Musicoterapia no autismo

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  • 1. SNIA DOS SANTOS GONALVES PAREDES O PAPEL DA MUSICOTERAPIA NO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NAS CRIANAS COM PERTURBAO DO ESPECTRO DO AUTISMO Orientadora: Professora Doutora Ana Saldanha ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAO ALMEIDA GARRETT Lisboa 2011/2012

2. SNIA DOS SANTOS GONALVES PAREDES O Papel Da Musicoterapia No Desenvolvimento Cognitivo Nas Crianas Com Perturbao Do Espectro Do Autismo Dissertao apresentada para a obteno do grau de mestre em Cincias da Educao, na especialidade de Educao Especial, conferido pela Escola Superior de Educao Almeida Garrett. Orientadora: Professora Doutora Ana Saldanha ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAO ALMEIDA GARRETT Lisboa 2012 3. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo "As leis da msica agem sobre o mundo interior do homem perante a harmonia. A harmonia do universo equivalente harmonia da alma ou universo interior do homem. Portanto a melodia e o ritmo podem ajudar a devolver a ordem e a concrdia alma. Restaurando-se a ordem na alma, o corpo volta a sade" (Pitgoras). 4. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo AGRADECIMENTOS Agradeo aqui a todos os seres que passaram pelo caminho da minha vida, e os que ainda fazem parte dela, que diretamente ou indiretamente, interagem e participam no desenvolvimento do meu Ser. Aos meus pais e minha av, que foram incansveis ao longo de toda a minha existncia no apoio, nos conselhos, ajuda em todos os aspetos, disponibilizando todos os meios para me ajudar neste projeto. Agradeo pela confiana depositada nas minhas capacidades. Ao meu filho, pelo bom comportamento e pacincia que demonstrou ao longo do tempo que esteve minha espera. Especialmente pelos deliciosos abraos de incentivo que me deram grande alento nos momentos de maior cansao ao longo de todas estas etapas. Ao meu marido, por todo apoio, presena, alento que me deu mesmo nos momentos de maior tenso. Soube dizer a palavra certa no momento certo. Professora Doutora Ana Saldanha, orientadora da dissertao, pelo seu apoio e disponibilidade que demonstrou de forma constantes. Tambm pela forma humana como me apoiou nos momentos de maior fragilidade. s crianas que observei com perturbaes do espectro do autismo, pois foram essncia deste trabalho sem elas nada seria possvel. Ao agrupamento de escolas D. Joo II, das Caldas da Rainha, que contribuiu para que este estudo fosse exequvel, assim como a disponibilidade demonstrada na resoluo de todas as questes e problemas por mim colocados, assim como s musicoterapeutas e respetiva professora das NEE que partilharam os seus conhecimentos e suas experincias dando um contributo precioso para a elaborao desta tese. Exprimindo assim a minha gratido por todos aqueles que tornaram possvel a realizao teste trabalho. 5. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo RESUMO O papel da Musicoterapia no desenvolvimento cognitivo das crianas com perturbao do espectro do autismo a temtica do nosso projeto no mbito do Mestrado em Cincias da Educao/ Educao especial, levado a cabo na Escola Superior Almeida Garrett e tem como objetivo compreender qual o papel da musicoterapia no desenvolvimento cognitivo de crianas com autismo. Esta uma tcnica de terapia que recorre msica com o objetivo de fomentar as potencialidades da criana, atravs da aplicao de mtodos e tcnicas especficas, que auxiliam a desinibir-se e a envolver-se socialmente, proporcionando-lhe posteriormente uma enorme abertura para novas aprendizagens. A Musicoterapia pode ser um importante veculo para a sua estimulao e integrao plenas destas crianas, uma vez que desenvolve as suas competncias sociais, assim como outras capacidades inerentes tais como o domnio da cognio. Tendo em conta as caractersticas inerentes a esta problemtica e a importncia crucial que as crianas frequentem a escola, juntamente com os seus pares, local propcio para serem estimuladas de modo que as suas capacidades e potencialidades sejam desenvolvidas. Pretendemos dar a conhecer a especificidade do Autismo, as dificuldades que esta problemtica transporta consigo ao nvel escolar das crianas diagnosticadas com esta patologia e o contributo da interveno precoce na criana com autismo. Assim como os objetivos da musicoterapia a sua fundamentao e principalmente os benefcios que esta pode trazer especificamente a crianas com autismo. Palavras Chave: Msica, Musicoterapia, Autismo, Cognio. 6. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo ABSTRACT The role of music therapy in cognitive development of children with disturbance of the spectrum of autism and the theme of our project in the framework of the Master's Degree in Sciences of Education/Special Education, carried out at the Escola Superior de Almeida Garrett and aims to understand the role of music therapy in cognitive development of children with autism. This is a technique of therapy that uses the music with the aim of promoting the potential of the child, through the application of methods and specific techniques, which help to encourage and to get involved socially, giving you later a huge opening for new learnings. Music therapy can be an important vehicle for their stimulation and full integration of these children, once that develops their social skills, as well as other capabilities inherent in such as the area of cognition. Taking into account the characteristics inherent to the problem and the crucial importance that the children attend the school, together with their peers, location conducive to be stimulated so that their skills and potential are developed. We intend to show the specificity of autism, the difficulties that this problem carries with it at the school level of children diagnosed with this disorder and the contribution of early intervention in children with autism. As well as the goals of music therapy to their reasoning and mainly the benefits that this can bring specifically to children with autism. Key Words: Music, Music Therapy, autism, cognition. 7. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo NDICE INTRODUO .....................................................................................................1 CAPTULO I DEFINIES DE MSICA E MUSICOTERAPIA......................4 1- Msica................................................................................................................5 1.1- O Carcter teraputico da Msica...................................................................6 1.2- A Musicoterapia..............................................................................................8 1.3- O Papel do Musicoterapeuta..........................................................................12 1.4- Objectivos da Musicoterapia .........................................................................13 CAPTULO II-CONCEPTUALIZAO TERICA DO AUTISMO...................17 2- Conceito............................................................................................................18 2.1- Perturbao do Espectro Autista....................................................................19 2.2- Classificao ..................................................................................................23 2.3- Prevalncia.....................................................................................................27 2.4- A Etiologia do Autismo.................................................................................29 2.4.1- Teoria Psicogentica ...............................................................................30 2.4.2- Teoria Biolgica...................................................................................................... 31 2.4.3- Teoria Cognitiva.....................................................................................32 2.5- Caractersticas do Espectro do Autismo........................................................35 2.6- Modelos de Interveno.................................................................................40 2.6.1- Modelos de Interveno de Natureza Psicanaltica.............................................. 41 2.6.2- Modelos de Interveno de Natureza Comportamental..................................41 2.6.3- Modelos de Interveno de Natureza Cognitivo-Comportamental....................43 CAPTULO III- A MUSICOTERAPIA E AUTISMO, VERSUS INCLUSO.....49 3- A Musicoterapia e o Autismo...........................................................................50 3.1- A Importncia da Musicoterapia para o Autismo.........................................53 3.2- Educao Inclusiva ........................................................................................55 3.3- Atitude dos Professores face Incluso ........................................................59 3.4- A Incluso social e escolar do Autismo.........................................................62 CAPTULO IV- METODOLOGIA...........................................................................65 4- Descrio Metodolgica ...................................................................................66 4.1- Amostra..........................................................................................................68 4.2- Descrio do Meio.........................................................................................70 4.3- Objetivos........................................................................................................71 8. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 4.4- Instrumentos ..................................................................................................72 4.5- Procedimentos................................................................................................74 4.6- Recolha de Dados ..........................................................................................76 4.7- Discusso dos Resultados..............................................................................94 4.8 - Limitaes do Estudo...................................................................................103 Concluses....................................................................................................................103 Referncias Bibliogrficas ..........................................................................................106 Abreviaturas ................................................................................................................117 ANEXOS ......................................................................................................................118 Anexo I.................................................................................................................119 Anexo II ...............................................................................................................132 Anexo III..............................................................................................................139 Anexo IV..............................................................................................................143 Anexo V ...............................................................................................................152 Anexo VI..............................................................................................................167 9. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 1 INTRODUO Este trabalho de investigao centra-se na Importncia da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo de Crianas com Perturbaes do Espectro do Autismo. O Autismo uma perturbao que afeta o desenvolvimento da criana, instalando algumas dificuldades relativamente sua educao e posterior integrao social. Caracteriza- -se tambm por uma perturbao que pode causar um dfice claro e expressivo nas funes associadas a comunicao ao qual acresce a presena de comportamentos, interesses ou atividades, limitados, inflexveis e estereotipados. A designao de Espectro do Autismo, reportando-se a uma condio clnica de alteraes cognitivas, lingusticas e neuro comportamentais, significa mais do que um conjunto fixo de caractersticas. Esta pode manifestar-se atravs de imensas e variadas combinaes possveis de sintomas num contnuo de gravidade de maior ou menor intensidade. Contudo, recorre-se frequentemente ao autismo utilizando-o como sinnimo do espectro das perturbaes. extremamente importante reconhecer esta variabilidade de combinaes para poder compreender as pessoas com espectro do autismo e as diferentes necessidades individuais. Apesar destes indivduos apresentarem um conjunto de sintomas que facultam a realizao de um diagnstico clinico, podem considerar-se um grupo no homogneo, pois no existem duas pessoas afetadas do mesmo modo conduzindo desta forma a uma grande diferenciao entre si (Bosa et Baptista, 2002). Por outro lado, o uso da msica como mtodo teraputico surge desde do incio da histria humana, contudo o seu reconhecimento como disciplina surge apenas no incio do sculo 20, e aps vrias etapas passa a ser utilizada por mdicos e enfermeiros. A Musicoterapia pretende desenvolver potenciais ou recuperar funes do indivduo para que o mesmo alcance uma melhor qualidade de vida, por meio de preveno, reabilitao ou tratamento. A msica exerce o seu poder nos hemisfrios cerebrais, acionando o equilbrio entre o pensar e o sentir. A melodia trabalha o emocional, a harmonia, o racional e a inteligncia (Ferreira, 2011). Se fizermos uma breve retrospetiva sobre a trajetria da nossa vida, descobrimos que apesar da diversidade de dados, de vivncias, pessoas diferentes em contextos particulares e momentos paralelamente distintos, encontramos sempre algo em comum: a msica. Esta percorre todos os momentos de crescimento, de desenvolvimento, em situaes pessoais, na 10. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 2 escola, no trabalho. Assumindo um papel intrnseco e extrnseco na nossa prpria individualidade como seres humanos, refletindo-se ao longo da nossa vida assim como na nossa prpria personalidade. Sendo assim, ao fazermos esta reflexo conclumos que a msica possui imensas potencialidades. Neste sentido, este trabalho surge na perspetiva de explorar as aptides desta arte que possui a capacidade de simultaneamente ser puramente esttica assim com tem o dom de poder transformar as suas apetncias em terapia. Considerando que uma das maiores capacidades que a msica possui unir os seres humanos transformando as suas potencialidades numa linguagem universal, achamos extremamente interessante focar a nossa investigao na descoberta da competncia da msica desta vez como forma de tratamento atravs da Musicoterapia em crianas que possuem as portas fechadas ao resto do mundo, de modo a desenvolver as restantes capacidades que so afetadas principalmente por este grande obstculo que representa. Observar e verificar o contributo que a Musicoterapia possui nas crianas com perturbaes do espectro do autismo, descobrir se esta possui aptides necessrias e eficazes para o seu desenvolvimento de um modo geral e particularmente cognitivo. Se de facto esta possui apetncia de povoar o deserto que o mundo do autismo representa e se de facto atravs da sua linguagem universal consegue desenvolver as restantes potencialidades afetadas pelo seu afastamento social. Compreender de que forma a musicoterapia pode contribuir no desenvolvimento cognitivo de crianas com autismo o objetivo central da nossa pesquisa. Esta tcnica de terapia que utiliza a msica com o objetivo de desenvolver as potencialidades da criana, atravs da utilizao de mtodos e tcnicas especficas, abrindo espao para novas aprendizagens, que a msica de uma forma geral, e a longo prazo, origina resultados considerveis no desenvolvimento da cognio. Se por um lado, investigar a importncia da musicoterapia no desenvolvimento cognitivo das crianas autistas em suma o objetivo principal deste estudo o mesmo remete a outros mas mais especficos, tais como observar se as tcnicas utilizadas pelos musicoterapeutas so eficazes no desenvolvimento das crianas; perceber de que forma a msica pode ou no influenciar as crianas no melhor desempenho escolar e por fim verificar se houve evoluo na rea em estudo a partir da aplicao da metodologia referida. O trabalho ser constitudo por duas partes: teremos o Enquadramento Terico, apresentado em trs captulos que tm como principal objetivo por meio de uma reviso bibliogrfica cientfica dar um conhecimento mais aprofundado dos temas abordados ao longo 11. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 3 do mesmo. Para tal, o primeiro capitulo apresentando-nos a definio de msica, assim como o seu caracter teraputico, descreve ainda os propsitos da Musicoterapia tal como os seus objetivos e o papel do musicoterapeuta. No segundo captulo abordamos o conceito da Perturbao do Espectro do Autismo, assim como a sua prevalncia, etiologia e respetivas caractersticas, e os diferentes tipos de interveno mais adequados ao seu tratamento. Finalmente, no terceiro captulo existe o enquadramento da Musicoterapia no autismo e sua posterior importncia no tratamento da mesma patologia. Abordaremos ainda neste captulo a importncia da educao inclusiva, tratando-se de uma temtica que aborda a questo das necessidades educativas especiais, de importncia crucial falar em incluso assim como atitude dos professores face s mesmas, mencionando ainda como abordada a questo da incluso social e escolar do autismo. O quarto captulo a segunda parte deste projeto, tratando-se do estudo emprico do mesmo. Este, ser constitudo pelas consideraes metodolgicas, descrevendo a metodologia utilizada, tratando-se de um estudo de caso agrupando trs crianas com Autismo pertencentes a uma sala de ensino estruturado. Tratando-se da amostra deste estudo assim como a descrio do meio onde este realizado. Procedemos descrio da observao de sesses de Musicoterapia aplicada aos mesmos. Recorrendo para isso observao no-participante, s grelhas de observao, listas de verificao, notas de campo assim como as entrevistas realizadas s musicoterapeutas em questo como instrumentos para a recolha de dados. Atravs destes procedimentos pretende-se verificar se a musicoterapia ou no importante para o desenvolvimento cognitivo de crianas com espectro do autismo. Posteriormente e como finalizao do projeto expomos a discusso dos resultados assim como as concluses dos mesmos. 12. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 4 CAPTULO I: - DEFINIES DE MSICA E MUSICOTERAPIA 13. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 5 1. A Msica A msica sendo um dos fenmenos caractersticos da humanidade, assume uma naturalidade e intuio que indeterminam o seu incio, o que supostamente originou a sua natureza como divina. Apresenta-se como um fenmeno fsico de natureza vibratria. O som produzido pela msica, para ns humanos a imagem auditiva do que nos rodeia, o ponto de ligao com essa mesma realidade. Por causa da msica, mas principalmente pelo que fazemos dela, podemos afirmar que o som contm em si mesmo, e quanto baste, partculas orgnicas e semnticas com alto potencial e um fascinante sistema de comunicao (Azevedo, 2008). Podemos dizer que a msica uma linguagem universal, com capacidades para transcender as emoes prprias dos humanos, ultrapassando quaisquer barreiras culturais e lingusticas. Atravs desta linguagem o ser humano prope-se a comunicar e a expressar-se artisticamente. Segundo Benezon (1985), este um novssimo campo de atuao profissional que esta altamente qualificado para auxiliar muitas pessoas. O relacionamento do ser humano com a msica to antiga quanto a prpria humanidade, facto que justifica a atribuio de grande valor por parte dos povos antigos, atravs seu poder curativo, da diverso que esta proporcionava, sendo utilizada como meio de comunicao nas mais variadas reas como religio, medicina e sociedade. A Intemporalidade da msica faz desta uma necessidade de todas as culturas, percorrendo todas as eras at aos dias de hoje (Benezon, 2004). A msica de igual forma um recurso de expurgao, catarse, maturao (emocional, social, intelectual) e atravs da prtica musical, o aluno aprende e organiza o modo de pensar na estruturao de seu saber que vai adquirindo, procedendo posteriormente sua reconstruo e fixando-o ativamente. Esta tambm utilizada apenas pelo prazer que usufrumos dela (a msica pela musica, pelo simples prazer de fazer musica), assim como de sublimao (movimento pulsional dirigido para um determinado fim). Atualmente, esta tambm considerada cientificamente uma disciplina paramdica atravs da musicoterapia tendo o estatuto de auxiliar de sade fsica e mental do indivduo (Sekeff, 2002). Paralelamente a outras artes, vemos que a msica tem maior poder de atuao sobre o indivduo, tendo em conta a sua excecional fora biolgica. Por ser uma forma do comportamento humano, a msica exerce uma influncia nica e poderosa sobre o homem, qualquer que seja o seu objetivo, alegria, tristeza, exaltao cvica ou recolhimento religioso. Esta relaciona-se sempre com o homem, uma vez que nasceu da sua mente, das suas emoes, o que lhe confere, por isso mesmo, um poder magntico que permite atingi-lo. A comunicao, a identificao, a fantasia, a expresso pessoal, so algumas das vantagens que 14. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 6 a msica concede e provoca no indivduo conduzindo-o desta forma ao conhecimento de si mesmo, afirma Benenzon (1985). A linguagem musical muitos mais do que um recurso de combinao e explorao de rudos, sons e silncios na procura do chamado lado esttico, tambm um meio de expresso (sentimentos, ideias, valores, cultura, ideologia); de comunicao (do individuo com ele mesmo e com o meio circundante), de gratificao (psquica, emocional, artstica); de mobilizao (fsica, motora, afetiva e intelectual) e de autorrealizao (pois o individuo com aptides artstico-musicais mais cedo ou mais tarde direciona-se nesse sentido, criando ou seja, compondo, improvisando, recriando ou meramente apreciando, vivenciando o prazer de escutar) (Sekeff, 2002). 1.1- O carcter teraputico da msica O recurso da msica utilizado com o objetivo de conservar a sade, a felicidade e o conforto do homem. A boa msica harmoniza o ser humano, trazendo-o de volta a padres mais saudveis de pensamento, sentimento e ao, conseguindo renovar a divina harmonia e o ritmo do corpo, das emoes e do esprito (Benenzon, 1985). Ao falar apenas de msica, limitamo-nos a todo um mundo de fenmenos acsticos e de movimento, que envolvem e tornam possvel o fenmeno musical. Mas esses fenmenos separados e livres podem ser definidos como no-musicais e servir aos efeitos teraputicos tanto ou mais que o fenmeno musical propriamente dito. A Msica arte e cincia, dois elementos que correspondem a um processo evolutivo do ser humano. Segundo Benenzon (2004), a msica possui a capacidade de mover o ser humano tanto a nvel fsico, como a nvel psquico. Em Musicoterapia este poder da msica utiliza-se para atingir objetivos teraputicos, mantendo, melhorando e recuperando deste modo o funcionamento fsico, cognitivo, emocional e social das pessoas. a partir desta relao, que a Musicoterapia estabelece a sua base de trabalho. uma forma de tratamento que recorre a toda e qualquer manifestao sonora para produzir efeitos teraputicos. Ou seja, atravs do uso da msica, de sons e de movimento, estabelece-se uma relao de ajuda, onde a Musicoterapia tem como objetivo auxiliar o seu paciente nas suas necessidades como a preveno e reabilitao, bem como a melhor interao do indivduo com a sociedade. 15. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 7 Podem acontecer melhoramentos nos aspetos, cognitivo, afetivo, psicomotor e social, atravs de instrumentos simples com jogos recreativos e atividades rtmicas, contadas e dramatizadas. A msica o canal de comunicao. O processo musicoteraputico composto por trs fases essenciais, muito semelhantes s fases cronolgicas de aquisio da linguagem na criana (Carvalho, 1998): - O prazer de escutar; prende-se com o holding musical e gratificao fusional. Equivale fase onde o som da voz da me percecionado pela criana causa prazer ou desprazer. Desta forma torna-se imprescindvel uma predominncia do prazer de ouvir, para que posteriormente exista uma evoluo benfica; - O desejo de escutar; exprime-se por uma distino primria, na edificao da identidade sonora do indivduo, a satisfao de imitar, pela tomada de conscincia do outro e a vontade de ouvir. semelhana da identificao sua prpria imagem no espelho, a criana passa de igual forma a reconhecer, a sua prpria voz, distinguindo-a da voz materna tais como das outras vozes; - Emergncia de simbolizao; a par da emergncia de significao afetiva e simbolizao, verifica-se a execuo da identidade sonoro-musical, expressa pela capacidade de improvisao, dilogo e criatividade musical. Revelando-se posteriormente uma rea potencialmente criativa, com grande importncia comunicacional. A msica tem vindo a ser apontada como um recurso teraputico complementar que abrange dimenses fsicas (atravs do relaxamento muscular alivia a ansiedade, a depresso a facilita a participao em atividades fsicas); mentais e psicolgicas (refora a identidade, o autoconceito, promove a expresso verbal e favorece a fantasia); sociais (promove a participao em grupo, o entretenimento e a discusso); espirituais (facilita a expresso e o conforto espiritual, a expresso de dvidas, raiva e de medo) (Bruscia, 2000). Tendo em considerao os indivduos que apresentam deficincias ou problemas fsicos, afetivos, mentais ou de integrao social, no ser demais enfatizar a influncia e o poder que caracterizam a msica no desenvolvimento integral do ser humano. Nestes casos, a funo educativa da msica amplia-se para dar lugar funo teraputica, dependendo dela, em parte, o encaminhamento do indivduo no sentido da sua recuperao (Benenzon, 1985). Nesta perspetiva a Musicoterapia a disciplina paramdica que utiliza o som, a msica e o movimento, para produzir efeitos progressivos de comunicao, com o objetivo de empreender atravs deles o processo de integrao e de recuperao do doente na sociedade. 16. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 8 A msica possui uma fora de associao e evocao extraordinrias, mesmo nos indivduos considerados no musicais. Atravs dela so criadas imagens mentais, sendo ao mesmo tempo uma atividade concreta e positiva com as suas leis fsicas e lgicas em domnios muito diferentes. Podemos no a ver, no a tocar, no a escutar, mas excetuando os indivduos surdos impossvel no a ouvir. Quando, atravs do tato percebemos o pulso, estamos realmente a sentir um ritmo no audvel mas igualmente capaz de se imitar por meio de movimentos quer utilizando os ps, as palmas ou a voz. Embora no faamos musica com este procedimento, algo de grande importncia para a Musicoterapia (Benenzon, 2004). uma aproximao sensorial sonora com fins teraputicos, de um certo nmero de dificuldades psicolgicas e de patologias mentais. O contedo das sesses caracterizado pela experincia sonora e musical que compreende as interaes entre o paciente, a msica e o terapeuta. Embora reconhecendo que a musicoterapia dever ser exclusivamente realizada por tcnicos especializados, considera-se importante saber o papel que desempenha a Msica na educao (reeducao). De acordo com Benenzon (1985), a msica tem como principal papel atuar como tcnica psicolgica e como objetivo teraputico na modificao de problemas emocionais, das atitudes, da energia e da dinmica psquica. O uso do corpo como instrumento de movimento e percusso extremamente importante na aplicao da terapia deficincia mental, caracterizada pela rigidez de movimentos (resultando dificuldade de coordenar o gesto com a melodia). Com a msica podemos remover o controlo sobre os mesmos facilitando a capacidade de improviso, no devendo por isso os exerccios ter estruturas rgidas. 1.2 A Musicoterapia A Musicoterapia hoje possui vrias definies e compreenses de sua prtica, que variam de acordo com a abordagem e a linha de prtica que cada musicoterapeuta adota no seu trabalho teraputico, Bruscia (2000) traz sessenta e uma definies de acordo com os mais diferentes autores e associaes de todo o mundo. Entende-se por terapia todos os meios que se utilizam para curar ou prevenir transtornos fsicos e psquicos no homem. Musicoterapia consiste em utilizar a msica como terapia para curar. Contudo, a finalidade no criar msica esteticamente correta, mas entender as dificuldades tcnicas e a forma; a msica funciona como uma linguagem; a utilizao da msica e/ou dos seus elementos musicais (som, ritmo, melodia, harmonia, 17. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 9 intensidade, etc.) por algum qualificado, com um indivduo ou um grupo de indivduos, num processo planificado, com o objetivo de facilitar e promover a comunicao, a relao, a aprendizagem, a mobilidade, a expresso, a organizao e outros objetivos teraputicos importantes, favorecendo o desenvolvimento da coordenao motora, o equilbrio afetivo/emocional, para alm de desenvolver capacidades de comunicao, expresso de ideias e sentimentos que vo ao encontro das suas necessidades fsicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas e, em consequncia, adquirir uma melhor qualidade de vida, atravs da preveno, reabilitao ou tratamento de comportamentos desviantes (Word Federation of Music Therapy, 1985). O desenvolvimento desta terapia foi acelerado a partir da 2 Guerra Mundial nos hospitais para a recuperao e reabilitao dos feridos de Guerra nos E.U.A, tratando-se assim de uma cincia muito recente. Desde ento a pesquisa da relao som/ser humano, a sua dinmica normal, e o seu uso teraputico tem crescido de ano para ano (APEMESP, 1998). Em Portugal, a Associao Portuguesa de Musicoterapia foi criada em 1996. Os musicoterapeutas usam o mundo sonoro para facilitar processos teraputicos e baseiam-se em quatro dimenses gerais do indivduo: fsica, emocional, cognitiva e social (Toro, 2000; Bruscia, 2000; Comisso de Prtica Clnica da Federao Mundial de Musicoterapia, 1996). Por um nmero incontvel de razes, a musicoterapia significa algo de diferente de pessoa para pessoa. Muitas diferenas surgem da natureza esquiva da musicoterapia. So muito os aspetos que dificultam a definio de Musicoterapia, tanto no campo dos conhecimentos como no das prticas. Principalmente a musica e a terapia, as quais por sua vez possuem os seus limites pouco definidos. A fuso da msica com a terapia em simultneo uma arte, uma cincia e um processo interpessoal. Como modalidade teraputica incrivelmente diversa na aplicao, nos seus mtodos e na sua respetiva orientao terica. Como tradio universal, esta marcada pelas diferenas culturais tais como uma disciplina e uma profisso contendo desta forma uma dupla identidade, como um campo novo de estudo que se encontra no processo de desenvolvimento (Bruscia, 2000). Para Leite (2005), musicoterapia assenta a sua definio nos seguintes pontos como ingredientes: a msica no sentido alargado (aplicada a problemas ou patologias, mas tambm no sentido preventivo); o objetivo teraputico (conhecer a patologia o melhor mtodo de definir formas de atuao); a dimenso fsica e mental; e a relao teraputica. 18. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 10 A Musicoterapia no tem a pretenso de substituir outras terapias, apenas adquire interesse e eficcia no caso de as indicaes serem corretamente colocadas e de a sua interveno ser integrada, num projeto teraputico global e coerente. Segundo Gagnard (1974), notrio o crescente desenvolvimento das crianas portadoras de deficincia (mental ou outras), mostrando uma melhoria sensvel, nas perturbaes, a nvel comportamental e nas atividades escolares. A definio desta terapia difcil como a prpria definio de msica. As questes e problemticas subjacentes s mesmas, so muito idnticas. As componentes da terapia, assim como os elementos da msica so numerosos e sobrepem-se s experiencias dentro da prpria terapia, tais como as experiencias musicais que so muito variadas e do-se em muitos nveis. Tal como difcil separar a msica das outras artes, igualmente difcil distinguir a terapia da educao, do desenvolvimento, do conhecimento, da cura e de uma inmera variedade de fenmenos descritos como teraputicos. Em suma, difcil estabelecer um critrio de o que ou no terapia, tal como complicado quando se trata de estabelecer critrios que definam o que msica e o que no (Bruscia, 2000). Para se estabelecer a comunicao na Musicoterapia so utilizados os recursos da msica nomeadamente outras formas de expresso tais como movimentos corporais, dinmicas, e atividades criativas dinamizadas. As palavras proferidas verbalmente, na maioria das vezes disfaram o que efetivamente se pretende dizer, desta forma, a Musicoterapia ao recorrer linguagem no verbal de forma prioritria adquire mais potencialidades de forma a estabelecer interaes entre as pessoas. Frequentemente, a msica reconhecida, como uma espcie de linguagem emocional, possuindo a capacidade de alcanar reas da nossa psique que realizam informaes e que ns, por motivos de ordem vria, no comunicamos com percetibilidade a ns mesmos (Ruud, 1990, p.89). Atualmente, h um interesse crescente em perceber os efeitos neurolgicos da msica. Consequentemente, estudos tm revelado, segundo o autor supracitado que a msica vai do ouvido ao centro do crebro e do sistema lmbico, que gere as repostas emocionais dor e ao prazer, assim como os procedimentos involuntrios, como temperatura do corpo e presso sangunea. A msica presumivelmente impulsiona um fluxo de memria armazenada atravs do corpus collosum ou corpo caloso. Consequentemente, a msica intensifica evocao de memrias associativas. Esta, posteriormente tambm possui a capacidade de 19. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 11 estimular os peptdeos, agentes que liberam no crebro as endorfinas, as quais produzem um pico natural e assumem um papel de inibidor natural da experiencia da dor. A interao entre o paciente e o musicoterapeuta no decorrer do processo musicoteraputico ocorre atravs da linguagem musical, ou seja, recorre-se msica como ponto de partida para o crescimento do processo teraputico. Pretende-se que as pessoas tomem conscincia da sua dimenso musical. A expresso musical do indivduo o ponto alto que proporciona ao musicoterapeuta os meios ideais que tornam exequvel o procedimento musicoteraputico. Num nvel integral, o trabalho com Musicoterapia, pode ter como objetivos a atingir o fortalecimento e/ou despertar do potencial criativo e afetivo, suporte emocional, fsico e espiritual. Estimular o desejo de mudana, alterar e fomentar um ambiente interno e externo mais sereno, harmnico e prospero so aspetos perfeitamente possveis de ser trabalhados, bem como colaborar para a progresso da conscincia de grupo, sentimentos de pertena, responsabilidade com as aes, palavras e sentimentos. medida que a pessoa se sente integrada, a mesma coisa acontece com seu mundo (Maslow apud Fadiman & Frager, 1979,p.272). Alguns dos benefcios do trabalho msicoteraputico so o elevar a habilidade percetiva da realidade, adquirir capacidade de superao dos limites e refinamento das habilidades comunicativas e relacionais. O desenvolvimento de capacidades musicais e da aprendizagem de instrumentos, embora no seja a grande meta da musicoterapia, pode ser usada para atingir determinados objetivos do processo teraputico (Barcellos, 2002). Do ponto de vista metodolgico, contemplam trs variveis intimamente relacionadas: o indivduo; a msica e terapeuta (orientador e facilitador da terapia). 20. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 12 1.3- O papel do musicoterapeuta O musicoterapeuta pode utilizar apenas um som, recorrer a apenas um ritmo, escolher uma msica conhecida e at mesmo fazer com que a criana crie sua prpria msica. Tudo depende da disponibilidade e da vontade do paciente e dos objetivos do musicoterapeuta. Os musicoterapeutas distinguem-se entre si pela sua forma individual, prpria e caracterstica como desenvolvem e concretizam as suas terapias, esta forma particular e distinta com que cada musicoterapeuta exerce a sua prtica deve-se ao facto destes possurem reas diferentes de especializao assim como a sua respetiva orientao clnica na rea em que exercem (Benenzon 2004). A Musicoterapia uma actividade clnica que, para ser exercida com qualidade e de forma eticamente correta, exige formao acadmica especializada. Ento, o profissional responsvel por conduzir o processo chamado Musicoterapeuta. A formao desse profissional feita em cursos de graduao em musicoterapia ou como especializao para profissionais da rea de sade (medicina ou psicologia) (Bruscia 2000). Segundo o mesmo autor, parte do processo teraputico do qual o musicoterapeuta observa e envolve o paciente em vrias experincias musicais, com o objetivo de o compreender melhor como pessoa e para identificao dos seus problemas, necessidades e preocupaes que conduzem o paciente a esta terapia. H vrias aproximaes, de diagnsticos, dependendo dos objetivos do terapeuta. O musicoterapeuta deve estar preparado sempre para danar, saltar, correr, deitar-se no solo, contanto sempre com qualquer tipo de reao por parte do paciente seja ela passiva ou no. Segundo Benenzon (2004), o paciente e o musicoterapeuta tm tendncia para manter um equilbrio instvel, pois nenhum sistema pode ser esttico caso contrrio no poderia existir um processo de comunicao. Esta realiza-se precisamente do desequilbrio permanente provindo das descargas de tenso, que interagindo tm tendncia para se equilibrar. Este sistema que mantm e recupera constantemente o equilbrio das tenses descarregadas, caracteriza a ligao e posteriormente influenciada pela personalidade e pelos comportamentos dos que participam no processo relacional. A atividade do Musicoterapeuta pode, em certos casos, ultrapassar as fronteiras da interveno clnica propriamente dita, para se situar em projetos de promoo e manuteno de bem-estar dirigidas a pessoas saudveis e tambm a pessoas que, por padecerem de 21. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 13 condies crnicas, procuram cuidar do seu bem-estar de forma ativa e adaptada s suas circunstncias de vida. A Musicoterapia distingue-se ainda pela sua diversidade. Ela utilizada nas escolas, hospitais, centros de reabilitao, centros sociais, asilos, centros de desenvolvimento infantil, instituies de sade mental, prises entre outros. O tipo de pacientes em que se aplica a prtica inclui crianas autistas, assim como crianas com transtornos emocionais, adultos com transtornos psiquitricos, crianas e adultos com deficincia mental, pessoas invisuais, com problemas auditivos, motores de linguagem, meninos com problemas de aprendizagem, crianas vtimas de abusos, com problemas comportamentais, reclusos, pessoas com doenas terminais, assim como adultos neurticos. Tambm se utilizam as mesmas tcnicas para ajudar pessoas saudveis, para reduzir o stress, para o parto, de modo a ajudar a controlar a dor, na autorrealizao e no desenvolvimento espiritual. Os objetivos e os mtodos da musicoterapia, naturalmente variam consoante o cenrio, o msico, o terapeuta em questo, podem ser educativos, recreativos, de reabilitao, preventivos, ou psicoteraputicos, tentando todas ir ao encontro das necessidades individuais de cada paciente. , assim, variada e abrangente a profisso do Musicoterapeuta, podendo ser vulgarmente exercida em Hospitais Psiquitricos, Clnicas Externas, SPAs, Centros Juvenis, de Correo, de Desintoxicao (lcool e/ou drogas), etc., escolas, e em todos os locais privados onde se trata do bem-estar e da sade (Bruscia, 2000). 1.4- Os objetivos da musicoterapia O objetivo primordial da Musicoterapia no o saber msica, mas o alvio do sofrimento psquico atravs de produes no mundo dos sons. No interessa que tipo de sons, de msica ou de rudos que os indivduos produzem, mas que os produzam, que os criem, que atravs deles expressem os seus sentimentos e emoes. Uma das ideias base que a msica parte do indivduo; outra que a patologia revela-se na msica produzida e por fim, fazer msica ajuda-nos a concentrarmo-nos no problema e a partir da, criar a mudana (Leite, 2005). Cada pessoa tem a sua prpria interpretao da msica que ouve. O que ouve e a forma como o interpreta so uma criao que vm dela e que corresponde s suas experincias fsica, intelectual e emotiva. O efeito sentimental depende do grau de sensibilidade do sujeito e a influncia sobre o cognitivo depende da cultura musical da pessoa. Por outro lado, a 22. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 14 msica atua como um estimulador poderoso da imaginao, ativando os registos subconscientes e criando a necessidade de os exteriorizar, sob a forma de acompanhamento ou de criao musical (corporal, oral ou instrumental). Ao ouvir, ao acompanhar ou ao "fazer" msica, o indivduo sente concretizarem-se as suas realidades interiores, como se realizasse um sonho (satisfao de desejos, na perspetiva psicanaltica), ao mesmo tempo que catarticamente se liberta das suas tenses que se encontravam latentes (Alvin, 1973). A prtica da msica como terapia implica uma interveno sistematizada que inclui levantamento de dados sobre a pessoa, a patologia e a msica; a identificao do problema, a definio dos objetivos, o planeamento de atividades e estratgias e a avaliao dos resultados. O Princpio de ISO, introduzido por Benezon, envolve uma srie de pesquisas que vo desde a sonoridade da pessoa (o que ouve, preferncias musicais, ambiente em que vive); sonoridade do momento (a que que o sistema permevel) e sonoridade do grupo (porque cada grupo tem caractersticas prprias) (Leite, 2005; Benezon, 1985). Segundo Bruscia (2000), a musicoterapia, um processo sistemtico no contempla acontecimentos ao acaso ou situaes casuais ou pontuais. um processo planificado e controlado, cujos resultados no so atos fortuitos. Para descrever o processo de musicoterapia podemos utilizar inmeros adjetivos tais como controlado, planificado, prescrito, cientfico, estruturado, integrado entre outros. Uma interveno teraputica geralmente efetuada por todo um conjunto de intervenes programadas tambm com finalidades teraputicas. O musicoterapeuta deve estar perfeitamente integrado na equipa que diagnostica, onde projeta e avalia os resultados desta interveno conjunta, conhecendo profundamente o quadro clnico da criana e conhecendo bem o processamento das outras abordagens complementares. Neste contexto, o musicoterapeuta necessita de especificar se desenvolver as sesses individualmente ou em grupo, o nmero de sesses por semana, o tempo de durao de cada sesso; durante quanto tempo (nmero de sesses) se efetuar a interveno musico teraputica (Verdeau-Paills, 1985). A interveno da msica decorre ainda a vrios nveis tais como: fisiolgico, afetivo, intelectual, comunicao, identificao, associao e autoexpresso. A Musicoterapia contempla objetivos claros que contm sempre um propsito. O paciente recorre sempre a esta prtica por razes especficas e o musicoterapeuta trabalha sempre com este intenes e objetivos especficos na sua mente. A Musicoterapia tambm temporalmente organizada no tempo, mesmo naquelas alturas em que o processo ocorre de uma forma espontnea, contm sempre uma inteno de organizar as experincias com 23. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 15 sequncias evolutivas e significativas para o paciente em lugares regulares, planificados, impondo limite de tempo, em cada sesso respetivamente. Finalmente, esta tambm possui um carcter metdico, pois um procedimento que s se pode concretizar recorrendo a trs etapas bsicas levadas a cabo separadamente ou em simultneo: o diagnstico, tratamento, e avaliao (Bruscia 2000). Segundo Frager (1979), a Musicoterapia recorre a vrias tcnicas no apenas passivas onde o paciente desempenha um papel apenas de ouvinte, mas tambm ativas onde paciente por sua vez procede a produo de msicas, assim como execuo de movimentos corporais, recorrendo a processos verbais entre outros, obtendo desta forma resultados extremamente benficos no apenas no aspeto psicolgico, mas tambm no aspeto fsico e emocional. O prazer musical desencadeia, a nvel qumico no corpo, efeitos fisiolgicos que aumentam as defesas naturais, diminui a dor, etc. No contexto de clinicas, hospitais entre outros, por exemplo, as sesses podem ser individuais ou sesses englobando todos os pacientes, promovendo assim uma integrao, e muitos outros aspetos benficos, alm da possibilidade dos familiares do paciente poderem participar nestes trabalhos, gerando outra profundidade e poder da terapia. de igual forma enriquecedor quando o processo abrange os funcionrios da instituio, permitindo que a equipa toda esteja melhor alinhada e em condies pessoais e internas mais estveis onde tm a possibilidade de desempenhar mais adequadamente as suas funes como agentes de cura. O mesmo exemplo pode-se aplicar perfeitamente relativamente a outros contextos e reas onde a musicoterapia pode ser aplicada, nomeadamente escolas, lares, creches, espaos teraputicos em geral, espaos relacionados ao autoconhecimento. A Musicoterapia, pode enquadrar-se em diversas reas e nveis de prtica, em conformidade com o contexto a que se aplica, assim como o publico e ambiente que se destina, como por exemplo a Musicoterapia Didtica, que trabalha em paralelo com a rea educacional e a Musicoterapia Comunitria, que faz parte da rea social, (Michalovicz, 2012). A musicoterapia comunitria segundo Bruscia (2000, p.237 a 268), uma prtica na rea ecolgica, que possui um viso e emprego da msica e da Musicoterapia propondo promover a sade e harmonia entre os diferentes estratos sociais, culturais e ambientais. Nesta conceo de prtica o termo cliente/paciente alargado para comunidade. O termo de Comunidade aqui significa um grupo de pessoas agregadas em determinado local, onde esto agrupadas por deliberao prpria ou por agentes fundamentais sejam eles fsicos, sociais, de sade ou ambientais. 24. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 16 A Musicoterapia deveria ser vista como uma actividade cultural paralelamente a uma modalidade teraputica. A msica e a musicoterapia desempenham um papel relevante na construo de melhores condies que proporcionam uma melhoria na qualidade de vida das pessoas e consequentemente do grupo a que elas pertencem ou fazem parte numa dada altura: elas ampliam a nossa percepo emocional, instalam um senso de mediao, promovem a pertinncia e d significado e coerncia a vida (RUUD, apud Bruscia, 2000. p.239). Segundo Araujo (ARAUJO, apud Brando & Bomfin, 1999, p.121) considera a musica como um excelente recurso metodolgico revelando a sua eficacidade na estruturao e consolidao das identidades comunitrias. Este, considera a musica como uma das manifestaes artsticas mais relevantes e com maior significado : um veiculo legtimo de expresso do amor, paixo, da luta reivindicadora popular, da crena religiosa, das esperanas e sonhos coletivos, da cultura de um modo geral e dos movimentos culturais. A Musicoterapia pode assim se considerada como uma prtica didtica a um nvel auxiliar a ser empregue dentro da escola. As prticas didticas so as que tm como principal objectivo ajudar os pacientes a alcanarem os conhecimentos, comportamentos e habilidades imprescendiveis para a vida operante e autonoma e para a sua posterior integrao social. Tal engloba todas as aplicaes da musicoterapia em salas de aulas em que os objetivos fundamentais do programa so de natureza particularmente educacionais. (Bruscia, 2000) O musicoterapeuta ouve os problemas dos alunos quer pessoais como de sade ou educacionais, pesquisa a natureza dos mesmos e suas implicaes no desenvolvimento educacional, pretende ajudar o paciente/aluno a alcanar a sade superarando estes obstculos. Em Musicoterapia a aprendizagem musical apenas um meio para atingir um fim, os objetivos so fundamentalmente relacionados com a sade e em segundo plano estticos ou musicais. Reala-se deste modo o mundo musical particular da pessoa (aluno/paciente) abordando-se questes de sade que podem ser trabalhadas atravs da msica e seus respectivos elementos (Bruscia, 2000). A aplicao da Musicoterapia pode ser nos contextos mais distintos, reas e diferentes pblicos. A durao das sesses varia consoante a disponibilidade e dependendo das situaes a serem trabalhadas podem por isso duram aproximadamente uma hora, serem realizadas em grupo, ou tambm individualmente. 25. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 17 CAPTULO II: - CONCEPTUALIZAO TERICA DO AUTISMO 26. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 18 2. Conceito Na perspetiva de Marco, J. e Rivire. A (1998, citado por Saldanha, A. 2009), autista o individuo para a qual as restantes pessoas resultam opacas e imprescindveis; a pessoa que vive distante, mentalmente ausente no meio social que o rodeia, aquele que no possui capacidade para pautar e orientar o seu comportamento atravs da comunicao. Autista, aquela pessoa que fruto de um acidente da natureza seja este gentico, metablico, infecioso, entre outros, e que por esse motivo foi impedido a aceder intersubjetividade, ao mundo interno das outras pessoas, mantendo as portas fechadas do seu mundo para a sociedade em geral e at para sim mesmo. O Autismo, segundo Correia (1999) um problema neurolgico que afeta a perceo, o pensamento e a ateno, manifestando-se a partir dos primeiros anos de vida expressa numa perturbao comportamental. Segundo este autor, esta desordem pode, igualmente estar relacionada a outras problemticas tais como deficincia visual, a deficincia auditiva e a epilepsia. No existem praticamente sinais que evidenciam a presena de problemas associados com o autismo desde o nascimento e ao longo dos primeiros meses de vida, revelando consequentemente ser uma criana perfeitamente normal. A Associao Mdica Americana menciona o facto de que apenas por volta dos trinta meses que se podem observar algumas anomalias no desenvolvimento da criana. Esta inicia um processo de regresso a nvel de linguagem, cessa de responder a diferentes estmulos, revela renitncia aos carinhos dos pais e podendo mesmo gritar se algum segurar nela ao colo (Nielsen, 1999). Marques (2000), tambm define o autismo como sendo uma perturbao que prejudica o progresso de uma criana nas vrias reas do seu desenvolvimento, tal como no modo de compreender e de se relacionar com o mundo. A necessidade natural de contacto social, no est implcita nas crianas com autismo a relao e interao no seu meio circundante -lhes indiferente. Podemos considerar, que um distrbio que impossibilita uma criana ou jovem de fomentar relaes sociais comuns, comportando-se manifestamente de maneira compulsiva ritualista e em regra geral no desenvolvendo a inteligncia normal. Segundo Siegel (2008), o autismo uma perturbao do desenvolvimento que afeta variados aspetos do modo como a criana olha o mundo e descobre a partir das suas experincias prprias. As crianas com autismo no revelam o interesse habitual na interao social. A afabilidade e posterior aceitao dos outros no desempenha o papel importante que regularmente assumem para as crianas em geral. O autismo no resultante de uma evidente ausncia de desejo de pertena, mas sim na relativizao do mesmo, ainda a forma melhor 27. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 19 reconhecida e mais habitual de um grupo de perturbaes coletivamente denominadas por Perturbaes Globais do Desenvolvimento. Pode causar alguma confuso o facto de, em momentos distintos do passado e em pases diferentes, recorrerem a diversas designaes para o autismo e para perturbaes como ele relacionadas. O termo perturbaes globais do desenvolvimento (ou PGD) utilizado para descrever o autismo (perturbao autista), assim como um conjunto de PGD no autistas (tal como a perturbao). ainda relatada pelo psiquiatra peditrico Kanner (1943) citado por Marques (2000) como sendo uma perturbao do desenvolvimento psicolgico que afeta diretamente o modo como as pessoas traduzem emoes, expresses e aes e por Correia (1999) como um problema neurolgico que afeta a perceo, o pensamento e a ateno expresso numa desordem desenvolvimental vitalcia desencadeada nos trs primeiros anos de vida Segundo Frith (1989), citado em Pereira (1998) autismo de igual forma uma deficincia mental especfica que afeta de forma expressiva as interaes sociais, a comunicao verbal e no- verbal, a atividade imaginativa e se exposta por meio de um reportrio limitado de atividades e interesses. Subsistem disfuncionamentos caractersticos no indivduo com autismo no que diz respeito aos sistemas relacionados com a resposta a estmulos externos e internos, nomeadamente, aos processos intencionais assim como s respostas imagticas e verbais. 2.1- Perturbao do espectro do autismo Os livros que relatam a histria de uma criana com autismo particular podem, inicialmente, serem particularmente falaciosos pois certos aspetos descritos podem provir de uma forma caracterstica do autismo e outras podem derivar da respetiva personalidade individual. Para designar uma criana que manifesta muitos poucos sintomas de autismo, ou que mostra manifestaes menos graves desta perturbao existem diferentes rtulos. So utilizadas por vezes, expresses do gnero tipo autista, tendncias autistas, perturbao global do desenvolvimento ou sndroma de Asperger (Siegel, 2008). cada vez mais reconhecido o facto que muitas perturbaes do neurodesenvolvimento ficam melhor descritas se forem integradas no espectro do autismo. A expresso perturbaes do espectro, significa particularmente, que persistem diversas variantes e expresses parciais de uma determinada perturbao em pessoa com risco biolgico e familiares idnticas. Surgindo desta forma a designao de perturbao do espectro do autismo (Murpy, Bolton, Pickles, Fombonne, Piven & Rutter, 2000). 28. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 20 Reconheceremos a existncia de vrios autismos (Avarez & Reid, 1999; Cavalcanti & Rocha, 1997, 2001; Sacks, 1995, citado in Luciana Pires, 2007). Existem de facto, vrios autismos, em primeiro lugar, porque so nicos, os indivduos autistas e em segundo lugar, porque no podemos considerar o autismo como sendo um diagnstico que contm uma serie de outros diagnsticos virtuais. Tal constatao sustenta a fundamentao da afirmao de subgrupos dentro do que se convencionou chamar de espectro autista. O que existe de comum entre os vrios autismos (e autistas) o reconhecimento de dificuldades ligadas a trs reas prioritariamente: integrao, comunicao e brincar (Alvarez & Reid, 1999;Saks, 1995; Wing & Attwod, 1987); citado in Luciana Pires, 2007). As PEA consistem numa perturbao grave do neurodesenvolvimento e manifestam- se atravs de dificuldades muito particulares da comunicao e da interao, relacionadas na dificuldade em utilizar a imaginao, em admitir mudanas de rotinas e manifestao de condutas estereotipadas e limitadas. Estas perturbaes incluem um dfice na flexibilidade de pensamento, um modo muito particular de adquirir as suas aprendizagens e um difcil contacto e comunicao do indivduo com o meio envolvente, (Jordan, 2000). Para determinar o autismo, existe um conjunto de dificuldades nos trs domnios que o caracterizam, uma s caracterstica no o suficiente para o definir. Uma das caractersticas mais evidentes do autismo so os problemas de interao social. As crianas autistas no respondem quando as chamam pelo nome e abstm-se muitas vezes do contacto visual. Possuem dificuldades em entender as pessoas, os gestos, a interpretar o tom de voz ou a expresso facial e emoes. Mostram no possuir conscincia da existncia dos sentimentos por parte dos outros e do posterior impacto negativo dos seus comportamentos nos outros (Siegel, 2008). Por vezes, algumas pessoas com autismo tm, tendncia a terem comportamentos agressivos particularmente quando esto num meio desconhecido e inquietante, ou quando esto manifestamente irritados, frustradas ou sob o efeito da sua hipersensibilidade aos estmulos e apresentam os problemas de comunicao: mais de metade das pessoas com autismo no falaro ao longo de toda a sua vida. As que falam comeam a falar tardiamente e referem-se a si prprias recorrendo ao seu nome em vez de utilizarem o eu. Utilizam a linguagem de uma forma particular. Uns utilizam somente uma palavra, outras insistem na repetio da mesma frase em qualquer situao. comum falarem de uma forma cantada e monocrdica acerca de um nmero restrito dos seus temas favoritos, sem demostrar preocupao com o interesse da pessoa com quem falam. Para alm da sua capacidade de 29. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 21 falar, como aprender o sentido da comunicao um dos grandes problemas de todas as pessoas com autismo (Hewitt, 2006). Apesar da maioria das vezes as pessoas com autismo apresentarem uma aparncia fsica normal e bom controlo muscular, grande parte delas possui movimentos bizarros e repetitivos tais como balanar-se, tocar nos cabelos, ou comportamentos autoagressivos tais como morderem-se ou bater com a cabea. Estas condutas manifestam-se muitas vezes derivado ao obstculo que a comunicao o condiciona ou de problemas em entender o significado social dos comportamentos ou provm ainda de uma sensibilidade excessiva a determinados estmulos sentidos como incmodos. A sensibilidade invulgar ao tato pode colaborar para a resistncia s carcias. Algumas pessoas com autismo tendem a realizar de forma repetida sempre as mesmas atividades sem interrupo. Uma pequena mudana na rotina pode ser especialmente transtornante. As crianas com autismo excecionalmente entram em jogos do faz de conta, pois possuem extrema dificuldade em tudo o que se prende a jogos imaginativos ou jogos simblicos (Marques, 2000). No existe um teste nico que possa ser aplicado para se realizar o diagnstico. As perturbaes do espectro do autismo constituem uma sndroma, o que significa que os indivduos atingidos pela perturbao no manifestaro todos os indcios e sintomas a ela relacionados. Os pais, frequentemente, dizem que o seu filho no se assemelha s crianas com autismo relatadas em livros que os mesmos leram sobre a perturbao em questo, antes de criana ser diagnosticado autismo ou PGD. Tal sucede porque no h duas crianas com autismo semelhantes, da mesma maneira que no existem duas crianas com desenvolvimento regular que sejam iguais. A maioria funciona de facto num grau de dificuldades a nvel de aprendizagens, apresentando-se fracas ou moderadas. Por outro lado, apresentam-se numa minoria impressionante conhecida como sbios revelando por sua vez competncias magnficas, muito acima das aptides comuns nos campos da matemtica, msica, desenho e memria. O termo Sndroma de Asperger muitas vezes empregue para proceder descrio das pessoas que apesar de manifestar um comportamento notoriamente autista possuem um bom desenvolvimento da linguagem. difcil proceder a avaliao do nvel de funcionamento intelectual das pessoas com autismo devido aos dfices a nvel social e de linguagem que interferem com a avaliao (Siegel, 2008). 30. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 22 Figura1. Perturbaes globais do desenvolvimento: perturbaes do espectro do autismo Fonte: Siegel, (2008;p.22). Figura 2: Perturbaes do espectro do autismo e outras perturbaes do desenvolvimento Fonte: Siegel, (2008; p.23) As Figuras 1 e 2, respetivamente, elucidam onde se localiza o autismo (perturbao autista), relativamente s diversas PGD existentes, mostrando tambm as ligaes entre o autismo e as restantes perturbaes globais do desenvolvimento com as quais por vezes confundido. Os esquemas aqui apresentados pretendem dar uma ideia global de como os diferentes termos utilizados nos diagnsticos se relacionam entre si. 31. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 23 2.2- Classificao Segundo Siegel (2008), o diagnstico tem dois propsitos, primeiro, visto como um rtulo, significando que o problema reconhecvel e que j aconteceu anteriormente, o segundo propsito prende-se com a importncia do rtulo ou diagnostico, que este possui permitindo a facilitao ao acesso aos mais diversos servios de apoio respetivamente. O diagnstico nesta problemtica indispensvel e numa primeira instncia, possibilita explicar famlia que a a criana possui, permitindo dar-lhes uma conceo geral daquilo que podero vir a aguardar do seu filho, tais como os sintomas do espectro do autismo na criana em questo, os sintomas mais salientes e os mais moderados, tal como numa exposio dos pontos fracos da criana diagnosticada. Numa segunda instncia diagnosticar permite iniciar um plano de tratamento conduzindo respetivamente a criana aos servios de que dever numa fase posterior vir a poder usufruir, aqueles de que ela carece para colmatar as suas necessidades e dificuldades (Siegel, 2008). Segundo a mesma autora, o diagnstico permite trazer consigo posteriormente o tratamento obedecendo a diversos tipos de servios, ao longo do processo, podem vir a sofrer alteraes conforme a evoluo da criana. Este baseia-se fundamentalmente o comportamento, sendo efetuado atravs da traduo da significao do desvio, da ausncia ou do atraso em determinado comportamento. Como tal, quando mais atempadamente se realizar o diagnstico, mais precocemente se poder intervir, havendo a oportunidade fulcral dessa mesma interveno poder possuir um efeito fulcral no desenvolvimento da criana e na sua famlia. Sabendo que o autismo identificado atravs do comportamento que os indivduos exibem e no por meio de anlises, exames ou testes, o seu diagnstico encontra-se de alguma forma dificultado. O termo autismo tambm utilizado por diversos autores e investigadores com teorias e vises distintas o que leva a que uma dificuldade crescente. Para alm disso, aps a definio que Kanner fez, seguiram-se variados estudos o que tem conduzido a posteriores redefinies da patologia, apesar das caractersticas assinaladas por Kanner se tenham sustentado. O ponto de vista sobre o autismo segundo Kanner (1943) tem vindo a sofrer uma redefinio, embora se conservem as caractersticas por ele assinaladas tais como: incapacidade para o estabelecimento de um relacionamento social; falha no uso comunicativo da linguagem; interesses obsessivos e desejo de se manter isolado; fascnio por objetos; boas capacidades cognitivas; inicio antes dos trinta meses. Posteriormente Eisenberg e Kanner (1956) resumiram as principais caractersticas do autismo em apenas duas: isolamento social e 32. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 24 indiferena aos outros; resistncia s modificaes e rotinas repetitivas. De acordo com Gilbert e Coleman (1992) citados por Marques (2000) a classificao de autismo designa, atualmente, uma categoria de diagnstico mais abrangente. O autismo expresso sintomtica de uma perturbao cerebral provocada por diferentes tipos de leses, que se manifesta atravs de diferentes graus e sintomas, este facto consensual. Apesar de algumas discrepncias e obstculos, a maioria da comunidade cientfica atualmente baseia as suas investigaes num dos dois sistemas de diagnstico formalmente aceites: o DSM -IV (APA) e o ICD 10 (OMS). No DSM -IV, o autismo visto como uma das Perturbaes Globais do Desenvolvimento. De acordo com este sistema de diagnstico, estas Perturbaes abrangem e no apenas o autismo clssico (que aqui emerge com a designao de Perturbao Autstica, autismo infantil precoce, autismo infantil ou autismo de Kanner), mas tambm outras perturbaes que manifestam variaes do autismo clssico. Tais perturbaes so denominadas no DSM-IV como: Perturbao de Rett, Perturbao Desintegrativa da Segunda Infncia, Perturbao de Asperger e Perturbao Global do Desenvolvimento Sem outra especificao (incluindo o Autismo Atpico) (DSM- IV-TR, 2008). Existem cinco diagnsticos especficos do espectro do autismo que abrangem a Perturbao Autstica, a Sndrome de Asperger, a Sndrome de Rett, a Perturbao Desintegrativa da Segunda Infncia e a Perturbao Global do Desenvolvimento sem outra especificao. As causas que distinguem autismo de outras PEA esto patentes no quadro seguinte: 33. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 25 Quadro 1- Fatores que diferenciam o autismo de outras Perturbaes do Espectro do Autismo. a) Critrios autistas b) Pode divergir do autismo c) Difere sempre do autismo Fonte: Lord, C., Rutter M., DiLavore, P.C., & Risi, S. (2002, p15). As caractersticas diagnsticas do autismo, assim como limitaes na rea social e problemas de comunicao, so importantes para diferencia-lo de outras aptides, contudo so relativamente vagos para a conceituao de como um individuo com autismo percebe o mundo, agindo tendo como base esta compreenso e consequentemente aprende (Holmes, 1997). Encontram-se, em seguida as suas caractersticas bsicas que atravs da sua interao, produzem consequentemente os comportamentos que compreendem este transtorno. 34. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 26 Quadro 2 DM-IV Critrios de diagnstico da perturbao autista e da perturbao global do desenvolvimento (2008) Quanto ao Diagnstico Referencial, a identidade de todas as perturbaes descrita pelo conjunto de caractersticas bsicas que as distinguem de outros sndromas ou patologias. Conforme este tipo de diagnstico, na presena de suspeita de autismo deve, como refere Marques (2000) com base no DMS-IV (2008), estabelecer-se essencialmente com as seguintes Perturbaes Pervasivas do Desenvolvimento: Sndroma de Rett (etiologia gentica pelo facto de atingir somente o sexo feminino, com um inicio normal perdendo posteriormente as capacidades adquiridas); Perturbao Desintegrativa da Infncia (desenvolvimento precoce anormal associada de uma desintegrao no explicada, geralmente durante os primeiros cinco anos de vida); Sndroma de Asperger (diagnstico de forma mais tardia do que no autismo pelo facto dos atrasos no serem to marcados); Perturbao 35. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 27 Perversiva do Desenvolvimento no Especfica (presena de menos itens e de menor gravidade do que no diagnostico de autismo); Esquizofrenia (desenvolvimento normal ou quase normal ao longo de vrios anos e existncia de alguns sintomas ativos como as alucinaes); Mutismo seletivo (as crianas com esta patologia demonstram geralmente capacidades comunicativas adequadas em contextos definidos, o que no se processa nas crianas com autismo), Perturbao da Linguagem Expressiva e Perturbao Mista da Expresso e Receo da Linguagem (h uma incapacidade lingustica, mas est dissociada da existncia de uma competncia qualitativa das interaes sociais, nem com os padres de comportamento repetitivos e estereotipados prprios do autismo); Atraso Mental de acordo com o DSM-IV este diagnstico aplica-se a conjunturas em que existe um dfice social qualitativo, um dfice nas capacidades comunicacionais, e caractersticas relativas comportamento prprias do autismo. 2.3- Prevalncia As preocupaes crescentes relativamente prevalncia do autismo por parte dos pais, pelos profissionais de sade t vindo a chamar a ateno dos meios de comunicao social. A investigao inicial apontava que o autismo (estritamente limitado s crianas cujas caractersticas obedeciam a todos os critrios para a perturbao), tinha uma taxa de 4 a 6 sujeitos afetados em cada 10 000 (Wing e Gould, 1979). Um estudo efetuado a meio da dcada de 1980 ampliou ligeiramente os critrios de diagnstico apontando para uma taxa de 10 em cada 10 000 na despistagem da populao total de uma regio geogrfica circunscrita no Canad (Bryson et al., 1988). Estudos epidemiolgicos apresentam uma prevalncia de aproximadamente 1 em cada 200 indivduos (Klin, 2006), sendo esta quatro vezes maior em meninos do que em meninas. Somente no Brasil, embora no existam dados epidemiolgicos estatsticos, estimado pela Associao Brasileira de Autismo que aproximadamente 600 mil pessoas apresentam essa sndrome (Bosa & Callias, 2000), sem contar aqueles que no se enquadram na sua forma tpica. Efetuaram-se novos estudos que se concentraram nas crianas em idade pr-escolar, a partir da investigao anterior. Para isso recorreram a formas de diagnstico normalizadas e onde foram utilizadas tcnicas de averiguao ativas. A partir destes estudos estimavam-se que a prevalncia era de 60, a 70 em 10 000, ou aproximadamente 1 em 150 em todo o 36. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 28 espectro do autismo e 1 em 500 para as crianas com a sndrome completa de Perturbao Autstica (Chakrabarti e Fombonne, 2005). Este crescimento fundamenta-se pelo facto de esta investigao ter examinado todo o especto do autismo. Dependendo da utilizao da definio de autismo, um nmero ligeiramente superior ou inferior de crianas ser avaliado como sendo autista, ou ser considerado como manifestando outra forma de PGD. necessrio ainda ponderar, que a prevalncia de formas no autistas de PGD no est to bem observada quanto a prevalncia do autismo em si. No entanto, em geral, grande parte dos especialistas admite que, se forem considerados em conjunto casos de autismo e de PGD no autistas, e se for aplicada uma notvel liberal definio de autismo, as perturbaes do espectro do autismo apresentam-se em aproximadamente dez a quinze crianas em cada 10 000. Resumidamente, uma criana em cada 650 a 10000 crianas revela perturbaes do espectro do autismo. Num pas com as dimenses dos Estados Unidos, estima-se existirem cerca de 450 000 crianas e adultos apresentando as mais diversas formas de perturbaes do espectro do autismo (Siegel, 2008). Existem alguns estudos onde foram discriminadas as taxas segundo os subtipos especficos das perturbaes globais do desenvolvimento DSM-IV-TR e tornou-se desta forma evidente que a prpria prevalncia do autismo clssico est a aumentar. Chakrabarti e Fombonne, (2005), referem uma taxa de 16,8 por cada 10 000 para a Perturbao Autstica segundo o DMS-IV. de 3 a 4 vezes mais alta do que nas dcadas 80 e 90. Este mesmo estudo menciona de igual forma um acrscimo expressivo das demais perturbaes globais de desenvolvimento. Justifica-se este aumento, tendo por base vrias explicaes sustentando-se em artefactos e outras que se baseiam em fatores de risco ambientais e biolgicos que sugiram recentemente, com o aumento da tomada de conscincia por parte dos clnicos, as prticas de melhor identificao e de referenciao, ferramentas de diagnstico mais sensveis e sistemas de classificao mais vastos. Certos fatores que colocam os bebs e as crianas em maior risco de desenvolver autismo, podem igualmente ter emergido nas ltimas dcadas. Hoje em dia, existe muita coao para se estudarem os fatores ambientais que podem por sua vez contribuir para o acrscimo do nmero de casos que se est a pesquisar. De acordo com Garcia & Rodrigues (1997), estudos efetuados apontam o autismo como sendo mais habitual nos rapazes do que nas raparigas, numa proporo de trs a quatro para um, citando ainda que surge em quatro ou cinco para dez mil habitantes. Reuter (1987), citado pelos mesmos autores diz que o autismo est associado, em quase 75% dos casos, deficincia mental, sendo severa em apenas 50% dos casos. Somente 1 a 5% destes casos tm 37. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 29 quocientes intelectuais normais, o que extremamente importante perceber quando pensamos na interveno adequada para cada caso em questo. Segundo Siegel (2008), as crianas que se acredita terem uma forma geneticamente transmitida de autismo possuem um irmo com portador da mesma deficincia ou um primo direto com autismo. complicado ainda compreender a forma como o autismo geneticamente transmitido e cr-se neste momento que as crianas que tm parentes com autismo mais afastados possuem de igual forma a perturbao transmitidas do mesmo modo. A nica situao em que os sintomas de PGD ocorrem com mais frequncia em raparigas no caso de estas serem afetadas por uma perturbao chamada Sndroma de Rett. Muitas destas que manifestam esta sndroma passam por uma fase de desenvolvimento anloga que caracteriza o autismo (por volta dos 2/5 anos de idade). No se julga haver casos de rapazes afetados por esta sndroma. 2.4- A Etiologia do autismo Desde as primeiras consideraes feitas por Kanner, em 1943, muitas reformulaes nos mecanismos explicativos foram realizadas, sem, entretanto, chegar-se a concluses consistentes. Isso pode ser observado nas diversas abordagens que historicamente tentaram estabelecer um lugar na dicotomia inato x ambiental de onde se possa definir o autismo. No entanto, a tendncia atual na definio de autismo a de conceitu-lo como uma sndrome comportamental, de etiologias mltiplas, com intensas implicaes para o desenvolvimento global infantil (Volkmar, Lord, Bailey, Schultz, & Klin, 2004). De modo a determinar qual a origem do autismo, vrias teorias foram propostas, contudo, no conhecida qualquer etiologia especfica, dado tratar-se de uma perturbao complexa em que nenhuma pessoa igual outra, sendo que o mais provvel que esta perturbao seja originada por mltiplos fatores. As teorias psicognicas, teorias biolgicas e teorias cognitivas foram surgindo dividindo-se nestes trs grupos. Apesar de incidirem em reas notoriamente diferentes, mais do que divergncias, existe uma complementaridade entre elas, que com certeza vai permitir por sua vez, uma identificao cada vez mais clara e operacional (Cavaco, 2010). 38. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 30 2.4.1- Teorias Psicogenticas Esta perspetiva baseia-se nas teorias psicanalticas sustentando que as crianas com autismo so normais nascena, mas que devido a fatores familiares (pais frios e pouco expressivos), o desenvolvimento afetivo das mesmas permanece afetado, causando um quadro de autismo (Borges, 2000; Duarte, Bordin & Jensen, 2001). Kanner, em 1943, j julgava que o autismo seria uma perturbao do desenvolvimento, apontando a possibilidade da presena de uma componente gentica que, com o passar do tempo, mostrou ser exata. Porm, foi o prprio Kanner quem especulou em relao possibilidade dos pais contriburem para o distrbio (Pereira, 1999; Marques, 2000). Os estudos iniciais sobre o Autismo Infantil tinham por base essencialmente as anomalias de interao social, a partir da dcada de 60, o interesse recaiu sobre os dfices cognitivos inerentes a esta perturbao. Deste modo, o dfice cognitivo comea a possuir um papel decisivo na determinao da gnese do autismo. A progresso a nvel do aumento de tcnicas de estudo do crebro deu origem tambm um aumento crescente no seu desenvolvimento (Marques, 2000). Em 1967, Bettelheim desenvolveu a teoria das mes frigorfico, mediante a qual, entendia que o autismo era desenvolvido nas crianas como resposta desedaptativa a um ambiente assustador e no afvel por parte da me (Borges, 2000; Marques, 2000). Apenas na dcada de 70 emergiram estudos posteriores que refutavam os resultados at ento obtidos. A anlise de crianas que eram vtimas de maus-tratos, assim como atos de negligncia, em que se comprovou que as experincias vivenciadas pelas mesmas no estabeleciam quadros de autismo (Duarte et al, 2001). Apesar de esta leitura psicanaltica ter oferecido contributos para a anlise da etiologia do autismo, no podemos deixar de referenciar o facto de que atualmente se considera que a mesma conduziu efeitos nefastos para familiares dessas crianas que suportam a culpa de serem os criadores de tais transformaes nos filhos (Borges, 2000; Duarte et al, 2001). Uma outra crtica surgiu colocando em causa o papel que maioria dos investigadores desta abordagem se limitava a desempenhar observando as relaes entre os pais e as crianas aps estar instalada a perturbao. Contudo no existe um suporte emprico para a noo de que o autismo tenha origem nos padres das interaes familiares desviantes. 39. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 31 2.4.2- Teorias Biolgicas As investigaes posteriores, que dizem respeito s PEA, mostraram sinais de que, existiria uma origem neurolgica de base nesta perturbao. Constata-se, dos relatos existentes, a associao do autismo com vrios distrbios biolgicos (contemplando a paralisia cerebral, rubola pr-natal, toxoplasmose, infees por citomegalovrus, encefalopatia, esclerose tuberculosa, meningite, hemorragia cerebral, fenilcetonria, e vrios tipos de epilepsia) e, partindo destas concees, atualmente admite-se que o autismo resultante de uma perturbao de determinadas reas do sistema nervoso central, prejudicando a linguagem, tal como o progresso nas reas cognitivas e intelectuais, e a competncia para criar relaes (Pereira, 1999; Borges, 2000; Bosa & Calias, 2000; Marques, 2002). Em 1991, um estudo realizado por Steffenfurg refere que 90% da sua amostra expunha provas que evidenciavam danos cerebrais, com uma variedade de problemas. Com a progresso do estudo cerebral procedeu-se o desenvolvimento progressivo de estudos biolgicos sobre o autismo, alterando consequentemente as teorias etiolgicas. Estudos esses que recaem em diversas reas tal como a gentica, com famlias possuidoras de gmeos, na neurofisiologia, sobre a disfuno cortical e subcortical, na neuroqumica, sobre os neurotransmissores e os peptdeos, nos estudos metablicos, nos fatores imunolgicos e nas complicaes pr-natais, peri e ps-natais (Folstein & Rutter; Ornitz; Gilbert, citados por MarqueS, 2000). Para Bosa & Callias 2000), Borges (2000), Marques (2002), Pereira (1998, 1999), do conjunto de teorias biolgicas, evidenciam-se as seguintes teorias: Teorias genticas (Sndroma X frgil); Anomalias biolgicas (esclerose dupla, fenilcetonria no tratada, rubola, encefalite); Teoria da disfuno cerebral do hemisfrio esquerdo; Teorias imunolgicas. 40. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 32 2.4.3- Teorias Cognitivas Tem-se assistido primazia das caractersticas cognitivas que se sobrepem aos sintomas afetivos e comportamentais, ainda que o autismo seja definido em termos de conduta. Uma das primeiras teorias, na qual pretendeu verificar se as crianas com autismo falhavam na associao de estmulos recebidos com a memria, como resultado de experincias anteriores que fora desenvolvida em 1964, por Rimland (Bosa & Callias, 2000; Marques, 2000). Em 1970, os trabalhos de Hermelin e O Coner impulsionaram definitivamente essas investigaes, ambicionando identificar o dfice cognitivo bsico subjacente s modificaes indispensveis no autismo (Lippi, 2005). Ao considerar a sndrome Autstica como uma desordem do desenvolvimento, causada por uma patologia do sistema nervoso central, bem como a salientar os dfices cognitivos do autismo, Ritvo, em 1976, tornou-se um dos autores pioneiros (Pereira, 1999; Borges, 2000; Marques 2000). Na perspetiva desses autores, as pessoas com autismo retinham as informaes verbais de forma neutra, sem as examinar, no atribuindo significado ou reestruturar, pelo que os seus estudos lhes concederam demonstrar uma das limitaes mais marcantes e particulares do autismo: a inaptido para avaliar a ordem, a estrutura e reutilizao dos conhecimentos. Manifestam-se portanto, inaptos para obter regras ou de organizar experincias tanto nos domnios verbal ou no verbal, o que justifica a sua notria dificuldade na realizao de tarefas guiadas por leis complexas tais como a linguagem e as interaes sociais (Pereira, 1999; Happ, 2003, Frith & Happ, 2006). O facto de conseguirmos pensar no que pensam as outras pessoas, e at pensarmos no que elas pensam sobre aquilo que ns pensamos uma capacidade que todos parecemos ter. Cumine et al (2006), explanam que, em termos psicolgicos, isto descrito como capacidade para admirar o facto de outras pessoas terem estados de esprito, objetivos, carncias, vontades, crenas, que podem ser distintos dos nossos. Posteriormente, em meados dos anos 80, surge uma nova teoria psicolgica explicativa do autismo, a Teoria da Mente, que tem como autores Uta Frith, Alan Leslie e Simon Cohen. Esta teoria tentou ir ao encontro da identificao dos dfices sociais no autismo, tais com as lacunas no mecanismo mental de metacognio, aquele que coordena o pensar acerca do pensamento, (Baron-Cohen, 1990; Bosa & Callias, 2000; Marques, 2000; Lippi, 2005). 41. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 33 Esta teoria aplicada ao autismo, sugere que as crianas atingidas por uma perturbao desta natureza falham ou atrasam no desenvolvimento da competncia de reconhecer os pensamentos dos outros. Refere de igual forma, que estas crianas esto limitadas em certas competncias sociais, comunicativas e imaginativas. Acrescentando, porm, que esta incapacidade em desenvolver a conscincia de que as outras possuem uma mente prpria, remete inerentemente para uma incapacidade de autoconscincia fomentando nestes indivduos graves transformaes nas relaes interpessoais (Happ, citado por Marques, 2000). Foram evidenciadas por Jordan & Powell (1997) as implicaes da limitao da Teoria da Mente, delineadas do seguinte modo: - Dificuldade em prever o comportamento de terceiros, dando origem ao medo e a evitar os outros, uma vez que no entendem os seus propsitos nem os motivos que justificam o seu comportamento; - Dificuldade em explicar o prprio comportamento e em compreender que ele afeta o que os outros pensam ou sentem, dando origem a uma falta de conscincia ou motivao para agradar; - Dificuldade em compreender as emoes (as suas e as dos outros), o que pode configurar uma possvel ausncia de empatia; - Dificuldade em ter em conta o que as pessoas sabem ou podem saber, originando uma linguagem pedante ou incompreensvel, com limitaes em reagir ao nivel do interesse do interlocutor; - Dificuldade em compreender o fingimento e em distinguir os factos da fico. Estas limitaes, implcitas, na Teoria da Mente, afetam a capacidade da criana para interagir socialmente na sala de aula e no ambiente escolar mais alargado. Em 1989, Frith afirmou que era extremamente complicado explicar alguns aspetos do funcionamento do autismo unicamente pela Teoria da Mente, por exemplo, a obstinao na parecena, a ateno ao pormenor em detrimento da globalidade, a o gosto pelas rotinas, o desassossego obsessivo e a presena de aptides especiais. Esta autora explicou, desta forma que o Dfice de Coerncia Central assim como a incapacidade para reunir informaes dispersas de modo a formar um significado de nvel superior. Existe uma tendncia para dar sentido s situaes e aos acontecimentos de acordo com o contexto para as crianas que processam normalmente as informaes: - Foco de ateno idiossincrtico; 42. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 34 - Imposio da sua prpria perspetiva; - Preferncia por aquilo que conhecido; - Falta de ateno para novas tarefas; - Dificuldade em escolher e atribuir prioridades; - Dificuldades de organizao pessoal, de materiais e experincias; - Dificuldade em estabelecer associaes, generalizar capacidades e conhecimentos. Frith, (1996) Outra teoria avanada para justificar as limitaes do autismo a do Dfice da Funo Executiva. A Funo Executiva foi definida em 1966, por Luria, como a capacidade para manter um determinado conjunto de comportamentos organizados em cadeia, dirigidos para a resoluo de problemas e, por isso, apropriados para atingir um objetivo subsequente. Sally Ozonoff, (2004), salienta a limitao frequente desta funo em pessoas com PEA. O comportamento das pessoas com autismo , muitas vezes rgido, no flexvel e exageradamente obstinado. Poder ter amplos conhecimentos, mas tm dificuldade em aplicar adequadamente os mesmos. Muitas vezes mostram estar to concentrados em detalhes que so incapazes de alcanar imagem global (Cumine et al, 2006). As implicaes que se esperam que ocorram devido ao Dfice da Funo Executiva, segundo os mesmos autores, so a dificuldade em sentir as emoes, dificuldades da imitao assim como o obstculo que jogo simblico do faz de conta representa. A nossa compreenso das crianas com autismo aumenta com a perceo das teorias cognitivas atuais clarificando a perceo das suas implicaes pedaggicas. unnime existirem condies mdicas variadas que permitem predispor o desenvolvimento de uma patologia desta natureza. Cohen e Bolton (citados por Marques, 2000), como tentativa de resoluo deste enigma, apresentaram um modelo pois existem causas (algumas no identificadas) provavelmente responsveis pelas reas do crebro lesadas e que provavelmente seriam as reas responsveis pelo normal desenvolvimento da comunicao, do funcionamento social e do jogo. possvel que exista uma associao com dfice mental, uma vez que as condies mdicas tambm afetam os sistemas cerebrais, necessrios ao normal desenvolvimento intelectual. 43. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 35 Figura 3- Representao do modelo de patamar comum. Fonte: Cohen & Bolton, 1993, citado por Marques (2000 p.69). 2.5- Caractersticas do Espectro do Autismo As caractersticas desta sndroma so diferentes variando em funo da criana, jovem ou adulto em questo, sendo por vezes complicado dizer que estes possam ter algo em comum. no perodo inicial do desenvolvimento que se comea a notar os comportamentos que caracterizam tipicamente o autismo, devendo estar diagnosticado at aos 36 meses, embora perdure por toda a vida. De acordo com o DMS-IV (2008), as manifestaes que caracterizam o autismo variam consideravelmente, consoante o nvel de desenvolvimento e da idade cronolgica da criana. Para Cavaco (2009) as principais caractersticas do autismo encontram-se assentes: em perturbaes no desenvolvimento da interao social reciproca, existindo nalguns casos indivduos que se mostram indiferentes socialmente, que so passivos nas interaes sociais, tm apenas um vago interesse pelas pessoas. Outros, pelo contrrio, so muito ativos no 44. O Papel da Musicoterapia no Desenvolvimento Cognitivo nas Crianas com Perturbao do Espetro do Autismo 36 estabelecimento dessas relaes embora de uma forma estranha, sem ter em considerao as reaes dos outros. Em comum tm uma empatia limitada, sendo capazes de demonstrar afeio sua maneira. Normalmente, exibem alguns comportamentos a nvel social, como por exemplo: no seguem as pessoas, no contactam de forma espontnea, no procuram conforto para a frustrao, no realizam atos empticos, no estabelecem amizades, nem desenvolvem jogos cooperativos; em deficincia na comunicao verbal e no-verbal, alguns destes indivduos no desenvolvem qualquer tipo de linguagem, outros pelo contrrio, podem ser enganadoramente fluentes, embora todos tenham dificuldades em manter uma conversao. As suas capacidades lingusticas envolvem ecolalia, inverso de pronomes e palavras, e as suas reaes s abordagens verbais e no-verbais das outras pessoas so desajustadas. Atualmente, segundo Hewitt, (2006) referimo-nos, frequentemente, s pessoas que apresentam este tipo de distrbio, como estando afetadas por um autismo tpico ou clssico. Entre as caractersticas marcantes deste autismo tpico ou clssico, encontram-se: - Uma inabilidade comum a todos os indivduos para desenvolver relacionamentos mesmo com os pais e com os irmos; - Competncias de interao limitadas, que vo desde a dificuldade em manter contacto visual at uma inabilidade para manter uma conversa, para socializar ou para partilhar; - Uma preferncia por jogos repetitivos e estereotipados como a construo de torres com mdulos, ou a arrumao de objetos favoritos em longas filas, carros de brinquedo, livros etc. sem uma ideia real acerca da forma mais adequada de usar um brinquedo ou objeto especifico.; - Uma preferncia e um fascnio por objetos que podem ser manipulados atravs do movimento, repetitivos, de motricidade fina, particularmente por aqueles que podem ser postos a girar, uma vez mais sem qualquer ideia quanto maneira mais apropriada de usar o objeto ou os brinquedos em questo; - Um desejo obsessivo de conservao da uniformidade includo as rotinas. - Umas perturbaes extremam quando as rotinas so inesperadamente alteradas. Aqui, incluem-se os rituais aut