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Números 9-10 Primeiro semestre de 2009 Edição em português ISSN: 1996-7454 A vida e obra de Jules V erne desde a óptica ibero-americana Disponível em: http:// jgverne.cmact.com/Misc/MVActual.htm Volker Dehs apresenta Um flho adotivo Um livro dá a volta ao mundo diamante aricano A história do a obra de teatro

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Números 9-10Primeiro semestre de 2009

Edição em português ISSN: 1996-7454

A vida e obra de Jules Verne desde a óptica ibero-americana

Disponível em: http:// jgverne.cmact.com/Misc/MVActual.htm

Volker Dehsapresenta

Um flho adotivo

Um livrodá a volta ao mundo

diamante aricanoA história doa obra de teatro

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Primeiro semestre de 2009

Não era um erro no local onde sealoja a revista, nem se tinham publi-cado novos números sem o conheci-mento dos leitores. Mundo Verne nãose publicava há sete meses mas já

aqui está o primeiro número do pre-sente ano.Antes de começar a explicar as

razões pelo atraso da sua publicaçãoneste 2009, quero agradecer a todosaqueles que escreveram para o meucorreio electrónico perguntando-mesobre a revista neste ano que já vaipara lá da sua metade e também en-viar um obrigado pelas elicitaçõesa respeito «da elaboração e da qua-lidade dos materiais que nela apare-

cem».A grande espera nestes meses

serviu para duas coisas: aparecimen-to de novos colaboradores que seprestaram a traduzir vários artigospara esta edição, que aceleraram asua publicação, e saber que a nos-sa revista conta com muitos leitoresque esperam a sua saída cada trêsmeses para se documentarem sobreo mundo verniano.

Se os leitores da Mundo Vernequerem saber a razão principal porque a primeira edição de 2009, a nú-mero 9, se atrasou, posso assegurar-lhes que se deve em grande medidaa um pequeno homenzinho, um  pe-tit bonhomme , que veio ao mundono passado 15 de Junho: Daniel.

A razão principal deveu-se aonascimento do meu lho que meocupou tempo suciente que, porrazões óbvias, não pude dedicar a

outros trabalhos, incluindo a elabo-

ração do novo número da revista.Já tinha no mês de Fevereiro, cer-

tamente, algum material traduzido,porém, altava ainda muito por co-locar na revista e coisas por acertar

o que tornava cada vez mais diícila saída da edição na altura prevista.Com a ajuda de algumas pessoas ede um incentivo nestes últimos diastenho o prazer de lhes anunciar a tãoesperada publicação de um núme-ro duplo que contém mais materialque as que usualmente se publicame que compreende algumas leiturasacumuladas destes meses. O leitorterá o suciente para saciar o seu de-sejo de ler novamente sobre Verne

através do círculo ibero-americanoem torno do escritor rancês.

De uma orma muito especialpara este número se publica, pelaprimeira vez em espanhol, uma obrade teatro de Jules Verne, que já haviasido dada a conhecer anteriormentepor Cristian Tello no seu sítio na Web.Cristian tinha eito a tradução a partirde uma versão em inglês. Utilizou-se,para esta ocasião, o original em ran-

cês a m de se corrigir vários dos dis-cursos da obra e de se dar a estruturateatral de acordo com a ordem e di-visão que tem a publicação originalrancesa.

O resultado é a publicação de Umlho adotivo, obra que deixa em es-pera o nal de O cerco a Roma que sepublicará nos próximos números.

Desrute da Mundo Verne em2009!

Em breve, chegará outra edição

da revista

A estreia daMundo Verne em 2009

© 2009. Mundo Verne.Revista trimestral em castelhano eportuguês sobre a vida e obra do

escritor rancês Jules Verne.

 Director e desenhador: Ariel Pérez.Conselho editorial: Ariel Pérez,Cristian A. Tello, Yaikel Águila.

Tradução portuguesa: FredericoJácome, Carlos Patricio, Edmar Guirra

Colaboração: Gabriel Apolinaire

Internethttp://jgverne.cmact.com/Misc/

Revista.htmCorreio eletrô[email protected]

Distribuição gratuita.

Os artigos colocados expressamexclusivamente a opinião dos autores. É

permitido copiar, distribuir, mostrar e azertrabalhos derivados dos materiais que estãonesta revista, sempre que se cite a onte de

onde oi obtida, não se pode retirar materialpara produzir produtos com ns comerciaise se se zerem trabalhos derivados deve-se

compartilhá-los com esta mesma licença.Publica-se sob a licença Creative Commons

Universo vernianoPanoramaOs manuscritos de Verne emAmiensUm livro dá a volta ao mundo

A imagem e semelhançaUma viagem ao extraordinário

A história do diamante aricano

A volta ao mundoUm país ausente na obra

verniana

Esboços ibero-americanosComo Verne conquistou

Portugal?

Os mil olhos de TarrieuTerra Verne

A meteorologia nas obras de

Verne

À ala com...As múltiplas paixões de Garmt

No grande ecrã

O mestre relojoeiro em versãolivre

Sem publicação préviaIntrodução

Um lho adotivo

Cartas gaulesasA Pierre, nos começos do ano

 34

6

10

11

17

18

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22

29

33

35

37

48

Sumário

Extraída do livro Viagem de érias por Inglaterrae pela Escócia, página 143. A imagem ilustra omomento em que Jacques e Jonathan apenaspodiam distinguir a paisagem escocesa que serevelava ao seu redor por se encontrarem de-baixo de uma orte e persistente chuva, algonormal para essa época do ano naquele local.

Sobre a imagem da capa

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http://slidepdf.com/reader/full/mv910ppdf 3/48Números 9-10

Depois de reclamações de muitosvernianos devidas à sua inactividade,a Sociedade Jules Verne de Paris de-cidiu deixar o desenho do seu sítio naInternet nas mãos dos vernianos quevoluntariamente se oereceram paraculminar a tarea. Depois de propo-

rem um desenho inicial à direcção dainstituição, receberam «carta aberta»para terminar os restantes detalhes.O resultado nal oi apresentado emJulho.

O sítio incorpora um índice de todosos boletins da Sociedade a partir doprimeiro, de 1935, até ao mais recen-te dedicado a André Laurie.Numa acção sem precedentes, publi-cou-se uma página que permite re-alizar buscas dos artigos publicados

no boletim, seja por autor, númerode boletim ou ano de publicação.Sem dúvida, uma erramenta muitoútil.

Novo sítio na Web para a Société

No passado 27 dia de Junho ez-se aomar, depois de quatro anos de inten-

so trabalho, o Saint-Michel II ,réplicade um dos três barcos de Jules Verne.Com um comprimento de 13 me-tros, esta embarcação encarnada enegra, lançada originalmente em1876, oi a única que Verne super-visionou durante a sua construção,adaptando-a às suas necessidades,principalmente com a incorporaçãode um local para escrever.

O mar... e o St. Michel II

Universo verniano

O esperanto... e Verne

Foram publicados neste ano osnovos números das revistas eboletins periódicos do mundode Verne. Na França, oi lança-do o número 28 da série Revue

 Jules Verne do CIJV com o tema

 Jules Verne à la table ( Jules Verneà mesa).O boletim da Sociedade JulesVerne dedica um volume duplo,os números 169 e 170, ao cente-nário da morte de André Laurie.O Nautilus, boletim do Club Ju-les Verne alemão, na sua ediçãode Abril, está dedicado à entre-vista do Papa com Verne.A revista da Sociedad Verne dos

Países Baixos do mesmo mês deAbril (número 44) oi dedicadaespecialmente às obras Em ren-te da bandeira e Os lhos do capi-tão Grant .Por último, Excelsior , boletim dasociedade japonesa, na sua pu-blicação anual de 180 páginasdedica o seu tema principal aDois anos de érias.

....Os estúdios Disney e McG anun-

ciaram as lmagens de uma novaversão do clássico de Vinte mil lé-guas submarinas que se centrarána vida do capitão Nemo.

....Dois novos blogs sobre Verne o-ram criados em Julho. O blog deAlexandre Tarrieu sobre a RevueJV (http://revuejulesverne.over-blog.com/) e outro denominadoUn humaine planetaire disponí-

vel em: http://chantaltreguer.unblog.r....

Graças à Sonobook, a obra deVerne vai-se expandido, agoraem áudio livro. Em Abril saírampara venda os CD com o tex-to integral de Miguel Strogo e 

 As atribulações de um chinês naChina com mais de 17 horas deaudição.

Em poucas palavras

Retirado do blog de noticias de Passepartout - http://julesvernenews.blogspot.com

Editorialmente alando, nestes primeirosmeses do ano não tem havido muita movi-mentação ao que se reere a Verne. LionelDupuy publicou o seu livro Jules Verne espé-rantiste, um volume muito interessante emque o autor assinala pormenores tratadosem Voyage d’études, a última das históriasescritas por Verne. O texto é uma edição bi-lingue, em rancês e esperanto, e pode sercomprada desde o sítio do autor na Web.

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Primeiro semestre de 2009

 

Volker Dehs

Os manuscritos de Verne em Amiens* Um dos mais solícitos investigadoresvernianos compartilha a lista de textos

e manuscritos presentes naBiblioteca Municipal da cidade de Amiens.

Universo verniano

A rente está uma lista provisória dos ma-nuscritos de Jules Verne conservados naBiblioteca Louis Aragon de Amiens, clas-sicados com o registo JV MS 1 até JV MS

43.Provisória por duas razões undamen-

tais. A primeira é que é, de acto, um con- junto de documentos não classicados queainda não têm um número de registo atri-buído. Por outro lado, alguns destes regis-tos que aqui serão mencionados contêmum bom número de dierentes documen-tos que ainda necessitam de certas preci-sões mais detalhadas que arão parte destapublicação (inormações estas que estarão

presentes no meu Catalogue raisonné desœuvres de Jules Verne, em preparação para2010). De qualquer orma, esta lista podeservir, sem dúvida, de orientação inicial.

É importante assinalar que um grandenúmero destes documentos não pode serconsultados na Biblioteca, quer seja por-que estão expostos na Maison Jules Verne,ou por azerem parte de exposições tem-porárias em todos os cantos do mundo.Seria importante que se zesse uma cópia(electrónica ou em papel) de orma que a

sua disponibilidade estivesse sempre ga-rantida.

Dito isto, e acrescentando que certosdocumentos, especialmente os cartões eas chas de trabalho (cujo valor biográcoé tão indiscutível que o seu valor comercialcomo o para ser editado numa edição im-pressa é duvidoso), levariam a uma trans-crição paciente e escrupulosa antes quese pudesse utilizar, trabalho que ocupará,seguramente, um bom número de investi-gadores. Alguns intrépidos já aceitaram odesao.

Antes da aquisição da colecção dellaRiva em 2000, a Biblioteca Municipal deAmiens apenas disponha de um númerolimitado de documentos de Jules Verne,que se mantinham com o número MS 1954

* Texto publicado originalmente en noviembrede 2008 en La Feuille de Jules n°3, boletín del CentreInternational Jules Verne de Amiens, realizado porMadeleine Douchain y Laurence Sudret. El autor delartículo ha modicado su contenido y lo ha adapta-

do para su publicación en esta revista.

D3 e quase sempre (na maior parte) inédi-tos. Outros autógraos (cartas, opiniões)podem ser encontrados por aqui e por alinos Arquivos Municipais, depositados no

mesmo lugar.Quero agradecer a Bernard Sinoquet

e Angélina Laurent assim como a toda aequipa da Biblioteca pela sua pronta esempre encantadora disponibilidade. Osmeus agradecimentos também a Madelei-ne Douchain e Laurence Sudret que acili-taram, de orma notável, as minhas inves-tigações.

A lista dos documentos é a seguinte:• Correspondência com Mario Turiello

(cartas publicadas em Europe n° 613,Maio de 1980).• Correspondência com Fernando Ricca

(cartas publicadas em Europe n° 613,Maio de 1980).

• Correspondência com Hetzel e con-tractos (documentos em grande partepublicados na Correspondência inéditaem 5 volumes, publicada por Slatkinede Ginebra desde 1999 até 2006).

• Correspondência diversa (grande par-te dos documentos publicados).

• Cartão de visita.• Dedicatória de um livro.• Processo Turpin (documentos em

grande parte publicados em Bulletinde la Société Jules Verne n° 129, 1999).

• Recibo entregue em Roma.• Bilhete de viagem à América (1867).• Bilhete de bordo do Saint-Michel (1875

a 1885).•  Joyeuses misères de trois voyageurs

(primeiro capítulo. Publicado em Géo,Novembro de 2003).

• Bilhete de viagem à Escandinávia eoutros lugares (1861 a 1866).

• Objectos coleccionados por Jules Ver-ne nas suas viagens.

• Notas da viagem à Escócia (1859) (pu-blicado em Scottish Geographical Jour-nal , volume 121, n° 1, 2005)

• Notas da viagem pelo Mediterrâneo(1884).

• Lista das viagens entre 1877 e 1884

Sobre o autor

Em mais de 25 anos deatividade, Volker Dehsenriqueceu, com mais

de 120 artigos, osconhecimentos sobrea vida e obra de JulesVerne.Depois de uma pri-meira biograa publi-cada em 1986 (versãocastelhana em 2005),ez a síntese das suasinvestigações numabiograa crítica emalemão publicada em2005 em Düsseldor 

que é consideradacomo a mais comple-ta e prounda que seez.Encontrou e editouem rancês numerosostextos desconhecidosde Jules Verne (obrasde teatro, discursos,cartas, etc.) É co-edi-tor (juntamente comOlivier Dumas e PieroGondolo della Riva)

da correspondênciaVerne-Hetzel publica-da em 5 volumes.Prepara neste mo-mento um detalhadocatálogo de obras deJules Verne e az par-te de um grupo pilotoque prepara a publi-cação de uma ediçãocrítica das obras com-pletas de Verne.

[email protected]

Volker Dehs (Bremen,Alemanha, 1964)

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http://slidepdf.com/reader/full/mv910ppdf 5/48Números 9-10

(diversas reproduções)• Notas da viagem a Holanda e

Bélgica.• Movimentos entre 1873 e 1900.• Vários.• [Registo de érias].• Correspondência com Michel

Verne.• Fichas de trabalho.•

Notas de leitura.• Fichas de trabalho linguístico e

«Dicionário Balzac» (até 1855).• Notas sobre a Academia rance-

sa.• Notas amiliares.• Fichas de trabalho relacionadas

às Viagens Extraordinárias.• Notas e recortes de imprensa• Anagrama da palavra Jules (pu-

blicado em Bulletin de la Société Jules Verne n° 121, 1997)

• Cartões de visita de Jules e Ho-

norine.• Le secret de Wilhelm Storitz , pro-

vas in-8° corrigidas por MichelVerne.

• Les tribulations d’un Chinois enChine, provas in-8° (com umacorrecção pela mão de Hetzel).

• Dactilograa (cópia) do manus-crito de Le secret de Wilhelm Sto-

ritz .• Dactilograa (cópia) do manus-

crito de En Magellanie (2 volu-mes).

• Dactilograa (cópia) do manus-crito de La chasse au météore (2volumes).

• Dactilograa (cópia) do manus-crito de Le beau Danube jaune (2volumes).

• Dactilograa (cópia) da segundaparte do manuscrito de Le vol-

can d’or (2 volumes).

• Vingt mille lieues sous les mers,provas da primeira parte in-8°(com uma correcção pela mãode Verne).

•  Argus de la Presse, 27 volumes(recortes de imprensa relaciona-dos com os autores da casa Het-zel, 1864 a 1914).

• Anúncio da morte de Jules Ver-

ne.• Testamento e herança.• Assunto Pilote du Danube (docu-

mentos em grande parte inédi-tos).

• Pensées chrétiennes e poemasde Pierre Verne, deixados a seulho, assim como um conto es-crito taquigracamente (poesiasem parte publicadas em Annalesde Nantes et du pays nantais nú-meros 187/188, 1978)

Pátio da biblioteca Municipal «Louis Aragon» situada na cidade de Amiens.

A Biblioteca Central «Louis Aragon» de Amiens é o segundo ediício, na história da França, que oi construí-do especicamente para ser utilizado como tal. Foi erguido em 1823 e actualmente reúne mais de 400.000documentos num ediício de uma construção de grande estética, excelente iluminação e boa conservação.Nele podem-se ler revistas, jornais, livros, ou consultar, inclusive, o conteúdo de uma banda desenhada (hq).Na ala direita do ediício está a Mediateca, o maior da cidade. Nas suas salas também se organizam, comrequência, numerosas exposições. A biblioteca está dividida em duas partes separadas por uma exposiçãotemporária, no hall de entrada: a sala de projecção e a galeria de publicações periódicas. Este centro pertenceà rede de bibliotecas de Amiens metropolitana em que se incluem outras oito instituições do mesmo tipo.

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Primeiro semestre de 2009

Frederico Jácome

Um livro dá a volta ao mundo  A ideia de um verniano português deu lugar,no passado ano, a um eito sem precedentes.

O seu criador ala-nos sobre os seusdetalhes e a rota utilizada.

Universo verniano

No dia da comemoração1 do 180 aniversário donascimento de Jules Ver-ne, o verniano e tradutorpara português da revistaMundo Verne, Carlos Pa-trício, teve o seguinte co-mentário num texto quepublicou no meu blog:«Este ano será o ano deVerne!». E não podia estarmais correcto…

O ano de 2008 oi ri-quíssimo em aconteci-mentos vernianos em

Portugal: o tema «JulesVerne» no carnaval deSesimbra e o estival deTunas da Universidade deLisboa ou o lançamento

do selo Júlio Verne - 130 anos da visita a Por-tugal , o lançamento da colecção de livrosde luxo Biblioteca Jules Verne e e outroseventos importantes. Também oi um anointeressante no mundo: o envio ao espaçoda sonda da Estação Espacial «Jules Ver-ne», o primeiro lme em três dimensões

baseada numa obra de Verne e a inaugura-ção do Espacio Jules Verne na Suiça

E como tal, não poderíamos terminareste ano tão verniano sem que algo gran-dioso se zesse.

Em conversa com os amigos vernianosde língua portuguesa surgiu-nos uma ideia«mundialmente» interessante .

Como sabem, o escritor gaulês armou,em várias entrevistas, que gostaria imensode um dia poder ter a sorte do seu perso-

nagem Phileas Fogg ou da jornalista NellieBly1,2e dar a volta ao mundo, durante uns

* Tradução desde o português por Israel Almanza(San Luis Potosí, México, 1978) a partir de um artigoenviado pelo autor. Engenheiro industrial dedicadoà consultoria de empresas na área da Qualidade. Co-labora de orma activa na Wikipédia enriquecendo oconteúdo das categorias relativas a Verne..

1 Nellie Bly oi a primeira mulher a dar a volta aomundo em 72 dias (de 14 de Novembro a 24 de Ja-neiro de 1890). Durante a sua viagem visitou Vernena sua casa de Amiens. Esse encontro oi relatadopor Robert Sherard na entrevista Verne’s bravo, que

apareceu no The World  de 26 de Janeiro de 1890.

80 dias. Mas, para sua inelicidade, esse seudesejo nunca se concretizou apesar de tersido um homem bastante viajado durantetoda a sua vida.

A ideia, portanto, teria que ser relacio-nada com esse desejo… mas como aría-mos com que Verne estivesse ligado a umavolta ao mundo? Foi nesse momento quesurgiu a notícia do nal de missão da Esta-ção Espacial Internacional «Jules Verne» edo regresso da primeira edição Hetzel deDa Terra à Lua, que seguia a bordo. Então,pensei eu, se um livro de Verne já oi ao es-paço, porque não azer com que um outrodesse simplesmente a volta ao mundo?

Seria uma orma de concretizar o seu de-sejo e levar um objecto com o seu nome acircular a Terra.

Esta ideia oi saudada por todos e,apesar de não termos acesso a nenhumaedição Hetzel (nem tentamos pois o seurisco de perda seria demasiado grande),decidimos optar pelo primeiro exemplarda Biblioteca de lujo Jules Verne citada an-teriormente, que oi, curiosamente, A voltaao mundo em 80 dias .

O nosso objectivo era que a viagem se

realizasse e, se possível, dentro dos limitesdos oitenta dias previstos por Verne nasua obra e com paragens em alguns paí-ses. Para isso ser possível, precisaríamos daajuda da grande legião de vernianos quese encontra em todo o mundo.

Fixamos a cidade de partida no Porto,em Portugal, e a ultima paragem no Riode Janeiro, no Brasil, antes do regresso a

Nessa entrevista, Jules e Honorine têm os seguintescomentários: «Estou encantada, ainda que não seja

mais porque por m o meu marido vai recuperar o sos-sego. [...] Todas as noites dizia: “Miss Bly deve de estar neste sítio, ou no outro.” Costumava ir, ao cair da tarde,buscar o mapa-mundo ou o globo e assinalava-me olugar em que provavelmente estava Miss Bly naquelemomento. Cada dia marcava o seu avanço com ban-deirinhas nesse mapa grande aí de cima.» Aí Verne in-terveio: «É o que disse a minha mulher: lembrava-mecontinuamente de Miss Bly. O que mais pensava era:Deus, como eu gostaria de ainda ser livre e jovem! Fi-caria encantado em azer essa viagem, ainda mesmonestas condições: dar a volta ao mundo a toda a ve-locidade, sem ver quase nada. Punha-me em marchasem pensar duas vezes e oerecia-me a Miss Bly para a

acompanhar.»

Sobre o autor

Estudante universitá-rio da aculdade deCiências do Porto nocurso de Astronomia.Vive em Portugal.Mantém desde 2006 oúnico blog em portu-

gués na Internet, que já recebeu prémiospelo seu conteúdo eapresentação. Possuium site sobre a vida eobra do escritor ran-cês.É um dos tradutoresda edição em portu-guês da Mundo Verne,da qual é colaboradorregular.

 [email protected]

Frederico Jácome(Porto, Portugal, 1984)

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http://slidepdf.com/reader/full/mv910ppdf 7/48Números 9-10

terras lusitanas, mas altava-nos ou-tras cidades para azer escala. Opta-mos, portanto, por elaborar um textocom a nossa ideia e, com a ajuda datradução para inglês e rancês pelocriador desta revista, Ariel Pérez, pu-blicamo-lo no Fórum Internacionalde Zvi Har’El. Instantaneamente re-cebemos vários emails de vernianos

indicando o seu interesse em parti-cipar neste projecto e, analisando aslocalizações recebidas até então, co-meçamos a elaborar o mapa da via-gem. Inelizmente omos obrigadosa rejeitar algumas participações vistoque saíam do trajecto que havíamos já traçado.

Após termos desenhado aviagem2,3oram pedidos a todos osparticipantes os respectivos ende-reços como também que, quando olivro chegasse às suas mãos, o assi-nassem e o enviassem o mais rápidopossível para o próximo participantedepois de lhe tirarem uma oto comum monumento da sua cidade empano-de-undo de orma a compro-var a sua paragem nesse país. Fina-lizamos com a inormação que taisotos seriam colocadas no blog JVer-nePt que acompanharia a viagemcom a ajuda do programa Google

Earth.O início da viagem deu-se a 29de Outubro onde partiu da cidadeportuguesa, Porto, rumo a Manches-ter, na Inglaterra. Como estipulado,o livro oi assinado por mim e tiradauma oto junto à magníca pontemetálica D. Luís que liga as duas ci-dade banhadas pelo rio Douro, Portoe Gaia. A oto oi publicada no blog juntamente com uma breve inor-mação da paisagem escolhida e da

cidade.O livro oi recebido quatro dias

depois por Krzyszto Gucwa, vogalda Sociedade Polaca Jules Verne mascom residência em Inglaterra. O se-nhor Krzyszto, depois de ter regis-tado o momento com algumas otosna cidade de Manchester, ez ques-

2 O trajecto traçado oi o seguinte: Por-tugal-Inglaterra-França-Bélgica-Holanda-Polónia-Israel-Índia-China-Japão-EUA-Brasil-

Portugal.

tão de visitar Liverpool3,4e de tam-bém registar aí a sua presença vistoser uma importante cidade na obrado escritor5rancês4.

Seis dias depois, chegou ao paísdo escritor, mais especicamente àcidade de Le Havre. Aproveitei a esta-da do senhor Valetoux nessa cidadepara inormar que esta ora, durante

a Segunda Grande Guerra, destruídadurante a Batalha de Normandia ten-do recebido há uns anos o prémiode Património Mundial da UNESCOpelo reconhecimento ao trabalho dereconstrução da cidade. Mais tardeconcluí que estas inormações orambem recebidas pelos leitores do blogo que me levou a pedir aos próximosparticipantes que descrevessem assuas cidades o mais possível de or-ma a dá-las a conhecer através daInternet.

O livro seguiu para norte che-gando à Bélgica três dias depois. Alichegou às mãos de Dave Bonte na«doce» cidade de Moerbeke-Waas.Como curiosidade, aí encontrava-se-até à data- a segunda maior ábricade açúcar do país.

Garmt de Vries, o participanteholandês da aventura e grande ver-niano, sabendo da paragem do livro

no país vizinho, e de orma a poupartempo na viagem, decidiu ir ele pró-prio buscá-lo à cidade belga de Gentonde Dave trabalhava.

É de relembrar que até aí a maior«loucura verniana» estava a cargo deKrzyszto que tinha ido propositada-mente a outra cidade otograar olivro, mas Garmt superou tudo ao irbuscá-lo a outro país. Já na sua pos-se, este participante nunca imaginaraque iria trocar de lugar com Phileas

Fogg dando inicio a uma verdadeiraaventura verniana.

Quase todos os imprevistos lheaconteceram na viagem de regressodesde um uro na bicicleta quando seencontrava a caminho da estação de

3 Localizada a 50 quilómetros de Man-chester.

4 O Henrietta, donde seguia Phileas Fogge companhia, atracou em Liverpool depoister atravessado o Oceano Atlântico vindo dos

EUA.

caminho de erro -que quase o levavaa perder o transporte-, até à chegadaà estação depois da hora da partidado outro veículo de caminho de erroque o levaria nesse dia à sua cidade.Felizmente, também este teve umatraso na partida e oi, desta orma,que Garmt conseguisse embarcar echegar a casa no tempo esperado. Já

em Zeist, Garmt de Vries, juntou à via-gem magnícas otos e inormaçõesdo belo castelo da cidade, inspiradono Palácio de Versailles.

A quase 1 500 quilómetros de dis-tância, o livro A volta ao mundo em 80dias ez a sua sétima paragem na ci-dade polaca de Tarnów onde oi rece-bido por Lena, lha de Krzyszto (par-ticipante em Inglaterra). Aí, como emLe Havre, há reerências à SegundaGrande Guerra sendo a principal ummonumento de Adam Mickiewicz, omaior poeta polaco, que sobreviveuà guerra.

A Europa ora atravessada e o li-vro seguiu para o primeiro país asiá-tico, especicamente para um lugarbastante especial para nós vernia-nos: Israel.

Como todos sabemos, Zvi Har’El,um dos grandes vernianos de sem-pre e autor do site mais visitado so-

bre o escritor gaulês, aleceu, az jámais de um ano. Era imprescindível,portanto, que o livro passasse peloseu país e, desta orma, podermostambém homenageá-lo. Apesar denunca termos demonstrado o nos-so desejo publicamente, o seu lho,Nadav Har’El, entrou em contactocomigo onde maniestou o desejode participar.

Depois da chegada do livro àssuas mãos, rapidamente procedeu

ao já habitual registo otográcocom o belo Santuário do Báb em un-do. Com as otos veio também umanota de agradecimento pela oportu-nidade de participar no projecto e oseguinte comentário: «É muito tristeo meu pai não esteja aqui para vibrarcom o projecto do livro à volta doMundo. Penso que teria adorado par-ticipar e ver as assinaturas dos váriosvernianos.» Respondi a Nadav que o

seu pai estava a participar pois se en-

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Primeiro semestre de 2009

contrava nos nossos pensamentos.No dia 35 da viagem, o livro che-

gou à capital indiana onde encon-trou a senhora Swati Dasgupta.

Como sabemos, a Índia possuiuma maravilha do mundo moderno,o Taj Mahal, que oi construído pormemória a uma esposa alecida. En-gana-se quem pensa que oi o único

monumento construído por amora uma pessoa amada. O Túmulo deHumayun em Nova Deli, que serviude cenário para a oto do livro, é omais antigo mausoléu mongol deDeli e uma das mais extraordi-nárias construções históricasda cidade.

O horrível atentado emBombay56ocorrido nessa se-mana e a proximidade à épo-ca natalícia, levou com que olivro demorasse 15 dias a che-gar à próxima paragem: Ma-cau, na China.

A Região AdministrativaEspecial da República Popularda China oi, até 199967, co-lonizada e administrada porPortugal havendo ainda váriasreerências a este povo coloni-zador. Óscar Madureira oto-graou o livro junto a uma des-

sas «heranças» portuguesase às Ruínas de São Paulo queilustram bem um dos primei-ros e mais duradouros encon-tros entre a China e o Mundoocidental.

A 3 000 km a nordeste, olivro voltou a uma cidade já vi-sitada por Fogg há uns cento evinte e cinco anos: Yokohama,no Japão. Nessa viagem, o seuel ajudante, Passepartout, va-

gueia pela cidade e acaba por entrarno Templo de Benten.

O senhor Masataka Ishibashi mos-trou-nos esse templo, agora Museuda História de Kanagawa, como tam-

5 Ocorreu a 28 de Novembro no Hotel Bom-baim, matando 155 pessoas e erindo 327.

6 Antes desta data, Macau oi colonizadae administrada por Portugal durante mais de400 anos e é considerada o primeiro entre-posto bem como a última colónia europeia

na China.

bém o local onde Fogg embarcou nopoderoso navio General Grant  rumoaos EUA.

Curiosamente, a próxima pa-ragem oi San Diego nos EstadosUnidos da América, uma cidade ge-minada com a anterior paragem,Yokohama, desde há mais de 50anos. O senhor e a senhora Keeline

levaram-nos numa visita guiada peloBalboa Park  cujos belos monumen-tos albergou, em 1915, a ExposiçãoPanamá-Caliórnia e que se torna-ram, entretanto, símbolos da cidade.

Esta viagem caria marcada tambémpela visita ao Hotel del Coronado, umhotel vitoriano de 1888 que temsido usado em muitos lmes e quedeu estadia a muitas pessoas amo-sas incluindo L. Frank Baum, CharlesLindbergh e a onze Presidentes dosEstados Unidos. Também se deslo-caram ao restaurante Phileas Fogg’s que possui um grande mural comcenas (alguns imaginadas) da histó-

ria do livro.

A grandeza da «terra do tio Sam»levou a que se zesse mais duas pa-ragens no seu território. A primeiradeu-se na companhia de Dennis Ky-tasaari em Chicago onde, para alémde visitar belos ediícios que servi-ram de pano-de-undo também avários lmes americanos, visitou o

 Auditorium Building. Este teatro oi o

local utilizado para O nobre jogo dosEstados Unidos da América que oi jo-gado na obra de Verne, O testamentode um excêntrico.

De uma temperatura de 0º Cél-sius, o livro juntou-se ao solquente da Florida, mais pro-priamente à cidade de Tam-pa. Como muitos devem sa-ber, nesta cidade teve acçãouma das mais conhecidasobras de Jules Verne, Da Terraà Lua. David McCallister mos-trou-nos não só as reerên-cias ao autor e à sua obra nacidade como otograou Sto-nes Hill 7,8a localização exactado lançamento da bala naobra verniana.

Cruzando pela primeiravez, desde o início dessa es-pectacular viagem, a linhado Equador, o livro entrou no

hemisério sul da Terra che-gando ao Brasil no dia 78 daviagem. Inelizmente a metados 80 dias estaria já ora dehipótese. Carlos Patrício, umdos grandes vernianos daAmérica do Sul, levou o livronum passeio por magní-cos locais de Rio de Janeiro,como ao conhecido morrodo Pão de Açúcar, cartão-postal da cidade, à amosa

praia de Ipanema e, como não pode-ria deixar de ser, à nova maravilha doMundo, o Cristo Redentor, que aben-çoou a nossa aventura e a todos osque nela participaram.

Cem dias depois de ter partido,em 10 de Fevereiro de 2009, o livroregressou à cidade do Porto em Por-tugal. Phileas Fogg ainda continua aser mais rápido!

7 «Montanhas Rochosas», em português.

Firmas de los participantes en el interiordel libro como prueba del paso del

ejemplar por cada ciudad.

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http://slidepdf.com/reader/full/mv910ppdf 9/48Números 9-10

15 razões para uma volta ao mundo

1 2Krzyszto GucwaManchester, Inglaterra

3

4Dave BonteMoerbeke, Bélgica

Philippe ValetouxLe Havre, França

5Garmt de VriesZeist, Países Baixos

6Lena GucwaTarnów, Polónia

7Nadav Har’ElHaia, Israel

11James KeelineSan Diego, EUA

12Dennis KytasaariChicago, EUA

David McCallisterTampa, EUA

13

8Swati DasguptaNueva Delhi, Índia

9Óscar MadureiraMacao, China

10Masataka IshibashiYokohama, Japão

14

Carlos Patrício Rio de Janeiro, Brasil

15

Frederico Jácome. Porto, Portugal

Frederico JácomePorto, Portugal

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Primeiro semestre de 2009

Cyprien tinha voltado a entregar-seintensamente, a um trabalho que o

absorvia dia e noite. Não era um processode abricação de diamante, mas sim dez, vinte

experiências as que tinha em estudo.

Os seus dedos acabavam de encontrar um objectode orma excepcional… sim, o amoso diamanteestava intacto, nada havia perdido do seu brilho,resplandecia a luz que entrava pela janela, como

uma constelação.

O jovem engenheiro de minas rancês, Cyprien Méré,personagem principal da obras do romance de Verne,  AEstrela do Sul , o protótipo do sábio das Viagens Extraordi-nárias, que az uso do seu conhecimento cientíco paradominar a Natureza e, desta orma, pôr ao alcance dopúblico o resultado das suas investigações. É o modelo

de erudito em que Jules Verne vislumbra uma proundaconvicção da necessidade de um conhecimento cientí-co e racional do Universo.

O autor ocupa-se em convencer o leitor a acreditarnele, amiliarizá-lo com o mundo material que o rodeiatendo o maior respeito pela verdade cientíca, e assimo demonstra no episódio em que Cyprien descobre – oupensa que descobriu - um procedimento de síntese dodiamante, resistindo num gesto de generosidade e lan-tropia, e ainda arriscando a sua própria vida, a manterem segredo a dita divulgação sem se importar das con-sequências que poderão advir para a indústria de dia-

mantes:«...Se eu mantiver em segredo a minha descoberta,

não serei mais que um mentiroso! Terei que parecer umalsário e mentir ao público sobre a qualidade da merca-doria! Os resultados obtidos por um homem da Ciêncianão lhe são exclusivos! Fazem parte do património detodos! Reservar para si a menor parcela devido ao seuinteresse egoísta e pessoal, o tornaria culpado do actomais vil que um homem pode cometer...»

Portanto, na gura de Cyprien, Verne reecte a suaideologia acerca de que a Ciência não tolera alsários,que exige, pelo contrário, o maior rigor intelectual e éti-co, pois para ele não há lugar para as raudes cientícas.

Por outro lado, Cyprien revela também outra dasvirtudes dos sábios de Verne ao longo da sua produ-ção literária: a raternidade. Isso reecte-se, na obra, nagenerosidade do jovem engenheiro perante os negrosmaltratados e explorados pelos mineiros que procuramdiamantes em Griqualand, solidarizando-se com as víti-mas da miséria e da opressão daquela indústria.

Verne, que ao longo de todas as suas histórias, inserepersonagens de caracteres mais dierentes e particulares,coloca sempre um da sua colheita. No entanto, a dieren-

ça da maioria dos sábios que estão presentes nas suasobras com este engenheiro, destaca-se pelo seu carác-ter de homem romântico, algo pouco comum em JulesVerne, que tenta, desde o início da história, conseguir oamor de Alice Watkins, lha do proprietário dos terrenosde diamantes onde trabalha e que se opõe ao relacio-namento por considerá-lo, apenas, um engenheiro semriquezas. Mas depois de Cyprien, através da Ciência, a-bricar o maior diamante já visto, o seu destino tomaráum novo rumo

Fala-se de... Cyprien Meré

A imagem ... e semelhança

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Sobre o autor

Em 25 de Janeiro de 1905, oi encontradoo maior diamante do mundo, o Cullinan,na mina Premier localizada em Transvaal,na Árica do Sul. O seu nome é uma home-

nagem a Thomas Cullinan, presidente dacompanhia mineira de diamantes que oencontrou.

Este enorme brilhante, que em brutoatingiu os 3.106 quilates, oi entregue, porobséquio, ao Rei Eduardo VII, que ordenoudividi-lo, um ano depois, rendendo um to-tal de 150 pedras.

A maior das jóias criadas, o Cullinan I,em orma de gota, de 530,2 quilates, oibaptizada como «A estrela de Árica» e en-contra-se incrustada no Ceptro da Realeza

Britânica, enquanto que o Cullinan II, outrogrande diamante procedente do original,é a principal atracção da Coroa Imperial, oqual é exibido até hoje no Museu da Torrede Londres.

A verdadeira história deste amoso bri-lhante, chama-nos à reexão sobre a cruelindústria das pedras preciosas, tema de-nunciado por Jules Verne na sua obra A es-trela do Sul . Nela, o escritor rancês previu,com vinte anos de antecedência, a desco-berta do Cullinan numa mina do país dosdiamantes, Árica do Sul, e proetiza, inclu-sive, o nome de «estrela» que a jóia iria re-ceber mais tarde.

No entanto, o enredo da obra não éuma invenção de Verne, mas sim do popu-lar Pascal Grousset, conhecido sob o pseu-dónimo de André Laurie, que exilado emLondres e sem recursos, tinha vendido aoeditor Hetzel alguns manuscritos,aceitando por contrato ser retiradoda autoria desses trabalhos como

produto de uma operação edito-rial.Hetzel conou em Verne para

que este os modicasse numanova versão e os publicasse em seunome.

A investigadora Simone Vierne,no seu livro L’authenticité de quel-ques œuvres de Jules Verne, publi-cado em  Annales de Bretgane, em1966, baseando-se no estudo dolegado Hetzel depositado na Biblio-

thèque Nationale, arma Verne alterou omanuscrito L’héritage de Langévol , conver-tê-lo em Os quinhentos milhões da Begum,e que o mesmo ocorreu com Le diamant 

bleu, transormando-o depois em A estrelado Sul .Esta obra trata sobre a alquimia e a pro-

cura de como converter o carvão em dia-mante.

Nela se descreve, pelas palavras de Cy-prien Méré, as tentativas de alguns cientis-tas que procuraram sintetizar diamantesno século XIX, até que o próprio Cyprien,depois de árduos esorços inspirados noamor por Alice Watkins, acredita conse-guir a proeza para espanto da Ciência e do

descontentamento dos exploradores daindústria de pedras preciosas.

Todavia, oram os suecos historica-mente os primeiros a obter um diamanteindustrial em 1953, mas guardaram o seuêxito em segredo e, no ano seguinte, em1954, a General Electric  conseguiu azer omesmo, só que realizou a proeza no meiode uma grande campanha publicitária, queconverteu em herói cientíco o criador dométodo americano, Tracy Hall. Desde en-tão, muita coisa mudou na indústria dodiamante sintético. A maior parte da pro-dução dedica-se tradicionalmente à abri-cação de diamantes industriais não válidospara a joalharia, mas que mantêm a suaexcepcional dureza o que o leva a nume-rosos usos em todos os tipos de aplicaçõestécnicas.

Cristian Tello

A história do diamante aricano Cristian comenta hoje um dos textos menosconhecidos de Verne onde coloca a sua opinião arespeito das riquezas e dos assuntos regionais das

 zonas aricanas.

Uma viagem ao extraordinário

Um dos diamantes Cu-llinan.

Engenheiro peruanoque mantém um sitena Internet sobreVerne desde 2004.É um dos vernianosmais activos na Amé-rica Latina. Escreveuartigos sobre o autorque publicou no seusite.Também traduziupara castelhano vá-rios textos inéditosdo rancês. É um dosundadores da Mun-do Verne.

[email protected]

Cristian AlexanderTello de la Cruz (Lima,Perú, 1977)

Tracy Hall, primeiro cientista conhecido queconverteu o carbono em diamante.

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Primeiro semestre de 2009

A Guerra dos bóeres

 A Estrela do Sul mostra-nos tambémJules Verne na sua aceta de críticoda política colonialista britânica, des-crevendo com ênase a resistênciados bóeres contra a presença dosingleses. Na obra, o velho talhador

de pedras preciosas Jacobus Van-dergaart evoca o patriotismo bóere relata ao jovem Cyprien Méré oGrande Trek de 1837: «Sempre queavançarmos um pouco mais, a Grã-Bretanha chega sempre até nós coma sua mão poderosa (...) Finalmenteoi-nos possível reconhecer a nossaindependência no Estado livre deOrange»... «Se o mundo soubesse to-das as injustiças semeadas no Globopor estes ingleses tão soberbos comos seus guinéus e com o seu podernaval, não haveria na linguagem doshomens sucientes insultos para lhesatirar à cara.»

Verne reere-se à guerra dos bôe-res, uma das primeiras conronta-ções que permitiram desencadear aagressão dos imperialismos.

As origens desta guerra encon-tram-se em 1805, quando os ingle-ses ocuparam a cidade do Cabo das

mãos dos colonos de origem holan-desa conhecidos como bóeres.

Dez anos depois da ocupação bri-tânica, em 1815, o congresso de Vie-na atribuiu denitivamente ao ReinoUnido a colónia britânica do Cabo.

A chegada de colonos inglesesorçou a saída dos bóeres para o in-terior do continente (Trek ou emigra-ção), cruzando os rios Vaal e Orange.Foram mais de 10.000 amílias as que

eectuaram o Grande Trek em 1837.Como consequência, entre 1852 e1854, os trekkers criaram as Repú-blicas de Transvaal e de Orange. Noentanto, o expansionismo inglêscontinuou a avançar e retiraram osantigos ocupantes em conrontosentre os anos 1880 e 1881.

Todos estes acontecimentos his-

tóricos são descritos por Verne pelavoz do escultor holandês Vanderga-art, um antigo bóer da zona ondeocorre a acção da obra, para quem,na sua opinião, «os ingleses são osmais abomináveis predadores que jamais existiram na Terra».

A verdade é que a política racialdos bóeres, a sua discriminação con-tra os estrangeiros, e especialmentea descoberta de jazigos de ouro emTransvaal, oram motivos sucien-tes para que os britânicos olhassemcada vez com maior receio para osseus vizinhos do norte.

As dierenças, mais notórias como passar do tempo, resultaram nal-mente na segunda guerra anglo-bóer ocorrida entre 1889 e 1902, queculminou com a incorporação dasduas Repúblicas bóer com a CoroaBritânica.

 Características e estrutura daobra

 A estrela do Sul  oi pela primeira vezem ascículos sucessivos na Maga-sin d’Education et Récréation de 1 deJaneiro a 15 de Dezembro de 1884.No dia 6 de Novembro apareceu emormato de livro, e em 13 do mes-mo mês, a edição ilustrada por Léon

Bennett. Escrita em 1883, a obradesenvolve-se no meio do paísdos diamantes, uma históriade amor e de viagens com, empano de undo, a tentativa dese produzir uma jóia de excep-cional dimensão e pureza atra-vés de procedimentos químicose ísicos. Além disso, esta obraserve como uma tribuna para oautor azer uma crítica à explo-ração e aos maltratos a que são

submetidos os escravos negros naindústria da obtenção de diamantesna Árica do Sul. Na obra, Jules Ver-ne, salienta que a avareza corrompeo homem ao ponto que de lhe retirartoda a humanidade, como ocorre aoagricultor John Watkins, proprietário

de terrenos diamantíeros, cuja co-biça é maior que a elicidade da sualha Alice. Entretanto, essa cobiçacausa a sua própria morte quandoo seu gigantesco diamante, a estrelado Sul, desintegra-se subitamente.

Verne arma: «Se John Watkinstivesse estado menos agarrado aolucro, se não lhe tivesse dado umaimportância excessiva e depois crimi-nal a esses cristais de carbono a que

chamamos diamantes, a descobertae o desaparecimento de A estrelado Sul teriam-no abalado pouco. Asua saúde ísica e moral não teriamestado à mercê de um acidente. Masele tinha colocado o seu coração nosdiamantes e pelos diamantes deviamorrer.».

Isto signica que o valor dos dia-mantes, das pedras preciosas, é con-vencional, e Verne ilustra novamenteessa ideia, evocando a gruta onde,

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na mesma obra, o rei aricano To-naia aprisiona os seus prisioneiros eenterra os seus mortos:

«Eram certamente diamantes, ru-bis, saras, o que se encontrava na-quela gruta, com massas tão gran-des quanto o seu valor, o preço queos homens dão a essas substânciasminerais devia escapar a todos os

cálculos. (...) Debaixo da terra havia,ignorados e improdutivos, triliões equadriliões de bilhões de valor! (...)O rei negro simplesmente acredi-tava ser o amo e guardião de umagruta particularmente curiosa, daque um oráculo ou alguma supers-tição tradicional impedia revelar osegredo.” Dessas citações conrma-se que, na percepção de Verne, oouro, a prata, as pedras preciosas,não têm por conseguinte mais queum valor articial, ilusório e ortuito.Um ponto de vista recorrente na suanarrativa, que nesta obra se reectecom maior intensidade

.O argumento

Na Árica do Sul, Cyprien Méré,um jovem rancês, engenheiro deminas, deseja casar-se com AliceWatkins. O seu amor é correspondi-

do por ela, mas ele não é mais que

um simples químico e o pai de Alice,John Watkins, proprietário de umadas mais ricas minas de diamanteem Griqualand, tem entre os seusplanos que a sua lha permaneça nopaís e se case com um dos mais ricosmineiros da região. Tentando com-prazer-se à vontade do avarento paide Alice, e colocado numa posiçãoavorável de ganhar a mão da jovem,Cyprien junta-se a Thomas Steel, ummineiro inglês que havia viajado paraa região para tentar a sorte na explo-ração de pedras preciosas; e ambosalugam a John Watkins uma partedas suas terras para tentar encontrara ortuna nas minas. Mas Cyprien nãotem qualidades para ser mineiro, e otrabalho não lhe dá resultados, razãopela qual Alice o convence a voltar àquímica e retomar a sua teoria da sín-

Os personagens da obra

• Cyprien Méré, 26 anos. Engenheiro de minas enviado à Árica do Sulnuma missão cientíca pela Academia de Ciências e pelo Governo ran-cês. Entre as suas teorias destaca-se a sintetização do diamante.

• John Watkins, velho agricultor e pastor de Griqualand, que soria da do-ença da gota. Era proprietário de uma parte dos terrenos diamantíerosda região.

• Alice, 20 anos. Filha de John Watkins e namorada de Méré apesar de o

seu pai se opor à relação. Tinha interesse pela química e pela criação deavestruzes.

• Jacobus Vandergaart, antigo bóer de Griqualand. Esperto talhador dediamantes a quem John Watkins, num acto de injustiça, lhe retirou a pos-se de todas as suas terras, estando agora a serem exploradas na indústriadas pedras preciosas.

• Matakit e Bardik, negros cares ao serviço de Cyprien Méré.• Li, chinês proveniente de Cantão. Tinha-se estabelecido em Griqualand

abrindo um negócio de lavandaria. As suas habilidades converteram-nono ajudante de Cyprien.

• Annibal Pantalacci (italiano), Herr Friedel (alemão) y James Hilton (esco-cês). São os três mineiros rivais de Cyprien que pretendem a mão de Ali-ce Watkins. Irão todos juntos pelas planícies de Transvaal, à procura dougitivo Matakit.

• Thomas Steel, mineiro de Lancashire, que desejava ter carvão para tentara sua sorte em Griqualand. Será sócio de Cyprien, alugando ambos umclaim de John Watkins.

• Lopepe e Tonaia, chees guerreiros das tribos que habitam em Transvaal• Pharamond Barthés, antigo companheiro de escola de Cyprien, que viaja

pela terceira vez à Árica do Sul na qualidade de caçador. Devido às suasrelações comerciais com o grande chee Tonaia, podia caçar no país dosbasutos.

• Nathan, Mathys Pretorious, Ward…outros mineiros com uma participa-

ção secundária.

Os duros trabalhos de exploração naindústria das pedras preciosas nas

minas de diamantes em Griqualand,Árica do Sul.

Cyprien Méré e JacobusVandergaart contemplam com admiração, a

beleza e o resplendor da estrela do Sul.

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Primeiro semestre de 2009

tese do diamante.Tentado pela ideia de Alice, Cy-

prien decide usar as suas habilidadesquímicas para realizar a experiênciaque lhe permite criar o maior dia-mante do mundo. O sucesso pareceestar do seu lado quando abrica,para surpresa de todos, uma jóia deum tamanho prodigioso e de um va-

lor incalculável, a qual baptizou de Aestrela do Sul. O brilhante é desejadopor Jacobus Vandergaart, um velhobóer da região e inteligente talhador,a quem Cyprien cona a delicadatarea. Mais tarde, o diamante é rou-bado num banquete oerecido porJohn Watkins, e este promete a mãoda sua lha àquele que capture o la-drão e recupere a jóia.

O suspeito do roubo é Matakit,um negro aricano ao serviço de Cy-prien. O engenheiro está convicto dainocência do seu jovem e hábil assis-tente, mas o seu desaparecimentoaz com que todos o apontem comoculpado. É então que Méré e outrosmineiros interessados na mão deAlice partem juntos à procura de Ma-takit entrando nas perigosas terrasde Transvaal, povoada por animaisselvagens, tribos hostis e colonizadanaquela época pelos bóeres, os anti-

gos cidadãos holandeses de O Caboque em vinte anos criaram uma po-pulação agrícola com mais de cemmil brancos. A arrojada expedição écomposta por Cyprien, que vai acom-panhado por Li, o seu assistente chi-nês, e Bardik, outro negro aricano aseu serviço; o alemão Herr Friedel; onapolitano Annibal Pantalacci; e doescocês James Hilton, que uniramorças para sobreviver naquelas pa-ragens.

Enquanto atravessam Transvaalde Sul a Norte, descobrem que Ma-takit tinha montado numa avestruz,uma ave mais leve e rápida do que oscavalos que utilizam os seus perse-guidores. Mas as dores e diculdadesda expedição começam a azer víti-mas mortais, como Herr Friedel quemorre um dia pelo acto de comerum peixe capturado nas águas do rioLimpopo. O alemão não quis saber

da advertência de que essas águas,depois do pôr-do-sol, produzem ter-ríveis ebres impossíveis de curar.

Dias depois, um grupo de guer-reiros negros liderados por Lopepenegou-lhes a passagem, e tentandonegociar com os estrangeiros, con-vidou-os a visitar a sua aldeia, per-manecendo Li e Bardik na guarda doacampamento. Lá inteiraram-se que

um viajante que correspondia com-pletamente à descrição de Matakit,tinha passado pela aldeia cinco diasantes. Mas ao voltar, outro grupo deguerreiros negros de uma tribo die-rente, liderados pelo grande cheeTonaia, tinha invadido o acampa-mento para saber quais eras as suasintenções ao entrarem no seu territó-rio. Este acto levou com que o negrocare Bardik abandonasse o acampa-mento.

Enquanto avança a expedição,outro dos seus viajantes morre. Des-ta vez chegou a vez do escocês Ja-mes Hilton que, depois de caçar umeleante, soreu um terrível golpeda tromba do animal na sua colunavertebral. Apenas restavam Cypriene o seu rival Pantalacci, que o trai le-vando os cavalos da expedição, paraassim impedir-lhe alcançar Matakit.Perante o problema de não poder se-

guir o caminho, Li propõe a Cypriencapturar duas giraas e acondicioná-las como montarias. Não há dúvidade que o chinês tinha uma habilida-de maravilhosa!

Os dois cavaleiros, graças aos rá-pidos animais, oram capazes de avis-tar Pantalacci, que havia caído numaarmadilha para pássaros. O napolita-

no, envolto numa grande rede junta-mente com outras aves, luta para selibertar arrancando uma parte dela.Naquele instante os pássaros, vendo-se livres, voaram sacudidos por umatempestade, levando pelos ares operverso napolitano que seguia jun-to com a rede. Mas logo as suas mãosse soltaram, e ele caiu violentamenteno chão. Quando Cyprien veio emseu auxílio, já estava morto. Agora,dos quatro corajosos rivais que selançaram através das planícies doTransvaal, apenas restava ele.

Com as provisões praticamenteesgotadas, Li oi à procura de umaaldeia onde pudessem ter ajuda, dei-xando Méré sozinho em pleno deser-to, exposto às temperaturas ardentesdo clima aricano. Encontrando-senum estado de ebre e delírio, o en-genheiro é ajudado por PharamondBarthés, um caçador rancês amigo

seu que havia cado no país dos ba-sutos dominado pelo grande cheeTonaia, com quem mantinha rela-ções comerciais.

O caçador conrma que nas terrasde Tonaia oi capturado um jovemcare, que mantinham amarrado nospés e nas mãos. Foram imediatamen-te visitar o chee basuto, armandoque o prisioneiro se tratava de Ma-takit. O chee recebeu o caçador econrmou a presença do prisioneiro

numa caverna sagrada a qual nãopodiam aceder. Finalmente Tonaiaconcorda levá-los perante a insistên-cia dos brancos, na condição de lhesvendar os olhos durante o caminho,pois nenhum estrangeiro havia sidoadmitido anteriormente naquelacaverna misteriosa que mantinhano seu interior a mais variada e ricagama de pedras ormadas natural-mente.

John Watkins e os mineiros de Griqualandcomprovam angustiados que a estrela

do Sul desapareceu.

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Eram diamantes, rubis, saras, pe-pitas de ouro, cristais deslumbrantese uma innidade de jóias que ali esta-vam instalados perante os olhos dosestupeactos ranceses. Chegados aoundo da gruta viram um prisionei-ro trancado numa caixa de madeira.Ali Cyprien pode, por m, enrentaro jovem care e descobrir a verdade.

Matakit conessa ser inocente e quetinha ugido com medo de ser puni-do pela lei de Griqualand que pen-dura os cares antes de os interrogar.Os ranceses negoceiam a libertaçãode Matakit, e decidem regressar paraesclarecer a sua situação; mas já nãocabiam mais ilusões, a estrela do Sultinha-se irremediavelmente perdido,e Cyprien já não poderia obter a mãode Alice, a menos que tivesse suces-so numa segunda tentativa de criaroutro diamante.

A segunda tentativa de Cyprienpara abricar um novo diamantearticial, desencadeou a úria dosproprietários dos claims da região,que estavam cientes de que, caso orancês tivesse sucesso, o comérciodos diamantes naturais e outras pe-dras preciosas seria completamentedestruído. Os angustiados e ansiososmineiros planearam então a mais

pérda atitude: assassinar em segre-do o jovem antes que ele arruíne os

seus negócios. Mas no momento emque os encapuzados vão assassinarCyprien, aparece Matakit, que nal-mente explica a verdadeira históriada estrela do Sul a m de evitar amorte do seu mestre.

O negro care conessa, para tran-quilidade dos mineiros, que o supos-to diamante criado por Cyprien Méré

era uma jóia verdadeira, encontra-da por ele enquanto trabalhava noclaim do rancês. Matakit quis queacreditassem, colocando o brilhan-te no orno do laboratório que haviainstalado, que a experiência em quetrabalhava exacerbadamente tinhasido bem sucedida. Esclarecido osactos, os mineiros abandonaram oembaraçado Cyprien sem deixar ras-to. No entanto, ao saber que a estrelado Sul era um verdadeiro diamante,as suspeitas do misterioso roubo vol-taram a cair em Matakit, e o pobrenegro, apesar dos esorços do seumestre, oi preso, julgado e condena-do à orca.

Mas logo se descobriu onde es-tava a jóia, antes que o negro osseexecutado. Tinha sido engolido porDada, a mais divertida avestruz cria-da por Alice, que tinha o hábito deengolir os objectos que lhe chama-

vam a atenção. A ave tinha acabadode comer o decreto que autorizava aexploração dos terrenos diamantíe-ros de John Watkins, umas parcelasque há algum tempo atrás havia per-tencido ao velho talhador JacobusVandergaart.

Perante a ameaça de perder talprecioso documento, a avestruz oisubmetida a uma cirurgia para remo-ver o pergaminho. A operação reali-zada cuidadosamente por Cyprien,

que tinha, anteriormente, seguidoum curso de zoologia, produziu maissurpresas do que o esperado. Dadatinha guardado no seu estômagouma variedade de objectos, entreos quais se destacava o documentodo Sr. Watkins e a estrela do Sul, quetinha mudado de cor; do preto queera antes, a jóia tinha agora uma corrosa que aumentava, por assim dizer,o seu brilho e esplendor.

Por recuperar o diamante, o pai de

Alice organizou uma nova esta paracelebrar a recuperação do seu tesou-ro, o qual agora estava ortemente vi-giado. De repente, os convidados e oantrião recebem uma visita inespe-rada no meio do banquete. A magrae delgada gura de Jacobus Vander-gaart apareceu desaante peranteJohn Watkins alegando que as terras

onde a estrela do Sul oi encontradapertenciam-lhe e, portanto, ele era oúnico dono da jóia.

A sua armação baseava-se nanova declaração cadastral do gover-nador da região, que indicava queas antigas cartas de orientação ge-ográca das áreas diamantíeras deGriqualand estavam erradas devidoa um grave erro dos engenheirosingleses. Esta alha, descoberta an-

teriormente por Meré numa das suasinvestigações, agora corrigida, devol-via ao velho talhador todas as terrasque desde há sete anos haviam sidoexploradas por Watkins, e toda a ri-queza que delas tinha obtido.

O arruinado pai da Alice adoeceuperante a desgraça, mas o bóer não ti-nha em mente acabar com seu velhoinimigo. Graças ao sentimento quesentia pelo jovem rancês, propôs-lhe, para sua surpresa, devolver a jóia

John Watkins e a sua lha tentam deterDada, a avestruz que acabava

de comer um dos títulos depropriedade do velho e avaro agricultor.

Cyprien e Pharamond Barthés resgatam Ma-takit da gruta onde o grande chee Tonaia o

tinha cativo.

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Primeiro semestre de 2009

como prenda de casamento, se acei-tasse a união de Cyprien e Alice, queseriam seus herdeiros. Mas quando acalma parecia ter regressado ao cor-po do agricultor, outro acontecimen-to veio agravar o seu débil estado desaúde. Tendo os antigos inimigos sereconciliado, no momento em queestavam reunidos em casa de Wa-

tkins celebrando os acontecimentosrecentes, ouviu-se de repente umaorte explosão. Para inortúnio doantrião, A estrela do Sul tinha explo-dido! Isto deveu-se a uma deciênciamolecular dos diamantes em Griqua-land, ainda não explicada, que aziacom que estas pedras preciosas porvezes rebentassem como petardos,convertendo-se apenas em pó que,ao menos isso, pode ser utilizado in-dustrialmente.

Normalmente os brilhantes queapresentam esta má ormação ex-plodem em poucos dias, mas os trêsmeses que durou a jóia deveram-seà camada protectora de gordura queadquiriu aquando da sua estada noestômago da avestruz. A perda dasua ortuna, seguida da perda do seudiamante, agravou o estado de saú-de de Watkins, que morreu poucosdias depois. Essa oi a sentença à sua

ganância: a jóia tinha levado a des-graça ao seu possuidor.Algumas semanas mais tarde, Cy-

prien pôde nalmente casar-se comAlice, e sua claim, havia adquirido umalto valor por ter sido onde encon-trou-se a estrela do Sul, oi vendida;e com o dinheiro da venda, viajarampara a França, como tinham pensa-do. E, ainda que o país dos diamantestenha continuado com a exportaçãoindustrial das pedras preciosas, a ver-

dade é que nenhum mineiro voltou ater a boa ou a má sorte de encontraruma nova jóia tão prodigiosa como«A estrela do Sul»..

Os flmes

Em 1969, a empresa Columbia Pic-tures, levou ao grande ecrã The Sou-thern Star  (A estrela do Sul ), lme ba-seado na obra homónima do escritor

rancês JulesVerne. O lmeinglês dirigi-do por SydneyHayers, temcomo protago-nistas os po-pulares actoresGeorge Segal

(Dan Rochland),Ursula Andress(Erica Kramer)e Orson Welles(Plankett) nosprincipais pa-péis.A acção de-s e n r o l a - s enuma colóniarancesa na Árica do Sul.

Durante uma pesquisa geológicanas terras de Kramer, que criou umimportante império, Dan descobreum enorme diamante conhecidocomo «A estrela do Sul».

Numa esta organizada por Kra-mer, desaparece a abulosa jóia, e to-das as suspeitas caem sobre Matakit,ajudante de Dan.

O geólogo americano e Erica, -lha de Kramer, tratarão de encontraro diamante para assim demonstrar ainocência de Matakit, mas a tarea a

que se propõem não será ácil poisterão que superar numerosos peri-

gos nos locais mais exóticos da Áricado Sul.

Além deste lme, uma outra ver-são da obra, em desenho animado,oi realizada em 2000 por ArmandoFerreira, um produtor que recriououtras obras de Verne em ormato deanimação. Fiel ao argumento originalda história, este lme rancês garan-te aos ãs de Verne, e aos amantesdo cinema, uma boa adaptação queilustra as extraordinárias aventuras

dos personagens da obra em toda adimensão que só a értil imaginaçãodo escritor pode brindar-nos

Bibliografa

• Verne, Jules. La estrella del Sur. Editorial Plaza & Janés,Barcelona, 1967.

Chesneaux, Jean. Una lectura política de Julio Verne. SigloXXI Editores, 1973

• Wikipedia. Historia del diamante Cullinan. Em linha,http://es.wikipedia.org/wiki/Cullinan

• Wikipédia. Guerra de LosBóers. Em linha, http://es.wikipedia.org/wiki/Guerras_de_los_Bóers

Cena de L’étoile du Sud , lme rancêsanimado e realizado no ano 2000.

Ache publicitario de la versiónílmica de 1969 de La estrella del Sur .

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Harry Hayeld

Um país ausente na obra verniana*

Como todos1 sabemos , Jules Verne erarancês. E, todavia, para alguém que tinhamuitas histórias por onde escolher, não pa-rece mencionar o seu país com requência.

Fê-lo em  A volta ao mundo em oitenta dias (haciendo alarde acerca del buen serviciode trenes que tenía Francia en 1872). (ga-bando-se do bom serviço de veículos decaminho de erro que tinha a França em1872). Os Lidenbrocks viajam através e porbaixo do país em Viagem ao centro da Ter-ra e o Proessor Arronax navega junto a eleno Nautilus em Vinte mil léguas submarinas,mas nenhuma das histórias se baseia eec-tivamente na França. O seu lugar avorito

parece ser qualquer pedaço de terra, masnão a França, o que signica que quandocomeçou a escrever tinha todo o planetapara escolher, porém, um dos lugares queele parece ter uma grande paixão é o Rei-no Unido.

Tomemos, por exemplo, A volta ao mun-do em oitenta dias. Poderia ter escrito sobrequalquer pessoa de qualquer das naçõesindustrializadas do mundo para azer essaviagem, digamos, por exemplo, um norte-americano que saia de Washington DC, um

espanhol que parta de Madrid, ou até mes-mo um russo que a aça desde Moscow,mas optou por um inglês que saiu de Lon-dres. A viagem começou em Savile Row emBurlington Gardens, onde tomou um táxipara o Reorm Club em Pall Mall , e daí outrotáxi até à estação Charing Cross para tomaro veículo de caminho-de-erro para Doverem Kent, que viajava desde Sydenhampara Surrey, para depois embarcar numerry em Dover. E no caminho de regresso,o mesmo aconteceu. Navegou no Henriet-ta até Queenstown tomou um veículo decaminho-de-erro para Dublin via Thurles,atravessou o Mar da Irlanda até Liverpool,e depois um veículo de caminho-de-errodesde Liverpool passando por Manches-ter, Birmingham e Londres.

Agora, se você escrevesse um livro so-bre as viagens de um inglês que dá a volta

* Tradução desde o inglês por Sergio O. Manance-ro (Colónia de Sacramento, Uruguai, 1942) a partirde um artigo enviado pelo autor.

ao mundo, aria reerência a todos esseslugares com tanto detalhe? Claro que não,poderia, quiçá, mencionar alguns dos luga-res que possa ter visto durante uma visita

sua. Existe um outro exemplo de sua asci-nação para com o Reino Unido. Em Viagemao centro da Terra não só menciona a cida-de de Peterhead (na costa oriental do nor-te da Escócia) como tem ainda a ousadiade sugerir que os viajantes estão por bai-xo do Reino Unido cerca de uma semanaantes de estes serem expulsos através dovulcão Stromboli. E, apesar deste interesseno Reino Unido, Verne parece ter ignoradouma pequena racção muito importante:

o pequeno território em que vivo que sechama País de Gales.Pode-se pensar, quem sabe, que isto

talvez se deva ao acto de este país ser, emmeados de 1800, bastante aborrecido emonótono. Ao que eu digo que nada pode-ria estar mais longe da verdade! Por exem-plo, quando se menciona o procedimentoda undação para criar o osso de onde oColumbia será lançado desde a Florida,reere que se necessitam cerca de 136 mi-lhões de libras de erro (68 000 toneladas)

e, perante isso, decidem construir 1 200ornos. Tudo muito bem e bom, digo eu,mas estava Verne ciente de que em 1860 amédia de produção de aço no País de Ga-les era de 6 800 toneladas por ano, 10% daquantidade necessária? Ou em que pensa-va quando escreveu Vinte mil léguas sub-marinas quando se reeriu aos viajantes deNemo como sendo de todo o Reino Unidoe escreve que viajam entre a Irlanda e Cor-nualha? Por outro lado, menciona o Marda Irlanda que separa a Irlanda e o País deGales, e os golnhos que ali se encontram?Não o az. Portanto, seria bom que com atecnologia moderna conseguisse provocaralgum impacto para que esta parte do Rei-no Unido participe um pouco mais na obrade Verne. Talvez alguém possa, quem sabe,levar tudo isto a bordo e mover Stone Hilldesde a Florida para o País de Gales, ou, nasua alta, testar os explosivos no País deGales e demolir algumas montanhas poracidente

Harry participa de orma activa no Fórum Inter-nacional Jules Verne. Deende a sua nacionalidadecom intransigência e, neste artigo, demonstra-nos,segundo o seu ponto de vista, a pouca presença dasua terra natal nas descrições e histórias vernianas..

A volta ao mundo

Sobre o autor

Cuida dos seus avós

no condado de Car-digan, no País deGales. Viveu na In-glaterra e no País deGales e descreve-secomo um PhileasFogg (em termos deconhecimento sobreo mundo, mas quenunca oi realmen-te a nenhum lugar).Interessou-se, pelaprimeira vez, na obra

de Jules Verne atra-vés de  Around theworld with Willy Fog,que oi transmitidona televisão no Rei-no Unido enquantoestudava Geograana escola, e, graçasà introdução datecnologia DVD,oi-lhe possível con-cluir a viagem quecomeçou em 1985

quando completoua série em 2003. Fazparte do Fórum In-ternacional Jules Ver-ne do qual é um dosmembros mais acti-vos. É colecionadorde vídeos e materialcinematográco ba-seados na obra doescritor rancês.

[email protected]

Harry Hayfeld(Aberystwyth, Gales,1974)

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Primeiro semestre de 2009

A. J. Ferreira**

Como Verne conquistou Portugal?* 

Jules Verne encontrou o caminho deglória em 1862,1 con o romance Cin-co semanas em balão, aventuras atra-

vés de uma Árica desconhecida. Dozeanos depois (enquanto publicava noseu país La isla misteriosa) oi apre-sentado aos portugueses, az agoracentro e trinta e quatro anos.

A Empreza Horas Românticas, deDavid Corazzi, oi o eco em Portu-gal da prestigiada casa Hetzel12e desuas grandiosas edições vernianas:as Voyages Extraordinaires da Biblio-thèque d’Éducation et Recréation. Osvolumes portugueses, de dimensões

sensatas, impressos em belo tipo ebom papel, mantiveram o tamanho ea qualidade das ilustrações originais,e eram, na opção de luxo, «encader-nados em percalina e dourados nacapa e por olhas». Ainda se encon-tram destes, um ou outro, no merca-do alarrabístico.

O meu estudo levou-me a con-cluir que a prolieração das edições,a requente emissão do número de

* Num trabalho meticuloso, que lhe temocupado anos, na tarea de olhear todo otipo de publicações, quer próprias, quer doacervo da Biblioteca Nacional, A. J. Ferreiraindica em pormenor autores e publicações.O artigo Como Jules Verne conquistou Por-tugal no oi publicado no seu Jornal InantilPortuguês Ilustrado, apresentado de Julhoa Novembro de 1994, onde relaciona a obrado escritor rancês com as suas primeirasedições em território português. Este texto,que oi publicado em exclusivo há uns mesesno blog JVernePt, é aqui reproduzido com a

autorização do próprio Ferreira e com algu-mas modicações. A tradução castelhanadesde o português deste artigo debe-se aAriel Pérez.** A. J. Ferreira é o nome literário de AntónioJoaquim Ferreira. Nasceu em 1924 em Lisboae é um dos raros estudiosos e investigadoresportugueses na área da banda-desenhada eliteratura juvenil. Em Maio de 1991, começoua escrever e a editar a revista Inormações eestudos sobre jornais inantis, literatura popu-lar e histórias aos quadradinhos. Este projectodurou sete anos sendo o seu último número,78, lançado em Abril de 1997..

1 Jules Hetzel, Rue Jacob, 18, París.

ordem e das datas,deixam livreiros eleitores na ignorân-

cia do que vendeme do que compram,e levam a dar a orosde primeira ediçãoao que realmentenão o merece.

Historiemos en-tão a evolução dascaracterísticas visí-veis.

Da Terra à Lua oia «viagem» escolhi-

da para estreia, em1874, e a publica-ção, como seria deesperar, oi levadaa cabo em ascículos, ou cadernetassemanais de 32 páginas, tendo cadauma 32 linhas.

O jornal Diário Ilustrado noticiouem 12 de Março desse ano, a saídada primeira caderneta, com 6 gravu-ras, e traduzida por um «cavalheiroque junta a um bom e sólido talentouma grande ilustração». A obra oitipograada na Imprensa Nacional(Lisboa).

A segunda viagem, À volta da Lua,oi já impressa em tipograa própria,a a Typographia das Horas Românti-cas en la Travessa da Parreirinha23nú-mero 5, sem data conhecida.

O endereço da Empreza HorasRomânticas, Rua dos Calaates3,4oi,por vezes omitido e, durante a pu-

blicação do oitavo capítulo. Viagemao centro da Terra, em 1875, a editoramudou-se para o número 42 da Ruada Atalaya. Mais tarde, a tipograatambém para lá se mudou, números40 ao 52.

Em paralelo com a Viagem aocentro da Terra, oi editada em 1875,quase despercebidamente, uma

2 Hoje, Rua Capelo, Lisboa.

3 Rua do Diário de Notícias, Lisboa, desde

1886.

outra novela de Jules Verne,  A Ga-lera Chancellor  ora da Bibliothèqued’Éducation et Recréation e directa-mente em volume brochado, algo jávisto na França e no Brasil.

Perante a ausência total deilustrações45(tão importantes na obrade Verne) e o preço de 600 réis5,6o

desinteresse do público oi de moldea castigar David Corazzi pelo seu de-sajeitado passo.

O ormato menor e a letra peque-na dessa «triste» edição, não oram,por certo, os culpados, como se pro-varia onze anos depois, com umamelhor concebida Grande EdiçãoPopular  (1886) de que alaremos àrente.

De 1879 (depois de A Galera Chan-cellor ) a 1882 (antes de O raio verde),

Corazzi editou um trabalho históricode Jules Verne, intitulado Histoire desgrands voyages et des grands voya-geurs.

Divididos em três partes, como emrancês, os seus seis volumes tiveramo título geral de  As grandes viagens 

4  As aventuras do capitão Hatteras tinha,na Biblioteca Ilustrada, 135 gravuras em cadavolume.

5 Onze anos depois, seria possível uma

edição com duas gravuras por 200 réis.

 Artigo interessante que az um resumo dasedições portuguesas publicadas na época em que

Verne vivia e detalha particularidades que identicamcada uma das edições. Muito obrigado ao Frederico

 pelo envio deste texto..

Esboços ibero-americanos

Imagem das capas da Empreza HorasRomânticas na versão normal e na edição de luxo.

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em vez de Viagens Maravilhosas, masnão deixaram de ser posteriormenteincluídos na sequência de numera-ção das Viagens Maravilhosas e enca-dernados nas suas capas. Anal, estaedição não era menos maravilhosaque as outras. Na primeira, o ron-tispício ilustrado (que nem sempreexistia nas edições das Horas Român-ticas) incluía o conhecido cartão devisita da página de rosto, onde orasubstituído pela simples indicaçãoda tipograa.

Em 1884 oi suprimido no cartãode visita67do editor, o termo Bibliote-ca Ilustrada de Instrução e Recreio e oisubstituído pela inormação das me-dalhas conquistadas nas exposiçõese pelo endereço da lial no Brasil.

Dois anos depois (mas já dadacomo um acto em anúncios de

1885), enm, a conquista das mul-tidões (depois da alsa partida em1875): Jules Verne a 200 réis, e comilustrações.

O ormato in 8º rancês signicavaque os livros eram um pouco meno-res que a edição de luxo. Dentro, amancha de texto era também menorembora o número de linhas tivesse

subido de 32 para 35 (em menor tipoe menos espaçadas), as ilustraçõeseram reduzidas a duas e bastavampara inamar a imaginação dos lei-tores.

A missão de David Corazzi esta-va cumprida e o grande editor nadamais teria a dizer aos seus leitores deJules Verne.

6 A supressão poderia ter ocorrido em1883, no romance Kéraban, o cabeçudo, cujaprimeira edição nos é desconhecida..

Este novo ormato veio a soreruma pequena redução (1 cm) a meiodos anos 20, com os números (1 a82) e o termo Viagens Maravilhosas perdeu, por vezes, a sua obliquidade«belle-époque», e acomodou-se emduas linhas horizontais, debaixo dobalão.

A mancha de texto não oi aec-tada por essa redução, apenas asmargens oram sacricadas. Em bro-chura, a Grande Edição Popular  tinhacapas sem gravuras, iguais às pági-nas de rosto, em papel espesso e cin-zento.

A partir da 2ª edição de O paíz das Pelles, em 1887, oi inserida uma«gralha» tipográca providencial,«Impresa…», onde antes se via “Em-

 preza Horas Românticas”. Em 1888 atipograa da Horas Românticas mu-

dou-se para a Rua da Rosa, 309.Em 28 de Novembro de 1896

morre David Corazzi, que se contava«entre os homens de mais iniciativa

no nosso país»… «vitimado por umalesão cardíaca». No artigo em que seanuncia o alecimento do editor, em1889, é explicado a novidade (1884,como se vê impresso, não pode dei-

xar de ser um lapso), ano em quesurgiu a Companhia Nacional Editora (e do seu monograma), sucessora deDavid Corazzi e Justino Guedes.

Acrescentamos que o «sindica-do» era dirigido pelos próprios Da-vid Corazzi e Justino Roque GameiroGuedes, que compravam com a mãodireita o que vendiam com a esquer-da.

No ano seguinte, em 1890, a ad-ministração da Companhia Nacional 

Editora, abandonou as velhas insta-lações e mudou-se para o número50 do Largo do Conde Barão. A tipo-graa (agora também pertencente àCNE) permaneceu na Rua da Rosa.

Sete anos depois, a Companhia,agora administrada unicamente porJustino Guedes, continuará a publi-cação da obra de Verne, a partir deO Castello dos Cárpathos. Nesta data,também a sua tipograa se encontrano Largo do Conde Barão.

Em 1899, o topo das páginas derosto da Grande Edição Popular  tor-nou-se igual ao da «edição de luxo»:apenas dizia Viagens Maravilhosas.

Mas a rase por extenso, GrandeEdição Popular das Viagens Maravi-lhosas aos Mundos conhecidos e des-conhecidos reaparecerá (em 1911?).

Surge dois anos antes da morte

do autor rancês, em 1903, o desapa-recimento do nome de Justino Gue-des que coincide com nova transor-mação da razão social: simplesmente

 A Editora, cando as páginas de rostoprivadas do habitual monograma doeditor… até 1908, quando oi rein-troduzido na orma actualizada.

A partir de 1911, os romances de

Jules Verne aparecem agora numera-dos nas listas publicadas em rontis-pícios e em contra-capas de brochu-ras.

A numeração (que atingia, porentão, o número 75) correspondia àordem de primeira publicação dostítulos na «edição de luxo» – comexcepção dos quatro primeiros volu-mes de  As grandes viagens e os gran-des viajantes, que oram avançadosaté se juntarem aos dois últimos vo-

Em 1880 apareceram algumas alterações grácas numa rotina que se aproxima-va de quarenta volumes: o pequeno monograma de David Corazzi, na página derosto, oi substituído por outro (por baixo), e o seu nome, por extenso, intercala-

do no cartão-de-visita do pé da mesma página.

Os brasões dos Editores gravados nas contra-capasindicam a época de eitura das capas, mas podem ser

encontrados a encadernar textos impressos muitos anosante.

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Primeiro semestre de 2009

lumes dessa obra (pois não tinhamsido consecutivos).

No ano seguinte, o catálogo (verilustração) publicado com o roman-ce número 79, O pharol do cabo domundo prometia a continuação atéao número 85… mas essa numera-ção, prosseguida por outro editorbem dierente (Livraria Francisco Al-

ves / Livraria Bertrand ) em 1937, sócomportaria mais três volumes, 80,81 e 82.

Na «edição de luxo», não conhe-cemos qualquer título posterior a Osoberbo Orenoco (números 73 y 74).

Note-se que a publicação de ape-nas mais três volumes, até ao nú-mero 85, seria por certo insucien-te para abranger o que altava das«Obras completas», que o catálogoprometia.

A meio dos anos 20, mais propria-mente em 1926, entrou em activida-de verniana um novo editor, herdeirodas Horas Românticas, daCompanhiaNacional Editora, e de  A Editora (queanal ora sempre a mesma, que seia transormando): uma complicadaunião de associações multinacio-nais.

Esta associação de Editores, quepouco produzia (e apenas repetia),

imprimia os romances de Jules Vernena tipograa da Empresa do Diáriode Notícias, ou na Imprensa Portugal-Brasil .

Em 1934, a Livraria Bertrand  iso-lou-se da Livraria Aillaud e, até 1938,seria a associação Livraria Francisco

 Alves (Brasil) / Livraria Bertrand  (Por-tugal) que publicava os volumes nú-

mero 80, 81 e 82 (dando enm par-cial cumprimento ao prometido pela

 A Editora em 1912).

A obra de Verne estava longe dapublicação completa em Portugal(ainda hoje o está), mas estes oitentae dois volumes representam o maisimportante e coerente conjunto en-tre nós erguido à glória do genial ro-mancista.

Uma nova associação luso-bra-

sileira (Livraria Bertrand  (Portugal) /Editora Paulo de Azevedo, Lta (Brasil))reimprimiu algumas obras isoladas,e, em 1956, lançou a reedição «deacordo com a moderna ortograa»de todos os títulos, 1 a 82.

Para os jovens leitores de então,teria sido, em tom menor, a repeti-ção do experimentado pelos seusbisavós em 1874

Estas capas, de origem rancesa, cobriramPortugal (e também o Brasil) em vários tons

de vermelho, verde, azul, amarelo.

Na orma, mantém-se as características da

Grande Edição Popular de 1886 – com umanova capa de F. Bento.

Edições contemporâneas

Surge em 1967 o último em-preendimento verniano (atéà data) da Livraria Bertrand :a reedição «inteiramenterevista», com capas indivi-dualmente distintas e parti-

culares, com montagem deantigas gravuras a preto-e-branco no undo de otogra-as coloridas actuais e papelbrilhante (semelhante à edi-ção rancesa contemporâneado Livre de Poche).As ilustrações são agora 8 ou10 por volume. Os revisoresdas traduções não são iden-ticados.É edição composta 56 ou 57títulos, em 83 ou 84 volumes,estando entre eles um títu-lo novo:  A caça ao meteoro(1978).Outros editores, sem nadatrazerem de novo, explora-ram o lão Jules Verne: Edi-torial Aster  em 1960, EdiçõesFernando Pereira em 1961,Círculo dos Leitores em 1973,Editores Associados em 1974,

 Amigos do Livro em 1980,Europa-América nesse mes-mo ano e Livros do Brasil em1990.Em álbuns de banda-dese-nhada, ou de texto interca-lado em grandes ilustrações,várias editoras como: Edito-rial Verbo, Porto Editora ouEditorial Pública.Obras de Jules Verne real-mente «novas» (ora das da

Corazzi-Bertrand) oram pu-blicadas por outros editores,em livros próprios ou emcolecções. Editoras como: Li-vraria/Editorial Minerva (anos30), Editora Arcádia e Edições

 António Ramos, Lda (naisdos anos setenta).Prometido o lançamento, emdois volumes, O homenzinho que mais tarde apareceu.

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Os mil olhos de Tarrieu

Em O vulcão de ouro, no capítulo V, Summy Skin aparece na companhia de um cão chamado Stopque Jules Verne omitiu apresentar-nos e que nunca é citado anteriormente no texto.

O Bulletin de la Société Ju-les Verne publicou, em 2006, Lesancés Bretons descoberto porClaudius Bombarnac , que devidoa um atraso técnico não apare-ceu originalmente no ormatoin-18 mas excepcionalmente emin-8. (Philippe Jauzac, Jules Verne,Hetzel et les cartonnages illustrés,L’amateur, 2005, p. 126).

Na revista Bateau modèle, nú-mero 61, o desenhista HenriSimoni copiou totalmentea ilustração de Léon Benett,do capítulo VIII de Robur oconquistador , que represen-ta o Albatros sobrevoandoum veículo de caminho-de-erro. Devia, pelo menos, terassinalado a sua onte…

Erro de Jules Verne em Os irmãos Kip:Assy Cardigan, governador da Tasmânia,

muda de nome tornando-se na

obra Edward Cardigan

Os personagens PointePescade e capitão Matias Mat-tiou da obra Mathias Sandor oram certamente inspiradosa Jules Verne pelos reais PaulSandor e Nino, artistas de cir-co, o primeiro ventríloquo eo segundo de uma orça pro-digiosa, que encantaram aGrã-Bretanha dos anos 1880.Foram para Nantes em 1903.

Mathias Sandor é de 1886.

3

Em Os irmãos Kip sabe-se que O’Briene McCarthy tinham sido capturados oitoanos antes (p. 1999, Mag 1902) mas depois

de algumas páginas é-nos ditoque havia sido há seis anos.

Claude Guillon Verne, so-brinho de Verne, ez a mú-sica para a peça Les tribula-tions d’un chinois en Chinea partir da obra do seu tiosendo esta representada no TeatroSarah-Bernhardt em23 de Maio de 1931.

7Breves notas à margem...

Jules Verne oi admitido no Yacht-Club deFrança em 1874 (Philippe Valetoux no artigo Les

 yachts de Jules Verne, Revista Chasse-Marée , núme-ro 140, Fevereiro de 2001)... Em 7 de Outubro de1994 o manuscrito de Voyage au centre de la Terreoi vendido em Nova York por 266 500 dólares...O republicano Laviron (Da Terra à Lua, II), GabrielJoseph Hippolyte de nome, não morreu em 1840como Verne escreveu mas sim em 1849 durante o

cerco a Roma.

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Primeiro semestre de 2009

José Miguel Viñas

A meteorologia nos

Os extraordinários avanços cientícos re-alizados ao longo do século XIX tiveramseu el reexo nos romances de Jules Ver-ne, como o próprio autor reconheceu ementrevista concedida ao Strand Magazine,em 1895: «A precisão de minhas descri-ções deve-se ao ato de eu ter tido, pormuito tempo, o hábito de tomar notas delivros, jornais e revistas de todo tipo. Eusou um ávido leitor de publicações cientí-cas e, claro, estou ciente de todas as des-cobertas ou invenções que ocorrem emtodos os campos da ciência, astronomia,siologia, meteorologia, ísica ou quími-ca».

Apesar de Verne se reerir explicita-mente à Meteorologia na sua declaração,esta ciência não ocupa lugar tão proe-minente e explícito em sua obra, como aAstronomia (Da Terra à Lua,  À volta da Lua,Hector Servadac, Caça ao meteoro…) ouGeologia (Viagem ao centro da Terra).

Encontramos na Geograa, a maiorpaixão de Jules Verne e o o condutor dasViagens Extraordinárias, a órmula utilizadapelo autor para introduzir muitos aspectosdo tempo e clima, como veremos no de-

correr deste trabalho.O geógrao Pere Sunyer Martin em seu

artigo Literatura y ciencia en el siglo XIX. Losviajes extraordinarios de Jules Verne (Geo-crítica. Año XIII, nº 76 – Julho de 1988), in-troduz uma nuance interessante ao armarque nas Viagens Extraordinárias «aparecemos diversos ramos do conhecimento cien-tíco do momento: a botânica, zoologia,geologia, mineralogia, geograa, química,matemática, etc.

Todas são apresentadas pelos perso-nagens, e são responsáveis, em últimaanálise, pelo desenvolvimento da história.Podemos concluir perante esta lista que,ou Verne estava mais interessado pelasciências naturais ou de caráter descritivo,ou as conhecia mais proundamente doque as ciências ísico-matemáticas.» Issoexplicaria a escassez de reerências na obraverniana a aspectos excessivamente teó-ricos – conceituais - da Meteorologia, emcontraste com a abundância de descrições

dos enômenos atmoséricos e do clima dolocal onde a ação se desenrola nas dieren-tes novelas. Esse ato se encaixa pereita-mente com o uso e abuso que Verne az dageograa descritiva em toda a sua produ-

ção literária..Não devemos nos esquecer de que oclima está intimamente relacionado com ageograa. O termo «clima» é uma romani-zação da palavra grega klíma que signicainclinação ou declive. Geógraos e astrôno-mos gregos acreditavam que o clima era ainclinação do horizonte de uma determi-nada região em relação ao eixo de rotaçãoda Terra.

O clima era, portanto, um conceito tan-to astronômico quanto geográco. Ptolo-

meu, que dividiu a Terra em 24 aixas latitu-dinais, achava que as condições climáticasde cada local dependiam exclusivamenteda quantidade de radiação solar recebidapor cada região, que varia em unção dasua inclinação em relação ao eixo. Hoje,sabemos que há muito mais atores quedeterminam o clima de um determinadolugar, a tal ponto que as dierentes deni-ções de clima atual não levam em contao declive da área geográca em questão.

Um meteorologista espanhol ala de um dosaspectos menos explorados nos romances do escritor 

rancês Jules Verne. Exemplos especícos guiam oleitor através do universo meteorológico verniano e

seus undamentos.

Terra Verne

É ísico do ar e comu-nicador cientíco,especialista em me-teorologia e temasans. Desde meadosdos anos 90 trabalhacomo meteorolo-gista em dierentesmeios de comuni-cação da Espanha,realizando paralela-mente um trabalhode ensino e de popu-larização.Em 2004 começou atrabalhar semanal-mente na Rádio Na-

cional. Regularmen-te escreve artigos,proere palestras ecursos em toda aEspanha tendo, atéà data publicadodois livros: ¿Estamoscambiando el clima?  (2005) y200 estampasde la temperie (2007).Em abril de 2008, oidescarregada para oseu site, disponível

em:www.divulgameteo.es

Seu interesse pelavida e obra de Ver-ne data do nal dosanos 80, após a leitu-ra do livro de MiguelSalabert,  Julio Ver-ne, ese desconocido.Desde então, é umvernólo declarado.

[email protected]

José Miguel ViñasRubio (Madrid, 1969)

Sobre o autor

O Capitão Nemo mostra ao proessor Aronnax osinstrumentos que leva a bordo do Nautilus, entre eles

um barômetro, termômetro e o higrômetro.

romances de Verne

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 Verne e as alterações climáticas

A mudança climática também apa-rece na obra verniana, mas criadade maneira dierente da atual. Porexemplo, em A ilha misteriosa (1875),a possibilidade de uma mudança noclima em escala planetária é tratada

pelo engenheiro Harding quando eleexplica aos seus colegas aventureirosque «(...) a nossa Terra vai morrer umdia, ou melhor, não será possí-vel vida animal e vegetal, comoresultado do arreecimento datemperatura intenso que deverásurgir.

O ponto que se discorda é acausa deste arreecimento. Al-guns pensam que virá da dimi-nuição da temperatura que o solornecerá, ao longo de milhõesde anos; outros julgam que viráda extinção gradual do ogo dointerior do nosso globo, que temmais inuência sobre ele do quese supõe geralmente.»

As obras de James Hutton(1726-1797), primeiro, e CharlesLyell (1797-1875), depois, lança-ram as bases da geologia mo-derna. A partir desse momento,

se estende a milhões de anosa idade Terra e se populariza aideia de que o clima pré-históricooi, em termos gerais, mais quenteque o atual.

Pensar numa mudança climá-tica na época de Verne era preverque aria mais rio do que calor. Noentanto, a sua imaginação sem limi-tes também nos dá cenários climáti-cos opostos, em seu último romancepublicado em vida ( A invasão do Mar ,

1905), como em Sans dessus dessous (Fora dos Eixos, de 1889), , traduzidopara o castelhano em títulos dieren-tes, como El secreto de Maston ou Sinarriba y sin abajo.

Em ambos os casos, entra emcena um elemento que seria umaconstante nos romances da segundaase de Verne: sua visão negativa –inuenciada pela época de grandesagitações sociais e guerras em que

ele viveu - sobre a utilização que sepodia azer da ciência e da tecnolo-gia, uma visão pessimista do uturoda humanidade. O clima, como umelemento da natureza, poderia seralterado pelo homem à sua vontade,em unção de suas necessidades einteresses.

Em  A Invasão do Mar , Verne con-

cebeu a construção de um canal ar-ticial a partir da costa mediterrâneado Golo de Gabes, na Tunísia, até às

grandes planícies do interior destepaís, que poderia melhorar o climada área e ganhar terreno deserto doSaara, criando um mar interior, emcujas margens érteis poderia desen-

volver-se a agricultura.Por trás desse projeto araônico

de engenharia está o desejo do co-lonialismo rancês, que inama osespíritos das tribos locais:

«Com que direitos, diziam os ma-rabus, esses estranhos querem trans-ormar em mar nossos oásis e as nos-sas planícies?... O que a natureza ez,por que pretendiam desazê-lo?...Não era sucientemente largo o Me-

diterrâneo? Para que tiveram neces-sidade de adicionar os nossos lagos?(...) É preciso matar esses estrangeirosantes que inundem o país que nospertence e aos nossos antepassados,através da invasão do mar!»

Verne vai mais longe em seu ro-mance de 1889, Fora do Eixos, levan-tando a possibilidade de explorar

comercialmente as regiões árticas,mediante a provocação de uma mu-dança climática brusca.

A North Polar Practical Asso-ciation, uma associação ame-ricana misteriosa, por trás daqual se escondem os membrosdo amoso Gun Club, encabe-çados por J. T. Maston e Barbi-cane, compra, a baixo preço,enormes extensões de terra emtorno do Pólo Norte, a m deextrair grandes quantidades decarvão, uma vez que a área os-se liberada dos gelos. Para isso,esses anáticos «do projeto debalística» projetam um enormecanhão instalado na encostasul do Kilimanjaro - montanhasituada no coração da Árica,perto do Equador -, que aolançar um enorme projétil de180.000 toneladas alteraria a

inclinação do eixo de rotaçãoda Terra, ornecendo mais ra-diação solar às altas latitudes do

Hemisério Norte, provocando oderretimento do gelo desejado eacilitando a exploração de recur-sos minerais na área.Apesar do disparo colossal ter

sido eetuado, seus eeitos não tive-ram êxito devido a um erro de cál-culo eito por Maston, aborrecidopor conta do abandono causado por

uma mulher.Esse ato é interpretado por al-

guns estudiosos da obra vernianacomo uma prova da misoginia queé atribuída ao autor. Neste, como emseus dois «romances lunares», Verneprocurou a ajuda de um primo, o ma-temático Henry Garcet, para realizarcálculos de balística que neles apare-cem.

 

No agitado início de A ilha misteriosa, uma violentatempestade no nordeste sacode pelos ares o balão em

que ogem os protagonistas, arrastando-ospara o meio do oceano Pacíco

a milhares quilômetros de distância.

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Primeiro semestre de 2009

A visão romántica

Como mencionado anteriormenteneste artigo, as descrições do climade um lugar ou as condições me-teorológicas são abundantes nosromances de Jules Verne. Vinte mil léguas submarinas (1869) seria um

bom exemplo disso, e dá-nos tam-bém bastante luz sobre o interesseque a meteorologia despertava emVerne. Capitão Nemo é, provavel-mente, o personagem que melhorretrata o próprio autor, com seusgostos e suas obias.

Quando Nemo mostra a seus«convidados» a biblioteca do Nauti-lus, com 12 000 volumes, por acaso,não descreve a coleção de livros dopróprio Verne? Entre essas obras es-tão os trabalhos dos cientistas maisinuentes da época.

Verne, ascinado pelas leiturasde estudiosos como Alexander VonHumboldt (1769-1859) ou Elisée Re-clus (1830-1905), leva para suas no-velas o mesmo estilo cientíco e li-terário, a mesma orma de descriçãodo ambiente: uma visão românticade ciência, apoiada por um rigorosotrabalho de documentação. Os per-

sonagens vernianos não se limitama alar simplesmente do tempo, mastambém descrevem em pormenoresas dierentes «paisagens atmoséri-cas».

Em um de seus planos de evacu-ação requentes, o Proessor Aron-nax, seu servo, Conseil (Conselho)e o arpoador canadense Ned Land,condenados a viver para sempre noNautilus, viram uma oportunidadede ouro para escapar do submari-

no («O Nautilus está perto de LongIsland. Nós vamos ugir, aconteça oque acontecer” - sentencia Ned Landa seus companheiros), mas a chega-da de uma tempestade arruinou oplano: «...o céu ia se cobrindo gra-dualmente, apresentando todos osindícios de que um uracão era anun-ciado.

No horizonte, os cirrus [nuvensaltas de aparência desgastada] o-

ram substituídos pelas gigantescasnuvens cúmulos-nimbus, ugindo atoda a velocidade, quase tocando asuperície do mar. (...) O barômetrohavia caído drasticamente, indican-do uma orte depressão atmosérica.A tempestade caiu (...) justo quandoo Nautilus estava a rente da costade Long Island. (...) O capitão Nemo

escolheu não submergir e observar atempestade.

Ele abriu a escotilha da nave eamarrou-se na cintura para resistiraos ataques uriosos do mar.» Lendoesta última rase, pode-se imaginarVerne, em vez de Nemo, observandoa orça desenreada dos elementosnaturais sobre a popa do Saint Mi-chel I , o primeiro de seus navios, emque ele escreveu algumas partes do Vinte Mil Léguas Submarinas.

A paixão de Verne pelo mar aorana maioria de suas novelas. O genialbretão era um grande conhecedorda ciência e da arte da navegação,das tareas innitas que eram reali-zadas nos barcos da época, da apare-lhagem náutica e de todos os instru-mentos usados pelos marinheiros aolongo das travessias.

Vemos Nemo, muitas vezes, usan-do o sextante como um guia, e quan-

do apresenta o Nautilus ao proessorAronnax e seus companheiros, nãohesita em mostrar-lhes os dierentesaparatos, entre eles, vários instru-mentos meteorológicos:

«Aqui, como no salão principal, ostenho sempre em vista e me indicama nossa posição exata e a direção emmeio ao oceano. Alguns de vocês osconhecem, como o termômetro, quemarca a temperatura no interior doNautilus; o barômetro, que mede a

pressão atmosérica e anuncia as mu-danças no tempo; o higrômetro, quemarca o grau de umidade da atmos-era; o stormglass, cuja mistura, aodecompor-se prediz a aproximaçãode tempestades; a bússola que meguia; o sextante, que pela altitude dosol me dá a conhecer a latitude; oscronômetros, que indicam a longitu-de e, nalmente, as lunetas do dia eda noite, com as quais posso explo-

rar os pontos do horizonte quandoo Nautilus sobe para a superície domar.»

Outro personagem verniano maisversado em questões atmoséricasé Santiago Paganel, o cientista quese junta à tripulação do Duncan emOs Filhos do Capitão Grant  (1868).Nonal, é o único geógrao que aparece

ao longo das Viagens Extraordinárias.Graças à vastidão dos seus conhe-cimentos, Paganel instrui o jovemRobert Grant em várias disciplinascientícas e explica aos membros daexpedição particularidades climáti-cas dos locais que vão visitando:

«Normalmente, diz Paganel, oPampero [vento rio do sul e que so-pra, por vezes, nos Pampas] produztemporais de três dias que a depres-são do mercúrio indica de maneiraprecisa. Mas quando o barômetrosobe, como agora, ele se resume apoucas horas de rajadas uriosas.Mas calma lá, meu bom amigo, queao amanhecer, o céu terá recuperadoa sua pureza habitual.

- Falou como um livro, Paganel -disse Glenarvan.

- E eu sou, - respondeu o geógrao- . Um livro que você pode usar quan-do quiser.»

Verne prova ser um grande es-pecialista em clima local e das con-dições atmoséricas que aetam aponta mais meridional da Américado Sul, como também é evidente emvárias passagens de O arol do Fim doMundo (romance escrito pelo autorem 1901 e publicado postumamen-te).

No capítulo III da parte I do livro,lemos:

«Nos primeiros dias de serviço

não ocorreu nenhum incidente dig-no de menção. O tempo esteve bom,a temperatura bastante alta. O ter-mômetro marcava 10 graus centígra-dos acima de zero. O vento sopravado mar, e geralmente não passavade uma agradável brisa do amanhe-cer até o anoitecer; à noite, saltavapara outro quadrante, soprando so-bre as vastas planícies da Patagôniae da Terra do Fogo. Caíram algumas

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chuvas, e como o termômetro ia su-bindo, algumas tempestades eramesperadas, o que poderia alterar oestado da atmosera.»

Boa descrição da alteração da bri-sa do mar que sopra de dia (virazon),para a que sopra à noite (terral), e anota nal sobre a previsão de tem-pestade.

Um pouco mais adiante, no mes-mo capítulo, Verne continua ilustran-do o leitor, aproveitando o o condu-tor do diário de observações:

«De novembro a março é quandoa navegação se ativa nas paragensde Magalhães. O mar ali é semprediícil; mas se nada acalma as enor-mes ondas dos dois oceanos, pelomenos, o estado da atmosera é maisigual e as tempestades mais pare-cidas. Os barcos a vapor e à vela seaventuram com mais segurança nes-ta época para contornar o Cabo Horn(...) Até 20 de dezembro não houvemais registros de observações mete-orológicas. O tempo tinha se torna-do variável, com mudanças bruscasde vento. Caíram chuvas ortes, porvezes acompanhadas de granizo, oque indicava certa tensão elétrica naatmosera. Temiam-se algumas tem-pestades, que seriam de grande in-

tensidade, dada a época do ano.» 

A metorologia comofo conductor

O tempo atmosérico também é pro-tagonista indiscutível das primeiraspáginas de A ilha misteriosa (1875). Aação se desenrola em 1865, durantea Guerra Civil Americana, durante ocerco à cidade de Richmond, no Es-

tado da Virgínia. Os protagonistas,prisioneiros de guerra, conseguemescapar de lá em um balão, em meioa uma terrível tempestade que os sa-code violentamente no ar e os arras-ta, em alta velocidade, para milharesde quilômetros de distância. Vernedescreve em detalhes as caracterís-ticas de uma tormenta tão excepcio-nal:«Ninguém poderia esquecer acil-mente o orte vento nordeste que

passou em meados daquele ano de1865, durante o qual a temperaturacaiu notavelmente. Foi um uracãosem interrupção, que durou oito dias.As perdas causadas oram substan-ciais: cidades destruídas, lugares ar-rasados por ortes chuvas que caíramcomo avalanches, orestas devasta-das, barcos jogados nas costas...

«Aquele balão, conduzido como umabola em cima de um tornado e en-volvido no movimento de rotação deuma coluna de ar, cruzava o espaçoa uma velocidade de 90 milhas porhora.»

Na sequência da nossa visita me-teorológica ao trabalho verniano, nocapítulo XXXI de Uma cidade futuante(1870) encontramos um diálogo mui-to interessante entre o personagemque, em primeira pessoa, vai contara história e Dr. Dean Piterge, comquem viaja a bordo do Great Easternde Liverpool a Nova York. Vale a penatranscrever integralmente esta pas-sagem, onde Verne, mostrando umhumor no, combina com maestriaas descrições do céu, a arte da previ-são, as eemérides meteorológicas eos aspectos mais populares de umadisciplina cientíca que dava, então,os seus primeiros passos:

«(...) Todo o horizonte do sulestava nublado; nuvens pesadase espessas oram se aproximandodo zênite. O peso do ar aumentou.Um calor suocante penetrava aatmosera como se o sol de julhocaísse perpendicularmente sobreela. Ainda não haviam terminadoos acontecimentos daquela eternaviagem?

«-Você gostaria de uma surpre-sa? - perguntou-me Piterge, que

estava ao meu lado.«- Surpreenda-me, doutor.«- Pois bem, antes de terminar

o dia, teremos tempestade.«- Tempestade em abril?«- O Great-Eastern zomba das

estações - respondeu Piterge comum encolher de ombros. É umatempestade eita para ele -. Olheaquelas nuvens de aspecto ameaça-dor que invadem o céu. Elas se pare-

cem com animais dos tempos pré-

históricos, prontos a devorar.«- Eu conesso que o horizonte

está eio - disse eu -. Tem aspecto detempestade, e três meses a rentecompartilharia da sua opinião, meucaro doutor, mas agora não.

«- Bem, eu digo - Piterge respon-deu, animando-se - a tempestadecairá em poucas horas. Eu a pressin-

to como um storm glass. Olhe paraestes vapores que se condensam nocéu. Observem estes cirros, esses ‘ra-bos de gato’ que estão reunidos emuma única nuvem espessa e aquelesgrossos anéis que echam o horizon-te. Em breve, haverá condensaçãorápida de vapores e, por conseguin-te, produção de eletricidade. Alémdisso, o barômetro caiu de repentea 721 milímetros, e os ventos predo-minantes são de sudoeste, os únicosque causam tempestades de inver-no.

«- Seus comentários podem serexatos, doutor - respondi como umhomem que não quer dar o braço atorcer -. Mas quem já experimentoutempestades nesta latitude e nestaépoca do ano?

«- Exemplos são citados nos anu-ários. Invernos suaves são requente-mente distinguidos pelas tempesta-

A silhueta do Albatros de Robur, o Conquistador ,no meio de uma paisagem dominada por raios

crepusculares.

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Primeiro semestre de 2009

des. Se você tivesse vivido em 1772,ou sem ir tão longe, em 1824, teriaouvido o estrondo de trovão, emevereiro, no primeiro caso, e em de-zembro, no segundo. Em janeiro de1837, caiu um raio perto de Dram-men, na Noruega, causando estragose danos consideráveis, e em everei-ro deste último ano, também caíram

em barcos de pesca de Tréport, noCanal da Mancha. Se você deixar-mevericar as estatísticas, lhe deixareiperplexo.

«- Enm, doutor, já que insiste...Mas já veremos. Você tem medo deraios?

«- Eu? O raio é meu amigo, é omeu médico.

«- Médico?«- Sim, certamente. Aqui onde vê,

eu ui atingido por um raio na minhacama, em 31 de julho de 1867, es-tando em Kew, perto de Londres, eele me curou uma paralisia do braçodireito, desaando todos os esorçosda medicina .

«- Você está brincando?«- Nada disso. É um tratamen-

to muito barato, o tratamento pelaeletricidade. Meu amigo, há muitosexemplos que demonstram que oraio sabe mais que os médicos mais

sábios; sua intervenção é muito útilem casos sem esperança.«- Não importa, - disse-lhe -. O seu

medico me inspira pouca conança.Não vou chamá-lo nunca.

«- Por que não o viu na prática.Escute um exemplo de que me lem-bro. Em 1817, em Connecticut, umagricultor que soria de uma asmaincurável, oi atingido por um raio eoi curado na hora. Um raio no tórax.O que você acha?

Na verdade, o médico tinha sidocapaz de reduzir um raio a pílulas.

«- Você ri, amigo. Você não enten-de uma palavra de medicina ou detempestades.»

Dos 62 romances que completama série de Viagens Extraordinárias,  AsViagens e Aventuras do Capitão Hatte-ras (1866) é uma das mais «meteoro-lógicas». Suas páginas estão cheiasde belas descrições das paisagens

polares, com numerosas reerências

às condições meteorológicas preva-lecentes (condições extremas), du-rante a viagem que o intrépido ma-rinheiro inglês, John Hatteras, e osseus homens empreendem ao PóloNorte.

No capítulo XXIII da primeira par-te da obra (Os ingleses no Pólo Norte)lemos, por exemplo, que «nos pri-

meiros dias de janeiro, a temperatu-ra se manteve a 37 graus abaixo dezero. Hatteras esperava ansioso umamelhora do clima. Repetidamenteconsultou o barômetro, mas sabiaque não podia conar nele, pois nes-sas latitudes perde, aparentemente,sua exatidão.»

Um pouco mais tarde nomesmo capítulo, Verne des-creve o que hoje é conhecidocomo uma «chuva de dia-mantes», que é um enômenoatmosérico típico das regiõespolares, que envolve a preci-pitação de pequenos cristaisde gelo resultando de umasublimação inversa (mudançade gás para sólido) de vaporde água no ar.

«No dia seguinte, a marchaoi iniciada com uma tempe-ratura ria, 36 graus abaixo

de zero em uma atmoserapura. De repente surgiu umaespécie de vapor congeladoque chegou a uma altura deuns 30 metros e permaneceuimóvel. Aquele vapor batianas roupas, cobrindo-as comprismas aados, e não deixavaver nada a um passo de distân-cia. A expedição, surpreendidapor este enômeno chamadode umaça congelada, atentou para

o ato de reunir-se e, assim, começa-ram a chamar uns aos outros.»

As duras condições ambientais asquais Hatteras e seus seguidores pa-decem, oram descritas por Verne deorma realista, azendo-nos partici-pantes da história. No capítulo XXIVresume, com sua habilidade de cos-tume, as mudanças climáticas repen-tinas que ocorrem em altas latitudes(«O tempo variava de acordo com a

sua mobilidade habitual, passando

de um rio intenso a um estado denebulosidade e umidade penetran-te»), enquanto que no capitulo XXVnos ilustra sobre os sentimentos vi-venciados pelos soridos explorado-res polares (cujas histórias certamen-te devorava):

«A luz do crepúsculo, reetidapela neve, queimava a vista.

«(...) Aquele brilho uniorme oen-de, embriaga e causa vertigem. Ochão parece altar e não oerecenenhum ponto de apoio no espaçoilimitado. A sensação resultante é se-melhante a tonturas.»

«Além do Círculo Polar, a neveatinge uma temperatura tão baixa

que você não pode pegar-lhe a mão,

como se não pudesse pegar um pe-daço de erro quente. Existe entre aneve e o estômago uma dierençatal de temperatura que sua absorçãoproduz verdadeiro aogamento. Osesquimós preerem sorer a pior sedea colocar em suas bocas aquela neveque não pode substituir a água.»

No romance são abundantes,também, as descrições dos enôme-nos ópticos típicos da atmosera de

latitudes elevadas, como as auroras

As auroras boreais são retratadas em várias dasilustrações em As aventuras do Capitão Hatteras, como

esta elaborada por Edouard Riou.

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polares - ainda inexplicáveis quandoVerne escrevera a história - halos ouparélios (alsos sóis), acompanhadosde ilustrações magnícas de EdouardRiou e Henri de Montaut.

«O céu iluminado por um paré-lio, emitia raios pálidos que coloriama neblina, e os topos dos icebergspareciam projetar-se como ilhas em

meio a um mar de prata líquida. Osviajantes estavam dentro de um cír-culo que tinha menos de 35 metrosde diâmetro. A pureza das camadasde ar superior, devido à temperaturamuito ria, azia que suas vozes os-sem ouvidas nitidamente...» (Cap.XXIII, primeira parte)

No capítulo XVI, também destaprimeira parte, Verne põe na boca deum de seus personagens uma expli-cação detalhada sobre as causas daormação de um halo com dois paré-lios, recorrendo à teoria do ísico in-glês Thomas Young (1773-1829) que,embora tenha sido expandida paraalém do domínio da óptica geomé-trica, é vigente atualmente. A ques-tão undamental reside na reraçãoe reexão da luz que ocorre quandoos raios do sol atravessam cristais degelo que constituem os cirrostratus(nuvens altas).

 Duas curiosidadesmeteorológicas

Sem abandonar os enômenos óp-ticos que ocorrem na atmosera, háum cujo romantismo e caráter len-dário cativou Verne. Trata-se do raioverde, enômeno em torno do qualconstruiu uma narrativa do mesmotítulo (O raio verde, 1882), cuja ação

tem lugar nas terras escocesas. Este éo único de todos os romances da pro-dução verniana, cujo título cita expli-citamente um enômeno meteoro-lógico. Nesta mesma revista (MundoVerne, nº 7 de setembro-outubro de2008), Cristian Tello analisa os de-talhes do romance em seu artigo Oromântico raio verde, e oerece deta-lhes sobre as características do enô-meno, apontando uma reerência aele num outro romance anterior de

Verne ( As índias negras, 1877) e nosdois subseqüentes ( As maravilhosasaventuras do mestre Antier , 1894, y Oarol do m do mundo, 1905).

Verne contribuiu para a populari-zação desse indescritível enômenoóptico praticamente desconhecidopara a maioria das pessoas daquelaépoca, estendendo para além da Es-

cócia a lenda do raio verde – a paixãomais prounda e o descobrimento doamor verdadeiro nos casais capazesde assistir juntos a esse enômeno- incentivando, involuntariamente,cientistas a estudar em proundida-de o enômeno. Hoje, o raio verdeconserva parte do seu estatuto len-dário, apesar de ter, durante algumtempo, contado com uma explicaçãocientíca satisatória das causas queo originam (ver, por exemplo, GreenFlash – El destello verde por Jaime Mi-ró-Granada Gelabert, revista digitalRAM, nº 24 de outubro de 2004).

No nal do romance, depois demuitas aventuras, os protagonistassão capazes de observar durante umpôr do sol sob um céu de «purezapereita», o tão aguardado raio ver-de. A ação situa-se na pequena ilhabasáltica de Stafa, e Verne dá-nosuma das descrições meteorológicas

mais inspiradoras da sua vasta obra:«O sol ia descendo com a veloci-dade que parece estimulá-lo a alcan-çar a proximidade do mar. Sobre asuperície das águas já brilhava umlargo rastro brilhante prateado libe-rado pelo disco, cuja irradiação aindaera insustentável. Da tonalidade deouro velho que oerecia ao cair, pas-sou ao vermelho cereja. Ouscandoos olhos viam-se brilhar como espe-lhos, os diamantes vermelhos e círcu-

los amarelos que se misturavam e seconundiam como as ugitivas coresdo caleidoscópio. Luzes estriadas eonduladas produziam listras naquelaespécie de cauda de cometa traçadapela reverberação na superície daságuas, e os olhos acreditavam veruma chuva de lantejoulas prata quese tornavam mais claras ao se aproxi-marem da costa.

«Em toda extensão do horizonte,

não havia a menor nuvem ou sinais

de nevoeiro. Nada esmaecia a clare-za daquela linha circular, que pare-cia desenhada com precisão de umcompasso.

«Todos, imóveis e mais emociona-dos do que se possa imaginar, viamo disco solar que estava se moven-do obliquamente para o horizon-te, descendo cada vez mais, até um

momento que pareceu cair suspen-so um instante sobre o abismo. Emseguida, a curva do disco começou adesaparecer na água.

«Não havia nenhuma dúvida so-bre a apresentação do enômeno.Nada perturbaria aquele pôr do solmaravilhoso! Nada viria a interceptaro seu último raio!

«Não tardou a desaparecer a me-tade do disco do sol por trás da linhado horizonte. Alguns raios de luz lan-çados como echas de ouro brilha-ram por um momento sobre as ro-chas de Stafa. Atrás delas, as alésiasda ilha de Mull e da montanha deBen More tingiram-se de púrpura.

«Finalmente, restou um pequenosegmento do arco utuando na linhado horizonte.

«- O raio verde! O raio verde! Ex-clamaram em uníssono os irmãosMelvill, a Sra. Bess e Partridge, cujos

olhos, por um quarto de segundo,tinham sido impregnados com essetom incomparável do último raio desol.»

Como observou Jaime Miró-Granada no artigo anteriormentecitado, Verne antecipou nesta obra,provavelmente sem querer, o «eeitoborboleta», descoberto pela primei-ra vez pelo meteorologista EdwardN. Lorenz, em 1962, quando ele des-vendou, por acaso, o que se chamava

de o caos determinista - comporta-mento aparentemente aleatório queregula, entre outras coisas, a dinâmi-ca atmosérica e a evolução do clima.Lorenz ez a seguinte pergunta: seráque o bater de asas de uma borbo-leta no Brasil pode causar um torna-do no Texas?; Verne põe na boca dopintor e poeta Olivier Sinclair, em umdos habituais conrontos dialéticoscom o cientista Aristóbulo Ursiclos,

o seguinte comentário irônico: «(...)

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Primeiro semestre de 2009

aqui você tem outra [proposta], querecomendo especialmente às tuassábias meditações: Da infuência deinstrumentos de sopro na ormação detempestades.» (Cap. XV).

Não é por acaso que Verne se di-vertia com as descrições de curiosi-dades meteorológicas como o raioverde, já que ele era atraído por

aqueles assuntos situados na rontei-ra entre o conhecido e o desconheci-do, sobre os quais a ciência ainda nãotivesse dito sua última palavra. Fre-qüentemente, Verne leva seus per-sonagens a lugares ainda não explo-rados (as regiões polares, o espaço,o undo do mar,...) em que a maioriadas coisas que se contava era puraespeculação. Fazendo uso do seutalento narrativo e apoiado poruma imaginação transbor-dante, nos leva em viagem,por exemplo, ao interior daTerra, tornando-nos parti-cipantes de uma históriaclaramente impossível,mas surpreendentemen-te plausível.

No capítulo XXXV deViagem ao centro da Terra (1864), Verne nos descre-ve um raio em esera, que

podemos denir como«uma massa globular queavança horizontalmente,relativamente pequena, per-sistente, brilhante, ocasional-mente observada na atmoserae associada a raios comuns» (Rayoen bola: realidad o mito, AgustínEzkurra e Iñigo Errazti, Euskonews &Media 204 [2003]). Depois de iniciarsua aventura subterranean na cra-tera de Snaefels (vulcão extinto

situado a oeste da Islândia, quehoje se transormou em uma atra-ção turística, graças ao romance), oProessor Lidenbrock, seu sobrinhoAxel e o guia Hans, seguindo as mar-cas deixadas por Arne Saknussemm,chegam a uma grande cavidade,sob a qual se encontra um marinterior. Os protagonistas, deter-minados a cruzá-lo, constroemuma jangada mas, ao longo da

viagem, sorem com uma terrível

tempestade. Nas anotações de Axel,correspondentes ao domingo 23 deagosto, lemos:

«Somos arrastados com veloci-dade imensurável. (...) A tempestadenão passa. (...) Os relâmpagos nãocessam. Vejo ziguezagues que, de-pois de um rápido reexo, se movemde baixo para cima e vão chocar-se

contra a cúpula de granito. Outrosrelâmpagos (...) se biurcam e tomamorma de bolas de ogo que explo-dem como bombas. O ruído geralnão para de crescer...

«(...) Ele [Lidenbrock] não teve otempo de levantar a cabeça, quandoum disco de ogo apareceu na bor-da da jangada. O mastro e a vela são

arrancados e nós os vemos alcançaruma altura prodigiosa...

«(...) A bola, metade branca, me-tade azul, da espessura de umabomba de dez polegadas, caminhalentamente girando com velocidadesurpreendente, sob a inuência douracão.

«(...) Um cheiro de gás nitroso in-

vade o ar (...) A queda desse globoelétrico magnetizou todo o erro quelevávamos a bordo: os instrumentos,as erramentas... (...) as travas dosmeus sapatos aderiram-se violenta-mente a uma chapa de erro incrus-tada na madeira. Eu não pude retiraro meu pé!

«Finalmente, com um esorçoviolento, arranquei-o no mo-

mento em que a bola estavavindo pegar-me em sua ação

giratória e arrastar-me-iacom ela, se...

«Ah, que luz tão inten-sa! O globo explode! Es-tamos cobertos por raiosde ogo!»

Conclusão

Nosso passeio mete-orológico pelos roman-

ces de Jules Verne chegaao m. Este artigo serve

como uma pequena amos-tra do grande número de re-

erências ao tempo e ao climaque encontramos espalhados

por todo o trabalho deste gênioda literatura mundial. Encorajo-os

a ir descobrir e pôr a uncionar suamassa cinzenta, como nas palavrasdo próprio Verne: «Quando você nãosabe o que dizer, ala-se do tempo

que ez ou que vai azer. Tópico ines-gotável, ao alcance de todos os inte-ligentes».

Nada melhor do que nos mover-mos com a imaginação para estas«paisagens atmoséricas» que Verne

nos descreve com toda riquezade detalhes em suas Viagens Ex-traordinárias, para abordarmoso ascinante mundo da meteo-rologia

A observação do raio verde conclui o romance demesmo título, que usa esse enômeno

meteorológico como o condutor.-

“Não é por acaso que Verne se

divertia com as descrições de

curiosidades meteorológicas” 

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Ariel Pérez

As múltiplas paixões de Garmt

Vive em Países Baixos. Ele se or-mou em Física na Universidadede Utrecht. É um dos membrosdo Fórum Internacional JulesVerne quase desde a sua criação,do qual é um de seus participan-tes mais ativos. Ele tem sido ummembro ativo da sociedade ho-landesa desde a sua criação, hádoze anos, e atualmente é seu

 presidente. É editor-assistenteda revista De Verniaan , a publi-cação ocial da associação. Temum dos sites mais abrangentesda Internet sobre o assunto Ver-

ne. O nome Garmt de Vries dis- pensa maiores apresentações, poisestamos perante um dos vernianosmais ativos dos nossos dias.

Atualmente trabalha em Ghent, Bélgica,no Departamento de Física da instituiçãoonde se ormou há alguns anos atrás. Láinvestiga sobre os raios cósmicos com umdetector localizado no gelo antártico. Parachegar ao local, sai de casa muito cedo pelamanhã e retorna após aproximadamente15 horas, já depois das 9 da noite. Apesar do

ritmo intenso dos dias, é eliz, gosta de seutrabalho, as pessoas que compartilham seudia de trabalho são excelentes, e viaja parao local apenas três dias por semana. É casa-do com Anita há quatro anos e pai de duascrianças: Merel, de 2 anos, e Rosalie, de 6 me-ses.

Nem seu trabalho nem seus lhos sãoobstáculos para se dedicar a Verne e sua

 paixão por sites e Internet no tempo devido.Não publicou livros, mas sim vários artigos

em revistas rancesas e na própria revista daSociedade. Conta que, em 2005, na sequên-cia do centenário da morte de Jules Verne, aSociedade Holandesa, em cooperação coma editora Aspekt, publicou uma biograa doautor, a primeira desde a escrita por Fran-quinet em 1942. O livro é dividido em duas

 partes: uma de corte biográco elaborado por um escritor prossional e outra ondese publicaram artigos com diversos temasrelacionados com a temática de Verne e os

Países Baixos, todos escritos por membrosda Sociedade. Ele também ez a sua contri-buição para a publicação e maniesta, comsegurança, que não vê a necessidade de es-crever uma nova biograa ou um extensotrabalho de investigação porque, na sua opi-nião, o trabalho de pesquisa original é diícil e não é interessante simplesmente copiar asdescobertas de outros.

Seu objetivo principal é ler Verne. Sua paixão vem desde os 11 anos. Lembra-seque, certo dia, acordou gripado; oi, portan-to, connado à cama por uma semana. Seus

 pais lhe levaram uma coletânea de livros de Jules Verne que pensaram que ele gostaria. E assim oi! Antes desse dia em que começoua devorar as linhas, os títulos vernianos nãolhe diziam nada. Depois de lê-los, diz queOs lhos do Capitão Grant tornou-se rapi-damente o seu avorito. Aqueles primeiroslivros eram de má qualidade em termos de

encadernação, tradução e reprodução dasilustrações. Eram edições baratas que ti-nham sido dadas a seus pais quando passa-ram por um posto de gasolina. No entanto,oram o início de sua coleção e ainda hoje os

 preserva tendo uma grande memória deles.O que você gosta em Verne? O que az 

você ler e reler suas novelas uma e outra vez sem car entediado? A mistura de aventura,lugares exóticos, o aspecto relativo à «educa-ção e recreação», os argumentos inteligentes

O nosso convidado de hoje vive nos PaísesBaixos e é um dos vernianos mais ativos na Web.Dirige a Sociedade Jules Verne do seu país e nos

revela como se serve do que o apaixona para pô-lo aoserviço da comunidade verniana.

À ala com...

O verniano Garmt e sua amplabiblioteca pessoal ao undo.

Sobre o autor

Licenciado em Ciên-cias da Computação.D e s e m p e n h a - s ecomo inormático naEmpresa Nacional desotware de Cuba. ÉMembro de Honrado Centro Internacio-nal Jules Verne desde2009. Faz quase oitoanos que produziuum site em espanholdedicado a Jules Ver-ne, que agora é umareerência interna-

cional. Publicou nu-merosos artigos queexploram aspectos davida e obra de Verneem revistas na Espan-ha, México, Argentinae Cuba. É membro doFórum InternacionalJules Verne. Em agos-to de 2007, undou arevista digital MundoVerne da qual é seueditor, diretor e desig-

ner. Tem em processoeditorial um livro deensaios sobre o escri-tor rancês que serápublicado em 2010.Traduziu para o cas-telhano muitos textosde Verne inéditos emespanhol tendo-ospublicado no seu we-bsite.

[email protected]

Ariel Pérez Rodríguez(Santa Clara, Cuba,1976)

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Primeiro semestre de 2009

e o humor. Mas Garmt ainda não leutoda a produção abundante do escri-tor rancês. Ainda lhe restam ler mui-tas das peças, poemas, a série Décou-verte de la Terre e outros que têm sido

 publicados nos últimos anos. Para eleos livros de Verne são simplesmenteuma onte inesgotável de prazer, co-nhecimento, interesse e inspiração.

Garmt une sua paixão por Verne àde azer sites na internet e criar cons-tantemente novas erramentas quevinculem os internautas aos trabalhosdo rancês. Ela adora línguas e preereler, sempre que possível, na língua ori-ginal, os seus escritores avoritos: Ale-

 xandre Dumas, Ian Fleming, Umber-to Eco, Wilkie Collins, Arthur ConanDoyle, JK Rowling e J.R.R. Tolkien.O amplo espectro de línguas co-nhecidas por Garmt começa como holandês, sua língua materna.Também fuente em inglês, rancês,alemão, grego, latim (com um estu-do um pouco mais passivo do quequando estava na escola), italianoe português. O sueco, em um nível elementar, pode ajudá-lo a intera-gir através de conversas simples ecompreender o que está escrito. Por último, tem o conhecimento do rus-so a um nível muito rudimentar por 

ter dado um ano de aulas.Todos estes atributos azem Garmt  poder se comunicar com muitas pesso-as no mundo, não importando sua na-cionalidade, e poder realizar projetoscomo a coleta de elementos de obrasde Jules Verne em dierentes idiomas.Ter um espírito próprio de aventura emente criativa o leva à reinvenção e aalocar novos conteúdos em seu própriosite de uma orma nova e interessante,sejam valiosas peças de sua coleção,

 passatempos, tendo como assunto avida e obra de Verne. Como exemplo,o site contém uma lista de todos osmapas que guram nas Viagens Extra-ordinárias, a lista de mitos tecidos emtorno da gura de Jules Verne com suacorrespondente desmisticação, textode pomas e canções que aparecem noslivros do escritor, e muitos outros ele-mentos que distinguem o seu espaçona rede das redes.

E uma destas particularidades éa sua enorme pesquisa que o levou a

 publicar um estudo sobre o número delínguas em que Verne oi publicado.Para azer isso, ele recebeu ajuda demuitas pessoas ao redor do mundo: bi-bliotecários, ãs de Verne e especialis-tas em línguas. A maioria do trabalho éeito, porém, navegando em catálogos

de livros e livrarias online. Para Garmt a tarea ainda não acabou, no sentidode que há sempre os títulos e as lín-guas que são desconhecidas e novastraduções que são publicadas. Ele estásempre alerta e ciente de quaisquer alterações a azer ao seu banco de da-

dos. Está agora trabalhando em umaversão revisada do banco de dadosonde citará todas as ontes especícas

 para cada título que é mencionado emsuas páginas. Para tanto, precisará ve-ricar os catálogos de novo. O projetode Garmt, cujos primeiros resultadosoram mencionados no Mundial de2005, evoluiu e tornou-se algo que vai muito além das expectativas iniciais.

Falar de Verne e seu ambiente, oque é sempre um prazer para ele, Gar-

mt concordou em alar para os leitoresda Mundo Verne. Como todo verniano,embora seja diícil alar, tem livros a-voritos e outros que não tenham cau-sado tanto impacto.

Sim, de ato, entre os livros que eusempre leio e não me chateiam, semmencioná-los em uma ordem espe-cíca, estão: Michel Strogo , Os lhosdo capitão Grant , Viagens e aventu-ras do Capitão Hatteras,  Aventuras

de três russos e três ingleses, Famíliasem nome, Fora dos Eixos e A volta aomundo em 80 dias.

No entanto, não estive muitoanimado com Cadernos de viagem.Pouco rico em argumentos, muitasdescrições copiadas de relatos deviagem e um bando de estúpidos pi-ratas. O mesmo problema com César 

Cascabel , uma história potencialmen-te interessante, que oi arruinada porvilões muito incompetentes.

E, já que menciona alguns de seuslivros, do seu ponto de vista, como umísico graduado, você acha que Verneez uso adequado da ísica em seus li-

vros? Pode dar-nos exemplos de su-cessos e racassos em seus livros? 

Em geral, sinto que as descri-ções de Verne sobre Física (e ísi-cos) são muito boas para alguémque nunca estudou ísica. Às vezesse dá liberdades, como o caso dobalão Victoria. As baterias neces-sárias para a eletrólise da água àvelocidade descrita em Cinco se-manas num balão deveriam tersido muito mais poderosas do queas atualmente disponíveis paranós. . Mas eu acho que Verne o sa-bia, e que buscou uma saída parao dilema dizendo «baterias muito

poderosas». Outro exemplo: o come-ta Gallia em Hector Servadac não des-creve uma correta órbita ísica. Seriapreciso muito mais de dois anos parair ao redor do sol cuja circunerênciaultrapassa a órbita de Júpiter. No en-tanto, a narrativa era mais importan-te do que o rigor ísico. Além disso,a cena onde Palmyrin Rosette deter-mina a massa e densidade de Galliaé brilhante, como é o da escala uti-lizada.

Aqui Verne usa a Física para ins-truir e dar um ar cômico e relaxantede grande eeito. Outro excelenteexemplo de rigor ísico é a extensadescrição da base de medição detriangulação em  Aventuras de trêsrussos e três ingleses. Também nes-ta novela, a atitude dos dois princi-pais cientistas um para com o outroé, inelizmente, muito conhecida. Apolítica, o nacionalismo e a persona-

O início da extensa coleção de Garmtem edições baratas. .

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lidade na investigação cientíca de-sempenham um papel maior do quese desejaria.

O estudo do tema Verne é tão apai- xonante como qualquer outro eito por alguém que termina por dedicar váriosanos de vida e, no decorrer desse tem-

 po, sempre se recordam de orma es- pecial as boas experiências, as anedo-

tas mais charmosas, e porque não, asmenos agradáveis. No seu caso, quaissão elas? 

As experiências positivas ocor-rem em vários níveis. Uma delas éencontrar uma peça importantepara sua coleção em um lugar ondevocê menos espera que esteja, porexemplo, uma ta de áudio com umaversão para crianças de Dois anosde érias em um pequeno mercadonuma pequena cidade suíça, ou ummarcador de Phileas Fogg’s Travel Shop (localizada na Caliórnia) aban-donado em uma rua de Paris. Outraexperiência maravilhosa oi quandoeu saí de uma livraria, em Genebra,onde eu comprei dois livros de Vernee, na rua, ouvi um músico tocando otema de Nadia da série de televisãoMichel Strogo . Deleitei-me com acelebração do Mundial em Amiensno ano de 2005. Foi uma experiência

inesquecível, onde conheci muitosamigos que só conhecia por e-maildurante anos. Acho que minha ex-periência mais amarga, aconteceuquando era um adolescente e z uma

rápida viagem a Bruxelas. Lá eu vi umexemplar de Les Voyages au théâtre por 2 000 rancos belgas (50 Euros).Naquela época, isso representavauma grande quantidade de dinheiropara mim, portanto, não o comprei.Foi apenas recentemente que soubeo quanto era raro esse livro e que os50 € teriam sido pouco! Eu levei qua-

se 10 anos para que pudesse obteruma cópia, graças a Volker Dehs.

Não quis repetir o mesmo erronovamente, de modo que, recente-mente, quando ui a Paris e encon-trei uma cópia do La Géographie dela France em uma dessas tendas delivros usados, eu consegui dinheiropara comprá-lo, embora eu quasetenha perdido o transporte de cami-nho de erro de volta para casa.

Você acha que as descrições queVerne ez nesses livros geográcos doséculo XIX podem ser de interesse parao leitor de agora? 

Sim, além do evidente ascínio doemocionante, de histórias bem es-critas, algumas das descrições dadaspor Verne em seus livros são muitoprecisas. Muitas delas também nosdão uma ideia de como era o mundono século XIX.

Embora, à primeira vista, pareça

que as coisas mudaram desde en-tão, muitos dos seus temas continu-am sendo relevantes hoje. Veja, porexemplo, Fora dos Eixos, com a suatensão entre a ganância econômica

e os eeitos ecoló-gicos.

Também é ver-dade que a recep-ção de Verne emmuitos dos paisesonde vivem os lei-

tores mais éis temsido muito boa? 

É assim, aquina Holanda, porexemplo, o escritorsempre oi popu-lar e as primeirasedições de seus li-vros em nosso paísoram edições de

luxo pereitamente

colecionáveis. Também é importan-te notar que haviam várias peçasencenadas no século XIX, sejam re-presentações das próprias peças ouadaptações de Verne a partir de seusromances. Tradicionalmente, Verne évisto como um autor de livros inan-tis. Em meados do século XX, CornelisHelling (um dos undadores da Soci-

été Jules Verne) e Edmond Franquinet(o autor da primeira biograa sobreJules Verne em holandês) deram omelhor de si para conseguir azerchegar ao público uma outra visãodo escritor. Sua imagem está mudan-do lentamente, mas ainda notamos,quando participamos de venda delivros, uma tendência de nostalgiacom rases do tipo: «Oh sim, eu cos-tumava ter estes livros quando eracriança... »

No caso de outras regiões nãotenho uma visão clara da recepção.França e os Estados Unidos, sem dú-vida, não só são as duas áreas geo-grácas em que mais estudos têmsido desenvolvidos nos últimos tem-pos como também são lugares ondeVerne historicamente teve uma boarecepção. Na região ibero-americana,para tocar um ponto próximo, a mi-nha impressão é que Verne era muito

popular no século XIX na Espanha eAmérica Latina. Conheço La vuelta al día en 80 mundos de Julio Cortázar. Oato de que não exista nenhuma so-ciedade ou outra organização nessaparte do mundo é, provavelmente,devido ao grande número de países,à baixa densidade populacional e àescassez de meios de comunicação.Hoje, com a Internet, que acilita ocontato entre as pessoas, indepen-dentemente da distância ísica, pare-

ce que existe mais atividade, graçasem grande parte, a Mundo Verne edigo isto sem a intenção de bajular.

Sobre a recepção de Verne em seu país é signicante que há uma revista publicada várias vezes ao ano. Qual éo seu papel na sua elaboração? 

Eu z o projeto da revista em 2001e durante sete anos, quando SaareRein oi o editor. Mas, desde 2008, te-mos um novo editor, Dave Bonte, que

Em casa, Merel (8 meses, no momento da oto) mostra um interessemarcado em Verne. Seguirá os passos de seu pai?

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Primeiro semestre de 2009

se ocupa também do ormato. Agorameu papel está limitado a contribuircom artigos.

Como prevê o uturo da SociedadeHolandesa? 

Creio que continuaremos azen-do como temos eito até agora. Asociedade está crescendo mais len-tamente do que há dois anos atrás,

mas sempre há pessoas que sãomais ativas, contribuindo com novasidéias, assumindo a responsabilidadeem atividades. Temos muitos planospara o uturo próximo e é muito gra-ticante ver, durante eiras de livro, jovens interessados em Verne.

Quais os planos uturos da Socie-dade no que diz respeito a publicaçõesou a eventos? 

Neste momento estamos traba-lhando em uma tradução de MistressBranican, uma das quatro ViagensExtraordinárias que nunca oramtraduzidas para o holandês. O pri-meiro volume está sendo publicadoem capítulos na Verniaan, e em bre-ve estará disponível como um livro.Estamos também preparando umaedição ac-símile da primeira tradu-ção para o holandês de Da Terra àLua, que é muito diícil de encontrar.Além disso, pedimos a um tradutor

prossional a tradução de  A volta aomundo em 80 dias. Este livro, que serápublicado posteriormente, se torna-rá a primeira edição de Jules Vernenesse idioma.

Falando agora sobre o seu traba-lho como chee da organização e suasatuações, quais são suas responsabili-dades como presidente da Sociedade? 

Juntamente com outros membrosdo Comitê de Direção, realizo proje-tos e atividades da Sociedade. Gosta-

ria de salientar que os membros tam-bém têm uma grande inuência. Nósnos encontramos duas vezes por anoe, durante esses encontros, discutem-se as atividades presentes, uturaspublicações etc. Temos recebido umgrande eedback dos nossos mem-bros e muitos deles têm um papelativo dentro da organização. Minhasresponsabilidades especícas, comopresidente são as de presidir as reu-

niões, supervisionar o que está acon-

tecendo e representar a Sociedade,por vezes. Além disso, eu mantenhoo site da Sociedade, mas isso não éporque eu sou o presidente.

Você menciona a paixão oculta pela criação de conteúdos para a web.Eu sei que você projetou seu própriosite, o da Sociedade Holandesa, recen-temente, o da Sociedade Jules Verne de

Paris, em colaboração com o rancês Alain Braut, e tem adicionado recursosinterativos, busca de inormações paratodos esses sites. Você gosta deste tipode trabalho? Você aprendeu no seu

 próprio país? Sim, eu gosto de criar sites da Web

e dar-lhes uncionalidade. Eu aprendias técnicas necessárias (HTML, CSS,JS, Perl, SQL, HTTP, etc.) sendo auto-didata o tempo todo. Quando eu z aminha primeira página em 1995, co-piei o código HTML usado em outraspáginas. O meu código era horrível,usando as tags <h2> </h2> para criarespaços verticais etc. Logo comeceia ler bons tutoriais e especicaçõespróprias e aprendi a trabalhar comolhas de estilo. Agora, eu realmenteme preocupo muito com a criaçãode páginas válidas e acessíveis e, namaioria dos casos, aço páginas maispelo prazer de codicação e de pro-

gramação que pelo tema em si. Porexemplo, minha lista de títulos deVerne traduzidos para outras línguascomeçou como uma página de testepara trabalhar com UTF-8 e caracte-res não-ocidentais. Só depois de tercomeçado oi que eu me senti real-mente interessado em compilar umalista completa de títulos.

Você acha que a Internet, essa po-derosa onte de inormação que temoshoje, é um bom meio de divulgar o co-

nhecimento das obras de Verne paraas gerações presentes e uturas? 

Sim, denitivamente. As mídiastradicionais, como revistas e livros,azem o trabalho uncionar, mas atin-gem um público limitado. Colocar oseu conteúdo on-line signica queestá disponível a todos e pode serencontrada através dos buscadores.Textos raros também podem ser dis-ponibilizados em ormato e-books.

Jornais como Verniana podem ser

publicados on-line sem os custosque se teria para uma publicação empapel. Tenha sempre em mente quenem todos têm acesso à Internet eler na tela impossibilita sentir e chei-ro agradável de um livro velho. É porisso que as revistas e os livros nuncaserão completamente substituídos.Para dar um exemplo do quão útil a

Internet pode ser, uma das grandescontribuições para a comunidadeverniana internacional proporcio-nada pelo órum Zvi é, sem dúvida,o ato de ornecer os meios para acomunicação de todos os vernianosdo planeta. A diusão da inormaçãoé uma coisa, azer amigos de verdadeé outra, um aspecto extremamentevalioso do órum.

 Amigos vernianos reuniram-se vir-tualmente há alguns meses para umevento que levou um livro a dar a voltaao mundo. Você oi um dos que parti-cipou nesta iniciativa. Se eu te disser que você ará parte de um jogo emque você deve visitar o maior número

 possível de cidades seguindo a rota dePhileas Fogg e, assim, encontrar outrosvernianos no caminho, concordariaem participar? 

Seria um prazer azê-lo. Ineliz-mente, eu não sou um cavalheiro

rico inglês sem outras obrigações, ouum jornalista cujas despesas seriampagas pelo New York World  ou BBC.Por agora, terei que me contentarem visitar lugares vernianos quandoestiver no bairro...

Por último, você gostaria de azer uma recomendação aos leitores quehoje tiveram o prazer de conhecer um

 pouco mais sobre você e sua vida ver-niana? 

Gostaria de estimular todos a

contribuir para a disseminação doconhecimento verniano na regiãoibero-americana. Com interesse su-ciente e pessoas ativas, pode até serpossível iniciar um clube ou socieda-de que pode trabalhar em publica-ções e eventos.

 Mundo Verne é um grande come-ço e espero que seja um ponto ocalpara outras atividades vernianas quepodem ser eitas na região!

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Brian Taves

O mestre relojoeiro em versão livre

Ainda que uma inuência direta sejaimprovável, o lme  Zacharius de 1984,revela um surpreendente uso do lote deduas versões americanas de 1961:  Alred Hitchcock Presents: The Changing Heart e The Shirley Temple Theater: The TerribleClockman. Seis anos antes Claude Green-berg, roteirista e diretor de  Zacharius, tin-ha lido a história de Verne, pela primeiravez no 150º aniversário de nascimentodo autor, e estava interessado em levar olivro para o cinema. Greenberg descobriuque o protagonista era uma gura de ob-sessão, comparada a Robur ou ao CapitãoNemo, o dono do mundo. Zacharius (ele e

Serge Grinzl, que também escreveu o diá-logo e colaborou na produção) tornou-seuma adaptação muito curta da história deVerne. Esticaram a curta novela para os 85minutos essenciais demandados para ocinema. Raluca oi o produtor executivo eNathan Claude V. Coen o produtor para aTF1, a Europa Films. A estréia do lme paraa TV oi em 24 de Março de 1984. 1

Na cena de abertura, um agricultor queempunha sua oice simboliza a morte eouve-se na trilha sonora um som similar aoda batida de um coração, o que vai voltara acontecer várias vezes na história. Locali-dades romenas, que permitiram uma pro-dução muito mais barata do que se tivessesido eito na França, também proporciona-ram uma maior sensação de mau presságioe possíveis acontecimentos sobrenaturais.

 Zacharius (Charles Denner, atuando bemmas com uma peruca não convincente) semuda de sua casa para um palácio deixa-do por um banqueiro que o tinha enchido

com sua coleção de relógios.Sua lha jovem e inocente Judith (Em-manuelle Beart, de grandes olhos) é a pes-

* Tradução do inglês por Sérgio O. Manacero (Colô-nia de Sacramento, Uruguai, 1942) e a partir de ar-tigo enviado pelo autor. Sérgio atualmente vive noestado do Minnesota, E.U.A. e há mais de 40 anosvive nesse país, onde estuda engenharia de com-putação. Há 36 anos trabalha para a sucursal norte-americana da empresa alemã Siemens. Como partede seu trabalho visitou diversos lugares da Europa,

Ásia e toda a América.

soa mais importante na amília de Zacha-rius. Também acompanha Aubert, o noivode Judith (Pedro Rajot-Loup), o assisten-te, que também é músico, combinandoa ciência com a arte, uma das alhas deZacharius. Uma dona de casa cuida delecomo uma criança.

A alegre Judith logo suspeita que algoestá errado, seu pai está acordado até tar-de, trabalhando em segredo, e um somque parece um batimento cardíaco (audí-vel para ela, ou só para o espectador?) éouvido quando se investiga o que aconte-ce.

Na aldeia, um relógio que está com a

hora errada provoca dor quase ísica emZacharius, e o Conselho e os cidadãos es-tão consternados. Os experimentos deZacharius continuam e, em uma série detestes, revela uma máquina secreta, ocul-tando a nalidade desta a Aubert. Enquan-to isso, mais relógios da região começam auncionar mal.

Muito tarde em uma noite noite, usan-do luz articial, Zacharius volta a sua má-quina inernal (eito algo insatisatoria-mente e pouco convincente).

Tentou ser o senhor do tempo, criandosua obra-prima, um instrumento de mo-vimento perpétuo. Representa um retor-no ao alquimista dos séculos anteriores,e sucumbiu ao ascínio da descoberta doconhecimento proibido. Desta vez, do in-terior da máquina, parece emergir a visãode uma gura (Dan Nasta), dando-lhe ins-truções.

O incidente se repete quando, em umaloja da vila, Judith vê vários brinquedos

mecânicos e um homem de brinquedoque pode escrever. Voltando, ela vê o ho-mem que era o modelo da gura, que é omesmo homem que Zacharius tinha vistosair da sua máquina. O ilusionista desapa-rece, mas Judith decide comprar a guramecânica e levá-la para casa, para ver oque mais escreveria, e descobre que mos-tra os desejos do ilusionista.

A próxima vez que Zacharius liga suamáquina, ele vê o ilusionista lá dentro, em

Este especialista em lmes de Verne, nestaocasião, az-nos partilhar as suas opiniõessobre um lme para a televisão produzido

há vinte e cinco anos que é baseadoem uma clássica história verniana

No grande ecrã

Sobre o autor

Doutor em Estudoscinematográcos e

História americana.Trabalha como ar-quivista de lmes eséries de televisão naBiblioteca do Con-gresso dos EstadosUnidos.Foi co-autor de TheEncyclopedia JulesVerne (Scarecrow,1996). Editou a pri-meira versão, eminglês, do conto Aventuras da amíliaRatón. Publicou vá-rios artigos sobre oescritor em diversasrevistas. É interes-sado na gura dolho e se dedica aosestudos da obra deMichel como um es-critor. Foi o autor deresenhas críticas. Éum membro ativo

da Sociedade Norte-americana) de JulesVerne. Também au-tor de livros sobrediretores de cinema.Ele é especialista noslmes baseados nasViagens Extraordi-nárias e sobre esteassunto em particu-lar, prepara um livropara ser publicado

[email protected]

Brian Taves (Los An-geles, Estados Unidos,1959)

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Primeiro semestre de 2009

seguida, o mesmo ilusionista vivocoloca-se diante de Zacharius tendoos símbolos da morte em torno de si.Demonstrando seu poder sobre ele,a máquina pára por um momento,quase dando um ataque cardíaco emZacharias antes de recomeçar; agorao ilusionista controla a máquina.

Nesse momento, em toda a cida-

de, os relógios mostravam horáriosdierentes. Zacharius se aventura air à cidade para ver um show de má-gica, na esperança de que poderiaobter alguma pista sobre o ilusionis-ta. Enquanto isso, no túmulo de suamãe, que morreu aos 27 anos, maisde uma década antes, em 1813, Ju-dith vê novamente o ilusionista. Noentanto, quando toca num anel quecontém um relógio, o ilusionista des-aparece.

De volta à casa, quase destrói oanel, mas ouve o som de uma batidade coração e o recupera, apesar desuas dúvidas.

Agora o mágico começa a inquie-tar Zacharius. Ele o persegue pelasruas até um bordel onde ele o vê comuma prostituta que se parece comJudith. Isto é duplamente traumáticopara Zacharius, porque Judith é tam-bém a imagem de sua última esposa.

Zacharius oge e, novamente, obatimento cardíaco é ouvido, destavez, literalmente pela primeira vez,ele pôde ouvir o som. Quando Judithretorna à casa, o encontra incons-ciente, aparentemente enlouqueci-do.

O relógio na praça da cidade co-meça a uncionar mal, e não mostraa gura dos santos, que se parecemcom o homem mecânico que encon-trou Judith.

Zacharius investiga, mas achaque o ilusionista o seguiu e o ameaçacom violência. Judith acha que eladeve se sacricar, deixar Aubert, ecasar com o ilusionista para salvarseu pai.

Quando Judith vai ao palácioacompanhada pelo cortejo do casa-mento, passa na rente do cômododo palácio cheio de relógios. Surpre-endentemente, parece uma cúmpli-

ce, seduzida pelo poder do mago,

não menos do que tinha sido seupai. De repente, porém, quando elavolta, o mágico se transorma emseu pai.

Atordoada, oge, enquanto seupai cai em angústias de morte, e amáquina recomeça a sua unção. ACiência e o patriarca se repelem e sedeixam morrer.

O conceito de pessoas mecani-zadas, que não azem parte da his-tória de Verne, também azia partedas duas versões da televisão ame-ricana em 1960. A tentativa de 1984para misturar os motivos de Faustoe Freud, com Zacharius mais aber-tamente tentando capturar todos ostempos, carece de atenção à históriaoriginal sobre a arrogância do inven-tor.

Em última instância, através dapsicologia, Greenberg tenta negar osobrenatural, que tinha sido o cen-tro da história de Verne. Esta é umadecisão contraditória, uma vez que aalucinação aparente do ilusionista écompartilhada por ambos, Zachariuse Judith, e não é apenas uma repre-sentação subjetiva da mente do in-ventor.

No entanto, como uma produçãososticada e artística, esta versão oi

muito popular e ganhou aclamaçãoda crítica, e em 2007 oi colocado àvenda em DVD

Mestre Zacharius

Que homem extraordináriooi Zacharias! Sua idade pa-recia indecirável! Nenhumdos mais antigos, em Gene-bra, poderia dizer há quantotempo sua cabeça magra epontiaguda vacilava em seus

ombros, nem que dia em queviu-se caminhar pela primei-ra vez pelas ruas da cidadedeixando utuar ao ventoseus longos cabelos brancos.Aquele homem não vivia,mas oscilava como o pêndu-lo de seus relógios. Seu rostomagro e cadavérico era som-brio.

........- É a morte! O que me restapara viver, agora que espal-hei a minha existência pelomundo? Porque eu, MestreZacharius, eu sou o criador detodos os relógios que se temabricado!É parte de minha alma o quese tem encerrado em cadauma dessas caixas de erro,prata ou ouro! Cada vez queum desses malditos relógios

param, eu sinto meu coraçãoparar de bater, porque eu re-gulei suas pulsações!

........O velho relojoeiro dava vol-tas e mais voltas, uma e ou-tra vez, sem que parasse eparecia que esta rotação eraindependente da sua vonta-de. Deu mais voltas, cada vezmais depressa e com contor-ções estranhas, até que ele

caiu exausto.........

O corpo do relojoeiro oi en-terrado em meio aos picosde Andernatt. Então Auberte Gérand retornaram à Ge-nebra e, durante os longosanos que Deus lhes deu, elesse esorçaram para redimir,em orações, a alma da repro-vação da ciência.

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http://slidepdf.com/reader/full/mv910ppdf 35/48Números 9-10

Neste número duplo, interrompe-se a publi-cação de O Cerco a Roma para apresentarmos outrotexto inédito à comunidade verniana ibero-america-na. Volker Dehs, o descobridor da obra, nos introduz ao tema para depois desrutarmos seu texto integral.

Sem publicação prévia

Jules Verne e Charles Wallut

Um flho adotivoComédia em um ato

Durante uns cinquenta anos, aobra de teatro em um ato intituladaUn Fils adopti pertenecia aos textos

quase míticos de Jules Verne. Conhe-cia-se seu título graças a uma adap-tação radioônica rancesa, levadaao ar em 5 de abril de 1950, da qualaparentemente não restou nenhumregistro. Entretanto o manuscrito,conservado na amosa coleção Ron-del de la Bibliothèque de l’Arsenal emParis, ainda não havia sido encon-trado e resistia, obstinadamente, atodos os esorços dos investigadoresvernianos. Eu mesmo havia tentadotrês buscas desde 1990 — sem resul-tado positivo — até que meu amigoFrancis Marchand revelou-me, emabril de 2001, que uma pesquisa re-cente das entranhas bibliotecáriashavia eito reaparecer o tão esperadoobjeto. Vocês podem compreenderminha viva satisação ao nalmenteler o texto da obra, e constatar quenão se tratava de uma cópia pros-sional, eita por uma ocina enca-

rregada para tanto, mas de um ma-nuscrito autêntico da própria mãode Verne. 10 das 22 cenas tinham ascorreções de outra mão, a lápis, co-rreções que na época atribuí a Char-les Wallut (1829-1899), colaborador eamigo de Jules Verne, cujo nome -gurava em primeiro lugar na páginade título. Alguns meses depois, o tex-to inédito da comédia apareceu pelaprimeira vez em rancês nas colunasdo Bulletin de la Société Jules Verne,

em seu número 140 e oi traduzido,alguns anos depois, para o inglês.A tradução em castelhano que oraapresento constitui, portanto, o se-gundo novo idioma no qual aparece-rá a obra.

A capa do manuscrito prova quea obra havia sido proposta, sem êxii-to, por seus autores para ser repre-sentada no Théâtre Français, mas apergunta é: em que época? O ano

1853 havia sido adicionado por ou-

tra mão, e a lápis, sobre a capa, mas oescrito parecia mais recente. Propusem meu preácio uma elaboração

mais tardia, datada de cerca de 1858,«posto que a obra se insere junto aOnze jours de siège (representadaem 1861) e Le bon moti  (escrita em1860 e representada em 1873 como título Un neveu d’Amérique) emuma série de comédias onde Vernee Wallut exploram as singularidadesda jurisprudência e dos seguros»1.Esta suposição se conrmou a partirdo descobrimento de uma carta deJules Verne dirigida a seu colega Vic-torien Sardou na qual pedia apoio.Esse precioso documento, que aindanão havia sido achado, deve ter sidoescrito en 1860: «Meu estimado Sar-dou, envio-lhe aqui o Fils adopti quesomente lhe exigirá um quarto dehora de sua atenção. Veja se gosta ounão. Caso se veja obrigado a perdermeio dia com ele, será muito; então,renunciaremos.»2

Durante muitos anos, o autor

dramático Victorien Sardou (1830-1908) havia conhecido os mesmosproblemas e obstáculos que JulesVerne para aprepresentar-se nosteatros parisienses. Sua primei-ra obra de teatro, La Taverne desétudiants, representada em 1854 noThéâtre de l’Odéon, ora um racas-so total, o que parecia ter posto umtérmino prematuro a sua carreira;somente em 1859, com o apoio dacélebre atriz Virginie Déjazet, Sar-

1 V. Dehs: «Un Fils adopti perdu... et retrou-vé», em Bulletin de la Société Jules Verne n°140, 2001, p. 7..

2 Facsímile de uma carta que provem dacoleção dos herdeiros de Sardou, surgidacom a legenda «Quando Jules Verne, ele mes-mo, também, aplaudiu Sardou» em Cahiers dela Compagnie Madeleine Renaud,  Jean-LouisBarrault (París), n° 21, dezembro de 1957, p.49 e reproduzido em meu artigo «Jules Ver-ne, correspondant de Victorien Sardou», noBulletin de la Société Jules Verne n° 150, 2004,

pp. 19-20.

dou conheceu o sucesso e chegoua impôr-se denitivamente (e até aom do século!) como a grande estre-la do mundo dramático em Paris. É,portanto, compreensível que JulesVerne houvesse solicitado o apoiode seu amigo «recém-chegado» para

azer com que seu texto osse aceitopor um diretor qualquer – em trocada «colaboração» de Sardou, cujonome atraía multidões ao teatro. As-sim, as correções sobre o manuscritonão provêem de Charles Wallut (cujaescrita é além disso um pouco maisminuciosa), mas de Victorien Sardou!Esta recente revelação justica, emminha opinião, reproduzir o texto daobra, tal como oi escrita por Verne e

Wallut, porém assinalando nas notas

Ilustração do círculo dos Onze sem mulheres.

O detalhe mostra de cima para baixo: umdesconhecido, Charles Wallut, Jules Verne, o

compositor Aristide Hignarde outro desconhecido.

A oto deve datar de ns ds anos 50.

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http://slidepdf.com/reader/full/mv910ppdf 37/48Números 9-10

 A ação acontece no parque de Dumortier em Navarre.Um pavilhão à direita. Ao undo uma ponte de tábuasconstruída sobre um pequeno rio. Cadeiras rústicas.

Cena IDUMORTIER, ISIDORE, IPHARAGHERRE.

DUMORTIER: (A Isidore) E a senhorita Cesarine? 

ISIDORE: Acabo de encontrá-la azendo seu passeiohabitual pelo parque.DUMORTIER: Acontece que Cesarine levanta-se maiscedo que seu tio, o Barão, que tem acordado bemmais tarde. Desde que meu nobre amigo aceitou ahospitalidade do pavilhão em meu parque, tem-selevantado da cama tão tarde que é obrigado a tomar ocaé da manhã sozinho. Tem-nos privado dessa honra…ISIDORE: Por que honra?DUMORTIER:Por acaso não sabe que os Entremouillettespertenecem à nobreza mais alta de Sologne?ISIDORE: Bem... e daí?

DUMORTIER: E daí? E daí? Céus, você nunca entenderánada dessas coisas.ISIDORE: É bem provável.DUMORTIER: (a Ipharagherre) E você, Ipharagherre?IPHARAGHERRE: Eu diria, Sr. Dumortier, que isso melembra a história de Lampourdan e Etcheverry.DUMORTIER: Ipharagherre, meu amigo, aça o avor deguardar suas histórias bascas para outra ocasião e digalogo o que você descobriu.ISIDORE: Se é que encontrou mesmo algo.IPHARAGHERRE: Bem, quanto a isso, Sr. Dumortier,seguimos suas instruções, e por um dia e duas noites,sem alsa modéstia, atravessamos um duro caminho,mas com pernas bascas, iríamos de cabeça até o m domundo.ISIDORE: Tio, as histórias deste guardião me aborrecem.(senta-se.)DUMORTIER:  (a Ipharagherre) Pelo menos uma vez navida, não pode ir direto ao assunto quando ala de algo?IPHARAGHERRE: Senhor! É diícil marchar direto emum país de montanhas. Para o senhor é ácil alar. SeEtcheverry e Lampourdan estivessem aqui...ISIDORE: Se eles estivessem aqui teríamos que ir

embora, porque o lugar caria insuportável. Três bascospara contar uma história! Demônios!DUMORTIER: Pela última vez, Ipharagherre, me dirá simou não, se minhas instruções oram executadas…IPHARAGHERRE: Claro que sim, Sr. Dumortier,encontramos algo! Após atravessar a montanha, escavaros bosques e uçar nas tocas… Descobrimos um urso!DUMORTIER: Um urso!

IPHARAGHERRE: Um magníco urso! E com rastros tãograndes assim, lhe mostrarei quando desejar.DUMORTIER: Que seja.IPHARAGHERRE: Está muito perto daqui! Chegamoscom Lampourdan.ISIDORE: E Etcheverry?IPHARAGHERRE: Etcheverry atraiu a era até aqui e, aesta hora, vagueia pelos arredores. Ela já devorou doisbezerros e lhe juro que não seria sensato dar um passeiopor lá sem estar armado até os dentes.DUMORTIER: Dois bezerros! Que coisa! Denitivamenteme agradaria um urso, um1 pequeno urso.

ISIDORE: Um urso de antasia, um urso de pelúcia! Ah,rancamente, tio! Que demônios iria azer com um urso?Vai converter-se em caçador agora?DUMORTIER: Eu... Caçador! Eu, misturar-me com cães,lutar corpo a corpo por meio de ardis com uma perdiz ouenganar uma lebre!ISIDORE: Ou usar de malicia com um urso.DUMORTIER: Como disse, com um urso! Nunca, não,isso não é para mim. Isso é algo para meu digno amigo, oBarão Gulistan de Entremouillettes.ISIDORE: Ah! É para o senhor Barão...

DUMORTIER: Em sua alta casta, o gosto pela caça étradicional; portanto não quero que deixe Navarre semter experimentado o prazer de matar um urso em plenamontanha...IPHARAGHERRE: E se ele mata a este, estará matandouma beleza, pois lhe direi, com todo respeito, Sr.Dumortier, se o captura, nem encheria a boca com osenhor!DUMORTIER: Ah, uma bocada ou duas, se captura amim! É algo para preocupar-se...ISIDORE: Para mim, chega.

1 Artigo agregado por Sardou.

O Barão d’Entremouillettes. 50 anos

Cesarine. Sua sobrinha. 20 anos.Dumortier. Seu amigo. 50 anos.

Isidore Barbillon. Sobrinho de Dumortier. 25 anos.

Ipharagherre. Guardião da casa basco.Laurent. Mordomo da casa do Barão.

Personagens

Esta obra de teatro oi publicada pela primeira vez em espanhol no site de Cristian Tello a partir de uma tradução deum texto em inglês eito por ele próprio. O texto que a seguir se reproduz oi revisado e corrigido por Ariel Pérez, quetomou como base a edição de Cristian e realizou as correções necesssárias a partir do original rancês publicado noBulletin de la Societé Jules Verne, número 140 do quarto trimestre de 2001. Jules Verne & Charles Wallut: Un ls adopti, p. 15-48.

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Primeiro semestre de 2009

IPHARAGHERRE: Porém o senhor, Sr. Barbillon, pareceazer pouco caso disso.ISIDORE: Eu? Fazendo pouco de um urso? Se ainda osseum tapete de urso, não diria nada...IPHARAGHERRE: É uma era repugnante, creia-me,e apesar de toda sua ciência, seu estudo das leis e doscódigos, ela saberá como derrubá-lo.ISIDORE: Sim, dentro de seu estômago! Não duvidonada e é por isso que evitarei um encontro com ela. Nem

mesmo para o senhor Barão sentir-se bajulado.DUMORTIER: Assim espero, mas meu nobre amigo tardaem apresentar-se; haverá passado uma má noite? É meudever inormar-me. (Dirige-se à porta do pavilhão) 

Cena IIOs mesmos. LAURENT.

DUMORTIER: Senhor Barão?LAURENT: (com uma navalha de barbear na mão) Tenhoa honra de azer a barba do senhor Barão. (Volta paradentro)ISIDORE: Com a navalha de seus ancestrais!DUMORTIER: Bem! Não tardará em sair para tomar seuchocolate ao ar livre. Sabe que por uma delicadeza muitodigna de sua estirpe, az acompanhar-se, quando viaja,de sua louça de prata e não come se não com os talheresque trazem seu monograma ( A Ipharagherre). Por tanto,Ipharagherre, prepare-se, e avise seus amigos…ISIDORE: Etcheverry e Lampourdan! Toma bem suasprecauções de maneira que não haja danos, sobretudoa esse digno….2

IPHARAGHERRE: Mas3

a que horas o Barão deEntremouillettes se dignará a preparar-se para a casa?DUMORTIER: Tem razão, necessitamos sabê-lo... (Toca acampainha) Senhor Barão…LAURENT: (Aparece com um pente na mão) Tenho a honrade pentear a peruca do senhor Barão. (Volta para dentro)ISIDORE: Com o pente de seus ancestrais!DUMORTIER: Bem, meu amigo4, não posso permitir-me insistir a tirar meu nobre amigo de suas grandespreocupações. Fiquem a postos, é tudo o que posso dizer.IPHARAGHERRE: Estaremos a postos.ISIDORE: E aconselhe a seu urso, caso em algum

momento ele se digne a admiti-lo em sua intimidade5,que não tente azer mal ao Barão, a quem caberá a honrade matá-lo.IPHARAGHERRE: Ria! Ria, Sr. Isidore!, Se soubesse aaventura acontecida com Lampourdan e Etcheverry nanoite em que…

2 Frase suprimida por Sardou a partir de «toma».

3 Palavra eliminada por Sardou.

4 Principio de rase suprimida por Sardou.

5 A partir de «caso em algum momento», aparece un segmento

de rase suprimida por Sardou.

ISIDORE: Não! Não desejo conhecê-la.DUMORTIER: Vá, Ipharagherre, vá! E que tudo ocorra damaneira devida.6 (Ipharagherre sai)

Cena IIIISIDORE, DUMORTIER [depois LAURENT]

ISIDORE: Tio, agora que nos encontramos a sós, devoconessar-lhe um segredo e pedir-lhe um avor.DUMORTIER: Com prazer, meu querido rapaz, eu o ouço.ISIDORE: Eu nem sei por onde começar...7

DUMORTIER: Pelo nal!ISIDORE: Bom, nesse caso… Eu amo a…DUMORTIER: Espere um instante! Estou pensando… seo Barão não or um caçador... (vai até o pavilhão e bate na

 porta) Senhor Barão…LAURENT: (Aparece com uma calcadeira na mão) Tenho ahonra de calçar o senhor Barão. (Volta para dentro)ISIDORE: Com a calcadeira de seus pais!DUMORTIER: Reparou como são respeitosos seusempregados? Não, estou de acordo com você… O queme dizia, então…?ISIDORE: Estava dizendo, tio, começando pelo nal, queamo a senhorita Cesarine.DUMORTIER: (Espantado) A senhortita Cesarine?8

ISIDORE: A senhorita CesarineDUMORTIER: A senhorita Cesarine d’Entremouillettes?ISIDORE: Ela também.DUMORTIER: Como? Ela o ama?ISIDORE: Perdoa-me! Não quis dizer que me ame, disse:

ela mesma, em pessoa.DUMORTIER: A sobrinha e protegida do Barão Gulistand’Entremouillettes?ISIDORE: Sua própria sobrinha e protegida.DUMORTIER: Você? Isidore Barbillon?ISIDORE: Sim, eu mesmo.DUMORTIER: Filho de Jean Barbillon e ClaudineTournecer?ISIDORE: Assim como dizes.DUMORTIER: Um advogado sem causas?ISIDORE: Sem causas, mas não sem eeito...DUMORTIER: Mas já considerou, ineliz, a distância que

os separa? Antes de mais nada, a senhorita  Césarine é aúnica herdeira de seu tio, duas ou três vezes milionário,enquanto que, de minha sucessão, sua única ortuna

6 Esta última parte da rase oi suprimida por Sardou.

7 O começo da cena oi substituido por Sardou pelo seguintediálogo:« ISIDORE (vivamente): Tio!» DUMORTIER: O que desejas?» ISIDORE: Tenho um grande segredo a dizer-lhe. Mas não sei poronde começar...».

8 Sardou agrega «d’Entremouillettes» e suprime as duas réplicas

seguintes.

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d’Entremouillettes!DUMORTIER: Ah! Senhor Barão.O BARÃO: Quem é? Meu querido Dumortier, suponho.DUMORTIER:  (Dirigindo-se a Isidore15 ) Ele disse: Meuquerido Dumortier!ISIDORE: (Em voz alta) Senhor!O BARÃO: Ah! Sr. Isidore, imagino.ISIDORE: (Aparte) Imagina todo o tempo! Que homem!O BARÃO: Ah! É você, Cesarine.

CESARINE: Dormiste bem, tio?O BARÃO: Dormi prazerosamente, Cesarine, e você?CESARINE: Eu também, tio.O BARÃO: Encanta-me saber que seus sonhos sãodignos de seu berço e que nossa amília nada tem de queenvergonhar-se.CESARINE: Nada! (Fala baixo a Isidore) Eu pensava emvocê, Sr. Isidore.ISIDORE: Querida Cesarine.LAURENT: Honrará o Senhor Barão estas16 árvores,almoçando sob sua sombra?O BARÃO: Sim! Laurent, traga-me o serviço aqui. Tenhomuito17 apetite esta manhã (Laurent põe uma pequenamesa e nela coloca pratos e talheres que traz do pavilhão.)  DUMORTIER: Sinto-me contente porque o ar de nossasmontanhas lhe é benéco, Sr. Barão.O BARÃO: Sim! O ar daqui é bastante agradável etambém o são os pulmões de todos nós, não é assimtambém no seu caso?ISIDORE: Sim, é verdade, Senhor Barão18, não é nossaculpa se respiramos o mesmo ar que o senhor, mas…O BARÃO: Respirem, cavalheiros, respirem, eu osautorizo!

ISIDORE: O senhor é tão generoso...LAURENT: O Barão honrará esta mesa com sua presença?O BARÃO (sentando-se): Claro, Laurent. Senhores, jápodem sentar-se.DUMORTIER: Estariam estes ovos sucientementecozidos para o senhor?O BARÃO: Sim… São ovos de uma galinha comum?DUMORTIER: Ah! Não temos galinhas de raça em minhagranja, que me perdoe o Senhor Barão, mas no que dizrespeito aos ovos, posso assegurar ao Senhor Barão queestes oram encomendados de uma maneira especial epostos segundo seus desejos.

O BARÃO: Muito bem, Dumortier. Em casa estouacostumado a azer pintar meus escudos de armas sobreos ovos que como, mas aqui…DUMORTIER: Lamento muito… se eu soubesse... Se oSenhor Barão…ISIDORE:  (A Dumortier) Tio, não lhe ale na terceira

15 Por um lapso, Verne escreve «Jean».

16 Manuscrito: «suas»

17 Manuscrito: «um» corregido por Sardou.

18 Sardou sustituiu por: «Nossos pulmões são eitos do mesmomaterial que os seus ». Suprime as duas respostas seguintes e az

com que o Barão responda: «Realmente».

pessoa, ca parecendo seu criado.DUMORTIER: Quanto a mim… eu… (tenta servir aoBarão algo para beber) O BARÃO: Perdoe-me, mas você deve saber que, ora decasa, bebo somente água!DUMORTIER: Mas é um Hermitage de 1834.O BARÃO: Vejamos... Sim, não está tão mal.ISIDORE: O senhor deve ter curiosas armas em seuescudo, Senhor Barão.

O BARÃO: Certamente! Conhece algo acerca da arteheráldica, Sr... Isidore…?ISIDORE: Na verdade nós, homens das leis, somosorçados a conhecer de tudo um pouco. O BARÃO: Eetivamente portamos armas, na mão umestandarte de arminho, que carrega estas terríveispalavras como lema: “Salve-se se puder!”DUMORTIER: Maravilhoso! Esplêndido!ISIDORE: (Aparte)19 Idiota! Bruto!LAURENT: Se o Senhor Barão deseja azer às perdizes dolocal a honra de...O BARÃO: Com gosto… Sr. Dumortier, dirá de nossaparte a seu chee de cozinha, que o Senhor Barãod’Entremouillettes está satiseito com ele.DUMORTIER: Estará muito honrado, Senhor Barão.O BARÃO: Você tem aqui um bom campo para a caça.DUMORTIER: Excelente! O pêlo, a pluma, as pequenas eas grandes bestas!O BARÃO: A caça é um nobre entretenimento, azrecordar os rudes trabalhos de guerra, ali podíamos sergrandes caçadores.DUMORTIER20: Bem, Sr. Barão, isso me anima a revelar-lhe sobre uma excursão que preparamos com a intenção

de que lhe resulte agradável.O BARÃO: Diga, Dumortier, estou escutando.DUMORTIER: É acerca de uma caçada de ursos.O BARÃO: Caça a ursos! Sim, muito me agrada!DUMORTIER: Meus caçadores capturaram um dessesmagnícos animais em honra do Senhor Barão.O BARÃO:  (Levantando-se) Muito bem, Dumortier.Agradecemos por seus denodados esorços para tornarnossa estada algo agradável! Um urso! Minha nossa! Serábem recebido. É uma verdadeira presa real, com a qualnosso grande rei Henri mais de uma vez lutou nessasmontanhas. Um urso! Laurent, prepare imediatamente

meu equipamento de caça. Vá e não me aça esperar...(Laurent sai.) 

CENA VIOs mesmos menos LAURENT

DUMORTIER: Sr. Barão, estou encantado que o senhortome o assunto com seriedade.

19 Resposta suprimida por Sardou.

20 S

ardou adiciona: «encantado».

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http://slidepdf.com/reader/full/mv910ppdf 41/48Números 9-10

O BARÃO: Nos acompanha?DUMORTIER: Sou de um humor pouco belicoso, porémtalvez meu sobrinho…O BARÃO: O cavalheiro será bem-vindo em nossacomitiva.CESARINE: Tio, não vá se expor a perigos...O BARÃO: Não se preocupe, sobrinha, conhecemos essetipo de jogo e eu mesmo trarei para você uma das patasdo monstro.

CESARINE:  (A Isidore) Ele parece estar de bom humor.Fale agora!DUMORTIER:  (A Isidore) Eu lhe suplico, sobrinho, nãodiga nada! Arruinará minha caçada!CESARINE: Fale!ISIDORE: Não é tão ácil!CESARINE: Coragem, estou aqui!ISIDORE: Sr. Barão, tenho um pedido a azer-lhe; porém,antes de mais nada, peço-lhe que me perdoe por meuatrevimento.O BARÃO: Fale, senhor, não nos aborrecem as coisasatrevidas.DUMORTIER ( Aparte): Não aço a menor ideia de ondechegará tudo isso...ISIDORE: Senhor Barão, eu amo a senhorita  Cesarine,sua sobrinha, e tenho a honra de pedir-lhe sua mão emcasamento.O BARÃO: Hã?DUMORTIER: É verdade.O BARÃO: Senhor, antes de mais nada, reconheço aranqueza de seu pedido. O senhor usou, acertadamente,a rase que habitualmente é usada nestas circunstâncias.ISIDORE: Senhor Barão!

O BARÃO: Sr. Barbillon, lhe responderei da orma que ostios sempre respondem a essa mesma rase: muito mehonra seu pedido, porém…CESARINE: Tio, meu querido tio.O BARÃO: Cesarine, vá imediatamente a seus aposentos,onde darei minhas instruções nais e denitivas. (Cesarinese vai, azendo um sinal de simpatia a Isidore) Os senhores,cavalheiros, escutem-me.DUMORTIER: Mas o urso que tem a honra de esperarpelo Senhor Barão!O BARÃO: O urso esperará, senhor, e não penso que sejadesonrado por esperar.

Cena VIIO BARÃO, ISIDORE, DUMORTIER

O BARÃO: Cavalheiros, desde o século nono, um de meusancestrais, Renaud d’Entremouillettes, oi secretário dorei Luis o Bonachão, ou seja, mordomo da Mansão Real.ISIDORE: (Aparte) Meu tataravô oi serviçal também emuma amília honorável, o que é a mesma coisa...O BARÃO:No século décimo, Goderoy d’Entremouillettes

oi caudilho do rei Roberto, ou seja, o encarregado de seu

estábulo.ISIDORE: (Aparte) Meu avô oi cavalariço, o que é quasea mesma coisa21.O BARÃO: Durante as Cruzadas, os Senhoresd’Entremouillettes acompanharam seus reis a TerraSanta, e muitos deles oram assassinados ali, legando aseus netos uma glória e nobreza imorredoura22. Insiste,então, o senhor a casar-se com uma d’Entremouillettes?ISIDORE: Insisto, Senhor Barão! 

DUMORTIER: (Aparte) Aonde vai chegar tudo isso?O BARÃO: Não lhe alei ainda da ortuna atual e uturade Cesarine, minha herdeira, porque o senhor sabe o quepenso do dinheiro; então compreenderá, sem que sejanecessário repetir-lhe, que uma d’Entremouillettes nãopode chamar-se Senhora Barbillon.ISIDORE: Entretanto…O BARÃO: Tenho a honra de dizer-lhe que noved’Entremouillettes tomaram parte em nove cruzadas.ISIDORE: Ah, senhor! Ali haviam milhares de Barbillonsna contenda...O BARÃO: Nunca nos encontramos com nenhum deles,senhor. E quanto ao resto, o senhor não me desagrada,Sr. Isidore, ao contrário, é um jovem agradável23.ISIDORE: (Modestamente) Ora...O BARÃO: Não digo que tenha a boa aparência de umAnne d’Entremouillettes, meu antepassado, mas é umum jovem simpático e inteligente, mas pelo amor deDeus, por que tem um sobrenome tão desagradável?Chame-se ao menos de Luynes ou Montmorency eminha sobrinha será sua.ISIDORE: O senhor é muito bom. Que tal ler amanhã noMoniteur : “O Sr. Isidore Barbillon solicita carregar o nome

Montmorency, sob o qual nunca oi conhecido antes”.DUMORTIER: Deixe de brincadeiras!O BARÃO: Dumortier, gostaria de saber qual é o maiorsonho da minha vida?DUMORTIER: Sim, gostaria, Senhor Barão.O BARÃO: Ter um lho, que leve meu nome e que este secase com minha sobrinha!... Sou, como sabem, o últimovarão da grande dinastia dos Entremouillettes; depois demim, meu nome se extinguirá como uma lâmpada...ISIDORE: Necessita azeite!DUMORTIER: Por que não se casou, Senhor Barão?O BARÃO: Me casei nove vezes.

ISIDORE: Tantas mulheres quanto a quantidade deantepassados nas Cruzadas! Essa é sua maneira decruzar-se...24

DUMORTIER: E nunca teve lhos?O BARÃO: Nunca! Peço que creia que não oi minha

21 Sardou az uma nota de uma alternativa sem eliminar a primeiraversão: «Claro! Nunca tivemos noivos na nossa amilia».

22 Genealogia que lembra a da Le mariage de M. A. des Tilleuls

23 Sardou marca as três últimas respostas com uma linha em ormade bobina.

24 As últimas respostas estão marcadas por Sardou com uma linha

em orma de bobina.

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Primeiro semestre de 2009

culpa25.DUMORTIER: Por que26, então, Senhor Barão, não adotoualgum jovem para que levasse seu nome e perpetuassesua linhagem?O BARÃO 27: Dumortier! Era de se supor que umd’Entremouillettes se casaria nove vezes sem ser capazde obter um descendente?DUMORTIER: Isso vai contra toda suposição.O BARÃO: Além disso, até pensei nessa possibilidade,

mas para adotar teria sido necessário dar a uma criança,durante sua inância, os cuidados previstos pelo Código,mas não me encontrava nessa situação.DUMORTIER: Ora, ora! Eu, que me tenho a cargo deIsidore… Se o nome Dumortier lhe convém mais que ode Barbillon…28 O BARÃO: Um é tão bom quanto o outro!ISIDORE: O senhor29 poderia também…O BARÃO: Nada, senhor e meu nome expirará!(levantando-se) Penso que já lhe z saber de orma claraminhas intenções. Não nego que a petição do Sr. Barbillonaetou-me notavelmente e prero crer, Dumortier, quevocê não oi cúmplice neste atrevimento.DUMORTIER: Senhor Barão!O BARÃO: Devo retirar-me imediatamente com minhasobrinha; mas antes, quero matar o urso que me oioerecido. Viajarei esta mesma noite, porque a senhorita Cesarine d’Entremouillettes não deve permanecer maistempo sob este teto.ISIDORE: Senhor Barão!O BARÃO: Senhor, tenho dito.

CENA VIIIOs mesmos. IPHARAGHERRE

IPHARAGHERRE: Sr. Dumortier, Sr. Barão…O BARÃO: O que oi? Fale!IPHARAGHERRE: Com todo respeito, Etcheverry eLampourdan acabam de ver o urso a um quarto de horadaquí 30 e se assim desejar, há suciente tempo!O BARÃO: Vestirei meu equipamento de caça e lhealcançarei, amigo; tome as melhores precauções e não

25 Sardou adiciona:« DUMORTIER : Quem duvida? Mas se se casasse [apagado: uma vezmais] pela décima vez.» O BARÂO: Hoje essa seria quem sabe minha maior culpa »

26 Palavras eliminadas por Sardou

27 Sardou sustitui as respostas seguintes até as palavras marcadascom um asterisco pelo diálogo que se segue:« Eh, já sonhei mais de vinte vezes!”» DUMORTIER: E então?» O BARÃO: Seu sobrinho que é advogado, creio, lhe dirá que paraadotar é necessário* haver eito […]».

28 Sardou junta uma resposta de Isidore: «Claro! Para undar umbom lar».

29 Sardou adiciona: «Espere então! Espere!»

30

Sardou adiciona: «devorava um terceiro bezerro».

perca de vista a era.IPHARAGHERRE: Velarei pelo senhor, Sr. Barão31.(Ipharagherre sai e o Barão entra no pavilhão.) 

CENA IXDUMORTIER. ISIDORE

DUMORTIER: Bem, desaortunado32, não quis escutar-

me, não apenas oi duramente contestado mas tambémme ez perder a companhia do Barão…ISIDORE: (Jocosamente) Não se preocupe, tio. Estou maisdeterminado do que nunca.DUMORTIER: O que quer dizer?ISIDORE: O senhor alou com o Barão sobre adoção e elemesmo já pensava nisso, mas sabe o senhor quais são asconsequências da adoção?DUMORTIER: Mais ou menos.ISIDORE: O adotado se converte em lho verdadeirodo adotador... a tal ponto que se constituiinstantâneamente em seu herdeiro legítimo e toma seunome.DUMORTIER: Daí?ISIDORE: Bem33, estarei encantado que não chamemCesarine de Senhora Barbillon, mas de Baronesad’Entremouillettes!DUMORTIER: Não vejo de que maneira o Barão poderiaadotar você, meu pobre Isidore, supondo-se que eleesteja de acordo34, posto que não lhe deu os cuidadosnecessários exigidos durante sua inância.ISIDORE: Antes de tudo, está estipulado, creio, que oBarão adotará sem se importar a quem, desde que seu

nome seja perpetuado para as uturas generações.DUMORTIER: É um dos prejuízos de sua classe e creioque se alguém lhe proporciona os meios…ISIDORE: Isso! E eu lhe proporcionarei…DUMORTIER: Você!ISIDORE35: Recorda-se do que dizem as leis?DUMORTIER: Não! Quem sabe contenham algo quenunca soube.ISIDORE: Bem, escute o artigo 345: «A capacidade deadotar não pode ser exercida exceto a um individuo aquem alguém tenha a cargo desde sua minoridade epor ao menos seis anos, havendo-lhe dado atenção e

cuidados de maneira ininterrupta».DUMORTIER: Daí?36

ISIDORE: Espere! (Continua) «Em caso contrário, a alguémque tenha salvo a vida do adotador, seja em combate

31 Resposta riscada por Sardou

32 ardou sustitui por: «ez um bom trabalho ».

33 ardou adiciona: «é necessário que o Barão me adote e»

34 Início da rase sustituída por Sardou por: «Você está louco».

35 Sardou que suprime as quatro réplicas precedentes az comIsidore comece por: «Trata-se dele».

36

Sardou adiciona: «O Barão já o disse ».

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ou salvando-o do ogo ou de aogamento». Entendeuagora?37

DUMORTIER: Santo Deus! O que pretende azer?ISIDORE: Plantar perigos nos passos do Barão e depoissalvá-lo dos mesmos, muito a seu pesar38.DUMORTIER: Mas a oportunidade! Ele quer ir-se39 aindaesta noite.ISIDORE: Já achei a oportunidade!DUMORTIER: Ah! E qual é?

ISIDORE: O combate, a batalha... Crê o senhor que se oarranco das garras do urso, por acaso não contará comoum combate?DUMORTIER: Indubitavelmante, mas…40

ISIDORE: Deixe por minha conta. 

CENA XOs mesmos. CESARINE. IPHARAGHERRE

 CESARINE: (Entrando) E então?ISIDORE: Vitória, senhorita, vitória!CESARINE: Meu tio?ISIDORE: Negou-se de plano.CESARINE: Mas então...?ISIDORE: Já o tenho! Cone em mim e prepara-se paraagradecer ao urso de Ipharagherre!41

CESARINE: O urso!IPHARAGHERRE: O urso! Você o ouve rugir…ISIDORE: Seu tio! Silêncio!

 

CENA XI

Os mesmos. O BARÃO

O BARÃO: (Vestido com traje de caça) Vamos?IPHARAGHERRE: A caminho, Senhor Barão.O BARÃO: Não vai nos acompanhar, Dumortier?ISIDORE: Não, meu tio preere car, mas quanto a mim, oacompanharei, Senhor Barão.O BARÃO: Vamos, então!IPHARAGHERRE: O urso não está a cem pés do parque.ISIDORE: A caminho e boa caçada!O BARÃO: Não leva uzil?ISIDORE: Ora! Para matar um miserável urso? Além disso,

Senhor Barão, lhe deixarei azê-lo.O BARÃO: Em marcha então! 

37 Essa última rase oi escrita por Sardou depois da respostaseguinte azendo Dumortier responder: «Não menos importante domundo».

38 As últimas duas palavras oram eliminadas por Sardou.

39 Sardou: «partir»

40 Réplica sustituida por Sardou para: «Cuidado! Nada dedisparates!»

41 Depois dos agradecimentos, Sardou substitui por: «Ah, o

bravo urso! O excelente urso!».

CENA XIIDUMORTIER. CESARINE

DUMORTIER: Não há nada a dizer… devo segui-los.CESARINE: Mas o que está acontecendo, Sr. Dumortier, oque se passa?... O que planeja Isidore?... O que quer azercom esse urso?DUMORTIER: Ele está louco!CESARINE: O urso está louco? Oh, por Deus!

DUMORTIER: Não! Meu sobrinho! Sem mencionar que éabsolutamente capaz de devorar o seu tio.CESARINE: O cavalheiro Isidore?... Devorar meu tio?DUMORTIER: Não! O urso! E com seu caráter valente,aventureiro e audaz, é capaz de enrentá-lo corpo acorpo.CESARINE: Ao urso?DUMORTIER: Não! Ao seu tio!CESARINE: Explique-se, eu lhe peço, pois não consigoentender-lhe, Sr. Dumortier! E já me pergunto agoraquem é que está louco por aqui.DUMORTIER: Oh! Perdoa-me, senhorita. Como esperaque lhe explique! Tudo isso me az girar a cabeça! Ourso, meu sobrinho, seu tio! Um tem uma audáciaincomparável, o outro um plano insensato e o terceiro,garras ormidáveis. Tudo isso se conunde e não entendomais nada! E já me pergunto se seu tio não é sobrinho dourso ou se o urso não é o tio de meu sobrinho!CESARINE:Sr. Dumortier, acalme-se! Por piedade, ponha-me a par da situação, o senhor sabe que sou valentetambém, não me oculte a verdade… O que ocorre entremeu tio e o cavalheiro Isidore?DUMORTIER: Nada! Estiveram trocando palavras muito

amáveis e em seguida surgiu a Lei, mas parece que oBarão não havia cumprido com todas as ormalidades.Meu sobrinho é muito versado em leis, passou emtodos seus exames com altas qualicações, estudosinteressantes e uma magníca tese sobre adoção...CESARINE: Mas de todo modo, saíram juntos. Isidoreparecia estar ora de si, teria provocado meu tio?DUMORTIER: Vamos! Se lançaria ao ogo por ele… eulhe garanto… Espere, senhorita, há algo mais que nãosei se posso ocultar-lhe por mais tempo.CESARINE: Fale! Fale!DUMORTIER: Além disso, não desejo ser cúmplice de

um crime!CESARINE: De um crime!DUMORTIER: Veja, meu sobrinho oi…CESARINE: Piedade…DUMORTIER: ... aplicar o artigo 345 do Código deNapoleão! (Escutam-se gritos e um disparo de uzil aolonge) Que oi isso?CESARINE: Gritos! Alvoroço!DUMORTIER: Vem de lá!CESARINE: O clamor cresce.DUMORTIER: Ah! O ineliz!

CESARINE: Que ineliz?

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Primeiro semestre de 2009

DUMORTIER: Meu sobrinho! Não chegou a tempo.CESARINE: A tempo de quê?DUMORTIER: Ele deveria ter deixado escapar o seu

tio...

CESARINE: Meu tio! Socorro!

CENA XIIIOs mesmos. IPHARAGHERRE, depois ISIDORE, O

BARÃO, LAURENT

IPHARAGHERRE: Ah, que desgraça! Um homem tãovalente!CESARINE: Por que? Fale!IPHARAGHERRE: Senhorita…DUMORTIER: Vamos, ale!IPHARAGHERRE: Um rapaz tão corajoso, o Sr. Isidore.CESARINE: Isidore está erido!(Trazem Isidore em uma maca. O Barão o segue.)DUMORTIER: Meu sobrinho!O BARÃO: Ponham-no ali, em uma cadeira, cará bem...um copo de água, rápido!(Cesarine traz um copo com água)DUMORTIER: O que aconteceu?ISIDORE: (voltando a si) Onde estou?CESARINE: Isidore!DUMORTIER: Está respirando! Vive!IPHARAGHERRE: Ah! Sr. Barão, é graças ao senhor queele ainda está neste mundo.ISIDORE: O que aconteceu?DUMORTIER: Isidore, o Barão é seu salvador!ISIDORE: Meu salvador! Estou arruinado!

O BARÃO: O que disse?DUMORTIER: Nada! Ele delira!ISIDORE: Que destino! Tenho que recomeçar!CESARINE: Mas, o que aconteceu?O BARÃO: Oh, não muito...IPHARAGHERRE: Não muito! Simplesmente, o Barão éum admirável atirador.O BARÃO: Ora...quando se está acostumado a usar armasdurante treze séculos!DUMORTIER: Mas, de qualquer modo, explique-se, poravor.IPHARAGHERRE: Muito bem. Quando o urso se dirigia

contra nós, Lampourdan e Etcheverry gritaram-me:Ipharagherre!ISIDORE: Suciente, amigo meu, suciente…O BARÃO: Deus meu, nada poderia ser mais simples.Imaginem que quando estávamos à vista do urso queavançava contra nós, o Sr. Isidore Barbillon perdeu acabeça e se lançou contra a era (um animal eroz, devodizer). Seu sobrinho precipitou-se contra o urso como sehouvesse planejado atraí-lo até nós. Era imposível gritar-lhe… Pare! Pare! Ipharagherre…IPHARAGHERRE: ...e Lampourdan

DUMORTIER: ...e Etcheverry

O BARÃO: ...em vão desgastaram seus pulmõesavisando-lhe: Não avance! Mas ele continuou avançandoe lançando pedras ao animal que saiu em seu encalço. OSr. Isidore Barbillon voltou-se para onde estávamos mas,ao girar, uma raiz o ez cair! Foi então que gritamos a ele:Não se mova! Finja-se de morto!DUMORTIER: Mas isso é algo evidente e muitoconhecido. Quando se é perseguido por um urso, a únicacoisa que resta é azer-se de morto.

ISIDORE: E essa oi minha intenção, tio. Fiquei quietinhoali, com a respiração suspensa. O urso se aproximou, meolhou, me tocou e não me movi… quando de repente…CESARINE: Deus meu!ISIDORE: Cruel atalidade! Ao cair, meu nariz parou juntoa uma planta de tabaco... e esta me ez espirrar!O BARÃO: Espirrou! Homem morto!ISIDORE: O assustado urso retrocedeu primeiro, maslogo depois se voltou contra mim. Perdi a cabeça e…IPHARAGHERRE:E o Sr. Barão, que já havia se aproximadoo suciente, disparou uma bala no coração da era, quecaiu ulminada! Ah, que tiro!ISIDORE: Senhor Barão, agradeço…!DUMORTIER: Obrigado.O BARÃO: Não oi nada! Ao contrário, eu é que agradeçosua amabilidade. Mas nada seria mais simples. Vejo comprazer que o Sr. Barbillon está de pé. Estou encantado dehaver eito este pequeno serviço, mas vou despedir-mede você, Dumortier.DUMORTIER: Mas…O BARÃO: Está dito. Cesarine, prepare tudo para nossapartida.DUMORTIER: Depois de tudo o que aconteceu!

O BARÃO: Minha decisão é irrevogável.ISIDORE: (A Cesarine) Tenho que alar-lhe, senhorita.O BARÃO: Voltarei a minha habitação enquanto meucriado az os últimos preparativos. Vamos, Cesarine.LAURENT: (abrindo a porta do pavilhão e anunciando) OBarão Gulistan d’Entremouillettes!DUMORTIER: Não o abandonarei! (E segue o Barão)

CENA XIVISIDORE. CESARINE. [DUMORTIER]

ISIDORE: Senhorita Cesarine, devo conessar-lhe tudo! Oque z, oi por você, quis orçar o Barão a adotar-me, adar-me seu nome, para assim poder compartilha-lo comvocê!CESARINE: E teria uncionado!ISIDORE: Mas deu tudo errado!CESARINE: Você pensava que sendo devorado porum urso obrigaria meu tio a dar-lhe minha mão emcasamento?ISIDORE: Parece estranho a primeira vista, mas é porqueainda não lhe expliquei... Era eu quem deveria salvar o

Barão e não o contrário! Mas nem tudo está perdido.

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CESARINE: Meu tio vai-se embora! E vai me levar comele!ISIDORE: Ainda temos tempo.CESARINE: Tempo de azer o quê?ISIDORE: Aconteça o que acontecer, não se preocupe.CESARINE: Como assim?ISIDORE: Se lhe disserem que sou um criminoso ou umassassino, não acredite!CESARINE: O que?

ISIDORE: A única certeza nisso tudo é que a amo…A VOZ DO BARÃO: Cesarine!CESARINE: Meu tio me chama!ISIDORE: Espere um instante!CESARINE: Tome, aqui! (ela lhe estende a mão)DUMORTIER:  (entrando) Impossível convencê-lo! Quediabo de homem! Ah, senhorita, o Barão a está chamando.ISIDORE: Só uma palavra.CESARINE: Não posso, mas tome. (e estende-lhe a mãonovamente) ISIDORE: (beijando-a) Obrigado.A VOZ DO BARÃO: Cesarine!CESARINE: Já vou, já vou! (E entra no pavilhão)

 

CENA XVISIDORE. DUMORTIER

DUMORTIER: E agora, o que você pretende azer?ISIDORE: O que devo, aconteça o que acontecer.DUMORTIER: Não pense que vou tentar assassinar oBarão para permitir que possa vir em seu resgate!ISIDORE: Tio, o senhor gosta de mim?

DUMORTIER: Claro!ISIDORE: E está pronto a ajudar-me no projeto decasamento com a bela senhorita Cesarine?DUMORTIER: Sim, no que seja razoável.ISIDORE: Bem, meu plano é lógico e o seguirei até o m.DUMORTIER: Então já vai recomeçar a levar o Barão aperigos extraordinários! Felizmente, e digo elizmenteagora, ele está indo embora e se não estivesse, eu estariapronto para azer-lhe ir!ISIDORE: Tio, alhei da primeira vez, mas terei êxito nasegunda.DUMORTIER: Ah, certamente! Não pensa em atrair um

urso novamente!ISIDORE: Não se preocupe! Mas jurei que Cesarine seráminha e que ela me pertencerá.DUMORTIER: Diabos! Não que muito animado ou arácoisas estúpidas novamente... Qual é o seu plano?ISIDORE: Não tive êxito no combate anterior. Veremos sea água é mais avorável a meu artigo 345.DUMORTIER: Planeja aogar o Barão?ISIDORE: A Lei me autoriza a azê-lo! A única condição éque eu o salve!DUMORTIER: Ah, esses advogados…

ISIDORE: É preciso que eu o salve a todo custo! Qual é a

proundidade deste rio?DUMORTIER: Uns sete ou oito pés, no mínimo.42

ISIDORE: Demônios!DUMORTIER: E a correnteza é muito rápida.ISIDORE: Maldição! Em todo caso, a sorte está lançada!DUMORTIER: Ah, sim, está… e como pretende lançar oBarão na água?ISIDORE: Não se preocupe. Ele apenas cairá, uma tábuamal colocada… um passo em also e pronto.

DUMORTIER: Mas, ineliz! Isso é simplesmente umassassinato!ISIDORE: Chame como quiser, mas vai acontecer!DUMORTIER: Ah, meu querido sobrinho…ISIDORE: Além disso, se o senhor se opuser, se avisar aoBarão... estouro os miolos.DUMORTIER: Não haveria muito o que lamentar. Apenasum cretino a menos, e eu não viveria mais em meio acrimes, tiros de uzil, bestas erozes, aogamentos…ISIDORE: Mas para que isso termine, deixe-me agir. Dequalquer orma, uma vez que o Barão esteja na água, melançarei eu mesmo depois dele.DUMORTIER: Mas... você sabe nadar?ISIDORE: Não de todo.DUMORTIER: Mas, então…ISIDORE: Então o senhor me emprestará seu colete salva-vidas, com o qual passou excelentes dias em Biarritzdurante o último verão.DUMORTIER: Você tem resposta para tudo!ISIDORE: E digo mais: Não temos um minuto a perder!DUMORTIER: Mas meu pobre Isidore, meu queridosobrinho, você tem reetido bem?ISIDORE:Tenho reetido demais! Pode ou não conseguir-

me o tal colete?DUMORTIER: Eu o arei! Que diabo! Mas explique-mecomo pensa em usá-lo. Sobretudo, deve ser cuidadosocom as armadilhas que armará para o Barão, não vá azercom que mais alguém caia nelas... eu, por exemplo.ISIDORE: Vamos logo com isso! O colete ou a morte! OBarão pode ir embora de um momento para o outro.DUMORTIER: Já vou, já vou.ISIDORE: Não é para caminhar, tio. É para correr! Corra deuma vez! (Dumortier sai correndo.) 

CENA XVIISIDORE (sozinho)

(A cena da ponte pode, se necessário,ocorrer por trás dos bastidores)

ISIDORE: Agora, ao trabalho! Tudo isso pode ser umapequena loucura, mas as loucuras podem ter êxito.Vejamos, o Barão, para alcançar a entrada do parque,necessariamente deve passar por esta ponte. Mas, o queé essa ponte? Uma simples tábua que se estende de uma

42

Dois metros e meio (N. do T.).

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Primeiro semestre de 2009

margem a outra do rio. (Movimenta-a) Bem, isso será ácil!Se alguma vez uma ponte esteve destinada a desabarsob os pés de um transeunte, sem dúvida é esta. Pereito!A balaustrada está comida por vermes e não resistirá aum choque. Não poderia ser melhor! A passada de umacriança a derrubaria… é como na vida… a gente pensater posto o pé sobre… Demônios! O Barão!

CENA XVIIISIDORE. O BARÃO. CESARINE. LAURENT

LAURENT: A que carruagem conerirá o Barão a honra detransportá-lo?O BARÃO: O primeiro coche que encontrarmos.LAURENT: O Barão não está acostumado a viajar emqualquer simples carruagem...O BARÃO: Se or necessário, esperarei na cidade vizinhaaté que meus cavalos venham recolher-me.ISIDORE: (Aparte) E meu bendito tio que não volta!CESARINE: Bem, Sr. Isidore!ISIDORE: Não se preocupe. (Aparte) Estou com umaansiedade mortal!LAURENT: A que horas terá o Senhor Barão a honra departir?O BARÃO: Imediatamente, minhas malas estão eitas.LAURENT: Os baús com as armas do Barão deEntremouillettes estão completamente lacrados. Eumesmo os transportarei até a estrada.ISIDORE: E meu tio! Meu tio!O BARÃO:  (A Laurent) Distribua esta bolsa entre os

criados do Sr. Dumortier.LAURENT: O Barão não precisa preocupar-se! Eu cuidareidos lacaios. (Põe a bolsa em seu colete.)O BARÃO: E agora, em marcha.ISIDORE: Deus meu!O BARÃO: (Dirigindo-se à ponte) Vamos, Cesarine!ISIDORE: (Colocando-se em rente a ponte) Nunca!O BARÃO: Ah, Sr. Barbillon, não havia reparado nosenhor. Sente-se bem?ISIDORE: Nada mal! E o senhor?O BARÃO: Encantado de encontrá-lo para dar-lhe meuúltimo adeus!

ISIDORE: Sr. Barão, sou eu quem, após o avor com queme brindou…que jamais poderia deixá-lo ir sem…(Aparte) E meu tio que não vem!!O BARÃO: Trégua com gratidão. Fiz apenas o que devia.Bem conhece a divisa de nossa amília: “Salve-se sepuder!”ISIDORE: (Aparte) Agradeceria aos céus se osse a minha...O BARÃO: Vamos, Cesarine.ISIDORE: (Interpondo-se) Um momento mais. (sussurra aCesarine) Senhorita, impeça que seu tio vá até a ponte!CESARINE: Ah!

O BARÃO: Bem, Laurent, continuemos!

ISIDORE:  (Retendo-o) Laurent, meu bom Laurent,piedade!LAURENT: Senhor, vá à rente ou depois do Senhor Barão,como deseje. É uma honra que não permito a qualquerum.ISIDORE: Laurent! Não avance mais!O BARÃO: Está louco, senhor?ISIDORE: E meu colete? Meu colete!CESARINE: Mas, tio, não deveríamos esperar pelo Sr.

Dumortier para nos despedirmos dele?O BARÃO: Sobrinha, se esta casa é como deveria ser,encontraremos o seu dono na porta de saída.ISIDORE: Não, na verdade! Ele não estará ali.O BARÃO: Bem, tanto pior para ele, senhor. Marchemos,Laurent!ISIDORE: (ora de si) Não, Laurent. Não passarão!O BARÃO: Bem, veremos, Sr. Barbillon, se ousará interpor-se no caminho do Barão d’Entremouillettes. (Laurent seaproxima de Isidore.) ISIDORE: No irão mais além! Ninguém passará!CESARINE: Tio!O BARÃO: Um d’Entremouillettes jamais retrocede!ISIDORE:  (Lutando) Ajudem-me! (O Barão alcança ametade da ponte e dá um salto mortal)O BARÃO: Ahhh!LAURENT: Senhor Barão!ISIDORE: O que lhe disse? Seja o que Deus quiser! (e selança ao rio.) CESARINE: Tio! Socorro! Ajudem! (Laurent sai pela

 praia)

CENA XVIIICESARINE. DUMORTIER

DUMORTIER: (Com um colete nas mãos) O que houve?CESARINE: Meu tio! Isidore se jogou atrás dele!DUMORTIER: Mas ele não sabe nadar!CESARINE: Ah! (e desmaia sobre um banco) DUMORTIER: Ineliz! Inelizes! Lutam, se debatem... masa correnteza os leva! Socorro!

CENA XIX

Os mesmos. IPHARAGHERRE

IPHARAGHERRE:Ah! Dois homens na água! Lampourdan,Etcheverry! Ajudem!DUMORTIER:  (Olhando) Vejam! Alcançaram a margem!Agarraram-se a uma árvore! Estão salvos! Ah, quedesgraça, que catástroe espantosa!IPHARAGHERRE: Aqui estão eles! Aqui estão eles!

CENA XX

Os mesmos. O BARÃO. ISIDORE. LAURENT

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Jules VerneA Pierre, nos começos do ano*

París, [segunda-eira, 8 de janeiro de 1849]1

Meu querido papai:Não sei realmente por que tenho tantas decepções a

cada manhã! Apresso-me a descer meio vestido de meuquarto, com a esperança de encontrar uma carta sua eme consolo dizendo a mim mesmo: se um dia acabar es-quecendo os nanteses, não será somente por minha cul-pa! Asseguro-lhe, meu querido papai, que numa épocadessas, para mim é muito triste não saber noticias no queconcerne ao senhor.

As cartas da vovó e de meu tio Chateaubourg, queresponderei, só alam deles e não me dizem nada sobre osenhor. Teria recebido, meu querido papai, a carta que teescrevi onde alava que as suposições sobre minha alta

de economia não eram undadas, aquela onde demons-trei que a soma que pedi estava destinada ao pagamentode uma matrícula e a presentes para o empregado e oporteiro?

Portanto, apressei-me a escrever esta carta, porquenão queria que esses pensamentos sobre minha contapudessem atrapalhar sua alegria na celebração do anonovo, que creio se passou posteriormente a sua carta,meu querido papai.

É sobre esse tema que espero, a cada minuto, respos-tas positivas!

Fervorosamente desejei receber de si uma carta, an-

tes da correspondência ocial do primeiro.Sabe que recebi apenas 60 rancos. Seria necessário

* Tradução desde o rancês por Ariel Pérez. Extraída do livro JulesVerne, escrito por Olivier Dumas e publicado por La Manuacture, emLyon, em 1988..

subtrair:inscrição 15presentes 15seus presentes 10a subtrair 40Resta-me então receber o complemento, mais os gas-

tos do exame, que são 95 rancos e algo mais para pre-sentes que ainda surjam a comprar1.2

Peço-lhe que me mandes esse dinheiro em espécienão em um cheque!

Perco um tempo incrível nesse maldito banco, ondesempre tenho que regressar por vários dias. Quando ascartas vêm registradas não se perdem pelo caminho.Edouard sempre recebe seu dinheiro sem problemas.

Acabo de receber esta manhã uma carta de Provins,

da avó e de duas tias. Todas elas são muito aetuosas e astias me prometeram vir ver-me em Paris, na primavera.

Minha tia Charnel virá no dia quinze.Minhas relações literárias ampliaram-se notavelmen-

te. Sinto imensa elicidade com elas!Em outra ocasião, contarei mais sobre o assunto.Minha prova será por volta do dia 20 deste mês.Parece que, denitivamente, o cólera voltará a moles-

tar-nos .Beijo-lhe, assim como a mamãe e as meninas, das

quais quero saber que presentes ganharam. Mas sobre-tudo quero cartas, cartas! Adeus, meu querido papai.

Seu lho que te quer.J. Verne

1 Fora este primeiro paragrao, todo o texto anterior oi suprimidona publicação do L’Echo de la Loire..

Continuamos com a publicação das cartasdirigidas a sua amília com esta, de um início de ano,escrita no mês de janeiro de 1849, onde uma vez maisinsiste com seu pai sobre o tema nanceiro e da alta

de noticias de sua cidade natal.

Cartas gaulesas

• Em sua seção dedicada a análise de uma viagem extraordi-nária, Cristian Tello nos alará acerca de Um Drama na Livônia,uma obra de intensa coloração política.

• Alexandre Tarrieu volta com mais curiosidades relacionadas aomundo verniano.

• Eliseo Monteros explorará o universo verniano descrito emsuas viajgens literárias na Argentina.

No próximo número de Mundo Verne se podera ler

 Jules Verne ou amaravilhageográca

Destaca

Interesantes aspectosde análises acerca deuma das obras menos

h id d V

Lionel Dupuy

Outros temas de interesse