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AMAZôNIA OLIBERAL 253 M angue é uma palavra de origem desconhecida, não tem raiz nem no idioma árabe. No en- tanto, esse termo aparece no Senegal, Gâmbia e Guiné como uma palavra nativa, sendo pronunciada como na língua portuguesa. Isto sugere que o nome mangue foi aprendido pelos portugueses na costa oeste africana no início do século XV e espalhada pelo mundo. A palavra mangue ex- pressa a árvore típica desse ecossiste- ma, o manguezal ou mangal. O manguezal é um ecossistema costeiro associado às margens de baías, enseadas, barras, desemboca- duras de rios, lagunas e reentrâncias costeiras, sujeito à inundação das marés, localizado entre os ambientes terrestre e marinho das regiões tro- picais e subtropicais do planeta. Esse ambiente ocupa um quarto de toda a linha costeira ao redor do mundo, abrangendo um total de 181.077 km 2 . O país que possui a maior área de manguezal é a Indonésia, com 42.550 km 2 , estando o Brasil em segundo lu- gar, com 13.400 km 2 . Os manguezais brasileiros representam uma área aproximada de 25.000 km 2 , ocor- rendo desde o Oiapoque, no Estado do Amapá, até Laguna, no Estado de Santa Catarina, sendo que 70% des- sas florestas estão localizadas na li- nha costeira da Amazônia brasileira, compreendendo os estados do Ama- pá, Pará e Maranhão. Poucas espécies A flora típica dos manguezais nas Américas é composta por apenas 8 espécies de árvores, isto se consi- derarmos o mangue-de-botão ( Co- nocarpus erectus L.) como uma das espécies típicas do manguezal. De fato, as principais espécies que for- mam os bosques de mangue no con- tinente americano são: os três tipos de mangue-vermelho ( Rhizophora mangle L., R. racemosa G.F.W. Meyer e R. harrisonii Leechman); os dois ti- pos de mangue-preto ( Avicennia ger- minans (L.) Stearn e A. schaueriana Stapf & Leechman ex Moldenke) e o mangue-branco ( Laguncularia race- mosa Gaertn.f.). Existe ainda outra árvore de mangue conhecida como “piñuela” ( Pelliciera rhizophorae Plan- ch. & Triana), assim chamada pelos povos de língua espanhola dos paí- ses da América Central e do Sul que são banhados pelo oceano Pacífico. Essa espécie não ocorre no litoral do oceano Atlântico e é encontrada des- de a Costa Rica até a Colômbia. Na zona costeira da Amazônia brasileira, seis espécies arbóreas for- mam a paisagem dos manguezais ( R. mangle, R. harrisonii, R. racemosa, A. germinans, A. schaueriana e L. race- mosa). Essas plantas apresentam alta adaptabilidade e ampla distribuição regional, além de um consórcio com mais de 100 espécies de plantas tí- picas de ecossistemas adjacentes (ex. terra-firme, várzea-de-maré, igapó, campo etc.), principalmente por se- rem comuns as chamadas zonas de contato entre esses ambientes. Embora apresentem paisagem relativamente homogênea, as flores- tas de mangue formam manchas de vegetação bastante diferenciadas entre si, mesmo considerando esca- las muito pequenas. Esta variação na paisagem caracteriza a presença de mosaicos de vegetação, cuja forma- ção parece estar relacionada com um possível mosaico de solos. Estudos sobre esse tema reafirmam a corre- lação existente entre a composição florística e a composição do solo sob os bosques de mangue. É importan- te enfatizar que a variabilidade da vegetação ou da paisagem dos man- guezais, ao longo da linha costeira da Amazônia brasileira, preferivelmen- te, deve ser avaliada como uma resul- tante do gradiente formado por esses mosaicos, ou seja, deve ser considera- da a diversidade beta, principalmen- te em função da baixa diversidade de espécies de árvores (diversidade alfa) encontrada nesse sistema. Texto Marcus E. B. Fernandes & Francisco P. Oliveira/ Fotos Tsuji Takayuki Os mangais brasileiros representam 25.000km 2 sendo que 70% está na Amazônia. Reservatórios genéticos e filtros naturais, retêm a erosão e exportam matéria orgânica. Umecossistema às margens ENTRE A TERRA E O MAR, O MANGUEZAL AMAZôNIA Na submata do mangue- zal, as raízes do manguei- ro (Rhizophora mangle) dominam a paisagem.

Na submata do mangue- Rhizophora mangle às margens … (253-255) reduzido.pdf · tanto, esse termo aparece no Senegal, Gâmbia e Guiné como uma palavra nativa, sendo pronunciada

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m angue é uma palavra de origem desconhecida, não tem raiz nem no idioma árabe. No en-

tanto, esse termo aparece no Senegal, Gâmbia e Guiné como uma palavra nativa, sendo pronunciada como na língua portuguesa. Isto sugere que o nome mangue foi aprendido pelos portugueses na costa oeste africana no início do século XV e espalhada pelo mundo. A palavra mangue ex-pressa a árvore típica desse ecossiste-ma, o manguezal ou mangal.

O manguezal é um ecossistema costeiro associado às margens de baías, enseadas, barras, desemboca-duras de rios, lagunas e reentrâncias costeiras, sujeito à inundação das marés, localizado entre os ambientes terrestre e marinho das regiões tro-picais e subtropicais do planeta. Esse

ambiente ocupa um quarto de toda a linha costeira ao redor do mundo, abrangendo um total de 181.077 km2. O país que possui a maior área de manguezal é a Indonésia, com 42.550 km2, estando o Brasil em segundo lu-gar, com 13.400 km2. Os manguezais brasileiros representam uma área aproximada de 25.000 km2, ocor-rendo desde o Oiapoque, no Estado do Amapá, até Laguna, no Estado de Santa Catarina, sendo que 70% des-sas florestas estão localizadas na li-nha costeira da Amazônia brasileira, compreendendo os estados do Ama-pá, Pará e Maranhão.

Poucas espécies

A flora típica dos manguezais nas Américas é composta por apenas 8 espécies de árvores, isto se consi-

derarmos o mangue-de-botão (Co-nocarpus erectus L.) como uma das espécies típicas do manguezal. De fato, as principais espécies que for-mam os bosques de mangue no con-tinente americano são: os três tipos de mangue-vermelho (Rhizophora mangle L., R. racemosa G.F.W. Meyer e R. harrisonii Leechman); os dois ti-pos de mangue-preto (Avicennia ger-minans (L.) Stearn e A. schaueriana Stapf & Leechman ex Moldenke) e o mangue-branco (Laguncularia race-mosa Gaertn.f.). Existe ainda outra árvore de mangue conhecida como “piñuela” (Pelliciera rhizophorae Plan-ch. & Triana), assim chamada pelos povos de língua espanhola dos paí-ses da América Central e do Sul que são banhados pelo oceano Pacífico. Essa espécie não ocorre no litoral do oceano Atlântico e é encontrada des-de a Costa Rica até a Colômbia.

Na zona costeira da Amazônia brasileira, seis espécies arbóreas for-mam a paisagem dos manguezais (R. mangle, R. harrisonii, R. racemosa, A. germinans, A. schaueriana e L. race-mosa). Essas plantas apresentam alta adaptabilidade e ampla distribuição regional, além de um consórcio com

mais de 100 espécies de plantas tí-picas de ecossistemas adjacentes (ex. terra-firme, várzea-de-maré, igapó, campo etc.), principalmente por se-rem comuns as chamadas zonas de contato entre esses ambientes.

Embora apresentem paisagem relativamente homogênea, as flores-tas de mangue formam manchas de vegetação bastante diferenciadas entre si, mesmo considerando esca-las muito pequenas. Esta variação na paisagem caracteriza a presença de mosaicos de vegetação, cuja forma-ção parece estar relacionada com um possível mosaico de solos. Estudos sobre esse tema reafirmam a corre-lação existente entre a composição florística e a composição do solo sob os bosques de mangue. É importan-te enfatizar que a variabilidade da vegetação ou da paisagem dos man-guezais, ao longo da linha costeira da Amazônia brasileira, preferivelmen-te, deve ser avaliada como uma resul-tante do gradiente formado por esses mosaicos, ou seja, deve ser considera-da a diversidade beta, principalmen-te em função da baixa diversidade de espécies de árvores (diversidade alfa) encontrada nesse sistema.

Texto Marcus E. B. Fernandes & Francisco P. Oliveira/ Fotos Tsuji Takayuki

Os mangais brasileiros representam 25.000km2 sendo que 70% está na Amazônia. Reservatórios genéticos e filtros naturais, retêm a erosão e exportam matéria orgânica.

Um ecossistemaàs margensentre a terra e o mar, o manguezal

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Na submata do mangue-zal, as raízes do manguei-ro (Rhizophora mangle) dominam a paisagem.

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A fauna dos manguezais tam-bém apresenta baixo número de espécies (diversidade alfa), quan-do comparada à fauna de outras florestas. Esta é certamente uma característica de ecossistemas lo-calizados em zonas de transição, onde as condições ambientais, ge-ralmente, são bastante inóspitas para a adaptação da maioria das espécies animais. Mesmo assim, o manguezal apresenta uma gran-de variedade de espécies animais, que, não necessariamente, vivem todo o seu ciclo de vida dentro dos bosques de mangue.

Os vertebrados são o grande exemplo dessa fauna associada. Muitas espécies de vertebrados entram nas florestas de mangue, principalmente nos períodos mais secos, à procura de abrigo, comida, ou mesmo para fugir de predadores. Os mamíferos (ex. camelos, bois, veados, macacos, guaxinins, tamanduás etc.) conso-mem grande quantidade de folhas das árvores de mangue, ricas em fibras, sal e outros minerais, além de se alimentarem de pequenos invertebrados (ex. caranguejos, moluscos, poliquetas, insetos etc.), satisfazendo, dessa forma, suas necessidades nutricionais. As aves (ex. guarás, garças, colhereiros, mergulhões, gaviões, passarinhos etc.) são bastante associadas às florestas de mangue, utilizando as copas das árvores como área de reprodução e dormitório, alimen-tando-se de peixes nos canais-de-maré e de pequenos invertebrados no sedimento dos manguezais. Anfíbios e répteis também fazem parte da fauna dos manguezais. A Rana cancrivora, por exemplo, co-nhecida popularmente como sapo-comedor-de-caranguejo, é uma es-pécie de anfíbio que tem seu ciclo de vida inteiro nas florestas de mangue em vários países da Ásia. Outro exemplo é o lagarto Gonato-des humeralis, típico de ambientes terrestres, mas que é capaz de se adaptar às condições existentes nos manguezais. Inúmeras são as associações de espécies de vertebrados provenientes de am-bientes terrestres às florestas de mangue, mas principalmente de organismos oriundos de sistemas aquáticos (ex. peixes, camarões,

lagostas etc.), os quais utilizam os canais-de-maré para reprodução e alimentação em algum momento do seu ciclo de vida.

Contudo, os invertebrados são, de fato, os residentes perma-nentes das florestas de mangue, principalmente crustáceos (ex. caranguejos, siris, camarões), po-liquetas (mais conhecidos como minhocas do mangue) e moluscos (ostras, sururus etc.). Esses ani-mais são importantes para a ma-nutenção do manguezal, oxige-nando o solo através das galerias construídas no chão da floresta, filtrando e decompondo matéria orgânica disponível, dessa forma ajudando na ciclagem dos nu-trientes, que vão ser absorvidos pelas plantas. Os poliquetas são importantes itens na dieta de aves limícolas migratórias e de várias espécies de peixes e camarões de importância econômica, além de servirem como importantes bio-indicadores de poluição e impacto ambiental. Portanto, essa fauna

de invertebrados é um dos princi-pais fatores que promovem a alta produtividade desse ecossistema, sendo as florestas de mangue consideradas como as mais pro-dutivas do mundo.

Importância

Os manguezais são importan-tes pelos mais diferentes motivos. O primeiro está relacionado com a sua flora e fauna diferenciadas, cujas adaptações às condições am-bientais extremas de salinidade e inundação tornam esse ambiente bastante especial, transforman-do-se em um grande reservatório genético, cujas características são únicas e peculiares. Esse ecossis-

tema apresenta relevantes funções biológicas, tais como: a) retenção da erosão da linha de costa; b) formação de barreira diminuindo efeitos de catástrofes como mare-motos e tsunamis e c) redução da contaminação por substâncias tó-xicas (ex. metais pesados), funcio-nando como filtro natural. Além do mais, os manguezais desempe-nham importante papel como ex-portador de matéria orgânica para as águas dos estuários, contri-buindo para a produtividade pri-mária de toda a zona costeira. As-sim, servem como berçário para peixes, moluscos e crustáceos, os quais se desenvolvem nessas águas ricas em nutrientes, produ-zindo alimento abundante para as populações humanas ribeirinhas. Portanto, o manguezal tem uma importância socioeconômica, ge-rando condições favoráveis à ins-talação de várias atividades, que normalmente visam atender aos interesses comuns das populações humanas no seu entorno.

Os invertebrados representam a fauna típica dos manguezais

Crianças participando de atividades de Educação Ambiental reflorestando áreas degradadas dos manguezais de Bragança

as florestas de mangue são consideradas as mais produtivas

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Caminhos Para aProfundamentos

n Amaral, A. C. Z. et. al. 1998. Poliquetas Bioindicadores de poluição orgânica em praias paulistas. Revista Brasileira de Biologia. 58(2):307-316.

n Fernandes, M. E. B. 2003. Os manguezais da costa norte brasileira. Fundação Rio Bacanga. Maranhão. 142p.

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Os mangais têm sido utilizados pelo homem como fonte essencial de proteína animal, via extrativismo de peixes e mariscos, bem como de diferentes produtos de origem ve-getal, fazendo uso de suas proprie-dades bactericidas e adstringentes (medicamento ou substância que produz constrição) na cura de várias moléstias comuns ao ambiente. De fato, vários produtos podem ser ob-tidos dos manguezais, como remé-dios, álcool, adoçantes, óleos, tanino etc. Sua área pode ser utilizada para vários fins, como plantação de ar-roz, exploração de madeira, cultivo de camarão, apicultura, piscicultu-ra, desenvolvimento de atividades turísticas, recreativas, educacionais, além de ser importante alvo para a pesquisa científica. No entanto, boa parte das áreas de manguezal que é explorada é ao mesmo tempo de-gradada para atender aos interesses da população ribeirinha e, na sua maioria, os interesses particulares de empresários da pesca ou mesmo de comerciantes locais.

Na zona costeira amazônica bra-sileira, os manguezais também são explorados de forma problemática, sem planejamento prévio e adequa-do, causando danos inestimáveis ao ecossistema e às populações hu-manas que vivem no seu entorno. Uma das ações antrópicas mais im-pactantes nessa região iniciou-se na década de 70 na península bragan-tina, com a construção da rodovia PA-458, que liga a cidade de Bragan-ça à praia de Ajuruteua, cujo efeito direto foi a degradação de mais de 80 hectares de manguezal, acele-rando o processo de exploração dos

Mangais utilizados pelo homemrecursos ali disponíveis. Dos efeitos mais visíveis, pode-se citar a dimi-nuição do tamanho do caranguejo e da quantidade do pescado, bem como a intensificação do corte das árvores de mangue para produção de lenha e outros produtos.

Por outro lado, considerando a história da ocupação humana no lito-ral amazônico, é evidente que o lega-do ambiental que nos chegou até hoje é produto das relações de populações tradicionais com o meio, ao longo do tempo. Assim, em termos de recur-sos e paisagem, o que herdamos hoje como “natural” pode se tratar, na ver-dade, de um sistema utilizado e reuti-lizado durante séculos. Pesquisas re-centes demonstraram a importância do conhecimento de populações tra-dicionais e, ainda, de como os povos mais antigos vêm utilizando (mane-jando) o ambiente por meio de suas práticas tradicionais, desde tempos imemoriais. Nesse contexto, pode-se salientar que, apesar de toda essa problemática socioambiental evi-dente na zona costeira da Amazônia brasileira, práticas de conservação, no intuito de preservar a paisagem e seus recursos, são também eviden-ciadas. Como exemplo podemos citar a implementação da legislação am-biental, a implantação de períodos de defeso, o aumento do incentivo às pesquisas nos ambientes costeiros, as iniciativas de reflorestamento de áreas degradadas, as práticas de edu-cação ambiental e várias atividades que estão se tornando ações efetivas e despertando o interesse do poder público, das instituições de ensino-pesquisa-extensão e das populações humanas ribeirinhas.

Invertebrado da lama do mangue (Namalycastis sp.)

Cuíca (Micoureus demerarae)

Morcego vampiro (Desmodus rotundus) capturado em rede de nylon

Invertebrado da lama do mangue (Notomastus lobatus)

Poliquetas (minhocas) do mangue(Aedicira sp.)

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