seguida assumir como titular. Acontece que,

depois de algum tempo como titular, Mateus também foi demitido arbitrariamente,

covardemente.

Após a saída do Minczuk, durante um breve período os músicos voltaram a ter um pouco

de autonomia, de poder. Até chamamos alguns maestros do nosso gosto. O Norton Morozowsky

assumiu por certo período. Foi uma fase mais tranqüila. Porém, em pouco tempo, a diretoria

mudou todo esse panorama. Mudou o regimento da orquestra, mudou a razão social. Eles

passaram de ONG para OSCIP [baseada na lei 9.790 de 23-03-1999, que promove o

reconhecimento legal das ONGs, que passam a ser registradas pelo Poder Público mediante o

cumprimento de certos requisitos, embora, por despertarem o interesse social, eventualmente

poderão ser financiadas pelo Estado ou pela iniciativa privada, para que mantenham iniciativas

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sem retorno financeiro], em que a diretoria pôde ser remunerada. Enfim, mudou todo o panorama

de tratamento, toda a relação com os empregados. O salário até teve alguns aumentos, mas

continuou muito defasado. Houve a integralidade na carteira, mas isso já tinha sido conseguido

na época do Gaetani. Quando da sua saída, ele regularizou a questão da integralidade no registro

trabalhista.

O Minczuk não se interessava muito em conseguir, junto à diretoria, benefícios para os

músicos. Isso irritava muito, porque ele cuidou da carreira dele. Tão-somente da carreira dele. É

claro que ele não era totalmente contra melhorias para os músicos, pois isso seria muito

subalterno. Mas ele não batia de frente e exigia. Muito pelo contrário, ele era totalmente

“diretoria”. Ele e a diretoria formavam uma equipe muito bem orquestrada, muito bem

harmonizada. Trabalhavam muito bem harmonizados, coisa que não aconteceu muito nesse

período após sua saída e não aconteceu antes dele, tanto que o maestro anterior saiu com a

desaprovação, além da dos músicos, da própria diretoria.

Com o Minczuk houve uma cooperação, uma engrenagem que funcionou muito bem,

sendo totalmente harmônica entre ele e a diretoria e desarmônica na relação com os músicos. As

conquistas para o bem dos músicos deveram-se à luta dos próprios músicos, das comissões de

orquestra. Em parte, através da abertura do Dr. Gaetani. Apesar de todos os seus defeitos – mas

reconhecendo-se seus méritos – dava aos músicos a possibilidade de conversação e costumava

abrir para negociação.

Quanto à questão da saída do Minczuk, falava-se dos convites que ele recebeu. OSESP,

Nova York, entre outros. Dizem que ele foi maestro assistente do Kurt Masur, o que é uma

inverdade. Não vou dizer que é uma mentira, apenas uma inverdade. Ele foi aluno do Kurt

Masur, mas assistente ele não foi de maneira nenhuma. Tanto que as informações dão conta de

que a Filarmônica de Nova York nem tinha maestro assistente na época. O Minczuk foi é

convidado para fazer alguns concertos. E fez, realmente. Ele assumiu a OSESP – a sinfônica do

estado – e criou aquela situação toda, aquelas demissões em massa, aqueles testes, que vieram a

resultar na formação da orquestra RTC [orquestra da Rádio e TV Cultura] que o Lutero

Rodrigues regeu, mas que já não existe mais. Isso tudo aconteceu na época em que ele estava

para sair de Ribeirão Preto, em 2000 ou 2001 se não me engano. O Minczuk chegou a ficar

algum tempo com as duas orquestras – OSRP e OSESP.

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Sobre o concerto de despedida do Minczuk, do qual participei, ao meu ver foi um

espetáculo patético. Fizeram uma grande festa, uma comoção geral por algo que não tinha nem

porquê. Tinha balões pelo teatro todo, aparentemente tentando passar para o público uma situação

totalmente diferente da que se estava vivendo. Foi uma fase de crise terrível dentro da orquestra.

Uma crise moral mesmo. Fui afastado – no concerto de despedida eu estava – mas houve meu

afastamento, houve brigas internas entre músicos, enfim, um trauma muito grande.

O concerto de despedida foi um espetáculo, como que para dizer para sociedade "nós

estamos perdendo um grande maestro e a orquestra nunca vai ser a mesma e nunca vai recomeçar

e nenhum maestro vai substituir esse maestro que está saindo, e que o nível da orquestra nunca

vai ser o mesmo", o que é uma grande mentira, pois depois a orquestra continuou e deu a volta

por cima. Muitos músicos saíram nessa época também. Foi uma época de crise. O espetáculo da

saída dele foi algo sem precedente, para ele ver a comoção que causou dentro da orquestra e com

o público. Inclusive ele foi presenteado com um relógio, um Rolex de ouro que o Gaetani lhe deu

de presente.

Havia entre os dois uma relação muito paternal. Eu chamo isso de um amor patológico,

não um amor prático, usando uma expressão Kantiana. Não foi uma relação de contratante-

contratado, maestro-diretor da orquestra, foi muito mais uma relação de pai para filho.

Então foi um espetáculo meio patético, ao meu ver. Mas passou. Não teve nenhum tipo de

rancor. Não guardo nenhum tipo de mágoa em relação ao Minczuk. Respeito-o

profissionalmente. Eu exagerei em alguns pontos, talvez por imaturidade. Poderia ter agido um

pouco mais politicamente, de maneira mais madura talvez. Mas já passou.

Ouvi aquela história que ele disse que para ele eu era o melhor Spalla do Brasil, só que

com ele não dava certo. Não ouvi da boca dele, mas me disseram isso. Talvez fosse até uma

questão de química pessoal, em que as personalidades não se entenderam. Na época eu era mais

novo. Fosse hoje, talvez eu soubesse resolver isso com mais maturidade.

Após a saída do Minczuk, alguns maestros passaram por aqui. Cheguei a pegar a primeira

passagem do Cláudio Cruz. Foram duas etapas dele na OSRP. Primeiro em 2003, depois voltou

em 2007. Bom, na verdade, o Cláudio Cruz abandonou a orquestra. Foi contratado por Campinas

e deixou Ribeirão Preto na mão. Depois voltou como se nada tivesse acontecido. Portanto, foi

algo de caráter duvidoso.

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Ainda assim, com o Cláudio Cruz, eu voltei a fazer alguns cachês com a orquestra. Com o

Mateus [Araújo] assumindo como titular, eu voltei como Spalla. De tanto ele me pedir, eu voltei.

Mas depois o Mateus foi demitido e em seguida eu saí. Depois da minha demissão, fui chamado

apenas algumas vezes só como “cachê”. Inclusive participei da gravação do CD. Após isso, foi

muito difícil, mas rompi de vez com a diretoria, com maestro, rompi de vez com a Orquestra.

Não fui chamado nem pra cachê, pra nada. Fiquei alheio à Orquestra. Não participei dela nunca

mais.

Então foi isso. O Minczuk não saiu da OSRP por causa de conflito com a diretoria. Pelo

contrário, a diretoria, quase em sua totalidade, o apoiava. Ele praticamente não tinha oposição

dentro da diretoria. O atrito com os músicos contribuiu um pouco para que chegasse o fim de sua

passagem, mas, sem dúvida, ele já tava fora, já tava querendo sair. Já estava desgastada a relação,

porque foram seis anos. É o que eu falo, é desgastante demais uma relação contínua com o

mesmo maestro. A Orquestra de Ribeirão sempre teve poucos maestros convidados. Eu posso

enumerar os maestros convidados que vieram durante o período dele e o nosso. Foram

pouquíssimos maestros convidados. Deveria ter havido muito mais. Numa orquestra como a

OSESP, quase quinzenalmente chamam maestros convidados. Salvador é uma orquestra que só

trabalha com maestros convidados. E funciona bem.

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III. CONTRADIÇÕES E CONVERGÊNCIAS

Nesse capítulo serão analisadas as versões dos entrevistados, a partir do modelo de

História Oral Híbrida, permitindo a articulação das informações contidas nos relatos com outras

fontes e conceitos. Primeiramente, serão confrontados os relatos dos músicos Jonas Mafra e

Bogdan Dragan. Em seguida, serão examinados os depoimentos do Dr. Luiz Gaetani e do ex-

Spalla Milton Fernando Bergo.

3.1 – Ingresso à OSRP

A formação musical do violinista brasileiro Jonas Mafra começou no Conservatório de

Osasco e posteriormente na Universidade Livre de Música (ULM). Ele explica que sua vinda

para Ribeirão Preto, em 1993, representou a possibilidade de tocar numa orquestra profissional e

receber um salário profissional. Percebe-se aqui um músico preocupado em exercer sua profissão

num outro centro, pois, segundo Jonas, em São Paulo havia mais orquestras, mas também uma

concorrência maior. O nível de exigência na capital também era bem maior, portanto, seria

necessário adquirir experiência numa outra orquestra para então regressar a São Paulo.

Jonas explica que acabou gostando tanto de Ribeirão Preto, a ponto decidir permanecer

por aqui, onde constituiu família há 16 anos. Sobre o contexto de sua chegada à OSRP, ele relata

que, em 1993, fez o teste para a Orquestra de Ribeirão e que em sua banca avaliadora estava o

maestro titular na época, Marcos Pupo Nogueira, os dois Spallas e alguns músicos estrangeiros,

os quais eram muito respeitados, em função de sua formação. Esses estrangeiros referidos por

Jonas eram alguns búlgaros que haviam chegado em 1992, período anterior à vinda de Roberto

Minczuk. Segundo Jonas, dos cerca de 40 a 45 músicos daquela época, cerca de 12 ou 13 eram

estrangeiros.

Esse número total – cerca de 40 a 45 músicos – só pode ser aceito dentro da lógica de que

alguns deles eram músicos “cachês”, ou seja, contratados para determinadas apresentações. Pelo

que as entrevistas indicam, havia carência de músicos na Orquestra daquela época.

Com relação ao número de estrangeiros referido, tal quantidade é limitada em função do

art. 352 da Consolidação das Leis do Trabalho, que impõe a condição de que em cada empresa

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Page 86: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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brasileira haja um mínimo de 2/3 de trabalhadores brasileiros 174 . Essa lei determina uma

proporção entre funcionários brasileiros e estrangeiros dentro de qualquer empresa nacional. É

conhecida como “regra dos 2/3” e tem a finalidade de primar pelos interesses dos cidadãos

brasileiros e a soberania dos mesmos dentro da cadeia produtiva.

O músico ucraniano, Bogdan Dragan, relata que nasceu numa família que possuía forte

tradição musical e que por isso sabia que inevitavelmente seria músico. Sua instrução começou

aos 6 anos, com o piano, porém, seu instrumento mais estudado é o clarinete, o qual começou a

aprender na adolescência. Para Bogdan, a vinda para Ribeirão Preto representou muito mais do

que uma nova oportunidade profissional, pois sua condição de vida na Ucrânia após a queda do

socialismo era precária.

Segundo o músico, eram comuns os atrasos salariais. Na orquestra do teatro onde

trabalhava em Kiev, os salários chegaram a atrasar seis meses. Ele vivia numa república junto

com sua esposa e a vida na música se tornava cada vez mais difícil. Bogdan explica que os

músicos de lá dificilmente possuíam seus próprios instrumentos, de modo que estes pertencíam

ao Estado que por sua vez os deixam sob cuidado das orquestras as quais os emprestam aos

músicos durante o período em que nelas estivessem trabalhando. Isso demonstra o quão rigoroso

foi o período logo após o fim do regime socialista e como o Estado dominava inclusive as

instituições culturais nos países que formavam a ex-União Soviética.

Foi marcante a narrativa de Bogdan sobre sua condição de vida na Ucrânia e como se deu

o contato com Roberto Minczuk e a posterior vinda para Ribeirão Preto. Ao discorrer sobre a

ocasião em que decidiu abandonar a música e tentar outra profissão, em 1998, um certo Boris,

uma espécie de agente de Minczuk, procurava músicos no leste europeu. Segundo Bogdan,

buscavam-se músicos de alto nível e preferencialmente jovens, pois isso facilitaria a mudança

para outro país. Ele participou dessa seleção sem grandes expectativas, pois sabia da

concorrência. Boris esteve na Ucrânia, Rússia e Bielo-Rússia e o método de seleção consistia em

abordar os músicos que preenchessem o perfil desejado e solicitar que gravassem uma fita com

trechos de músicas previamente determinados pelo maestro Minczuk.

Aqui há uma certa contradição, pois, segundo o próprio Bogdan – que mais adiante cita as

nacionalidades dos contratados – a maioria dos estrangeiros vindos na mesma ocasião eram da

Moldávia. Aqui no Brasil, ao que parece, os músicos locais referiam-se aos estrangeiros

174 Disponível em http://www.sitratuh.org.br/CLT352a401.html . Acesso em 07-10-2009

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Page 87: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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genericamente como “russos”, o que, por si, demonstra certa distância do grupo imigrante, apesar

de negar-se isto nas diferentes falas.

Ainda sobre o relato de Bogdan, a notícia da aprovação veio através de um telefonema de

Boris, que o convocou imediatamente a vir para Ribeirão Preto. Isso ocorreu num momento

crucial de sua vida, pois, no dia anterior ao telefonema, Bogdan havia decidido largar a carreira

de músico, a ponto de ter ido ao Teatro onde trabalhava para devolver os clarinetes. No mesmo

dia buscou outro emprego, pois precisava pensar no sustento de sua esposa e de seus familiares.

Iria vender geladeiras – reflexo dos avanços das desigualdades capitalistas.

Bogdan acredita que forças superiores o salvaram, pois, romperia com uma tradição

musical familiar e teria que se contentar com a vida no comércio como parte da engrenagem

capitalista. Mesmo sem saber nada sobre o Brasil – aliás, apesar das viagens com a orquestra de

Kiev, sabia pouco sobre a cultura ocidental, haja vista a pouca abertura do socialismo a partir da

ameaça capitalista – resolveu aceitar a oportunidade que lhe batia à porta. Ao vir para Ribeirão

Preto, viu-se obrigado a fazer um empréstimo para comprar seu próprio clarinete, ou seja,

chegava endividado, assim como os antigos imigrantes do Império e da 1ª República. Segundo

informações do Spalla da OSRP na época – o búlgaro Petar Krastanov – Bogdan fora o único

escolhido dentre 40 clarinetistas.

As versões do músico brasileiro e do estrangeiro revelam o quão diferentes eram as

realidades que viviam. Cada experiência, por mais corriqueira que parecesse ser, continha em si

uma importância subjetiva difícil de ser dimensionada. Conforme Bosi175, “há fatos que não

tiveram ressonância coletiva e se imprimiram apenas em nossa subjetividade. E há fatos que,

embora testemunhados por outros, só repercutiram profundamente em nós; e dizemos: “só eu

senti, só eu compreendi””. O relato de Bogdan sobre a chegada ao Brasil e Ribeirão Preto, por

exemplo, caracteriza-se como uma descrição do contato com um novo mundo, beirando o espanto

do outrora português colonizador. Num país tropical e de riqueza abundante. Viver num país de

clima “agradável”, onde o calor predomina praticamente o ano inteiro, foi admirável para ele.

Para Bogdan foi uma experiência incrível sair do avião – depois de vinte horas de viagem vindo

de uma região do planeta que se encontrava sob neve e temperaturas abaixo de zero – e ver o céu

azul e sentir o calor do mês de novembro. Aquele momento, Bogdan interpretou como se a

175 BOSI, op. cit., p.408

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aventura tivesse valido a pena. “Nossa, esse é o meu país!”. Em seguida, quando ouviu a música

brasileira, esta impressão inicial se reforçou, abrindo-lhe novas possibilidades identitárias.

Em relação ao nível da Orquestra quando chegaram, Jonas e Bogdan emitiram relatos

semelhantes. O músico brasileiro, ingresso na OSRP em 1993, inicialmente afirmou que ela tinha

um bom nível, mas logo explicou que era bastante inferior se comparada à época da atividade do

maestro Roberto Minczuk. Isso porque a Orquestra tocava sempre o mesmo repertório, muito em

função da falta de músicos específicos e a falta de alguns naipes176 da orquestra. De fato, vários

músicos “cachês” eram contratados para os concertos. Outra razão para o baixo nível da

Orquestra na época era o fato que o maestro de então, Marcos Pupo Nogueira, o qual, segundo

Jonas, era um excelente professor, não exigia um melhor rendimento dos músicos. Faltava

disciplina. Contraditoriamente, o aspecto disciplinar de Minczuk seria o mais “criticado”.

Os erros que aconteciam, Marcos Pupo freqüentemente “deixava passar”, além do fato

que não imprimia dinâmica (indicação de intensidade com a qual a nota ou um trecho musical

deve ser tocado) nas execuções da Orquestra, de modo que “a música saía uma coisa muito reta”.

Enfim, a Orquestra soava como semi-profissional. Entende-se por semi-profissional aquela

orquestra cujos integrantes não se dedicam integralmente à profissão musical. Por vezes possuem

uma segunda atividade, o que lhes ocupa considerável carga horária, limitando o tempo de estudo

do instrumento e ensaios. A inexistência de uma rotina de ao menos 4 horas de estudos diários,

resultam em deficiências para o músico, tais como: técnica falha, afinação imprecisa, dinâmica

sem expressividade, etc.

Bogdan explica que, em 1998, quando participou da referida seleção para integrar a

OSRP, ficou sabendo que o maestro Roberto Minczuk precisava de músicos de alto nível

justamente porque a Orquestra era bem amadora.

O interessante é que ele explica a diferença que percebeu entre o músico brasileiro e o

estrangeiro. Segundo Bogdan, o músico europeu estuda 16 anos para se tornar profissional. Além

disso, na Europa os músicos formam-se solistas, ou seja, aquele de maior qualidade técnica e

artística que, numa orquestra, fica encarregado de tocar os trechos solo – quando apenas um

176 São famílias de instrumentos que possuem características em comum. São naipes de uma orquestra: cordas (violino, viola, violoncello, contrabaixo e harpa), madeiras (flauta, oboé, clarinete, clarinete-baixo, fagote, contrafagote e corne inglês), metais (trompa, trompete, trombone e tuba) e percussão (tímpano, bombo, caixa, pratos, xilofone, celesta, castanholas, gongo, maracas, triângulo) Disponível em http://www.prof2000.pt/users/antcond/af7/orquestra/NaipesOrquestra/os_naipes_da_orquestra.htm . Acesso em 07-10-2009

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instrumento toca uma melodia e a orquestra silencia ou acompanha discretamente. No Brasil,

segundo ele, ocorre o contrário. Aqui a grande maioria dos músicos aprende seu instrumento com

o objetivo de integrar uma orquestra. Destarte, a linha era tênue e os relatos se esforçaram por

negar esta divisão e/ou competição por status musical e social.

Apesar da carência de músicos com qualidade de solistas no Brasil, Bogdan ressalta que

na Europa é mais difícil para o maestro conseguir agregar tantos músicos de altíssimo nível, pois

todos querem ser solistas, ou seja, compromete-se a noção de conjunto que uma orquestra precisa

ter. No Brasil adquire-se conjunto com muito mais facilidade, pois “os músicos conseguem se

entregar mais para o maestro”. Porém, o músico ucraniano percebeu que aqui, no momento em

que é necessária maior competência técnica e artística, o momento do solo, falta ao músico

brasileiro mais expressão e mostrar mais a sua individualidade. Ainda assim, Bogdan elogiou a

qualidade dos instrumentos encontrados aqui, a facilidade em adquiri-los e as oportunidades de se

aprender música no Brasil, revelando que compreendeu a cultura local, permitindo-lhe críticas

leves ao país, desde que enalteça os aspectos naturais e culturais peculiares, ainda que vistos

como limitados ou limitadores.

Bogdan conta que, quando da sua viagem para Ribeirão Preto, vieram ao todo 7 pessoas –

ele, mais 5 músicos e o tal Boris, contato do maestro Minczuk na Europa. Bogdan cita seus

nomes e nacionalidades – sobre as quais há dúvidas sobre a exatidão. A saber, nessa ocasião

ingressaram para a OSRP em 1998 os seguintes músicos estrangeiros: Elina Suris – violino –

Moldávia; Alexandr Iurcic – contrabaixo – Moldávia; Denis Usov – violino – Moldávia; Bogdan

Dragan – clarinete – Ucrânia; Liliana Chiriac – violino – Moldávia; Alen Biscevic – viola –

Romênia.

O relato de Bogdan narra que ele e os outros músicos estrangeiros ficaram surpresos com

a maneira calorosa com que foram recebidos pelos músicos brasileiros na Orquestra. Nesse ponto

ele trata da questão do nacionalismo e explica como na Europa este é marcante e afeta a relação

entre as pessoas de modo claro. Aqui isso ocorre de maneira mais sutil.

“Isso [nacionalismo] lá na Europa é uma doença. Eu estudei um pouco na Alemanha e na

França, mesmo que você se case com uma alemã e fique no país até morrer, você sempre será

estrangeiro”. O nacionalismo, à medida que se alastra e se fortalece, parece se afastar da

ideologia e se aproximar da xenofobia, a citar o exemplo do Nazismo. Aqui no Brasil isso ocorre

de modo mais sutil. Segundo Bogdan, “aqui você sente o contrário. Os brasileiros acolhem os

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estrangeiros com um carinho, com um coração aberto, com uma vontade de te conhecer”. Ele

chega ao ponto de dizer que “[nós, músicos estrangeiros] percebemos que aqui no Brasil não

existe nacionalismo”. Porém, tratando da interação com o brasileiro em seu cotidiano, ele explica

que:

Mas tem uma coisa: sempre perguntam “o que você acha do Brasil?” Eles nunca gostam que fale alguma coisa ruim. O brasileiro gosta de seu país, mas sempre explicamos as diferenças. Aqui “tem isso e tem isso”, claro que a gente não fala que “isso é bom e aquilo é ruim”, porque aqui é outro mundo e só poderia ser assim. E, se eu gosto do Brasil e dos brasileiros, eu aceito tudo, apesar de ser difícil se acostumar com algumas coisas.

O brasileiro demonstra seu nacionalismo por meio da preocupação com o que os

estrangeiros pensam do Brasil quando o conhecem e quando nele vivem. Apesar de não ser o

foco da presente pesquisa, cabe a reflexão, afinal, ao que parece, o nosso passado enquanto

colônia – sempre preocupada em servir a Metrópole – ainda se faz perceber na lida com os

estrangeiros. Isso faz dos brasileiros um povo amistoso e de resistência apenas sutil. No entanto,

certamente não é exclusividade nossa reagir com indignação se nossos defeitos são apontados por

um estrangeiro, ou seja, a afronta revela as fronteiras entre os nacionais e o outro.

Somos “bonzinhos” por natureza em comparação à Europa, outros continentes e países.

Mediante as entrevistas com Jonas e Bogdan, possíveis rivalidades entre músicos brasileiros e

estrangeiros não foram constatadas, pelo contrário, ambas as narrativas enfatizaram o bom

relacionamento e o caráter cooperativo entre os músicos, onde a festa foi umas das estratégias

culturais nacionais mais usadas enquanto momento de confraternização. Bogdan destaca que pelo

fato de já haverem estrangeiros antes de sua chegada – os búlgaros – o convívio e adaptação com

os músicos brasileiros tornou-se ainda mais fácil, ou seja, implicitamente revela que se houve

conflitos, estes ocorreram no período anterior ao estudado e que possivelmente resultaram de

questões de cunho salarial.

Jonas e Bogdan emitiram relatos que convergem para uma conclusão em comum – a de

que não houve nenhum tipo de hostilidade explícita entre músicos brasileiros e estrangeiros, pelo

contrário, os estrangeiros foram muito bem acolhidos e tratados com respeito a partir da cultura

da festa. Jonas discorre sobre esse contexto e explica:

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Page 91: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Não havia conflito entre os músicos. Não havia uma política de discriminação para com os músicos estrangeiros, sobretudo porque eles tinham um nível melhor, uma formação superior. E nós os respeitávamos, principalmente os mais jovens na época, como eu. Continuávamos estudando para sermos bons também.

Nesse sentido, além do tradicional respeito a uma hierarquia, na qual os músicos são

subordinados ao Maestro, depois ao Spalla (o chefe dos primeiros-violinos) e depois ao Chefe de

cada um dos naipes, percebe-se também a aceitação de uma meritocracia, através da qual a

hierarquia é definida por valores associados à educação e à competência. No caso das artes, é

percebida através do respeito à qualidade artística. Especificamente em relação à música, se um

músico é melhor do que o outro, implicitamente é aceito que este ocupe uma posição superior

dentro da orquestra.

Outro fator importante para a relação harmônica entre brasileiros e estrangeiros era a

situação um tanto precária da Orquestra. Faltava quantidade e qualidade e isto não era segredo.

Os músicos estrangeiros vieram para literalmente levantar a OSRP, preenchendo os naipes mais

carentes e aprimorando a seção das cordas – basicamente a espinha dorsal de uma orquestra. Na

ocasião da chegada de Bogdan e dos outros 5 estrangeiros, 4 tocavam instrumentos de cordas.

Utilizando-se o conceito de posição e condição de classe Pierre Bourdieu177, é possível

compreender que, além do funcionamento da hierarquia natural, existem relações simbólicas que

atuam dentro de uma orquestra. Por posição de classe estabelecem-se as diferentes camadas que

compõe uma sociedade, conforme Bourdieu, a partir de variantes primordialmente econômicas.

Entretanto, no caso da análise dessa peculiar sociedade, uma orquestra, as estruturas definem-se a

partir da ascendência artística, técnica e também política, dispondo, portanto, a seguinte

hierarquia, por ordem decrescente: Maestro, Spalla, Chefe de naipe, Músicos. Todos estes, numa

perspectiva geral, configuram a categoria “músico”, por desfrutarem as mesmas propriedades de

classe, conforme explica Bourdieu

Levar a sério a noção de estrutura social supõe que cada classe social, pelo fato de ocupar uma posição numa estrutura social historicamente definida e por ser afetada pelas relações que a unem às outras partes constitutivas da estrutura, possui propriedades de posição relativamente independentes de propriedades intrínsecas como por exemplo um certo tipo de prática profissional ou de condições materiais de existência.178

177 BOURDIEU, op. cit., p.5 178 Ibidem, p.3

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Page 92: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Assim, a categoria “músico” difere-se, por exemplo, da categoria “engenheiro”, pois

possui características peculiares – não apenas vinculadas à atividade prática de sua profissão, mas

também determinadas a partir de relações internas, inerentes à profissão. Obedecendo a esse

conceito, dentro de uma orquestra observam-se as seguintes relações: a liderança do maestro

sobre todos os músicos, a mediação do Spalla enquanto “braço direito” do maestro junto à

orquestra, a observância das indicações e auxílio aos outros músicos por parte de cada Chefe de

naipe e, por fim, a submissão dos músicos a cada uma dessas instâncias superiores.

Porém, interfere igualmente nessas relações internas aquilo que Bourdieu define como

condição de classe. Tal conceito diz respeito a capacidade de, mesmo dentro de uma estrutura

essencialmente fixa, usufruir-se de elementos que remetam a uma condição superior, ou seja, que

confiram distinção a determinados membros diante de seus pares dentro de uma mesma posição

de classe. Trata-se de símbolos os mais diversos que atribuem status e diferenciam indivíduos de

um mesmo nível dentro da estrutura social. Em nossa sociedade, um infindável número de signos

promove tal distinção: a eloqüência, o vestuário, a etiqueta, bens materiais, lugares freqüentados,

nível de leitura, tipo de música que se ouve, nível de formação intelectual. No mundo musical, o

instrumento tocado é também um símbolo de status.

No contexto da orquestra, ou seja, num ambiente em que se prima pelas virtudes técnicas

e artísticas, o status de distinção pode ser adquirido, por exemplo, sendo reconhecida a

competência técnica em seu instrumento, tendo estudado fora do país, ou com um professor de

renome, ou ainda sendo elogiado publicamente pelo maestro ou pela crítica devido a sua

habilidade. Enfim, tais elementos conferem ao indivíduo certa distinção, ainda que permaneçam

imóveis dentro da estrutura hierárquica da orquestra.

Em relação aos músicos estrangeiros ingressos à OSRP no período estudado, foi possível

perceber através das entrevistas que, por possuírem uma formação musical diferenciada,

desfrutaram de status face aos brasileiros, de modo que sua presença inclusive estimulou um

aperfeiçoamento por parte dos músicos nacionais. Nesse caso, “ser estrangeiro” e “ter uma

formação musical superior” comportaram-se como elementos simbólicos de distinção, os quais,

não obstante, não representaram necessariamente uma ascensão dos músicos estrangeiros dentro

da hierarquia da Orquestra.

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É bem verdade que mudanças ocorreram dentro da OSRP no período estudado e um

músico que antes ocupava determinada posição foi substituído por outro. Foi o caso do ex-Spalla

Milton F. Bergo, o qual foi substituído pelo búlgaro Petar Krastanov. Nesse sentido particular, a

posição de classe dentro de uma orquestra também podem se comportar como condição de

classe. O músico que hoje é Spalla pode amanhã não o ser. Contudo, a posição de Spalla não

deixará de existir – pois é necessária em toda orquestra. O próprio Maestro, apesar de toda a

autoridade musical que possui, pode deixar uma orquestra. Porém, a posição de Maestro não

deixa de existir. O contexto da substituição do ex-Spalla Milton F. Bergo será melhor abordado

adiante.

Foram observadas, mediante as entrevistas dos músicos Jonas e Bogdan, ocorrências

relacionadas ao conceito de ressentimento de classe descrito por Bourdieu179. Conforme o autor,

tal conceito

Surgiu como uma das dimensões fundamentais do ethos e da ética ascética da pequena burguesia (ou de modo mais geral, da burguesia em sua fase ascendente), sem dúvida porque ele autoriza os membros das classes médias – conscientes de que sua ascensão resulta de privações e sacrifícios de que estão livres, ao menos em sua óptica, os membros das classes populares e os membros das classes superiores – a fazerem, como se costuma dizer, da necessidade virtude, e a condenarem tanto o laxismo dos que não tiveram que pagar o preço da ascensão como o descuido imprevidente dos que não souberam ou não quiseram pagar tal preço.

Porém, tal ressentimento não ocorreu explicitamente da parte dos músicos brasileiros para

com os estrangeiros, tanto que estes foram imediatamente aceitos dentro da Orquestra, seja pela

excelência da formação superior, mas também pela carência de músicos e de alto nível. O

ressentimento, nesse contexto, poderia ser observado, sobretudo, em relação à questão salarial.

Jonas relata que, ao chegarem, os músicos estrangeiros tiveram seus salários bancados

pelo Ribeirão Shopping. Isso durou algum tempo e chegaram a montar uma Camerata (pequena

orquestra de câmara) e apresentavam-se no próprio Ribeirão Shopping. Diz ainda que eles

recebiam em dólar, embora o valor forçosamente equivalesse à remuneração dos brasileiros. Isso,

conforme o art. 354 da CLT180. O músico brasileiro ainda afirma que, em função de questões

burocráticas, houve uma época em que os músicos estrangeiros ganhavam menos que os

brasileiros, o que despertaria tal ressentimento.

179 Ibidem, p.11 180 Disponível em http://www.sitratuh.org.br/CLT352a401.html . Acesso em 07-10-2009

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Page 94: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Na versão de Bogdan, ele explica que durante o primeiro ano dos estrangeiros no Brasil, o

Dr. Luiz Gaetani – presidente da OSRP na época – providenciou o seguinte arranjo: os

estrangeiros recebiam algo em torno de U$500, que correspondia à metade da remuneração dos

brasileiros. A outra metade, o Dr. Gaetani investia na instalação dos músicos estrangeiros na

cidade. Providenciava moradia, móveis e professores que lhes ensinassem o português.

Essas “facilidades” eram oferecidas durante o primeiro ano de estadia dos estrangeiros na

cidade porque, alegava-se, teriam dificuldade de se instalar por conta própria, por não

conhecerem o idioma. A partir do ano seguinte, passavam a receber integralmente seus salários e

poderiam optar por mudar de moradia, ou seja, o quadro era semelhante, guardadas as devidas

proporções, à condição do imigrante europeu ao final do século XIX.

Manifestaram, os músicos estrangeiros, certo desconforto por receberem remuneração

inferior a dos brasileiros, embora tal situação tenha ocorrido em função do arranjo oferecido pelo

Dr. Gaetani de investir parte do salário em acomodações para os estrangeiros e também mediante

o art. 354 que dispõe da regulação da remuneração de trabalhadores estrangeiros em face à de

trabalhadores brasileiros, de modo que um estrangeiro não pode receber mais do que um

brasileiro que ocupe a mesma função.

Outrossim, observa-se nesse contexto um relacionamento de respeito entre brasileiros e

estrangeiros, pautada no mérito artístico de cada indivíduo, que pode ser compreendida pela

afirmação de Bourdieu de “como a indignação moral se associa à convicção do mérito: Se ele [o

burguês] tornou-se pobre, foi por sua culpa; se enriqueceu, atribui o mérito a si próprio”181. Nesse

caso, o mérito baseado nas qualidades musicais, em que “se chegou aos primeiros-violinos, foi

por mérito próprio; se deixou de ser Chefe de naipe, foi por sua culpa”. Conclui-se também que,

além de posições fixas dentro da orquestra, existem também relações simbólicas que definem as

condições de cada músico, de modo que funcionam como símbolos de status aqueles elementos

que qualificam positivamente o músico, como por exemplo, a capacidade técnica e a educação

musical distintas, na maioria dos casos audíveis nos músicos estrangeiros.

181 BOURDIEU (apud Groethuysen), op. cit., p.11

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3.2 – A batuta de Roberto Minczuk

O músico brasileiro Jonas Mafra e o músico ucraniano Bogdan Dragan também

abordaram em seus relatos aspectos relacionados à passagem do maestro Roberto Minczuk pela

Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto.

Em 1995, quando Minczuk foi contratado, o músico brasileiro explica que Minczuk

estava presente na ocasião do último concerto do Maestro Marcos Pupo Nogueira, de modo que

“ele já estava na platéia e dali ele já fez uma “garimpada”. Falou que não queria alguns músicos e

mesmo os que ficaram tiveram que passar por uma avaliação”. Esse processo visava iniciar a

melhora da Orquestra a partir da dispensa dos músicos considerados ruins, a avaliação dos que

permanecessem e o planejamento para reposições necessárias. De acordo com Jonas, isso ajudou

muito, pois “ele deu uma “peneirada” na Orquestra: quem não estivesse a fim de trabalhar, que

fosse embora. [...] O nível foi melhorando porque ele era muito exigente. Mas isso foi bom para

os músicos também, pois começamos a ser mais reconhecidos e respeitados na cidade”.

O caráter exigente de Minczuk o difere do maestro anterior, Marcos Pupo Nogueira. O

ucraniano Bogdan também aprovava essa maneira de trabalhar do maestro Minczuk. Porém,

compara-o a um ditador, pois “gostava de mandar e queria as coisas do jeito dele”. Bogdan

explica que esse perfil autoritário de Minczuk não o incomodava tanto, pois estava acostumado

com os rigores da ditadura na Ucrânia. Desde criança havia aprendido a conviver com regras, as

quais deveriam ser respeitadas sem questionamento.

Nos ensaios, segundo Jonas, ele brigava mesmo e fazia cara feia. Ele revela que havia

reuniões em que Minczuk era cobrado pelos músicos por essas atitudes. Porém, o próprio maestro

dizia que “não tem jeito, eu não consigo mudar.” Esse tipo de comportamento promoveu um

ambiente tenso na Orquestra. A música é uma arte em que é exigido um alto grau de disciplina e

constantes ensaios. O bom profissional já convive com suas próprias cobranças, buscando superar

seus limites e, sobretudo na música, evitar os erros. Porém, aparentemente, o maestro Minczuk

não compreendia a noção de falibilidade no músico. Jonas relata que:

Se você errasse uma nota na hora do concerto, ele te fulminava. Não falava palavrão, mas fechava a cara e ficava te olhando até você olhar nele. Isso era horrível porque você tinha acabado de errar e já estava mal. Você não queria errar, mas errou. E isso que ele fazia deixava os músicos ainda mais chateados e mais nervosos. Mas era o jeito dele.

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Page 96: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Jonas explica que Roberto Minczuk tinha uma opinião muito clara e dizia que “se um

cirurgião errar uma cirurgia, ele mata o paciente. Músico também não podia errar nota.” Se o

músico errasse uma nota, o concerto estava arruinado. Nos ensaios e concertos era assim: fazia

cara feia e exigia mesmo. No entanto, conforme Jonas, fora do ambiente de trabalho, Roberto

Minczuk “era tranqüilo, era amigo, brincava. O negócio era mesmo nos ensaios. E nos

concertos”.

De acordo com os relatos de Jonas e Bogdan, o tratamento do Maestro Roberto Minczuk

com os músicos era imparcial. Fosse brasileiro ou estrangeiro, os músicos eram tratados da

mesma maneira. Jonas cita uma ocasião em que ele, brasileiro, e com uma formação musical

inferior comparada a dos estrangeiros, apresentou uma peça de Bach para Minczuk em uma de

suas freqüentes avaliações internas. Outro músico – estrangeiro – tocou a mesma peça. Ao final,

Minczuk elogiou o brasileiro e disse que ele estava no caminho certo, que continuasse estudando.

Tal episódio foi contraditório, pois, de uma maneira ou de outra, Minczuk não foi totalmente

imparcial. Assim como elogiou o brasileiro, poderia ter elogiado o estrangeiro. Contudo, talvez a

estratégia de Minczuk fosse justamente essa: elogiar o músico brasileiro, pois, ciente da

qualidade do músico estrangeiro, optou por enaltecer o músico brasileiro e incentivá-lo para que

este atingisse o mesmo nível do estrangeiro e evitar rupturas. Porém, Jonas explica que o

tratamento era igual. “Era ele ali na frente e os músicos eram todos iguais”.

Bogdan corrobora a versão de Jonas. Para o músico ucraniano, o Maestro Minczuk

mantinha certo distanciamento dos músicos, porém, “demonstrava o mesmo tratamento com os

músicos estrangeiros e com os brasileiros. Nunca percebi nem nunca senti nada diferente”.

Bogdan vai além e explica que, com o ingresso de músicos estrangeiros na Orquestra

Acho que ele conseguiu o que queria. Quase metade da orquestra era de estrangeiros e a gente sentiu que essa era a idéia dele. Porque quando você tem uma estrutura firme, é fácil sustentar outros músicos em volta que ainda eram meio amadores e que pertenciam a uma época anterior da orquestra. Mas ele conseguiu unir tudo isso e fez o trabalho dele num nível muito bom, porque, quando anunciavam o nome dele no teatro, era um sucesso sempre. Isso foi o mais importante. Nunca senti nenhum tipo de repressão, mas ele queria profissionalismo de todos. Ele estava começando também, então talvez ele não devesse ter exigido tanto assim.

Nesse ponto, o que Bogdan não percebeu é que era exatamente por estar iniciando sua

carreira e buscando distinção e status, que Minczuk substituiu músicos, corrigiu os que ficaram, e

com isso destacou-se.

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Page 97: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Jonas trata da dupla função exercida por Roberto Minczuk. Era o Maestro Titular e

também o Diretor Artístico – responsável pelo planejamento e escolha do repertório da orquestra.

É isso que confere identidade a uma orquestra: o repertório que ela executa. Em geral, a maioria

dos maestros gosta de executar o repertório tradicional para orquestra – sobretudo o ciclo de 9

sinfonias de Beethoven, as principais de Mozart, as 4 sinfonias de Brahms, as de Schubert,

Tchaikovsky, dentre outras. Outros maestros percorrem, de início, esse mesmo caminho, mas

logo partem em busca de um repertório menos conservador.

Comparando Minczuk com o atual maestro, Cláudio Cruz, Jonas explica que Minczuk

tinha um perfil mais conservador, tanto na escolha do repertório, quanto na execução das obras.

Ainda assim, executou obras inéditas à Orquestra e ao Teatro Pedro II.

Na época do Minczuk, pelo fato de que ele ainda estava em formação enquanto maestro, ele fez coisas mais conservadoras, coisas que todo maestro tem que fazer. Sinfonias de Beethoven, Brahms, Tchaikovsky. O Cláudio propôs coisas mais ousadas, muito em função do crescimento da orquestra. Agora temos trombones, tuba e por isso podemos trabalhar outras obras e compositores como Rachmaninov, Liszt. Todos mais modernos. Existe uma grande diferença de estilo de regência entre o Roberto Minczuk e o atual maestro, Claúdio Cruz. Na minha opinião os dois estão, hoje, entre os melhores maestros do Brasil. [...] O Roberto segue as tradições. Ele estudou regência com o Roberto Tibiriçá, com o Eleazar de Carvalho, que é da mesma escola do famoso [Sergei] Koussewitzky. [...] O Cláudio já não gosta de tradição, ele mesmo diz isso. Porque as coisas mudam gradativamente. Ouvindo uma sinfonia regida pelo [Herbert Von] Karajan, você percebe que é tudo muito lento. Com o Cláudio não, ele gosta tudo mais acelerado, a música flui mais, [...]. O Roberto exigia o que estava na partitura. Mas exigia mesmo. A diferença entre os dois ocorre porque o Cláudio é violinista e o Minczuk não. Teve uma época que os dois conversavam muito, trocavam essa experiência. [...] O Roberto é um excelente trompista.

Segundo, Jonas, o maestro Minczuk compartilhava do ideal do Dr. Gaetani de ter à

disposição da ORSP uma escola formadora de músicos. Miryan Strambi trata dessa questão em

50 Anos de Orquestra Sinfônica em Ribeirão Preto: 1938-1988 e explica que uma escola de

instrumentistas já era um sonho antigo, remontando à época logo após a fundação da Orquestra.

A autora cita o anúncio publicado no “Diário de Notícias”, em 16 de outubro de 1940 que dizia

Esta entidade proporcionará ensino gratuito de música aos sócios e filhos de sócios que pretendam fazer parte da nossa Orquestra Sinfônica, desde o ensino elementar até o ensino técnico do instrumento. Em vista da dificuldade que a Sociedade encontra para obter um maior número de instrumentistas como sejam: Cello, Contra-Baixo, Oboé,

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Page 98: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Fagote, Viola e Trompa, desde já acham-se abertas as inscrições para o ensino destes instrumentos.182

Durante a década de 70, o presidente da OSRP, Dr. Luiz Gaetani idealizou, em parceria

com o maestro da época, José Viegas Neto um curso para a formação de instrumentistas de corda

e sopro, cujos professores viriam de São Paulo e Campinas. Tal curso seria fruto de um convênio

com a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, de modo que, em 14 de abril de 1977, o Prefeito da

época, Dr. Antônio Duarte Nogueira, anunciou a abertura da Escola Municipal de Música. Toda a

estrutura ficara a cargo da Sociedade Lítero Musical – mantenedora da Orquestra –, cabendo à

Prefeitura apenas a remuneração dos professores. Durou pouco tempo a empreitada: ainda em

1977, em dezembro, o Dr. Luiz Gaetani comunicava o fechamento da Escola. Segundo Strambi,

“o Departamento de Cultura da Prefeitura de Ribeirão Preto, argumentando falta de verbas, não

colocou em seu orçamento a remuneração prometida, alegando que o acréscimo de “alguns

professores” iria aumentar o quadro de funcionários do Município, que já não era pequeno”183.

Em seguida outras tentativas foram feitas, visando instalar na cidade uma escola

formadora de músicos para a OSRP. Conseguiu-se algum êxito com a “Nova Escola

Experimental” dirigida pela Profª. Diva Tarlá de Carvalho em parceria com o investimento

privado. Surgiu uma Orquestra Jovem que muito orgulhou a cidade, e em 1986, através das

iniciativas do Dr. Luiz Gaetani, do Maestro Marcos Pupo Nogueira, da Profª. Myrian Strambi,

Prof. Ed Lemos e Prof. Gilberto Baldo, conseguiram sensibilizar o Poder Público e o Prefeito

João Gilberto Sampaio fez surgir a Escola Municipal de Música de Ribeirão Preto, mais ou

menos nos moldes da tentativa de 9 anos antes. Segundo Strambi

a escola funcionou o segundo semestre com abnegados professores, que só receberam seus parcos numerários em janeiro de 1987, já que a Prefeitura Municipal somente fez o pagamento de todo este período nesta época, e não mensalmente, como estava previsto.184

A alegada falta de recursos por parte da Prefeitura de Ribeirão Preto mais uma vez

resultou no fechamento de uma escola de músicos. Porém, em diversas ocasiões, a cidade contou

com a iniciativa de pessoas idealistas.

182 STRAMBI, op. cit., p.48 183 Ibidem, p.49 184 Ibidem, p.52

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Nesse sentido, uma das grandes surpresas reveladas pela entrevista de Jonas Mafra foi a

participação do Maestro Roberto Minczuk na fundação de uma escola de música em Cajuru, em

parceria com um clarinetista do Teatro Municipal, o Domingos [Iunes Elias]. Segundo Jonas,

Roberto Minczuk lecionou para alunos nessa referida escola. O mais surpreendente é que, de

acordo com Jonas, ele dava aula de graça. Ensinava Trompa – que não é um instrumento fácil –

sem cobrar nada. Jonas afirma conhecer alguns desses alunos, os quais tocam em igrejas da

cidade. Outros, segundo ele, mudaram-se para Campinas. Sobre esse assunto, conclui dizendo

que Roberto Minczuk “era um idealista acima de tudo. O Roberto incentivava os músicos”.

Sobre o contexto da saída de Roberto Minczuk é possível concluir, com base nas

entrevistas de Jonas e Bogdan, que foi uma saída um tanto traumática para a Orquestra. Jonas

afirma que, após sua saída, a Orquestra voltou para o fundo do poço, de modo que o nível caiu

significativamente, perdendo parte do status adquirido. Ele afirma que “No dia em que ele deu a

notícia foi muito triste. Muitos músicos choraram no palco. Foi terrível”. Apesar, ou devido a ela

mesma, de toda a disciplina e rigor.

A versão de Bogdan reforça essa noção de que a saída de Minczuk representou uma perda

para a Orquestra e para os músicos. Segundo o músico ucraniano

ele era querido pelos músicos, mas, como toda a pessoa desse nível sempre tem amigos e inimigos. O mais importante é que, apesar de nós estrangeiros sempre comentarmos um com o outro que às vezes ele era grosso e ficava nervoso, por causa do tempo para ensaiar ou atingir o nível que ele queria, no final a música saia legal, você subia no palco e tocava à vontade, portanto, conseguindo o melhor nível, você esquecia todas as coisas que de repente aconteceram nos ensaios.

Com relação às causas da saída de Roberto Minczuk da OSRP, Jonas explica que ele

chegou a mencionar a dificuldade que estava tendo de conciliar os muitos compromissos que

surgiam. Em 2000, além de Ribeirão Preto, Roberto Minczuk já era maestro adjunto de John

Neschling, na OSESP, e assistente do maestro Kurt Masur, na Filarmônica de Nova York, além

de diretor artístico do Festival de Inverno de Campos do Jordão, afora os concertos como maestro

convidado.

O que é possível concluir, segundo as entrevistas, é que o Maestro Roberto Minczuk não

deixou a OSRP em função de conflitos com a diretoria da Orquestra, presidida na época pelo Dr.

Luiz Gaetani. Ao contrário, tanto Jonas quanto Bogdan fizeram questão de ressaltar a boa relação

que Minczuk tinha com a diretoria, em especial com o Dr. Gaetani.

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Page 100: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Bogdan explica que “pelo que eu percebia, o Luiz Gaetani adorava ele. Sempre o que

Minczuk pedia, o Dr. Gaetani tentava conseguir pra ele, porque o Minczuk viu o poder que o

nome do Gaetani tinha na cidade. E isso foi muito importante pra orquestra”. E, de acordo com a

versão de Jonas, “ele tinha total apoio da diretoria, tanto que a despedida dele foi uma festa.

Antes de ir embora ele fez um último concerto. Ganhou do presidente [Luiz Gaetani] um Rolex

de quase 30.000 reais. E o Gaetani adora ele”. Portanto, não foram atritos com a diretoria os

motivos para a saída de Minczuk da OSRP. Mas então, quais seriam?

Talvez tenha sido a relação conturbada que ele teve com alguns músicos, em especial com

o ex-Spalla Milton Bergo – cujo depoimento será analisado adiante. Ou mesmo o esgotamento

das possibilidades positivas da cidade para o seu crescimento profissional. Jonas relata que

Minczuk deixou Ribeirão Preto, uma cidade que tanto gostava, porque não queria mais

aborrecimento com alguns músicos e nem os limites impostos pelo interior. Jonas explica que

A maioria dos músicos gostava dele. Embora houvesse também uma pequena minoria que não gostasse dele. O problema era que um deles foi o Spalla antes da Elina. Então brigavam muito. Houve uma polêmica muito grande no concerto de reinauguração do Teatro Pedro II e o Spalla foi afastado. Tiveram uma discussão e ele afastou o Spalla. Isso no dia do principal concerto da orquestra na temporada. O músico em questão era o Milton Bergo. O próprio Roberto comentou um dia que, na opinião dele, o melhor Spalla do Brasil era o Milton, mas que pra ele não dava certo. Os dois não se acertavam, porque parece que o Milton não aceitava as atitudes do Roberto.

Segundo ele, Minczuk não queria conflito. “Se ele resolvesse ficar, teria que encarar a

briga. Então saiu”. Em outros termos, a briga poderia chegar à diretoria da OSRP. Disse que não

precisava disso e que “infelizmente eu sinto muito, mas terei que deixá-los”. Bogdan explica que

chegou após o referido episódio da briga e afastamento do Spalla Milton Bergo, por isso não

emitiu opinião sobre o ocorrido.

É possível que esse fator tenha contribuído minimamente para a saída de Roberto

Minczuk da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. Porém, mais significativa do que a evidência

do conflito com alguns músicos, seja talvez a noção de que Minczuk percebera que seu ciclo na

OSRP estava terminando, muito em função de que, em termos artísticos, já houvesse extraído o

máximo da Orquestra e que havia chegado a hora de mudar de ares e ir ao encontro de novas

possibilidades.

Nesse sentido, considerando-se o sucesso obtido com a OSRP – para muitos, a época de

Minczuk é considerada a melhor fase da Orquestra – e a distinção que lhe rendeu convites e

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Page 101: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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oportunidades as mais diversas, a saída de Minczuk representa a busca por novos signos de

distinção, novas atmosferas onde seu trabalho fosse reconhecido. Traçando um paralelo com a

teoria de Bourdieu, concluímos que

De fato, um estilo deve mudar necessariamente quando já foi totalmente divulgado, uma vez que, se pretende ser um signo distintivo, não pode universalizar-se sem que perca a significação, o “valor” (no sentido de Saussurre) que deriva de sua posição num sistema e de sua oposição aos outros elementos do sistema. Sem dúvida alguma, é este o mesmo princípio que impõe à busca pela distinção a necessidade de renovação constante dos seus procedimentos expressivos em todas as esferas onde [...] os índices tradicionais de status tornam-se mais amplamente acessíveis e onde a preocupação de marcar as diferenças deve exprimir-se pela rejeição de certos tipos de consumos e práticas considerados muito comuns [...], ou então, pela maneira original de sujeitar-se a tais consumos e práticas.185

Conforme o conteúdo não apenas da entrevista de Jonas, mas também do Dr. Gaetani,

como veremos, Minczuk saiu porque não queria mais se submeter às referidas “práticas muito

comuns” para não dizer, talvez, interioranas. Portanto, para Roberto Minczuk, a troca de Ribeirão

Preto por outro centro representou a possibilidade de adquirir um novo status. Se hoje sua

carreira como maestro é de grande sucesso, certamente a passagem por Ribeirão Preto foi

fundamental. A OSRP serviu a ele como uma espécie de trampolim. De Ribeirão Preto para o

mundo.

3.3 – Facetas

A análise a seguir confrontará o conteúdo das entrevistas entre o representante da diretoria

da OSRP – Dr. Luiz Gaetani –, e o violinista – Milton Fernando Bergo – que fora Spalla até a

chegada de Roberto Minczuk e com o qual teve uma relação um tanto conflituosa – revelando

diferentes perspectivas dos entrevistados no que tange a passagem de Roberto Minczuk frente à

Orquestra Sinfônica. Antes, porém, cabe uma breve apresentação sobre os entrevistados.

Formado em medicina, Dr. Luiz Gaetani possui uma história de dedicação à Orquestra

Sinfônica de Ribeirão Preto. Esteve à frente da presidência da OSRP entre 1976 e 2004. Nesses

28 anos de gestão à frente da Orquestra, Gaetani enfrentou problemas financeiros e dificuldades

as mais diversas – como a falta de maior apoio por parte do Poder Público, sobretudo a

185 BOURDIEU, op. cit., p.19-20

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Page 102: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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inexistência de uma escola de instrumentistas. Porém, assistiu também a momentos de afirmação

da Orquestra, sobretudo o período estudado pela presente pesquisa.

Suas iniciativas foram fundamentais não apenas para manter viva a Orquestra Sinfônica

de Ribeirão Preto, mas também para elevar o nível profissional e administrativo. Strambi recorda

que

[...] sem desânimo e sempre com orgulho de representar o símbolo da cultura musical em Ribeirão Preto, constantemente solicitou ajuda à Comunidade, às Empresas e aos Poderes Públicos Municipais, Estaduais e Federais. Assim que assumiu a presidência, sua maior preocupação foi conseguir através do Estado, um Maestro definitivo para a Orquestra Sinfônica, já que a manutenção do mesmo pela Sociedade era praticamente impossível. Depois de muita luta, em 1977, a SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, contratou para a Orquestra de Ribeirão Preto, o Maestro JOSÉ VIEGAS NETO. [Dr. Gaetani] ampliou o número de sócios, conseguiu verbas de diversas Empresas, fez com que concertos fossem contratados, promoveu rifas e outros artifícios, a fim de conseguir o necessário para a manutenção da infra-estrutura e dos músicos da Orquestra Sinfônica.186

Outro exemplo de forte vínculo com a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto é o violinista

Milton Fernando Bergo, o qual relata que praticamente nasceu à música na Orquestra. Ingressou

nela como segundo-violino aos 13 anos, após dois anos de estudos sistemáticos com o professor

Orlando Bernardi. Milton relembra seu primeiro concerto em Santa Rosa do Viterbo e do

concerto na esplanada do Teatro Pedro II, no dia 5 de outubro de 1980, cerca de 3 meses após o

incêndio que consumiu o teto do Teatro. Esse concerto foi significativo por diversas razões,

conforme demonstra Thaty Mariana Fernandes

Em 15 de julho de 1980 o Theatro Pedro II – o mais importante da cidade e único teatro de ópera construído no interior, e terceiro maior do Brasil – se incendiou, depois de longos anos de abandono e de sub-utilização. Em 5 de outubro de 1980 ocorreu a comemoração do seu cinqüentenário. Para tal evento, o maestro Isaac Karabtchevsky veio até a cidade reger a OSRP ao lado de Lutero Rodrigues, seu regente titular, em um concerto que embora hoje em dia quase ninguém se lembre, foi muito significativo para a história da cidade. Até então, nenhum maestro da Orquestra Sinfônica Brasileira havia visitado o interior. E a sinfônica local nunca havia se apresentado em praça pública. O concerto aconteceu na esplanada do teatro devido à impossibilidade de ser realizado no seu interior, e atraiu milhares de pessoas. Foram apresentadas obras de Schubert, Rossini, Brahms e Tchaikowsky.187

186 STRAMBI, op. cit., p.61 187 Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26&ID=230 . Acesso em 13-10-2009

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Page 103: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Milton Bergo trata da qualidade da orquestra naquela época, a qual define como “uma

orquestra basicamente amadora, apesar de contar com músicos de até grande talento”. Segundo

ele, os músicos todos tinham uma segunda profissão, sobretudo porque a remuneração da

orquestra compreendia mais uma ajuda de custo. Ele exaltou a abnegação não apenas daqueles

músicos, mas os da gerações anteriores e concluiu: “a orquestra era basicamente um conjunto de

músicos amadores, abnegados, que gostavam de tocar realmente por amor à música. Se

analisarmos as circunstâncias da época, até fizeram muito pela Orquestra”.

Conforme abordado no capítulo 1, após José Viegas Neto, seguiram-se os maestros Lutero

Rodrigues – com o qual Milton teve seu ingresso à Orquestra – e Marcos Pupo Nogueira. Este

último permaneceu como Maestro Titular durante 12 anos. Os entrevistados, Dr. Gaetani e Bergo,

relatam o contexto de sua saída e a busca por um novo maestro.

As versões são conflitantes sobre essa questão. Dr. Gaetani afirma que, após “10-11 anos”

houve uma situação e o Maestro Marcos Pupo Nogueira o procurou para que eles encerrassem

sua atividade como regente. Segundo Milton, o Maestro Marcos Pupo foi demitido pela diretoria

e isso com a aprovação da maioria dos músicos. De acordo com sua versão, Milton explica que,

Marcos Pupo foi um maestro importante para a OSRP, pois “conseguiu galgar alguns degraus a

mais no nível da orquestra”, tendo promovido a vinda constante de músicos “cachês”, além da

contribuição como professor e formador da antiga Orquestra Jovem – orgulho de Ribeirão Preto

nos saudosos encontros de Orquestras Jovens em Tatuí. Porém, apesar de todos esses feitos,

Marcos Pupo saiu da Orquestra “[...] porque ele ficou estagnado num certo nível e não mais

cresceu”. O interessante é que, segundo Milton, com a saída de Marcos Pupo

[...] os músicos adquiriram certo poder. O que foi natural, porque a orquestra estava acéfala – sem comando, sem maestro. Então, nós músicos, formamos uma junta representativa, na qual inclusive eu, que era o Spalla, desfrutava de certa autoridade. E nós chamamos alguns maestros para assumir a orquestra, dentre eles Jorge Talin, a fim de fazermos uma experiência temporária e ver o impacto que teria entre os músicos.

No entanto, essa experiência de poder por parte dos músicos logo foi refreada. Milton

relata que “a vinda de Roberto Minczuk, de certo modo, foi decidida pela diretoria, e de uma

maneira totalmente arbitrária. A diretoria decidiu ao seu bel prazer, sem nenhum tipo de consulta

prévia dos músicos”.

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Page 104: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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O Dr. Gaetani, em sua versão, trata a questão de outra maneira, ignorando, de fato,

qualquer tipo de relacionamento com os músicos no sentido de escolher, conjuntamente, o novo

Maestro para a Orquestra. Segundo Gaetani, após a saída de Marcos Pupo, “o ouvido esquerdo ou

o direito, não sei, ouviu do seu Rubens Ricciardi sobre a possibilidade de trazer um maestro que

estava regendo em Brasília. Então ele – Roberto Minczuk – foi convidado a vir a Ribeirão Preto”.

A intervenção de Rubens Ricciardi188 – compositor, musicólogo e intérprete vinculado à

ECA-USP de Ribeirão Preto – é observada a partir de sua influência no cenário musical erudito

de Ribeirão Preto. Não se sabe ao certo qual era o contato de Ricciardi com Minczuk. Porém,

após a chegada do Maestro, ambos parecem ter cooperado mutuamente junto à Orquestra, embora

tal fato não tenha sido objeto de investigação dessa pesquisa. Ainda assim, verificou-se que

Ricciardi “de 1995 a 2000, foi membro da diretoria e depois presidente do conselho da Orquestra

Sinfônica de Ribeirão Preto, onde desenvolveu vários projetos em parceria com Roberto

Minczuk”189.

De acordo com o Dr. Gaetani, houve uma reunião que contou com a presença de membros

da diretoria e o Maestro Minczuk. Definiu-se ali a contratação, a qual foi bancada diretamente

pela Sociedade Lítero Musical – entidade mantenedora da OSRP. Naquela ocasião, Dr. Gaetani

diz ter conhecido “uma qualidade do Roberto que eu não esquecerei jamais! Ele tirou do bolso o

último holerite de Brasília e disse assim pra mim “Dr. Gaetani, olha aqui o quanto eu ganho em

Brasília, [...]. Se for possível, eu gostaria de ganhar a mesma coisa”. Gaetani considerou essa uma

atitude de lealdade incomum. Começou ali o bom relacionamento entre os dois, reafirmado nos

anos que se seguiram, pois, segundo Gaetani, ali “começou a Era Roberto Minczuk, com muita

alegria para nós, de modo que ele nunca me deu um ato que pudesse desmerecê-lo. Sempre

trabalhou com a maior confiabilidade, com a maior honestidade”.

Com relação ao convívio com Minczuk e a rotina de ensaios e concertos, analisando as

versões, percebemos a manutenção do bom relacionamento de Minczuk com a diretoria – em

especial com a pessoa do Dr. Gaetani – e o início dos conflitos com o Spalla na época, Milton

Bergo. Gaetani exalta o cotidiano com Minczuk e explica que 188 Nasceu em 1964, em Ribeirão Preto. Foi aluno de Olivier Toni, em São Paulo, desde 1979. Graduado (1985) pelo Departamento de Música da ECA-USP, onde estudou composição com Gilberto Mendes e Stephen Hartke. Tornou-se mestre (1995) e doutor (2000) nesta mesma instituição. Entre 1987 e 1991, especializou-se em musicologia, sob orientação de Günter Mayer, na Universidade Humboldt de Berlim (República Democrática Alemã), onde também estudou órgão com Dietmar Hiller. Disponível em http://www.movimento.com/mostraconteudo.asp?mostra=3&codigo=1006 . Acesso em 13-10-2009 189 Idem

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Quando ele tinha que dizer alguma coisa, me procurava e falava “senhor presidente, está acontecendo isso, isso e isso. Favor tomar providências.” E ponto final. A lealdade, o espírito de comando daquele tempo diz bem da capacidade e da intelectualidade do meu caro Roberto Minczuk.

Em contrapartida, Milton Bergo relata que a contratação arbitrária de Minczuk fez frente à

autonomia dos músicos. Na condição de Spalla, Milton logo procurou representar os músicos

perante o Maestro Minczuk. E os problemas começaram. Ele reconhece que não há o que se

contestar sobre a qualidade musical de Minczuk. Com ele a Orquestra evoluiu e chegou a sua

melhor fase. Porém, foram os meios utilizados pelo Maestro que não agradaram Milton e os

músicos por ele representados. “Ele podia ter conseguido o que conseguiu usando meios mais

eficazes e menos autoritários”.

Sendo Spalla, ou seja, uma liderança não apenas musical, mas também política – apesar de muitas pessoas se esquecerem disso – percebia uma série de desmandos e a instalação de um despotismo, de um autoritarismo, não só do maestro em relação aos músicos, mas também da diretoria em relação aos músicos, de modo que a comissão de orquestra existia apenas para legitimar uma aparência democrática – na qual os músicos deveriam ter voz.

Segundo Milton Bergo, Minczuk buscava coagir ele e seus companheiros, de modo que

“era extremamente mal-educado com os músicos. Retirava do ensaio, era ríspido, era irônico,

enfim, desrespeitava o profissional”. Milton explicou que o atrito com o Maestro se tornou

inevitável e foi além, explicando que

Esse autoritarismo chegou a ponto de ofensas pessoais e cartas minhas direcionadas à diretoria e dele direcionadas a mim. O conflito ficou quase como uma questão pessoal, sendo que eu nunca desejei que chegasse a esse ponto. Eu simplesmente defendia a dignidade dos companheiros.

Sobretudo nos ensaios os músicos eram submetidos a essa atmosfera de tensão e

exigência extremada que, no entanto, eram até certo ponto necessárias face ao modelo de

profissionalismo adotado, a remuneração a contrato, além da qualidade sonora ímpar na história

da OSRP. Nesse, sentido, o rigor dos ensaios é confirmado pelas versões de Milton e do próprio

Dr. Gaetani. Este último narra sobre o senso de responsabilidade de Minczuk e a maneira como

conduzia os ensaios.

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Sobre a rotina de trabalho do Roberto, ele era um maestro que não admitia um músico chegar às 10:10 pra um ensaio. [...] o músico deveria chegar pelo menos 15 minutos antes, pra poder se aquecer, movimentar instrumento, para que o ensaio começasse às 10 horas em ponto. E 10 horas em ponto ele abria o ensaio. Um minuto depois ele olhava com uma cara de quem não gostou pra algum músico que tivesse acabado de entrar e dizia “entra, entra aí”. Isso quando tinha passado uns 30 segundos depois das 10 horas. Agora, 10:10, não. Dizia “não, o senhor pode ir embora e voltar amanhã”. Pronto. Pra sentir o senso de responsabilidade. Assim ele agia com todo mundo sem diferença.

Quanto a essa questão, por conta dos depoimentos de Milton e dos outros dois músicos

entrevistados, é possível afirmar que o Dr. Gaetani usa de certo eufemismo para descrever a

conduta de Minczuk, o que revela o apoio institucional ao Maestro e à pessoa do regente.

Nos ensaios, a mesma responsabilidade, com as situações de interromper e dizer “pára, filho, não é assim, é assado”, até um certo limite. E às vezes, conforme já comprovei também, depois de terminado o ensaio ele chamava dois ou três músicos e dizia “olha, vocês precisam, em casa, martelar aqui, aqui e aqui pro próximo ensaio sair melhor.” Mas falava como amigo, não como impositor, Tanto que, nos próximos ensaios, aqueles músicos que ele pediu que estudassem já voltavam com uma motivação maior. Reviram a partitura em casa, pintaram, bordaram. De modo que, o Roberto sabia mandar.

Milton diverge e relata, conforme descrito anteriormente, que nos ensaios Minczuk

promovia um clima de tensão e de constrangimento aos músicos. No entanto, Milton concorda

que o ambiente do ensaio deve ser sério e explica

Nos ensaios o Minczuk era muito exigente. Quanto a isso até acho que nos ensaios tem que haver disciplina. O maestro não tem que fazer gracinha ou fazer piadinha em ensaio. Até pode fazer, para relaxar um pouco ou deixar o ambiente um pouco mais tranqüilo. Mas tem que haver disciplina. Porém, no caso do Minczuk, as pressões que se percebiam em alguns ensaios incomodavam os músicos. Musicalmente eu não fui vítima de pressão, mesmo porque não fazia sentido, afinal eu era o Spalla. A pressão que sofri foi pela questão política mesmo [por ser o chefe da Comissão de Orquestra e encabeçar o descontentamento com as atitudes do Maestro].

Essa faceta tempestuosa da personalidade disciplinada de Roberto Minczuk já lhe rendeu

polêmicas em outros momentos de sua carreira. A mais recente foi em 2008, num episódio

conturbado com os músicos da OSB – Orquestra Sinfônica Brasileira. Tal conflito é abordado por

dois artigos intitulados, respectivamente, “Crise na Orquestra Sinfônica Brasileira”, publicado em

21-10-2008 e “Acirra-se a crise na OSB”, publicado em 22-10-2008, ambos no jornal eletrônico

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SRZD do jornalista Sidney Rezende. Um dos artigos faz referência, inclusive, ao episódio da

discussão de Minczuk com o Maestro John Neschling da OSESP. Os artigos relatam o seguinte

O ensaio da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) foi paralisado na noite desta segunda-feira (20) por um protesto dos músicos. Eles promoveram uma votação e pediram o distanciamento do regente, Roberto Minczuk. Dos 62 musicistas, 60 quiseram o afastamento do maestro. A manifestação foi um repúdio ao comportamento de Minczuk. Fontes ouvidas pelo SRZD dizem que ele é um déspota. Os conflitos se acirraram no começo deste ano quando o spalla da orquestra, o músico mais importante depois do maestro, teve que se afastar por motivos de saúde. Na volta, o regente teria dito: "velho e doente, você vai ser demitido". A secretária de Minczuk informou que ele não iria à sede da OSB nesta terça (21), e que qualquer outra pergunta deveria ser encaminhada à assessoria de imprensa. "A orquestra não foi notificada de nada, mas vou procurar", afirmou Leandro Lannes, responsável pela comunicação da OSB. Minutos depois, Lannes havia saído e não foi encontrado pelo resto do dia. A OSB é uma orquestra particular que funciona com um sistema de acordo coletivo. O contrato terminou em primeiro de julho e não foi renovado por decisão de Roberto Minczuk, de acordo com as fontes. O fato estaria gerando descontentamento nos integrantes da orquestra. Quando Minczuk assumiu, a OSB começou uma fase de êxito comercial e os músicos tinham esperança que isso representasse, entre outras coisas, aumento nos vencimentos. O maestro teria paralisado a negociação e criado problemas também na administração da orquestra. Sem a renovação do acordo coletivo, os músicos estão com questões - como remuneração por gravações - indefinidas. O violinista Daniel Passuni não quis comentar o assunto, alegando que é apenas mais um músico da orquestra. "Quem pode falar, apesar de eu não saber se tem autorização, é o chefe da comissão de músicos, Paulo Guimarães", desconversou. Guimarães, todavia, não foi encontrado. No business da música clássica, as coisas acontecem mais ou menos assim, de acordo com nossas fontes. Agências de concertos colocam seus clientes em orquestras sinfônicas de vários lugares do mundo. Assim, os regentes são avaliados como administram, como fica a qualidade artística, para depois serem levados para outros postos mais importantes. O Brasil é considerado um destes locais em que os regentes são testados. Antes de Roberto Minczuk, a OSB foi regida pelo argentino Yeruham Scharovsky (hoje radicado em Israel). Os músicos também tiveram atritos com o maestro e conseguiram o afastamento. Em abril desse ano, a revista Bravo! publicou uma matéria investigando os motivos da explosiva briga entre Minczuk e o maestro John Neschling, regente da Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp). Ao comunicar ao chefe que havia assumido a produção artística do Festival Internacional de Inverno de Campos de Jordão (SP), os dois discutiram violentamente. Neschling argumentou que se Minczuk acumulasse mais essa função, além das orquestras regidas no exterior, prejudicaria a Osesp. Minczuk replicou que o motivo da discussão era a inveja do maestro. Desde então, nunca mais trocaram uma palavra.190

O regente da Orquestra Sinfônica Brasileira, Roberto Minczuk, foi nesta terça-feira (21) à sala Cecília Meireles, na Lapa (local dos ensaios) e exigiu uma reunião com os músicos. Como o SRZD noticiou em primeira mão, o péssimo relacionamento do maestro com os instrumentistas abriu uma crise num dos principais símbolos da música clássica brasileira. Na segunda-feira (20), os 62 músicos paralisaram o ensaio, fizeram uma votação e pediram o afastamento de Minczuk. Na terça-feira (21), ele compareceu acompanhado da mulher e do diretor de marketing da instituição. O maestro pediu muitas desculpas, reconheceu os erros e se disse certo de que a situação poderia ser revertida. No entanto, de acordo com nossas fontes, os músicos se recusaram a voltar

190 Disponível em http://www.sidneyrezende.com/noticia/21020+crise+na+orquestra+sinfonica+brasileira . Acesso em 19-10-2009

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atrás na posição. Além disso, eles disseram ao presidente da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira que não tocariam mais com Roberto Minczuk. Os músicos cobraram da administração algum nome para reger o espetáculo do sábado (25) que a orquestra tem com Yamandú Costa, em São Paulo. Os músicos estão firmes no veto a Minczuk, a ponto de suspenderem até os ensaios. O SRZD tentou durante toda a terça-feira (21) vários contatos com o maestro e com representantes da OSB para que pudessem se pronunciar, mas ninguém foi localizado. Diante do impasse é esperado um pronunciamento de Roberto Minczuk. Alguns nomes já começam a ser pensados como substitutos, mas não tivemos acesso à lista.191

Milton Bergo explica que Minczuk fazia o estilo “maestro ditador”, mas ressalta que “esse

perfil [...] já é ultrapassado”. Na Europa isso já é algo que caiu em desuso há muito tempo. Esses

grandes maestros absolutistas, que encarnavam verdadeiros deuses [...], todos caíram”. Ainda

assim, por mais contraditório que possa parecer, Milton ressalta que “os músicos gostavam dele”,

apesar do estilo rigoroso e da disciplina imposta. Ele atribui a isso a condição alienada do músico

pois

O problema é que o músico é um artista peculiar. Sempre digo que a arte deve ser algo desalienante. Acredito, particularmente, que a arte não pode ter conotação religiosa, a arte não pode ter conotação política, ela até pode ser engajada, mas aí já não é uma arte pura. Eu sou a favor de uma arte que contribua para a libertação, para a desalienação. O artista, o músico principalmente, é muito alienado. Ele vê somente a circunstância musical, o nível técnico, não vê a dimensão política e humana que envolve toda a questão. Por isso os músicos gostavam dele.

No que concerne o relacionamento com a diretoria, Bergo e Gaetani possuem versões que

se aproximam. O Dr. Gaetani expressa claramente o apreço que tem por Minczuk, sua

responsabilidade, seu profissionalismo, etc. Fica evidente que os dois mantinham uma parceria

muito eficaz e de mútua confiança, de modo que

[...] tudo que ele necessitava, falava diretamente comigo. Tinha tesoureiro, contador, mas falava “Dr. Gaetani, estamos precisando disso, disso e disso.” Numa das vezes, devo citar, eu disse “maestro, não dá pra cortar ali?” E respondeu “Gaetani, não dá. Eu preciso. Tchau, até amanhã se Deus quiser.” Na verdade, ele precisava de mais dois músicos, e eu falava “mas não dá pra ficar sem?”. “Gaetani, não dá.” Curto e grosso: não dá. Não tinha lenga-lenga. Teve um músico, contratado pra tocar seis notas “pum, pim, pum”, e acabava a função dele. Então eu disse “de repente você pode cortar um ou outro aí, não pode?” “Não, Gaetani, não pode. É isso aí. Tchau. Até amanhã se Deus quiser.”

191 Disponível em http://www.sidneyrezende.com/noticia/21026+acirra+se+a+crise+na+osb . Acesso em 19-10-2009

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Bergo vai além e diz que a parceria entre Minczuk e Gaetani funcionava como uma

“engrenagem harmoniosa”, de modo que tinha apoio da diretoria “quase em sua totalidade” e isso

porque, quando da vinda de Minczuk

[...] todos ficaram inebriados com o nível musical dele, que era bom. Na época em que a orquestra havia saído do período de 12 anos com o mesmo maestro, o que é totalmente insalubre e contraproducente para uma orquestra, a diretoria se sentiu tão abrilhantada pela qualidade enquanto músico e maestro de Minczuk, que esqueceu o lado humano, o lado político.

Quanto à afirmação de que Minczuk buscava melhorias para as condições dos músicos, as

opiniões de Milton e Gaetani divergem sensivelmente. Dr. Gaetani ressalta a cobrança de

Minczuk e relata

“Dr. Gaetani, quem sabe o senhor consegue dar uma melhoria geral, financeira. Um aumento porque o pessoal tá ganhando pouco, então precisaria estudar um jeito.” E a gente estudava. Nem sempre com êxito total. Às vezes, num momento seguinte, eu dizia “olha, consegui aumentar um pouquinho pra cada um. Tudo bem?” E Minczuk assentia “ah, tá aumentando? Já melhorou [mesmo não sendo] aquilo que imaginei.” De qualquer forma fomos acomodando. Mas nunca houve uma época em que ele estivesse absolutamente satisfeito com a condição dos músicos.

Milton Bergo, ao contrário, ressalta que Minczuk não se preocupava tanto assim com os

músicos, de modo que buscava benefícios unicamente para sua carreira. De acordo com Milton

O Minczuk não se interessava muito em conseguir, junto à diretoria, benefícios para os músicos. Isso irritava muito, porque ele cuidou da carreira dele. Tão-somente da carreira dele. É claro que ele não era totalmente contra melhorias para os músicos, pois isso seria muito subalterno. Mas ele não batia de frente e exigia, muito pelo contrário, ele era totalmente “diretoria”. Ele e a diretoria formavam uma equipe muito bem orquestrada, muito bem harmonizada. Trabalhavam muito bem harmonizados, coisa que não aconteceu muito nesse período após sua saída e não aconteceu antes dele, tanto que o maestro anterior saiu com a desaprovação, além da dos músicos, da própria diretoria. Com o Minczuk houve uma cooperação, uma engrenagem que funcionou muito bem, sendo totalmente harmônica entre ele e a diretoria e desarmônica na relação com os músicos. As conquistas para o bem dos músicos deveram-se à luta dos próprios músicos, das comissões de orquestra. Em parte, através da abertura do Dr. Gaetani. Apesar de todos os seus defeitos – mas reconhecendo-se seus méritos – dava aos músicos a possibilidade de conversação e costumava abrir para negociação.

Destarte, o que mais incomodava aos músicos de Ribeirão Preto, bem como aos da

Orquestra Sinfônica Brasileira era o fato de se sentirem disciplinados como meio para que

Roberto Minczuk alçasse vôos mais altos em sua carreira. Deste ponto de vista, o fato de não

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assinar a renovação com a OSB e a discussão com John Neschling são emblemáticos. Roberto

Minczuk representa o trabalhador que sonha com o sucesso internacional, onde, no entanto, a

disciplina não é uma escolha, mas uma condição necessária.

Com relação ao relacionamento com os músicos estrangeiros, Milton relata que “era

muito bom. Inclusive, quando eles chegaram, fizemos várias festas para confraternizar”. Apesar

das dificuldades de comunicação em função da diferença de idiomas, Milton comenta que eles

tinham uma visão muito mais politizada e que também percebiam os desmandos de Minczuk.

Sobre os músicos estrangeiros ingressos em 1998, Milton diz que “[...]eram pessoas muito

conscientes também e tiveram muita clareza do que ocorria – esse despotismo sem medida do

maestro”.

O Dr. Gaetani não trata do relacionamento com os músicos estrangeiros, mas aborda as

duas principais ocasiões em que ingressaram à Orquestra músicos de outras nacionalidades.

Primeiramente fala dos búlgaros, que vieram entre 1991 e 1992. Gaetani fala, sobretudo dos

violinistas Petar Krastanov e Ilia Iliev e não menciona, ao todo, quantos búlgaros chegaram

naquela ocasião. Porém, explica um pouco como conseguiu resolver a questão do deslocamento

de cônjuges dos músicos estrangeiros para o Brasil. Muitos fizeram menção de voltar aos seus

países de origem, por causa da saudade de seus entes queridos. Gaetani relata

Durante sua passagem por aqui vieram músicos estrangeiros. Depois do Miltinho, o Spalla que o substituiu, foi talvez o Petar, um búlgaro. Ele [Petar Krastanov], o Ilia Iliev e sua esposa, Svetla Nikolova Ilieva, são os únicos búlgaros que permanecem. O Ilia veio primeiro e a mulher dele veio depois de um ano, porque ele estava sozinho aqui. Ela faz [toca] cello e ele violino. Ele veio em 91 ou 92. Eles [os búlgaros] vieram sem as esposas. O contrato era por músico, a passagem era por músico e não incluía a mulher nem filhos. Então, posteriormente, alguns músicos trouxeram as esposas, depois de seis meses, oito meses. Conseguimos arrumar as passagens, fui lá na Varig, arrumei as passagens, um rolo desgraçado. Veio a mulher do Ilia, mais adiante veio a Elina, que se tornou Spalla depois. E hoje na orquestra tem ainda um búlgaro, o Bogodan [o nome correto é Bogdan Dragan e ele é ucraniano] e sua esposa é regente do coral, a Niszhana [pronuncia-se Nisjana]. Ela veio quase um ano depois que o Bogdan estava aqui. A saudade bateu e ele falou “ó, doutor, aqui não fico mais, eu vou embora.” Aí nós arrumamos uma passagem pra mulher dele também.

Mediante essas explicações, é possível concluir que o Dr. Gaetani cuidava de toda

logística envolvendo a vinda de músicos estrangeiros. Com base na entrevista de Bogdan,

evidenciam-se os arranjos que o Dr. Gaetani providenciava para acomodar tais músicos em solo

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Page 111: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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brasileiro. Afora as providências materiais, aparentemente cuidava também das questões

burocráticas: vistos, registros, etc.

Porém, Milton explica que houve certo desconforto em relação à questão salarial. Ao que

parece, havia uma disparidade salarial entre os estrangeiros e os brasileiros, de modo que esta foi

logo corrigida. Essa disparidade pode ser explicada em função dos já referidos arranjos do Dr.

Gaetani. No entanto, conforme o artigo 354 da CLT – o trabalhador estrangeiro não pode ter

remuneração superior ao trabalhador brasileiro de mesma função. Portanto, a remuneração dos

estrangeiros ou equivalia a dos brasileiros ou era até mesmo inferior.

Com relação àqueles búlgaros ingressos em 1991-92, Milton afirma que o salário que

ganhavam aqui era muito aquém do que lhes foi prometido. No entanto, não soube dizer se o

mesmo ocorrera com os estrangeiros vindos em 98. Além disso, Milton relata que “supostamente,

eles vieram com a função de serem professores e acrescentar, não só musicalmente à orquestra,

mas também didaticamente”. Porém, ao invés de se comportarem como “professores e

superiores”, aliaram-se aos músicos brasileiros, os quais os acolheram amistosamente, de modo

que realmente fizeram música juntos. Esse trecho do depoimento de Milton corrobora as versões

de Jonas e Bogdan, este último, inclusive, trata da surpresa dos estrangeiros ao perceberem a

inexistência de um sentimento nacionalista hostil por parte dos brasileiros.

De acordo com Milton, o Maestro Minczuk dispensava o mesmo tratamento aos músicos,

fossem estrangeiros ou brasileiros. Dr. Gaetani também emite um trecho que consente com essa

versão. E vai além, explicando que Minczuk serviu de exemplo de como lidar com as pessoas.

[...] foi muito agradável APRENDER com ele também, como que se lida com gente. Porque ninguém é subalterno a ninguém. Cada um é uma individualidade que merece o devido respeito. Ele trabalhava, dando ao músico o devido respeito, o respeito que ele tinha com todos. Uma vez ou outra aconteceram alguns pequenos detalhes que foram um pouco mais agudos.

Entretanto, no que tange o relacionamento de alguns estrangeiros com o Maestro

Minczuk, Milton Bergo esclarece que alguns, justamente em função de uma visão mais

politizada, também tiveram atritos com o Maestro. Ele cita o caso de Alexander Cichilov e

explica que, nos momentos de maior tensão, houve discussões entre os próprios músicos “pois

sempre existem aqueles mais reacionários, mais revolucionários. Isso é normal e essa disparidade

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por vezes ocorreu. Porém, no geral, o relacionamento com os músicos estrangeiros nunca foi

ruim [...]”.

O conflito mais acirrado foi mesmo entre o Roberto Minczuk e Milton Bergo. De um

lado, um maestro – autoritário, poderoso e apoiado pela diretoria – e de outro, o Spalla –

representante político da orquestra junto ao maestro e inconformado com os seus métodos

disciplinares – o resultado foi um acirrado enredo de discussões nos ensaios o que gerou grande

tensão entre os músicos. Até que, enfim, ocorreu um rompimento entre Spalla e orquestra.

Segundo Milton, “é a cisão mais triste da história – quando o Spalla se vê sozinho”. E isso

ocorreu não porque os músicos não concordassem com as críticas de Milton a Minczuk, mas sim

por medo das conseqüências por parte da diretoria. Milton explica que “os músicos não o

[apoiaram], com medo de represália, e o maestro faz pressão junto à diretoria para que você seja

destituído. Deixei a posição, já que minha autoridade estava totalmente desfalcada, totalmente

desgastada. Fui espontaneamente sentar na última estante”.

Após seu afastamento enquanto Spalla, o búlgaro Petar Krastanov o substituiu. Segundo

Milton, “[Petar] assumiu meu lugar e ele próprio sofreu toda essa tensão que na época o Minczuk

gerou”. Milton ressalta que Minczuk foi positivo para a Orquestra no sentido técnico, mas que

sua conduta ríspida afetou profundamente os músicos. Não pelo alto nível de exigências, mas

pelo modo como ele as fazia, “de certo modo, isso criou um trauma na Orquestra, apesar de ter

sido, ressalto, a melhor fase da Orquestra. Enquanto fase musical, fase técnica, sim, foi a melhor,

não obstante os meios usados para se conseguir esse nível. E foi por isso que eu entrei em atrito”.

Quanto aos fatores que motivaram a saída de Roberto Minczuk da OSRP, as versões de

Milton Bergo e Gaetani convergem em alguns aspectos. Segundo o Dr. Gaetani, Minczuk

começou a mobilizar sua saída da OSRP conforme foi se tornando conhecido no meio musical.

Firmou compromissos com a OSESP estando ainda em Ribeirão Preto. Conforme Gaetani,

Minczuk passou a ter aspirações maiores, tanto que teria dito “eu quero tocar minha vida” e

Gaetani acrescenta

[...] ele passou a ter uma obrigação com São Paulo [na OSESP]. Segundo, porque ele já começava também a ser convidado a reger outras orquestras. Então isso tudo foi trazendo uma nova visão pra ele e percebeu que a coisa não ia ficar em Ribeirão Preto. Passou a aspirar coisas mais altas e foi o finalmente.

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Portanto, conforme as palavras do Dr. Gaetani, “você pode muito sintetizar desse jeito: o

Minczuk saiu porque ele almejava novos ares”.

Na versão de Milton, ele trata da questão dos convites que Minczuk recebeu de outras

orquestras e confirma o compromisso do Maestro com a OSESP. Porém, sobre a suposta parceria

com o Maestro Kurt Masur – um famoso maestro polonês, conhecido pela interpretação das obras

do romantismo alemão, que, dentre outros postos, ocupou o cargo de Maestro Titular da

Filarmônica de Nova York até 2002 –, o qual supostamente teria convidado Minczuk para ser seu

assistente, Milton considera isso uma inverdade e explica

[...] falava-se dos convites que ele recebeu. OSESP, Nova York, entre outros. Dizem que ele foi maestro assistente do Kurt Masur, o que é uma inverdade. Não vou dizer que é uma mentira, apenas uma inverdade. Ele foi aluno do Kurt Masur, mas assistente ele não foi de maneira nenhuma. Tanto que as informações dão conta de que a Filarmônica de Nova York nem tinha maestro assistente na época. O Minczuk foi é convidado para fazer alguns concertos. E fez, realmente. Ele assumiu a OSESP – a sinfônica do estado – e criou aquela situação toda, aquelas demissões em massa, aqueles testes, que vieram a resultar na formação da orquestra RTC [orquestra da Rádio e TV Cultura] que o Lutero Rodrigues regeu, mas que já não existe mais. Isso tudo aconteceu na época em que ele estava para sair de Ribeirão Preto, em 2000 ou 2001 se não me engano. O Minczuk chegou a ficar algum tempo com as duas orquestras – OSRP e OSESP.

Com base nas entrevistas, é possível concluir, portanto, que Roberto Minczuk não saiu da

Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto em razão de conflitos com a diretoria. Ao contrário, com

esta ele manteve – desde sua chegada – um bom relacionamento. Não é possível dizer o mesmo

em relação aos músicos, com os quais a convivência foi conturbada, em especial com o Spalla

Milton Fernando Bergo. Em última análise, o atrito com esse e outros músicos pode ter

contribuído para a saída, porém, motivação maior, parece ter sido a oportunidade de ascender a

um novo patamar profissional, numa orquestra de outro grande centro – como São Paulo ou Nova

York – e deixar a periférica Ribeirão Preto, ainda que aqui um trabalho de alta qualidade

estivesse sendo desenvolvido. Nesse sentido, é possível cogitar que talvez Minczuk tenha

extraído ao máximo o potencial da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto e percebido que, dela,

muito pouco ou nada mais poderia ser obtido.

Sobre o concerto de despedida de Roberto Minczuk, as versões divergem

consideravelmente. O Dr. Gaetani trata a ocasião como um “concerto monumental”, enquanto

para Milton o evento não passou de um “espetáculo patético”.

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Page 114: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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Gaetani relata as homenagens que Minczuk recebeu, a citação de trechos bíblicos, enfim,

o reconhecimento da cidade ao profissional e figura ilustre de Roberto Minczuk que passou pela

Orquestra do ano 1995 a 2000.

Por outro lado, Milton F. Bergo faz questão de ressaltar que “fizeram uma grande festa,

uma comoção geral por algo que não tinha nem porquê”, buscando demonstrar ao público que a

Orquestra estava ficando “órfã”, estava perdendo o seu “Messias” e que nunca mais seria a

mesma. Segundo Milton, isso “é uma grande mentira, pois depois a orquestra continuou e deu a

volta por cima”.

Milton e o Dr. Gaetani fazem referência a famosa história do oferecido a Roberto

Minczuk. Gaetani explica que “quando fiquei sabendo que ele gostava muito de um relógio,

Patek Philippe, uma daquelas marcas mundiais, a orquestra providenciou o relógio. Ele gostou

muito, aquela coisa toda”. E Milton relata que “ele foi presenteado com um relógio, um Rolex de

ouro que o Gaetani lhe deu de presente”. Rolex, Patek Philippe, não importa a marca. O que

importa é que foi um gesto simbólico, o qual podemos traduzir não apenas como a aprovação,

mas também a legitimação da passagem de Roberto Minczuk por Ribeirão Preto. Ali, estava-se

presenteando não apenas o maestro, mas a pessoa que, segundo Dr. Gaetani “dedicou-se a

Ribeirão Preto e à Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto com a maior alegria”. Porém, ocultava-

se a faceta da relação entre músicos e Maestro.

Portanto, o concerto realizado em 28 de outubro de 2000, exaltou a trajetória de Minczuk

perante a sociedade ribeirãopretana, mas escondeu a crise que acometia a Orquestra

internamente. Milton ressalta um contexto de “uma crise moral” e “um trauma muito grande”, a

partir do desgaste com o Maestro Roberto Minczuk, que fez do despotismo a base da relação com

os músicos da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto – fossem brasileiros ou estrangeiros. Seja

como foi, a qualidade sonora jamais foi a mesma depois de Roberto Minczuk.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos dados observados, a presente pesquisa demonstrou a clara influência

estrangeira na formação do cenário musical erudito de Ribeirão Preto. Se hoje a cidade pode

orgulhar-se de ter uma das mais longevas orquestras sinfônicas do Brasil, isso se deve à ação de

imigrantes, comerciantes, profissionais liberais e empreendedores estrangeiros em aliança com os

nacionais ao final do século XIX, numa época em que a produção cafeeira ditou o

desenvolvimento de Ribeirão Preto, transformando-a em termos sócio-econômicos, urbanos e

culturais.

Enquanto tradição musical européia, a música erudita estabeleceu-se por meio das

primeiras bandas que surgiram na cidade, dentre as quais a “Bersaglieri”, formada por membros

da colônia italiana. Porém, tais iniciativas de estrangeiros não caracterizam uma imposição da

cultura da música européia à cultura local, mas sim um processo de assimilação e adaptação da

música às circunstâncias regionais, haja vista o registro da multiplicidade de bandas que

existiram, as quais popularizaram o repertório da época – marchas, polkas e valsas – nos

carnavais de ruas da cidade no início do século XX. Com a proibição destes carnavais, as bandas

aos poucos desapareceram, cedendo espaço para os Clubs, nos quais a folia possivelmente fosse a

mesma dos carnavais.

Foram as transformações da área do entretenimento aliada aos avanços econômicos que

aproximaram os hábitos europeus, sofisticados e refinados, à elite local. Dentre esses hábitos, o

da música erudita. Podemos concluir que os empreendimentos do francês François Cassoulet

promoveram a transição do entretenimento familiar – rural – diurno, para outro que pode ser

definido como elitista – urbano – noturno, de modo que, gradativamente, o acesso a locais de

divertimento dessa natureza ficaram restritos aos mais abastados em espaços privados ou

públicos – ou nem tão público assim. Além disso, os teatros, cafés, cabarés e cassinos, deram

origem a novos espaços de execução musical, nos quais a música erudita era praticada como

atração principal ou como elemento de acompanhamento aos artistas – dos mais variados gêneros

– que se apresentavam na cidade.

Nesse sentido, as transformações que geraram a imigração de europeus, o

desenvolvimento econômico e as mudanças urbanas em Ribeirão Preto, promoveram o contato

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Page 116: Músicos estrangeiros à orquestra sinfônica de ribeirão preto sp (1995-2000)

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com a cultura européia – sobretudo a francesa – e ofereceram à elite econômica local a

possibilidade de se consumir os signos da modernidade: objetos de luxo, novos hábitos e a arte

refinada vinda do exterior. Porém, demonstrou-se a peculiar maneira como a elite local

apropriou-se da modernidade, de modo que esta fora manipulada visando-se a legitimação do

poder e do status dessa elite junto à sociedade.

Exemplo disso é a indiferença ao movimento modernista de 1922, o qual foi ignorado

localmente. Isso se refletiu na Orquestra Sinfônica, por meio de seu repertório, o qual, desde sua

fundação, foi basicamente formado por obras de compositores do romantismo europeu –

Beethoven, Schubert, Mendelssohn, Tchaikovsky –, enquanto na Europa já repercutiam as obras

de Debussy, Stravinsky, Ravel, ou seja, compositores de um estilo mais arrojado e condizente

com o termo “moderno”. A elite local parecia ver essas novas tendências como uma ameaça ao

seu poder. As conseqüências disso para a Orquestra foi um repertório tradicional, e, conforme as

informações das entrevistas, ainda na década de 1980 seu repertório permanecia descrito como

limitado.

No entanto, não é possível desqualificar a contribuição de indivíduos idealistas e

abnegados economicamente, que, mediante grande esforço e perseverança, conseguiram manter

viva a Orquestra Sinfônica de Ribeirão, dentro de um semi-profissionalismo durante boa parte de

sua existência. Em termos de participação de estrangeiros em sua história, verificou-se que a

OSRP foi fruto não apenas da visão e do poder de mobilização de Max Bartsch, mas também da

capacidade de maestros estrangeiros como Ignácio Stabile, Antonio Giammarusti e Enrico Ziffer,

os quais imprimiram na OSRP os fundamentos para o desenvolvimento da arte musical e a

sustentaram, como veículo de difusão da música erudita, procurando superar as dificuldades que

se apresentavam, tais como, falta de recursos, falta de instrumentos e de instrumentistas, o que

reverbera no limite de execução de obras mais amplas e/ou complexas.

A partir do histórico de maestros até a chegada de Roberto Minczuk, os problemas

referidos foram, em parte, solucionados mediante a contratação de músicos estrangeiros e

“cachês”. Podemos concluir, portanto, que os músicos estrangeiros ingressos à OSRP no período

estudado foram contratados a partir da iniciativa do Maestro Roberto Minczuk, pois este visava

suprir carências técnicas – qualitativas e quantitativas – dentro do grupo de instrumentistas, ou

seja, seguiu os passos dados pela mesma OSRP em outros períodos. Demonstrou-se que os

estrangeiros da época de Minczuk vieram mediante uma seleção feita à distância pelo maestro,

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através de fitas contendo trechos musicais definidos por Roberto Minczuk. Dentre os critérios de

seleção, exigia-se alto nível técnico e ser jovem, e nisto está um elemento de distinção com o

passado da OSRP.

É possível concluir que, ao ingressarem na OSRP, os músicos estrangeiros não

encontraram hostilidade explícita por parte dos músicos brasileiros e desfrutaram de certo status

em função da qualidade que possuíam, ainda que essa estratégia de tê-los na Orquestra existisse

com outros maestros, embora com outra dinâmica.

No entanto, com relação à questão salarial, verificou-se que houve dissensões por parte

dos estrangeiros, os quais inicialmente estiveram submetidos aos arranjos do Dr. Luiz Gaetani,

que lhes provia com moradia e outros bens materiais, porém, arrebatando-lhes metade do salário

– prática semelhante à que se submetiam os imigrantes à lavoura no século XIX.

Nas entrevistas, revelaram-se poucas informações sobre valores e termos contratuais.

Constatou-se que, durante a regência de Roberto Minczuk, ingressaram na Orquestra Sinfônica

seis estrangeiros (um romeno e cinco moldavos, conforme apurado nas entrevistas) apenas no ano

de 1998, os quais juntaram-se a pelo menos quatro outros estrangeiros ingressos em 1991-1992

(um suíço e três búlgaros).

Há um limite estabelecido pelo artigo 352 da CLT, que prevê a proporção de 1/3 do

número de trabalhadores estrangeiros em face ao de brasileiros, bem como, segundo os preceitos

do artigo 354, o estrangeiro que ocupa a mesma função de um trabalhador brasileiro, precisa

receber remuneração equivalente, mas não superior. Com base nas entrevistas, conclui-se que,

apesar do status e do alto nível artístico, em alguns momentos os estrangeiros recebiam

remuneração bem inferior a dos brasileiros, o que causou descontentamento junto à diretoria. Tal

condição foi corrigida, embora não se saiba em que termos, ou seja, havia uma contradição entre

a posição de classe e a condição de classe dos músicos estrangeiros o que provavelmente

colaborou para que não houvesse atritos maiores com os nacionais que permaneceram na OSRP.

É possível aferir que, conforme a entrevista do músico estrangeiro Bogdan Dragan, ainda

que ganhassem pouco no Brasil, a condição que os músicos estrangeiros tinham aqui era melhor

do que em seus países de origem e disso se aproveitou a diretoria, ou seja, da condição de migrar

constrangidos por questões econômicas.

Quanto à contribuição dos músicos estrangeiros, estes foram fundamentais para a

qualificação sonora da Orquestra, pois preencheram posições-chave, sobretudo no naipe de

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cordas, o qual representa a “espinha dorsal” de uma orquestra. Dos seis músicos estrangeiros

ingressos em 1998, cinco eram instrumentistas desse naipe. A versatilidade dos instrumentos de

cordas – violinos, violas, violoncelos e contrabaixos – permite tanto a execução de melodias

lentas e expressivas quanto rápidas e brilhantes. Além disso, às cordas é possível tocar desde

notas graves às agudíssimas, denotando um alcance amplo desses instrumentos.

Enfim, melhorando-se as cordas, a Orquestra “encorpou”, pois esse é o naipe mais

numeroso de uma orquestra. Ao preenchê-lo com músicos estrangeiros de alto nível, tornou-se

uma exigência de Minczuk que os músicos nacionais equiparassem seu patamar técnico, o que

reverberou no aprimoramento do repertório e a apresentação. Tendo em mãos uma orquestra cuja

estrutura compreendia a presença de músicos estrangeiros de alto nível no naipe de cordas e em

outros instrumentos – clarinete, trompa e fagote – conclui-se a intenção de Roberto Minczuk de

criar uma base a partir de estrangeiros, que sustentasse os demais músicos nacionais, que por sua

vez viram-se obrigados a aperfeiçoarem-se a fim de não tornar perceptível a diferença técnica

face aos estrangeiros. Resultou desse processo uma qualificação sonora perfeitamente audível.

Minczuk imprimiu à Orquestra um colorido musical ímpar, ampliando o repertório tradicional

que compreendia sinfonias de Beethoven, Tchaikovsky, Mozart e Schubert, para outro que

abrangia Liszt, Brahms, Villa-Lobos e outros.

Com relação à passagem de Roberto Minczuk, verificou-se que esta foi definida pela

diretoria da ORSP, causando certa instabilidade na Comissão de Orquestra formada a partir da

saída do Maestro Marcos Pupo Nogueira – antecessor de Minczuk. Milton F. Bergo presidia essa

comissão, a qual proporcionou certa autonomia aos músicos quanto às deliberações da diretoria.

Portanto, quando da contratação de Minczuk, os músicos não foram consultados e a partir de

então, viram-se alijados de qualquer participação nas decisões internas da Orquestra. Tal

condição permanece até os dias atuais.

É bem verdade que houve total consenso de que o trabalho de Roberto Minczuk melhorou

significativamente o nível da Orquestra do repertório à execução, de modo a ter recebido elogios

da crítica e os prêmios de Maestro Revelação e Melhor Regente pela APCA – Associação

Paulista de Críticos de Arte. Ambos os prêmios à frente da OSRP, a qual, segundo Jonas Mafra,

chegou a ser considerada uma das melhores orquestras do país.

Por outro lado, a pesquisa evidencia a faceta polêmica de Roberto Minczuk, o qual

submetia os músicos a um relacionamento descrito como despótico, no qual os ensaios e

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concertos eram transformados em ambientes de tensão e extrema exigência por parte do Maestro.

Sobretudo nos ensaios, foi deflagrado um conflito entre Maestro e músicos, onde o primeiro

exercia seu poder ilimitado constrangendo os músicos, os quais toleravam os desmandos em prol

da música – ou aparentemente por este motivo – embora tivessem receio de serem demitidos em

caso de se posicionarem.

Conclui-se, portanto, no recorte temporal estudado (1995-2000), que a passagem de

Roberto Minczuk alavancou a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto a um novo patamar de

profissionalismo, mediante a contratação de músicos estrangeiros e do aperfeiçoamento dos

músicos locais remanescentes. Supriram-se, em parte, carências quantitativas e qualitativas da

Orquestra, de modo que antigas limitações, como deficiências técnicas e repertório reduzido

foram superadas. No entanto, toda a qualidade atribuída ao trabalho de Roberto Minczuk

compreendeu uma atmosfera de exigências e de disciplina, da qual resultou um relacionamento

atribulado com os músicos – sobretudo o Spalla da época, Milton F. Bergo – e aproximou o

Maestro da diretoria, fazendo dessa uma parceria eficiente, descrita como uma “engrenagem

harmônica”, pois o sucesso da Orquestra significava também o sucesso da diretoria, a qual

usufruiu do status que a boa performance do Maestro e da Orquestra lhes conferia.

Em contrapartida, essa relação entre Maestro e músicos pode ser definida a partir do

conceito de ressentimento de classe proposto por Bourdieu, no qual, o ressentimento é verificado

da parte dos músicos, os quais perceberam a ascensão do Maestro Roberto Minczuk no cenário

artístico por meio de sua batuta forte mediante o rigor que imprimia sobre os músicos, fossem

eles brasileiros ou estrangeiros – o que explica a cooperação e a aparente ausência de hostilidade

que existia entre eles. Ao Maestro Roberto Minczuk, a ascensão representou deixar a OSRP após

extrair dela o máximo, em busca de outras possibilidades que oferecessem a ele maior

visibilidade, status e realizações musicais e financeiras.

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FONTES

I. Entrevistas:

BERGO, Milton Fernando. Ribeirão Preto, 07 out. 2009. Entrevista concedida a Julio Cezar

Pecktor de Oliveira

DRAGAN, Bogdan. Ribeirão Preto, 11 set. 2009. Entrevista concedida a Julio Cezar Pecktor de

Oliveira

GAETANI, Lui. Ribeirão Preto, 16 set. 2009. Entrevista concedida a Julio Cezar Pecktor de

Oliveira

MAFRA, Jonas. Ribeirão Preto, 09 set. 2009. Entrevista concedida a Julio Cezar Pecktor de

Oliveira

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

I. Obras Impressas: 1.1 Livros ALBERTI, Verena. Manual de história oral. São Paulo: FGV, 2005 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar: A aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994 BOTTOMORE, Tom B. As elites e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1965 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Brasília: Perspectiva, 2007 CIONE, R. História de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto: IMAG, 1987 DOIN, José Evaldo de Mello, et. al. A Belle Époque caipira: problematizações e oportunidades interpretativas da modernidade e urbanização no Mundo do Café (1852-1930) - a proposta do CEMUMC. Revista Brasileira de História, v. 53, p. 91-122, 2007 LOMBARDI, Marco Aurélio de Sousa. O Rei do Café na Capital do Oeste: Francisco Schmidt e a Modernização Urbana de Ribeirão Preto Durante a Belle Époque Caipira (1892-1920). 2008, Trabalho apresentado no XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão, ANPUH/SP-USP, São Paulo, 2008 MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História Oral: Como fazer? Como Pensar? São Paulo: Contexto, 2007 PAZIANI, Rodrigo Ribeiro. Outras leituras da cidade: experiências urbanas da população de Ribeirão Preto durante a Primeira República. Tempo, Niterói, v.10, n.19, jul./dez. 2005 SANTOS, J. R. Imigração e ascensão social em Ribeirão Preto entre o final do século XIX e meados do XX. 2006, Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu/MG, 2006 STRAMBI, Myrian. 50 Anos da Orquestra Sinfônica em Ribeirão Preto: 1938-1988. Ribeirão Preto: Legis Summa, 1989 THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992

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1.2 Monografias FERNANDES, Thaty Mariana. Atividades Musicais Urbanas em Ribeirão Preto nas Primeiras Décadas do Século XX. Franca: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2008, 80f. (Dissertação de Mestrado) Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Franca, 2008 FERRAZ JR., J. P. A Criação da Orquestra Sinfônica na Ribeirão Preto dos anos de 1930. Ribeirão Preto: Centro Universitário Barão de Mauá, 2006, 48f. (TCC - Especialização), Curso de Especialização em História, Cultura e Sociedade, Ribeirão Preto, 2006 SILVA, Luiza Benedita da. O Rei da Noite no Eldorado Paulista: François Cassoulet e os Entretenimentos Noturnos em Ribeirão Preto (1890-1930). Franca: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2000, 184f. (Dissertação de Mestrado) Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Franca, 2000

1.3 Artigos em meios eletrônicos: DAMIAN, Cláudia Mara. O ouvido absoluto e o ouvido relativo: Vantagens e desvantagens dentro da educação musical. Música sacra & adoração. Disponível em http://www.musicaeadoracao.com.br/tecnicos/musicalizacao/ouvido_absoluto_relativo.htm . Acesso em 08 set. 2009 FERNANDES, Thaty Mariana. Filhos de Euterpe. Arqueologia musical. Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26 .Acesso em 19 set. 2009 FERNANDES, Thaty Mariana. Rei da noite no Eldorado paulista. Arqueologia musical. Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26&ID=163 . Acesso em 26 ago. 2009 FERNANDES, Thaty Mariana. Max Bartsch. Arqueologia musical. Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26&ID=197 . Acesso em 04 set. 2009 FERNANDES, Thaty Mariana. O maestro e o Theatro. Arqueologia musical. Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26&ID=230 . Acesso em 13 out. 2009 FERNANDES, Thaty Mariana. Filhos de Euterpe. Arqueologia musical. Disponível em http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=Columns&Action=Read&IDWriter=26&ID=389 . Acesso em 24 ago. 2009 NETTO, Álvaro R.O. Programação do mês de agosto do teatro Predo II – Ribeirão Preto. Instituto cultural Oswaldo Galotti, agosto/2006. Disponível em http://www.oswaldogalotti.com.br/materias/read.asp?Id=840&Secao=115 . Acesso em 31 ago. 2009 REZENDE, Sidney. Crise na orquestra sinfônica brasileira. Rio+, 2008. Disponível em http://www.sidneyrezende.com/noticia/21020+crise+na+orquestra+sinfonica+brasileira . Acesso em 19 out. 2009 REZENDE, Sidney. Acirra-se a crise na OSB. Rio+, 2008. Disponível em http://www.sidneyrezende.com/noticia/21026+acirra+se+a+crise+na+osb . Acesso em 19 out. 2009

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Antonio Giammarusti, Rua Maestro. Ruas e caminhos: um passeio pela história de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto online. Disponível em http://www.ribeiraopretoonline.com.br/ruasecaminhos_descricao.php?id=529 . Acesso em 26 ago. 2009 Carlos Gomes, Praça. Ruas e caminhos: um passeio pela história de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto online. Disponível em http://www.ribeiraopretoonline.com.br/ruasecaminhos_descricao.php?id=890 . Acesso em 25 ago. 2009 Dicionário de termos musicais. Disponível em http://www.coraldelchiaro.com.br/dicionario.htm . Acesso em 16 out. 2009 Diretor artístico e regente titular. Orquestra sinfônica brasileira da cidade do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.osb.com.br/maestro.php . Acesso em 08 set. 2009 Escola municipal de música completa 40 anos. Teatro Municipal, 2009. Disponível em http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/teatromunicipal/corpos_artisticos/index.php?p=1042 . Acesso em 08 set. 2009 Os naipes da orquestra. Disponível em http://www.prof2000.pt/users/antcond/af7/orquestra/NaipesOrquestra/os_naipes_da_orquestra.htm . Acesso em 07 out. 2009 Roberto Minczuk. Movimento.com. Disponível em http://www.movimento.com/mostraconteudo.asp?mostra=3&codigo=371 . Acesso em 08 set. 2000 Rubens Ricciardi. Movimento.com. Disponível em http://www.movimento.com/mostraconteudo.asp?mostra=3&codigo=1006 . Acesso em 13 out. 2009 SEÇÃO I – Da Proporcionalidade de empregados brasileiros. CAPÍTULO II – DA NACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO. Artigos 352 a 401. Disponível em http://www.sitratuh.org.br/CLT352a401.html . Acesso em 07 out. 2009

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ANEXOS

A Imagens

Dr. Luiz Gaetani Imagem extraída da revista Movimento Vivace – ano 1, nº 03, maio de 2008

Jonas Mafra Imagem de arquivo pessoal (Jonas Mafra)

Bogdan Dragan Imagem disponível em http://www.camaudioemusica.com.brimagensCAMRibeiraoRP07.jpg

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Milton Fernando Bergo Imagem de arquivo pessoal (Milton F. Bergo)

Maestro Roberto Minczuk Imagem disponível em http://2.bp.blogspot.com/_NKaA_xC8MeI/Rs9RfSyrh1I/AAAAAAAAAOA/LZOdZ-na63s/s320/RobertoM.jpg B Entrevistas Luiz Gaetani JC: Estamos aqui no consultório do Dr. Luiz Gaetani...no momento são 15:10. Meu nome é Julio Cezar Pecktor de Oliveira, o nome do colaborador entrevistado é Luiz Gaetani, o nome do projeto é Músicos Estrangeiros à Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (1995-2001), e, é...a Dalva, Dalva...Bueno Marmiroli também está presente neste local. (FALTOU INCLUIR NA MATRÍCULA A DATA E O NOME DO ORIENTADOR DO PROJETO: WLAUMIR DONISETI DE SOUZA) JC: Então vamos começar. Sr. Luiz Gaetani, uma boa tarde... LUIZ GAETANI: Muito boa tarde pra vocês. É...uma satisfação muito grande, de repente servir, essa entrevista para que o público saiba alguma coisa a mais de nossa queridíssima orquestra sinfônica de Ribeirão Preto. JC: Então...quem primeiramente cogitou a contratação de ROberto Minczuk e porquê? LUIZ GAETANI: Nós estávamos no final de 2000 (NESSE PONTO ELE ENGANOU-SE QUANTO AO ANO) é...e surgiu a hipótese de que nós iríamos providenciar a troca de maestros, porque o maestro de até então já tinha havido alguma, algum tipo de...não é incopatibilidade,

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mas...já eram 10 anos que era regente nosso aqui, 10 pra 11 anos, o Marcos Pupo Nogueira, então houve uma situação em que ele é...se obrigou de alguma forma a me procurar para que pudéssemos dar um encerramento e foi isso que aconteceu. Nesse meio tempo, então...o ouvido esquerdo, né, ou o direito, não sei, ouviu do seu Rubens Ricciardi a possibilidade de um maestro que estava regendo em Brasília. Então foi convidado...a vir a Ribeirão Preto saber daquilo que se podia fazer com ele. E isso aconteceu então logo em seguida. E numa determinada tarde, reunida toda diretoria, é e o maestro Roberto então ao lado, perguntando coisas primeira, sem maiores importâncias, etc. Aí, finalmente, quando nós perguntamos da possibilidade de ele vir a Ribeirão Preto, ele ele assentia é...corretamente de vir, gostaria de vir, e a família dele todos sabem ficava em São Paulo, capital, e Ribeirão Preto a São Paulo era muito mais fácil que Ribeirão Preto a Brasília, né ...err...São Paulo a Brasília. De qualquer forma, é...nós nos encontramos nesse aspecto, ele aceitou a formação da nossa orquestra naquela ocasião, tantos músicos existentes, etc. e tal, mais algumas perguntas e finalmente é...eu perguntei diretamente a ele "maestro, qual é o valor, o que que o senhor gostaria de ganhar em Ribeirão Preto"? E foi justamente nesse momento em que eu conheci uma qualidade do Roberto que eu não esquecerei jamais! Foi o seguinte: ele tirou do bolso o holerite, último, dele de Brasília...e disse assim pra mim "Dr. Gaetani, olha aqui o que que eu ganho em Brasília, ta aqui no meu holerite. Se for possível, eu gostaria de ganhar a mesma coisa". Prum homem prum homem fazer uma coisa dessas, mostrar um documento, sem que eu tivesse pedido, uma demonstração de lealdade...que não tem tamanho, quer dizer, o cara diz "olha, o que eu ganho lá é isso. Dá pra pagar isso?" Então, quer dizer "Se não der...até um pouco menos eu venho". Mas, daquilo que ele...que tava no holerite dele, era...aquilo e até mais um pouco que eu até esperava que ele fosse pedir. Então, disse "tá bom, tá fechado, não tem mais problema, o senhor vai ganhar o que ganhava lá. Pronto". Aí começou a Era Roberto Minczuk, com muita alegria pra nós, e nesse convencimento que ele nunca mais...ele me deu um ato que pudesse desmerecê-lo. Sempre com a maior confiabilidade e com a maior honestidade. Sempre trabalhando desse setor. Quando ele tinha que dizer alguma coisa, já dizia "senhor presidente, tá acontecendo isso isso e isso. Por favor tomar providências". E ponto final. Então, a lealdade, o espirito já de comando daquele tempo é...diz bem da capacidade e da intelectualidade do meu queridíssimo Roberto Minczuk. JC: O caráter, né... LUIZ GAETANI: O caráter e coisa. Lógico... JC: Então o senhor já, praticamente, entrou na segunda questão, que foi quem bancou a contratação. Em quais termos... LUIZ GAETANI: Então vamu passar já pra segunda pergunta. Respondendo a tua sua pergunta, eu tenho a dizer a você que...é isso foi bancado...diretamente pela Sociedade Lítero-Musical de Ribeirão Preto, onde eu era o Presidente e que fui o responsável pelos 6 anos que ele esteve entre nós. De maneira que...tudo isso partiu dessa dessa contratação. Naturalmente, no decorrer desses anos, o Roberto me apontou, vez por outra, um ou outro músico que não estava correspondendo à expectativa, que naturalmente ele depositava em todos, mas que tinha alguma alguma coisa a dizer. Então, um ou outro foi realmente, no decorrer desses 6 anos, foram a pedido dele, mas pra mim diretamente e foram substituídos 3 ou 4, 4 ou 5 músicos que no decorrer desse tempo, se fez mister, tecnicamente, que fosse feito. E foi feito, né. Então, a pergunta...respondida, é essa: foi bancado pela Sociedade Lítero-Musical de Ribeirão Preto. JC: É...chegada dele em Ribeirão Preto, o senhor citou a questão da família, que ele é de São Paulo, né. E...ele comentava sobre a cidade, as impressões dele, ele gostava daqui, tinha idéia de ficar também...

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LUIZ GAETANI: Foi...Então respondendo a sua terceira pergunta. O Roberto foi um maestro que sabia se colocar no seu devido lugar. Gostou muito de Ribeirão Preto, tanto que veio casado pra cá, né. Então morou num apartamento da Sinfônica de Ribeirão Preto, na rua Florêncio de Abreu, esquina com...Floriano Peixoto, nós tinhamos lá alguns apartamentos e...nós que eu digo Sinfônica de Ribeirão Preto. Então, um desses apartamentos foi, na transação feita, cedido ao casal. Tanto assim que...logo em seguida nós fizemos também uma visita mais íntima, a ponto de que, é...em determinadas ocasiões, ele me convidava pra ir jantar onde: na casa dele. Não ia pra restaurante, não ir pra lugar nenhum...era na casa dele. Então, tudo...previamente, previamente, aí após, previamente que eu digo, antes de começar a nossa a nossa ceia, por assim dizer, ele fazia uma prece endereçada a Deus. Então isso é outra coisa da maior importância que nós temos que salientar da personalidade dele. E então, também houve ocasião que, a uma determinada hora...é...não me lembro bem pra dizer se era 10 horas, 11 horas, mas não importa. Ele dizia "Dr. Gaetani, agora eu tenho que sair porque daqui eu vou pro meu quarto de estudo. Porque eu tenho que ensaiar tal peça assim assim amanhã, e eu preciso estudar até 3 horas da manhã". Então isso...ele...o caráter de responsabilidade incomum. Ele tá tão feliz com com por ter é estado em Ribeirão Preto que o último filho dele, se é que não teve outro, mas acho que não, o último filho dele, nasceu em Ribeirão Preto. Então aí ele sempre se referia com isso com muita alegria: de saber que um filho dele é...de sexo masculino, porque ele teve tinha duas meninas antes, né, era filho de Ribeirão Preto. Então taí ela (DALVA) pra me comprovando o que eu tô falando. De tal de maneira que...é um maestro que não admitia o músico chegar às 9 e 10 pro ensaio (ELE QUERIA DIZER 10:10)...Quer dizer, o músico entrava, teria que entrar 15 pras 10 pra poder (MOVIMENTOS DE QUEM ESTÁ TOCANDO VIOLINO) movimentar instrumento isso e aquilo lá pra começar às 10 horas em ponto. 10 horas em ponto ele abria o ensaio. Um minuto depois ele olhava com uma cara de quem não gostou do maestro e o músico estava acabando de chegar então "entra entra aí." Tava, faltava, já tinha passado 30 segundos vai das 10 horas. Agora, 10 e 10 não. "Não, o senhor pode ir embora e voltar amanhã". Pronto: pra sentir o senso da responsabilidade. Assim ele agia com todo mundo sem diferença. JC: E...citando isso, o senhor já foi mais ou menos pra 4ª pergunta, que é o relacionamento cotidiano com o Roberto Minczuk, e a maneira de trabalhar era justamente essa... LUIZ GAETANI: Exatamente. Quer dizer, então, e continuando a pergunta anterior já entro na 4ª. Realmente é isso: ritmo de trabalho sempre. Nunca teve preguiça pra absolutamente nada. Compunha de qualquer maneira uma situação desde que tudo aquilo que tinha que que fazer fosse realmente realizado, com a colaboração dele quando necessário, mas realmente um caráter é...assim muito rigoroso no seu na na sua posição, na sua batuta, na no no estudo, na pesquisa, de vez em quando ele ia pro arquivo e queria escolher outra partitura e pintava e bordava, enfim: dedicou-se à Ribeirão Preto e à Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto com a maior alegria. Não é pelo fato que hoje ele é um maestro internacional, é um maestro que tá me prometendo uma visita à Ribeirão Preto fazem 3 anos, mas uma hora dessas ele vem. De maneira que, mas não por isso, é porque naquela ocasião, naquele momento, a personalidade dele era essa e acredito piamente que continua sendo. Porque, pra você trabalhar e pra você querer vencer, tem que brigar inclusive com o relógio. 10 horas não é 10 e 20 nem 11, é 10 horas. E tudo na vida tem que ser desse jeito. JC: E nos ensaios se fosse necessário fazer cara feia... LUIZ GAETANI: Nos ensaios. Com a mesma responsabilidade, com as mesmas situações de interromper, vez por outra ele "para, não, filho, não é bem assim, é assado, vá vá vá..." até um certo limite. E às vezes, ele já comprovei também que, depois de terminado o ensaio aquela coisa toda, ele chamava dois ou três músicos e diz "olha, vocês precisam, em casa, martelar aqui aqui aqui aqui pro próximo ensaio sair melhor". Mas falava assim, como amigo, não como impositor

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ou como, né, não, falava como amigo. Tanto que, daí depois no outro ensaio, aqueles músicos que ele pediu já íam lá com um um...um "tchan" maior, entendeu. Porque reviram a partitura em casa, estudaram, pintaram, bordaram, mas...de um modo que sabe mandar. Porque, o homem quando não sabe mandar, ele dá um tapa na mesa e diz "eu quero assim!", ah, esse não vai pra frente, esse não vai pra frente. Mas sabendo o que diz, você conquista...quase tudo o que você quer na vida. JC: Entendi. E o relacionamento com a diretoria...nesse período. LUIZ GAETANI: Nesse período, um relacionamento também...sem maiores conseqüências porque...tudo aquilo que ele necessitava, ele falava já diretamente comigo. Tá, tinha teosureiro, tinha o contador, tinha isso tinha aquilo mas falava "Dr. Gaetani, estamos precisando disso disso disso". E numa das vezes, devo citar, disse "maestro, mas não dá pro senhor cortar ali?...", disse "Gaetani, não dá. Eu preciso." "Tchau, até amanhã se Deus quiser"...Na verdade ele precisava de mais dois músicos, né, e eu falava "mas não dá pra ficar er...", "Gaetani, não dá"...Entendeu? JC: Curto e grosso... LUIZ GAETANI: É é Curto e grosso..."Não dá". Não tinha lenga lenga. Você não tava gravando agora não né? JC: Então, tô, mas... LUIZ GAETANI: Ah, tudo bem! Mas é que tinha um músico lá que, tava lá, contratado, coisa e tal, tocava três notas, né "pum, pim, pum", acabou a função dele. Então eu disse "de repente você pode cortar um ou outro aí, não pode?", "Não, Gaetani, não pode. É isso aí. Tchau. Até amanhã se Deus quiser". Recebeu o salário dele, sempre recebeu piamente, religiosamente, etc etc e tal, de maneira que eu tenho que só...é...dizer a você o seguinte: que foi muito agradável APRENDER com ele também como se lida com gente, como que...entendeu? Porque ninguém é...tá subalterno a ninguém. Cada um é uma individualidade, é um indivíduo, tem que merecer o respeito devido. Entende. Trabalhava, dando a cada músico o seu respeito, o...determinado respeito que ele tinha com todos. Evidentemente que, uma vez ou outra, aconteceram alguns pequenos detalhes, que ah...quer dizer que foram um pouco mais agudos, né, que faltava uma coisa, que isso e pra aquilo, isso aí num conceito geral, horário, isso, aquilo, se ía ensaiar no Pedro II às 9 horas, se ía ensaiar às 10, porque que não pode ensaiar até à 1, mas isso é coisa normal em qualquer em qualquer atividade em que a pessoa ela...dizia "olha, o ensaio lá termina meio-dia, mas eu precisava alongar um pouco", "tá bom, eu vou telefonar lá, dizer pro Teatro que precisa alongar um pouco o ensaio". E aqui ocorreram só coisas dessa ordem, mas sempre digno, correto, decente e...deixava claro pra quem quiser abraçar. JC: Então, o senhor falou que ele lutava pela dignidade dos músicos... LUIZ GAETANI: Claro... JC: Ele chegou a trocar uma idéia buscando melhorias pra condição dos músicos em termos de salário?... LUIZ GAETANI: É, isso é uma questão que vez por outra ele falava comigo. Mas eu não deixava também prosseguir muito porque às vezes eu..."Dr. Gaetani, quem sabe o senhor consegue dar uma melhoria geral aí, financeira. Um aumento porque o pessoal tá ganhando pouco, etc. e tal, precisaria estudar um jeito", e a gente estudava. Nem sempre com êxito total. Às vezes num momento seguinte eu dizia "olha, eu consegui subir...um xizinho qualquer pra cada um. Tudo bem?", "ah, tá aumentando, já melhorou...aquilo que eu imaginei ou daquilo que eu imaginava". De qualquer forma, a gente foi acomodando. Quer dizer, nunca houve um...uma época assim absolutamente satisfeito...para com os músicos...da condição. Porque nós tínhamos passado de um período...de músicos...amadores pra profissionais. Qual diferença que foi em 77, 76, eles eram todos amadores. Amadores de 20 anos, de 30 anos, de 40 anos, eu vou te mostrar aqui uma

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foto...que muito me sensibilizou e que é o seguinte (FOLHANDO A ÚLTIMA EDIÇÃO DA REVISTA MOVIMENTO VIVACE, DA OSRP)...quer ver? Vou te mostrar aqui. Eu vi nessa revista três dois três dias atrás. É...inclusive tá aqui...não...não...ué...Luís Baldo, cem anos! Esse homem, em mil novecentos e...57, 58...era carteiro...dos correios e telégrafos. E ele levava correspondência em casa. E ele foi assim "Dr. Luiz, o senhor não gostaria de ficar sócio da Sinfônica?", disse "eu gostaria sim." "Ah, coisa e tal..." então, ele anotou, coisa e tal, então no mês seguinte então alguém...é...relacionar valor e coisa e tal. Então esse homem, que desde essa época, e até muito pouco tempo...ele, não digo muito pouco tempo, mas eu vou lembrar um pouco melhor. Ele foi o...violinista Spalla da orquestra...não sei se sabe ou se você imagina mais do que eu o tempo. Eu sei que ele foi...um tempo longo, né, o Spalla da Orquestra Sinfônica de Ribeirão. JC: Década de 50 talvez?... LUIZ GAETANI: Não, 50 não. Teria que ser tudo depois de 66...76... JC: 76... LUIZ GAETANI: 76. Antes até o Spalla não era ele, depois mudamos, mudamos não, o Spalla, que era um belíssimo de um violinista, mudou-se pra São Paulo, etc. e tal, foi tocar numa orquestra maior, saiu, então o Baldo subiu à condição de Spalla e assim foi até ele se aposentar. Muito bem, então, essa orquestra que era amadora...começou, gradativamente, fazer o...os acertos, né. Que acertos? Algum músico que dizia o seguinte: "mas, doutor, porque que eu tenho que...me profissionalizar?" "Porque eles não pagavam, os ensaios não vai ser um por semana, vai ser três por semana, então vocês tem que abdicar de alguma tarefa que vocês tem lá fora, pra que tudo isso se faz necessário...alguma coisa nesse sentido, né"...Então todos eles, uns aceitavam um pouco menos, aí então alguém dizia assim "mas, doutor, eu trabalhei nessa orquestra 25 anos e eu vou sair de mão abanando? O senhor vai me registra amanhã?" E a..."E o passado?" "Gente, o passado não existe, porque vocês eram amadores". Então acordos aqui, acordos ali, um pouquinho mais, um pouquinho menos, um não sei o que, e todos eles foram cedendo à profissionalização. Um deles, inclusive, me disse o seguinte: "Doutor, eu tô aqui mais uma vem em junho...eu amo tanto essa orquestra que eu quero sair sozinho...eu não quero mais tocar. Mas me dá 6 meses. Então eu vou deixar minha profissão de músico em dezembro, nós estamos em junho, então em dezembro eu saio, mas saio e viro as costas...não do té logo pra ninguém porque..."(DR. GAETANI FICA EMOCIONADO) (SE RECOMPÕE) A gente pegou gente de todo tipo. Tipo assim...e realmente esse senhor...ele ele era fotógrafo. Era do tempo que fazia fotografia na praça, na praça. Quando foi dezembro, "doutor, muito obrigado...até amanhã". Ficou lá trinta e tantos anos...não quis um centavo. JC: E nunca mais... LUIZ GAETANI: E nunca mais. Nunca mais vi...nunca mais vi...É... JC: Quem que foi, Sr. Luiz? LUIZ GAETANI: Então, agora queria até lembrar o nome dele porque...(PAUSA, COMEÇA A PROCURAR ENTRE SUAS ANOTAÇÕES DE AGENDA)...deixa eu ver uma coisa, deixa eu ver se consigo...peraí, primeiro eu quero a minha minha agenda...era o...era o...(NÃO ENCONTRA O QUE PROCURA) LUIZ GAETANI: Bom, se eu fosse nominar um músico, eu teria que nominar vários, né. Porque muita gente deu a mão. Eu achava melhor não citar, porque senão vou citar um, mas tem muitos músicos, eu queria finalizar assim, que desse muito àqueles antigos amadores, que realmente lutaram, brigaram e tocaram durante muitos e muitos anos... DALVA: Foi o corpo da orquestra...

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LUIZ GAETANI: É...entendeu, que foi aquilo que veio a sustentar depois o que foi o que é o profissional hoje etc. etc. e tal, né. E...e aí é um tempo na orquestra que, como havia cento e poucos sócios, então a senhora que é daquela época (REFERINDO-SE À DALVA) que deve saber dessas histórias, que chegava em junho, o presidente, um deles que não vou citar aqui agora, um dos presidentes anteriores...quer dizer "quanto tem no caixa?", "15 reais, 15...real", "divide entre os músicos aí, dá o que der pra cada um, pronto, acabou". Era assim, era assim que vivia. E assim foi esse tempo: "junta aí tudo o que tiver de dinheiro, divide pros músicos aí e pronto". Então essa era a coisa, hoje os tempos são outros, né, as responsabilidades são outras, e...as exigências são outras, e mais do que isso: o que entra na cabeça de cada um, cada um tem que responder por ela. JC: Sem dúvida. Dr. Gaetani, junto com essa pesquisa da Orquestra, existe outra que tá surgindo também, pro ano que vem, porque a Dalva está no 2º ano, e ela queria lhe fazer uma pergunta também. LUIZ GAETANI: Certo. Faz. Lógico! DALVA: Dr. Luiz, eu gostaria de saber o que o senhor poderia colocar à respeito das bandas de coreto. O senhor é natural de Ribeirão Preto? LUIZ GAETANI: Sim, nasci daqui... DALVA: Então o senhor deve lembrar na sua adolescência... LUIZ GAETANI: Banda que existia aqui era a banda do 3º BP, que era à São Sebastião, esquina com a 7 de setembro. E ali teve inclusive um dos maestros, que Alfredo...Alfredo não sei o que, era o chefe da banda, o regente, e regeu a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto. É...o primeiro nome dele é... DALVA: Não é Stabile? O Stabile veio depois... LUIZ GAETANI: Quem? DALVA: Dr. Stabile. Foi um maestro... LUIZ GAETANI: Não, o Stabile foi antes. O Stabile veio pra Ribeirão Preto...vem cá ver uma coisa, vem cá ver uma coisa. PAUSA NA GRAVAÇÃO (DR. GAETANI LEVANTA-SE, E NOS CONVIDA ATÉ UMA OUTRA SALA NA QUAL MANTÉM ALGUMS OBJETOS RELACIONADOS À ORSP. MOSTRA-NOS UM DIPLOMA CONFERIDO AO MAESTRO IGNÁCIO STABILE NO ANO DE 1931. SOBRE ESTE DIPLOMA, EXPLICA QUE NÃO SABE COMO CHEGOU ÀS SUAS MÃOS E QUE CABERIA DEVOLVER À ORSP NUM MOMENTO POSTERIOR) DALVA: E o senhor pretende, Dr. Gaetani, levantar isso num histórico de Ribeirão Preto?... LUIZ GAETANI: Não vai ser fácil não hein, isso aí, hein. DALVA: Não? LUIZ GAETANI: Não, porque, só de dados do coreto, só de dados do coreto eu me lembro do 3º BC, que fazia as celebrações do coreto...na Praça XV... DALVA: Quantos coretos tinha? Na Praça 7... LUIZ GAETANI: (PAUSA) Sim, tinha na Praça 7, tem na Praça XV, tinha um coreto lá em cima...aqui perto da... DALVA: É porque eu não sou de Ribeirão... LUIZ GAETANI: Ah, você não é, então na Praça XV...tinha também um coreto na esquina, ainda existe até hoje, só que não é ocupado. É na esquina, é na Ribeirânia, é o segundo coreto, o coreto da Praça, o coreto da...lá na Vila Tibério também tinha um coreto, mas não sei te dizer agora...Isso eu me lembro assim de passagem. Mas aí precisa ver e pesquisar um pouco... DALVA: Mas o senhor lembra mais ou menos quantas bandas de coreto tinha?

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LUIZ GAETANI: Não posso mentir pra você, não vou, na verdade não é que posso mentir, não posso chutar não. Não vou chutar porque...de repente a gente tá falando besteira. Então precisa de....procurar mais... DALVA: Eu vou procurar no Arquivo, porque no Arquivo tem algumas coisas... LUIZ GAETANI: Deve ter deve ter. O que eu puder ajudar, com a maior alegria, porque...a gente ta aí e está pronto pra... DALVA: Eu sei, Dr. Luiz...Rever o passado. LUIZ GAETANI: Eu queria lembrar...falar um negócio...esse cara, ele tocava viola e...sobrenome Seabra... CÁSSIA - SECRETÁRIA DE GAETANI - INTERROMPE A ENTREVISTA TRAZENDO INFORMAÇÕES SOBRE A CHEGADA DE ALGUNS MÚSICOS BÚLGAROS. CÁSSIA: Dr. Gaetani, licença aí. É que eu descobri... LUIZ GAETANI: Você descobriu? CÁSSIA: A Beti. A Beti da Casa do Vovô, trabalhava lá, LUIZ GAETANI: Trabalhava lá... CÁSSIA: ...aí ela falou assim que ela não lembra se foi no final de 91 ou começo de 92, porque o filho dela nasceu, quando o filho dela nasceu já tava cheio de búlgaro que ía lá brincar com ele de bebezinho que ela levava ele no carrinho... LUIZ GAETANI: É isso mesmo... CÁSSIA: Ou fins de 91 ou começo de 92... LUIZ GAETANI: 91 ou 92...é isso mesmo... (A DALVA AGRADECE A AJUDA E DIZ QUE A PESQUISA DELA NÃO É A PRIORIDADE E ELE AINDA FALA DAS BANDAS QUE LEMBRAVA) JC: A última pergunta... LUIZ GAETANI: Mas já não foi a 5? JC: Agora é a última. LUIZ GAETANI: (COM BOM HUMOR) Ô meu Deus do céu vamu vê... JC: Tem a ver que o senhor levou a gente ali na sala que tem suas relíquias e eu vi ali no canto o...acho que o é a fita de despedida do Minczuk. LUIZ GAETANI: Ah, tenho tenho tenho... JC: Queria que o senhor falasse um pouquinho dessa ocasião e um pouco sobre as razões para a saída de Minczuk da Sinfônica. JC: Concerto de despedida e razões pra saída de Minczuk... LUIZ GAETANI: Sim, houve porque é...isso. Naturalmente que o...Roberto Minczuk...já tinha, já aqui em Ribeirão Preto, a gente já tinha assumido também com a orquestra com a OSESP de São Paulo, já tinha assumido um compromisso de tá presente lá...é...não sei quantos dias por mês, sei lá o que, mas tinha que...ele era auxiliar do...Neschling, né, então ele tinha que tá presente. Então aí começou já a...a mobilizar alguma coisa. Por outro, ele também tinha aspirações maiores...ele sabia por exemplo "eu...eu quero tocar minha vida, eu quero tocar minha vida". E é...houve realmente, vamos dizer assim, um mal-estar entre dois, três músicos com ele. E com alguma culpabilidade minha, entendeu, porque...um músico lá, uma determinada, esse troço você não, isso aí você não...nada não... JC: Ó...é... LUIZ GAETANI: Eles, não é que se indispôs. Houve uma um ato um pouco ilícito de dois ou três músicos aí ele não gostou muito da história né. Então foi quando ele...mas isso passou, passou, esse probleminha passou, o músico continuou tocando, mas também trocou de estante,

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ele tava aqui na frente, foi sentar lá atrás. Foi um desrespeito pra ele, vai, pronto. Foi exatamente um desrespeito. JC: Sim... LUIZ GAETANI: Então o Seabra (VIDE MYRIAN STRAMBI, p.100) me deu uma lição violenta, né. Fazia viola. Então quando a gente fala de um violino e não sei porque e não sei do que, "ô, Seabra, violinista é quem faz violino, viu, não faz viola não", falava o maestro. "É, mas eu tô destreinado", "você vai fazer violino", e ía fazer violino. "Mas não sei o que vai fazer viola de novo". Então era um cara que...tamanha... DALVA: Já era músico, é... LUIZ GAETANI: Não chiou, não reclamou, não pintou, não fez..."Doutor, eu vou tocar mais uns meses aqui, antes de dezembro ou dezembro eu saio, tá bom?". "Você que sabe, Seabra, vamu lá". "Não, não quero nada. Eu quero...eu quero ir pra minha casa". Tem gente e tem gente... DALVA: É verdade... JC: É. E a saída do Minczuk?... LUIZ GAETANI: E você que tá tá nascendo né...só cuida, prestar muita atenção naquele aspecto assim que o seu "sim" seja "sim" e o seu "não" seja "não", porque se fizer média, no fim da história é você que se ferra. Não pode fazer média. Com carinho, com educação, "isso aqui pra mim tá errado", "mas eu acho que tá certo!", "você acha? eu acho que tá errado". E pronto. Agora pra fazer média com o cara lá "ah, eu acho que ele tem razão, eu acho que eu também...". Aí já é conversa né...Tem uma parte da vida que às vezes, você às vezes, não sei se você concorda, mas você é obrigado a mentir. DALVA: Ah, sem dúvida. LUIZ GAETANI: Você tem um patrão, por exemplo. Que você tá empregado e de repente ele ferra com você, não sei o que, não sei o que lá, "pois é, né, eu vou, não, eu vou fazer diferente sim e nenenene e vai"...Agora, quando você chega numa determinada idade, né, que é a nossa (REFERINDO-SE À DALVA), daqui pra frente coisa e tal, eu falo o que bem entender, porque aí eu falo o que eu bem entender. Se gostou, gostou, se não gostou, gostasse. DALVA: A gente fica mais crítico, né Dr. Luiz? Fica muito mais crítico... LUIZ GAETANI: Claro. Mais responsável, mais crítico. Quer dizer, entaõ quando você fala que seu "sim" é sim e seu "não" é não, deve ser feito com uma base, científica, acadêmica, serial, seja lá o que for, que você tá convencido que aquilo que você tá defendendo é o certo. DALVA: Exatamente. LUIZ GAETANI: Também você falar besteira só, também não pode, precisa falar com base. Agora, dentro daquela base...pra fazer uma atividade, diz "olha, eu vou defender esse ponto de vista e ponto final". "E vou morrer com ele"...Né, então... JC: Sr. Gaetani... LUIZ GAETANI: Desculpa a incomodação...fale. JC: Pra finalizar, desculpe. LUIZ GAETANI: Não tem nada que desculpar... JC: A gente, chegou um momento que desviou um pouco... LUIZ GAETANI: Desviou um pouco... JC: Então, sobre a saída do Minczuk, como que foi?... LUIZ GAETANI: Ah, pois é! Então, é, como falei pra você, foram pequenas coisas. Primeiro que já tinha alguma obrigação mais com...em São Paulo. Segundo que ele já começava a ser convidado pra reger a orquestra não sei da onde. Então ía, reger lá, era o titular daqui, mas ía reger lá e voltava. Então isso tudo foi trazendo uma uma visão pra ele que a coisa não ía ficar em Ribeirão Preto. Entendeu. Não ía ficar em Ribeirão Preto. Quer dizer, é, e queria alguma coisa,

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ele cheirava coisa mais alta e foi o finalmente. Naturalmente havia esse episódio do...do Bergamo (MILTON BERGO) e ajudou um pouco também né, porque a gente naquela coisa, o Bergamo nasceu lá dentro. Tinha 10 dez anos, estava já estava ensinando estudando o Paulo (BOSÍSIO) estava ensinando violino pra ele. (TRECHO NÃO COMPREENDIDO - 30'50" até 30'52'') tornou-se Spalla, então foi um cara sensacional, com pouca estudo com pouco estudo, mas ele era realmente um cara diferenciado. Então, quando aconteceu esse esse entrevero com com o maestro, né, e com toda razão ao maestro, porque ele falou o que não devia ter falado...então vai, acomoda daqui acomoda dali, vai daqui vai dali, então eu pedi pro maestro, coisa e tal. Falei pra ele "ó, como é que nós vamos fazer com o Miltinho, não sei o que, e pipipi pópópó"...disse "ó, Doutor...põe ele na última estante, vai, pronto". Então quer dizer "já que você tá pedindo, né", eu não cheguei a pedir, mas ele disse "ó, põe ele na última estante". E foi foi feito. Foi colocado na última estante. O certo seria fazer uma reunião, chamar o Miltinho e dizer "ó, vem cá, assina aqui que tamu te mandando embora"... DALVA: Ainda deu uma chance, né. LUIZ GAETANI: Deu uma chance... DALVA: Eu lembro do do...da apresentação, quando ele sentou lá atrás e eu olhei falei "nossa, o que será que aconteceu?", eu lembro perfeitamente... JC: Foi na inauguração foi no concerto de reinauguração do Teatro? DALVA: Não, não... LUIZ GAETANI: Não, acho que não foi não. Não porque eu tava lá no fundo e não era não era o concerto de reinauguração não. Foi uma outra ocasião. DALVA: Não, não foi não. JC: Mas o Spalla que entrou no lugar dele foi o Petar, né? O búlgaro? LUIZ GAETANI: Talvez foi. O búlgaro... JC: É né... DALVA: Ele é filho do casal búlgaro, né? LUIZ GAETANI: Quem? DALVA: Esse, o atual Spalla, o Petar, ele é filho do...ah não...ah não... LUIZ GAETANI: Não não. Não, o Peter o Peter, hoje o filho do Peter, que é o Spalla, ele estudou violino coisa e tal e tá numa orquestra aí em São Paulo, não sei nem se com mãe e pai aqui, não sei se ele veio ou não, mas acho que não... JC: E outro, depois... LUIZ GAETANI: Aliás, me desculpa o que eu tô falando, não é não é não é...não era Peter não...é do outro búlgaro... DALVA: Do Iliev... LUIZ GAETANI: Ilia, Ilia. O Ilia que tem um filho que tem 18 anos e que...já com 11, com 11... DALVA: Já tá tocando no Domingo tem Concerto... LUIZ GAETANI: Parece que é isso parece que é isso... DALVA: Com 11 anos. LUIZ GAETANI: E hoje ele tá em São Paulo, bem, não quer sair de lá e tal. Não sei se amanhã ou depois o Ilia e a mulher dele que também toca cello na na Sinfônica não sei se não mudam pra São Paulo. DALVA: Eles são os únicos búlgaros que permanecem? LUIZ GAETANI: Eles são. O Ilia e a mulher dele, a mulher dele veio depois, veio depois de um ano, que ele tava sozinho aqui. JC: E ele veio em 91, 92?

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LUIZ GAETANI: 91, 92. Porque alguns vieram sem as esposas. Era pra vir sem as esposas, o contrato era por músico. A passagem era por músico, não era pra mulher nem pro filho. Então devagar alguns músicos trouxeram, depois de seis meses, oito meses, aí conseguiram arrumar não sei como, fui lá na Varig, pedi duas passagens, um rolo desgraçado. Então veio a mulher do Ilia... DALVA: A Elina veio nessa aí... LUIZ GAETANI: A Elina. Entendeu... JC: Que foi Spalla depois. DALVA: Foi Spalla. LUIZ GAETANI: Foi Spalla depois, exatamente... DALVA: O marido dela... LUIZ GAETANI: O marido dela, entendeu. E até hoje tem na orquestra um búlgaro... DALVA: O Bogodan (BOGDAN DRAGAN, QUE NA VERDADE É UCRANIANO), né? LUIZ GAETANI: O Bogodan, cuja esposa é regente do coral. JC: É a...Niszhana (PRONUNCIA-SE NISJANA), né? LUIZ GAETANI: Como é que ela chama? JC: Acho que é Nis-Jana. É um nome esquisito... LUIZ GAETANI: Nisjana, é. É, ela veio também depois de quase um ano que...o Bogodan tava aqui. Aí ele falou "ó, doutor, aqui não fico mais, eu vou embora", não sei como é que foi também que nós arrumamos uma passagem também pra mulher dele. Então ele trouxe mandou buscar a mulher. Então tem muita historinha pra gente...botar em dia e depois contar mais um pouco. JC: Tá. Mas o então o Minczuk ele saiu pra almejar novos... LUIZ GAETANI: Sem dúvida. Você pode muito bem sintetizar desse jeito... JC: Não teve atrito...com a diretoria, com o senhor... LUIZ GAETANI: Já não, comigo não! Comigo não! Comigo foi na boa, foi tudo tranq(UILO), tanto é que fizemos um concerto de despedida. Aí o concerto de despedida foi monumental, ele regendo, coisa e tal e...homenagem daqui, homenagem dali tarará. DALVA: Ele citou parte bíblica, né, porque ele é evangélico. LUIZ GAETANI: É evangélico, aquela coisa toda. DALVA: A mesma igreja que eu freqüento... LUIZ GAETANI: Ah é? A Rosane já fazia isso. E quando...eu fiquei sabendo, não sei como é que foi, que ele gostava muito de um relógio...Patek Philippe, Philippe Patek, como é? Uma daquelas marcas mundiais e então pensei "o que dou, o que não dou?", acabei indo lá lá na na loja do Dr. Francisco lá, que tinha aqui em Ribeirão, e comprei um relógio pra ele, né. Ele gostou muito, aquela coisa toda e tal. E a Gabriele também fez uma homenagem pra mulher dele, deu não sei o que pra ela... DALVA: A Valéria, a Valéria... LUIZ GAETANI: Valéria! Isso...então quer dizer, saiu na na numa fase muito boa, né. Agora, queria outro, queria alçar outros lugares. Já que não eram só os compromissos em Ribeirão. Se você quiser...é, passou a ter alguns compromissos já fora de Ribeirão Preto junto com a OSESP e alguns outros lugares até que realmente...chegou a hora de alçar vôos mais altos. Mas "eu quero ir na boa", sem nenhum problema. E o problema do Miltinho isso não é nada nada nada... DALVA: E isso é um problema que acontece em toda orquestra... LUIZ GAETANI: Em toda orquestra. E depois não tem nada a ver uma coisa com a outra. Ele teve um atritozinho lá, um atrito não...ele...o Miltinho desrespeitou ele...não sei como lá, falou o que não devia, sei lá, alguma besteira, e ele não gostou, claro que não gostou! Mas isso também não foi motivo pra...pra ir embora, né. Então disse "bota ele na última estante", foi o que eu fiz.

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Então, não sei se certo ou errado, hoje eu não sei se tá certo ou errado, mas foi o que eu fiz pra poder conciliar um pouco. Mas ah, o coisa dele é que ele já tinha... DALVA: Já tinha convites, né... LUIZ GAETANI: Já tinha convites... JC: Campos do Jordão também... LUIZ GAETANI: É...convites, isso e aquilo que determinaram... DALVA: E também Nova York... JC: Nova York. LUIZ GAETANI: Exato. Isso mesmo. Acho que foi quando ele fez uma ida a Nova York...não me lembro bem, mas acho que foi...regeu lá e o maestro de lá... JC: O Kurt Masur... LUIZ GAETANI: O Kurt Masur falou "você vem pra cá"...um negócio desse mais ou menos... DALVA: Já fez um contrato e tal... LUIZ GAETANI: Isso... JC: E a fita quando teve um...um concurso, ele usou a gravação da Sinfônica de Ribeirão... LUIZ GAETANI: Isso eu não sabia, isso eu não sabia... DALVA: O trabalho dele... JC: Tamanha a qualidade do trabalho que tava fazendo e não da OSESP. DALVA: É ele renovou a Orquestra, sem dúvida, sem dúvida...isso você pode colocar assim, porque qualquer ribeirãopretano sabe... LUIZ GAETANI: Sem dúvida nenhuma, quer dizer...A orquestra...ANTES DO ROBERTO E DEPOIS DO ROBERTO. DALVA: Exatamente. LUIZ GAETANI: Você pode citar, palavra minha. DALVA: Eu acompanhei bem, eu acompanhei bem... LUIZ GAETANI: Apesar de sempre...é...progredir, foi uma antes e uma depois. DALVA: Eu acompanhei bem... LUIZ GAETANI: Você sabe disso, você acompanhou... JC: Então vamu...Muito obrigado, Dr. Gaetani... LUIZ GAETANI: Não tem que agradecer...naquilo que a gente puder colaborar...às ordens. Bogdan Dragan JC: É estamos aqui, na residência do Bogdan Dragan...é...hoje é 11 do 09 de 2009 e agora são exatamente...2 horas e 27 minutos. O nome do projeto é Músicos Estrangeiros à Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (1995-2001). O nome do colaborador entrevistado é Bogdan Dragan...o nome das pessoas presentes - não, não existem pessoas presentes no momento -; o nome do entrevistador: Julio Cezar Pecktor de Oliveira, o nome do orientador: Wlaumir Doniseti de Souza. JC: Bogdan...boa tarde. Vamos começar a entrevista. É qual o seu país de origem e sua trajetória musical? você pode falar um pouco da sua formação... BOGDAN DRAGAN: Ah eu sou ucraniano...e...nasci na Ucrânia, estudei música desde os 6 anos, nasci na família dos músicos...é...não tinha escolha, sabia que vou ser músico. É...e, estudei vários instrumentos...mas o clarinete tem é o meu instrumento mais estudado. E... JC: Começou com o piano... BOGDAN DRAGAN: Comecei com piano aos seis anos, depois...mudo pro clarinete, depois eu...quis aprender outros instrumentos, mas foi já só pra mim, pois continuava a estudar clarinete.

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JC: Que legal. Quais outros instrumentos você aprendeu? BOGDAN DRAGAN: Mais violão, sax...um pouquinho de bateria, um pouquinho de baixo, assim, guitarra...toquei rock. JC: É mesmo? Que bacana...que legal. BOGDAN DRAGAN: Então...é, e lá...na Ucrânia é assim, você estuda cinco anos escola de música, depois colégio de música, quatro anos, e depois...o conservatório, que é academia de música, que é a faculdade. Então você tem 15, 16 anos pra virar profissional. JC: Olha só, é bastante...e você estudou no conservatório Tchaikovsky, em Kiev? É né? BOGDAN DRAGAN: Sim, sim. É...tinha um bom professor, que era solista na orquestra de ópera...então...foi boa experiência. Trabalhei bastante lá também no teatro de ópera. JC: Legal...com é com mais ou menos, assim, você se dedicou mais ao clarinete com a partir da adolescência... BOGDAN DRAGAN: É, a partir de 10 anos. Mas direto ainda estudei clarinete e piano até...vinte e poucos... JC: Profissionalmente você tocou em casas de ópera... BOGDAN DRAGAN: É, toquei na na sinfônica...de Kyiv...no teatro pequeno de ópera do balé de Kyiv. Porque tem o teatro grande e o teatro pequeno, que...a diferença é que o pequeno toca as peças infantil também...as óperas infantil. É, vai orquestra de câmara, conjunto, quinteto de sopros...na filarmonia filarmonia de de Kyiv, não é filarmônica, não é orquestra sinfônica, é uma organização chama-se filarmonia...filarmonia de Kyiv, e lá tinha quinteto de sopros profissional e trabalhei lá oito anos. JC: Legal, legal...É Bogdan, como foi o contato com Roberto Minczuk e...é Minczuk, né? BOGDAN DRAGAN: Minczuk. Minczuk. Na Ucrânia a gente falaria Minczuk... JC: Minczuk, né. Eu falava Minczuk e agora uma uma colega fica falando Minczuk Minczuk, eu acabei pegando. Mas é Minczuk. E a razão da sua contratação. Como que foi sua chegada à Sinfônica de Ribeirão Preto...é através do Min Minczuk Minczuk. Como que foi? BOGDAN DRAGAN: É...em 98 que eu cheguei...foi a história mais ou menos assim...É...a união soviética acabou em 91, foi época muito difícil. Para o país. E...piorava todo ano no sentido de politicamente, no sentido...hmmm...economicamente porque uma que foi uma bagunça porque, 70 anos que o país não tinha...é...não tinha...os políticos não sabia cuidar do seu país, porque foi sempre mandado, então foi mais ou menos assim, depois quando virou...você virou dono da casa, não sabia cuidar casa, mais ou menos assim. Aí, quem sofreu mais...os artistas, os profissões que não tem...é...não tem é que...não é coisa materialística: artes, ciências e tudo. E...98 foi época quando atrasava muito os salários. É...às vezes iria até dois anos atrasado. Nosso teatro foi até seis meses...atrasado salário. Mas, naquela época Roberto Minczuk já já chegou...em Ribeirão...e...mas esta orquestra tava bem amador...desde de 30 e... JC: 8... BOGDAN DRAGAN: Aí ele, ele...não sei exatamente...acho que foi primeira tentativa dele de reger, depois de tocar trompa ou uma coisa assim... JC: A segunda experiência dele. A primeira foi na UNB, a orquestra de Brasília, e a outra na de Ribeirão... BOGDAN DRAGAN: Então...eu sei que antes de nós, tinha ainda búlgaros que ele trouxe. Aí...ele...mandou uma pessoa pra lá que ele conheceu lá, um Boris de Moldávia, um país perto da Ucrânia, pequeno. E o Boris que tá procurando músicos nessa época em 98. Acho que ele foi pra Ucrânia, pra Bielo-Rússia, pra Rússia, porque eles precisavam bastante músicos. E, pelo que eu sei que...ele queria nível bem alto...e...ele queria jovens...não sei porque, talvez porque mais fácil né, mexer com jovens, mudar país, assim, talvez até sem família, ele queria, mais fácil de mudar,

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de trazer pessoal. Pelo que entendi, alguns brasileiros não queria ir pra cá, por causa que periferia, que não tem outros cachês, outros trabalhos, o salário, não sei, ou ele queria...mesmo pessoas estrangeiros, não sei. Aí o Boris lá, tava procurando músicos, achou alguns músicos em Kyiv. Pediu pra gravar e ouvir a fita. E ele mandou pra cá. Então o teste foi feito com fitas. Que o Roberto Minczuk pediu qual trechos que ele queria que ele queria que toca. Então foi combinado...a programa mesmo. Então foi assim, e eu mandei ouvir a fita...e ele fez teste e eu fiquei feliz depois saber que eu passei, parece que de 40 sopros, só eu que passei...que me falaram, não sei também se foi isso, mas o Spalla da orquestra na época, o Petar...ele me falou isso...que ele também tava nesse teste. JC: E quando você...acabou vindo assim, escolhido, você tava numa situação difícil, né, que você já ía partir pra outra... BOGDAN DRAGAN: É, foi isso...tava tão complicado que...que...apertou demais...e que eu já tinha nenê. E...e eu resolvi, parar com música porque...tinha que mudar a profissão. Mas meus pais músicos, e eu desde 6 anos músico, a esposa música, pai dela, todos, já é uma tradição...então é...mas foi época bem complicada. E ainda a gente morava na república que eu estudava no conservatório...que...e daí pensei daqui a pouco termina...não vou ter mais república e que vou fazer. Salário atrasa e tudo e...você não sabe o que que você vai comer amanhã. Mas não fome assim não, foi instabilidade. Ninguém morria de fome. Mas foi isso, e quando você tem vinte e poucos anos, tem família, já se pensa no dia de amanhã. Mas eu acredito em força superior, que me salvaram. E aconteceu assim que quando eu parei...com música, fui no teatro devolvi meus instrumentos, que eles emprestam. Lá muito difícil foi comprar seu instrumento mesmo. Então o...o governo cuidava, os orquestras profissionais tinham instrumentos bons pra emprestar, enquanto você está trabalhando. Então eu...imagina...ontem eu...fui no teatro e falei que...vou vender geladeiras, porque não aguento mais e tudo, devolvi clarinetes. E hoje...tá me ligando Boris, daqui de Ribeirão ele me ligou e falou "você passou no teste, você pode ir pro Ribeirão Preto", eu nem consegui falar essa palavra. Falei "que"? Nem nem...porque português é difícil lá. Espanhol às vezes a gente escuta, mas português não existe, é muito complicado. Aí falei que não acreditava, ontem eu parei com música. Ontem. "Como parou com música"? Eu falei olha...não dá mais, difícil e...eu tenho família e tal. Ah ele falou "pensa bem, porque ali você vai ter um salário...muito melhor que você tem", na época foi acho que uns $500...isso foi metade do que brasileiro ganhava, porque, não é por preconceito ou nada, é porque...o Luiz Gaetani na época, ele...pensava assim "quando estrangeiro vem, ainda não fala, ainda não sabe nada, onde ele vai morar"? Então ele, metade do salário ele pegava pra moradia...que ele já arrumava pra nós tudo...apartamento, as camas, todas, porque você chega, imagina, você não tem nada, como você vai...então aí ele descontava no salário. Foi só o primeiro ano assim. Aí depois, mas ele dava aula de português pra nós de graça, ele oferecia. JC: O Luiz Gaetani?! BOGDAN DRAGAN: É. Não, não é ele...o...o...ele chamava o... JC: O profissional. Um professor... BOGDAN DRAGAN: É. Então. E daqui um ano você pode já ganhar normal e viver onde você quiser. Então é...foi mais ou menos assim...Aí quando ele me falou isso eu falei "bom, se um dia só assim aconteceu...claro que vou, porque...hmmm...o negócio não é pra mim...é...comércio e tudo. Eu vou ficar músico, claro". Aí eu tinha que emprestar dinheiro comprar instrumento, pra aí eu vir com seu instrumento pra cá. Aí primeiro foi sem família, pra conhecer e tudo, mas aí gostei...isso já acho que...é outra...é outro assunto.

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JC: Perfeito, Bogdan. A terceira pergunta é isso. É, como foi a chegada ao Brasil, as suas primeiras impressões, da cidade, do país? BOGDAN DRAGAN: É, isso foi...como já viajei com o nosso teatro lá, no mundo inteiro tocando, então eu já conheci mais ou menos o que que era a América Latina. Mas o Brasil não. Foram outros países. Mas a gente estudava lá, com brasileiros, eles contavam como que era, pessoas de outros países daqui. Então eles me falavam, "se você conhece então Peru, Bolívia, Equador, Colômbia...então imagina que o Brasil é melhor do aqueles todos países lá". Mais ou menos me contavam como que era e eu falei "olha, mas mesmo se não for...a situação pra mim tá complicada, eu vou de qualquer jeito, senão daqui um ano ou dois anos, sei lá, volto". Mas também, quando se é jovem você não pensa muito ainda muita coisa assim. É fácil pra você... JC: Vale a pena a aventura, né... BOGDAN DRAGAN: É...Aí eu lembro aquele dia de chegada, nunca esqueço ele. Foi avião, saiu de lá, 20 horas, depois São Paulo, outro avião, tá, e tinha novembro. Neve lá, que a gente saiu da...da Ucrânia, depois um avião em Moldávia. Foi, acho que 10 ou 15 abaixo de zero e neve. Então imagina, com um monte de roupa e...aí chegou aqui em Ribeirão, abre a porta...do avião, e eu com um chapéu...um chapéu de alpaca, sabe o...que eu comprei na Bolívia, um chapéu de pele. É...cachecol e luva e tudo é...abriu e de repente aqui 30 e poucos. Imagina lá foi 15 aqui 30, é uma mudança de quase 50...em vinte e pouco horas. Aí quando abriu a porta e eu olhei esse céu azul, esse calor...eu falei "nossa, esse é o meu país". Porque eu já gostava isso. Eu nunca gostava assim tanto frio, porque eu sou magrinho, sofro sempre com isso. É...então é... JC: Você se apaixonou pelo país... BOGDAN DRAGAN: É. E aí, qual foi uma sensação que a gente chegou lá, "nossa, pessoal com chapéu, com tudo", aí a gente ficou meio, meia-hora como modelo com aquele chapéu e tudo, molhado da pele e fotografar, foi comissão da orquestra, vinte pessoas, vídeo e...filmadora e tudo...então foi um sucesso. Depois, a coisa mais importante, quando eu ouvi música de Tom Jobim, Vinícius de Morais, de Toquinho de...de MPB de bom qualidade, falei "nossa, é meu país mesmo, que ritmo". Que não existe lá, que não existe mais em mundo nenhum...no mundo inteiro assim né. Uma riqueza incrível, isso também eu adorei. (PAUSA) Bom...chegada é isso. JC: Tá. E, especificamente é, em relação...à orquestra agora. Como era a orquestra na época, como foi o relacionamento com os músicos brasileiros...a partir da sua chegada. Como que foi aquela...o ingresso na orquestra e viver o dia-a-dia da orquestra com os outros músicos? BOGDAN DRAGAN: Ah...isso também é...uma questão bem interessante. Que a gente, nós chegamos em 7 pessoas. 6 moldavianos e eu um ucraniano. JC: Você lembra os nomes? BOGDAN DRAGAN: Elina...Alexandr. Elina violino. É, o marido, namorado ou marido, não sei na época, contra-baixo, o Alexandr. Denis, que agora é Spalla, violino...eu...Liliana, violino...hmmm....Ah, foi mais um romeno...foi romeno é...ele foi pra São Paulo. É...Alan ou Alan, não me lembro. Mas acho que Boris, Boris com a gente, e mais alguém...não me lembro agora. Então, a ingressão na orquestra...foi, pra nós uma surpresa, porque nós percebemos que aqui no Brasil não existe nacionalismo. Porque lá na Europa isso é uma doença. Eu estudei um pouco na Alemanha, na França eu vi que são uns países bem diferentes então, a Alemanha principalmente que você...mora lá, se você até casa com alemã, até morrer você vai ser estrangeiro, sabe, é um pouco diferente. Aqui você...você sente que, ao contrário, que os brasileiros acolhem os estrangeiros, sabe, eles...com uma, nossa, com um carinho, uma...um coração aberto, com uma vontade de saber, de conhecer. Mas é, outra coisa, sempre perguntam "e que você acha do Brasil". Eles nunca gosta que se fala alguma coisa ruim. Eles gostam de seu país e tudo, mas a gente sempre explica a diferença "tem isso e tem isso", claro e a gente não fala

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que "isso ruim e isso bom", porque é outro mundo e tem que ser, aqui é assim. E, se eu gosto do Brasil e dos brasileiros, eu acho que...é...se não fosse assim, poderia ser tudo diferente, eu querer fazer tudo do meu jeito e sei lá...e tem que ser assim. Eu aceito tudo, claro que não dá pra acostumar com algumas coisa...Mas tem que ser assim... JC: Questão do horário... BOGDAN DRAGAN: Então é...horário e outras coisas...é é...que sei lá. Isso é uma conversa bem... JC: Bem longa... BOGDAN DRAGAN: É. Então com isso não tinha, musicalmente, nunca tinha problema...de tocar de de...sempre pessoas ajudando, porque você não fala português e não conhece nada então é...é engraçado, por exemplo, primeira frase que o estrangeiro aprende "eu nã fala partuguês". É assim que a gente fala, "eu nã fala partuguês". Aí na rua, alguém te fala...você procura falar "eu nã fala partuguês", "ah, fala fala!"...você fala uma frase, então aí que a pessoa começa a conversar e que não entende nada. Então...mas em geral, a gente a gente achou que foi...foi maravilhoso no começo a nossa chegada e tudo... JC: E o nível da orquestra, que te pareceu na época? BOGDAN DRAGAN: O nível...eu...que isso bem...subjetivo. Eu achei assim, em comparação, de repente tocando lá tocando aqui, eu achei assim: que aqui músicos ...estudam mais o seu instrumento...bem focado no seu instrumento e mais pra tocar no na orquestra. A diferença que lá, no academia de música que estudei, a gente pra ser solista. Então você estuda várias disciplinas diferentes, pra ser interpretador, pra ser professor, pra ser muita coisa. Então é um pouco mais alto. Então, só que acontece que todos esses solistas...não podem ser solistas. Eles sentam na orquestra, porque tem que ter experiência, tem que ter dinheiro, e não tem lugar pra solista. Todos. Maioria vai tocar. Aí começa a sofrer porque é um pouco diferente, começa a aprender coisas que não aprendeu estudando lá. Sabe, então a diferença acontece que: às vezes o maestro sofre a orquestra fica assim que cada um se sente solista, imagina...como é difícil criar uma coisa só...sem solista. Então é, aí eu percebi aqui que é mais fácil com isso. A pessoa consegue se entregar mais pro maestro, então mais fácil criar conjunto. JC: Ah... BOGDAN DRAGAN: Sabe? Mas eu senti uma falta um pouco no começo, uma falta disso que, aí quando chega o momento de solo...e pessoa tem que solar...sofria um pouco, sempre me faltava um pouco de individualidade da pessoa, sabe, de se expressar como solista mesmo. Então mais ou menos essas impressões que foi no começo sim. Mas eu gostei que instrumentos são muito melhor do que a gente tem lá. É...A pessoa tem possibilidade de comprar instrumento, isso ajuda muito, de tocar aqui...de de tocar afinado, de criar conjunto e tudo... JC: E pra estudar com esse calor, foi difícil? BOGDAN DRAGAN: Isso foi um sofrimento incrível. Cada dez minutos eu tinha que ir pro banho tomar banho gelado. Mas a água não vem gelada da torneira. Claro, desligava tudo...o chuveiro, mas não vem gelado, porque meu pai me ensinou a tomar banho gelado, acho que pra proteger de gripe e tudo lá. Tomar mesmo assim, água bem gelada. Então isso foi um sofrimento. Mas eu tinha 26 anos...então...o organismo ainda ajuda e tudo, sabe, mas foi coisa pior que nós todos sentimos. Porque você fica mole. Mole de corpo e de mente. Isso coisa mais horrível. Porque no frio você se sente assim bem ativo e tudo, você come bem, porque você sente vontade comida gordurosa, pesada, você gasta muitas calorias. Você dorme bem, sabe, você tem vontade, muitas assim. E no calor você fica mole...meio que uma medusa no mar. JC: Não dá vontade de produzir, né?

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BOGDAN DRAGAN: É. Então aí isso incomoda porque se sente, nossa, parece que vida acabou pra você, sabe, você fica, não para isso e você não tem aonde se esconder. Não tinha ar-condicionado ainda no...no apartamento onde a gente morava...não tinha carro ainda no começo, a gente andava a pé o...de pé, de pé, ou de bicicleta. Então foi no começo difícil com isso né... (PAUSA) JC: É...E o relacionamento com os músicos brasileiros? BOGDAN DRAGAN: Bom...não tinha muitos relacionamento porque a...por causa causa da língua. Mas, o que...aquilo que eu falei, a gente sentiu...o coração muito aberto, de pessoas querendo te conhecer e ajudar. A gente falava inglês um pouco, e tem pessoas também que conhecia inglês aqui, isso ajudou bastante. Então não tinha, pelo que eu lembro, nenhuma...nenhumas conflito assim, nada de... JC: Tipo, inveja ou... BOGDAN DRAGAN: Não...a gente não sentiu nada disso. Já tinha búlgaros aqui há alguns anos da da...então, não sei, pode ser que já...achou um jeito de comunicar com estrangeiros e tudo, por isso nós não sentimos nada. JC: É...vocÊs, no caso, a Krista já era uma clarinetista que tava aqui, desde 92, senão me engano ela tá na orquestra. Ela tá antes, 82 ela chegou aqui, mas na sinfônica...e existia outro brasileiro que era clarinetista que você chegou e substituiu ele, ele foi...ou não? BOGDAN DRAGAN: Não, aqui faltava músico, faltava lugar mesmo. JC: Antes de vocês chegarem, eles contratavam o que eles chamam de músico cachê, né? Pra determinados concertos... BOGDAN DRAGAN: Eles completavam uma vez por mês, geralmente maioria foi da OSESP. Músicos de muito alto nível, então uma vez por mês a gente tinha uma orquestra grande...fazia programas bem complicados. É...então...agora, só lembro que Minczuk tava tentando...ver quem que vai tocar primeiro clarinete e eu ou Krista, mas é...depois ele já começou pensar sair daqui ele não pensou mais muito nisso, então, ficou assim, eu fiquei no segundo mas a gente sempre troca, eu toco primeiro às vezes... JC: E como que era a forma de trabalhar do Minczuk? Como que era o dia-a-dia da orquestra nos ensaios? Ele era uma pessoa exigente, um maestro muito rigoroso, como que ele era? BOGDAN DRAGAN: Eu...eu gostava muito que ele tava bem exigente. Ele...por exemplo, quando você saiu da orquestra, ele sai e lá ele é outra pessoa, lá trabalho é trabalho. Tem que...ele exigiu muita nível. Ele sempre sempre tentar fazer o máximo possível que possível...É...agora, que ele é o meio meio ditador, que ele gosta no sentido que ele gosta...mandar...de fazer do seu jeito. Assim é...mas mesmo assim quando eu gostava que quando chega o momento de solo, ele te deixava tocar à vontade. Isso...não é todos maestros que sabe fazer, gosta de fazer...e...acho que isso precisa fazer. Até no seu solo, na sua cadência, eles mandam...então isso às vezes incomoda, às vezes atrapalha, porque você sente escravo muito. Maestros até mandam no seu solo, sabe, então é...mas aí ele sempre ele tinha...uma distância. Não sei se foi com todos, ou conosco ou comigo, não sei. Então você sente que, sentia sempre que...ele...ele maestro, você músico, então tinha isso. JC: Ele que era a autoridade... BOGDAN DRAGAN: É. Isso não incomodava de algum jeito assim muito, mas...mas de outro lado...talvez isso ajudava no trabalho dele porque ele tinha mais respeito, mais autoridade...é...e a gente tava educado também, na União Soviética, com um pouco de ditadura. Foram várias épocas assim, então isso não incomoda muito pra nós, porque sabe, desde pequeno você nasce lá, você tem muitas... JC: Regras, né...

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BOGDAN DRAGAN: Muitas regras, que não tem no Brasil pra crianças, não tem tanto regras que a gente tem. De um lado isso bom, mas de outro lado às vezes você perde infância cedo. Porque você perde...você não fica mais criança, desde tenra idade "isso pode, isso não pode", então...e aqui é o contrário...aqui...a criança pode tudo e também não pode assim. Aqui também você tem que ter alguns regras... JC: E...então ele tinha o mesmo tratamento com os músicos estrangeiros, com os músicos brasileiros, ele demonstrava o mesmo tratamento, apesar dessa distância que você falou, como que era? BOGDAN DRAGAN: Você sabe que...eu acho que ele...eu não senti nada disso, mas acho que ele, o que ele queria ele conseguiu. Ele, quase metade da orquestra foi estrangeiro então isso foi osso...a gente sentiu que foi idéia dele isso. Porque quando você tem osso, firme, é fácil, fácil então vários músicos em volta ainda estava meio amador que sobrou ainda da outra orquestra. Mas...ele ele consegui unir tudo isso e fazia o trabalho dele em nível muito bom, porque quando aparecia nome dele no teatro, nossa...foi sucesso sempre...então isso mais importante. Nunca, eu não senti nada de, (como fala, é repressão? É diferente o sentido)...claro que ele queria todos profissionais e tudo, mas ele também começava...ele também não podia exigir demais assim, porque ele também...É... JC: Então é...Bogdan, a última pergunta: como foi o período da saída do Minczuk? E como que ficou a orquestra depois, a situação depois? Você lembra do contexto da saída dele, é que parece que, apesar dos rigores, ele era um músico, ele era um maestro querido pelos músicos, né? BOGDAN DRAGAN: É...como eu acho que sempre...pessoas desse nível sempre têm amigos e inimigos... JC: Normal, né, no mundo artístico então... BOGDAN DRAGAN: É, mas mais importante que...por exemplo, nós estrangeiros sempre comentava um entre o outro...que a...apesar de às vezes, de ele ser grosso, de sei lá, de às vezes...ficar todo, sei lá, de nervosismo, às vezes por causa de de tempo ou de conseguir o nível que ele queria...o importante é que quando se saia no palco você tocava à vontade...a música saia legal então pra nós, como tinha educado sempre, de fazer o nível mais, o melhor possível, sabe então...depois é...tendo isso, esquecia todas as coisa que de repente poderia acontecer...nos ensaios... JC: E você falou de...inimigos. Tinha músicos que não gostavam dele? Você percebia que... BOGDAN DRAGAN: Eu lembro que até eu, tinha uma época que eu achava que...é...que ele ele dá um pouco...atenção pra mim...às vezes, mas depois eu comecei a pensar nisso e entendi que, pessoa quando ele fica em cima...no nível dele, eu falo em cima é...como diretor, como maestro e tal. Não tem como agradar todos. Não tem como dar atenção pra todos. Então eu fiquei mais tranquilo com isso. Então foi só uma época curta assim que eu pensava, poderia...é...por exemplo, uma vez foi também, ele ele, parece que ele sabe falar russo ou ucraniano, ele não quis falar comigo russo, ele acho que eu já tem que falar português. Eu estranhei muito isso. Foi bem no comecinho quando eu cheguei, sabe. E aí falei que inglês não falo muito assim, fluente. Então aí ele pediu traduzir pessoa e não quis falar russo. Não sei porque e isso estranhei muito... JC: Será que ele pensou no impacto que poderia ter junto aos outros músicos? BOGDAN DRAGAN: Não sei, não sei...pode ser que...ele...já não fala mais tão fluente. Ou pode ser que ele já queria que a gente aprende mais rápido o português mesmo, sei lá... JC: Viu que não ia facilitar, né, que ia ser em português e não ia ter jeito. BOGDAN DRAGAN: É...então foi uma coisa assim... JC: E quando, quando o Minczuk estreou, estreou não, na inauguração do teatro, ele substituiu um Spalla. Não sei se você lembra dessa história. Aconteceu antes de vocês chegarem...

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BOGDAN DRAGAN: Ah sim, me falaram. Que foi meio brusco assim, parece que ele falou "agora você não é mais Spalla", agora...eu não tava nessa época, não sei... JC: E e talvez, eu não sei também, porque é uma coisa que eu estou pesquisando, mas isso não interfere no sentido...no resultado final da pesquisa mas só em alguns aspectos. É...que, esses conflitos que ele possa ter tido com esse Spalla, o Milton Bergo, tenha sido um dos motivos para a saída dele. E eu queria saber de você se você, se ele citou, se ele conversou com os músicos a respeito dos motivos pra ele sair. BOGDAN DRAGAN: O Minczuk? JC: Chegou a falar pra vocês, "eu sai por causa disso"... (A ESPOSA INTERROMPE E AVISA QUE ELES PRECISAM SAIR) JC: Tá terminando... BOGDAN DRAGAN: Mas é...eu não entendo o que que tem a ver, porque...isso foi em 98 quando ele saiu foi em 2001...Será que tem a ver alguma coisa... JC: Não não, então, ele não tinha conflito com diretoria? Aparentemente... BOGDAN DRAGAN: Ah não não não. JC: Pelo que você sabe... BOGDAN DRAGAN: Não, eu vi que Luiz Gaetani adorava dele. Que ele sempre o que Minczuk pedia Gaetani sempre tentava conseguir pra ele, porque ele viu que só o nome dele...move tudo na cidade. Então isso foi o mais importante pra orquestra. Então, mas não sei mais nada disso...de outras coisas... JC: Então tá. Tá bom. O Bogdan, queria agradecer muito sua colaboração... BOGDAN DRAGAN: De nada. Se ajuda isso, eu tô feliz que... JC: E em função do tempo a gente vai encerrar por agora. E obrigado mesmo, viu, pelo tempo, pela maneira pela acolhida aqui também, ter vindo aqui na sua casa, e vai ser muito proveitoso. Obrigado mesmo, viu? BOGDAN DRAGAN: De nada... Jonas Mafra JC: Estamos aqui no Centro Cultural Campos Elíseos, hoje é dia 9 de setembro de 2009, agora são 3 horas e...6 minutos. O nome do projeto é "Músicos Estrangeiros à Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (1995-2001). O nome do entrevistado é Jonas Mafra. Não existem outras pessoas presentes. Meu nome é Julio Cezar Pecktor de Oliveira e o nome do Orientador é Wlaumir Doniseti de Souza. JC: Bom, Jonas, vamos começar a entrevista...quando chegou à OSRP (Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto)? Quando você chegou à Orquestra e qual o projeto oferecido, o que eles tinham em mente pra Orquestra e como foi sua trajetória musical até chegar aqui, você pode contar um pouco pra gente? JONAS MAFRA: Sim. Eu comecei meus estudos em São Paulo, no conservatório musical de Osasco, posteriormente na ULM (Universidade Livre de Música) e fiz o teste para a Orquestra de Ribeirão em 93 - 1993. E já na minha banca estava o maestro titular na época, Marcos Pupo, os dois spalla e já tinha alguns músicos estrangeiros na banca, na época eles eram muito respeitados aqui - porque vinham da Europa, formação superior, tinham academia...e o que me trouxe até Ribeirão era a oportunidade de tocar numa orquestra profissional, que ensaiava todos os dia, tinha concerto todos os meses, porque até então em São Paulo eu tocava na Orquestra Jovem do Estado. E o salário...que era de profissional.

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JC: Jonas, continuando então, você veio pra Ribeirão porque pretendia tocar numa orquestra profissional, quando você chegou, seu professor tinha dito que você fosse por um ano... JONAS MAFRA: Sim, que fosse por um ano, só mais por experiência e voltar pra São Paulo. Mas aí acabei ficando, gostei da cidade, acabei casando aqui, tendo os meus filhos e estou há 16 anos. JC: Legal, sua esposa é daqui? JONAS MAFRA: Ela é de Ribeirão. JC: Legal, mesmo caso meu então. Eu vim em 2002 e adorei a cidade. Fiquei por aqui também. JONAS MAFRA: São Paulo é muito concorrido, né, tem mais orquestras, tem mais músicos, o nível é mais exigente. Se bem que aqui, quando eu cheguei, a orquestra era legal, já tinha os músicos estrangeiros, os brasileiros eram bons também... JC: Você lembra mais ou menos, em termos de quantidade, quantos músicos estrangeiros já tinha quando você chegou? A Krista era uma, né? JONAS MAFRA: Quando eu cheguei, eu acho que tinha uns 12 ou 13. JC: É mesmo? Nossa. JONAS MAFRA: Tinha bastante. JC: E no total era uns 40 músicos já? JONAS MAFRA: Isso. 40, 45, no máximo. E existe até, agora eu não sei te dizer ao certo, mas existe uma lei, né...pra tantos músicos estrangeiros, tem que ter uma série de músicos brasileiros. JC: Ah é? Ah, uma proporção né. JONAS MAFRA: Não pode, É não pode, ter muitos estrangeiros. E aqui então eles sempre tomaram esse cuidado pra não passar... JC: Tá, entendi. JONAS MAFRA: Pra não...A própria lei do país não permite...muito estrangeiro. JC: Então, ó, como era a Oquestra na época, quem era o maestro, como eram os músicos (em termos de nível, né)? Já mais ou menos encaminhou a resposta, né, a orquestra, que nem você falou, tinha um nível bom, já era profissional, mas não tinha um nível tão bom, né? JONAS MAFRA; Não, é ela era uma orquestra que fazia concertos todo mês, mas se for comparando com hoje ou depois que veio o Minczuk, o nível era bastante baixo. Tocava sempre o mesmo repertório, faltava músico, faltavam alguns naipes, né, então eram sempre as mesmas músicas, as mesmas músicas, na época o teatro tava fechado, era no teatro municipal... JC: Sim, do incêndio ainda, tava reformando. JONAS MAFRA: É, por causa do incêndio. Então os concertos eram no teatro municipal, e o que tocava muito na região: Altinópolis, Brodowski, as prefeituras pediam, mas o nível era assim...não era muito bom. O maestro não exigia tanto, os músicos também não davam tudo de si... JC: O maestro, na época, era o Marcos Pupo Nogueira, né? JONAS MAFRA: Marcos Pupo, isso. JC: E, em termos de qualidade dele, se bem que você era jovem, talvez não tivesse outros referenciais, né? JONAS MAFRA: Não, ele era bom, ele era um excelente professor, ele dava aula na UNAERP na época. Ele era muito bom, mas o tal que que pegava mesmo era que ele não exigia, né, aquela coisa de "pulso"... JC: Entendi... JONAS MAFRA: Ele tinha que exigir um pouco mais, então deixava passar as coisas, e com isso os músicos iam...é...não rendia, né. JC: Entendi. Iam ficando largados...

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JONAS MAFRA: Isso, isso... JC: Tipo, se tivesse que tocar um "Lá" e alguém tocasse um "Lá mais ou menos", passava... JONAS MAFRA: É, passava, né. Não exigia dinâmica, uma coisa muito reta...Era uma orquestra, soava como uma orquestra semi-profissional. JC; Entendi, entendi. JONAS MAFRA: Não dava pra comparar com as grandes igual hoje, não, hoje você pode comparar...com as melhores do país. JC: E o nível dos músicos acompanhava mais ou menos o do maestro - eram bons, mas também não se exigia tanto, então eles... JONAS MAFRA: É, eram bons. Tinha...a dos brasileiros, tinha alguns que tinham se formado em Tatuí, na época era referência, a escola de lá era única acho que era a orquestra escola de música no Brasil. E tinha alguns, tinha um brasileiro que era formado no Chile, e hoje ele é professor da USP, fagotista...e os, tinha um pouco de búlgaros e depois, posteriormente, vieram os russos. JC: Legal...Então vamos lá, agora é em relação à época do Minczuk na Orquestra, né. Qual o impacto da chegada de Roberto Minczuk? As principais diferenças em relação ao maestro anterior? O que você pode dizer? Quando ele chegou, você tava falando antes da... JONAS MAFRA: É, já teve algumas demissões... JC: Aquela é...ocasião do último concerto... JONAS MAFRA: Do último concerto, ele tava na platéia, ali ele já...ele já fez uma "garimpada", né...Já falou que não queria alguns músicos, e os que ficaram teve que passar por uma avaliação...E, mas isso ajudou, deu uma "peneirada" na orquestra: quem não tava a fim de trabalhar, foi embora. E começou, abriu outros concursos, buscaram mais alguns russos, na época, os búlgaros já estavam aqui. Aí começaram a vir os russos...e o nível foi melhorando, ele era bastante exigente, e com isso também foi bom pros músicos, né, nós começamos a ser respeitados e ser mais conhecidos na cidade. E depois que ele...foi uma idéia dele, o "Juventude tem Concerto" que é um projeto que taí até hoje, né...hoje, cê, qualquer criança ou adolescente que você perguntar em qualquer escola conhece a Orquestra. E ele tá fazendo a mesma coisa no Rio agora. JC: Só inverteu, né, lá é "Concerto para a Juventude"... JONAS MAFRA: É. E ele do tanto que ele brigava com os músicos pra tocar bonito, ele brigava com a diretoria também, com a administração. Isso ele sempre fez, ele exigia, desde de transporte, o transporte era muito precário. Teve vezes de a gente sair, tocar na região com ônibus, desses que carrega - sem desmerecer, mas - o mesmo que trabalha com pessoal cortador de cana, o mesmo ônibus. JC: É mesmo? Nossa. JONAS MAFRA: Nós fomos uma vez pra Brodowski, na hora quisemos nos revoltar, mas fomos. Fizemos o concerto, aí exigimos um outro ônibus pra voltar, arrumaram outro ônibus. Daí quando, com o Minczuk acabou isso: desde transporte, alimentação, era tudo de melhor e com isso os músicos, o rendimento foi melhor... JC: Sem dúvida... JONAS MAFRA: Melhorou o salário, a auto-estima dos músicos também. E aconteceu uma coisa que foi muito bom que na época o Dr. Gaetani, que era o presidente da Orquestra, passou a ser o presidente da Fundação Pedro II. Então a nossa casa começou, passou a ser o Pedro II. Que hoje nós temos uma dificuldade muito grande em ensaiar, semana inteira na sede - uma sala que não é muito boa pra ensaio - e dois dias no teatro. Tem que fazer todo de novo o trabalho, então você tem que ter um maestro muito bom pra trabalhar com isso. JC: Muda até o resultado sonoro, totalmente né.

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JONAS MAFRA: Muda, muda tudo, muda tudo. O primeiro ensaio no teatro, parece que você tá num vazio assim... GRAVAÇÃO FOI PAUSADA EM FUNÇÃO DA CHEGADA DE UMA FUNCIONÁRIA DO Centro Cultural Campos Elíseos JC: Em relação às principais diferenças, é comparando com o maestro anterior, acho que mais ou menos você já respondeu né, que o Minczuk ele era muito mais exigente... JONAS MAFRA: Muito mais exigente, é. JC: E, como que ele, como que era feita essa exigência, ele brigava com vocês, ou ele, ou ele era daquele tipo que tinha uma maneira certa de convencer sem precisar... JONAS MAFRA: Não, ele brigava mesmo. JC: É mesmo? JONAS MAFRA: Ele fazia cara feia. Isso era uma coisa que a gente sempre reclamava com ele nas reunião mas não, ele mesmo falou "não tem jeito, eu não consigo mudar". Se você errasse uma nota no na hora do concerto, ele te fulminava na hora do concerto, não falava palavrão, mas ele fechava a cara e ficava olhando até você olhar nele. E isso aí era horrível porque você já tinha acabado de errar, você já tava mal já, você não queria errar mas você errou. Então isso aí já deixava os músicos mais chateados, mais nervosos, né... JC: Imagino... JONAS MAFRA: Mas era o jeito dele. É hoje nós já temos um maestro, que, vamos dizer assim, o nível...é praticamente o mesmo nível, mas ele consegue tirar da orquestra sorrindo...dificilmente ele perde a paz, ele é exigente também, se precisar de passar vinte vezes, trabalhar vinte vezes o mesmo compasso ele faz as vintes vezes, mas tranquilo. E com isso, o ambiente fica melhor pra trabalhar, o Minczuk não, ele tinha isso aí, ele ficava nervoso mesmo e exigia mesmo. JC: Deve ter sido isso que causou o problema na OSB, né, recentemente... JONAS MAFRA: É, principalmente lá que tinha muito músico antigo, né, os velhos, eles não aceitam, os jovens já tão mais acostumados, com os professores né, mas o pessoal mais antigo não. Mas isso aí nós falava pra ele em reunião mas não adiantava muito, chegava na hora do concerto, ele ficava bravo mesmo. Ele falava que "se o cirurgião errasse a cirurgia, ele mata o paciente". Músico também não podia errar nota. Pra ele é a mesma coisa: você errou uma nota, você acabou com o concerto. JC: Acabou com o concerto...e ele tinha ouvido absoluto ainda... JONAS MAFRA: Tinha...excelente ouvido, ouvia tudo tudo tudo... JC: Nossa, devia ser terrível pra distinguir, né...É...Então o relacionamento dele também, como era o relacionamento com o Roberto Minczuk você praticamente já explicou, né, que ele era exigente nos concertos, fazia cara feia quando tinha que fazer, mas, e depois, saía do concerto ele era uma pessoa acessível, tranquila? JONAS MAFRA: Era. Ele era amigo, tranquilo, brincava. O negócio era mesmo no ensaio...e e no concerto. JC: Tá. E com relação aos músicos estrangeiros, como foi o relacionamento com os que já existiam aqui e com aqueles que foram chegando depois, como que foi? JONAS MAFRA: Não, era igual. Ele tratava...igual os estrangeiros, os brasileiros. JC: Não tinha distinção... JONAS MAFRA: Não. Eu mesmo uma vez, ele até me elogiou, teve um teste...só pra ele eu devo ter tocado umas 4, 5 vezes, nesse período que ele ficou. Sempre tinha uma avaliação. E eu toquei uma mesma música que um dos estrangeiros tocou, e eu era mais novo e ele, foi uma peça de Bach, e ele me elogiou, falou que eu fiquei com uma boa nota. E ele sabia que eu nasci no Brasil,

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morei no Brasil, estudei no Brasil. Tinha uma experiência muito grande, né, e eles num nível europeu, formado, e eu que tinha tocado bem. E ele me elogiou, falou pra mim continuar estudando, que eu tava no caminho, mas ele tratava igual. Ele ali na frente, os músicos eram tudo igual. JC: E assim, é...fugindo um pouquinho aqui, mas acho que é uma pergunta que cabe. Em relação, por exemplo, da interpretação. Eu fui no último ensaio do de vocês, no sábado, e eu percebi que o Cláudio Cruz ele segue as indicações, mas, quando dá uma brechazinha ele quer mudar, quer fazer uma coisa mais do jeito dele. E o Minczuk era assim também? Ou seguia à risca o que tava na partitura? JONAS MAFRA: É. Aí tá uma diferença muito grande entre dois. Os dois são...na minha opinião hoje, dos melhores maestros do Brasil, Minczuk e Cláudio Cruz. Também foi meu professor de violino, é um dos melhores violinistas. O Roberto, ele segue as tradições. Ele estudou regência com...com o Tibiriçá, Eleazar de Carvalho, que é da mesma escola do famoso Koussewitzky,o Eleazar também foi professor do...do Zubin Mehta que rege hoje em Israel... JONAS MAFRA: O Roberto ele segue as tradições. O Cláudio já não gosta de tradição, ele mesmo fala. E...porque as coisas vai mudando, né. Você pega uma sinfonia do...do do Karajan, é tudo muito lento. O Cláudio não, ele já gosta tudo mais andado, tudo tem que fluir mais, então ele coloca muita coisa dele. O Roberto ele exigia o que tava na partitura. Mas exigia mesmo. O Cláudio, além de ele exigir, ele coloca, uma porque...aonde tá a diferença, o Roberto não era violinista, o Cláudio é violinista. Então ele consegue trabalhar melhor...se bem que, teve uma época, que...eles conversavam muito, eles trocavam essa experiência. O Cláudio passava a experiência de cordas e o Roberto de sopros... JC: De sopros, né, é trompista ele... JONAS MAFRA: É, um excelente trompista. Então eles trocaram um pouco de informação, mas o Cláudio coloca muita coisa dele. Você vê que os andamentos dele é tudo mais rápido. Ele acha chato você sentar no teatro e ficar uma hora lá ouvindo aquela coisa bem entediante, né. Então ele faz tudo mais rápido e diferente. Porque ele é um músico que já toca, só na OSESP, mais de...quase vinte anos na OSESP, então ele já tocou com muita gente, já tocou essas músicas mil vezes, então ele sabe os pontos. Ele mesmo como músico ele sabe onde é chato, né...ele faz um trabalho excelente e tá fazendo também não só lá na Orquestra. JC: E ele tem esse papel de escolher repertório, como o Minczuk tinha também? JONAS MAFRA: Tem. Ele é o Maestro Titular e o Diretor Artístico, né. Ele escolhe o repertório. E...e depois que o Cláudio veio pra cá mudou muito o repertório da Orquestra. Quando o Minczuk veio, ele tava ainda em início de formação. Então ele fez muita coisa, assim, que todo maestro tem que fazer - sinfonias de Beethoven, Brahms, Tchaikovsky. O Cláudio já trouxe uma proposta mais ousada, por isso que aumentou a orquestra, não tinha trombone, tuba, então agora nós estamos fazendo Rachmaninov, muita coisa...Liszt, é tudo mais moderno...e...muda a cara da orquestra. JC: A Tanhäuser, do Wagner, quando que vai ser? Essa é difícil... JONAS MAFRA: Ía ser esse ano... JC: Sério? JONAS MAFRA: Não sei se ainda vai dar tempo, eu creio que sim...agora a gente tem um coro também. A gente tá fazendo muita coisa com coro. Coro tá começando aí, não é profissional ainda...mas a cara da orquestra mudou. E não tá tocando sempre as mesmas coisas, porque isso cansa o músico... JC: Sem dúvida. E, o Minczuk então ele tinha essa dupla função, de maestro e diretor artístico também, ele acumulava essas duas funções?

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JONAS MAFRA: Sim, acumulava. JC: E determinava repertório, é...digamos, o planejamento da temporada... JONAS MAFRA: Planejava tudo. Já saía a programção do ano inteiro. Esse ano que só teve algumas mudanças por causa dessa crise, que abalou muito a orquestra, então teve algumas mudanças, mas ainda tá certo que vem o Meneses agora e depois o Nelson Freire. JC: Legal, legal... JONAS MAFRA: Esses dois conseguiram. Talvez os japoneses, que vieram ano passado, talvez não venham... JC: Ah...Então, e...antes da gente ir pra última pergunta aqui, só queria te perguntar em relação ao ideal que o Gaetani sempre teve, de ter uma escola formadora de músicos, na região, né. Hoje a gente a sabe que USP, ela trabalha em parceria com a orquestra. Você tem músicos que estão estagiando, que volta e meia são efetivados, né, por exemplo, o caso do Daniel lá da viola... JONAS MAFRA: O Daniel...tem vários os estagiários. Alguns é aluno da USP, outros não. Mas, existe uma escola, tá tendo duas escolas a Sinfônica. Infelizmente em Ribeirão não tem. A diretora uma vez ela falou que falta patrocinador, mas tá tendo uma em Sertãozinho, que tá dando resultado excelente, e Pirassununga. O que falta em Ribeirão é apoio. Eles conseguiram em Sertãozinho com o Savegnago, e em Pirassunungna com a Müller, de bebidas. Mas em Ribeirão ainda não conseguiram. JC: E o Minczuk, ele ele trabalhava pra conseguir isso? JONAS MAFRA: Ele tinha idéias. Teve, é...eles conseguiram montar uma escola em Cajuru. Com um dos clarinetistas, que hoje é o Domingos, que hoje é do teatro municipal. O Roberto mesmo deu muita aula lá. E o Roberto dava aula de trompa pra muitos alunos de Ribeirão, sem cobrar nada. JC: Tá brincando? JONAS MAFRA: Eu conheço alunos hoje que tocam na igreja e tocam muito bem, que é um instrumento muito difícil, que ele ensinou de graça. Nas férias ele ensinava, conheço dois trompistas, um foi pra Campinas e dois eu conheço que moram em Ribeirão Preto. Eles tocam trompa mesmo, aprenderam direto com o Roberto. JC: Interessante... JONAS MAFRA: Mas na época não tinha apoio ainda pra montar né, a orquestra tava...caminhando com dificuldade... JC: Então ele tinha, ele era idealista né acima de tudo, né... JONAS MAFRA: Ele era...ele era. E ele foi uma pessoa que me apoiou muito, porque eu sempre dei aula pra criança e adolescente e sempre regi orquestrinha de cordas. E uma época eu regi pra ele a jovem. E quando, no primeiro ano que o Kurt Masur veio pro Brasil, pra São Paulo dar um curso, o primeiro curso, e...eu não tinha nível pra participar, eu não tinha currículo. Eu não tinha nada gravado...mas como foi o Roberto que trouxe ele, ele mesmo assinou pra mim, eu participei do curso. Fizeram uma seleção de 48 regentes, eu fiz uma fita e ele assinou como meu professor. E o que fez o curso, acho que foram 12 só. 12 ou 13. Então ele incentivava também, novos regentes... JC: Então tudo em prol da música mesmo, né... JONAS MAFRA: Tudo... JC: E você falou de gravações, é, na época do Minczuk a Orquestra Sinfônica de Ribeirão chegou a ser considerada a 3ª melhor orquestra do Brasil. E, se não me engano só atrás da própria OSESP e, se não me engano, era sinfônica de Porto Alegre, se não me engano, a OSPA. E vocês fizeram gravações, como que foi?

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JONAS MAFRA: OSPA. Na época dele de gravação...eu não sei nem se chegou a gravar CD. Tinha gravações em vídeo, mas muita coisa dele, ele gravava muita coisa pra ele. E...eu lembro que 96 nós ganhamos prêmio da APCA, ele com a orquestra, melhor regente do Brasil, acho que foi em 96. Agora, gravação começou mesmo com o Cláudio. Agora já estamos no 3º ou 4º CD, já gravamos DVD...a proposta dele de fazer muita música agora, o último CD dele, ele quer fazer muita música brasileira, só com música brasileira. JC: Legal... JONAS MAFRA: Acho que tudo é...depois dessa crise aí é que deu uma parada, né... JC: É, imagino... JONAS MAFRA: Fizemos...fizemos duas óperas...com o Túlio Colacioppo e outra com o Cláudio... JC: Rigoletto né, o Rigoletto e o Pagliaci... JONAS MAFRA: Nós fizemos com com o Túlio...La Traviata e...e... JC: Cavaleria Rusticana... JONAS MAFRA: Cavaleria Rusticana. E com o Cláudio...o Rigoletto... JC: Tá. Ó...e a última pergunta: como foi o período da saída do Minczuk, e a situação após a saída dele né? JONAS MAFRA: É...nós voltamos pro poço(RISOS). Pro calabouço... JC: É? Caiu? JONAS MAFRA: Muito o nível, demais. Depois que ele saiu...no dia que ele deu a notícia foi muito triste...muitos músicos choraram no palco...Na época quem era a Spalla era a Elina, que é uma russa, que hoje ela tá na OSESP, foi assim terrível. E daí começou a vir músicos convidados...não, maestros convidados...o nível foi caindo, caindo, caindo...melhorou um pouco, aí ele só agora a orquestra só voltou a ter uma cara...quando o Cláudio veio pra cá. Isso foi um foi um dos milagres, que a gente nunca imaginaria que um Cláudio Cruz pudesse vir pra cá. Um milagre... JC: Sim...E depois dele foi o... JONAS MAFRA: Depois ele saiu, caiu de novo o nível. JC: Exatamente... JONAS MAFRA: Com o Roberto com o Marcos Arakaki, ela deu uma levantadinha. Fizemos algumas coisas boas, Brahms, umas sinfonias boas...e...mas o nível não foi igual. Agora, que o Cláudio voltou, posso dizer que o nível tá bom...E...mas na época o Roberto, ele tinha muito apoio dos músicos da OSESP. Os sopros eram todos cachê. Convidados. Então isso ajudava a levantar a orquestra. Hoje não, hoje...é orquestra, pode dizer que é orquestra de Ribeirão. JC: Sim, já são parte do corpo de músicos... JONAS MAFRA: Do corpo. Na época, no começo do Roberto, não, era muito cachê. Depois com o final foi foi contratando músicos, né. Mas nós perdemos muito, assim, bons músicos. Perdemos o 1º oboé que hoje tá na...filarmônica de Belo Horizonte, que é um dos melhores do Brasil, por causa da situação financeira, do salário, né. Se você for comparar...a Elina foi embora. Ah, só de músico de Ribeirão que tá na OSESP hoje...acho que tem mais de 4, 5 músicos que sairam daqui pra lá. Certo, teatro municipal também tem, e... JC: Você falou que o Minczuk quando saiu ele ele provocou, até você falou que tinha músicos que choraram... JONAS MAFRA: Foi... JC: Então os músicos gostavam dele...tinham uma relação... JONAS MAFRA: Gostavam. A maioria. A maioria. O...isso aí ó...talvez a minoria de talvez 4, 5 músicos que não gostavam. Só que um deles era o Spalla...né, antes da Elina, então a briga era

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muito...Eu lembro que no...teve uma polêmica muito grande no na inauguração do Pedro II o Spalla tava afastado. Tiveram uma briga...ele afastou o Spalla no dia da inauguração, seria o principal concerto da orquestra. JC: Nossa, a consagração do cara, né... JONAS MAFRA: É... JC: Quem era? JONAS MAFRA: Então...era o Milton Bergo. O próprio Roberto comentou um dia que, pra ele, o melhor Spalla do Brasil era o Milton, mas só que pa ele não dava certo. Os dois não...não se...porque o Milton não aceitava as atitudes dele, né, não aceitava. E... JC: Entendi. Quem substituiu ele foi já foi a Elina, logo de cara? JONAS MAFRA: Não, acho que foi o Petar. Foi o Petar que hoje tá na última estante dos primeiros violinos(RISOS). Mas ele é um excelente músico, depois veio a Elina, ficou um tempo...mas ela foi embora. Mas perdeu a orquestra, a orquestra perdeu muito muito muito com a saída dele né... JC: Então, logo depois que ele saiu, teve aquele é Norton Morozowsky, né... JONAS MAFRA: Isso, o Norton que foi flautista da brasileira... JC: E depois? você lembra? Na seqüência era o Norton, aí acho que já veio direto, veio o Cláudio Cruz por um tempo... JONAS MAFRA: Veio o Cláudio, o Cláudio saiu, ficou o Mateus, que era assistente do Cláudio, foi pra Manaus, agora já saiu de Manaus também. JC: Mateus Araújo? JONAS MAFRA: Isso, ele fez muita coisa boa assim, música que a orquestra nunca tinha feito, ele foi pra uma área mais popular...ele trouxe Yamandú...Costa, ele trouxe aquele pessoal da Bahia...Caymmi, né, família Caymmi...alternativas também e ajudou a orquestra, mas, ele era muito talentoso, mas ele não teve como administrar o cargo de titular, como assistente ele ia bem. Pesou muito, aí acabou tendo divergências com a própria direção, não foi nem com a orquestra, com os músicos, foi mais com a direção e ele acabou tendo que deixar... JC: E...aqui você falou do Marcos Arakaki, ele um que o Minczuk levou pra OSB. JONAS MAFRA: Depois que ele saiu daqui agora ele é assistente lá. Um menino que promete e ele é titular...na Paraíba. Titular na Paraíba e assistente do Roberto e rege a orquestra jovem do Rio também. Muito talentoso. Eu toquei com ele na orquestra jovem do Estado...em 89...Ele era Spalla da orquestra jovem...estadualzinha... JC: Legal. Bacana. É legal ver essa nova geração surgindo, né, tomando as posições... JONAS MAFRA: É...Dos dos que estão surgindo mais novos aí, ele é um dos melhores, mais talentosos... JC: Eu imagino, eu lembro dos concertos dele...E, quando o Minczuk saiu, ele citou causas, falou pra vocês abertamente o porquê...ou não? JONAS MAFRA: Olha, ele comentou que ele gostava muito da cidade, a família adorava a cidade, ele teve um filho aqui, uma filha...acho que foi o filho... JC: O Joshua, né... JONAS MAFRA: É, o Joshua. E...ele falou que era compromissos, tava muito difícil pra ele assumir. Ficar aqui, na OSESP e na época ele era assistente do Kurt Masur na Nova York... JC: Nova York, Filarmônica né? JONAS MAFRA: Na filarmônica, então ele falou que tava difícil pra administrar...mas no fundo teve algumas coisa com alguns músicos também. Aí ele juntou as duas coisa...ele resolveu sair. E...tava muito, teve uma época que ele tava muito doente, por causa dessas viagens, ia pra Campos do Jordão, ia pra São Paulo, voltava, ele ficou muito doente...ele resolveu sair de vez.

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JC: E vocês músicos perceberam algum conflito dele com a diretoria? Ou não? JONAS MAFRA: O Minczuk? Não, não teve... JC: Ele tinha apoio da diretoria? JONAS MAFRA: Tinha total apoio, que a despedida dele foi uma festa...que ele foi embora ele voltou pra fazer o último concerto, ele ganhou do presidente um Rolex...na época era quase 30.000 reais ele ganhou, então...e, e... JC: O Luís Gaetani? JONAS MAFRA: É. E o Gaetani adora ele. As vezes que eu tive oportunidade de falar com ele em Campos...às vezes eu até cobro "ah, precisa voltar, fazer um concerto, lá em Ribeirão" ele falou "ah, precisa do pessoal me chamar". É...mas diz que o preço agora tá muito alto, não sei se isso é verdade, que ele tá cobrando muito, mas a relação com a diretoria sempre foi boa. Sempre sempre... JC: E, em 98, foi quando ele foi convidado pelo Kurt Masur, né, se não me engano. Nova York... JONAS MAFRA: Nova York... JC: Você acha que isso que influênciou alguma coisa, ele perceber assim que era hora de mudar de ares, ou então...buscar projetos maiores... JONAS MAFRA: Na época...na época ele comentava que ele gostava, que ele queria continuar. Ele queria continuar...Mas, acabou que já tava difícil e a relação com alguns músicos também, tinha uma comissão...aí ele falou "ah, não vou brigar"...ele, vamos dizer assim, ele não queria brigar. Se ele quisesse ficar, ele teria que dar uma...gritar um pouco, brigar e ele falou "não, não preciso". "Não quero", ele falou "infelizmente eu sinto muito deixar, mas eu vou ter que deixá-lo". E...e ele até me contou a história quando ele...quando o Kurt Masur veio pro Brasil...indo reger em Nova York, ele pegou a gravação da orquestra de Ribeirão...ele levou pro Kurt Masur, pegou o Kurt Masur no aeroporto, foram pro hotel. Ali...Kurt Masur viu que ele tava fazendo um bom trabalho, a orquestra tava soando bem...Aí ele participou do concurso lá e ganhou. Pra ser assistente, né... JC: Legal. E você falou, então, o conflito que ele teve com alguns músicos...foi que pode ter ocasionado a saída dele, né? JONAS MAFRA: É, ele ficou chateado... JC: Foi meio que "a gota d'água", digamos assim? JONAS MAFRA: Foi, foi. Porque ele tava tentando administrar. A família ficava aequi. E...Mas aí...disse "olha infelizmente não dá"... JC: Entendi. E esses músicos que implicavam com ele, ou tinha essa...essas desavenças, eles não gostavam dos músicos estrangeiros... JONAS MAFRA: Não. Se davam bem. Não tinham política assim...é...sobre os músicos estrangeiros não. Porque...claro que eles tinham um nível melhor, inclusive com a formação, mas aí o pessoal que tava, eu mesmo que era novo, continuamos estudando né. Hoje eles respeitam...mas na época...é, não tinha tanta diferença não. Porque já tinha lei, né, não podia ter muito...e... JC: Jonas, é...você tinha mencionado aquela questão do, que músicos estrangeiros eram bancados pelo pelo Ribeirão Shopping, né. Como que funcionava isso assim, pelo que você... JONAS MAFRA: Então...era um contrato...que eles assinavam...quem pagava o salário era o Ribeirão Shopping. JC: Tá. Mas depois de um tempo isso... JONAS MAFRA: Aí caiu...e eles não tinha acho que a documentação, lembro que uma época eles ganhavam menos do que nós. Depois...hoje não. Hoje...todos são registrados, têm o visto...mas teve uma época. Eu não sei, parece que eles até montaram uma camerata, só de

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estrangeiros, chegou até em Ribeirão uma camerata só com os estrangeiros, tocava pro Shopping...mas pouco tempo, assim, foi muito pouco tempo. JC: Legal...E você falou que eles ganhavam em dólar, né? JONAS MAFRA: É, na época era em dólar... JC: Depois que mudou... JONAS MAFRA: Depois mudou... JC: Tá. Jonas, então eu queria agradecer sua colaboração. Olha, foi uma entrevista muito proveitosa e...vai render bons frutos. JONAS MAFRA: Espero. JC: Tá bom? Muito obrigado. JONAS MAFRA: Nada... JC: Até mais. JONAS MAFRA: Tchau. Milton F. Bergo Estamos aqui no bar...MP Bar...na Rua Tamandaré, esquina com a Camilo de Matos. No momento são 5 horas, dois minutos. Meu nome é Julio Cezar Pecktor de Oliveira. O nome do orientador é Wlaumir Doniseti de Souza. O título do projeto é Músicos Estrangeiros à Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto (1995-2001) e o colaborador chama-se Milton Fernando Bergo. JC: Milton, então vamos começar a entrevista. A primeira: quando você chegou à OSRP e..falar um pouquinho sobre sua trajetória na música e se a Orquestra tinha em mente algum projeto é...na época em que você ingressou nela. MILTON BERGO: Bem...boa tarde, antes de tudo. É...vamos iniciar, eu vou começar falando de como eu comecei realmente o violino...que coincidiu mais ou menos com a minha entrada na Orquestra. Eu comecei em 79...com mais ou menos 11 anos, 10 anos de idade...não, foi em 78, com 11 anos. E depois de dois anos estudando com um professor, já falecido, Orlando Bernardes, que eu faço sempre questão de citar...eu ingressei à orquestra, como um violinista...de um nível bastante iniciante...e sendo orientado por esse professor na época. Inicei como segundo-violino...é...e o meu primeiro concerto foi em 81...é, foi em 80, em Santa Rosa do Viterbo...e, logo após, nós tocamos na esplanada do Pedro II, também no mesmo ano de 80, com o maestro convidado Karabtchevsky, Isaac Karabtchevsky. Nessa época a orquestra ela não tinha pretensões profissionais, era uma orquestra...é...basicamente amadora, apesar de terem músicos de um nível até...de grande talento. E eram, é...a maioria dos músicos tinha outra profissão. Ela pagava um salário muito...muito mínimo na época. Quase que uma, quase que um...um incentivo... JC: ...Uma ajuda de custo... MILTON BERGO: Uma ajuda de custo. E os ensaios, eram...era regulares, porém...uma, não me lembro bem se duas vezes ou uma vez por semana, acho que eram duas vezes por semana. Ensaiava na sede lá da orquestra. E os concertos basicamente eram no...Teatro Auxiliadora, Teatro Municipal, porque na época o Pedro II tava ainda em...é...havia sofrido aquele incêndio e não tinha sido reformado. Então a orquestra era basicamente uma...um conjunto de amadores...que...abnegados, de certo modo que...levavam, gostavam de...fazer música por amor realmente à música. Faziam até muito, pelas circunstâncias da época. JC: E...você estudou com...Bernardes, você falou? MILTON BERGO: Isso. Orlando Bernardes foi um músico que entrou...acredito que...deve ter entrado na orquestra por volta de 1950, 40, 45, 50, e nessa época ele tocava na orquestra e eu o conheci...na minha casa, já que eu tocava violino assim...brincava com o violino que minha vó

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me havia dado. E...ele foi o primeiro assim a me incentivar e lidar seriamente comigo. Dessa época é...muitos...já se foram, já faleceram. E eu os tenho com praticamente pai da minha carreira artísticas, os grandes incentivadores. Guilherme Geopuldo, Gilberto Baldo, que ainda é vivo, Luiz Baldo, que era spalla, que ainda é vivo...o...Orlando, Pedro Mobiglia, que já faleceu, Geraldo Angelini que ainda é vivo, Dona Maria Augusta Sales, que já faleceu...e outras, Myrian Strambi, que já faleceu, que era oboísta e entrou pouco depois. E...uma plêiade de pessoas aí que...foram muito memoráveis. JC: E...nessa época, já existia algum músico estrangeiro na orquestra na sua época? MILTON BERGO: Não, praticamente eram quase todos descendentes de italianos...se não me engano algum italiano talvez fosse...o Ermenegildo Beretta, que eu...esse eu não cheguei a pegar a época dele, violinista. Mas basicamente eram descendentes de italianos e alemãos. Mas todos nascidos aqui no Brasil. Como eu disse, todos com uma segunda profissão além da música. JC: Milton, você já tratou mais ou menos do assunto, como era a orquestra na época. Mas, fala um pouco mais sobre...quem era o maestro anterior ao Minczuk, como que...era a rotina de trabalho desse maestro... MILTON BERGO: Bem, eu entrei na orquestra já com a...no final da gest...da da da regência do Lutero Rodrigues. Que o Lutero, logo que eu entrei, o Lutero havia ele já tava encaminhando....pra ir estudar na Alemanha. Tava indo estudar na Alemanha. JC: Legal... MILTON BERGO: E aí entrou o Marcos Pupo Nogueira, que ficou...praticamente...12 anos. Foi um maestro...que teve a sua importância que...de certo modo conseguiu galgar algum degrau a mais no nível da orquestra. Contribuiu para que a orquestra galgasse uma...um status de performance maior...melhor...inclusive com a vinda de alguns músicos de cachê de São Paulo. E o que ele fez na gestão dele, durante o período que ele regeu, de melhor realmente foi criar a orquestra jovem. Que era uma orquestra...formada pelos mais jovens da sinfônica, a maioria tocava também na sinfônica, alguns não. E...que fazia um repertório basicamente de câmara...e...nós frequentávamos na época eram os...os festivais de todos os encontros de orquestras jovens de Tatuí. E o Marcos de certo modo ele...incentivou e impulsonou esse projeto por um longo tempo e isso fomentou também a formação de uma escola. Dirigida na época, já existia a escola, que era dirigida pela senhora Diva Tarlá de Carvalho, professora de piano, já falecida também, e que depois foi substituída pela professora Myrian Strambi, que foi oboísta da orquestra. Então, tudo confluiu para que...a orquestra jovem...é...levando o trabalho de alguns jovens que participavam da orquestra pra além dos limites da cidade...e a escola...contribuíram para que o nível da orquestra profissional crescesse e alguns jovens, vieram depois a integrar a orquestra, e na época a orquestra trabalhava muito com cachês, sendo que o repertório, com a mudança de repertório, com o aperfeiçoamento de repertório, se exigia a vinda de músicos extras de São Paulo. Então eu acredito que foi realmente foi uma...um ganho...um upground nessa época bastante bom que a orquestra adquiriu. JC: Você falou de repertório. O Marcos Pupo ele...em que sentido ele modificou o repertório? Com a vinda dos músicos cachês, algumas músicas consentiam que viessem músicos para serem executadas... MILTON BERGO: Sim...até então o repertório era muito...era muito restrito, dado o nível dos músicos que era um pouco mais precário...e dado a dificuldade da orquestra de que...pra fazer um repertório mais, exigia maior...quantidade, maior efetivo. E o Marcos, é...tendo ele um conhecimento maior de repertório, um grande repertório...é...começou a fazer assim, alguma coisa mais...mais sistemática, fazia sinfonias de Beethoven, fazia aberturas...e com

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isso...logicamente a orquestra começou a crescer mais, exigiu-se dos músicos um pouco mais de...de disciplina. JC: E a rotina de trabalho dele, como que era? MILTON BERGO: Ainda ainda essa época, vamos dizer, foi a época em que a orquestra galgou de um estágio de amadora para um estágio de semi-profissionalismo...E aí a rotina ainda não era diária, de ensaios diários. Isso só veio com a chegada dos búlgaros...em 90 e...91, né? JC: Milton...bom, agora vamos tratar do da questão da época do ROberto Minczuk. MILTON BERGO: Certo. JC: Na sua opinião, como que foi o impacto da chegada dele...a diferença entre ele e o maestro anterior, questão de rotina de trabalho, de...lida com os músicos, o que você pode me dizer? MILTON BERGO: Olha, o maestro anterior, o Marcos, ele foi...ele foi, de certo modo...foi demitido pela diretoria. E saiu com a aprovação dos músicos, da maioria dos músicos e com a aprovação da diretoria, porque ele...ele ficou num, o nível dele não cresceu...proporcionalmente ao nível da orquestra. Em seguida, depois da saída dele...os músicos...tomaram um certo poder. O que é natural, porque a orquestra estava acéfala, tava sem maestro. Então os músicos...nós formamos uma junta de...de alguns músicos que tinha uma certa autoridade ali dentro, inclusive eu que era Spalla. E nós chamamos alguns maestros...é...temporários, pra assumir a orquestra, dentre eles, Jorge Talin...é...que eu me lembro bem foi o Jorge Talin. Mas, a vinda do Minczuk, de certo modo, foi totalmente arbitrária. E...a diretoria decidiu...decidiu ao bel prazer, sem nenhum tipo de...consulta prévia dos músicos. E o Minczuk pegou uma orquestra debilitada...uma orquestra que estava num nível ainda galgando...como eu disse, ainda estava num sistema semi-profissional. E ele, de certo modo, ele conseguiu um outro ganho de nível para a orquestra. Eu, como Spalla...tive alguns problemas, porque eu gosto muito de citar uma um postulado de um autor que você deve conhecer Giambattista Vico, da história napolitana, que diz que "o homem é o protagonista e o artífice da história". Então, se a história passa por nós e nós temos a possibilidade de transformá-la, de transformar a situação, eu acho que nós temos o dever. Nós temos o poder e a condição de transformar. E eu na época como Spalla...ou seja, uma questão de importância não só musical, mas também política, apesar de muita gente que se esquece disso, eu tava vendo uma série de desmandos...e de relação...é...de despostimo, de autoritarismo, não só da do maestro em relação aos músicos, mas também da diretoria em relação aos músicos, sendo que a comissão de orquestra...era formada apenas para legitimar uma aparência democrática, uma aparência de que os músicos tinham voz. Mas, em última instância, quando se tratava do maestro Minczuk em relação aos músicos...isso, veja bem, independente do lado musical dele, que eu não tenho o que falar. Sem dúvida...deu, é, trabalhou de uma forma bastante...competente para que a orquestra atingisse um nível melhor...porém, os meios que ele usou...é...eu não concordava e a maioria da orquestra não concordava, porque eram...é...ameaças, eram...de certo modo...coações, que não tinha muito sentido, porque dentro a orquestra estava mobilizada, ele podia ter conseguido o que ele conseguiu usando meios mais...um pouco mais eficazes e menos autoritários. E eu como Spalla, como eu disse, tentando mudar a situação...inevitavelmente...me atritei, me atritava com ele. E...esse autoritarismo chegou a tal ponto...de...ofensas pessoais e cartas...minhas...é, direcionadas a diretoria e dele direcionada a mim, e ficou quase uma questão pessoal, sendo que eu não queria que chegasse a esse ponto...uma conotação pessoal. Eu simplesmente defendia a soberania, a dignidade dos companheiros. E aí...que houve essa cisão...que é a cisão mais trágica da história, que é quando o músico, o Spalla fica sozinho. Os músicos não o apoiam, porque, com medo de...represália, e o maestro, com a diretoria, faz pressão pra que você seja...é...destituído. E aí houve uma destituição, eu deixei o cargo, já que eu não podia mais...minha autoridade estava totalmente...tava totalmente desfalcada, tava totalmente

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desgastada e eu fui pra estante de trás. E assumiu o búlgaro...por sinal meu amigo...assumiu meu lugar, o Petar, que também sofreu toda essa represália, essa tensão que na época o Minczuk criou. De certo modo criou uma certa...um certo trauma na orquestra, apesar de que, eu volto a dizer, foi a melhor fase da orquestra, sem dúvida. A fase musical, a fase técnica, foi a melhor...é...não obstante a maneira com que, os meios com que foram usados para se conseguir esse...esse nível. Foi aí que eu entrei em atrito. JC: Que tipo de ameaça ele fazia? MILTON BERGO: Não, não fazia exatamente ameaças, mas era...extremamente mal educado...com os músicos. Tirava do ensaio...é...ele era ríspido, ele era irônico...de forma...desrespeitava o profissional. O que...é...eu...eu confesso, sinceramente, não mudou nada, desde que ele saiu e até depois. JC; Como assim? MILTON BERGO: Uma...com a situação da diretoria que veio, que subiu depois. E com a, com os outros maestros, o tratamento...dispensado aos músicos...continuou de certa forma, pra não dizer pior, porque agora, os músicos não tem direito a voz. Foi vetado qualquer...formação de comissão, pra que o músico se cale. E a política do "se agrada, tudo bem, se não agrada, sai". Uma política bem... JC: Entendi...e ensaio com o Minczuk, ele fazia cara feia, brigava? MILTON BERGO: Não, ensaio, eu acho o seguinte: no ensaio tem que haver uma disciplina...no ensaio o maestro não tem que ficar...é...fazendo gracinha, não tem que ficar fazendo piadinha, ele pode até fazer pra...relaxar, pra...deixar o ambiente um pouco mais tranquilo. Mas tem que haver disciplina. Porém...é...as pressões que se percebiam em alguns ensaios...é que deixavam um pouquinho os músicos incomodados, apesar que eu não fui vítima de pressão...porque...não tinha nem sentido, né, porque eu era o Spalla, e...a minha pressão foi depois só...pelo lado mais político mesmo, a pressão musical... JC: E, Milton, me diz uma coisa, você falou que...a ocasião do afastamento foi uma cisão entre você e os músicos, e você falou que...a maioria não gostava do Minczuk... MILTON BERGO: É, não, o problema foi o seguinte: todos gostavam dele. O músico, ele é um, eu sempre falo que a arte tem que ser...tem que ser desalienante. A arte não pode ter conotação religiosa - eu acho - a arte não pode ter conotação política, ela até pode ser engajada, mas...já não é uma arte pura, eu sou a favor de uma arte...que que contribua para a liberdade, pra libertação, pra desalienação. E o artista, o músico principalmente, ele é muito alienado. Ele vê só...a circunstância musical, o nível técnico...mas não vê a circunstância política e humana que envolve toda a questão. Então os músicos, os músicos gostavam dele. Mas, numa situação de tensão, em que o maestro tem...quase todo um poder absoluto...o que hoje na Europa já é uma coisa meio em desuso, meio totalmente em desuso, há muito tempo já. Esses grandes maestros absolutistas...que que encarnavam verdadeiros...deuses... JC: Ditadores, né? MILTON BERGO: É...verdadeiros ídolos, eles caíram. Com o Karajan, foi um dos últimos, que representou uma...então essa...tudo isso causa um certo constrangimentos aos músicos. E esse constrangimento leva a uma série...ele é...causado por uma série de fatores, dentre os quais a perda do emprego...a diretoria apoiava muito o Minczuk, o Gaetani o apoiava muito. A diretoria o apoiava muito. Porque todos ficaram inebriados com o nível musical dele, que era bom. Na época em que a orquestra havia saído de um...de 12 anos com o mesmo maestro, o que é totalmente...totalmente antisalutar, uma orquestra que tinha poucos maestros convidados...e...ficar muito tempo com um maestro só eu acho totalmente...contraproducente para uma orquestra. E...então a diretoria ficou de certo modo...ofuscada pelo brilho...do músico que

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ele era, do maestro que ele era, e se esqueceu do lado humano, do lado político. E quando uma pessoa se irrompe ao meio da multidão pra fazer uma crítica, essa pessoa é afastada. E alguns que concordam com essa crítica, não vão apoiar com esse medo, com essa tensão toda. Não vou dizer que 100% da orquestra me desabonou não, tive grandes companheiros, grandes parceiros nessa luta aí. Mas...acabou sendo meio uma...dois se degladiando, uma queda de braço. Porque a orquestra é uma micro-sociedade né...é um...e era palco de todos os fenômenos sociais...você entende mais do que eu...e...que uma sociedade passa...boicote, uma série de situações. JC: E...que tipo...você falou aí, nesse contexto aí de a orquestra sendo uma sociedade, existia, já entrando na outra pergunta, é o relacionamento com os músicos estrangeiros, né. Existia uma rivalidade com os músicos estrangeiros? Existia algum tipo de...como que era a relação com eles? MILTON BERGO: Não, era muito boa, viu. Inclusive, quando eles chegaram, eram...a gente fazia várias festas, assim, o relacionamento era muito bom com eles, apesar da questão da língua, da barreira da língua...mas era muito boa, era muito boa com eles. Inclusive eles...eles conseguiam ter mais essa visão...de...uma visão muito mais politizada de toda a circunstância, do que os próprios brasileiros. Porém, havia mal-estar, um desconforto, em relação a diferença salarial...entre eles, quando chegaram, e os brasileiros. Existia uma disparidade salarial, que foi logo corrigida, que foi logo corrigida. Porque eles vieram, eles vieram na intenção de...dar aula, de acrescentar não só musicalmente à orquestra, mas didaticamente, e quando chegaram, na verdade, é...o que eles fizeram foi se aliar aos músicos brasileiros e realmente fazer música junto, e não numa situação de, como eles previam, superiores e professores. Não não, não havia isso. E o tratamento do maestro com relação a eles, era totalmente imparcial, não havia nenhuma...proteção...que pudesse...que pudesse... JC: Favorecer... MILTON BERGO: Favorecer os estrangeiros em detrimento aos músicos brasileiros. Existia sim, esse incômodo de início...que causou muita discussão, que o salário deles estava muito alto em relação ao nosso, mas aí logo foi foi...mais ou menos regularizado. JC: Eles ganhavam em dólar, como que era? MILTON BERGO: Olha, sinceramente eu não sei como que foi o contrato deles. Eu sei que...foi muito aquém do que foi prometido. Foi muito aquém do que foi prometido. Você pode até tirar a dúvida com algum deles...na época do...quando eles chegaram, o Ilia, o Ilia é difícil de conversar, o Petar, a Kátia que tá na estadual hoje...a maioria está fora hoje, né... JC: Isso não foi em 98. MILTON BERGO: Foi a primeira...a primeira leva... JC: Tá, mas esses aí então foi em 90, 91. MILTON BERGO: Esse é em 91. JC: E os que chegaram depois, durante a passagem do Minczuk? 98... MILTON BERGO: Esses foram os... JC: Ucranianos, Moldavos... MILTON BERGO: É, ucranianos, russos...é...moldavos...então, esses vieram também...era pessoas muito...conscientes...e tiveram muita consciência do que ocorria, essa, esse despostismo...é...sem medida do maestro. JC: E o relacionemto com ele? MILTON BERGO: Não era, também, houve muita houve muito atrito, principalmente com os músicos mais experientes, como foi o caso do Alexandr Cichilov, que hoje tá em Salvador...ele...batia muito de frente com o maestro. JC: Tá, mas entre vocês?

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MILTON BERGO: Sempre foi muito bom, sempre foi muito bom. Eu, como Spalla, eu falo, todos me...me abonavam, não havia nenhum tipo de oposição, assim, aparente pelo menos...respeitavam mutuamente, respeitavam como pessoa...como eu disse, surgiram brigas, nos momentos mais de tensão sempre tem alguém mais reacionários, outro mais...mais revolucionário. Isso é normal e essa disparidade ocorria, mas...em geral, não era ruim. Nunca foi mal, nunca foi mal. JC: Milton, antes da gente ir pra última pergunta, eu queria saber de você, se você quiser falar sobre isso, como que foi o contexto do seu afastamento, no sentido assim, como você saiu da orquestra? MILTON BERGO: O meu afastamento...foi na gestão atual. E foi da mesma forma, conforme eu disse pra você, a relação trabalhista, a relação empregatícia, é muito pior do que naquela época. Porque naquela época, ainda você dispunha do direito de falar...e...se brigava, discutia, mas não havia essa demissão, essa arbitrariedade que existe hoje. O afastamento foi simplesmente mais uma vez por querer questionar, como Spalla, a demissão, a demissão de meus companheiros...e depois a palavra me foi negada. E aí, ato contínuo, veio a demissão. E se eu já tava, já era a gestão...o maestro titular era o Cláudio Cruz, e o assistente era um grande amigo meu, que eu dei o maior apoio pra ele ficar como titular depois, que foi o Mateus Araújo, que também foi demitido arbitrariamente, de maneira covarde, de maneira...então, depois da saída do Minczuk, foi um período que...foi um período de transição...em que os músicos voltaram a ter um pouco mais de...autonomia, de poder...nós até chamamos alguns maestros do nosso gosto. O Norton Morozowsky assumiu por um tempo...foi uma fase mais tranquila...porém, em pouco tempo, a diretoria...todo o panorama mudou. Mudou o regimento da orquestra, mudou a razão social. Eles mudaram de ONG, não sei se era ONG, pra OCIF, que é uma organização com fins lucrativos, em que a diretoria pode...é...pode ganhar, pode ser remunerada. E aí mudou todo o panorama de tratamento, toda a relação para os congregados. Mudou totalmente... JC: O salário dos músicos... MILTON BERGO: É, o salário teve alguns aumentos, mas continua muito defasado. Houve a integralidade na carteira, mas isso já foi na época...ainda foi na época do Gaetani. Parece que na saída dele que ele já...regularizou a questão da integralidade no registro...trabalhista. JC: Milton, na época do Minczuk ele chegava a bater de frente com a diretoria, no sentido de conseguir pros músicos um aumento, benefícios... MILTON BERGO: Não. Não. Isso que irritava muito, porque ele...ele cuidou da carreira dele, tão-somente da carreira dele. Ele...claro que ele não era totalmente contra isso, porque era muito...seria muito subalterno, né, ser contra uma coisa dessas. Mas ele não...muito pelo contrário, ele era totalmente diretoria. Formava uma...equipe muito bem orquestrada, muito bem harmonizada. Ele trabalhava muito bem harmonizado, coisa que não aconteceu muito...nesse período e não aconteceu antes dele, tanto é que o maestro anterior...também saiu com a desaprovação, além da dos músicos, da diretoria. Com ele não, houve uma harmonização, uma engrenagem que foi totalmente harmônica entre a relação dele com a diretoria e desarmônica na relação com os músicos. O que realmente...as conquistas conseguidas...foram devidas à...luta mesmo dos músicos, das comissões de orquestra. Em parte, através da abertura do Gaetani, apesar de todos os seus defeitos, mas também vamos falar dos méritos, dava para os músicos...abria pra conversação, abria pra negociação... JC: Milton...vamos pra última pergunta...como foi o período da saída do Minczuk e a situação, mais ou menos você já falou, após a sua saída. Mas sobre o contexto, porque dizem que ele já tinha convites de fora, OSESP, Nova York, foi maestro assistente do Kurt Masur...

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MILTON BERGO: É, olha...isso realmente...é uma inverdade. Não vou dizer que foi mentira, uma inverdade. Ele foi maestro...ele era aluno, parece, do Kurt Masur, mas ele não foi assistente de maneira nenhuma. Tanto que as informaçãos são de que a Filarmônica de Nova York não tinha maestro assistente na época. Então ele foi convidado para fazer alguns concertos como...como maestro convidado. E fez, realmente. E realmente assumiu a OSESP, assumiu a sinfônica do estado e criou aquela situação toda, aquelas demissões em massa, aqueles testes, e que veio a resultar...na formação da orquestra...RDC...que o Lutero Rodrigues regeu e que tamém foi...essa orquestra acabou também... JC: Quando que foi? MILTON BERGO: Bateu mais ou menos com a época que ele saiu daqui. Ou talvez ele tenha ficado algum tempo com as duas...eu acho que ele ficou algum tempo com as duas, porque ele já tava nesse tempo da OSESP. Eu acho que foi nesse período, 2000, 2001...Por aí... JC: Falou-se muito sobre o concerto de despedida dele...como que foi? Você participou? MILTON BERGO: Participei. Olha, foi um espetáculo patético, ao meu ver. Foi uma grande festa...foi uma comoção geral por uma coisa que não tinha nem...porque. Tinha balões pelo teatro todo...então...é...parece que tentando...passar pro público uma situação totalmente diferente da que...se estava vivendo, ateriormente ao concerto. Foi uma crise terrível dentro da orquestra. Crise moral mesmo de...inclusive eu fui afastado, no concerto de despedida eu tava, mas houve meu afastamento, houves briga interna entre músicos...houve...uma, um trauma muito grande. Então no concerto de despedida, houve essa...um grande espetáculo, como que...pra dizer pra sociedade, pra dizer pro público "nós estamos perdendo um grande maestro e a orquestra nunca vai ser a mesma e nunca vai recomeçar e nenhum maestro vai substituir esse maestro que está saíndo"..."e o nível da orquestra nunca vai ser o mesmo", o que é uma grande mentira, depois a orquestra continuou de um jeito. Muitos músicos saíram também nessa época. Foi uma época de crise.E o espetáculo da saída dele foi um...algo sem precedente assim, pra ele ver a comoção que causou dentro da orquestra e com o público. Inclusive ele foi presenteado com um relógio, um Rolex de ouro que o Gaetani deu de presente. Aí é uma relação muito...paternal, né. Porque...eu chamo isso aí de um amor...patológico, não um amor prático, pra usar uma expressão Kantiana. Não é um amor prático, é um amor patológico, porque não existe isso, né. Não é uma relação de contratante-contratado, maestro - diretor da orquestra, foi uma relação de pai pra filho muito mais. Então foi um espetáculo meio...meio patético, ao meu ver. Mas...mas passou. Não teve nenhum tipo de...de rancor posterior. Inclusive eu não tenho nenhum tipo de de...não guardo nenhum tipo de mágoa em relação a pessoa. Respeito profissionalmente, não tenho nenhum tipo de, eu exagerei em alguns pontos, talvez fossem um pouco exagerados, por imaturidade. Poderia ter agido um pouco mais...politicamente, um pouco mais...de maneira mais madura, mas...já passou. JC: Você chegou a ouvir aquela história que...ele disse que pra ele você era o melhor Spalla do Brasil, só que...não batia. Pra ele... MILTON BERGO: Sim, sim. É...ele falou isso. Eu não ouvi da boca dele, mas me disseram isso. JC: Talvez fosse até uma questão de química pessoal. MILTON BERGO: É. Pode ser também. Na época eu era mais novo, talvez fosse hoje eu sabia resolver isso com um pouco mais...com um pouco mais de maturidade. JC: Você pegou a época do Cláudio Cruz, que foram duas etapas, né, ele veio durante...em 2003 parece, depois ele saiu, veio o Marcos Arakaki... MILTON BERGO: Nessa época eu já tava fora. JC: Já tava fora...

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MILTON BERGO: Com o Marcos Arakaki eu já não tava. Bom, o Cláudio Cruz na verdade abandonou a orquestra. JC: Abandonou? MILTON BERGO: Abandonou a orquestra. Foi contratado por Campinas...e...deixou na mão Ribeirão Preto. E aí voltou como se nada tivesse acontecido, né. Então...é uma coisa totalmente...de caráter duvidoso. E o Marcos Arakaki eu não peguei, realmente eu não sei...aí com o Cláudio Cruz aí eu voltei a fazer alguns cachês com a orquestra. Com o Mateus eu...antes do Cláudio assumir Campinas, depois o Mateus assumiu como titular, aí eu voltei como Spalla. De tanto ele me pedir, eu voltei. Mas aí o Mateus foi...demitido...e...aí ficou um maestro que veio...Henrique Leandro, parece, alguns assistentes ficaram. Aí, quando da minha demissão, aí fui chamado algumas vezes só pra cachê, inclusive a gravação do CD eu participei, tava com a orquestra. Mas aí...é muito difícil...aí eu...rompi de vez com a diretoria, com o maestro, rompi de vez com a orquestra...aí não fui chamado nem pra cachê, nem pra...fiquei alheio à orquestra, não interagia mais. JC: Então você falou que entre ele e a diretoria era uma coisa bem harmonizada, uma relação paternal como você falou, ele não saiu por... MILTON BERGO: A diretoria quase em sua totalidade. Ele não quase oposição dentro da diretoria. JC: Então ele não saiu por atrito com a diretoria, foi uma mais com os músicos... MILTON BERGO: É, com os músicos contribuiu um pouco, mas ele já tava fora...ele já tava querendo sair, sem dúvida. Já tava desgastada a relação, porque se eu não me engano foram oito anos, seis anos. É o que eu falo...é um pouco, é desgastante demais uma relação com o maestro contínua. Em uma orquestra em que, a orquestra de Ribeirão sempre teve muito pouco maestro convidado. Eu posso...eu posso enumerar os maestros convidados, no período dele e no período nosso. Foi muito pouco maestro convidado. Deveria ter muito mais. Numa orquestra com a OSESP, tem maestro convidado quase...quinzenais. Quase todo concerto é um maestro convidado. Salvador é uma orquestra que só trabalha com maestro convidados. E ela funciona...bem... JC: Ô Milton...eu acho que a gente pode finalizar. Queria agradecer sua colaboração... MILTON BERGO: Eu que agradeço. Espero que seja útil para o seu projeto. JC: Com certeza! Obrigado!

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